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Como muitos da minha geração, eu tenho experimentado mais nos meus poucos anos do que os meus antepassados numa vida. Até hoje, a experiência que mais me marcou foi meu encontro com o Cordeiro.

Hemeterópolis se situa ao sopé do Morro do Rei. Diz a lenda que, nos tempos coloniais, o enviado do rei escalou este morro para avistar as terras a fim de achar um sítio onde pudesse estabelecer um povoado. Este seria uma extensão do reinado, um lugar de convivência que refletisse o caráter, os valores e os princípios de vida do próprio rei. O enviado avistou o riacho cascateando pelos campos que se abriam até ao horizonte e tinha certeza que havia ali tudo que um povo necessitasse para desenvolver uma bela comunidade. Ele queria que todos soubessem disso e deu nome ao morro: Morro do Rei. Hoje o morro é um ponto turístico da região com uma infraestrutura de mirantes e clareiras onde muitas famílias fazem piqueniques nos finais de semana. A altura te eleva para respirar os ares refrescantes onde se enxerga a quilômetros, avistando os mesmos campos do enviado do Rei.

Era um dia de sábado. No morro, eu conseguia esquecer dos meus problemas. Eu

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subia pela calçada procurando me alienar dos meus problemas e grandes falhas. Naquela semana eu havia bombado em todas as provas, atrasei-me por várias vezes no serviço briguei feio com a minha namorada e acabamos terminando. Já fazia muito tempo que eu estava mal com os meus pais e até com os meus colegas.

Eu caminhava, banhando-me do sol caloroso nesta tarde fria. Meu destino era o Mirante do Príncipe, o suposto lugar de onde o enviado tinha avistado a planície inferior. Para chegar ao mirante, do estacionamento superior, toma-se uma trilha pelo bosque. As árvores do bosque fazem uma sombra refrescante, criando a sensação de passear num lindo mundo paralelo debaixo dessa sombra.

Ao sair do bosque, eu sentia o calor do sol novamente. Eu ia na direção do Banco da Águia-Real. Dizem que a águia real é capaz de avistar um coelho a distância de mais de 3 quilômetros. O enviado do rei foi uma “águia-real” nos seus dias, avistando quilômetros à frente no espaço e pelo tempo. Mas hoje, já estava sentado outro enviado do rei.

O varão empoleirou-se no banco como a águia-real para observar nosso pacato povoado.

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Do mirante, ele contemplava todo movimento do pacato povoado. Olhava de um lado para o outro, e de cima para baixo.

Lembrava-me um arquiteto que examina a construção que desenhou, desejando encontrar os mínimos detalhes do seu projeto. Dava a impressão que sabia tudo sobre a vida da nossa metrópole, como se fosse o urbanista que tinha minuciado cada sistema e órgão desse corpo metropolitano com a perfeição que Deus criou o universo.

Concentrado, ele esquadrinhava cada metro da cidade como se conhecesse tudo e como tudo devia funcionar. Não parecia estar ciente da minha presença ainda a uma distância de aproximadamente 25 metros.

Simples de aparência, não demonstrava ser rico nem pobre. Não era nem bonito nem feio. Nem velho nem jovem. Vestia roupas simples e sem adornos. Nenhum detalhe deste indivíduo chamava minha atenção. Contudo, não conseguia parar de examiná-lo com certa fascinação.

Uma “luz” o envolvia. Eu não via a “luz”, mas a enxergava. Era misterioso, místico até,

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como se enxergasse dimensões da minha cidade que eu não via.

A vontade de me aproximar dele crescia a cada minuto que passava. Por um momento, um temor tomou conta de mim. Digo medo mesmo. Neste instante eu sabia que tudo estava para mudar em minha vida. Até então vinha levando minha vida do meu jeito. Mas agora este encontro podia mudar todo o rumo dela. Pensei em voltar atrás.

Uma sensação de mortalidade me envolveu diante da conscientização da sua imortalidade. Eu tinha uma certeza de que este Ilustre tinha o poder e autoridade para me julgar e condenar à morte.

No mesmo instante, como uma miragem, eu via nele vestes de realeza e majestade. Desacreditando, fechei os olhos com força e abri para ver suas vestes simples novamente. Como que alguém tão simples podia ser Rei? E imortal?

Eu fiquei muito curioso para descobrir quem seria este nobre. Ao mesmo tempo, sentia temor, sim, muito temor. Mas maior foi a minha curiosidade do que o medo, então me aproximei. Nunca vou esquecer a sensação deste

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momento. Até então, era como se eu visse o oceano pela primeira vez. Como se estivesse na praia admirando a imensidão das águas. Podia ouvir o barulho constante das ondas solapando a areia. Sentia a brisa do mar e o cheiro inconfundível das águas salgadas. Eu tinha sentido a grandeza dessa figura sem movimento, como se tivesse olhado uma pintura de um grande artista ficando impressionado. Contudo, eu não esperava o que me ocorreu em seguida. Era como se eu estivesse adentrado na pintura mais valiosa da Terra.

Dando este primeiro passo, à espera de sentir mais medo, acabei sentindo um amor. Não era qualquer amor. Era o sentimento como de um pai que faz tudo pelos filhos, sem se importar com o custo. Amor imensurável, incontestável, irrecusável.

Há poucos metros dele, me surpreendi e me deleitei com a sensação de estar me movendo em águas; as mais puras do mundo, as mais refrescantes, as mais transluzentes. Águas, cujas ondas solapavam até a minha alma. Cada onda trazendo uma sensação nova: santidade, amor, paciência, misericórdia, graça, e muito mais.

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Sua pureza me constrangia. E na esfera onde seu Espírito alcançava, eu sabia de coisas que eu não tinha como saber. Digo: “eu sabia que sabia” que ele jamais pensava em maldade de qualquer espécie. Que não havia nele falsidade alguma e nada que fosse oriundo de falsidade. Nenhuma mentira, nenhum artifício, nem desonestidade. Nenhuma fraude, nenhum logro, tampouco engano. Nele não havia sombra. Sua luz garantia que ele não escondia nem ocultava nada para aquele que desejava se aproximar.

Eu percebia que era a sabedoria em pessoa, que ele sabia de coisas que eu desconhecia. Como se a sabedoria de todos os tempos estivesse acumulada em sua pessoa.

Ele via as coisas invisíveis que eu sentia, mas não enxergava. Sua percepção ia muito além da minha, unindo o natural e espiritual e desfazendo os mistérios ocultos a grande maioria.

Ele tinha respostas às perguntas que eu não saberia fazer, bem como perguntas às quais eu jamais saberia responder.

Ele nem tinha falado comigo, mas eu tinha “ouvido” tudo isso sobre ele simplesmente me

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aproximando. Sei lá, parecia que ele tinha muito para falar comigo, como se eu pudesse sentar do seu lado e ouvi-lo durante dias e dias sem cansar. Parecia que poderia me revelar os segredos do universo, pois nada a ele era mistério.

— Eu Sou o Verbo — disse este visitante misterioso.

Eu “ouvi”, mas ele não tinha falado nada. Curioso. Na sua presença parece que se fala o tempo todo. Palavras que importam, que impactam. Palavras que norteiam. Palavras que criam. Palavras que revelam os mistérios ocultos que pessoas como eu desconhecem.

O ar à sua volta pesava, mas eu respirava normalmente. Perto dele parecia que meus sentidos eram ativados, que a essência de tudo resplandecia.

A sua simplicidade contrastava com a realeza que irradiava deste nobre. Meigo sem ostentação, ele tinha pleno governo de tudo.

Em me aproximar mais e falar com ele, a minha vida nunca mais seria a mesma. Frente à sua magnitude, eu teria que pesar cada expressão, dele e minha. Haveria de pensar antes de perguntar. Refletir antes de responder. Eu sabia que eu não poderia ouvir suas palavras

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como se ouvisse a qualquer um. Ele não era qualquer um. Eu entendia que seria cobrado, provado, comissionado, envolvido, consumido em algo que eu ainda não compreendia por causa deste nosso encontro. Mas eu não queria fugir.

Quando cheguei, ele estava falando em voz baixa. Eu não via mais ninguém em sua presença. Se tivesse, eu jamais o teria interrompido. Fiquei constrangido ao ouvi-lo, mas algo me levava a ele, como um ímã que puxa o ferro para si. Ele reconheceu a minha presença com um olhar. Olhou para mim, para o lugar vago do seu lado e para mim de novo.Seu convite foi discernido e atendido com temor e tremor.

Eu sentei ao seu lado em silêncio.

Fiquei sem consciência de tempo. Ao seu lado parecia que não havia tempo. Como se ontem, hoje e amanhã fosse tudo a mesma coisa. Há poucos segundos eu estava ansioso para falar com ele. De repente não sentia mais nenhuma ansiedade, nenhum motivo de apressar nosso encontro. Parecia que não existia mais ninguém, só eu e ele. E nenhuma outra agenda ou tarefa mais importante. O mundo parou. Esperar para

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ouvir o que este Sábio tinha para falar valia mais que todas as riquezas do mundo.

E ficamos ali durante um tempo.

Eu sentia medo. Medo de olhar para ele. Medo do que ele diria para mim. Medo do que ele poderia fazer comigo. Poder. Justiça. Retidão. Autoridade. Eu sentia tudo isso ao seu lado sem que ele falasse uma só palavra.

Eu estava cabisbaixo, mas sentia que ele estava olhando para mim. Levei um tempo longo para criar coragem e olhar para ele.

Olhei. Ele não estava olhando para mim, e sim para frente. Não como se olhasse para o que estava na frente dele. Mas como se olhasse e visse todos os tempos: passado, presente e futuro. Como se visse outras dimensões e esferas que, para mim, eram invisíveis.

Nele havia plena paz. Eu sentia que ele não se incomodava com nada. Minha presença não o incomodava. A realidade da minha cidade não o incomodava. Eu sabia que o Inspetor analisava tudo que enxergava a fim de identificar o que estava de acordo, ou não, com o seu planodiretor. Eu sei que ele observou muitas coisas ruins da minha amada cidade, mas não esbouçou nenhuma reação negativa. Irradiava

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soberania. Embora tudo parecesse perdido na minha avaliação, ele tinha tudo sob controle.

Não sei quanto tempo fiquei olhando para ele. Ele não se mexia. Parecia gostar. Nunca contemplei alguma coisa ou alguém assim em minha vida. Eu não conseguia tirar os olhos dele. Era como se eu visse algo além do que os olhos podem ver. Bondoso. Amoroso. Justo. Fiel. Leal. Sábio. Absoluto. Brilho maior que o sol. Poder maior que os oceanos. Apóstolo. Profeta. Evangelista. Pastor. Mestre.

Tirei meus olhos dele só um minutinho e fiquei chocado: eu estava “nu”!

Que vergonha. Que vexame. Eu queria me cobrir. Mas estava vestido! De repente, toda a minha podridão voltava à memória. Tudo que eu tinha falado e feito que me envergonhava. E outras coisas que eu não havia sentido vergonha, agora eu sentia ao lado dele. Entendi que ele sabia tudo a meu respeito, como se estivesse presente em cada momento que cometi as minhas vergonhas. A “luz” que o envolvia penetrava os lugares mais profundos da minha alma. A sua pureza descobria o que era mais oculto e escondido do meu passado. O seu amor afagava toda a minha ansiedade e meu medo.

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Ele tinha visto tudo. Ele tinha ouvido tudo. Até os meus pensamentos e sentimentos. E ele não se incomodava.

Eu queria me esconder. E tentava cobrir minha vergonha com as minhas mãos.

Ele não falava nada! Contudo, eu sabia que ele estava ouvindo cada um dos meus pensamentos como se fossem palavras ditas em voz alta. Estávamos conversando sem verbalizar.

Como que ele sabia de tudo assim? Eu não me lembro de tê-lo visto antes. Mas, de repente, ao lembrar as cenas em que eu tinha cometido as minhas vergonhas, enxergava-o no cenário olhando para mim com tristeza.

Quem é esse homem? Quem é essa pessoa que fala sem falar?! Quem é esse senhor? Senhor? “Senhor”, não. Uma voz dentro de mim dizia: muito mais do que “senhor.” Eu chamava o meu pai de “senhor.” Chamo os mais velhosde “senhor.” Mas ele é muito mais que “senhor”. Então, quem é?

Eu não sei como aconteceu, mas de forma involuntária, sem olhar para ele, saiu da minha boca uma pergunta:

— Senhor, quem és?

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Olhei para ele conseguindo ver que Ele esboçara um sorriso miudinho. Eu sabia que ele tinha gostado da minha pergunta e que não se irritara com a minha presença, embora eu estivesse “nu”!

— Eu sou o Patriarca de uma família sacerdotal, a atual que medeia entre Deus e a humanidade. Alguns me conhecem como Melquisedeque, outros como “a luz do mundo”, outros como “ancião de dias”, ainda outros como “Pai da Eternidade”. Tu podes me chamar de “Cordeiro” ou “Senhor” se quiseres.

Eu sou de uma linhagem de realeza. Eu Sou o Rei Imortal e Soberano. Vou governar sobre todas as nações e sobre todos os povos. O meu governo é de paz, alegria e justiça movido pelo Espírito de Deus. O meu governo está em crescimento há muitos anos. Durante um tempo, movido pelo engodo do adversário, o ser amado rejeitou o meu governo. Eu e meu Pai estamos indignados de tanta maldade e vamos pôr um fim nela, pois estamos preparados para suplantar esse império de maldade e trevas e destruir toda a influência do mal. Eu tenho o exército mais poderoso. Ninguém! Ninguém poderá nos resistir! Dia após dia, o ser amado e iluminado, está pedindo: “Venha”!

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Interessante, mas relatando isso a mim, eu ouvia tudo o que ele dizia com a maior clareza, como se fosse uma única enunciação. Sua voz era volumosa como o rugir de cataratas que silenciava qualquer som concorrente. Todavia, não me lembro de ter visto mexer os seus lábios. Ele continuou:

— Tu, Timóteo, estás me vendo aqui, mas essa não é a primeira vez que venho para o mundo.

Por alguma razão eu olhava-o agora como se estivesse examinando-o. Ele vestia um manto que, quando eu vi, caiu sobre o assento. Ele usava uma toga por baixo que reluzia. Na verdade, não sei se era feita de tecido ou se era de luz mesmo! Só sei que reluzia. Mas, ao mesmo tempo, era transparente.

Eu observava marcas por baixo da toga. Suas costas eram retalhadas de cicatrizes. Olhei e vi outras marcas em suas mãos e nos seus pés. E, olhando para ele, e querendo perguntar como ele tinha se machucado, percebi mais marcas na sua testa. Não vou saber explicar a sensação que me passava por dentro. Eu me sentia culpado..., culpado por ter causado essas marcas. Eu não lembrava de tê-lo encontrado antes, muito

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menos lembrava de estar presente para executar a sentença que deixou essas marcas...

— A humanidade para mim é como uma esposa. Como foi feita uma mulher para Adão, meu Pai fez também para mim. Se ela não caísse no engano dos séculos, ela seria minha rainha, reinando sobre a Terra comigo. Mas ela cedeu ao enganador. Ela se tornou como o enganador: soberba, corrupta, mentirosa e egoísta.

Comecei a chorar. Não de pena e tristeza, mas arrependido de toda a vergonha e maldade que eu cometera. Sentia um remorso incomum, com cada pranto e gemido arrancado do fundo da minha alma. Suas palavras flagraram a maldade do meu interior que eu mesmo jamais poderia negar. E iluminado, captei neste momento, que nem eu mesmo conhecia os limites da maldade em mim.

Ele prosseguia:

— Dia a dia o ser amado se afastava de nós. O ser amado tinha aceitado o engano em vez da verdade, admirando a criatura, em vez do Criador, a ilusão no lugar da realidade. O engano teria que ser exposto. O poder do encantamento teria que ser quebrado. Eu me ofereci. Meu Pai olhou para mim e pediu que

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eu me tornasse humano para executar o plano de resgate, pois o novo exemplo teria que ser dado. O preço do resgate seria muito caro, pois o ser amado se entregou ao engano de livre escolha e de graça. Ofertei a minha vida como sacrifício e tomei sobre mim o castigo que podia restaurar a paz entre a humanidade e Deus. Nós criamos a humanidade à nossa imagem e semelhança. Revelei todo o engano e trouxe a verdade à luz. Eu não hesitei, pois se tratava da minha noiva. Entreguei-me em amor à minha noiva para que ela venha ao meu encontro sem mácula e sem ruga. Nosso amor por ela é constante, perseverante, eterno e real.

Aos prantos, eu pensava: “Foi por mim, foi por mim!”

— Essas são as marcas do meu amor. Foi isso que fizeram comigo quando souberam que eu vim resgatar a minha noiva. Eu fui crucificado injustamente para que o injusto fosse justificado. Eu fui abandonado injustamente para que o abandonado fosse adotado. Eu fui moído por transgressões e enfermidades para que os transgressores fossem perdoados e os enfermos curados. Essas marcas são a prova da minha devoção. Prova do amor do meu Pai. Prova da nossa vitória sobre o império do mal.

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Enquanto ele falava, eu pranteava. E eu via! Como se uma grande tela se abrisse à minha frente; eu me vi na hora da sua crucificação. Eu tinha retalhado suas costas com chicote! Eu tinha enfiado uma coroa de espinhos na sua cabeça! Eu o tinha forçado a carregar a cruz até o local da sua morte! Eu segurava o martelo quepregava os cravos nas suas mãos e nos seus pés! Eu furei o seu lado com uma lança!

Eu queria agarrá-lo e dizer: “Perdão! Perdoe-me! Eu não sabia o que eu estava fazendo!” Eu chorava e chorava. Nem percebi quando ajoelhei diante dele, chorando com a minha cabeça em seu colo. Na recordação de cada uma das minhas vergonhas eu gemia e clamava por misericórdia e perdão.

— Eu te perdoo. Te perdoo.

E ele passava a mão em minha cabeça e eu sentia um consolo antes inimaginável, e sabia que eu estava perdoado!

Não sei quanto tempo passamos assim. Eu sei que recordei a minha vida, como se eu estivesse vendo os filmes amadores da minha infância que meu pai filmava. E, com cada lembrança, eu chorava de novo e pedia: “perdoa-me”! E ele me consolava com palavras de amor

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e perdão. No decorrer desse momento, eu sentia um calor sobre mim misturado com uma sensação de vida. Não sei explicar... É como se a minha pessoa despertasse de um sono, como se um morto ressuscitasse, como se um confuso ficasse totalmente são em todos os seus sentidos.

De repente eu senti um vento sobre mim e tive uma reação involuntária. Ao sentir a brisa, eu respirava com força como uma pessoa depois de se afogar, esforçando-me para encher os pulmões com o fôlego vital que a brisa continha. A cada respiro, sentia força e vida penetrando o meu ser. Todos os meus sentidos se avivaram. Senti o cheiro da brisa – jasmim. E o gosto – mel puríssimo. As cores ficaram mais vivas e os sons mais claros enquanto uma força vital tomava conta de meu corpo.

Foi neste momento que a estranheza me tomou. Ainda chorando e respirando forte, olhei para o Cordeiro, Eu não conseguia falar, mas sentia que ele teria uma explicação se eu olhasse para ele.

Ele que estava soprando em mim! O seu fôlego estava gerando algo tão forte em mim que parecia que cada sopro me acrescentava 10 anos de vida, como que trazendo para mim o que estava nele. E eu chorava.

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Chorei muito. E, como a maioria das pessoas, eu choro de olhos fechados. Ao abrir meus olhos, vi que a minha pele estava vermelha, como se alguém tivesse me banhado em sangue! Por alguma razão, não estranhei. Às vezes eu conseguia olhar enquanto chorava e com o passar do tempo, vi que minha pele tinha ficado limpa e linda.

Parei de chorar de tristeza e remorso e passei a chorar de amor; um amor que nunca havia experimentado até então. Mais do que a paixão de um homem pela sua amada. Mais do que o amor de uma mãe pelo neném que amamenta ao seu peito. Mais do que o pai que se enche de orgulho do filho.

Esse amor... Que amor era este? Eu sentia um calor como o calor do sol, como o calor da luz quando penetra as mais densas trevas. Como as ondas do mar solapam as praias do mundo inteiro, o mais puro amor, o meu coração. Total amor. Perdão verdadeiro. Mais do que aceitação, eu me sentia bem quisto, até mesmo desejado.

Apreciado e valorizado por existir. Se o amor vinha deste peregrino ao meu lado, então eu não quero deixar este amor, esta presença!

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Eu queria mergulhar neste oceano, curtir o calor dessa luz e voar nos termais que me elevam mais alto, mais perto da fonte.

Meu Rei. Meu Amo. Meu Amado. Meu Herói. Meu Campeão.

Perdi-me nesta nuvem densa de amor, aceitação e realização, pois agora sabia que eu existia para viver nesta nuvem. Antes, não percebia que estava perdido, mas agora sabia que ele tinha me achado. Antes, não percebia que era culpado, mas agora sabia que ele tinha me perdoado. Antes não sabia que estava morto, mas agora eu me sentia vivo. Vivo como nunca!

Eu sentia as suas mãos nos meus ombros e sabia que ele queria que eu sentasse do seu lado novamente. Levantando-me com muita leveza, recordava-me da minha “nudez”. Quando fui cobrir novamente a minha vergonha, percebi que eu vestia uma outra veste, igual a que o Cordeiro usava de baixo do seu manto. A minha veste também reluzia. Também notei a minha pele sem mácula e sem ruga. Eu fiquei ao lado dele durante um tempo. Como eu disse, ao seu lado eu não tinha noção de tempo. Comecei a refletir no encontro, no perdão, e no amor que eu sentia dele e por ele.

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Então, olhei e vi um monturo no chão à nossa frente: jugo, correntes, escamas, algo como um coração petrificado, alguma coisa putrificada, parecida com um ser morto há muito tempo. A cena me dava repulsa e ânsia mas, de repente, pensei: “Tudo isso fazia parte de mim!”

Olhei para ele novamente e contemplava-o como antes, só que agora eu o via com nitidez. Ele me redimiu de tudo isso. E eu nem dava conta de tudo isso em mim.

Fechei os olhos e respirei fundo... Essa presença! Era como se eu sentisse o cheiro, um perfume que me envolvia e que penetrava em meus poros, um aroma tão delicioso! Era como um abraço materno, um toque na minha pele tão cheio de ternura e amor! Era como se fosse um som majestoso nos meus ouvidos...

Eu queria declarar: “Estar Contigo é bom demais”! Mas quando olhei, não o vi mais. Então, ouvi uma “voz” dentro de mim: “Tu não estás me vendo, mas estou aqui. Nunca te deixarei. Estarei contigo para sempre.”

...Eu caminhava nessa “nuvem.” Eu não via a nuvem, mas minha alma sentia-a como se fosse uma garoa paulista. Nos próximos dias

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andei cambaleando – às vezes para a direita, às vezes para a esquerda. E, quando cambaleava, eu parava e sentia a necessidade de gritar de novo: “Perdoe-me”! Eu não via, mas sentia sua mão passando sobre minha cabeça e ouvia sua voz volumosa: “Te perdoo, te perdoo”.

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