“Corações de Crianças” História e Memória de Um Livro de Leitura

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  • CORAES DE CRIANAS: HISTRIA E MEMRIA DE UM LIVRO DIDTICO REIS, Amada de Cssia Campos UFPI FERRO, Maria do Amparo Ferro UFPI GT: Histria da Educao / n. 02 Agncia Financiadora: Sem Financiamento

    O interesse pelo estudo dos livros escolares recente na nossa historiografia educacional. Cada vez mais, pesquisadores procuram nestas obras a revelao do pensamento e das prticas educacionais de outrora como reflexo do movimento de considerao de novas fontes histricas indicado por Nunes e Carvalho (1993) e Lopes e Galvo (2000). Neles esto embutidos os valores cultivados pela sociedade em determinados perodos de sua histria. Os livros didticos so fontes valiosas, pois nos permitem mergulhar no interior das escolas e conhecer aspectos de sua cultura como as concepes educacionais vigentes e os programas de ensino adotados, indicativos do

    que poderia ser ensinado com o intuito de traar o contorno do homem socialmente aceito.

    No campo da produo e circulao do conhecimento, o livro escolar era visto como uma obra menor, sendo por muitos considerado como literatura de somenos

    importncia. A critica literria demonstra uma certa indiferena por esse tipo de literatura (FERRO, 2000, p.35). Esta viso preconceituosa no cedeu espao aos livros escolares nas estantes das bibliotecas pblicas ou particulares. De vida relativamente curta, o livro escolar que era feito para ser usado em certa srie ou grau de ensino, vai

    sendo descartado na medida em que cumpre sua finalidade escolar (CORRA, 2000, p.12). Poucos so aqueles que por sentimentalismo guardam os livros didticos como lembranas de seu tempo de escola.

    No final do sculo XIX comea a configurar no Brasil um novo modelo de organizao escolar o grupo escolar. No Piau esta inovao ocorre no incio do sculo

    XX. Segundo Lopes (2001, 149), o processo de criao dos grupos escolares, que vinham gradativamente se constituindo no Piau, tem na criao do Grupo Escolar Miranda Osrio, em 1922, na cidade de Parnaba, o marco de uma nova fase. No estudo sobre a educao e sociedade piauiense no perodo republicano feito por Ferro

    (1996), encontramos confirmao desse processo de implantao dos grupos escolares neste Estado. Em Oeiras, esta modernizao organizacional escolar chega em 1929 com a criao e instalao do Grupo Escolar Costa Alvarenga.

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    Com o advento dos grupos escolares institucionalizado o ensino seriado e

    com ele a necessidade de materiais didticos especficos para cada srie. Percebendo esta nova tendncia, o mercado editorial e autores se mobilizam na produo de livros didticos para atender a demanda gerada pela expanso do ensino primrio. Surgem as sries graduadas de leitura - coleo de livros de um mesmo autor, cada um dedicado a

    uma srie. Apresentamos neste estudo o 3 livro da coleo Coraes de Crianas,

    adotado no incio do funcionamento do Grupo Escolar Costa Alvarenga, o primeiro da cidade de Oeiras-PI, levando em considerao o que nos diz Chartier (1990, p. 127), que no existe nenhum texto fora do suporte que o d a ler, que no h compreenso de um escrito, qualquer que ele seja, que no dependa das formas atravs das quais ele chega ao seu leitor, e este mesmo autor acrescenta que para uma obra adquirir sentido necessrio que se estabelea relaes entre o texto, o objecto que lhe serve de suporte e a prtica que dele se apodera. (p.127).

    ASPECTO FSICO

    A anlise de um livro no pode dispensar a apresentao de sua forma esttica. Para Oliveira e Sousa (2000, p. 28), a ateno dispensada pelos autores a este aspecto, na verdade, contribui para que se possa detectar para qual pblico essa literatura est sendo produzida: quem se quer atrair e de que maneira.

    Coraes de crianas um livro de tamanho mdio, medindo, 12,5 cm por 18cm, de fcil transporte e manuseio e possui 169 pginas. Sua capa dura, resistente e colorida trazendo a estampa de um corao contornado por uma fita arrematada por um lao e no seu interior uma paisagem com destaque de uma criana em trajes escolares. A capa de um livro a sua embalagem e por meio dela o leitor trava o primeiro contato

    com a obra, por isso a necessidade de ser atrativa. Embora discreta, a capa do livro Coraes de crianas procura despertar no pblico infantil a que se destina, o interesse e a curiosidade da criana num apelo para que a mesma, tal qual a figura sugere, trilhe nos caminhos do saber e de uma vida reta e virtuosa.

    O livro traz como ttulo a expresso Coraes de crianas, que embora apresentando menor poder atrativo que a figura, complementa o sentido desta. No ttulo est a essncia do livro, o seu esprito e este livro procura despertar na criana sentimentos de amor, respeito, caridade, perseverana, obedincia, etc e sendo o corao

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    simbolicamente a morada dos sentimentos mostra sua inteno de moldar a imagem

    da boa criana com um corao repleto de virtudes. Na capa, alm da ilustrao e do ttulo, mostra ser este o 3 livro da srie,

    portanto, destinado s classes que apresentam um certo domnio de leitura, e apresenta tambm o nome de sua autora, Rita de Macedo Barreto, uma das primeiras mulheres a

    dedicar-se escrita de livros didticos no Brasil. Sua condio de mulher fez com que seus livros tivessem boa aceitao, pois era pensamento da poca, que ningum melhor que a mulher com seu esprito maternal para entender os desejos dos infantes.

    A contra-capa do livro em comento diz ser o mesmo editado na livraria

    Francisco Alves. Esta livraria, anteriormente de propriedade do Sr. Nicolau Alves, em 1897 teve novo administrador o seu sobrinho Francisco Alves que passou a investir com maior empenho na produo didtica e acabou quase que monopolizando a produo nessa rea a partir do sculo XX (BITTENCOURT, 2004, p.488). Tambm traz a relao de outras sries de livros publicados pela editora, como os de Joo Kopke, Puiggari-Barreto, Arnaldo Barreto, Thomas Galhardo, Felisberto de Carvalho, Maria Rosa Ribeiro e Francisco Viana.

    CONTEDO ICONOGRFICO

    O livro contm muitas ilustraes coerentes com os textos e apesar de no serem coloridas embelezam-no, despertando o interesse dos leitores e complementando

    a sua compreenso. Cada lio do livro vem acompanhada de pelo menos trs figuras estrategicamente posicionadas: no incio do texto e em maior tamanho, tem uma funo narrativa procurando inserir o aluno no cenrio do texto; intercalando a lio, com a finalidade de quebrar sua monotonia; e no final, arrematando o texto lido remetendo a alguma reflexo ou simplesmente de forma simblica preenchendo o espao entre uma e

    outra lio.

    As composies eram representativas e procuravam se aproximar o mais

    possvel do real, tentando reproduzir com fidelidade cenas da vida cotidiana a fim de familiarizar o aluno com os temas abordados e influenciar seu comportamento.

    Para Santos e Oliva (2004, p. 109), a ilustrao nos livros didticos quer mostrar mais do que se v. E as figuras do livro Coraes de crianas traziam nelas embutidas um forte apelo sentimental, despertando as emoes do pequeno leitor, como se pode constatar no depoimento de Auristela Campos (2005): Os desenhos eram

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    muito bonitos e bem feitos, me despertavam curiosidade, viajava... e me transportava para a vida real. [...] me sensibilizavam e me causavam piedade.

    CONTEDO TEXTUAL

    De forma geral, segundo Galvo e Batista (2004), os livros de leitura adotados pelas escolas brasileiras nas dcadas finais e iniciais do sculo XIX e XX, tinham a inteno de instruir os alunos transmitindo-lhes os contedos bsicos principalmente nas reas de geografia, histria e cincias ou traziam o seu contedo

    recheado de regras e modelos de comportamentos de aspectos morais e ideolgicos. neste ltimo aspecto que se enquadra o livro Coraes de crianas que ora analisamos.

    Nas primeiras dcadas do perodo republicano a ateno da escola estava

    voltada para a formao de um cidado movido pelo nacionalismo. Percebemos neste livro o esforo de se traar o perfil deste cidado republicano cheio de amor pelo seu pas e admirao pelos vultos histricos. Dentro deste mesmo esprito nacionalista, as lies tambm procuravam exaltar as belezas e riquezas naturais do Brasil.

    Os temas de cunho moralista eram predominantes. Escritas em versos ou em prosas, as lies exaltavam os valores morais, dentre eles a bondade, caridade, fraternidade, honradez, respeito e combatia a m conduta e os vcios considerados nocivos vida em sociedade. Expresses como respeita e ama teu mestre, como amas e

    respeitas teu pae!; no h nada mais sublime que a caridade; a vaidade s prpria da ignorncia; s tem valor a belleza que ao lado est da bondade e os ingratos so como serpentes so mximas que exprimem os princpios de conduta moral propostas para serem absorvidos pelos alunos. Percebemos a existncia de uma proposta pedaggica com um iderio explcito a exemplo do indicado por Ferro (2000) na sua tese de doutorado Literatura Escolar e Histria da Educao: cotidiano, iderio e prticas pedaggicas.

    Este livro fez suas marcas naqueles que o folheavam, cumprindo sua finalidade de ser veculo modelador de condutas, como podemos observar no

    depoimento de Amlia Campos (2005): Este livro era para mim uma fonte de saber. As lies traziam uma mensagem de vida, de bom comportamento e respeito aos outros que influenciaram a minha vida.

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    Esta breve anlise nos mostra que o livro Coraes de crianas, assim

    como outros livros didticos da poca, era portador de idias preestabelecidas destinadas a inculcar nos alunos determinadas representaes com o intuito de modelar o novo homem que a nova sociedade republicana da poca exigia imprimindo-lhe certos padres de conduta moral com a justificativa de viabilizar a vida social.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BARRETO, Rita de Macedo. Coraes de crianas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, [192-?].

    BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes.Autores e editores de compndios e livros de leitura (1810-1910). Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 30, p. 475-491, set./dez. 2004.

    CAMPOS, Amlia do Esprito Santo. Depoimento [maio 2005] concedido para realizao de deste trabalho.

    CAMPOS, Auristella Nogueira. Depoimento [maio 2005] concedido para realizao deste trabalho.

    CHARTIER, Roger. A Histria Cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: Difel, 1990.

    CORRA, Rosa Lydia Teixeira. O livro escolar como fonte de pesquisa em Histria da Educao. Cadernos Cedes, So Paulo, n 52, p. 11-24, 2000.

    FERRO, Maria do Amparo Borges. Educao e sociedade no Piau republicano. Teresina: Fundao Cultural Monsenhor Chaves, 1996.

    ______. Literatura escolar e histria da educao: cotidiano, iderio e prticas pedaggicas. So Paulo, 2000, 280 f. Tese (Doutorado em Educao) Universidade de So Paulo (USP), So Paulo; 2000.

    GALVO, Ana Maria de Oliveira; BATISTA, Antnio Augusto Gomes. A leitura na escola primria brasileira: alguns elementos histricos.Projeto memria de leitura Unicamp. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 11 dez. 2005.

    LOPES, Antnio de Pdua Carvalho. Superando a pedagogia sertaneja: grupo escolar, escola normal e modernizao da escola primria pblica piauiense (1908-1930). Fortaleza, 2001. 300 f. Tese (Doutorado em Educao) Universidade Federal do Cear, Fortaleza; 2001.

    LOPES, Eliane Marta Teixeira; GALVO, Ana Maria Oliveira. Histria da Educao. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

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    NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Historiografia da educao e fontes. Cadernos ANPED, n. 5, p.7-64, set. 1993.

    OLIVEIRA, Ctia Regina Guido Alves de; SOUZA, Rosa Ftima de. As faces do livro de leitura. Cadernos Cedes, So Paulo, n 52, p. 25-40, 2000.

    SANTOS, Claudefranklin Monteiro; OLIVA, Terezinha Alves de. As multifaces de "Atravs do Brasil". Revista Brasileira de Histria, v. 24, n. 48, p. 101-121, 2004.

    ESQUEMA DO PSTER

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    FOTO TTULO DO TRABALHO

    AUTORES OBJETIVO

    FOTOS

    ASPECTOS FSICOS

    FOTOS

    CONTEDO ICONOGRFICO

    FOTOS

    CONTEDO TEXTUAL

    FOTOS

    MEMRIAS

    CONSIDERAES

    FUNDAMENTAO TERICA