Coprocultura Protocolos Parte 2

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NewsLab - edição 87 - 2008 58 Protocolos de Microbiologia Clínica Coprocultura Parte 2 - Outros enteropatógenos Carlos Henrique Pessôa de Menezes e Silva Doutor em Microbiologia Micro- biologista do Centro Tecnológico de Análises (CETAN), Vila Velha-ES Consultor em Microbiologia do Laboratório Landsteiner, Vitória-ES : [email protected] Escherichia coli causadoras de diarréia E. coli enteropatogênica (EPEC) São assim definidas as E. coli perten- centes ao sorogrupo epidemiologicamente implicado como patógeno, onde o meca- nismo de virulência não está relacionado à excreção de típicas enterotoxinas. Origem e prevalência ainda hoje são controvertidas, pois surtos de infecção são esporádicos. Homem, bovinos e su- ínos podem ser infectados. A proporção de cepas patogênicas e não patogênicas, embora objeto de intensas pesquisas, ainda é desconhecida. Denomina-se “diarréia infantil” a doença usualmente associada à EPEC. Causa a destruição das microvilosidades intestinais a partir da aderência da bactéria à membrana plasmática do enterócito, aderência esta mediada por fímbrias co- dificadas por plasmídeos, ocasionando uma diarréia com febre, náuseas e vômitos. EPEC são potencialmente infectantes para crianças e lactentes e a dose infectante é muito baixa. Em alguns casos de doenças em adul- tos, o inóculo é geralmente similar a ou- tros enteropatógenos (cerca de 10 6 ) para causar infecção. Surtos de EPEC estão ge- ralmente implicados com contaminação alimentar (como ingestão de carne crua e galinha), embora qualquer alimento exposto à contaminação fecal seja bas- tante suspeito. Apesar de esporádicos, os surtos de EPEC são mais freqüentes em países que possuam práticas sanitárias deficientes (cerca de 50% dos índices de mortalidade são reportados em países do terceiro mundo). E. coli enteroinvasora (EIEC) Produz uma doença conhecida como “disenteria bacilar” muito semelhante à causada por Shigella. Qualquer alimento contaminado com fezes de indivíduos infectados, bem como água contaminada, irá causar a doença. Surtos de EIEC são fre- qüentemente associados com a contami- nação de carnes e leite não pasteurizado. A bactéria é ingerida e invade as células epiteliais do intestino, resultando em uma doença caracterizada por febre, vômitos e cólicas, com sangue e leucócitos PMN nas fezes. A disenteria causada por EIEC geralmente ocorre de 12 a 72 horas após a ingestão do alimento contaminado, sendo Quadro 1. Características de infecções intestinais por Escherichia coli ETEC EIEC EHEC EPEC Mecanismo patogênico primário Enterotoxina LT e/ ou ST Invasão de enterócitos Citotoxina semelhante à da Shigella Aderência a enterócitos Sítio primário de infecção Intestino delgado Intestino grosso Intestino grosso Intestino delgado Dano à mucosa intestinal Ausente (intacta) Necrose, ulceração, inflamação Destruição de microvilosidades, morte celular Destruição de microvilosidades Epidemiologia Diarréia de viajantes, diarréia infantil Esporádica Colite hemorrágica, síndrome hemolítica urêmica Diarréia infantil Febre Ausente Comum Ausente Comum Fezes: - Natureza - Sangue - Pus (PMN) Aquosa Ausente Ausente Purulenta Comum Presente Sanguinolenta Proeminente Ausente Aquosa Ausente Ausente ETEC = E. coli enterotoxigênica EIEC = E. coli enteroinvasora EHEC = E. coli enterohemorrágica EPEC = E. coli enteropatogênica

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Protocolos de Microbiologia Clínica

CoproculturaParte 2 - Outros enteropatógenos

Carlos Henrique Pessôa de Menezes e Silva

Doutor em Microbiologia Micro-biologista do Centro Tecnológico de Análises (CETAN), Vila Velha-ES Consultor em Microbiologia do Laboratório Landsteiner, Vitória-ES

: [email protected]

Escherichia coli causadoras de diarréia

E. coli enteropatogênica (EPEC)São assim definidas as E. coli perten-

centes ao sorogrupo epidemiologicamente implicado como patógeno, onde o meca-nismo de virulência não está rela cionado à excreção de típicas enterotoxinas. Origem e prevalência ainda hoje são controvertidas, pois surtos de infecção são esporádicos. Homem, bovinos e su-ínos podem ser infectados. A proporção de cepas patogênicas e não patogênicas, embora objeto de intensas pesquisas, ainda é desconhecida.

Denomina-se “diarréia infantil” a doença usualmente associada à EPEC. Causa a destruição das microvilosidades intestinais a partir da aderência da bactéria

à membrana plasmática do enterócito, aderência esta mediada por fímbrias co-dificadas por plasmídeos, ocasionando uma diarréia com febre, náuseas e vômitos. EPEC são potencialmente infectantes para crianças e lactentes e a dose infectante é muito baixa.

Em alguns casos de doen ças em adul-tos, o inóculo é geralmente similar a ou-tros enteropatógenos (cerca de 106) para causar infecção. Surtos de EPEC estão ge-ralmente implicados com contaminação alimentar (como ingestão de carne crua e galinha), embora qualquer alimento exposto à contaminação fecal seja bas-tante suspeito. Apesar de esporádicos, os surtos de EPEC são mais freqüentes em países que possuam práticas sanitárias deficientes (cerca de 50% dos índices de

mortalidade são reportados em países do terceiro mundo).

E. coli enteroinvasora (EIEC) Produz uma doença conhecida como

“disenteria bacilar” muito semelhante à causada por Shigella. Qualquer alimento contaminado com fezes de indivíduos infectados, bem como água contaminada, irá causar a doença. Surtos de EIEC são fre-qüentemente associados com a contami-nação de carnes e leite não pasteurizado. A bactéria é ingerida e invade as células epiteliais do intestino, resultando em uma doença caracterizada por febre, vômitos e cólicas, com sangue e leucócitos PMN nas fezes. A disenteria causada por EIEC geralmente ocorre de 12 a 72 horas após a ingestão do alimento contaminado, sendo

Quadro 1. Características de infecções intestinais por Escherichia coli

ETEC EIEC EHEC EPEC

Mecanismo patogênico primário

Enterotoxina LT e/ou ST

Invasão de enterócitos

Citotoxina semelhante à da Shigella

Aderência a enterócitos

Sítio primário de infecção

Intestino delgado Intestino grosso Intestino grosso Intestino delgado

Dano à mucosa intestinal

Ausente (intacta) Necrose, ulceração, inflamação

Destruição de microvilosidades, morte

celular

Destruição de microvilosidades

Epidemiologia Diarréia de viajantes, diarréia infantil

Esporádica Colite hemorrágica, síndrome hemolítica

urêmica

Diarréia infantil

Febre Ausente Comum Ausente Comum

Fezes:- Natureza- Sangue- Pus (PMN)

AquosaAusenteAusente

PurulentaComumPresente

SanguinolentaProeminente

Ausente

AquosaAusenteAusente

ETEC = E. coli enterotoxigênica EIEC = E. coli enteroinvasora EHEC = E. coli enterohemorrágica EPEC = E. coli enteropatogênica

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a dose infectante muito baixa (estimada em pouco mais de 10 células bacteria-nas). São freqüentemente fermentadores tardios (ou não fermentadores) de lactose, imóveis, com prova de lisina descarboxi-lase negativa, sendo, portanto, facilmente confundidos com Shigella.

E. coli enterotoxigênica (ETEC) Tem sido etiologicamente associada

com doença diarréica de todos os grupos etários de diversas localizações em todo o mundo. O microrganismo causa diarréia em crianças principalmente em países me-nos desenvolvidos e em turistas em visita a países em desenvolvimento (por esse motivo é freqüentemente denominada de “diarréia dos via jantes”). A etiologia dessa doença (similar à cólera) é reconhecida há cerca de 20 anos. Produz dois tipos de enterotoxinas: LT (uma toxina termolábil) e ST (uma toxina termoestável, que resiste ao aquecimento a 100°C por 15 minutos). A enterotoxina LT de ETEC é uma proteína complexa e de alto peso molecular que está estrutural e funcionalmente relacio-nada à toxina colérica. A dose infectante é relativamente alta (100 milhões a 10 bilhões de bactérias).

O microrganismo precisa colonizar o intestino delgado e se estabilizar (período de incubação de um a dois dias), onde então se prolifera e produz as toxinas que induzem à secreção de fluidos (pro-vocando uma diarréia intensa e aquosa). Com uma dose infectante muito alta, a diarréia pode ser induzida em 24 horas. Em crianças, a dose infectante é bem menor para se ter um quadro instalado. A contaminação da água com dejetos humanos pode levar a uma contaminação cruzada dos alimentos. Contaminações de alimentos por manipuladores também é freqüente, principalmente em alimentos à base de carne e leite. A doença é usual-mente autolimitada. Em crianças ou idosos debilitados, uma reposição apropriada de eletrólitos é necessária.

E. coli enterohemorrágica (EHEC)O subtipo de EHEC mais comum é o

O157, a famosa bactéria responsável pelo grande surto que matou cerca de 20 pesso-as e infectou outras 500 nos Estados Uni-dos em 1996, devido à ingestão de bolo de carne contaminado. É caracteristicamente responsável pela colite hemorrágica, cau-sando dores abdominais intensas, diar réia sanguinolenta, com pouca ou nenhuma febre. Cerca de 80% das cepas isoladas pertencem ao sorogrupo O157:H7 e as crianças com menos de cinco anos são as mais acometidas. Produz uma potente toxina (denominada “verotoxina” ou “toxi-na shiga-like”, pois é semelhante à toxina produzida pela Shigella dysenteriae).

Carnes cruas ou mal cozidas contami-nadas têm sido implicadas como potentes fontes de contaminação humana. A dose infectante ainda é desconhecida, mas é muito próxima à de Shigella (cerca de 10 células bacterianas). A doença pode ter

índices de mortalidade acima de 50% em pacientes idosos. Uma seqüela comum as-sociada com a infecção, especialmente no caso de crianças infectadas, é a “síndrome hemolítica urêmica”.

Diagnóstico laboratorial: Com exceção das cepas de EHEC (não fermentadoras de sorbitol), não há um teste bioquímico espe-cífico que diferencie as E. coli causadoras de diarréia das E. coli presentes em amostras fecais normais e devem, portanto, ser dife-renciadas através de provas sorológicas (com a caracterização dos antígenos somático [O] e flagelar [H] das mesmas). A utilização dos meios de cultura sugeridos na Parte 1 deste protocolo (ágar MacConkey + ágar XLD + caldo GN) é suficiente para o isolamento destes sorogrupos enteropatogênicos de E. coli. No entanto, deve-se ficar atento ao fato das características apresentadas pelas amostras fecais, uma vez que muito

Figura 1. Interação dos diversos tipos de E. coli causadoras de diarréia com as células intestinais humanas

A) ETEC se liga firmemente às microvilosidades intestinais através de suas fímbrias, secreta enterotoxinas no interior das células intestinais. B) EPEC destrói as microvilosidades intestinais e se torna firmemente ligada através de um pedestal constituído de actina e proteínas ligadoras de actina. C) EIEC penetra na célula intestinal, podendo se multiplicar no interior do fagolisossoma e invadir células vizinhas, digerindo suas membranas citoplasmáticas. D) EHEC atua de forma similar à EPEC, mas além disso libera Shiga-toxinas nas células intestinais, promovendo a sua lise.

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raramente fezes sólidas/pastosas carreiam algum destes sorogrupos. Neste tipo de amostra, geralmente as E. coli crescidas são meramente pertencentes à microbiota intestinal normal. Para o isolamento seletivo de EHEC, pode-se utilizar meios específicos como o ágar MacConkey-sorbitol (Figura 2) ou meios cromogênicos (Figura 3).

YersiniaO gênero Yersinia possui três espécies

de importância clínica: Y. estis (o agente causal da peste bubônica), Y. seudotuber-culosis e Y. n terocolitica (muito implicadas em casos severos de gastroenterites, com formação de abscessos locais e até morte causada por peritonites). Y. nterocolitica tem sido implicada na gastroenterite aguda, po-dendo causar uma forma grave que simula a apendicite. Das três espécies patogênicas de Yersinia, somente Y. nterocolitica e Y. seudotuberculosis causam diarréias.

Surtos de infecção através de alimentos causados por Y. seudotuberculosis têm sido reportados nos Estados Unidos nos últimos tempos e transmitidos por água e alimentos no Japão. Cepas de Y. nterocolitica podem ser encontradas em carnes (de porco, carneiro, boi, etc), ostras, peixes e leite cru. A causa exata da contaminação alimentar ainda é desconhecida. Entretanto, a prevalência destes microrganismos no solo, na água e em animais como porcos e animais silvestres oferece ampla oportunidade para a con-taminação alimentar. A doença é freqüen-temente caracterizada por sintomas como gastroenterite com diarréia e/ou vômitos; entretanto, febre e fortes dores abdominais são os sintomas mais marcantes.

Diagnóstico laboratorial: Y. enteroco-litica é um microrganismo com morfologia de pequenos cocobacilos Gram-negativos que produzem colônias pequenas e pun-tiformes em ágar MacConkey. Deve-se suspeitar de Yersinia sempre que o meio de T.S.I. apresentar uma coloração amarelo-pálida ou alaranjada após 24 horas de incubação. Isto se deve à fraca produção de ácido na superfície do ágar, mostrando ausência de acidificação na base. A bactéria cresce mais rapidamente à temperatura de

22-29°C do que a 37 ºC. As colônias são tipicamente pequenas,

pálidas ou incolores nos meios entéricos usuais (como ágar S.S. e MacConkey), que devem ser incubados por mais de 24 horas à temperatura ambiente. As placas devem ser examinadas a 24 e 48 horas para colônias diminutas suspeitas. O en-riquecimento alcalino é um método que pode auxiliar na detecção desta bactéria. O método envolve a mistura de uma parte de fezes com duas partes de KOH a 0,25% em solução salina. Concentrações mais

altas (0,50%) de KOH foram relatadas como sendo letais para Y. enterocolitica. Da mesma forma, o enriquecimento a frio também é eficaz, mas é demorado e conseqüentemente pode não permitir a detecção do microrganismo numa escala temporal clinicamente relevante.

O ágar de cefsulodina-irgasan-novobio-cina (CIN) é um meio seletivo e diferencial para a recuperação de Y. enterocolitica a partir de espécimes fecais. As colônias desta bactéria aparecem chatas, com um centro vermelho (Figura 4). Algumas propriedades que podem distinguir esta bactéria de outras Yersinia incluem resultados positivos para ornitina descarboxilase e a fermentação da sacarose e resultados negativos para a fer-mentação da rafinose, melibiose e ramnose. Mais de 70% dos isolados são urease(+). Devido à baixa prevalência deste micror-ganismo em certas áreas geográficas, cada laboratório precisa determinar se cada lote de fezes vai ser avaliado quanto à presença desta bactéria ou se estas culturas só serão realizadas quando solicitadas.

Aeromonas e Plesiomonas

Aeromonas hydrophila é amplamente encontrada em águas naturais, solo e águas salgadas. Algumas cepas são capazes de causar doença em peixes e anfíbios bem como no homem, que adquire a infecção através de feridas abertas que entram em contato com águas contaminadas ou pela ingestão de um número suficientemente grande de microrganismos presentes na água ou em alimentos. Pouco é sabido sobre outras Aeromonas, mas elas são também microrganismos aquá ticos e em alguns casos também são implicadas em infecções humanas. A. hydrophila pode causar de uma diarréia leve, autolimita-da, à disenteria aguda ou uma diarréia aquosa crônica persistindo por semanas ou meses, além de ser também implicada em alguns casos de sepsis em indivíduos imunologicamente comprometidos, bem como naqueles portadores de patologias malignas como o câncer. A. caviae e A.

Figura 4. Ágar CIN (Cefsulodina-Irgasan-Novobiocina), meio seletivo para Yersinia enterocolitica (colônias vermelhas)

Figura 2. Ágar MacConkey-sorbitol: EHEC = colônias incolores (sorbitol-negativas)

Figura 3. Meio cromogênico seletivo para EHEC (colônias vermelhas)

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Figura 6. Ágar MacConkey: colônias lactose(-) de Plesiomonas shigelloides

Figura 7. Ágar TCBS (Tiossulfato-Citrato-Bile-Sacarose): Vibrio cholerae (colônias amarelas sacarose[+]) e V. parahaemolyticus (colônias verdes sa-carose [-])

veronii biovar sobria (considerados como “supostos patógenos”) podem também causar gastroenterite e até sepsis nestes pacientes.

Plesiomonas shigelloides tem sido envol-vida em muitos casos de infecções humanas, com evidências fortes de contaminação principalmente pela água. O microrganismo pode estar presente em águas poluídas que são usadas para recrea ção, para consumo humano direto e naquelas usadas para lavar alimentos que serão consumidos sem um cozimento adequado, além de serem encon-tradas também em pescados crus. A maioria das infecções causadas por P. shigelloides ocorre principalmente nos meses de verão. A ingestão desta bactéria nem sempre causa doença humana, mas o microrganismo pode ficar alojado temporária e transitoriamente no organismo como microbiota não infec-tante do trato gastrointestinal. A bactéria na maioria das vezes é isolada de pacientes com diarréia, mas em alguns casos é também isolada de pacientes sadios (0,2 a 3,2% da população). A diarréia provocada por P. shigelloides é normalmente branda e auto-limitada, com episódios de febre, calafrios, dores abdominais e náusea.

Os sintomas começam a aparecer 20-24 horas após o consumo do alimento e/ou água contaminados. Manifesta-se como uma diarréia aquosa, não mucóide e não sangui-nolenta; em casos severos, as fezes podem tomar uma coloração amarelo-esverdeada e tingidas de sangue. A duração da doença geralmente limita-se no máximo a sete dias. A patogênese da infecção causada por P. shigelloides ainda é desconhecida. Há sus-peitas de que esta bactéria seja toxigênica e invasora. Seu significado como um patógeno entérico é presumido, pois predominam os isolamentos a partir de fezes de pacientes com diarréia. Complicações extra-intestinais (como sepsis) podem ocorrer em indivíduos imunocomprometidos ou com patologias como câncer, hepatopatias e leucemia.

Diagnóstico laboratorial: A. hydrophila pode ser cultivada a partir de amostras fecais ou de sangue, utilizando-se ágar contendo sangue de carneiro acrescido de ampicilina. Esta droga previne o desenvolvimento da

maioria dos microrganismos acompanhantes indesejáveis. Os laboratórios de Microbiolo-gia, utilizando procedimentos rotineiros, não demonstrariam facilmente esses microrganis-mos, pois eles tenderiam a ser confundidos com enterobactérias, a não ser que fosse feito um teste de oxidase (positivo para o gênero Aeromonas). A identificação da espécie pode ser confirmada por testes bioquímicos. Recomenda-se o uso de ágar E.M.B. ou Mac-Conkey (Figura 5) em conjunto com outro meio mais seletivo (como o ágar X.L.D.) e ágar sangue de carneiro com ampicilina (10 µg/mL). P. shigelloides cresce na maioria dos meios de cultura de rotina, embora não cresça em ágar TCBS (tiossulfato-citrato-sais biliares-sacarose) ou ágar bismuto-sulfito. Em ágar E.M.B., ágar S.S. ou ágar MacConkey a bactéria se apresenta como não fermenta-dora (ou com fermentação tardia) de lactose (Figura 6), tendo ainda reação positiva para a prova de oxidase e negativa para H

2S.

Vibrio

Os vibriões são microrganismos alta-mente móveis, Gram-negativos, com mor-fologia de bacilos curvos (com aparência de vírgula), possuindo um único flagelo polar. Dos vibriões clinicamente signifi-cantes para o homem, Vibrio cholerae, o agente causal da cólera, é o mais importan-te. É adquirido através da ingestão de água e alimentos contaminados. Outro vibrião muito importante é o V. parahaemolyticus, um vibrião halofílico associado a gastro-enterites, adquirido através da ingestão de pescados crus ou mal-cozidos.

Diagnóstico laboratorial: Quando se suspeita da presença de Vibrio, o espécime fecal deve ser examinado fazendo-se inicial-mente um esfregaço, corando-o pelo método de Gram, procurando por células bacterianas morfologicamente semelhantes às dos vibrios. Os vibriões são sensíveis ao pH ácido e mor-rem rapidamente em soluções com pH abaixo de 6. Entretanto, eles são muito tolerantes a meios alcalinos. Paralelamente, o espécime deve ser semeado em meio de TCBS (tiossul-fato-citrato-sais biliares-sacarose), que é tanto seletivo como diferencial (Figura 7), tendo como etapa inicial o enriquecimento prévio da amostra em água peptonada alcalina (pH 9,0), incubada a 37°C por cerca de 6-8 horas e subcultivado então no ágar TCBS.

V. cholerae forma tipicamente colônias amarelas, chatas, grandes, enquanto que V. parahaemo lyticus aparece tipicamente como colônias azul-esverdeadas. As colônias típi-cas de V. cholerae devem ser subcultivadas em ágar nutriente antes de se realizar um teste de aglutinação em lâmina com soro O1. Um inóculo bacteriano pode ser transferido para o ágar T.S.I. e após incubação de 24 horas a 37°C há uma reação sem produção

Figura 5. Ágar MacConkey: colônias lactose(+) de Aeromonas hydrophila

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de gás ou H2S. O teste de oxidase também é bastante indicado para caracterizar o micror-ganismo (teste positivo). Outros testes bioquí-micos úteis na identificação de V. cholerae incluem: catalase, indol, lisina e ornitina descarboxilases, fermentação de sacarose (todos positivos). Estas bactérias dão reações negativas para os seguintes testes bioquími-cos: produção de gás a partir da glicose, fermentação da lactose, inositol, hidrólise da esculina e arginina dehidrolase.

Campylobacter

Campylobacter jejuni e C. coli são baci-los Gram-negativos curvos, móveis, micro-aerófilos, reconhecidos como importantes patógenos entéricos. A importância dos membros do gênero Campylobacter como patógenos entéricos somente foi realmente reconhecida após 1970. O desenvolvimen-to de meios de cultura específicos e de procedimentos de isolamento foi a maior barreira para que só a partir desta época fossem introduzidos métodos sensíveis e específicos para tal fim. Estima-se que o número de casos de infecções por Cam-pylobacter nos Estados Unidos seja equiva-lente àquele por Salmonella, excedendo o número de casos de shigeloses. No Brasil, esta situação é bem semelhante. Os sinais e sintomas clínicos das infecções causadas por Campylobacter incluem febre, dores ab-dominais e diarréia. A bactéria pode invadir a corrente sangüínea e causar endocardites, artrites sépticas ou meningites. Alguns indiví duos são portadores assintomáticos destes microrganismos, servindo portanto de reservatórios da infecção.

Diagnóstico laboratorial: As fezes con-têm, caracteristicamente, leucócitos PMN e hemácias. Estes elementos são facilmente observados em esfregaços corados pelo méto-do de Gram. Um ágar contendo uma mistura de antimicrobianos e adicionado de 10% de sangue de carneiro é o meio de cultura sele-tivo recomendado para o isolamento de Cam-pylobacter spp. Este meio possui hoje várias formulações modificadas, disponíveis comer-cialmente. O meio é constituído basicamente de uma base rica e nutritiva (tipo ágar-base Brucella) suplementado com anfotericina-B, cefalotina, polimixina-B, trimetoprim, vanco-micina e sangue de carneiro.

Os antimicrobianos suprimem o de-

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Figura 9. Ágar seletivo (Karmali) para Campylobacter (colônias brancas)

Figura 8. Ágar seletivo para Campylobac-ter (colônias espalhadas e transparentes)

senvolvimento da microbiota fecal normal, facilitando o isolamento bacteriano. Caso seja utilizado um meio líquido para enrique-cimento da amostra, normalmente usa-se o caldo Tioglicolato adicionado dos mesmos suplementos. A incubação das placas inocu-ladas deve ser feita a 42°C em uma atmosfera de aproximadamente 5-15% de oxigênio e 5-12% de CO2. C. jejuni apresenta colônias pequenas, não hemolíticas e mucóides, geral-mente acinzentadas e com bordas irregulares. Estas colônias tendem a se espalhar pelo ágar (Figura 8). Outro meio muito utilizado (Kar-mali) contém carvão ativado e as colônias de Campylobacter possuem cor branca (Figura 9). Caso as placas sejam examinadas com 24h de incubação, tratá-las como se elas fossem culturas para anaeróbios, ou seja, examiná-las e rapidamente recolocá-las na jarra, refazendo a atmosfera. Os padrões de crescimento a 25, 37 e 42°C, bem como as reações bioquími-cas e a susceptibilidade ao ácido nalidíxico e à cefalotina são dados úteis no auxílio à correta identificação e diferenciação das espécies, sobretudo se os estudos forem rea-lizados pela metodologia tradicional, ou seja, sem automação.