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FLÁVIO HENRIQUE GHILARDI
COOPERATIVISMO DE MORADIA EM MONTEVIDÉU E AUTOGESTÃO HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO
As bases sociais, políticas e econômicas da produção
social do habitat na América Latina Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientadora: Prof. Dra. Luciana Corrêa do Lago
RIO DE JANEIRO
2017
FLÁVIO HENRIQUE GHILARDI
COOPERATIVISMO DE MORADIA EM MONTEVIDÉU E AUTOGESTÃO HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO
As bases sociais, políticas e econômicas da produção
social do habitat na América Latina
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dra. Luciana Corrêa do Lago - Orientadora Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ ________________________________________ Prof. Dr. Adauto Lucio Cardoso Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ ________________________________________ Prof. Dr. Orlando Alves dos Santos Junior Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ ________________________________________ Prof. Dr. Edson Miagusko Instituto de Ciências Humanas e Sociais – UFRRJ ________________________________________ Prof. Dr. João Farias Rovati Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional – UFRGS
AGRADECIMENTOS
À professora Luciana Lago, pela dimensão de liberdade na orientação deste
trabalho.
Aos professores Adauto Cardoso e Edson Miagusko (pelas valiosas
considerações na banca de qualificação), assim como aos professores João Rovati e
Orlando Júnior, pela atenta leitura e comentários à tese.
Aos professores do IPPUR, pela densa formação crítica; aos técnicos do
instituto, essenciais nos momentos de apoio, trabalhando com competência e bom
humor; e aos colegas discentes, pela amizade intelectual.
Àqueles que, sob várias formas, contribuíram para a pesquisa no Rio de
Janeiro, em especial aos que atuam junto à Fundação Bento Rubião e à Arché; aos
grupos autogestionários, principalmente àqueles com quem mantive contato em
Esperança, Ipiíba e Shangri-lá; e aos que militam junto à União por Moradia Popular
do Rio de Janeiro.
Ao professor Juan Pablo Martí, pelos preciosos encontros em Montevidéu e
pela imprescindível orientação de pesquisa durante o estágio sanduíche.
Àqueles que, em Montevidéu, aportaram valiosíssimas contribuições – em
entrevistas, conversas informais ou cursos de formação – para a pesquisa de campo.
Em especial aos que atuam nas seguintes instituições e organizações: Agencia
Nacional de Vivienda (ANV), Confederación Uruguaya de Entidades Cooperativas
(CUDECOOP), Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo (FADU-UDELAR),
Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mutua (FUCVAM) e
Escuela Nacional de Formación (ENFORMA), Federación de Cooperativas de
Vivienda por Ahorro Previo (FECOVI), Instituto Nacional de Cooperativismo
(INACOOP), Ministerio de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente
(MVOTMA) e Unidad de Estudios Cooperativos (UEC-UDELAR). Aos “cooperativistas
de vivienda” que proporcionaram entrevistas e conversas valiosíssimas sobre a
trajetória de suas unidades cooperativas, em especial àqueles dos seguintes grupos:
Complejo Bulevar, Complejo José Pedro Varela, COVIATU 18, COVICENOVA,
COVICIVI, COVICORDÓN, COVIESS 90 II, COVIFAMI II, COVIMT 2, COVISUNCA 2,
COVISUR II, COVIUN, COVIUNPRO, COVIVEMA V, El Ladrillo, MESA 1, Puerto
Fabini e aqueles do Barrio Inter-cooperativo Zitarrosa, em especial COVICENTELLA,
COVIEFE, COVIFU, COVIFAMI e JUCOVIPOSTAL. Aos técnicos dos “Institutos de
Asistencia Técnica” que me concederam preciosas entrevistas; e, nominalmente, a
Gustavo González e Leonardo Pessina pelos depoimentos individuais, assim como a
Daniel Chavez, pela bibliografia disponibilizada.
À biblioteca Gino Baratta, pelo suporte à escrita do texto da tese.
Aos amigos de vários cantos e aventuras – do Rio, de Sampa, de Brasília, do
mundo –, aos quais não agradecerei, nominalmente aqui, por questão de espaço.
À minha irmã, pela brodagem compartilhada; e aos meus pais, pelos
ensinamentos de dedicação e integridade.
RESUMO
A produção social do habitat configura-se, a partir de meados do século XX, em um
projeto político de estruturação alternativa do ambiente urbano na América Latina. Ao
se considerar a constituição desse projeto a partir de um conjunto heterogêneo – e,
por vezes, conflitivo – de ações políticas que organizam práticas autogestionárias de
produção do habitat, a tese propõe uma abordagem sobre as “bases” sociais, políticas
e econômicas de dois casos específicos: o cooperativismo uruguaio de moradia,
originado na década de 1960, e as propostas de autogestão habitacional na metrópole
do Rio de Janeiro, iniciadas nos anos 1990. Para tanto, analisam-se aspectos da
formação social dos contextos onde emergiram essas experiências, de modo a
permitir pensar questões específicas postas à trajetória destes dois modelos de
produção social do habitat. Sob uma dupla perspectiva, iluminam-se tensões internas
que atravessam esse projeto político, considerando-se a vinculação com suas “bases”
constitutivas. Nesse sentido, a tese procura explorar os momentos de emergência da
política – enquanto ação humana criadora do novo e instituidora do dano na própria
constituição da comunidade – que se processam, na estruturação do espaço urbano
latino-americano, a partir das inciativas autogestionárias de produção social do
habitat.
Palavras-chave: Produção social do habitat. Cooperativismo de moradia. Autogestão
habitacional.
RESUMEN
La producción social del hábitat se configura, a partir de mediados del siglo XX, en un
proyecto político de estructuración alternativa del ambiente urbano en América Latina.
Al considerarse la constitución de ese proyecto desde un conjunto heterogéneo – y,
por veces, conflictivo – de acciones políticas que organizan prácticas autogestionarias
de producción del hábitat, la tesis propone un abordaje sobre las “bases” sociales,
políticas y económicas de dos casos específicos: el cooperativismo uruguayo de
vivienda, originado en la década de 1960, y las propuestas de autogestión habitacional
en la metrópoli del Rio de Janeiro, empezadas en los años 1990. Por lo tanto, se
analizan aspectos de la formación social de los contextos donde surgieron tales
experiencias, de manera a permitirse pensar cuestiones específicas acerca de la
trayectoria de estos dos modelos de producción social del hábitat. Bajo una doble
perspectiva, se iluminan las tensiones internas que cruzan ese proyecto político,
considerándose la vinculación con sus “bases” constitutivas. En ese sentido, la tesis
intenta explorar los momentos de surgimiento de la política – como acción humana
creadora de lo nuevo e instituidora del daño en la propia constitución de la comunidad
– que se procesan, en la estructuración del espacio urbano latinoamericano, a partir
de las iniciativas autogestionarias de producción social del hábitat.
Palabras-claves: Producción social del hábitat. Cooperativismo de vivienda.
Autogestión habitacional.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Notícias do primeiro boletim de FUCVAM sobre o início de obra nas
cooperativas de moradia por ajuda mútua (Montevidéu, 1971) 47
Figura 2 – Mesa 1, bairro “Nuevo Amanecer” (Montevidéu, 2015) 55
Figura 3 – Número de obras de cooperativas de moradia, por ano de início (Uruguai,
1970 – 1978) 59
Figura 4 – Estado de tramitação dos empréstimos às cooperativas de moradia, em
unidades habitacionais (Uruguai, 1978) 60
Figura 5 – Empréstimos escriturados pelo Banco Hipotecário do Uruguai, equivalente
em quantidade de moradias (Uruguai, 1978 – 1984) 61
Figura 6 – Salão comunal do Complexo José Pedro Varela (Montevidéu, 2015) 63
Figura 7 – Número de obras de cooperativas de moradia, por ano de início (Uruguai,
1985 – 1999) 70
Figura 8 – Prédio destinado à carteira de terras da Intendência de Montevidéu
(Montevidéu, 2016) 73
Figura 9 – Número de obras de cooperativas de moradia, por ano de início (Uruguai,
2000 – 2015) 77
Figura 10 – Moradia construída no projeto de Ipiíba (São Gonçalo, 2014) 93
Figura 11 – Moradias do projeto Shangri-lá, Jacarepaguá (Rio de Janeiro, 2014) 97
Figura 12 – Taxa de inflação e salário real (Uruguai, 1957 – 1973) 115
Figura 13 – Sede do Centro Cooperativista Uruguayo (Montevidéu, 2015) 122
Figura 14 – Anúncio da Cooperativa Habitacional nº 1 da Guanabara (Rio de Janeiro,
1965) 127
Figura 15 – Número de cooperativas habitacionais (Brasil, 1978, 1980 e 1983) 129
Figura 16 – Ocupação na indústria (Uruguai, 1936 – 1999) 137
Figura 17 –Taxas de crescimento da população, da população economicamente ativa
(PEA) e da ocupação na indústria (Uruguai, 1936 – 1998) 138
Figura 18 – Moradias da cooperativa COVIATU 18 (Montevidéu, 2016) 192
Figura 19 – Obra da cooperativa Puerto Fabini (Montevidéu, 2016) 194
Figura 20 – Pátio superior da cooperativa COVICIVI (Montevidéu, 2015) 201
Figura 21 – Complejo Bulevar (Montevidéu, 2015) 207
Figura 22 – Trabalho de ajuda mútua dos sócios da cooperativa COVIVEMA V
(Montevidéu, 2015) 219
Figura 23 – Cooperativa COVICENOVA (Montevidéu, 2016) 228
Figura 24 – 65a. assembleia geral de FUCVAM (Montevidéu, 2016) 236
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Número de sócios e de unidades cooperativas de moradia, por
departamento (Uruguai, 1969 e 1978) 56
Tabela 2 – Evolução da estrutura do Gasto Público Social (porcentagem), por décadas
(Uruguai, 1910 – 2000) 145
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
1.1 O plano de análise ............................................................................................. 18
1.2 As questões da pesquisa ................................................................................. 23
1.3 Metodologia de pesquisa .................................................................................. 29
1.4 A estrutura do texto .......................................................................................... 38
2 A PRODUÇÃO SOCIAL DA HABITAT EM MONTEVIDÉU E NO RIO DE JANEIRO .................................................................................................................. 41
2.1 Cooperativismo de moradia no Uruguai ......................................................... 41
2.1.1 Cooperativismo na Lei Nacional de Moradia .................................................... 48
2.1.2 Etapa inicial: ganho de escala .......................................................................... 52
2.1.3 Ditadura militar e sufocamento do sistema ....................................................... 57
2.1.4 Redemocratização e políticas neoliberais ........................................................ 69
2.1.5 Período contemporâneo ................................................................................... 75
2.2 Autogestão habitacional na metrópole do Rio de Janeiro ............................ 79
2.2.1 Primeiras iniciativas em Nova Holanda ............................................................ 80
2.2.2 Proposta pioneira do Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião .. 86
2.2.3 Aporte de recursos da cooperação internacional ............................................. 91
2.2.4 Anos 2000 e acesso a fundos públicos ............................................................ 99
2.3 Uma primeira aproximação entre Montevidéu e Rio de Janeiro ................. 104
3 AS BASES DA PRODUÇÃO SOCIAL DO HABITAT NO URUGUAI ................. 108
3.1 Década de 1960: geopolítica, crise e cooperativismo de moradia .............. 109
3.1.1 Plan CIDE e impacto sobre o planejamento da política habitacional ............. 109
3.1.2 Acúmulo formativo e origem dos projetos piloto ............................................. 117
3.1.3 Contraponto: cooperativismo habitacional no Brasil ....................................... 125
3.2 A formação da classe operária uruguaia ...................................................... 129
3.2.1 Cooperativismo de moradia, classe trabalhadora e sindicalismo ................... 136
3.3 Arquitetura de bem-estar e apoio estatal ...................................................... 141
4 O TERRENO POR ONDE SE MOVIMENTA A AUTOGESTÃO HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO ............................................................................................. 147
4.1 Favela, território de origem ............................................................................ 148
4.1.1 Do associativismo pré-ditadura ao remocionismo autoritário ......................... 149
4.1.2 Abertura democrática e associativismo transformador ................................... 154
4.1.3 Economia política da urbanização do Rio de Janeiro ..................................... 157
4.1.4 Outro contraponto: cooperativismo e associativismo ..................................... 160
4.2 Matriz sindical e autogestão habitacional ..................................................... 170
4.3 Cultura política e violência ............................................................................. 175
4.4 Estado, organizações não-governamentais e cooperação internacional .. 179
5 TENSÕES INTERNAS À PRODUÇÃO SOCIAL DO HABITAT .......................... 187
5.1 Origem social dos grupos .............................................................................. 188
5.2 Os distintos tempos das políticas públicas .................................................. 202
5.3 Dilemas da ajuda mútua e da autogestão ..................................................... 209
5.4 Autogestão: instrumento de opções múltiplas ............................................ 224
5.5 Propriedade coletiva ....................................................................................... 233
5.6 Dimensão singular da experiência ................................................................ 240
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 252
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 263
APÊNDICE A – QUADRO DE COOPERATIVISTAS ENTREVISTADOS EM MONTEVIDÉU ........................................................................................................ 281
APÊNDICE B – SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS EM MONTEVIDÉU ..... 282
13
1 INTRODUÇÃO
Metrópole do Rio de Janeiro, início da década de 1990. Uma análise
panorâmica sobre o processo histórico de urbanização da região apresenta um
ambiente urbano estruturado majoritariamente pela precariedade das condições de
moradia da maioria da população. Predominam os grandes números que expressam
o déficit na qualidade construtiva do parque habitacional, a falta de acesso a
elementos básicos da infraestrutura urbana e o gasto excessivo com aluguel que
compromete grande parte dos ingressos familiares das camadas populares. No
território, constituem-se áreas de precariedade urbana expressas em favelas,
loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais degradados. Dados do início dessa
década (BURGOS, 2006, p. 45) mostram que, no ano de 1991, quarenta por cento da
população da cidade do Rio de Janeiro vivia em condições precárias de habitat, sendo
962.793 habitantes em favelas, 944.200 em conjuntos habitacionais e outros 381.345
em loteamentos irregulares de baixa renda, um total de mais de dois milhões de
pessoas.
Nesse mesmo período e cenário, a região metropolitana do Rio de Janeiro
testemunha o surgimento de um conjunto de iniciativas que procuraram introduzir
novas maneiras de se produzir o habitat das camadas populares residentes nos
territórios de precariedade urbana. São organizadas propostas que se centram na
ideia de construção do ambiente urbano – com foco na habitação – por meio da própria
participação dos futuros moradores. Traduzidas no conceito de “autogestão” do
processo produtivo do habitat, de certo modo se colocam como alternativas às formas
históricas de produção habitacional no Brasil, seja pela via do mercado imobiliário ou
da promoção estatal.
Um conjunto de práticas foi constituído e acionado para a execução de alguns
processos experimentais. A formação de coletivos organizados e a constituição de
metodologias de trabalho consubstanciaram práticas coletivas visando o acesso a
recursos financeiros e ao solo urbanizado para a construção de novas moradias. Tais
práticas inovadoras se estruturaram apoiando-se em modos de discussão coletiva dos
14
aspectos projetuais e acionando engrenagens de reordenação da relação dos saberes
técnicos com os coletivos organizados.
Constituíram-se, dessa maneira, metodologias que reformularam processos
construtivos tradicionais, por meio de mecanismos de utilização coletiva da mão-de-
obra dos próprios moradores na produção de seu habitat. Assentavam-se, desse
modo, na organização autogerida do canteiro de obras e da contratação de mão-de-
obra especializada, aliada a formas autônomas de gerenciamento dos recursos
financeiros destinados principalmente à compra, sem intermediários, de insumos da
construção civil. Tais práticas, inéditas no contexto da precariedade urbana do Rio de
Janeiro, geraram territórios onde o local de moradia é a concretização, sob formas de
autogestão, do próprio processo de produção do habitat.
Uruguai, segunda metade da década de 1960. Três experiências piloto são
levadas à cabo sob iniciativa de uma organização não governamental – o Centro
Cooperativista Uruguayo, conhecido como CCU – visando a produção de moradias
através de uma nova modalidade de cooperativismo. O Legislativo uruguaio aprova,
no final da década, a Lei Nacional de Moradia, com um capítulo específico instituindo
o sistema cooperativo de moradia no país. Já a partir de 1970 este sistema entra em
funcionamento e, vertiginosamente, a produção habitacional sob essa modalidade
ganha escala. Constituem-se centenas de grupos que produzem milhares de unidades
habitacionais.
Em menos de uma década a promoção habitacional via cooperativas
consolidou um sistema que aportou medidas inovadoras no modo de se produzir o
habitat para as camadas populares. No Uruguai, essas inovações se constituíram em
propostas tais como a adoção da propriedade coletiva, a criação de modalidades de
participação dos usuários no processo construtivo via ajuda mútua ou poupança
prévia, a constituição de Institutos de Assistência Técnica, a organização de
federações de cooperativas, assim como a construção coletiva de equipamentos
urbanos. Com o suporte estatal e o engajamento da classe trabalhadora sindicalizada,
a experiência ganhou escala e prestígio com a qualidade urbana alcançada,
constituindo um sistema que enfrentou, logo em seguida, os desafios da retirada do
apoio estatal com a ditadura a partir de 1973.
15
Foi no começo dos anos 1990 que se cruzam esses dois conjuntos de
experiências latino-americanas, duas formas alternativas de produção do habitat
popular. O iniciante experimento alçado no Rio de Janeiro foi buscar referências no
sistema uruguaio de cooperativas de moradia, naquele momento com mais de duas
décadas de instituição. A partir do assessoramento a uma iniciativa embrionária que
se desenvolveu na favela de Nova Holanda – com o trabalho de uma cooperativa de
construção oriunda de iniciativa da renovada associação de moradores local –,
conformava-se, em uma organização não governamental – o então Centro de Defesa
de Direitos Humanos Bento Rubião – o esboço de um programa que apoiasse projetos
de autogestão habitacional.
A inspiração no sistema uruguaio veio por intermédio do eco que se fazia ouvir
desse sistema na região metropolitana vizinha de São Paulo. Por ali, desde meados
da década anterior ocorria um conjunto de iniciativas que buscavam seguir o modo de
fazer uruguaio1. Assim é que a iniciativa carioca viria a materializar projetos piloto,
com elementos inspirados no sistema uruguaio, a partir de metade da década de 1990.
***
Foi na segunda metade da década de 1980 que surgiu na favela de Nova
Holanda – localizada no Complexo da Maré, próxima à Linha Amarela, zona
suburbana do Rio de Janeiro – um conjunto de iniciativas para a construção
organizada de moradias sob formas de gestão controladas pelos próprios moradores.
A partir de um processo de mudança de orientação política na direção da associação
de moradores local, constituiu-se a Cooperativa de Moradores e Amigos da Nova
Holanda (COOPMAHN). A cooperativa, inicialmente, criou novos mecanismos para a
utilização coletiva de recursos públicos federais visando à aquisição de materiais de
1 Nabil Bonduki ao analisar o surgimento, nos anos 1980, das propostas dos mutirões autogeridos pelos movimentos de moradia na região metropolitana de São Paulo, salienta que “a influência do cooperativismo uruguaio no surgimento de propostas autogestionárias na luta por moradia foi enorme” (BONDUKI, 1992, p. 35). A influência uruguaia tinha sua força advinda das concretizações realizadas até então, “tanto pelos excelentes resultados alcançados em termos de qualidade, custos e participação popular como por apontar uma proposta habitacional alternativa numa conjuntura onde se buscava novas soluções” (BONDUKI, 1992, p. 35).
16
construção. Ao final da década tornou-se responsável pela construção de unidades
habitacionais que seriam erguidas na favela com recursos do governo federal. Nesse
processo, a cooperativa foi assessorada por técnicos que atuavam no Núcleo Arco,
ligado à Universidade Santa Úrsula.
Já na virada para os anos 1990, a cooperativa se dissolveu e integrantes do
núcleo assessor passaram a atuar na estruturação de uma proposta que apoiasse
iniciativas de produção de moradia através de mecanismos autogestonários. O
programa surgiu sob coordenação de uma organização não governamental, o então
Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião. Formado por técnicos que
atuaram durante a década de 1980 junto à Pastoral de Favelas do Rio de Janeiro, a
nova proposta da entidade constituiu-se a partir da inspiração nas experiências
paulistas que miravam o sistema cooperativo uruguaio de produção habitacional. Por
meio de um intercâmbio com organizações e movimentos sociais de São Paulo e do
Uruguai, a ONG passou a trilhar o caminho de conformar projetos de produção
habitacional sob a gestão dos futuros moradores.
O sistema uruguaio de cooperativas de moradia – que se tomava como
referência em São Paulo e no Rio – baseia-se na formação de grupos que irão se
responsabilizar pela gestão da construção coletiva de suas próprias habitações. Uma
ideia-mestre do sistema é instituir mecanismos que organizem a autoconstrução
isolada da habitação, mecanismo tão característico da formação urbana dos países
latino-americanos, como o Uruguai e o Brasil (NAHOUM, 1984).
A cooperativa deve constituir-se juridicamente, ter acesso a um terreno
urbanizado que permita o desenvolvimento dos elementos projetuais prévios à obra,
os quais são elaborados por um grupo técnico contratado pela cooperativa. Esta é
responsável por todo o processo de obra, realizando a gestão de um empréstimo
estatal (de larga duração, em torno de vinte a trinta anos) para a viabilização do projeto
construtivo.
As duas principais modalidades de participação dos sócios da cooperativa na
obra são a ajuda mútua e a poupança prévia. Na primeira, as cooperativas utilizam o
aporte de mão-de-obra dos próprios sócios durante toda a construção coletiva do
projeto. Já nas cooperativas por poupança prévia, a participação se realiza através da
17
constituição de uma contrapartida monetária em complemento ao financiamento
estatal.
A obra se organiza por meio de regulamentos e comissões, sendo o processo
de compra de insumos e de prestação de contas planejados e executados de forma
coletiva. Ao concluir-se a construção habitacional, o sistema uruguaio prevê a adoção
da propriedade coletiva, das unidades de moradia, pela cooperativa. Enquanto uma
modalidade de uso e gozo, cada cooperado tem a propriedade de um capital social, o
qual lhe dá direito a habitar uma unidade habitacional. A modalidade coletiva da
propriedade configura-se, historicamente, enquanto a principal forma de propriedade
adotada pelas cooperativas de moradia no Uruguai. A organização social do sistema
também se ancora na constituição de federações representantes das cooperativas, as
quais desempenham um importante papel enquanto movimento social da sociedade
civil.
***
Já em meados da década de 1990, a Fundação Centro de Defesa de Direitos
Humanos Bento Rubião (que naquele momento alterara sua constituição jurídica de
Centro para Fundação) empreendeu três experiências piloto que claramente
concretizavam a referência ao sistema uruguaio de cooperativas de moradia. Shangri-
lá, em Jacarepaguá, Colméia, em Campo Grande, e Pixuna, na Ilha do Governador,
foram os primeiros grupos que construíram suas próprias moradias tendo como
referência a modalidade de ajuda mútua do cooperativismo de moradia uruguaio.
Sem ainda adentrar os detalhes dos projetos levados à cabo no Rio de Janeiro,
uma primeira e rápida comparação entre os resultados urbanos do sistema uruguaio
e aqueles constituídos no Rio de Janeiro – com referência a este sistema – aponta
para algumas diferenças substanciais. Distinções que se sobressaem ao olho do
observador quando tomados os princípios referenciados no Rio de Janeiro e as
concretizações alcançadas em termos de produção do ambiente urbano. O ganho de
escala, por exemplo, não ocorreu como na primeira década no Uruguai. Os projetos
18
coordenados pela Fundação Bento Rubião somavam não mais que uma dezena de
grupos assessorados, enquanto que, no país vizinho, em sua primeira década já se
conformavam mais de trezentos (PERAZZA, 1978, p. 128).
Se o conjunto de experiências no Rio de Janeiro não ganhou escala como no
Uruguai, de certa forma aplicou diversos motores do cooperativismo de moradia nos
projetos desenvolvidos. Tomando como principal referência a modalidade da ajuda
mútua, as formas de organização do canteiro e da mão-de-obra, o princípio da
discussão participativa dos projetos arquitetônico e urbanístico, além dos mecanismos
de compra de insumos da construção e de gestão de recursos financeiros, sinalizam
a clara referência ao contexto uruguaio.
É a partir de uma certa inquietação proporcionada por um primeiro cotejamento
entre o sistema uruguaio de cooperativas de moradia e a inspiração que se constituiu
na região metropolitana do Rio de Janeiro, que se formularam as questões de
pesquisa e que moveram o desenvolvimento desta tese. Inquietação que se fez sentir
ao se observar a referência aos princípios do sistema uruguaio no contexto carioca e
as concretizações em termos de produção do espaço urbano, geradas nas precárias
condições de vida na metrópole do Rio de Janeiro. Inquietação, por fim, que fez pensar
para além de uma rápida constatação que se ancora nas distinções entre os polos
analisados, fazendo emergir indagações que intentaram constituir uma abordagem
sob novas perspectivas.
1.1 O plano de análise
As iniciativas de organização da produção do ambiente urbano em propostas
autogestionárias – como aquelas do Uruguai e do Rio de Janeiro – estão inseridas em
um complexo e denso processo de urbanização da América Latina que ocorreu no
último século. Na periferia do “sistema mundial moderno” que se formou a partir do
século XIX (FIORI, 2008), o fenômeno da urbanização acelerada e massiva dos
países dessa periferia caracterizou-se pela conformação de formas precárias de
urbanidade para enormes parcelas da população (DAVIS, 2006). Sob diversas
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especificidades, o acesso a condições inadequadas de infraestrutura urbana e de
moradia estruturaram o habitat das cidades latino-americanas.
Dentre uma ampla literatura que abordou o intricado processo da urbanização
desse continente, um aspecto abordado por Kowarick (1993), acerca das condições
de reprodução da força de trabalho nessa região, deve ser retido para a compreensão
sobre a constituição do plano onde emergiram as questões de pesquisa. Segundo a
argumentação do autor, o trabalhador das cidades latino-americanas, a partir da
segunda metade do século XX, encontra-se submetido às condições de exploração
capitalista que não se encerram no âmbito das relações de trabalho. Os mecanismos
de exploração e de deterioração da vida se processam, também, no meio urbano,
configurando-se no que denominou como “espoliação urbana”.
A dimensão da exploração capitalista, nesse sentido, também se verifica nas
próprias condições de reprodução da força de trabalho. Desse modo, a espoliação
urbana configura-se no “somatório de extorsões que se operam através da
inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo [...] e que agudizam
ainda mais a dilapidação realizada no âmbito das relações de trabalho” (KOWARICK,
1993, p. 62). As condições de urbanização da periferia do sistema mundial moderno
ampliam, nesse sentido, o processo de exploração do trabalhador latino-americano.
O ambiente urbano, então, conforma-se em um emaranhado de situações
caóticas que desenham a exceção na conformação dos territórios periféricos das
grandes cidades desse continente. A autoconstrução das moradias populares, as
condições insalubres do aluguel em áreas centrais, a ausência de soluções
adequadas de acesso à agua e tratamento de esgoto, por exemplo, são a expressão
de determinada produção de urbano que, em quase nada, é residual em relação ao
desenvolvimento do sistema capitalista e ao processo de urbanização correlato. Como
acena o fenômeno da persistência do processo, após mais de um século de
urbanização, a precarização das condições de produção do espaço urbano nas
cidades latino-americanas mostra-se funcional à própria expansão do sistema
capitalista.
Como já apontaram os trabalhos seminais de Francisco de Oliveira (2003), a
funcionalidade da precariedade urbana vale-se do barateamento da força de trabalho
20
por meio do seu processo de superexploração. Adotando-se a perspectiva do autor, a
existência de uma economia urbana de subsistência (expressa no “inchaço” do setor
terciário da economia, por exemplo), ou mesmo práticas de expansão do território
periférico (por meio da autoconstrução isolada da moradia), exerceram (e exercem) o
papel de rebaixar o custo de reprodução da força de trabalho.
Assim é que os mecanismos de superexploração e de espoliação urbana da
força de trabalho latino-americana ensejaram práticas de produção do ambiente
construído a partir da própria organização popular. Segundo Maricato (1982), a
produção periférica dos territórios urbanos é a única saída para grande parte da
população, pois
se a habitação, a chamada infraestrutura urbana, e os equipamentos constituem mercadorias, se a política habitacional é centralizadora e elitista, e se por outro lado o salário é mantido a um nível abaixo daquele que permitiria a compra desses bens, as necessidades são em grande parte supridas pela prática da autoconstrução ou não são supridas (MARICATO, 1982, p. 82).
Desse modo, um vasto espaço urbano foi erigido nas cidades latino-americanas por
meio de processos realizados à margem da regulação urbanística e sob o próprio
esforço da população superexplorada.
Coraggio (1998) discute como, nesses territórios periféricos, subjaz uma lógica
econômica específica em que a construção do ambiente urbano (por meio da
produção da própria moradia ou de infraestrutura comunais), enseja uma forma
específica de acumulação sob a esfera da economia doméstica. Ao distinguir três
lógicas econômicas – que atravessam o sistema capitalista de produção de riquezas
–, quais sejam, a economia empresarial capitalista, a economia pública e a economia
popular, esta última é a que predomina nos territórios periféricos.
Pouco compreendida pelos estudos econômicos clássicos, o que caracteriza a
economia popular é a presença das unidades domésticas, “que dependen
principalmente del ejercicio de su trabajo para lograr su reproducción biológica y
cultural” (CORAGGIO, 1998, p. 73). As unidades domésticas, enquanto organizações
básicas da economia popular, mantêm seu processo de reprodução por meio da
utilização de seu fundo de trabalho, conformado pela própria capacidade de trabalho
dos membros da unidade. O fundo de trabalho é utilizado pelas unidades domésticas
21
para diversos fins, sendo que aqueles que visam sua reprodução constituem boa parte
do que se produz no ambiente urbano periférico.
Ao identificar que o processo de reprodução das unidades domésticas – a qual
implica, sob a lógica especifica da economia urbana, a produção social do habitat
periférico – a partir de seu caráter ampliado, Coraggio aponta para as possibilidades
que se abrem para as diversas formas de organização da economia popular. O caráter
ampliado da reprodução das unidades domésticas, portanto, significa que não há um
nível básico de necessidades, senão uma busca pela melhora da qualidade de vida
sem limites intrínsecos, permeada pela introjeção múltipla de valores e concepções2.
Nesse sentido é que pode afirmar que a economia popular inclui não só a
utilização do trabalho, como também de “activos fijos -vivienda/local de habitación- [...]
e intangibles -conocimientos técnicos, etc.- que han ido acumulándose en función del
objetivo de la reproducción de la vida en condiciones tan buenas como sea posible”
(CORAGGIO, 1992, p. 10). Desse modo é que a compreensão sobre as
especificidades desse processo permite vislumbrar que “la economía popular no es
una alternativa pobre para pobres, sino un subsistema orgánico de elementos
socialmente heterogéneos, dotado de un dinamismo propio, competitivo y de alta
calidad” (CORAGGIO, 1998, p. 11).
A partir de tal perspectiva de Coraggio, dentro de uma aposta na organização
da economia popular urbana em patamares mais solidários, é possível identificar a
emergência de um conjunto de práticas que pretendem promover um novo caráter à
autoconstrução periférica do ambiente urbano das cidades latino-americanas. Trata-
se de práticas reunidas dentro de que se convencionou denominar como “produção
social da moradia e do habitat”, cuja constituição pode ser identificada na segunda
metade do século XX3. Distinguindo-se das lógicas de produção habitacional e da
2 Como o próprio autor adverte, esse caráter da reprodução ampliada se dá em grande medida pela introjeção de valores da propaganda mercantil e pela construção social das necessidades pelos movimentos culturais da sociedade. Assim é que se deve ter em consideração, de acordo com sua perspectiva, que não se pode afirmar “que en el interior de la economía popular no haya explotación ni intercambio desigual (por ejemplo sobre bases de género, edad o etnia), pero no se hacen con los mecanismos propios de la explotación capitalista de plusvalor” (CORAGGIO, 1998, p. 77). 3 Como aponta o estudo de Flores (2012), realizado no começo dos anos 2000, a produção social da moradia e do habitat, no contexto latino-americano, fundamenta-se “en múltiples prácticas desarrolladas a lo largo de medio siglo y en algunos documentos que han venido contribuyendo a la conceptualización y orientación operativa de esta forma de producción” (FLORES, 2012, p. 11).
22
cidade por meio da forma privada mercantil e da forma estatal, a produção social,
segundo Flores (2012), caracteriza-se pelos seguintes aspectos, quais sejam,
produce sin fines de lucro, por iniciativa y bajo el control de autoproductores y desarrolladores sociales, viviendas y conjuntos habitacionales que adjudica a demandantes individuales u organizados (principalmente de bajos ingresos), que en general son identificados y participan activamente desde las primeras fases del proceso habitacional (FLORES, 2012, p. 25).
A produção social do habitat, assim, distingue-se dos processos clássicos de
autoconstrução, pois envolve não só o aspecto produtivo do ambiente urbano, mas
primordialmente o controle sobre todas as suas dimensões de gestão. Desde tal
perspectiva é que Flores afirma, dentro dessa distinção, que só se pode falar de
produção social do habitat “cuando las tareas de autoconstrucción que asume un
grupo organizado son decisión y quedan bajo el control del propio grupo y son
contabilizadas como aporte de sus participantes al financiamiento” (FLORES, 2012,
p. 27).
A produção social do habitat implica, portanto, um conjunto de práticas muito
heterogêneas entre si. É possível identificar dimensões distintivas que acionam
determinadas formas de participação dos próprios beneficiários, modalidades
construtivas e mecanismos institucionais de organização dos variados componentes
do processo produtivo. Dessa forma, pode-se compreender a produção social do
habitat enquanto um “projeto político” específico na estruturação do ambiente urbano
latino-americano, o qual se consubstancia em formas autogestionárias de se constituir
a vida na cidade.
Ao adotar-se como referência o conceito de projeto político para compreender
a heterogeneidade da produção social do habitat, frisa-se um aspecto central posto
por Dagnino (2004). Segundo a autora, um projeto político constitui-se nos “conjuntos
de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida
em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos” (DAGNINO, 2004,
p. 98). Assim, busca-se apontar, por um lado, para a pluralidade de “concepções de
mundo” que atravessa o projeto de produção social do habitat. Por outro, salienta
como este projeto heterogêneo modula-se em uma forma conjunta de ações políticas
sobre a produção dos territórios populares das cidades latino-americanas. Nesse
aspecto plural do projeto político da produção social do habitat é que se ancoraram as
questões que moveram a pesquisa.
23
1.2 As questões da pesquisa
Retomando a atenção sobre os resultados urbanos do sistema uruguaio de
cooperativas de moradia e aqueles das experiências de autogestão habitacional
empreendidas no Rio de Janeiro, a inquietação que emergiu desde então trouxe à
tona uma instigante questão para reflexão. O que poderia explicar resultados – em
termos de produção do ambiente urbano – um tanto quanto díspares, se os princípios
tomados em consideração eram oriundos de um mesmo embasamento? Em outros
termos, se o conjunto de experiências do Rio de Janeiro constituiu-se tendo como
referência os princípios do sistema uruguaio de cooperativas de moradia, a indagação
ancorou-se em considerar o que levaria a que os resultados urbanos, em termos de
escala e de organização institucional, por exemplo, tomassem uma configuração
distinta. A partir da inspiração em um sistema que, aparentemente, mostrou-se sólido
e exitoso em seu início, como explicar as características tão próprias do que foi
desenvolvido no Rio de Janeiro?
Uma primeira indicação de caminhos a tentar se trilhar para refletir sobre essas
questões poderia se valer de uma espécie de “análise por ausências”. Considerando
os elementos modulares que constituem as “chaves” do sistema uruguaio de
cooperativas de moradia (NAHOUM, 2013e), seria possível enveredar sobre as
ausências a serem evocadas no que se constituiu no Rio de Janeiro. Seja, por
exemplo, na adoção da propriedade individual em detrimento da forma coletiva – ou
mais especificamente, “de uso e gozo” –, seja no diminuto volume de financiamento
estatal disponibilizado. Tais ausências poderiam indicar, desse modo, a escassez de
aportes de recursos financeiros compatíveis para o ganho de escala e a falta de uma
base organizativa que proporcionasse o surgimento de um movimento social – como
as federações de cooperativas, assentadas naquelas sob a forma de propriedade
coletiva – que reivindicasse a consolidação desse sistema.
Assim também seria possível verificar como, diferentemente do Uruguai, a
assunção de uma ONG enquanto promotora das experiências piloto – no caso do Rio
de Janeiro, a Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião –
assumiu um papel diferente daquela do Uruguai nas experiências piloto – o Centro
24
Cooperativista Uruguayo. Ao justamente desempenhar papéis que não se restringiram
àquele de assessoria técnica – ao qual se ateve esta última nos referidos pilotos da
década de 1960 –, a iniciativa da entidade carioca levaria à configuração das
propostas autogestionárias de produção habitacional a certas especificidades em
diversas dimensões dos processos organizativos dos projetos, tais como as formas
decisórias sobre compra de insumos e gerenciamento de recursos financeiros, por
exemplo.
Portanto, adotando como perspectiva uma visada exterior ao conjunto das
experiências analisadas, o caminho deste ponto de vista estabeleceria o sistema
uruguaio como referência para sublinhar as distinções do caminho adotado no Rio de
Janeiro, procedendo, então, a analisar as implicâncias nos resultados auferidos4.
Trata-se de um caminho que perseguiria algumas análises que vem sendo trilhadas
no sentido de iluminar a influência uruguaia no contexto brasileiro. São diversos e
profícuos os trabalhos que abordaram a transposição de determinados elementos
desse sistema para a experiência brasileira, reconstituindo, em alguns casos, os
modos como algumas formas de organização do canteiro de obra, por exemplo,
compartilharam muitas das desenvolvidas no modelo uruguaio5.
Porém, essa primeira perspectiva apenas aguçou ainda mais as inquietações
provocadas. Por um lado, mostrou-se útil para solidificar a ancoragem da indagação
inicial formulada. Por outro, não iluminou um roteiro para se mergulhar no
conhecimento sobre a inquietação inicial. Ao manter e observar com maior acuidade
o ponto de reflexão em torno da indagação inicial, um segundo conjunto de questões
começou, então, a se delinear. Assim é que ao se interrogar mais detidamente as
circunstâncias e especificidades que envolviam a adoção – ou ausência desta – de
alguns “elementos chave” do sistema uruguaio de cooperativismo de moradia, pelo
rastro das experiências desenvolvidas no Rio e Janeiro, um novo campo de reflexão
foi se conformando.
Nesse sentido, por exemplo, ao tomar mais detidamente o modo como a “forma
cooperativa” foi incorporada nos projetos do Rio de Janeiro, uma sequência de
4 Tal seria uma trilha a seguir a partir das indicações da extensa pesquisa de Flores (2012) sobre as variadas conformações do modo como se realiza a produção social do habitat na América Latina e Central. 5 Vide, por exemplo, Baravelli (2006) e Coletivo Usina (2012).
25
indagações se direcionaram para além da abordagem comparativa. Qual configuração
do corpo de normas legais marcaria a trajetória do cooperativismo no Brasil? Quais
forças sociais e políticas atravessariam o campo do cooperativismo de moradia no
momento de instituição da proposta inicial da Fundação de Direitos Humanos Bento
Rubião? Como compreender as escolhas no arranjo institucional adotado que
escaparam ao âmbito do cooperativismo? Ou, voltando-se para o contexto uruguaio,
quais as especificidades do campo uruguaio em torno ao cooperativismo, que
desembocaram na constituição da vertente habitacional nos anos 1960?
Outro exemplo do conjunto de questões que emergiu atou-se à própria atenção
sobre os atores sociais que empreenderam essas experiências. Ao observar mais
detidamente o surgimento do sistema uruguaio, foi possível identificar, ainda
embrionariamente, como este foi marcado pela presença de uma classe trabalhadora
estável e sindicalizada. Logo em seguida, tomando o Rio de Janeiro, observava-se
como as experiências surgiram com atores do campo da “favela”, atravessado por
configurações distintas quanto à inserção no mundo do trabalho e às práticas de
organização política. Assim, como pensar as implicações das configurações distintivas
na conformação social e política, transversal aos atores que protagonizavam todas
essas experiências, na organização dos projetos habitacionais autogeridos? Uma
grande questão se originou ao indagar em que sentidos a formação dos grupos, os
mecanismos da participação nas decisões gestionárias e de aporte de mão-de-obra,
por exemplo, modulavam-se desde tais configurações distintas no campo da
constituição dos diferentes atores sociais.
Desse modo é que tal redirecionamento no enfoque de questões parecia indicar
uma abordagem que se assentasse para além da perspectiva comparativa entre os
módulos dos casos analisados. De certa forma, esse novo enfoque fazia um convite
a se pensar o “exterior” de onde essas experiências emergiam e constantemente se
reorganizavam. Tratava-se de refletir sobre as especificidades do terreno onde se
movimentam tanto o sistema uruguaio de cooperativas de moradia quanto as
experiências de autogestão habitacional no Rio de Janeiro. Compreender a
configuração do campo de movimentação desses dois conjuntos de propostas de
produção social do habitat envolveria identificar questões que são postas e repostas
para a constituição desses projetos. Tensões e dilemas que, sob diversos sentidos,
podem ou não ser compartilhados, ser similares ou distintos, em cada um dos casos.
26
Nessa perspectiva, a abordagem desenvolvida pela pesquisa – instigada pelo
novo conjunto de indagações – foi configurando um direcionamento que se debruçou
sobre o próprio terreno da formação social desses conjuntos de experiências. Tratou-
se de analisar o que se passou a denominar, um tanto provisoriamente, como as
“bases” da produção social do habitat. Uma abordagem sobre tais “bases” operaria o
deslocamento do olhar para além do enfoque comparativo, fazendo pensar algumas
das próprias especificidades das configurações sociais, políticas e econômicas de
onde emergem os projetos de produção social do habitat em análise.
Não se conceberia, portanto, um sistema em formas acabadas, como a se
proceder com a eleição do cooperativismo uruguaio enquanto fonte privilegiada de
inspiração das experiências do Rio de Janeiro. A análise se deslocou a fixar os
embates entre forças sociais e políticas que atravessam o projeto político da produção
social do habitat em contextos distintos. Um embate que só poderia ser melhor
compreendido quando esquadrinhadas algumas questões essenciais que são postas
pelos terrenos onde esses sistemas se movimentam. Assim, compreender as “bases”
da produção social do habitat ancorou-se em analisar as características da formação
social onde emergem esses projetos.
Correlata a essa perspectiva, a abordagem da pesquisa buscou realizar um
segundo movimento analítico. Se, como posto anteriormente, o projeto político é
constituído por uma pluralidade de visões de mundo – ou seja, não está ausente de
conflitos internos – então a perspectiva também deveria iluminar a própria maquinaria
interna desses sistemas. Desse modo é que, para compreender com maior acuidade
as formas como se trabalham as questões postas pelas próprias bases, buscou-se
considerar o próprio funcionamento interno desse projeto político, em seu
atravessamento pelas questões específicas postas por cada contexto.
Dessa forma organizou-se uma alternativa possível para se escapar da “análise
por ausências”, de modo a iluminar os momentos de inovação, criação e
ressignificação de concepções e práticas que envolvem projetos autogestionários de
produção do ambiente urbano. Conforma-se, assim, um convite a pensar o sentido da
constante busca pela recriação e reformulação que caracterizam os sistemas de
produção social do habitat – os quais tem o traço da flexibilidade, como mostra Flores
(2012). Visualiza-se, desde tal ângulo de abordagem, a amplitude de sentidos, por
27
exemplo, que se revestem as inúmeras inovações do sistema cooperativo uruguaio,
como nas dimensões que se abriram a partir da propriedade coletiva e seu impacto
sobre o tecido associativo da sociedade civil. Ou como as experiências do Rio de
Janeiro inseriram-se nas reconfigurações da cena política das favelas cariocas
durante a abertura democrática, e o seu significado em termos de luta por autonomia
e autodeterminação na produção do ambiente construído.
Nessa perspectiva é que a pesquisa foi levada justamente a tentar perscrutar
os momentos onde emerge a “política” na estruturação do espaço urbano das cidades
latino-americanas. Mais especificamente, trata-se de tentar seguir alguns dos
instantes em que a ação política do projeto de produção social do habitat torna-se
saliente nos embates pela própria produção da cidade. Procurar sinalizar alguns dos
instantes em que se identifica a “política” na construção do habitat significa ter em
consideração um sentido especial sobre esse conceito de “política”. Refere-se a
pensá-la no sentido da produção do novo, de ruptura com o estabelecido, de
proposição de novos horizontes em meio à desigualdade e à precariedade na
estruturação dos territórios periféricos do sistema mundial moderno.
A inspiração aqui se ancora nos escritos de Hannah Arendt sobre o conceito
de política6. Esta, na concepção da autora, relaciona-se à dimensão da liberdade, que
permite a possibilidade do sempre recomeçar, do que pode nascer e ressurgir. Em um
dos seus trabalhos, a autora salienta que o sentido da política é a “liberdade”, sendo
que “o milagre da liberdade está contido nesse poder-começar que, por seu lado, está
contido no fato de que cada homem é em si um novo começo” (ARENDT, 1998, p.
43). Como comenta Keinert (2005, p. 27), “a concepção da ação política como ação
livre comporta em Hannah Arendt um traço de indeterminação que está na raiz da
possibilidade, em princípio, sempre aberta, de criação na história, dos novos
começos”.
Pois a vida política, para Hannah Arendt, está estritamente conectada a uma
atividade humana fundamental: a ação. A ação configura-se como a única que se
6 Não se configura uma operação fácil fazer pensar a ideia de política no pensamento de Hannah Arendt. Como bem coloca o trabalho de Keinert (2005, p. 18) sobre a obra da autora, “compreender o conceito de política em Hannah Arendt não se constitui em uma tarefa simples. Trata-se de uma noção que envolve uma complexidade significativa, sendo, portanto, pouco plausível uma definição categórica do termo”.
28
exerce diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas e, por isso, “o fato
de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que
ele é capaz de realizar o infinitamente improvável” (ARENDT, 2007, p. 190).
Compreendida a política pelo signo da natalidade, da infinita possibilidade do
surgimento do novo pela ação do homem, pode-se ampliar a noção tomada em
perspectiva nas indagações deste trabalho. Nesse sentido, “como a ação é a atividade
política por excelência, a natalidade, e não a mortalidade, pode constituir a categoria
central do pensamento político” (ARENDT, 2007, p. 190).
E pensar tal sentido específico da política possibilita referir-se, também, às
reflexões do filósofo Jacques Rancière sobre a política. Seguindo algumas de suas
questões, a política somente poderia ser identificada em raros momentos, muito
especiais e específicos. Pois, segundo o filósofo, a política “é a atividade que tem por
racionalidade própria a racionalidade do desentendimento” (RANCIÈRE, 1996, p. 14),
isto é, enquanto instauradora do dano na sociedade. Assim, ela somente existe
naquelas ocasiões em que se rompe a própria organização estabelecida por aqueles
que participam de uma ordem desigual de distribuição da riqueza na comunidade. Ou
seja, quando a “parcela dos sem parcela” instaura o dano na “partilha do sensível”,
considerado enquanto o modo como se distribui a vida em sociedade, adotando-se
aqui os termos do próprio autor7.
Assim, a política não é vista como resultado, mas como a atividade que
“desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar;
ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o
barulho, faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho” (RANCIÈRE,
1996, p. 42). Portanto, neste trabalho, tenta-se perseguir aqueles momentos onde a
política emerge a partir do projeto político da produção social do habitat, focalizando
os instantes de atividade criadora, destarte efêmeros e instituidores do dano na
divisão da riqueza da sociedade.
7 Como aponta Rancière, “há política — e não simplesmente dominação — porque há uma conta malfeita nas partes do todo” (RANCIÈRE, 1996, p. 25). Porém, “o dano pelo qual existe política não é nenhum erro pedindo reparação” (RANCIÈRE, 1996, p. 33), ou seja, a política não é a compensação da igualdade na sociedade, senão o momento anterior em que se instaura o próprio questionamento sobre a desigualdade dessa sociedade.
29
1.3 Metodologia de pesquisa
Ao adotar a perspectiva da questão de pesquisa, algumas considerações foram
realizadas para circunscrever a abordagem metodológica de investigação. Por um
lado, abordar as bases da produção social do habitat poderia levar a infinitas
escavações sobre o terreno por onde se movimentam o sistema uruguaio de
cooperativas de moradia e as experiências de autogestão habitacional no Rio de
Janeiro. Assim, por exemplo, ao buscar perscrutar as diferenças entre o campo de
constituição dos grupos pioneiros, uma abordagem necessária referia-se ao mundo
do trabalho. No Uruguai, o impulso à formação do primeiro ciclo cooperativo foi
alimentado por uma classe operária estável e sindicalizada. No Rio de Janeiro, as
experiências surgiram do campo de reorganização da vida associativa e das políticas
públicas urbanas envolvendo a questão da favela. Uma análise sobre as diferentes
constituições do mundo do trabalho entre o Uruguai e o Brasil – tendo como foco o
Rio de Janeiro –, poderia levar, assim, a uma investigação quase sem fim. Temas
como a constituição das organizações sindicais e suas especificidades na relação com
o estado, por exemplo, já poderia ocupar todo o escopo analítico.
Adotou-se, então, o partido de abordar os aspectos mais estratégicos que
emergiram a partir do cotejamento entre os dois casos. Intentou-se colher e identificar
pontos que poderiam ser analisados enquanto questões chave para trazer elementos
que fizessem pensar a questão de pesquisa. Retornando ao exemplo anterior,
procurou-se se ater aos aspectos das diferenças referentes ao mundo do trabalho no
que se ativessem ao cooperativismo de moradia, identificando as especificidades da
formação sindical uruguaia e em quais dimensões esteve presente na organização
embrionária do sistema. Já no Rio de Janeiro, buscou-se compreender as principais
linhas da organização sindical no período de emergência das experiências piloto e
demarcar a distância que mantiveram em relação ao tema da autogestão habitacional.
Desse modo, tentou-se delimitar as especificidades da relação entre a matriz sindical
e as propostas de autogestão habitacional na metrópole carioca.
Como consequência dessa modelagem metodológica é que se foi constituindo
uma pesquisa de caráter experimental (TELLES, 2006), a qual, em seu
30
desenvolvimento foi moldando a delimitação dos âmbitos de análise. Desde tal
perspectiva é que a forma de escrita do texto se aproximou da “forma ensaio”,
inclinando-se a uma certa liberdade para reflexão que procura escapar da ancoragem
em conceitos estáticos, abrindo-se à uma constante exploração de distintos caminhos
reflexivos. Seguindo o sentido dado por Adorno (2003, p. 25) à “forma ensaio”, esta
“não almeja uma construção fechada, dedutiva ou indutiva”. Assim, trilhar o caminho
de formas mais experimentais de pesquisa levou a que se distanciasse das
pretensões de completude e de continuidade na estruturação da escrita do texto. Sem
se eximir da perspectiva de criação de conhecimento, “o ensaio deve permitir que a
totalidade resplandeça em um traço parcial, escolhido ou encontrado, sem que a
presença dessa totalidade tenha de ser afirmada” (ADORNO, 2003, p. 35).
Deve-se ainda ter em consideração que a análise comparativa entre contextos
tão distintos colocou graves questões metodológicas para a organização da pesquisa.
Ao se propor analisar o conjunto de experiências de produção social do habitat no Rio
de Janeiro, sob inspiração no sistema uruguaio de cooperativas de moradia, esta
deparou-se com a questão sobre a diferença no número de projetos executados e na
organização institucional em relação ao sistema uruguaio.
Dados do Censo de Cooperativas do Uruguai de 2009 indicavam que existiam
quase seiscentas cooperativas terminadas no país. No Rio de Janeiro, as experiências
com inspiração no sistema uruguaio não chegam a uma dezena. Além disso, a
propriedade coletiva experimentada em alguns projetos no Rio de Janeiro se assenta
em um caráter informal, existindo algumas organizações que persistiram ao final das
obras, mas não com o viés sistemático que foi desenvolvido no Uruguai. Dessa
maneira, a pesquisa de campo, em cada contexto, foi realizada segundo metodologias
específicas, o que não permitiu replicar procedimentos metodológicos em ambas
conjunturas.
***
No Rio de Janeiro, a pesquisa teve seu início no ano de 2014 e se estendeu
até o início de 2016. Uma primeira etapa contou com a aproximação inicial junto ao
campo de pesquisa. Por meio de uma revisão bibliográfica sobre experiências de
31
produção social do habitat na região metropolitana do Rio de Janeiro constituiu-se
uma dupla sinalização: a constatação do pouco material de análise produzido até
então sobre o tema e a identificação dos primeiros caminhos que a pesquisa poderia
trilhar8.
Após o contato com essa literatura, adotou-se o caminho de seguir aquelas
experiências que haviam posto o sistema uruguaio de cooperativas de moradia como
referência de suas práticas e concepções. Para tanto, procedeu-se a uma
aproximação com técnicos e militantes em torno da Fundação Centro de Defesa de
Direitos Humanos Bento Rubião e da União por Moradia Popular (UMM) do Rio de
Janeiro, que a literatura consultada indicava terem adotado como inspiração o sistema
uruguaio de cooperativas de moradia.
Deve-se ter em consideração que a pesquisa, nesse momento, realizou uma
escolha dentre uma gama de experiências de produção social do habitat que tem
como trajetória de efetivação o território a metrópole carioca. Para além das
analisadas nessa tese, identificou-se outras como aquelas realizadas junto ao
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) ou do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto (MTST), por exemplo9. A pesquisa, portanto, seguiu o rastro
de uma parte das experiências de produção social do habitat no Rio de Janeiro, as
quais colocavam de forma explícita a referência ao sistema uruguaio.
A segunda etapa de pesquisa iniciou-se com a realização de um
aprofundamento no contato com as experiências selecionadas. A partir da
oportunidade de participação, em meados de 2014, em uma pesquisa junto à
Fundação Bento Rubião sobre a experiência recente de produção social da moradia
no Brasil10, foi se aprofundando o conhecimento sobre a trajetória dos projetos da
8 Esta primeira revisão bibliográfica mostrou que há uma análise mais ampla e numerosa sobre o processo similar que se iniciou na região metropolitana de São Paulo, a partir da década de 1980. Ao longo do texto serão citadas as principais referências sobre a produção acadêmica acerca do Rio de Janeiro 9 Cujos trabalhos de Mello (2015) e Teixeira (2012) são exemplos de análise das ocupações em áreas centrais da cidade do Rio de Janeiro junto ao MNLM. 10 A pesquisa foi desenvolvida pela Fundação de Direitos Humanos Bento Rubião, com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP e sob responsabilidade do Observatório das Metrópoles (IPPUR/UFRJ).
32
entidade. Assim, até o início de 2015 foi possível empreender algumas atividades de
campo que foram estratégicas para a pesquisa.
Dentre tais atividades, primeiramente destaca-se uma pesquisa de campo
exploratória em três projetos desenvolvidos pela Fundação Bento Rubião. Em abril de
2014 em Ipiíba, no município de São Gonçalo, foram acompanhadas as ações
preparatórias para um novo projeto em vista de se desenvolver junto ao terreno de
uma experiência já executado anteriormente. Em outubro de 2014 empreendeu-se
uma visita ao grupo Shangri-lá, cuja obra foi finalizada no começo dos anos 2000, com
a realização de conversas informais com os moradores. De forma mais sistemática,
houve o acompanhamento, entre o final de 2014 e o começo de 2015, de três
assembleias do Grupo Esperança, em Jacarepaguá, naquele momento em término
de obras. O acompanhamento das assembleias do grupo permitiu aprofundar o
conhecimento sobre a organização do processo de obra e de gestão do projeto, além
de proporcionar momentos de conversas informais com os membros do grupo.
Além desse trabalho de campo com caráter mais exploratório, foram realizados
mais três momentos de entrevistas com viés mais sistemático, a partir de um roteiro
de questões previamente elaboradas. Uma primeira ocorreu com o ex-coordenador
executivo da Fundação Bento Rubião, levada à cabo em abril de 2015, por meio da
qual foi possível obter uma visão panorâmica sobre os projetos desenvolvidos pela
entidade. Outras duas entrevistas adotaram uma forma coletiva. A primeira ocorreu
com técnicos da Fundação Bento Rubião, em abril de 2015, sobre o histórico dos
projetos e sobre aquele em execução no momento. E outra foi realizado com membros
da comissão de coordenação do Grupo Esperança, em junho de 2015, abordando-se
alguns detalhes do projeto.
***
33
A pesquisa de campo no Uruguai iniciou-se na primeira metade do ano de
201511. A partir de uma revisão bibliográfica sobre o sistema uruguaio de cooperativas
de moradia, foi empreendida uma primeira visita exploratória à Montevidéu em março
desse ano12. A pesquisa foi realizada em um intenso período de campo, de cinco dias.
Essa viagem envolveu uma aproximação de campo exploratória em algumas
cooperativas, organizada pelo professor Raul Vallés da Facultad de Arquitectura y
Diseño Urbano da Universidad de la Republica. Foram visitadas as seguintes
cooperativas: Complejo Bulevar Artigas, VICMAN e Mesa 1, sendo as duas primeiras
de poupança prévia e a última de ajuda mútua.
Posteriormente foram realizadas entrevistas semiestruturadas com alguns
técnicos de instituições consideradas chave para aprofundar determinadas questões
identificadas na revisão bibliográfica. Foram entrevistados um assessor da Federación
Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mutua (FUCVAM) e pesquisador
da Universidad de la Republica, dois dirigentes da Federación de Cooperativas de
Vivienda de Usuarios por Ahorro Previo (FECOVI), uma pesquisadora da Unidad
Permanente de Vivienda, que trabalha no campo de cooperativismo de moradia, um
arquiteto do Centro Cooperativista Uruguayo (CCU) e um técnico da Agencia Nacional
de Vivienda (ANV).
Por fim, nessa primeira visita foi possível realizar entrevistas semiestruturadas
com representantes de três cooperativas: um sócio fundador do Complejo José Pedro
Varela, um membro do conselho diretivo da COVICIVI (uma cooperativa de reciclagem
de um prédio histórico) e dois sócios de uma cooperativa em construção, COVIVEMA
V13.
11 Deve-se ressaltar, nesse ponto, que a pesquisa da tese tomou uma guinada para firmar-se na direção do aprofundamento sobre o sistema uruguaio de cooperativas de moradia a partir da participação no seminário “A arquitetura, o urbanismo e a moradia popular: o fazer projetual para além do produto”, realizado pelo IPPUR e pelo PROURB da UFRJ, em outubro de 2014. O referido seminário contou com a presença do professor Raul Vallés, da FADU-UDELAR, o qual apresentou um detalhado panorama sobre o sistema uruguaio, permitindo firmar as primeiras bases para a pesquisa de campo no país vizinho. 12 Realizada com recursos próprios em parceria com o arquiteto João Paulo Huguenin, o qual também havia participado da pesquisa junto à Fundação Bento Rubião, citada anteriormente. 13 A sistematização dessa pesquisa de campo permitiu a produção de um artigo científico que discutiu algumas questões embrionárias sobre a inspiração brasileira no caso uruguaio. A feitura desse artigo possibilitou a participação em um seminário de pesquisa em Montevidéu, intitulado “Seminario Movimientos Sociales en Movimiento”, realizado na Facultad de Ciencias Sociales da Universidad de la Republica, nos dias 11 e 12 de junho de 2015. O artigo foi escrito em parceria com o arquiteto João Paulo Huguenin.
34
Logo após essa primeira visita de campo foram realizadas duas entrevistas com
atores chave com larga experiência no cooperativismo de moradia. Considerou-se que
esses depoimentos seriam estratégicos para angariar informações aos objetivos da
pesquisa, dada a trajetória profissional e pessoal dos entrevistados no campo da
produção social do habitat. Em junho de 2015 foi empreendida uma entrevista com
Gustavo González, um cooperativista que foi dirigente de FUCVAM e que atualmente
trabalha junto ao Centro Cooperativista Sueco para a replicação da experiência
uruguaia em outros países da América Latina. Já em outubro desse mesmo ano foi
realizada uma entrevista com o arquiteto uruguaio Leonardo Pessina, o qual atuou no
Centro Cooperativista Uruguayo durante um dos projetos pilotos dos anos 1960 e no
assessoramento a cooperativas de moradia no início do sistema, e que,
posteriormente, na década de 1980, trabalhou em projetos de mutirão
autogestionários na região metropolitana de São Paulo.
A primeira etapa de trabalho de campo no Uruguai proporcionou um conjunto
inicial de materiais que possibilitou o aprofundamento sobre o conhecimento do
sistema. Porém, ainda pairava no ar uma perspectiva de que o circuito explorado se
concentrava naquele realizado para o conhecimento sobre o funcionamento modular
do sistema. Para a abordagem das questões específicas da tese, vislumbrava-se ser
necessário uma incursão mais aprofundada de campo, a qual permitisse uma
abordagem mais próxima aos cooperativistas e uma exploração mais aprofundada de
uma literatura existente somente no Uruguai.
Assim, ao final de 2015 foi organizada uma proposta de estágio sanduíche no
Uruguai, cuja concretização foi realizada entre os meses de junho e setembro de 2016,
efetivando-se, desse modo, a segunda etapa de campo no Uruguai14. A pesquisa
desenvolveu-se a partir de uma imersão densa, que se articulou desde uma dupla
estratégia. Inicialmente, com a realização de uma revisão bibliográfica referente ao
acervo disponível no próprio Uruguai. Em seguida, a partir de um conjunto de
14 O estágio sanduíche contou com uma bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), sendo orientado pelo professor Juan Pablo Martí, da Facultad de Ciencias Sociales da Universidad de la Republica. Deve-se frisar que a confirmação da realização do estágio, pela entidade de fomento, ocorreu somente quinze dias antes do período de início do estágio. Isso acarretou um forçoso redirecionamento do caminho da pesquisa, que naquele momento já se reconfigurava quanto à abordagem metodológica que se realizava no Rio de Janeiro, a qual teve que ser interrompida para a realização do estágio. Desse modo, dado o cronograma de feitura desta tese, não foi possível retornar ao aprofundamento da pesquisa no Rio de Janeiro.
35
entrevistas semiestruturadas com dois grupos alvo, o primeiro com representantes de
instituições consideradas estratégicas para o funcionamento do sistema e o segundo
com um conjunto de sócios de cooperativas.
Antes de detalhar a metodologia desenvolvida nesta etapa, deve-se ressaltar
que, no momento inicial do trabalho de campo, foi possível identificar que a pesquisa
no Uruguai estava envolvendo, e envolveria, somente a cidade de Montevidéu.
Tomou-se consciência de que as leituras e as análises realizadas até então se
concentravam nas experiências de cooperativismo de moradia empreendidas em
Montevidéu – e não no país como um todo. Além disso, a adequação da proposta de
pesquisa de campo a ser executada indicou que somente seria factível centrar-se nos
casos da capital uruguaia. Assim sendo, deve-se ter em consideração que a tese
centra sua análise em Montevidéu, não abordando as experiências em outras regiões
do país, como o litoral e o interior. Além disso, a tese centra-se somente nas
modalidades de ajuda mútua e poupança prévia em regime de propriedade coletiva,
não abordando aquelas de autoconstrução e de proprietários, também previstas na
Lei Nacional de Moradia15.
A realização de entrevistas com atores-chave do sistema cooperativo de
moradia no Uruguai teve como objetivo angariar informações complementares
àquelas realizadas na primeira ida a campo no ano anterior. As entrevistas foram
então empreendidas com profissionais da área de trabalho social de Institutos de
Assistência Técnica (IAT), os quais assessoram cooperativas de moradia e cuja
atuação laboral poderia aportar informações com maior incidência sobre o perfil dos
cooperativistas com os quais trabalham. Além dos técnicos dos IATs, também foram
entrevistados contatos de dois órgãos estatais, cujas referências fornecidas indicavam
que poderiam aportar informações estratégicas para os objetivos da pesquisa. Foram
entrevistados gestores do Departamento de Trabalho Social do Ministerio de Vivienda,
Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente (MVOTMA) e do Instituto Nacional del
Cooperativismo (INACOOP). Por fim, outra instituição que se decidiu entrevistar um
representante foi a Confederación Uruguaya de Cooperativas (CUDECOOP), cujas
15 Deve-se, ainda, ter em consideração os diferentes níveis de análise de escala nos dois contextos abordados. Enquanto o Uruguai conforma-se em um país com uma população de pouco mais de três milhões de habitantes, sendo que um terço habita a cidade de Montevidéu, a região metropolitana do Rio de Janeiro tem mais de onze milhões de habitantes, quase o triplo da população uruguaia.
36
informações sobre o movimento cooperativo no país se agregariam àquelas da
entrevista com INACOOP.
Para a pesquisa de campo junto às cooperativas de moradia, adotou-se a
estratégia metodológica de realização de entrevistas semiestruturadas, com
representantes da comissão de direção e sócios que não ocupassem, no momento,
cargos de direção na cooperativa16. Decidiu-se pela realização de entrevistas com
cooperativas dos dois sistemas construtivos baseados na propriedade coletiva das
moradias, ou seja, por ajuda mútua e por poupança prévia. Para cada grupo
formularam-se algumas perguntas específicas, devendo-se ter em consideração que
há um maior número de experiências de cooperativas por ajuda mútua do que de
poupança prévia (o que influenciou, como se constatará à frente, na delimitação do
universo de entrevistas)17.
Além dessa segmentação, estabeleceu-se uma configuração do universo de
entrevistas por períodos históricos que marcam a trajetória do sistema uruguaio de
cooperativismo de moradia. A periodização se fundamentou em trabalho Torrelli,
Assandri, Marques e Martí (2015), o qual identifica as seguintes etapas, intituladas: a)
o estabelecimento das bases e a rápida expansão (1969-1976), b) o desmantelamento
do sistema (1977-1984), c) a inércia e mudanças do sistema, a recuperação
democrática e a criação do MVOTMA (1985-2004) e d) a recriação das expectativas
(2005 até hoje). Considerou-se que os dois primeiros períodos poderiam ser
agrupados em um único, já que houve poucas experiências de cooperativismo de
moradia com o desmantelamento do sistema a partir da ditadura militar de 1973.
Assim, agrupou-se as cooperativas a serem alvo de entrevistas de acordo com os
16 A perspectiva adotada foi realizar um contato inicial com a direção para a organização de uma primeira entrevista sobre o histórico da cooperativa. A partir dessa entrevista se solicitaria o contato de dois sócios para a concretização de uma entrevista distinta sobre suas trajetórias de vida antes e depois da entrada na cooperativa. Pensou-se que um dos sócios a ser entrevistado tivesse uma trajetória de participação mais ativa na cooperativa (que houvesse participado de cargos em comissões em anos anteriores) e outro com participação menos ativa (que somente se engajou no período de obra, por exemplo). Com os dois primeiros sócios entrevistados verificou-se que o roteiro elaborado não proporcionaria a coleta de informações pretendidas. As respostas foram muito breves e pouco se explorou do conteúdo inquirido. Assim, resolveu-se descartar as entrevistas com os sócios, considerando-se, conforme avaliação do material coletado, que as entrevistas com as direções das cooperativas estavam proporcionando informações que superavam o previamente esperado. 17 Dados do Censo de Cooperativas de 2009 indicavam que cerca de 77% das cooperativas de moradia do Uruguai pertenciam à categoria de ajuda mútua e 22% a de poupança prévia (MACHADO, 2016). Como a pesquisa se delimitou à cidade de Montevidéu, considera-se que, como se verificará mais à frente, a relação de três entrevistas em cooperativas de ajuda mútua para uma em poupança prévia segue, em boa medida, a relação existente na realidade.
37
seguintes períodos históricos: o primeiro de 1969 a 1984, o segundo de 1985 a 2004
e o terceiro de 2005 a 2016.
Por fim, definiu-se que o número de cooperativas passíveis de se realizar
entrevistas dentro do cronograma de pesquisa seriam doze, sendo nove de ajuda
mútua (três por cada período histórico) e três de poupança prévia (uma por cada
período histórico). O quadro a seguir apresenta as cooperativas com as quais foram
efetivamente realizadas entrevistadas, entre os meses de agosto e setembro de
201618.
Quadro 1 – Cooperativas de moradia entrevistadas, por período histórico (Montevidéu, 2016)
Período Sistema Cooperativa Nº de habitações
1º. (1969 - 1984) Ajuda Mútua
COVICENOVA 102 COVIMT 2 43
COVISUNCA 2 71 MESA 1 420
Poupança Prévia COVISUR II 90
COMPLEJO BULEVAR 332
2º. (1985 - 2004) Ajuda Mútua
COVIATU 18 26 COVIESS 90 II 37 COVIUNPRO 124
Poupança Prévia EL LADRILLO 10
3º. (2005 - 2016) Ajuda Mútua
COVICORDÓN 58 COVIUN 14
COVIFAMI II (em construção) 30 Poupança Prévia PUERTO FABINI (em construção) 50
Fonte: elaboração própria.
18 No caso das cooperativas de ajuda mútua, em COVISUNCA 2 houve uma entrevista com um empregado administrativo da cooperativa, que forneceu valiosas informações sobre o funcionamento atual da cooperativa. No entanto, não se efetivou a entrevista com representantes da direção da cooperativa. Já com as cooperativas de poupança prévia, também se realizou entrevista com representante do conjunto de cooperativas Complejo Bulevar, visto que foi considerada, em outros depoimentos, como uma imprescindível experiência para o histórico do sistema de poupança prévia e para o surgimento de novas cooperativas a partir de filhos de cooperativistas desse complexo. Também houve participação em uma reunião da Comissão Inter-Cooperativas do Bairro Zitarrosa, com a presença de representantes de cinco cooperativas, em um território que desde o ano 2000 comporta a construção de mais de uma dezena de cooperativas.
38
Além das entrevistas estruturadas com as direções de cooperativas, também
houve a participação em algumas atividades com cooperativas, que surgiram em
virtude de contatos realizados em campo19.
As entrevistas em Montevidéu foram transcritas e alguns trechos das falas são
citados no texto da tese. Como foi dada a condição de anonimato aos entrevistados,
as referências são realizadas por meio da numeração do sócio da cooperativa.
Também se identificam as cooperativas por siglas que indicam sua modalidade e o
período de construção. Dessa maneira, utiliza-se AM para “ajuda mútua” e PP para
“poupança prévia”, conjugadas com o período de obra, quais seja, “1” entre 1969 e
1984, “2” entre 1985 e 2004, e “3” entre 2005 e 2016.
Como exemplo de identificação da fala, tem-se o exemplo (Sócio B, COVIMT
2, AM1). Ou seja, trata-se da fala de um sócio da cooperativa COVIMT 2, da
modalidade de ajuda mútua da primeira periodização. Desse modo se torna possível
ao leitor relacionar a fala com o tipo de cooperativa. No apêndice A há uma lista mais
detalhada das cooperativas, das datas de entrevistas e a relação dos entrevistados
com falas citadas no texto. Além disso, ao final de cada seção do texto há a tradução
dos trechos das entrevistas citadas20.
1.4 A estrutura do texto
A escrita da tese estrutura-se a partir de quatro seções, além desta introdutória.
A primeira (seção 2) tem o objetivo de apresentar ao leitor as principais características
das experiências analisadas, de modo a familiarizá-lo com o modus operandi de cada
19 Também devem ser citadas algumas atividades complementares durante o período de pesquisa, que aportaram valiosos elementos para a investigação em curso, tais como a participação no Seminário Técnico de FUCVAM (30 de junho e 1º de julho de 2016) e na 65ª Assembleia Nacional de FUCVAM (16 e 17 de julho de 2016). Durante o período de pesquisa também foi possível participar de dois cursos de formação no tema do cooperativismo de moradia, o “Curso aberto de Gestão Cooperativa - Escola Nacional de Formação de FUCVAM” (seis encontros entre os meses de julho e setembro de 2016) e o curso "Cooperativismo de vivienda. El asesoramiento técnico: experiencias y nuevos problemas, requisitos y desafíos" (na Faculdade de Ciências Sociais da Universidad de La Republica, de 22 de julho a 13 de agosto de 2016). 20 Considerou-se que, pela utilização frequente do “voseo”, uma variante da língua espanhola praticada na bacia do Rio da Prata, seria de bom tom traduzir os trechos para melhor compreensão do leitor.
39
conjunto de projetos de produção social do habitat abordados. Valendo-se de uma
perspectiva histórica, reconstituem-se os principais traços da conformação do sistema
cooperativo de moradia no Uruguai e das iniciativas de processos autogestionários de
produção habitacional no Rio de Janeiro.
No contexto uruguaio são analisados os principais mecanismos de
funcionamento do modelo de produção habitacional via cooperativas de moradia, de
modo a se constituir uma apreensão dos principais traços distintivos desse sistema
ao longo de suas cinco décadas de existência. Já a abordagem sobre o Rio de Janeiro
busca iluminar os processos embrionários que permitiram a formulação de iniciativas
que postularam a constituição de mecanismos autogestionários na produção do
ambiente urbano. A partir dessas iniciativas embrionárias, focaliza-se a trajetória
correlata que se formou desde um conjunto de experiências que adotaram o sistema
uruguaio como referência.
Assentada a compreensão sobre os contextos analisados, adentra-se um
conjunto de análises sobre as bases sociais, políticas e econômicas dos projetos de
produção social do habitat. A seção 3 trata propriamente de alguns aspectos
estratégicos do terreno da formação social do Uruguai, em especial Montevidéu, em
sua relação com a estruturação do sistema cooperativo de moradia. Sinteticamente,
são analisados três processos considerados cruciais para se fazer mover a próxima
seção de análise, configurada na abordagem do contexto das experiências do Rio de
Janeiro. Estes três processos envolvem as dimensões do contexto geopolítico, da
formação da classe operária uruguaia e da especificidade do estado de bem-estar
desse país.
As análises da seção 4 foram constituídas a partir do desenvolvimento
daquelas da seção anterior, focalizando o Rio de Janeiro, mas sem se limitar a tanto.
Em especial, pretende-se fazer pensar, a partir de uma perspectiva comparativa com
a análise da seção anterior, algumas singularidades do contexto das experiências de
autogestão habitacional na região metropolitana do Rio de Janeiro. A abordagem
atravessa temas sobre a especificidade da base de urbanidade prévia sobre a qual se
movimentam essas experiências e sobre questões relacionadas às dimensões
analíticas relativas à cultura política, à trajetória das intervenções urbanas nas favelas
e às transformações do mundo do trabalho.
40
Se, até então, foram empreendidas análises que se estruturaram a partir de um
olhar sobre a base da formação social dos modelos de produção social do habitat, a
seção seguinte busca mudar o foco e iluminar internamente esses sistemas. Por meio
de uma espécie de abordagem das “maquinarias internas” da produção social do
habitat, discutem-se questões que emergem, nesse projeto político, a partir do seu
próprio funcionamento e das condições cambiantes de suas bases. Por meio de
relatos de pesquisas de campo, acompanha-se mais detidamente alguns temas que,
sem esgotar a abordagem analítica, apontam para tensões e dilemas que atravessam
o sistema cooperativo de moradia no Uruguai e a autogestão habitacional no Rio de
Janeiro.
Por fim, as considerações finais, mais além do que recolher conclusões e
assertivas, abre-se a repassar alguns pontos da análise precedente que instigaram a
consecução de momentos de reflexão sobre o próprio projeto político de produção
social do habitat. Desse modo, delimitam-se alguns campos de reflexão teórica em
que a pesquisa se movimentou.
41
2 A PRODUÇÃO SOCIAL DA HABITAT EM MONTEVIDÉU E NO RIO DE JANEIRO
2.1 Cooperativismo de moradia no Uruguai
A constituição do sistema de cooperativas de moradia no Uruguai ocorre na
segunda metade da década de 1960. A promoção de três projetos piloto a partir do
ano de 1965 – cuja construção das unidades habitacionais se inicia três anos depois
– e a aprovação de uma Lei Nacional de Moradia (nº 13.728) no final de 1968, com
um capítulo específico sobre o cooperativismo de moradia, podem ser considerados
os atos iniciais desse sistema que tomaria corpo na década seguinte1.
Logo após esses marcos inaugurais começaram a formar-se unidades
cooperativas por todo o país, concentradas na capital Montevidéu. Com a aprovação
da lei em 1968, o estado a regulamentou por decreto e, a partir de então, são
viabilizados os três elementos chave para o funcionamento do sistema: a concessão
de personalidade jurídica às unidades cooperativas, o aporte de solo urbanizado e a
outorga de financiamento estatal – conjuntamente com o apoio de assessoria pelos
Institutos de Assistência Técnica. Assim é que, desde os projetos pilotos finalizados e
a regulamentação da lei, o sistema desenhado normativamente ganha concretude e
escala. Como aponta uma passagem clássica do texto de Nahoum (1984), que revisa
o processo de constituição das cooperativas de moradia,
superadas las dificultades iniciales propias de una modalidad que era prácticamente inédita en el país [...], en 1975 uno de cada dos préstamos que se solicitaban ante el Banco Hipotecario del Uruguay para la construcción de una vivienda correspondían al régimen cooperativo (NAHOUM, 1984, p. 3).
A proposta das experiências piloto foi gestada sob iniciativa do Centro
Cooperativista Uruguayo (CCU), uma associação civil sem fins lucrativos fundada em
1 Utiliza-se aqui a tradução dos termos originais, em espanhol, “cooperativismo de vivienda” e “Ley Nacional de Vivienda” com algumas ressalvas. Os termos originais carregam uma distinção no modo como se constitui a especificidade do cooperativismo de moradia nesse país, distinta do que historicamente esse campo assumiu no Brasil, por exemplo – como se abordará nas próximas seções. Além disso, a Lei Nacional de Moradia guarda uma consideração especial por muitos comentaristas e militantes uruguaios desse campo, dadas as inovações introduzidas e sua perenidade ao longo de décadas. Como aponta Nahoum (2013e, p. 15), a Lei é “considerada con justicia una de las mejores votadas por el Parlamento uruguayo en los últimos cien años”.
42
1961 e que, até então, desenvolvia projetos com questões rurais (FRENS-STRING,
2001). A iniciativa do CCU, no cooperativismo habitacional, iniciou-se no ano de 1965,
conforme aponta informativo de época, ao afirmar que “a fines de 1965, el Centro
Cooperativista Uruguayo ante el problema habitacional que afrontaba el país, y en
especial los sectores de población de menores ingresos, decide comenzar a trabajar
en el campo de la vivienda” (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO, 1970, p.
135).
A partir do ano seguinte se constituem os três que levarão à cabo as
experiências piloto em três localidades do interior do país. Em Isla Mala, no
departamento de 25 de mayo, foi organizado um grupo de assalariados rurais; em
Fray Bentos, no departamento de Río Negro, um outro com empregados públicos
municipais; e em Salto, no departamento de mesmo nome, o coletivo se formou a
partir de uma organização de ferroviários (NAHOUM, 1984). No total, foram
construídas noventa e cinco moradias pelas três cooperativas.
O cerne da proposta nas três experiências piloto concentrava-se na
organização dos núcleos familiares constituintes dos grupos para o gerenciamento de
todas as dimensões de construção de suas futuras moradias, com a utilização de mão-
de-obra própria (a “ajuda mútua”) no processo construtivo. Adotando-se a figura
jurídica das cooperativas de consumo (em virtude do quadro normativo vigente, que
não previa a formação de cooperativas habitacionais), os grupos se estabeleceram
juridicamente com a assessoria do Centro Cooperativista Uruguayo e se tornaram
responsáveis por todo o processo de gestão do projeto, desde a aplicação dos
recursos financeiros até a organização do canteiro de obras. Pessina (2013, p. 57)
comenta, nesse sentido, sobre o projeto de Isla Mala, que “el grupo asumió la
autogestión, la ayuda mutua y todo lo que esto implicaba”.
O processo de formatação dos projetos iniciou-se no ano 1966 e somente foi
ter o início de obras no final de 1968. Como aponta o mesmo informativo do CCU
citado anteriormente, “concretar esta aspiración implicó un largo y perseverante
esfuerzo de casi 3 años” (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO, 1970, p. 136).
Enquanto cooperativas de consumo, foram elaborados os estatutos e regulamentos
internos, sendo a personalidade jurídica outorgada pela “Inspección de Hacienda del
Ministerio de Economía y Finanzas”.
43
O Centro Cooperativista Uruguayo realizou um trabalho de constituição de
parcerias para o aporte de recursos financeiros que viabilizaram o acesso ao terreno
onde foram construídos os projetos, além do empréstimo para construção. As
parcerias envolveram diversos tipos de entidades e instituições. As intendências e
departamentos2 locais, o governo nacional, por meio do Instituto Nacional de
Viviendas Económicas, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a
organização alemã Misereor3 viabilizaram o aporte de solo urbanizado e de recursos
financeiros. Como aponta González (2013, p. 50) sobre o apoio da instituição alemã,
“el CCU tramita frente a Misereor [...] un préstamo para la compra de terrenos y
Misereor coloca como condición que fuera en el interior del país”. Em Isla Mala,
segundo Pessina (2013), o CCU também forneceu uma máquina de blocos, adquirida
com recursos da mesma entidade alemã.
O financiamento estatal foi aportado por meio do Instituto Nacional de Viviendas
Económicas (INVE), órgão do governo nacional uruguaio responsável, naquele
momento, pelas políticas habitacionais do país. Os recursos eram provenientes de
empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento4. Tratava-se de parte dos
valores de um empréstimo que o Banco havia disponibilizado ao governo uruguaio,
mas que estavam impossibilitados de aplicação por ausência de aporte de
contrapartida do gestor uruguaio. Como aponta retrospectivamente um periódico do
CCU, “en esos años Uruguay había obtenido un préstamo del BID para construir 3.000
viviendas, pero debía aportar igual monto, unos 8 millones de dólares, suma que no
disponía a esos efectos” (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO, 2012, p. 21). A
proposta dos projetos piloto tornou possível destravar o acesso à parte desses
recursos, por meio da utilização da própria mão-de-obra das famílias cooperativistas
enquanto contrapartida aos recursos do BID. Assim, continua o trecho citado da
publicação,
con iniciativa del CCU y el aporte de los cooperativistas como parte de la cuota nacional y gracias a la intermediación del Instituto Nacional de Vivienda Económica (INVE) se accedió a los fondos para las 95 viviendas de esas tres
2 A divisão administrativa no Uruguai envolve o nível inferior das intendências, seguida pelos Departamentos e, então, pelo Governo Nacional. 3 A Misereor é uma organização alemã fundada por bispos católicos no ano de 1958. 4 O Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID foi criado no ano de 1959, com o objetivo de financiar projetos de desenvolvimento regional na América Latina e no Caribe. Sua carteira foi conformada por recursos de países da região, mutuários do banco, e por outros países e instituições, não mutuários do banco.
44
cooperativas pioneras (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO, 2012, p. 21).
Em março de 1968 a direção do INVE incluiu, por resolução, os projetos piloto
no “Plano de Construções a Curto Prazo”. Em outubro e novembro do mesmo ano
foram firmados os convênios com as cooperativas. No mês de dezembro iniciaram-se
as obras5.
***
Simultaneamente à gestação e início das experiências piloto, o governo
uruguaio estava organizando medidas para estimular a dinâmica do mercado
imobiliário, que naquele momento passava por uma forte desaceleração (TERRA,
1969). O governo, juntamente com o parlamento uruguaio, debatia desde 1967 uma
peça legislativa que promovesse a reorganização do setor, impulsionando a retomada
de seu crescimento.
Como resultado desse processo, a Lei Nacional de Moradia foi promulgada em
17 de dezembro de 1968, sob o número 13.728. Com duzentos e doze artigos e
catorze capítulos, a Lei versa sobre a classificação dos beneficiários das políticas
habitacionais, as condições e tipos de moradias do país (com a definição de um
“mínimo habitacional”6), a organização da oferta de crédito e subsídio, regulamenta
os sistemas de crédito, poupança e empréstimo e o sistema público de produção
5 Mais especificamente sobre o projeto de Isla Mala, o arquiteto uruguaio Leonardo Pessina – que foi o coordenador de obra quando recém havia integrado o CCU – assim relembra as características do grupo, formado “fundamentalmente por operários do gado leiteiro, trabalhadores rurais que moravam perto da cidade, mas que ficavam a semana toda dormindo no trabalho” (PESSINA, 2015). Desde tal característica é que nessa obra “a força máxima durante a semana era das mulheres” (PESSINA, 2015). Sobre o projeto, recorda que “o arquiteto Mario Spallanzani fez o projeto mais orgânico, tinha casa de dois, três e quatro dormitórios” (PESSINA, 2015). Do ponto de vista urbanístico, também considera que havia uma perspectiva interessante “onde todos os dormitórios tinham sol, o ‘asoleamiento’ que chamamos em espanhol. As janelas tinham ‘chanfles’ [cortes] na planta e aí ia se mexendo no projeto urbano e todos dormitórios tinham sol pelo menos de manhã” (PESSINA, 2015). 6 O mínimo habitacional instituído na lei também define os parâmetros para o número de dormitórios necessários em cada moradia, de acordo com a composição familiar.
45
habitacional, além de criar a Direção Nacional de Moradia7 como órgão responsável
pela política nacional de habitação.
No seu capítulo X a Lei institui uma regulamentação específica sobre o
cooperativismo de moradia. Ali estão previstas as formas de organização do sistema,
com o estabelecimento dos mecanismos de constituição jurídica e estatutária das
cooperativas, do respectivo patrimônio social, a previsão das modalidades
construtivas e de propriedade, a diferenciação entre as unidades cooperativas e as
cooperativas matrizes, além da regulamentação da figura dos Institutos de Assistência
Técnica (IATs).
A redação da Lei Nacional de Moradia e a concretização das três experiências
piloto foram acontecimentos simultâneos que sustentaram o capítulo sobre o
cooperativismo de moradia previsto na Lei. Leonardo Pessina – em artigo escrito
recentemente – assim aponta para o entrelaçamento entre esses dois
acontecimentos, ao comentar que “los parlamentarios visitaron las obras y las
autoridades designadas enseguida para poner en marcha el nuevo sistema de
vivienda también lo hicieron y se entusiasmaron con la idea” (PESSINA, 2008, p. 31).
Documento do Centro Cooperativista Uruguayo ressalta que, mesmo antes da
finalização das obras das experiências piloto no interior do país e da aprovação da Lei
Nacional de Moradia, grupos cooperativos já começavam a se constituir,
principalmente em Montevidéu. O documento destaca que “desde 1967 [...] diversos
conjuntos de familias de todo el país solicitan asesoramiento al CCU a los efectos de
constituir cooperativas de viviendas” (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO,
1970, p. 138). Assim, logo após a aprovação da Lei Nacional em 1968, coletivos já
estavam formados aguardando regulamentação, por meio de decreto, para formalizar
a constituição jurídica. Em entrevista, o sócio fundador de uma cooperativa pioneira,
que se formara nessa época, comenta a espera sobre a regulamentação afirmando
que “hasta que no se salió la reglamentación no podíamos funcionar. [...] y cuando se
aprueba la reglamentación es donde las cooperativas arrancan con todo” (Sócio B,
COVIMT 2, AM1)A.
7 “Dirección Nacional de Vivienda”, cuja sigla é DINAVI.
46
No final do ano de 1969 o decreto 633/69, de 17 de dezembro, aprova a
regulamentação do capítulo X da Lei Nacional de Moradia. E seguida a aprovação da
regulamentação, as cooperativas já formadas se constituem juridicamente e
apresentam seus projetos ao governo nacional. Como resgata o citado documento do
CCU, logo após a aprovação da regulamentação ao final de 1969, “ocho unidades
cooperativas asesoradas por el Centro Cooperativista Uruguayo presentaron a la
Dirección Nacional de Viviendas los proyectos completos de sus respectivos barrios”
(CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO, 1970, p. 138). Desse modo é que o
sistema já contava com os projetos de suas primeiras cooperativas, em tramitação,
no início de 1970.
Entre o começo e o final das obras das experiências piloto, as três cooperativas
em obra e aquelas que já haviam se constituído e aguardavam a regulamentação para
apresentação de projeto, começaram a realizar encontros, que discutiam questões em
comum sobre o sistema em formação. Em especial a modalidade de ajuda mútua, já
que os pilotos e a maioria daquelas em formação adotaram esta modalidade8. É nesse
processo de obras das três primeiras cooperativas, formação de novos grupos e
aprovação e regulamentação da Lei Nacional de Moradia, que ocorrem as reuniões
que se constituem no embrião para a formação de uma federação de cooperativas de
ajuda mútua.
Entre setembro de 1968 e maio de 1970 foram realizados quatro encontros que
envolveram as três cooperativas pioneiras e outras que se formaram nas cidades de
Paysandú e Montevidéu – as duas de maior população no país. Formou-se então um
Conselho Representativo Nacional e um Secretariado Executivo que organizaram o
quinto encontro, onde foi concretizada a proposta da Federação. Assim, no mesmo
dia da inauguração do projeto piloto de Isla Mala, em 24 de maio de 1970, funda-se a
Federação de Cooperativas Uruguaias por Ajuda Mútua (FUCVAM). Como aponta
Leonardo Pessina, em depoimento ao autor, “se inaugura a cooperativa de Isla Mala
e ao mesmo tempo se funda a FUCVAM no mesmo ano, com as três cooperativas
8 As cooperativas de poupança prévia também passaram a se formar nesse período, como é o exemplo de VICMAN (Cooperativa Matríz de Vivienda Malvín Norte), fundada em 18 de fevereiro de 1968. Há pouco material sobre a constituição da modalidade de poupança prévia no cooperativismo de moradia no Uruguai, por isso atém-se à história da modalidade de ajuda mútua.
47
que estavam construindo e algumas que já tinham sido incentivadas por nós [CCU] e
organizadas em Montevidéu” (PESSINA, 2015)9.
Com a regulamentação pronta, as cooperativas constituídas necessitavam
começar o ciclo inicial de concretização das obras, que passava pela cadeia do apoio
técnico via Institutos de Assistência Técnica, aprovação de projetos, acesso ao solo
urbanizado e financiamento monetário. Contando com apoio estatal, acessam-se
terrenos e os primeiros financiamentos do Banco Hipotecário do Uruguai (BHU) são
concedidos em janeiro de 1971. Assim é que o Boletim nº 1 de FUCVAM, de março
desse ano, anunciava o início de permissão de obras para quatro cooperativas:
después de una larga espera, salió al fin la autorización para comenzar a construir las obras de las cooperativas COVIMT 1, COVIMT 2, COVIMT 3 y COVINE 1. Felicitaciones por la constancia en la espera a los compañeros, a quienes ya vemos en la ardorosa tarea del pico y pala (FUCVAM, 1971, p. 4).
Figura 1 – Notícias do primeiro boletim de FUCVAM sobre o início de obra nas cooperativas de moradia por ajuda mútua (Montevidéu, 1971)
Fonte: FUCVAM (1971, p. 4).
9 FUCVAM surgiu como uma federação que pretendia representar as cooperativas de ajuda mútua. Sobre o sistema de poupança prévia, não se conseguiu angariar muitas informações sobre a federação que as nucleava, a FENACOVI. Segundo dados do endereço eletrônico da entidade, FENACOVI foi fundada em 1969 e posteriormente dissolvida com a ditadura, a partir de 1973. A federação de cooperativas de poupança prévia ressurgiu com a abertura democrática em 1984.
48
Em menos de três anos de aprovação da Lei Nacional de Moradia, as primeiras
cooperativas já iniciavam sua etapa de obra. A partir de então o sistema cooperativo
de moradia no Uruguai adentra um período de ganho de escala. Antes de analisar os
detalhes sobre como o sistema se expandiu, pontuam-se algumas características
essenciais para a compreensão sobre o funcionamento do sistema.
2.1.1 Cooperativismo na Lei Nacional de Moradia
A Lei Nacional de Moradia, em seu capítulo X, e posteriormente sua
regulamentação por meio de decreto 633/969, constituíram-se nas peças jurídicas que
formataram, inicialmente, todo o sistema cooperativo de moradia10. As três principais
modalidades de construção a serem adotadas pelas cooperativas são a “ajuda
mútua”, a “poupança prévia” e a “autoconstrução”11. O regime de ajuda mútua conta
com o aporte da própria mão-de-obra dos sócios da cooperativa, assim como naquele
de autoconstrução, com a distinção de que na primeira a forma é coletiva, na qual
todos os sócios trabalham em todas as unidades habitacionais da cooperativa. A mão-
de-obra própria em uma cooperativa de ajuda mútua é considerada enquanto o
rendimento mais básico do setor construção, devendo ser calculado monetariamente
para a composição de seu capital social12. O aporte de ajuda mútua é complementado
por trabalhos especializados contratados pela cooperativa.
No regime de poupança prévia os sócios da cooperativa constituem um fundo
monetário prévio à etapa de obra, sendo esta a responsável pela gestão do processo
construtivo. A realização da obra é delegada a uma organização externa ao grupo,
adotando-se várias formas de gestão (desde a delegação total a uma empresa
construtora até a contratação de serviços especializados, por exemplo).
10 A Lei sofreu várias alterações ao longo do tempo. Nesta sessão se repassa o caráter mais geral do sistema, a partir dos principais traços identificados na legislação original. 11 Cada cooperativa deve criar seu regimento interno que disciplina todo o funcionamento quanto ao regime de construção e de propriedade. A lei também define a forma de organização das cooperativas para a construção do empreendimento, a partir de constituição de diretorias e comissões específicas. 12 Toma-se como referência o rendimento do trabalho equivalente ao de um peão da construção civil, descontados os aportes de seguridade social. Uma discussão mais detalhada sobre a formação do capital social e o trabalho de ajuda mútua é realizada na seção 5.
49
Historicamente, a modalidade de ajuda mútua angariou o maior número de
cooperativas. De acordo com dados do Censo Cooperativo Uruguaio de 2009, 76,9%
das cooperativas de moradia foram construídas por ajuda mutua, 22% via poupança
prévia e 1% por autoconstrução (MACHADO, 2016, p. 34)
O sistema também prevê duas modalidades de propriedade: aquela que é
individualizada aos sócios, conhecida como “de proprietários”, e a de propriedade
coletiva, conhecida como “de uso e gozo”. Na primeira, as unidades habitacionais,
após o término da obra ou do financiamento, tornam-se propriedade individual do
sócio13, e na segunda, quando finalizada a construção, as unidades habitacionais
permanecem como propriedade da cooperativa, tornando-se os sócios “usuários” de
uma moradia. Neste regime os cooperativistas detêm um capital social que lhes dá o
direito à unidade de residência, regulada por um contrato de uso e gozo. A modalidade
de usuários é a que, historicamente, contabiliza o maior número de cooperativas,
72,3% do total, segundo dados do Censo Cooperativo Uruguaio de 2009 (MACHADO,
2016, p. 34).
Nas cooperativas com regime de propriedade coletiva, caso o cooperado
resolva se retirar – a lei prevê as condições em que isso pode ocorrer –, terá direito à
restituição do valor monetário de seu capital social, descontados os encargos
previstos para a cooperativa (os quais variam segundo a regulamentação, referindo-
se ao tempo de permanência, motivação para saída e estruturação do empréstimo).
O novo sócio, que é admitido pela cooperativa, deve aportar o valor do capital social
do sócio egresso. A transferência do capital social é prevista para os herdeiros em
caso de falecimento do sócio e, também, nos casos de divórcio do núcleo familiar.
Portanto, as cooperativas podem conformar-se em distintas configurações que
variam segundo a combinação das modalidades de construção e de propriedade da
moradia. As cooperativas de usuários podem ser construídas por ajuda mútua,
poupança prévia ou autoconstrução, assim como as cooperativas de proprietários
podem ser construídas por esses mesmos sistemas construtivos.
13 A lei prevê que a cooperativa de proprietários poderá reter a propriedade das unidades habitacionais até o fim da quitação do empréstimo pelos sócios, sendo que a estes é facultado continuar integrando a cooperativa.
50
Cada grupo é considerado enquanto uma “unidade cooperativa”, a qual se
constitui a partir da concessão de uma figura jurídica reconhecida pelos órgãos
governamentais14. A lei também prevê as “cooperativas matrizes”, as quais se formam
com o intuito de organizar as unidades cooperativas em formação. Podem ter origem
gremial ou sindical e prestar serviços às unidades cooperativas, tais como de
assistência técnica, compra de terrenos e projetos de urbanização.
Está prevista, legalmente, a constituição de comissões e fundos para o
funcionamento das cooperativas. As comissões obrigatórias são a assembleia geral
(órgão máximo da cooperativa), o conselho diretivo (eleito entre os sócios e
encarregada pelo cumprimento das decisões em assembleia), a comissão fiscal (de
caráter fiscalizador da gestão cooperativa) e a comissão de fomento (responsável pela
promoção dos valores cooperativos entre os sócios). Durante toda a existência da
cooperativa15 podem ser criadas outras comissões – como no período de obras, por
exemplo, quando são organizadas as comissões de obra, trabalho e compras para o
gerenciamento de todo o processo construtivo.
Para o suporte à existência das cooperativas é exigida, legalmente, a
constituição de fundos monetários para o desempenho de suas atividades. Os fundos
previstos na lei são: fomento (para promoção dos valores cooperativos), socorro (para
cobrir eventuais dificuldades de pagamento das obrigações junto à cooperativa),
manutenção (para cobrir os desgastes das moradias) e serviços comuns (aqueles
decorrentes da manutenção das condições comuns da cooperativa). As cooperativas
contam com estatutos, regulamentos de obra e de convivência, os quais definem as
formas de composição e de renovação dos órgãos diretivos.
Para a constituição da cooperativa, os sócios devem realizar um aporte inicial
para a composição de seu capital social, sendo um mínimo estipulado em lei16. Após
a concessão da figura jurídica, a cooperativa basicamente deverá contratar um
Instituto de Assistência Técnica para assessorá-la, garantir o acesso ao solo
14 A lei estipula um número mínimo de dez de sócios e um máximo de duzentos. A partir dos anos 1990 foi prevista a exceção de um número mínimo de seis sócios para as cooperativas de reciclagem de imóveis já construídos. 15 No caso das cooperativas de regime de uso e gozo, seu período de existência é ilimitado. 16 De duas “unidades reajustáveis”, uma unidade de referência monetária criada pela Lei Nacional com o objetivo de indexar os valores dos financiamentos habitacionais.
51
urbanizado (ou outra solução habitacional, como a reforma de um edifico ou de um
prédio histórico17), elaborar os planos construtivos e acessar o financiamento.
O empréstimo imobiliário às cooperativas é realizado majoritariamente por
aporte estatal. A Lei Nacional de Moradia instituiu um Fundo Nacional de Moradia,
para o qual previu-se o aporte de 2% da remuneração dos trabalhadores assalariados:
1% como contribuição dos empregadores e outro 1% dos aportes realizados à
seguridade social18. O Fundo tem a previsão de uma conta destinada aos
empréstimos, sendo que o financiamento ao sistema cooperativo tem um caráter
rotativo, ou seja, as unidades cooperativas devolvem todo o valor tomado do fundo.
E, também, uma conta de subsídio, o qual, segundo a Lei Nacional, poderá ocorrer
sob diversas formas, dentre elas a possibilidade de subsídio à unidade habitacional
ou, então, à família19. O acesso à terra para a construção dos projetos habitacionais
comumente é realizado por meio de compra de privado. Durante diversos momentos
houve o acesso a uma carteira de terras organizada pelo estado, mas sempre
ocorrendo a compra pela cooperativa.
A lei também prevê que as cooperativas devem ser assessoradas por Institutos
de Assistências Técnica. Os institutos são regulados pelo estado e tem que atuar de
forma interdisciplinar (nos campos da arquitetura, urbanismo, contabilidade, jurídico e
social), não ter objetivos de lucro e obter uma personalidade jurídica para
funcionamento. O Instituto presta serviços à cooperativa, sendo remunerado pelos
parâmetros do financiamento estatal e conforme percentual do valor de
financiamento20. Assim, serviços complementares de assessoria devem ser arcados
com recursos da própria cooperativa.
17 No sistema uruguaio, o cooperativismo de moradia sempre se destina à construção de novas unidades habitacionais. Assim, difere, por exemplo, do modelo dinamarquês (Andel), onde inquilinos de um prédio podem organizar-se para adquiri-lo junto ao proprietário e, então, realizar a administração de forma cooperativa. Sobre o modelo dinamarquês, ver Larsen e Hansen (2015). 18 Durante a ditadura esse sistema de aporte ao Fundo foi suprimido e, a partir de então, passou a depender de destinação orçamentária pelo governo. 19 O subsídio aos valores de empréstimo retornável ao fundo tem variado no tocante às taxas de juros e de administração. 20 Contemporaneamente definido em 7% dentro valor do financiamento concedido, acrescido dos devidos impostos que incidem nas atividades do Instituto.
52
2.1.2 Etapa inicial: ganho de escala
Ao se ler o informativo da recém-criada Federación Uruguaya de Cooperativas
de Vivienda por Ayuda Mutua (FUCVAM) de março de 1971, as metas de construção
habitacional por cooperativas, junto ao Plano Nacional de Moradia do Governo
Nacional, apontam para o objetivo de ganho de escala do sistema nos três primeiros
anos após a regulamentação da Lei Nacional. Os números exibem a perspectiva de
um crescimento acelerado: para o ano de 1970 se estabelece a construção de cento
e trinta unidades habitacionais, em 1971 são projetadas mil oitocentas e vinte e, para
1972, tem-se a perspectiva de conclusão de duas mil unidades habitacionais através
do sistema por ajuda mútua (FUCVAM, 1971, p. 3).
A proposta do plano de metas de FUCVAM encontrou ressonância do lado
estatal. A Lei Nacional de Moradia havia criado a Direção Nacional de Moradia (a
Dirección Nacional de Vivienda, cuja sigla é DINAVI) na estrutura do Ministério de
Obras Públicas, enquanto órgão coordenador das ações no campo habitacional dentro
das competências do Governo Nacional. Os gestores, que passaram a integrar a
DINAVI, levaram à frente a proposta de constituir o sistema de cooperativas de
moradia, previsto em lei e que deveria ser tirado do papel. González (2013) comenta
que o órgão contava com poucos recursos para seus trabalhos diários, mas afirma
que “aquella dirección de la DINAVI fue quien también impulsa el modelo cooperativo”
(GONZÁLEZ, 2013, p. 51)21.
Ao tomarem contato com as três experiências piloto, em plena fase de obra
naquele primeiro ano após a aprovação da Lei Nacional de Moradia, os novos
gestores da DINAVI parecem ter se entusiasmado com o que viram como perspectiva
de estruturação desse novo sistema. O arquiteto Leonardo Pessina, que naquele
momento trabalhava no CCU assessorando a obra de Isla Mala, comenta, em um tom
tanto informal sobre esses gestores, que “os caras que foram para a Direção Nacional
de Habitação eram caras legais e se encantaram com a proposta de ajuda mútua e
21 Deve-se ter em consideração que o governo eleito de então, sob a presidência de Jorge Pacheco Areco, do Partido Colorado, tinha um perfil conservador, como indica o próprio González (2013, p. 51), ao caracterizá-lo como “un gobierno de neto corte de derecha y autoritario, en un momento de gran polarización de la lucha de clases”.
53
propriedade coletiva” (PESSINA, 2015). Esse encanto se fez muito sobre as visitas
que foram realizadas aos três projetos piloto. Como continua Pessina ao falar sobre o
diretor da DINAVI, “nós tínhamos um Ministro e o [Gustavo] Nicolichi, que era da
Direção Nacional de Habitação, que era aquele baixinho maluco. O Nicolichi se
encantou com a proposta, foi a Isla Mala, Salto e Fray Bentos, convenceu o Ministro
e foi tudo apoiado” (PESSINA, 2015).
Com o apoio da DINAVI e, no bojo, da estrutura do Governo Nacional22,
conformou-se um circuito que se mostrou virtuoso para o ganho de escala do sistema
cooperativo de moradia. Em um primeiro momento emergem as três experiências
piloto e aprova-se a Lei Nacional de Moradia, seguido pela conformação dos primeiros
grupos cooperativos – que concomitantemente passavam a se federar –
consolidando-se com o assessoramento provido pelos Institutos de Assistência
Técnica – dentre os quais tinha proeminência o Centro Cooperativista Uruguayo. Por
fim, a aposta do recém-criado órgão de governo – a DINAVI – levou água ao moinho
do circuito de viabilização das cooperativas, basicamente alavancando a cadeia
necessária à maquinaria do sistema cooperativo, conformada pelo circuito de
reconhecimento da personalidade jurídica, acesso ao solo urbanizado e financiamento
estatal23. Além disso, o financiamento se fazia sustentar gradativamente pelo aporte
de recursos ao Fundo Nacional de Moradia, por meio de mecanismo previsto em lei,
com a contribuição de 2% de todos os salários do país.
Apesar de não existir muitas referências sobre a forma como se acessavam os
terrenos pelas cooperativas nesse período, observa-se, em diversos relatos coletados
em campo, o formato de acesso pela compra de privados. Um fato bem ventilado entre
os cooperativistas de Montevidéu é que, naquele momento, a DINAVI conformara uma
espécie de carteira de terras, a partir de ativos de bancos que estavam em crise. Dado
o período de recessão que vivia o país, a forma que os bancos solucionavam dívidas
com o governo uruguaio se fazia por meio da transferência de terrenos sob sua posse.
22 Que envolvia não só a referida diretoria, mas também outros órgãos, como na concessão de empréstimos de outro ente governamental, o Banco Hipotecário do Uruguai. 23 Evidente que não se tratou de um processo linear, sendo perpassado por conflitos e pela criação paulatina de aprendizado institucional. Como bem pode-se constatar nesse informe de FUCVAM, sobre o processo de trâmite de análise do terreno da cooperativa COVIMT 9, ao comentar que “el pedido que fue presentado el 12/6/1972 se perdió en la DINAVI, siendo encontrado por funcionarios del CCU la semana pasada, por lo que recién le dieron entrada” (FUCVAM, 1972a, p. 8).
54
Assim é que esses terrenos foram postos à disposição para aquisição pelas
cooperativas em formação.
Nesse período inicial, a oferta de terra conformou-se, para boa parte dos
projetos, em terrenos com localização periférica e de grandes dimensões. É a partir
dessa configuração que vão se constituir as Mesas Intercooperativas. Estas
agregavam diversas cooperativas em um mesmo projeto, de forma a aproveitar as
dimensões dos grandes terrenos.
O depoimento de um sócio da Mesa 1 (figura 2) expõe um pouco como ocorria
esse processo. Segundo ele, sua cooperativa foi formada por vinte e cinco sócios,
“por el año sesenta y ocho, setenta y no encontrábamos un terreno adecuado a
nuestras necesidades” (Sócio A, MESA 1, AM1). Tratava-se de uma cooperativa de
caráter territorial, constituída por vizinhos de um bairro de Montevidéu. Nessa procura,
então, prossegue o cooperativista, “a través del instituto asesor – el Centro
Cooperativista Uruguayo –, nos propusieron integrar junto con otras cooperativas un
predio más grande, formando lo que se denomina Mesa, por qué reúne varias
cooperativas” (Sócio A, MESA 1, AM1)B. A Mesa 1 então se conformou com quatro
cooperativas de origem sindical e uma de origem territorial, totalizando quatrocentos
e vinte unidades habitacionais24.
As Mesas contam com os próprios organismos de deliberação interna e,
também, de própria coordenação entre as cooperativas constituintes. Assim, a cidade
de Montevidéu – e algumas outras do interior do país, como Paysandú –
transformaram determinadas áreas urbanas em canteiros de construção dos primeiros
conjuntos habitacionais cooperativos.
Como algumas análises indicam (NAHOUM, 1984), em cinco anos o sistema
cooperativo tornou-se o principal item de investimento dentro do Plano Nacional de
Moradia do governo nacional. De projeto experimental à capitulo da Lei Nacional, o
sistema cooperativo tornava-se a principal modalidade de investimento do plano
24 O projeto urbanístico da Mesa 1 foi elaborado promovendo a mescla dos sócios das cooperativas entre as unidades habitacionais de todo o complexo, pois sua setorização adotou o partido do número de dormitórios por unidade habitacional.
55
habitacional estatal. O que se observa nesse período inicial, portanto, é o ganho de
escala de um sistema novo na forma de produção de moradia via cooperativas.
Figura 2 – Mesa 1, bairro “Nuevo Amanecer” (Montevidéu, 2015)
Fonte: acervo do autor.
Os dados da tabela a seguir (tabela 1) permitem visualizar como, em uma
década, há a multiplicação das unidades do sistema e de sua produção habitacional.
Entre 1969 (ano da regulamentação) e 1978 (já no período da ditadura, quando decai
drasticamente o apoio estatal – como se verá mais à frente), multiplica-se em quase
vinte e cinco vezes o número de cooperativas e em quase trinta e duas vezes o
número de sócios. O montante de unidades cooperativas salta de treze para trezentos
e catorze e o de sócios sai de quatrocentos e sessenta e seis para mais de catorze
mil. Para além dos três departamentos onde foram realizadas os projetos piloto e a
capital Montevidéu, todos os departamentos do país passam a contar com
cooperativas de moradia em uma década.
56
Tabela 1 – Número de sócios e de unidades cooperativas de moradia, por departamento (Uruguai, 1969 e 1978)
Departamento 1969 1978
Cooperativas Sócios Cooperativas Sócios Artigas - - 1 50
Canelones - - 8 323 Cerro Largo - - 9 329
Colonia - - 13 446 Durazno - - 2 94 Flores - - 3 115 Florida 1 25 3 117
Lavalleja - - 1 92 Maldonado - - 8 290 Montevideo 7 277 218 10.920 Paysandú 3 92 15 622 Rio Negro 1 30 3 97
Rivera - - 6 91 Rocha - - 1 60 Salto 1 42 8 305
San Jose - - 6 224 Soriano - - 2 106
Tacuarembo - - 4 215 Treinta y Tres - - 3 91
TOTAL 13 466 314 14.587
Fonte: Departamento de Administración de Programas de Vivienda del Banco Hipotecario del Uruguay
apud Perazza (1978).
Nesse interim, FUCVAM vai se consolidando enquanto a federação que
representa as cooperativas de ajuda mútua e algumas experiências são realizadas no
tema da gestão de obra. Dentre algumas delas, a partir do paulatino início das obras
cooperativas cria-se a Central de Compras (“Central de Suministros”). Segundo
depoimento do cooperativista Domingo Mendivil, então secretário de FUCVAM em
1970, “la Federación surge [...] en mayo de 1970, en diciembre del mismo año ya
había comenzado a funcionar la Central de Suministros” (CENTRO
COOPERATIVISTA URUGAYO, 1982, p. 37). A Central de Compras buscava, desse
modo, centralizar o processo de aquisição dos insumos da construção de todas as
cooperativas em construção, de maneira a baratear os preços adquiridos junto aos
fornecedores.
Em entrevista para a publicação de FUCVAM do ano de 1975 (FUCVAM,
1975a, p. 9), o cooperativista Julio C. Briano, então integrante da Comissão
57
Administradora da Central de Compras, explica que esta “nace con finalidad de
abaratar costos de producción y obtener mejores condiciones de compras para las
cooperativas”. E complementa afirmando que a central tem como objetivo coordenar
os trabalhos das diversas obras em execução, pois “busca fundamentalmente
canalizar esfuerzos comunes de las cooperativas, evitando la competencia entre las
mismas” (FUCVAM, 1975a, p. 9). Desse modo, segundo ele, “con la complementación
se podía obtener mejores condiciones en precios, calidades y formas de pago
(FUCVAM, 1975a, p. 9).
A Central se expandiu e, na época da entrevista, com cinco anos de existência,
atendia outras modalidades de produção habitacional, como remarca Bianco ao
explicar que “no se reduce a servir a cooperativas de ayuda mutua, sino que han
recurrido a ella muchas cooperativas de ahorro previo, y hasta otras instituciones,
como el Fondo Social de Empleados y Obreros de CUTCSA, por ejemplo” (FUCVAM,
1975a, p. 9). Além disso, a Central atuava não só na capital uruguaia, senão que “ha
servido y sirve a cooperativas de todo el país, y no solamente de Montevideo”
(FUCVAM, 1975a, p. 9).
Mecanismos de autogestão do consumo, em escala, de insumos da construção
para um sistema que ganha escala, o cooperativismo de moradia estava em franca
expansão. Porém, em 1973, o golpe militar foi perpetrado no Uruguai. O complexo
cooperativo adentrou o estado de exceção construindo suas unidades habitacionais,
mas não por muito tempo. Os bons ventos deixariam de impulsionar o sistema.
2.1.3 Ditadura militar e sufocamento do sistema
No começo da década de 1970, simultaneamente ao ganho de escala da
produção cooperativa de moradia, a crise econômica e política se aprofundava no
Uruguai. O governo de Jorge Pacheco Areco (1967 – 1972) endurecia cada vez mais
as medidas repressivas às organizações do campo da esquerda no país25. O
25 Vale ter em perspectiva, nesse contexto de convulsão social, as ações de guerrilhas configuradas na formação do Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros e as respectivas ações de repressão
58
presidente eleito para o mandato seguinte, Juan M. Bordaberry, assumindo em março
de 1972, deu continuidade às medidas repressivas de Areco. As Forças Armadas há
algum tempo organizavam-se para um possível golpe de estado, em alinhamento com
uma tendência que já se concretizara no cone sul da América Latina, com os golpes
militares nos países vizinhos, Brasil e Argentina, nos anos de 1964 e 1966,
respectivamente (CAETANO; RILLA, 1987).
Em 27 de junho de 1973 foi dado o golpe de estado militar no Uruguai, com o
apoio do presidente eleito. As Câmaras Legislativas e as Juntas Departamentais
foram dissolvidas e um Conselho de Estado foi instituído (NAHUM, 2014). O golpe foi
impetrado, mas encontrou uma intensa resistência da sociedade civil uruguaia. Uma
greve geral tomou o país logo após a notícia do golpe. Durante quinze dias o Uruguai
viveu uma paralização geral levada à cabo pelos trabalhadores, via central sindical, a
Confederación Nacional de Trabajadores (CNT), e pelos estudantes, via Federación
de Estudiantes Universitarios del Uruguay (FEUU). No âmbito da CNT há tempos se
vinha discutindo a possibilidade da intervenção militar e se havia aprovado uma
resolução em que, caso ocorresse o golpe, a greve geral imediatamente deveria ser
deflagrada26.
Instituída a ditadura militar, a repressão contra a sociedade uruguaia
generalizou-se. Perseguição, tortura e assassinato de lideranças de esquerda,
intervenção na Universidad de la Republica, destituição do presidente eleito e
substituição por militar, dissolução do Poder Judiciário, dos partidos políticos e de
organizações gremiais (FEUU e CNT) foram a tônica desses anos pós-1973.
O sistema cooperativo de moradia, nesse momento, estava em sua “fase de
obras”. A maioria dos contratos que foram assinados com o governo nacional, no
período democrático, adentraram a ditadura de 1973 a iniciar a etapa de construção
das moradias ou, então, a concluí-las, muitas das quais com grande número de
unidades habitacionais27. Como aponta González (2013, p. 39), “los grandes
complejos habitacionales del movimiento estaban en su período de obra, es decir
promovidas, muitas clandestinamente, pelo governo de Jorge Pacheco Areco (GATTO, 2004 e ALDRIGHI, 2001). 26 O documentário “A las 5 en punto”, de José Pedro Charlo, reconstitui todo esse processo da greve geral deflagrada com o golpe militar de 1973. 27 O complexo José Pedro Varela, por exemplo, começou suas obras em 1972, com mais de oitocentas unidades, sendo construídas por ajuda mútua na periferia de Montevidéu.
59
cuando en el 73 se concreta el golpe, los barrios ya estaban construyendo, la inversión
ya estaba realizada y se tenían que terminar”.
Nesse momento inicial do regime militar, as cooperativas de moradia não foram
consideradas como um perigo para o estado de exceção imposto. Ou seja, não se
constituíram, perante a ditadura, enquanto uma organização inimiga a ser reprimida.
Possivelmente essa possibilidade de continuidade dos projetos já contratados se deva
ao volume de moradias com obras iniciadas. Como apontam os dados do trabalho de
Machado (2016), após a regulamentação do sistema pelo decreto 633/69, as primeiras
cooperativas iniciaram suas obras a partir de 1970, atingindo um pico em 1972. Já
com a ditadura, em 1973, há um menor ritmo de início de obras, mas este se mantém
até o ano de 1975. O gráfico a seguir detalha tais dados por ano.
Figura 3 – Número de obras de cooperativas de moradia, por ano de início (Uruguai, 1970 – 1978)
Fonte: INE – Censo de Cooperativas y Sociedades de Fomento Rural (2009) e Agencia Nacional de
Vivienda (2016) apud Machado (2016, p. 37).
Dados de 1978 (conforme detalha o próximo gráfico) mostram que, após o
período inicial de cinco anos onde houve a maior escalada do sistema cooperativo
(1970 a 1975), existiam 8.272 unidades habitacionais concluídas ou em construção,
2.373 em espera para a liberação de empréstimo, e mais 3.942 unidades em
cooperativas que já haviam se constituído juridicamente, mas que aguardavam o início
dos trâmites para solicitação de empréstimo junto ao governo (PERAZZA, 1978).
Segundo Font (1995), a partir de informações do Boletim Estatístico do Banco
Hipotecário do Uruguai, nesse ano de 1978 das catorze mil unidades em construção
e das dezesseis mil unidades em trâmite de todo o sistema público de produção
5 8
45
37
22 20
- -7
1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978
60
habitacional, metade era financiado pelo sistema cooperativo, ou seja, quinze mil
unidades.
Figura 4 – Estado de tramitação dos empréstimos às cooperativas de moradia, em unidades habitacionais (Uruguai, 1978)
Fonte: Departamento de Administración de Programas de Vivienda del Banco Hipotecario del Uruguay
apud Perazza (1978).
No período de dois anos, entre 1975 e 1977, não foram concedidos novos
empréstimos pela ditadura, sendo os processos somente retomados no final de 1977
para as cooperativas que já haviam iniciado o trâmite junto ao governo (FONT, 1995).
A partir do ano seguinte não são mais concedidas figuras jurídicas pelo governo
nacional às cooperativas formadas, cuja retomada se dará somente onze anos depois.
Tomam corpo, então, as iniciativas de sufocamento pela ditadura, marcando o declínio
de um sistema que se encontrava em franca expansão.
O que se verifica nesse período é a escalada de iniciativas para refrear o
sistema cooperativo de moradia (FONT, 1995 e NAHOUM, 1984). Em 1978 são
criadas as Sociedades Civis de Propriedade Horizontal, as quais se caracterizavam
pelo regime de propriedade privada e que passam a ter prioridade nos investimentos
estatais. Em 1979, a Ordem de Serviço 7.000 do Banco Hipotecário do Uruguai (BHU)
altera diversas operativas do sistema cooperativo. Exige poupança prévia para o
sistema de ajuda mútua, aumenta a taxa de juros para seis por cento (ao invés de dois
a quatro praticado anteriormente) e define o limite de cinquenta unidades
2.356 868 927
5.916
1.505 3.015
TERMINADAS E EM CONSTRUÇÃO
EM TRÂMITE DE EMPRÉSTIMO
COM CONSTITUIÇÃO JURÍDICA, MAS
SEM TRÂMITE DE EMPRÉSTIMO
Ajuda Mútua
Poupança Prévia
61
habitacionais para financiamento às unidades cooperativas (em contraste com o limite
de duzentas estabelecido na Lei, não mais se permitindo a formação dos grandes
conjuntos como as Mesas Intercooperativas). Agregam-se, a essas medidas, a
transferência da carteira de terras do BHU para o setor privado. O gráfico a seguir
mostra como o sistema cooperativo perdeu prioridade entre os sistemas de produção
habitacional no período de 1978 até o final da ditadura.
Figura 5 – Empréstimos escriturados pelo Banco Hipotecário do Uruguai, equivalente em quantidade de moradias (Uruguai, 1978 – 1984)
Fuente: Banco Hipotecario del Uruguay apud Terra (1985).
Somente para se pontuar a diferença na regulamentação das Sociedades Civis,
criadas pela ditadura militar, em relação às condições do sistema cooperativo, vale
repassar algumas informações de uma matéria do jornal Opción, de 14 de setembro
de 1982. A reportagem intitulada “Cooperativas de vivienda: quitar las trabas”,
informava que “para el sistema de Sociedades Civiles Categoría II A no se exige
ahorro previo, se acuerdan intereses del 4 por ciento”, além de se prever o aporte,
precedente ao financiamento, de “materiales, mano de obra y auto construcción previa
a la escrituración del préstamo”, que poderiam integrar a contrapartida necessária
para completar o custo do financiamento com a aquisição do terreno. Muito diferente
das condições postas para as cooperativas de moradia, que passaram a ter uma taxa
de financiamento de seis por cento e a necessidade de aportar um fundo de poupança
-
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
6.000
7.000
1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 (ATÉ
OUT. )
Sistema Público Cooperativas Sociedades Civis
Promotores Privados Construções Individuais
62
prévia. Assim a reportagem conclui afirmando que o cooperativismo de moradia por
ajuda mútua, “luego de haber participado en un 30 por ciento de las inversiones del
Plan Nacional de Vivienda, la misma se ha visto reducida en los últimos años a un 3
por ciento para cooperativas de más de 8 años de espera”.
***
Conforme começou a se viver a escalada das ações repressivas pela ditadura,
as cooperativas de moradia foram se configurando enquanto um lugar de “refúgio”
para aqueles militantes que não se exilaram no exterior e continuaram a viver – muitos
clandestinamente – no Uruguai. Nesse sentido, a própria história de Gustavo
González – apresentada em seu livro “A história de FUCVAM” – é ilustrativa desse
processo. Militante em diversas organizações de esquerda desde a juventude, entrou
na construção, por ajuda mútua, do Complejo José Pedro Varela (figura 6) no ano de
1972. Com o golpe militar no ano seguinte, continuou no país e no trabalho de obra.
Na cooperativa, percebeu que ali poderia emergir um espaço para escapar à
repressão da ditadura militar. Em suas palavras, "los que nos quedamos [en Uruguay]
decidimos seguir viéndonos como se pudiera, aunque muchos se bajan y
fundamentalmente quedamos los que ya estábamos integrados a las cooperativas de
vivienda” (GONZÁLEZ, 2013, p. 31).
Ele, então, afirma que, nesse período de acirramento na repressão ditatorial,
“la vida en las cooperativas era muy relevante, se respiraba otro aire y estábamos
convencidos de que por allí algo interesante estaba pasando" (GONZÁLEZ, 2013, p.
31). Desse modo é que se conformou uma conhecida descrição das cooperativas
enquanto “ilhas de liberdade” em meio aos anos de chumbo do regime militar.
González (2013, p. 40) atenta que, nas cooperativas, “su funcionamiento siguió
teniendo una práctica que no existía en otras zonas territoriales tradicionales, es decir
los otros barrios, por ello es que aquella famosa frase de que las cooperativas fuimos
'islas de libertad' tiene gran parte de razón".
63
Figura 6 – Salão comunal do Complexo José Pedro Varela (Montevidéu, 2015)
Fonte: acervo do autor.
A construção dos equipamentos coletivos pelas cooperativas também permitiu
que muitos militantes, que eram procurados pela ditadura, pudessem se engajar em
comissões que não eram vigiadas pelo estado. Ou seja, naquelas comissões que não
eram previstas na regulamentação da Lei Nacional de Moradia e que, por isso, não
tinham uma fiscalização sistemática do estado. De acordo com González (2013, p.
74), “esto permitió a su vez la integración de mucha más gente a comisiones
puntuales, [...] las que permitieron que una cantidad de 'tachados' funcionaran sin
mayores dificultades en estas subcomisiones"28.
Como visto anteriormente, uma característica marcante do início do sistema,
em Montevidéu foi a configuração de grandes conjuntos formados pela reunião de
várias cooperativas, dado o tamanho dos terrenos, que se combinava à localização
periférica com baixo nível de urbanização. Tal configuração colocava a necessidade
de construção de novos bairros para esses conjuntos. Por estarem localizadas em
28 Os “tachados” a que se refere Gustavo González são os perseguidos pela ditadura militar. Para a constituição das comissões dos projetos (aquelas oficialmente previstas em contrato), o governo exigia o envio da lista dos participantes. Estes eram checados com os registros do governo.
64
zonas de urbanização rarefeita, demandavam a construção de equipamentos urbanos
de saúde, educação, lazer etc. Assim é que as próprias cooperativas promoveram a
construção autogestionária de muitos serviços complementares às próprias unidades
habitacionais.
Novamente segundo González (2013, p. 74), é possível afirmar que “no será
casualidad que la inmensa mayoría de guarderías, policlínicas, locales comerciales,
bibliotecas, pequeñas cooperativas de consumo se generarán en el período
comprendido entre 1975 y 1982”. Como aponta o testemunho de um sócio da Mesa 1
– conhecida como bairro Novo Amanhecer, constituída por cinco cooperativas e 422
unidades habitacionais e construída nesse período –, “el hecho de tener este complejo
acá le dio vida a toda la zona. Porque mejoró el transporte y las condiciones, vino el
agua corriente, vino la luz eléctrica, pavimento en las calles, saneamiento” (Sócio A,
MESA 1, AM1)C. Esse processo permitiu, também, a constituição de laços de
solidariedade entre as cooperativas e os bairros no entorno dos projetos.
O trabalho de Castro, Menéndez, Sosa e Zibechi (2013) resgata como diversas
cooperativas de moradia, construídas no período militar, conseguiram transpor, para
a prestação de serviços urbanos, a autogestão do processo de obra. Como resgatam
em um caso analisado, no início dos anos 1980 uma menina havia falecido por falta
de assistência médica na cooperativa Mesa 2, no bairro de Peñarol, em Montevidéu.
A partir daí, resolveu-se construir uma policlínica, uma das primeiras do movimento
cooperativo. Além da construção autogestionada, os serviços prestados passaram a
ser organizados pelos próprios cooperativistas. Como apontam os autores, com “la
organización sanitaria mínima en diferentes barrios cooperativos se fue forjando un
nucleamiento de policlínicas cooperativas y barriales, favoreciendo el permanente
intercambio de recursos entre cooperativas” (CASTRO; MENÉNDEZ; SOSA;
ZIBECHI, 2013, p. 28). Essa espécie de “rede cooperativa de policlínicas” passou a
se constituir, também, enquanto espaço de promoção de ações de resistência à
ditadura. Dessa maneira, “eran un espacio más de autogobierno, de creación de
conciencia e inteligencia colectiva, que germinaba en lo territorial y en el marco de las
65
diversas acciones de resistencia que se llevaban adelante en las cooperativas”
(CASTRO; MENÉNDEZ; SOSA; ZIBECHI, 2013, p. 27)29.
Além dos equipamentos urbanos, as cooperativas de moradia, em regime de
propriedade coletiva, também demandavam mecanismos de apoio ao processo de
gestão coletiva que se estabelecia ao final da obra. No final do ano de 1975, FUCVAM
firmou um convênio com a Associação Cristiana de Jovens (ACJ) de Winnipeg, no
Canadá, para um projeto com as cooperativas filiadas que já tivessem terminado suas
obras. O objetivo do convênio era fornecer assessoria às cooperativas para o
desenvolvimento de atividades comunitárias. Como explica o informe de janeiro de
1976 da ACJ (CENTROS DE ACCIÓN DE EDUCACIÓN PARA EL DESAROLLO,
1976), o convênio atuaria na organização de grupos em atividades esportivas e
recreativas, formação de bibliotecas, capacitação em artesanato, cursos de
enfermagem e para organização de creche, entre outros.
A questão posta nesse convênio era como dar continuidade às atividades
organizativas nas cooperativas de moradia por ajuda mútua em propriedade coletiva.
Após o duro período de obra, estas ainda deveriam continuar as atividades
administravas e de integração comunitária. Como aponta Juan Carlos Moreno, então
secretário de FUCVAM em 1975, (CENTRO COOPERATIVISTA URUGAYO, 1982, p.
37), “las cooperativas que habían terminado la construcción y habían pasado a vivir
comenzaron a quedarse, aparentemente la meta de la casa propia estaba cumplida,
también se entró en el período de desgaste de directivos, etc.”. Assim, o convênio
entre FUCVAM e a ACJ “buscó, entre otras cosas, incentivar las actividades de
recreaciones: fútbol, básquetbol, vóleibol, etc., que entendemos fue importante y las
cooperativas que supieron aprovechar el convenio lo hicieron bien” (CENTRO
COOPERATIVISTA URUGAYO, 1982, p. 37).
Outra iniciativa de FUCVAM, durante a ditadura, foi a criação da central de pré-
fabricados. O projeto contou com o apoio de recursos de cooperação internacional,
29 O depoimento de um sócio da cooperativa COVICENOVA, cuja obra terminou em 1982, mostra que a construção da policlínica na própria cooperativa se deu, também, por um infortúnio que enfrentaram logo após a inauguração. Segundo ele, "la movida fue interna a la cooperativa, porque pasaron insucesos, que se perdieron vidas, por malas atenciones. Porque hace tiempo no era como lo mismo como hoy día cuando hay servicio de emergencia móvil” (Sócio A, COVICENOVA, AM1). O prédio da policlínica foi construído pela cooperativa e cedido para a administração do governo nacional. Os serviços prestados atendem tanto à cooperativa quanto ao bairro.
66
por meio de uma entidade governamental holandesa. Como assinala o depoimento
de Vicente Addiego, cooperativista de BANREP e membro da diretoria de FUCVAM a
partir de 1976, “se presentó el proyecto a Holanda, a la agencia Cebemo30, el cual fue
aprobado” (FONT, 1995, p. 9). Previamente à constituição da iniciativa da Federação,
outros conjuntos cooperativos – principalmente os de maior escala, como as Mesas –
haviam constituído plantas de pré-fabricação de elementos construtivos. Tal é o caso
das obras da Mesa 1, cuja planta de pré-fabricação surgira como proposta do instituto
assessor, o CCU. O Informe de FUCVAM de 1972 assim comenta o caso de Mesa 1,
a 3 meses de obra algo nuevo pasaba a ser la “vedette” del terreno: la planta de prefabricado. La estructura metálica del galpón fue entretejiendo un nuevo elemento de trabajo. Conjunción de equipos, maquinarias, motores, polipastos, hormigoneras, transportadores, para producir elementos económicos y adecuadamente estéticos – marcos, losas, viguetas – que irán en las viviendas. Y entre todo ese andamiaje mecánico y motorizado, el hombre: la máquina con más altibajos, pero quizás por eso mismo, la más completa (FUCVAM, 1972b, p. 8).
No entanto, com o corte na concessão de empréstimos pelo governo, a partir
de 1977, a Central de Pré-fabricados de FUCVAM começou a se inviabilizar, até ser
desativada nos anos 1980.
***
Nos primeiros anos da ditadura militar, FUCVAM não foi considerada como uma
organização a ser reprimida pelo regime, assim como o eram a Confederación
Nacional de Trabajadores (CNT) e a Federación de Estudiantes Universitarios del
Uruguay (FEUU), ambas postas na ilegalidade pelo estado de exceção. Isso ocorreu
muito pelo fato de que era uma organização de origem muito recente (1970) e se
concentrava em reivindicações que se circunscreviam aos interesses de suas
cooperativas filiadas. A entidade, portanto, nesse período inicial da ditadura não
estava na linha de frente de oposição ao regime, pois tinha uma pauta corporativista
segundo González (2013), ou seja, centrada nas demandas estritas das próprias
cooperativas filiadas. Além do mais, angariava um certo aval por manter relações com
30 CEBEMO é uma organização não governamental holandesa criada em 1965, com origem cristã.
67
organizações internacionais, como a ACJ do Canadá e com a cooperação holandesa
para a implantação de uma planta de pré-fabricados e da central de compras
(GONZÁLEZ, 2013, p. 72)31.
A direção de FUCVAM, no início dos anos 1980, no entanto, passou por um
período de renovação, com a eleição de integrantes oriundos das cooperativas recém
finalizadas. Esse novo grupo, então, começou a adotar uma posição de confronto à
ditadura. Sobre essa renovação para a direção de FUCVAM, González (2013)
comenta que “era una nueva camada de dirigentes jóvenes y sin duda de distintas
fuerzas de la izquierda”. Desde tal mudança, colocou-se em perspectiva uma
reorientação política da atuação da entidade. Segundo o autor, “en el fondo del debate
era una nueva conducción política de la Federación que dejaba de lado la plataforma
meramente reivindicativa” (GONZÁLEZ, 2013, p. 87). Assim é que a agenda política
da entidade se redireciona, começando a atuar em um confronto mais direto contra as
medidas do regime ditatorial.
Emblemático nesse sentido, em resposta à repressão da ditadura militar ao
sistema cooperativo de moradia, FUCVAM organiza, a partir de agosto de 1983, uma
paralização geral nos pagamentos aos financiamentos do governo nacional. As
cooperativas filiadas à entidade decidiram deixar de pagar, oficialmente, as
prestações do financiamento estatal como noticiou o jornal El Día, de 9 de outubro de
1983. De acordo com o periódico, “la decisión fue tomada ante la imposibilidad
económica de hacer frente al incremento del 15% anunciado por el presidente del
BHU”. A deliberação da entidade significou depositar os recursos em uma conta
paralela, reivindicando-se a baixa na taxa de juros, conforme explica a reportagem ao
comentar que as unidades cooperativas “consignarán el equivalente a las cuotas
vigentes a agosto de 1983 en una cuenta especial, mientras se aguarda el resultado
de los planteamientos formulados a nivel oficial”.
A reação do regime militar foi elaborar um projeto de lei que propunha
transformar o regime de propriedade coletiva, das cooperativas de moradia, em
individual. No final do ano de 1983 foi então apresentado o projeto de lei que
31 Por outro lado, vale destacar que a federação representante das cooperativas de moradia por poupança prévia (FENACOVI) foi posta na ilegalidade pela ditadura.
68
individualizava o financiamento coletivo das cooperativas para seus sócios,
transformando o regime de propriedade de uso e gozo, a maioria do sistema.
Como resposta à proposta de lei, FUCVAM avançou com uma contraproposta
de realização de um referendum popular. Para tanto, valeu-se de um dispositivo
constitucional de iniciativa popular, com a coleta de assinaturas para a proposição do
referendum. Em um único dia foram coletadas trezentas mil assinaturas, chegando-
se, logo em seguida, a seiscentas mil, equivalente a mais de um terço da população
do país.
Essa estratégia alçou FUCVAM a mudar seu status político perante à
sociedade civil uruguaia. Como afirma González (2013, p. 3), “fue esta medida la que
catapultó de una vez y para siempre a FUCVAM como un movimiento social con fuerte
presencia a nivel nacional no solamente en el tema de la vivienda sino en el conjunto
de intereses de los sectores populares”. A ditadura então recuou com a proposta do
projeto de lei.
Assim, a entidade reinventou sua luta política32, deixando de ser uma
organização secundária na resistência à ditadura e passando à linha de frente na luta
pela queda do regime, que ocorre no final de 1984. Como aponta Gustavo González,
em depoimento ao autor (GONZÁLEZ, 2015), ao se reestruturar a organização
sindical dos trabalhadores – no então Plenario Intersindical de Trabajadores (PIT) –,
a maioria dirigentes sindicais eram cooperativistas de moradia. Nesse sentido, ele
afirma que “la resistencia a la dictadura [...] nace en las cooperativas de vivienda y no
es casualidad que cuando se reconstruye PIT – en dictadura era PIT y después PIT-
CNT – de siete dirigentes del PIT cinco eran cooperativistas de vivienda” (GONZÁLEZ,
2015).
Portanto, apesar do rebaixamento dos horizontes de concretização de
cooperativas de moradia – seu objetivo imediato –, dado o fechamento das fontes de
financiamento estatal, FUCVAM conseguiu se reinventar politicamente ao se colocar
na linha de frente da resistência à ditadura militar uruguaia. Com o cenário da
32 Pensa-se essa reinvenção política de FUCVAM a partir do próprio conceito de política em Hannah Arendt. Pois, “como a ação é a atividade política por excelência, a natalidade, e não a mortalidade, pode constituir a categoria central do pensamento político” (ARENDT, 2007, p. 16). Desse modo, “o fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável” (ARENDT, 2007, p. 190).
69
redemocratização, em meados dos anos 1980, a entidade conforma-se em um
movimento social de envergadura na sociedade civil uruguaia, apesar da persistência
na ausência de suporte estatal ao sistema cooperativo de moradia.
2.1.4 Redemocratização e políticas neoliberais
Um dos principais legados do regime militar para o povo uruguaio foi a
introdução e desenvolvimento de políticas econômicas neoliberais no país (YAFFÉ,
2009). Com o fim da ditadura em 1984, nos governos nacionais que se seguiram após
a redemocratização o receituário neoliberal não deixou de ser seguido e o crescimento
econômico não foi retomado. A recessão marcou o ritmo da economia e um novo
Uruguai se apresentou como cenário para a produção cooperativa de moradia.
Montevidéu, nesse contexto, passa por um processo de “destituição cidadã” que a
transforma de uma “cidade integrada” a uma “cidade segmentada”, segundo Filgueira
e Errandonea (2014, p. 19).
O fim da ditadura militar também não significou a retomada dos investimentos
do governo nacional no sistema cooperativista de moradia33. O que se observa,
adentrando os anos 1990, é o acanhado volume de recursos públicos disponibilizados,
que se traduziu no escasso número de obras iniciadas por cooperativas nesse
período, conforme se verifica no gráfico a seguir. Além disso, houve a focalização dos
empréstimos e a concessão dos financiamentos habitacionais segundo os níveis de
rendimento familiar, com a estipulação de um patamar mínimo de renda para se entrar
no sistema (MACHADO, 2002).
33 Apesar das medidas pactuadas entre partidos políticos e movimentos sociais e sindicatos, na virada da ditadura para a redemocratização, o governo eleito em 1984 não cumpriu as medidas para o setor (FONT, 1995).
70
Figura 7 – Número de obras de cooperativas de moradia, por ano de início (Uruguai, 1985 – 1999)
Fonte: INE – Censo de Cooperativas y Sociedades de Fomento Rural (2009) e Agencia Nacional de
Vivienda (2016) apud Machado (2016, p. 37).
Uma emblemática medida adotada no período é a alteração da Lei Nacional de
Moradia, com o rebaixamento nos patamares aceitáveis de moradia adequada. A
modificação na Lei se fez para permitir a construção dos Núcleos Básicos Evolutivos,
habitações de pequena metragem para posterior ampliação dos moradores, sob
construção de empresas privadas34. O sistema cooperativo também tentou politizar o
rebaixamento dos níveis de habitabilidade proporcionado pelos Núcleos Básicos
Evolutivos. Nessa perspectiva é que se produziram novas obras cooperativas com o
mesmo valor disponibilizado para os tais Núcleos, alcançando-se uma qualidade
construtiva superior (ALONSO; SARACHU; VALLÉS, 2016).
Outra medida emblemática adotada foi o sistema de franjas, instituído por uma
regulamentação de 1993. O foco do subsídio aos empréstimos direcionou-se para as
unidades habitacionais, sendo concedido para o financiamento como um todo e não
ao núcleo familiar nos momentos em que necessitasse de atendimento. Os sócios de
cada cooperativa eram classificados conforme seus rendimentos, sendo que cada
unidade cooperativa poderia construir um determinado padrão habitacional segundo
o nível médio de rendimento familiar.
De acordo com Alonso, Sarachu e Vallés (2016, p. 16), nesse sistema “el
financiamiento era diferente según los ingresos de los cooperativistas. Se distinguían
seis franjas de ingreso, que tenían el mismo subsidio de capital [...], pero los
34 Nesse período também é criado o Ministerio de Vivienda, Ordenamento Territorial y Medio Ambiente (MVOTMA), sendo que a DINAVI passou a ser uma diretoria do Ministério (MAGRI, 2010).
-3
- 2
8 7 8 9 6
16
33
18 15
21
12
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
71
préstamos eran diferentes, ajustándose a la capacidad de devolución de cada grupo”.
Dessa maneira disponibilizavam-se valores de financiamento menores para as
cooperativas compostas por sócios de baixa renda e valores maiores para
cooperativas com ingressos médios maiores. Isso levava a construção de padrões
construtivos piores para as cooperativas formadas por trabalhadores com renda
diminuta, justamente em um período de crise econômica no país.
***
Com a reabertura democrática e o contexto neoliberal, FUCVAM novamente
reinventa sua ação política. Basicamente destacam-se três linhas pela qual atuará a
organização adentrando os anos 1990.
A primeira é a luta pela terra. No final da década de 1980, a entidade contava
com diversas cooperativas que se formaram após a abertura democrática, a partir de
grupos que se entusiasmaram com a luta da entidade, mas que não conseguiam
concretizar a proposta da moradia cooperativa. Segundo González (2013, p. 111), “fue
así que iniciada la democracia, FUCVAM contaba con más de setenta grupos nuevos
nacidos mayoritariamente del rebrote del nuevo movimiento sindical”. O governo pós-
ditadura, do colorado Julio María Sanguinetti, não retomou a concessão de novas
personalidades jurídicas às cooperativas de moradia, descumprindo o pacto
estabelecido na mesa interssetorial de movimentos sociais e partidos políticos na
transição ao final da ditadura. Promoveu, ademais, novas ofensivas contra a figura da
propriedade coletiva.
Concomitantemente a isso, já no final dos anos 1980 começou a ocorrer uma
escalada de despejos em Montevidéu. Entre 1986 e 1989 foram quase trinta e cinco
mil na capital uruguaia (GONZÁLEZ; ALAGGIA, 2004). Exemplo marcante disso foram
os desalojamentos de diversas famílias de hotéis abandonados na Ciudad Vieja,
centro histórico.
Diante dessa conjuntura, FUCVAM percebeu que a questão da terra era uma
estratégia nevrálgica a ser levada à discussão pública, não bastando só a retomada
72
dos financiamentos e da concessão das figuras jurídicas para as cooperativas. A
entidade constatou, segundo González (2013, p. 120), que para que o modelo de
cooperativismo de moradia se desenvolva é necessário “que se cumpla la cadena de
personería, tierra, financiamiento para construir y asesoramiento técnico. El éxito del
modelo solo se construye si estos cuatro elementos están articulados”.
Buscou-se, desse modo, reunir aqueles grupos que haviam se dissolvido pela
falta de perspectivas de financiamento – de setenta restavam nove em 1989 –
constituindo-se uma comissão específica para as cooperativas em formação. Dentro
desse grupo emergiu, entre debates durante os meses de maio a julho de 1989, a
proposta de ocupação de terras enquanto uma forma de luta política (GONZÁLEZ;
ALAGGIA, 2004).
Deve-se frisar que FUCVAM detinha em sua trajetória um histórico de
experiências em ocupação de terras urbanas, como algumas realizadas nos anos
197035. Assim é que novamente a luta política da entidade se reinventa e, no final de
1989, iniciam-se as ocupações de terras por diversas cooperativas em formação36.
Apesar das dificuldades de negociação com o governo nacional, a estratégia
de acesso à terra se concretizou a partir da eleição do partido Frente Amplio para a
Intendência de Montevidéu, em 1989. Desde então a Intendência começou a
estruturar uma carteira de terras para os projetos de cooperativas de moradia, a qual
é instituída em setembro de 1990 pelo decreto 24.654 (MENDIVE, 2013)37.
35 Como em 1971 na região de Cerro Norte em Montevidéu, onde ocorrem as “primeras ocupaciones comunitarias en reivindicación de tierras y préstamos para construir” (FONT, 1995, p. 7). 36 Como resultado desse processo, pode-se identificar que FUCVAM amplia seu raio de ação e passa a discutir o tema da reforma urbana. Assim, de acordo com González (2013, p. 133), será com a luta pela terra urbana que FUCVAM começa “a hablar de reforma urbana, de ciudad democrática, en definitiva se amplía la visión del movimiento mucho más allá de la vivienda”. 37 Mendive (2013, p. 11) explica que “la adjudicación de los terrenos a cooperativas se ha realizado a través de convenios entre la Intendencia y las dos federaciones de cooperativas, FUCVAM y FECOVI. Los terrenos son ofrecidos a las federaciones, quienes deciden, en función de un procedimiento aprobado por la Intendencia, a que cooperativa, dentro de sus afiliadas, asignan el predio”.
73
Figura 8 – Prédio destinado à carteira de terras da Intendência de Montevidéu (Montevidéu, 2016)
Fonte: acervo do autor.
A segunda linha de atuação de FUCVAM que se destaca nesse período é a
que se realiza com os trabalhadores de baixa renda. O modelo neoliberal adotado no
Uruguai trouxe uma intensa reconfiguração no mundo do trabalho, marcado pelo
trabalho flexível e de baixo rendimento (FILGUEIRA; ERRANDONEA, 2014).
Conformava-se, assim, uma base de trabalhadores com a qual FUCVAM nunca havia
atuado, o que instala um debate dentro da entidade, sobre se deveria se trabalhar
com esse setor no sistema cooperativo de moradia.
Em meio a um intenso debate, a entidade decidiu por atuar com esse grupo,
criando a Comisión de Vivienda Alternativa e apoiando um primeiro projeto piloto, o
qual geraria a cooperativa COVIITU 78, com desalojados da Ciudad Vieja. Desse
modo, segundo González (2013, p. 140), nesses projetos “ya no serán trabajadores
organizados desde sus sindicatos ni tendrán trabajo ni salario estable y seguro. Serán
sectores empobrecidos producto de la crisis”.
A partir da COVIITU 78 surgiram diversos outros grupos com esse mesmo
perfil. Como característica, de acordo com Filippini (2008), estes tem uma
inconstância no cumprimento dos compromissos de horas de ajuda mútua e
dificuldades para trabalhar organizadamente em grupos e com pessoal contratado.
74
Assim, “si bien la emergencia surge por la falta de vivienda, existe otra urgencia
anterior y más fuerte, que actúa como una condicionante de cualquier solución de ésta
y otras problemáticas sociales” (FILIPPINI, 2008, p. 37). Ou seja, a urgência por
trabalho, que repõe o projeto cooperativo a um segundo plano.
A terceira linha de ação adotada por FUCVAM, no pós-ditadura, foi a promoção
de cooperativas para a reabilitação de habitação na área central de Montevidéu.
Segundo Vallés (2008), a Intendência de Montevidéu eleita em 1990 começou a
promover programas pilotos que procuravam estender a experiência das cooperativas
de moradia por ajuda mútua para as operações de reabilitação de moradias na área
central da cidade38.
Assim é que foram desenvolvidas quatro experiências piloto na primeira metade
da década de 1990. Tais forma o programa “Mujefa”, integrado por mulheres chefes
de família, em uma propriedade adquirida pela Intendência de Montevidéu, o
programa “Las Bóvedas”, em um prédio histórico desenvolvido pela cooperativa
COVICIVI, o programa “Pretyl”, sob responsabilidade da associação civil de mesmo
nome e o programa “Goes”, a cargo da cooperativa COVIGOES I. A partir dessas
experiências pioneiras diversas outras são, nos anos seguintes, desenvolvidas na
área central de Montevidéu39.
Desde tais linhas de ação impetradas por FUCVAM no Uruguai neoliberal da
década de 1990, verifica-se como a entidade novamente se reinventa politicamente,
em meio ao cenário de crise social que toma o país. Apesar do recrudescimento desta,
abre-se a possiblidade de um novo cenário político no governo nacional que se elege
após a virada da década do novo século. Como resume Nahoum (2010), sobre o
sistema cooperativo de moradia nesse período, “de más del 50% de los préstamos
38 Couriel e Menéndez (2014, p. 46 e 47) comentam que, desde 1986, havia uma articulação entre a Intendência de Montevidéu – com disposições regulamentárias – e o Banco Hipotecário do Uruguai – com linhas de crédito – visando à promoção de reciclagem do estoque construtivo histórico da cidade. 39 O depoimento de um membro fundador de COVICIVI explica um pouco do surgimento da experiência de reciclagem de um prédio histórico em área central naquele início dos anos 1990. Segundo ele, “la consigna que tenía la cooperativa es por el derecho de los vecinos de vivir en su barrio. La gran cantidad de los fundadores vivíamos en la Ciudad Vieja, entonces queríamos seguir viviendo en la Ciudad Vieja. [...] ¿Entonces, en aquel momento, qué decidimos? [...] Dijimos: ‘bueno, no nos dan nada, los ocupamos el espacio’”. Assim é que o grupo realiza um levantamento de prédios ociosos no centro histórico de Montevidéu e – segue o depoimento – “a los dos días antes de que ocupáramos el espacio, la Intendencia nos dice: no, no ocupen que les vamos a dar un predio. [...] Y a la semana, más o menos, ahí nos ofrecen esto” (Sócio A, COVICIVI, AM2)D.
75
tramitados en 1973 y 1974 (cinco mil viviendas o más), se pasó a cero en 1987, menos
de 700 en 1998-2001 y menos de 400 en el cuatrienio siguiente, hasta 2005”
(NAHOUM, 2010, p. 14).
2.1.5 Período contemporâneo
Depois da abertura democrática, o Uruguai testemunhara o regime neoliberal
se aprofundar e a perder de vista os bons momentos em sua economia. A crise desse
período tem seu ápice no ano de 2002, com a quebra bancária do país. Como aponta
Moreira (2007, p. 16), há “una primera fase recesiva, correspondiente al período 1999-
2001, una agudización de esta fase en el año 2002, y la tercera fase, que corresponde
a la crisis bancaria que es, a menudo, identificada con la crisis en su conjunto”.
Nahoum (2010, p. 13) assim elenca os elementos da crise com que se deparou o novo
governo nacional em 2005: entre 2001 e 2003 brutal queda do salário real em 26%,
duplicação da população em condição de pobreza e triplicação na condição de
indigência, queda do PIB em 10% no ano 2000, seguido de mais quatro anos de
quedas consecutivas, desocupação empregatícia de quase 17% da população, além
do aumento vertiginoso da inflação, de 4% em 2001 para 20% em 2003.
Toda a história do Poder Executivo uruguaio foi atravessada pelo bipartidarismo
colorado-blanco, com amplo predomínio do primeiro. Porém, com a eleição do partido
Frente Amplo para a Intendência de Montevidéu em 1990, abriu-se a perspectiva de
quebra desse predomínio no âmbito do governo nacional40. Apesar de ir para o
segundo turno na eleição de 199941, somente em 2004 o partido angariou 50,4% dos
votos válidos, elegendo em primeiro turno Tabaré Vázquez, e colocando-se como o
terceiro partido a chegar ao governo nacional. O governo do Frente Amplio trazia,
então, a perspectiva de mudança no cenário político uruguaio, ao constituir-se de
40 Como aponta Moreira (2000, p. 24), “o Frente Ampla surge em 1971 como uma coalizão de grupos e partidos de esquerda para disputar as eleições nacionais daquele ano”. Assim, “a crise dos anos 60, o surgimento da guerrilha e a derrubada do modelo industrialista caminharam junto com o surgimento de um terceiro ator: a Frente Ampla” (MOREIRA, 2000, p. 31). 41 Chavez (2005) atenta para a manobra de contenção dos Partidos Colorado e Nacional contra o crescimento eleitoral do Frente Amplia. Como nunca ocorrera na história do Uruguai, os partidos selaram uma aliança para o segundo turno nas eleições de 1999.
76
forças de esquerda sem a coligação com grupos de direita, diferentemente de outros
contextos na América Latina, onde nesse mesmo momento diversos governos de
esquerda eram eleitos (CHAVEZ, 2005, p. 181).
Com os dois governos do Frente Amplo a partir de 2005 (Tabaré até 2009 e
José Mujica entre 2010 e 2014), observa-se dois períodos distintos quanto ao
tratamento do sistema cooperativo de moradia. O primeiro de reorganização
institucional e, o segundo, de aporte de recursos financeiros. O governo de Tabaré
Vázquez concentrou-se em mudanças institucionais no setor, disponibilizando um
pequeno volume de recursos orçamentários para a política habitacional. Segundo
Magri (2010, p. 69), “para el gobierno del Dr. Tabaré Vázquez la provisión de vivienda
no fue un objetivo principal en su agenda política, aunque su gestión dada la crisis del
sector asumió el saneamiento institucional del BHU y la reforma del área en general”.
Nessa perspectiva, de acordo com Nahoum (2010, p. 15), a administração tomou a
decisão de que os investimentos habitacionais não seriam uma prioridade, devendo
dedicar-se à reconstrução do aparato institucional do setor.
Institucionalmente, o governo reforçou o papel do Ministerio de Vivienda,
Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente (MVOTMA) como coordenador da política
habitacional e redefiniu o papel do Banco Hipotecario del Uruguay, com a criação da
Agencia Nacional de Vivienda (ANV) (NAHOUM, 2010)42. Assim, a ANV transformou-
se no centro executivo da política habitacional uruguaia, conformando-se no órgão
“que concentra la decisión y gestión operativa de los recursos institucionales y la
gestión de deudores asumiendo un rol principal en materia de planificación y ejecución
de planes de acceso a la vivienda” (MAGRI, 2010, p. 72).
Um conjunto de novas regulamentações também foi aprovado, reconfigurando
os mecanismos operativos do sistema cooperativo de moradia. Dentre as medidas
adotadas destacam-se a eliminação do rendimento mínimo para participação no
sistema cooperativo, a criação de um sistema de subsídios diferenciais conforme o
rendimento familiar (no lugar do subsídio à unidade habitacional), a aprovação de
novas normas construtivas, o abandono dos Núcleos Básicos Evolutivos e a criação
42 De acordo com Magri (2010, p. 71), “la ANV fue diseñada por un programa financiado por el PNUD y fue propuesta como proyecto de ley desde el ejecutivo nacional”.
77
da Cartera de Inmuebles para Vivienda de Interés Social (CIVIS), pelo governo
nacional, nos moldes da experiência da Intendência de Montevidéu43.
Com a administração de Pepe Mujica (2011-2015) e a continuidade do Frente
Amplio no Executivo nacional, as mudanças no cooperativismo de moradia foram
implementadas com a disponibilização de recursos orçamentários. Iniciou-se a
realização de sorteios semestrais (previstos em regulamentação de 200844), nos quais
os projetos – quando tecnicamente aprovados – não podem passar por mais de quatro
sorteios para serem contemplados. Ou seja, há a perspectiva de que, quando
aprovado tecnicamente o projeto, a cooperativa de moradia esperará no máximo dois
anos (se não for contemplada em três sorteios) para ter o financiamento do governo
nacional. Desse modo, o gráfico a seguir mostra como houve um aumento no número
de obras por cooperativas de moradia a partir desse período.
Figura 9 – Número de obras de cooperativas de moradia, por ano de início (Uruguai, 2000 – 2015)
Fonte: INE – Censo de Cooperativas y Sociedades de Fomento Rural (2009) e Agencia Nacional de
Vivienda (2016) apud Machado (2016, p. 37).
Portanto, observa-se no período contemporâneo a modificação na
regulamentação, com aporte de recursos e diminuição no tempo de acesso das
cooperativas de moradia ao financiamento estatal. Os dados de balanço do governo
43 A carteira de terras do Governo Nacional, porém, parece não ter angariado a disponibilidade que se pretendia, como mostra Mendive (2013, p. 20) ao comentar que, “sin embargo, de acuerdo al trabajo realizado durante los dos últimos años en la DINAVI, se constata que de los terrenos analizados a octubre del 2012, que suman 270 hectáreas, tan sólo 16 hectáreas son hoy aptas para los programas de la CIVIS, casi el 6%”. 44 Regulamento do MVOTMA aprovado pela Resolução Ministerial 540 de 2009, que estabelece as condições e os procedimentos para obtenção dos empréstimos e subsídios para as cooperativas, através de dois chamados anuais. Estes chamados são publicizados com um ano de antecipação, indicando a quantidade de moradias a se financiar e o valor máximo da unidade habitacional segundo o número de dormitórios.
6 13 12 15 18 20
10 9 5 10
29
46 35
49 46
64
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
78
nacional para o Plano Quinquenal de 2010 a 2014 (DIRECCIÓN NACIONAL DE
VIVIENDA - DINAVI, 2015), indica que foram outorgados empréstimos para 305
cooperativas, visando à construção de 9.913 moradias45. O programa de apoio às
cooperativas correspondia, no Plano de Reabilitação e Consolidação Urbano-
Habitacional, a quase 29% das unidades terminadas no período 2010-2014, sendo
48% das unidades em execução, ou seja, 37,5% do total. Assim, seguido o período
de escassez de investimentos iniciado com a ditadura, após o período neoliberal o
sistema recentemente passa por uma nova fase com maiores possibilidades de
acesso a financiamento e apoio estatal.
45 Para se ter uma ideia de grandeza desse volume da produção uruguaia por cooperativas de moradia, no Brasil o programa similar de apoio à produção social do habitat (Minha Casa Minha Vida – Entidades) havia contratado entre 2009 e 2014 o volume de 52.912 unidades, segundo dados de janeiro de 2015 do agente operador do programa, a Caixa Econômica Federal (BURGUIERE; GHILARDI; HUGUENIN; KOKUDAI; SILVA, 2016, p. 19). O programa brasileiro contratou 5,3 vezes o volume uruguaio, porém sua população é quase 60 vezes maior que o país vizinho.
79
2.2 Autogestão habitacional na metrópole do Rio de Janeiro
A partir da década de 1980 constituiu-se, na região metropolitana do Rio de
Janeiro, um conjunto de experiências de organização de coletivos que propuseram a
produção de moradias e do ambiente urbano por meio de processos que contavam
com a própria gestão de todo o processo construtivo. Após o período de iniciativas
embrionárias em uma favela da região suburbana da cidade do Rio de Janeiro,
experiências nessa perspectiva foram desenvolvidas adotando como referência direta
a inspiração no sistema uruguaio de cooperativas de moradia. Tal referência centrou-
se na modalidade da ajuda mútua sob o regime de propriedade coletiva.
Foi na virada para a segunda metade dos anos 1980 que a favela de Nova
Holanda (no Complexo da Maré) se constituiu no território onde emergiram iniciativas
para a organização de novas práticas de autoconstrução de moradias locais. Sendo
marcante a precariedade das condições habitacionais de boa parte da favela,
mudanças na diretoria da associação de moradores local trouxe a perspectiva de
conformação de uma cooperativa de construção, a qual passou a ofertar serviços da
construção civil.
A cooperativa, nesse processo, foi assessorada por um núcleo de técnicos
ligados a uma universidade local e, ao final da década, conseguiu promover a
construção de um conjunto de moradias na própria favela. Tratava-se de uma
experiência inovadora para o panorama da região, como aponta o texto de época
escrito pelo presidente da cooperativa e o arquiteto assessor, ressaltando que “é a
primeira vez que temos notícia de que ocorre o repasse concreto de recursos do poder
público para uma comunidade numa experiência habitacional no Rio de Janeiro”
(SOUZA; CORRÊA, 1993, p. 164).
Após essa experiência pioneira, a cooperativa acabou se dissolvendo. Os
assessores do grupo ligado à universidade, no entanto, começaram a atuar em uma
organização não-governamental (ONG), que ao final da década anterior fora fundada
por técnicos que atuavam junto à Pastoral de Favelas do Rio de Janeiro. A ONG, com
os novos integrantes, começou a estruturar um programa de apoio a iniciativas
80
similares ao que fora experimentado em Nova Holanda, tomando então como
referência o sistema uruguaio de cooperativas de moradia.
Desse modo é que, no começo da década de 1990, a organização iniciou um
programa de intercâmbio com experiências de produção social do habitat, que
primeiramente passou por São Paulo e depois foi desembocar em Montevidéu, no
Uruguai. A partir de então configura-se, por meio dessa ONG, um conjunto de projetos
em torno do que se concebe como “autogestão habitacional” – denominação que se
adotará para diferenciar esse conjunto de experiências em relação ao cooperativismo
de moradia no Uruguai, salientando-se, dessa forma, algumas distinções entre ambos
–, sobre a qual busca-se reconstituir os principais elementos constitutivos nas
próximas páginas.
2.2.1 Primeiras iniciativas em Nova Holanda
No final da década de 1980 a comunidade da Nova Holanda passou por um
processo de mudança política interna, que culminou na renovação da direção de sua
Associação de Moradores e na promoção de novos projetos visando à alteração na
lógica de provimento de serviços urbanos, de modo a melhorar as precárias condições
de vida local. Um dos projetos desenvolvidos atendeu às questões de habitabilidade
e de geração de renda, por meio da constituição de uma cooperativa mista.
Para se situar geograficamente, a comunidade Nova Holanda está localizada
no conjunto de favelas conhecido como Complexo da Maré, na cidade do Rio de
Janeiro. O Complexo abrange mais de vinte favelas e se formou na zona suburbana
da cidade entre a Linha Vermelha e a Avenida Brasil. Segundo dados do começo da
década de 1990, o Complexo da Maré tinha uma população de cento e noventa e seis
mil habitantes, sendo quinze mil deles em Nova Holanda (SOUZA; CORRÊA, 1993,
p. 155).
O surgimento de Nova Holanda está relacionado às ações do poder público, na
década de 1960, para a promoção da erradicação de favelas no Rio de Janeiro
(CARDOSO; ARAUJO, 2007). Construído enquanto um Centro de Habitação
81
Provisória (CHP), criado pelo governador Carlos Lacerda, abrigou moradores
removidos de diversas favelas das zonas sul e norte da cidade (NÓBREGA JÚNIOR,
BELFORT; RIBEIRO, 2012, p. 83).
O nome Nova Holanda tem origem, segundo depoimento de Ernani Alcides
Alexandre da Conceição – o “Ernani da Maré”, um ex-seminarista ligado à teologia da
libertação que nos anos 1980 foi morar na Maré e participou da criação da Associação
de Moradores de Nova Holanda –, a partir da visita que Carlos Lacerda realizara à
Holanda no mesmo período em que o CHP fora criado. De acordo com depoimento
de Ernani, “as casas eram todas de madeira e se pareciam com as casas de madeira
da Holanda [...]. Dizem que o então governador Carlos Lacerda estava em viagem à
Holanda e inspirou-se lá para dar esse nome” (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2003, p.
115).
As transferências de moradores das favelas removidas para esse CHP
ocorreram entre os anos de 1962 e 197146. Apesar do fornecimento de toda a
infraestrutura básica para as habitações construídas pelo governo, conforme o
Complexo da Maré crescia e diversas favelas sem infraestrutura formavam-se ao lado
de Nova Holanda, as condições de habitabilidade se precarizavam. Além do mais, de
um centro de habitação provisória o local, com o tempo, foi se tornando território de
residência definitiva.
O governo também mantinha uma forte influência sobre as condições de
organização política, com o controle da associação de moradores pela Fundação Leão
XIII47, órgão do governo estadual. Entre o final de 1970 e início da década de 1980,
porém, há um processo de mudança na dinâmica política de Nova Holanda, com a
promoção de diversas lutas por melhorias urbanas. Segundo Nóbrega Júnior, Belfort
e Ribeiro (2012, p. 90), as precárias condições de vida no local, dada “a ausência de
46 Segundo Nóbrega Júnior, Belfort e Ribeiro (2012, p. 84) vieram moradores das favelas do Esqueleto, Morro da Formiga, Morro do Querosene, Praia do Pinto e Macedo Sobrinho, além de alguns, em menor número, de favelas da zona norte. 47 A Fundação Leão XIII foi criada em 1946, a partir da articulação entre a Prefeitura do Distrito Federal, a Ação Social Arquidiocesana e a Fundação Cristo Redentor, com a finalidade, conforme seu estatuto, “de prestar assistência moral, material e religiosa aos habitantes dos morros e favelas do Rio de Janeiro”. Segundo Burgos (2006), em seu surgimento enquanto entidade vinculada à Igreja, “tinha por finalidade principal oferecer uma alternativa à pedagogia populista estado-novista” (BURGOS, 2006, p. 29). Em 1963, porém, passa a ser uma autarquia do estado, tendo a prerrogativa de reconhecimento oficial das associações de moradores e a função de fiscalizar as eleições de suas diretorias (BURGOS, 2006, p. 32).
82
esgoto sanitário, água potável, escolas e postos de saúde e a insegurança quanto à
propriedade das casas devido ao permanente fantasma da remoção” e os conflitos
com a política de coerção exercida pela Fundação Leão XIII, levaram à reorganização
dos moradores. Essas iniciativas constituíram-se na construção do posto de saúde,
creche e escola comunitária, a criação do grupo jovem da Igreja Católica e a
participação crítica no projeto Pró-Morar promovido pela ditadura miliar48 (SOUZA;
CORRÊA, 1993 e NÓBREGA JÚNIOR; BELFORT; RIBEIRO, 2012).
Assim é que no ano de 1984 ocorreu a eleição para a associação de moradores
de Nova Holanda e foi eleita a chapa de oposição àquela controlada pela Fundação
Leão XIII. Assumiu a direção a primeira mulher presidente de uma associação de
moradores de favelas no Rio de Janeiro, Eliana Souza Silva. Nas palavras de Nóbrega
Júnior, Belfort e Ribeiro (2012, p. 98), “nessa nova direção firmava-se uma concepção
de movimento combativo, crítico ao Estado e agressivo em relação às políticas
clientelistas, o que distinguia a Nova Holanda no cenário do movimento popular do
Rio de Janeiro”. Novas formas de gestão foram encampadas, com a mobilização em
reuniões de rua que chegavam a contar com quinhentas pessoas e ações coletivas
de impacto como atos públicos que fechavam a Avenida Brasil.
Uma iniciativa emblemática desenvolvida pela nova direção envolveu o trabalho
com as precárias condições de moradia de alguns setores desse território. Focando
cerca de duzentos e vinte barracos, em uma das localidades mais pobres de Nova
Holanda, a associação propôs uma forma coletiva de utilização de recursos públicos
recebidos do programa Fala Favela, durante o governo Sarney (1985 – 1990), para a
compra de materiais-de-construção (que eram disponibilizados para a aquisição
individual pelas famílias contempladas). Em outubro de 1988 foi então fundada a
Cooperativa Mista e de Consumo dos Moradores de Nova Holanda (COOPAMNH)49,
48 De acordo com Burgos (2006, p. 56), o estado do Rio de Janeiro foi escolhido como o primeiro a ser palco do programa executado pelo Promorar em seis favelas da Maré, próximas ao aeroporto internacional. De acordo com Nóbrega Júnior, Belfort e Ribeiro (2012, p. 94), “a crítica à postura autoritária no encaminhamento do projeto e o desejo de intervir no processo de forma efetiva para evitar, definitivamente, o fantasma da remoção fizeram as lideranças comunitárias locais se organizar e criar a Comissão de Defesa das Favelas da Maré (Codefam) a fim de buscar a interlocução com o governo federal e defender os interesses dos moradores”. 49 De acordo com o depoimento do Ernani da Maré, nessa época ocorria um intercâmbio de lideranças da Maré com o movimento cooperativista na cidade do Rio de Janeiro, incluindo a presença de uruguaios. Como ele testemunha, “fui ao Uruguai financiado pelo Movimento de Justiça e Paz e tive contato com a experiência de cooperativa deles. Depois, voltando ao Rio de Janeiro, descobrimos que
83
passando-se a utilizar, de modo coletivo, o recurso recebido do programa para o
empréstimo àquelas duzentos e vinte famílias visando à melhoria das condições de
moradia.
Segundo informações de Souza e Corrêa (1993), em 1985, das três mil famílias
de Nova Holanda, dois terços já haviam feito melhorias em suas casas, sendo que as
mil famílias restantes moravam ainda em péssimas condições. Como analisam, “em
mais de 15 anos no local, esses moradores não conseguiram, com seus próprios
recursos, transformar seus barracos, muitos deles desabando” (SOUZA; CORRÊA,
1993, p. 158).
Após decisão em assembleia, os recursos do programa Fala Favela foram
utilizados para compor o capital de giro da cooperativa, a qual realizou a compra
coletiva nas lojas conveniadas do programa. No lugar de se utilizar o limitado recurso,
destinado a fundo perdido, sob a forma individual, foram selecionadas as sessenta
moradias em condições mais precárias, cujos residentes receberam o material para
construção das fundações e estruturas (pilares e vigas) de suas casas (SOUZA;
CORRÊA, 1993).
A partir desse projeto inicial, a cooperativa se abriu, de acordo com Souza e
Corrêa (1993, p. 159), “para qualquer morador da Nova Holanda, membro da
Associação de Moradores e em dia com a sua cota-parte (cerca de 2% do salário
mínimo, por mês), como reza o princípio do cooperativismo”. A COOPMAHN passou
então a funcionar como uma cooperativa de consumo. Comprava o material no
atacado – conseguindo melhor preço do que a compra isolada pelos seus sócios –,
acrescido de um percentual para cobrir as despesas administrativas. Em quatro anos
de existência, o balanço foi de que seiscentas e vinte famílias retiraram material de
construção na cooperativa, realizando reformas ou ampliações, algumas até com a
reconstrução total das residências (SOUZA; CORRÊA, 1993).
Porém, segundo Nóbrega Júnior, Belfort e Ribeiro (2012), a cooperativa viu que
não poderia perdurar por muito tempo o projeto de venda de material de construção a
preço subsidiado. Como explicam, “os preços conseguidos com os fornecedores não
havia um pessoal do Uruguai aqui, fazendo cooperativas. Fomos à Associação de Cooperativas do Rio de Janeiro e começamos a fazer esse intercâmbio” (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2003, p. 159).
84
permitiam uma margem de lucro que garantisse capital de giro ao reaquecimento da
COOPMANH” (NÓBREGA JÚNIOR; BELFORT; RIBEIRO, 2012, p. 102). Começou-
se, assim, a buscar projetos alternativos que garantissem sua sustentabilidade.
A cooperativa de Nova Holanda, nesse período, era assessorada por um grupo
de técnicos vinculados à Universidade Santa Úrsula, uma instituição de ensino privado
criada em 1939 por uma entidade ligada à igreja católica. Trata-se do grupo
Arquitetura e Comunidade – ARCO, o qual contava com técnicos vinculados à essa
universidade. Segundo Bastos (2013, p. 61), o núcleo “era mantido por recursos da
vice-reitoria comunitária da Universidade Santa Úrsula, na forma de espaço físico,
instalações e carga horária dos envolvidos (que também eram do quadro da
universidade)”. Antes de assessorar Nova Holanda, o núcleo desenvolvia projetos no
campo da urbanização de favelas, produzindo principalmente o desenho de
equipamentos comunitários (BASTOS, 2013, p. 61).
Assessorando a cooperativa, os técnicos formularam um novo projeto, de forma
a promover a sustentabilidade da iniciativa. Foi proposta, então, a implementação de
uma fábrica de materiais-de-construção. O valor da venda dos materiais sustentaria
as atividades da cooperativa e, sendo realizado à baixo custo, poderia alavancar as
melhorias nas condições habitacionais dos moradores da favela (NÓBREGA JÚNIOR;
BELFORT; RIBEIRO, 2012, p. 102). De cooperativa de consumo, a COOPMAHN se
transformava em uma espécie de cooperativa de produção.
Outro projeto desenvolvido nesse período foi a implantação de uma fábrica de
artefatos de concreto. Alavancada com recursos a fundo perdido do programa Prodec
da Caixa Econômica Federal, a fábrica tinha à disposição uma máquina elétrica para
produção de blocos de concreto, trinta e quatro formas e mesa vibratória para
confecção de vigotas de lajes pré-moldadas, betoneira e tanque de imersão para a
cura das vigotas. Segundo Souza e Corrêa (1993, p. 161), no ano de 1991 a produção
foi de cento e cinquenta mil blocos e de setecentos e cinquenta metros quadrados de
laje, suficiente para construção de cento e cinquenta moradias de cinquenta metros
quadrados. Todo o material foi escoado dentro da própria comunidade.
Logo após essa experiência, no início dos anos 1990 a cooperativa ampliou
sua área de atuação e conseguiu se responsabilizar pela construção de quarenta e
85
seis unidades habitacionais que começariam a ser erigidas em Nova Holanda. Os
recursos eram provenientes da Caixa Econômica Federal, banco público federal,
naquele momento sendo executados pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos
– CEDAE, autarquia do governo do estado do Rio de Janeiro. Nesse contrato estava
prevista a reconstrução de duzentos e cinquenta e três barracos sob regime de
empreitada global (na qual o poder público delega a execução de toda obra a uma
empresa contratada) na área mais pobre do bairro, onde se localizavam os chamados
“duplex”50. A cooperativa reivindicou a execução de parte desse projeto, sendo então
atendida e continuando a ser assessorada pelo grupo ARCO (NÓBREGA JÚNIOR;
BELFORT; RIBEIRO, 2012, p. 129 e BASTOS, 2013, p. 60).
A cooperativa executou a construção das quarenta e seis unidades
habitacionais que foram concluídas em junho de 1992. O projeto, porém, sofreu
inúmeros atrasos e interrupções na liberação dos recursos por parte do gestor
governamental. Ao comentar esses atrasos, Souza e Corrêa (1993, p. 163) apontam
que os problemas foram causados por “mudança de governo e diretoria da CEDAE,
dívidas não amortizadas do estado com a União e consequente congelamento das
contas/convênios entre ambos, morosidade burocrática”. Conforme relatam, a
cooperativa nunca havia deixado de pagar os salários semanais à mão-de-obra e,
eventualmente, comprava material para não paralisar a obra. Porém, essa prioridade
acabou por levar a cooperativa a buscar empréstimos com moradores, amigos e no
mercado, os quais se fizeram a juros elevados. Tal situação colocou a cooperativa em
uma problemática situação financeira. Como comentam os mesmos, isso fez por
“repercutir negativamente na saúde financeira das demais atividades da cooperativa”
e “na alteração do custo final da unidade construída” (SOUZA; CORRÊA, 1993, p.
163)51.
Desse modo, apesar das iniciativas inovadoras da COOPMANH, logo depois
da construção das unidades habitacionais sua diretoria acabou se dissolvendo e a
50 De acordo com a descrição de Nóbrega Júnior, Belfort e Ribeiro (2012, p. 86), em Nova Holanda as “habitações eram uniformes e distribuídas em lotes de cinco metros de largura e dez metros de comprimento”. Construídas de madeira – e de forma semelhante, por isso a referência à Holanda – eram de dois modelos, sendo que “uma parte era de casas baixas e outra de dois andares, conhecidas como duplex”. Todas possuíam uma sala, dois quartos, uma cozinha, um banheiro, um quintal e uma varanda. 51 Bastos (2013, p. 62) afirma que “houve a necessidade da inserção de uma empresa de construção civil na cadeia de produção para a finalização da obra”.
86
cooperativa deixou de existir52. Segundo Souza e Corrêa (1993), a cooperativa
contava com dezesseis funcionários, sendo quatro no escritório, cinco no processo de
entrega de materiais e sete na fábrica, além daqueles empregados na construção das
casas.
Já o núcleo ARCO, da Universidade Santa Úrsula, valeu-se da experiência
junto à Nova Holanda para levar à frente propostas de produção cooperativa de
moradias. É a partir desse momento que vai se entrecruzar a trajetória dos assessores
do núcleo Arco com aquela do Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião,
que se formou no final dos anos 1980 com técnicos que atuaram na Pastoral de
Favelas do Rio de Janeiro.
2.2.2 Proposta pioneira do Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião
O Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião foi fundado em
novembro de 1986 no Rio de Janeiro. Enquanto uma organização não-governamental
constituída a partir da defesa de direitos de moradores de favelas, a instituição, no
início da década de 1990, abria um novo campo de atuação na produção cooperativa
de moradias53. Foi assim que quatro de sete técnicos do Núcleo Arco, que
participaram da experiência de assessoramento à COOPMAHN, vão se integrar à
essa ONG (BASTOS, 2013, p. 60).
52 Sobre o fim da cooperativa, Nóbrega Júnior, Belfort e Ribeiro (2012, p. 105) detalham que “houve uma cisão da diretoria por conta de divergências na condução dos processos administrativos internos e, principalmente, porque surgiram grupos que defendiam lógicas antagônicas de funcionamento e da função da instituição. De um lado, um grupo pretendia privilegiar a questão da eficiência em detrimento do processo formativo e de participação popular na gestão da cooperativa; do outro, um grupo via a instituição como mais uma oportunidade para afirmar o processo democrático interno, em que a participação popular na gestão coletiva era mais importante que a eficiência econômica e o lucro”. 53 Bento Rubião foi um advogado militante na defesa de direito de favelados durante a ditadura. O Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião (posteriormente no final dos anos 1990 vindo a se definir enquanto uma Fundação) foi constituído enquanto um centro de defesa de direitos humanos. A partir da atuação de advogados na defesa de remoções de favelas no Rio de Janeiro, no seio da Pastoral de Favelas, formou-se enquanto organização não-governamental referindo-se ao advogado Bento Rubião, que havia atuado emblematicamente nessas atividades e falecido recentemente. Desde então atua com regularização fundiária, defesa de direitos de crianças e adolescentes e com a produção social da moradia.
87
O então Centro54 originou-se a partir das inciativas de técnicos que atuavam
no Setor Jurídico da Pastoral de Favelas do Rio de Janeiro (BRUM, 2005). A Pastoral
iniciou seu trabalho de assessoria às favelas em processo de remoção no final da
década de 1970. O primeiro caso, mais emblemático, foi o apoio dado à favela do
Vidigal, no final de 1977, a partir a possibilidade de remoção para o conjunto Antares,
em Santa Cruz. Com o apoio da Pastoral, obteve-se a contenção do processo.
No ano seguinte foi criado o Serviço de Assistência Jurídica, contando com
operadores de direito para permitir o apoio às favelas sob risco de remoção. Entre os
anos de 1981 e 1986 o projeto foi mantido com recursos da Fundação Ford. Porém,
com o fim desses recursos, os técnicos atuantes criaram o Centro de Defesa de
Direitos Humanos Bento Rubião, adotando o nome do advogado falecido
anteriormente que atuava na Pastoral (BRUM, 2005).
No começo da década de 1990, a entidade, que até então atuava na questão
da regularização fundiária de favelas e na defesa de direitos de crianças e
adolescentes, passa a estruturar um programa direcionado à produção habitacional
sob a forma da autogestão pelos futuros moradores. A iniciativa teve início a partir do
aporte financeiro de uma agência de fomento holandesa55. Como coloca documento
da própria entidade, “em 1992, a partir de um apoio financeiro da agência Novib da
Holanda, forma-se uma equipe interdisciplinar, com arquitetos, agentes sociais e
advogados” (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007).
A entidade, conformada por esses recém integrados técnicos, egressos do
Núcleo Arco, começaram a articular intercâmbios para formar o corpo da proposta de
um programa de autogestão habitacional. Por um lado, ampliam o contato com a
experiência dos “mutirões autogeridos” que se desenvolvia na região metropolitana
de São Paulo desde meados dos anos 1980. Na capital paulista, a partir de 1989 o
governo da prefeita Luiza Erundina desenvolve o programa FUNAPS-Comunitário
54 Em 1996 o Centro viria alterar a configuração de sua pessoa jurídica, vindo a conformar-se enquanto fundação. 55 A Netherlands Organisation for International Assistance (Novib) é uma organização holandesa fundada em 1956 a partir da iniciativa de grupo de padres e pastores, que se propuseram a atuar na cooperação internacional depois de uma grave inundação que assolou o país em 1953, vitimando mais de mil e oitocentas pessoas, a qual recebeu um grande apoio internacional.
88
para apoio à produção autogestionária de moradias por movimentos sociais56. Como
Bastos (2013, p. 56) detalha, esse contato com a experiência de São Paulo já ocorria
desde a atuação dos técnicos no Núcleo Arco, quando em 1989 “dois estudantes de
arquitetura da Universidade Santa Úrsula que possuíam vínculos com o núcleo Arco
realizaram uma viagem a São Paulo, travando contato com Leonardo Pessina”.
O arquiteto Leonardo Pessina havia atuado nas experiências piloto do
cooperativismo uruguaio de moradia da década de 1960 e no começo do sistema até
1975, quando, dada a ditadura militar, exila-se na Europa57. Após o exílio, volta ao
Brasil e, no final da década de 1980, vai atuar na região metropolitana de São Paulo,
junto às experiências dos mutirões autogeridos (BONDUKI, 1992). Inicialmente
Pessina trabalha em projetos na cidade de São Bernardo do Campo58, quando
também “técnicos do núcleo [ARCO] visitam o mutirão da Vila Comunitária de São
Bernardo em São Paulo e conhecem o Funaps-comunitário” (BASTOS, 2013, p. 56).
Como comenta Bonduki (1992, p. 35) sobre o caso paulista dos anos 1980, “a
influência do cooperativismo uruguaio no surgimento de propostas autogestionárias
56 A experiência de produção social de moradia na cidade de São Paulo tem sua origem no início dos anos 1980, com forte influência do cooperativismo habitacional uruguaio. Ela se consolida enquanto política pública no final dos anos 1980, com a eleição da prefeita Luiza Erundina pelo Partido dos Trabalhadores e com o desenvolvimento do programa “Mutirões” com recursos do FUNAPS-Comunitário (um fundo historicamente destinado a políticas de assistência social). Para reconstituição desse longo processo, vide, dentre outros, Baravelli (2006), Bonduki (1992), Lopes (2011) e Muçouçah e Almeida (1991). 57 Como Leonardo Pessina coloca em depoimento ao autor, “eu fui para a Holanda, em 1977. Tive que sair porque deram um golpe na minha organização de esquerda. [...] Eu consegui militar quatro anos sem ser descoberto. [...] Cruzei a fronteira no Chuí, aqui no sul do Brasil, fiquei um tempo em Camboriú com um arquiteto amigo meu que tinha trabalhado em uma das Mesas e já tinha saído também por precaução. Até que o pessoal da minha força política me localizou e me indicaram que eu fosse para São Paulo e de lá para o Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro eu me apresentei no ACNUR [Alto Comissariado da ONU para Refugiados]” (PESSINA, 2015). 58 Após a volta do exílio na Europa, Leonardo Pessina vai residir no Rio de Janeiro, sendo que depois de contato com militantes de São Paulo passa a estruturar uma proposta similar ao cooperativismo uruguaio em São Bernardo do Campo. Como ele comenta em depoimento ao autor, “no Rio eu morei até 1985, três anos no Rio de Janeiro. [...] Aí um colega do INOCOOP conhecia um pessoal de São Bernardo do Campo que estava com uma ideia de mutirão, assim bem no ar. Ele estava trabalhando numa favela grande e tinha um contato com a igreja progressista e mais vinculada com os pobres, da Teologia da Libertação. Uma liderança muito forte que era operário metalúrgico, era do início do PT”. Após esse contato com a liderança de São Bernardo do Campo, Pessina comenta que “na semana seguinte eu estava indo para São Bernardo, para começar a bolar alguma proposta. Eu viajava de ônibus do Rio para São Paulo de noite, ficava dois ou três dias a cada quinze dias e fomos montando a proposta” (PESSINA, 2015). Sobre o surgimento das experiências dos mutirões autogestionários em São Bernardo do Campo, vide Vaz (2000).
89
na luta por moradia foi enorme”59. Assim é que, no início dos anos 1990, os técnicos
do Centro Bento Rubião foram à própria fonte de inspiração do caso paulistano, o
Uruguai. Valendo-se de recursos de cooperação internacional, por meio do programa
FICONG60, inicia-se o contato com o Centro Cooperativista Uruguayo (CCU) e a
Federación Uruguaya de Cooperativas de Viviendas por Ayuda Mutua (FUCVAM)
visando aprofundar o conhecimento sobre o sistema daquele país.
Já no início da configuração da iniciativa da ONG, conformam-se os grupos
iniciais que se interessam no desenvolvimento da proposta. Dessa maneira é que “se
articulam três grupos em demanda por moradia, dando-se início à formulação da
metodologia de intervenção e da busca de parcerias” (FUNDAÇÃO DE DIREITOS
HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007). Os três grupos se organizam em três localidades
da cidade do Rio de Janeiro, quais sejam, Shangri-lá em Jacarepaguá, Colmeia em
Campo Grande e Pixuna na Ilha do Governador.
Foi assim que no ano de 1993 ocorreu o programa de intercâmbio com as
instituições do Uruguai. Participaram os técnicos da ONG, os representantes dos
grupos assessorados e um representante da Prefeitura, com a qual se negociava um
apoio para a constituição de um programa público à época. Segundo documento da
entidade sobre essa visita, esse grupo “passou uma semana em oficina com
representantes e técnicos do CCU e da FUCVAM, bem como em visita a cooperativas
consolidadas e em construção” (FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO, 2007: 27). Logo em
seguida, representantes uruguaios vieram ao Rio de Janeiro. Assim, “meses depois,
uma segunda etapa do intercâmbio se deu a partir da presença de uma delegação
uruguaia no Rio de Janeiro, adotando-se formato e agenda semelhante à missão
realizada em Montevidéu” (FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO, 2007: 27).
Inicia-se, desse modo, a incorporação da referência uruguaia nos projetos do
Rio de Janeiro, sendo diversas perspectivas adotadas, conforme se desenvolverá nos
próximos anos de concretização das experiências. Como aponta o próprio documento,
“o modelo de intervenção formulado em sequência nasceu, portanto, sob forte
59 Não caberia nesta tese realizar uma análise da influência uruguaia no caso paulistano. Toma-se somente a referência para a compreensão do caminho empreendido pela constituição da referência do Rio de Janeiro ao Uruguai. 60 No caso, o programa Políticas e Projetos Destinados à Redução da Pobreza Urbana na América Latina / Programa de Fortalecimento Institucional e Capacitação de Organizações Não Governamentais.
90
influência da experiência uruguaia, sendo adaptado à realidade brasileira ao longo
dos anos” (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007, p. 17).
O Centro também já havia procurado estabelecer parceria com o poder público
para apoiar os três projetos que iam se definindo com os grupos que se formaram.
Promoveu-se, inicialmente, uma primeira tratativa junto ao governo federal de então,
a qual se mostrou infrutífera. Passou-se, a partir daí, a uma negociação com a
prefeitura do Rio de Janeiro. Como resume um comentário de documento da entidade,
“após uma primeira tentativa junto ao governo federal de então, que formulava um
novo programa habitacional, abandonado em seguida, buscou-se o envolvimento da
Prefeitura do Rio de Janeiro, que acabara de criar uma Secretaria de Habitação”
(FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007, p. 27).
As conversas começaram a ser realizadas com a equipe da Secretaria de
Urbanismo do prefeito eleito em 1993, César Maia, cuja pasta era titular o arquiteto
Luis Paulo Conde. Constituindo um novo modelo de intervenção urbana baseado no
planejamento estratégico (SARTOR, 2000 e RIBEIRO, 2009), junto à secretaria de
Urbanismo se organizava um conjunto de intervenções urbanas na cidade, sendo
então negociado a estruturação de um programa da Prefeitura em apoio à iniciativa
do Centro Bento Rubião. Bastos (2013) afirma que, nesse ano de 1993, formou-se
“um grupo que envolvia o Centro de Defesa, representantes dos três grupos de luta
por moradia e técnicos da prefeitura, na consolidação desse modelo de intervenção
que seria materializado a partir das três experiências piloto” (BASTOS, 2013, p. 67).
A tentativa de angariar suporte da Prefeitura do Rio de Janeiro se realizou por
meio da Secretaria de Habitação, que se constituiu em 1994. A participação de
técnicos e gestores da Prefeitura no intercâmbio com o Uruguai, no grupo de trabalho
e nas negociações para a instituição do programa, porém, não constituíram um
programa de apoio da Prefeitura. Os aportes desta foram pontuais aos projetos. Como
aponta documento da entidade,
após mais de um ano de negociações, com o projeto já quase aprovado em sua globalidade (através da disponibilização de terrenos, da implantação de infraestrutura e da concessão de financiamento para construção das moradias), houve um recuo da participação municipal (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007, p. 27).
91
Bastos (2013, p. 67) indica que a Prefeitura forneceu “cooperação em relação a
aspectos pontuais dos projetos”, tais como a desafetação do terreno do projeto em
Campo Grande, que era uma praça, e a doação de manilhas necessárias para o
projeto de esgotamento sanitário dos grupos.
Se, no Uruguai, as primeiras experiências piloto contaram com o aporte do
estado por meio, principalmente, de recursos de financiamento, no Rio de Janeiro
essa parceria se consolidou em aspectos pontuais. Assim é que o então Centro Bento
Rubião teve que constituir uma alternativa própria para viabilizar os recursos
financeiros em outros moldes.
2.2.3 Aporte de recursos da cooperação internacional
A perspectiva que se constituiu para o financiamento aos projetos dos três
grupos iniciais se formou acionando redes de cooperação internacional61. Assim, a
concretização da iniciativa da entidade tomou forma ao se conformar a proposta de
um Fundo Rotativo que apoiaria a construção de moradias para os grupos
organizados. Os recursos do Fundo foram compostos pelo aporte que se conseguiu
com a entidade alemã Misereor62, no ano de 1995. A proposta era de que o Fundo
fosse administrado pela entidade e gerido por um conselho gestor formado por
representantes dos grupos apoiados (BASTOS, 2013, p. 69).
O projeto aprovado pela Misereor permitiu o financiamento de oitenta e duas
unidades habitacionais em sua primeira etapa, prevendo-se que houvesse o retorno
do aporte de investimento conforme as famílias atendidas pagassem as cotas
mensais, de modo a possibilitar que novas experiências fossem apoiadas pelo fundo.
Esse primeiro conjunto de recursos permitiu a construção das vinte e nove unidades
61 A própria COOPMAHN havia contado com apoio de financiamento externo para a estruturação de seu capital de giro. Souza e Corrêa (1993, p. 160) lembram que, além dos recursos do programa Fala Favela, foram aportados outros da Legião da Boa Vontade, do Núcleo Arco da Universidade Santa Úrsula, da Caixa Econômica Federal e da organização norte-americana Low Income Housing. 62 A mesma entidade que apoiara as três experiências piloto no Uruguai em 1967.
92
do grupo Shangri-lá, em Jacarepaguá, trinta do grupo Colméia, em Campo Grande, e
vinte e três do grupo Pixuna, na Ilha do Governador63.
A proposta de organização do fundo adotou configuração similar ao sistema
uruguaio de financiamento coletivo, buscando-se que os grupos se constituíssem em
cooperativas. Como aponta documento da entidade para uma publicação em
espanhol, nesses projetos “se firman contratos entre la Fundación, gestora del Fondo
Rotativo, y la cooperativa, que a su vez realiza contratos con cada uno de los
cooperativistas” (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2004, p.
78). Além disso, como no Uruguai, adotou-se a elaboração de um regimento de obra
para organização do aporte de trabalho dos próprios membros dos grupos.
As obras se iniciaram no ano de 1996 e foram concluídas em 1999. Após a
conclusão das mesmas não havia como o Fundo financiar novas unidades, já que
recém se iniciava a devolução dos empréstimos. Como aponta depoimento da
entidade – que a partir de 1996 muda sua figura jurídica para Fundação64 –, “los
recursos existentes eran los de las prestaciones, insuficientes para tal fin,
promoviéndose entonces una capitalización de los mismos y la búsqueda de nuevas
fuentes de financiamiento” (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO,
2004, p. 74).
Após a busca de parcerias, no ano de 2001 houve um segundo aporte de
recursos de cooperação internacional ao Fundo Rotativo, a partir da Inter-American
Foudation65, os quais, juntamente com a primeira devolução dos empréstimos,
permitiram a construção de mais sessenta e uma unidades. Mais três grupos foram
apoiados, no caso Herbert de Souza, em Jacarepaguá, e Ipiíba e Jóquei, no município
de São Gonçalo.
O primeiro coletivo foi formado a partir de uma lista de espera que surgiu
quando o projeto de Shangri-lá estava em execução. Já o grupo de Ipiíba (figura 10)
63 Como aponta Bastos (2013, p. 65) sobre o grupo Pixuna, “este conjunto não foi autogerido, segundo os envolvidos, devido a uma conjuntura política interna própria na qual a autogestão não foi apropriada pelo grupo, sendo a gestão em grande parte delegada à assessoria técnica”, no caso a própria Fundação Bento Rubião. 64 Passando a se denominar Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião. 65 A Inter-American Foundation é uma agência governamental independente, criada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1969. Apoia projetos na América Latina e no Caribe.
93
se conformou a partir da atuação de uma organização da Igreja Católica no bairro de
Alcântara, em São Gonçalo. Como aponta Lima (2011, p. 36), o pároco da igreja
tomou a iniciativa de mobilizar as famílias, que “souberam da proposta do padre por
meio dos avisos emitidos durante estas missas das quais participavam. A maioria
delas vivia de aluguel e muitas em imóveis bastante precários”. Logo em seguida a
igreja decidiu comprar um terreno no bairro, tomando um empréstimo bancário e
financiando-o, a um custo acessível, às famílias interessadas. O terreno comporta
duzentas e vinte moradias, sendo que as primeiras 37 famílias a construir
conformaram o grupo Ipiíba, sendo então assessoras pela Fundação Bento Rubião66.
Figura 10 – Moradia construída no projeto de Ipiíba (São Gonçalo, 2014)
Fonte: acervo do autor.
Assim, diferentemente de São Paulo e do Uruguai, no Rio de Janeiro não houve
a estruturação de um programa com fundos públicos que alavancasse a consolidação
de projetos de autogestão habitacional. Se, no Uruguai, as experiências piloto
contaram com um aporte de recursos de agências internacionais (Misereor e BID) e,
66 Pouca informação foi angariada sobre o grupo Jóquei, de São Gonçalo, somente se sabendo que foi formado em sua maioria por população idosa.
94
também, do governo nacional (INVE) – como visto na primeira parte da seção –, no
Rio os projetos piloto foram viabilizados essencialmente por recursos de agências
internacionais.
De modo a perseguir os momentos de inspiração da experiência carioca
seguindo a influência uruguaia, analisa-se um pouco da trajetória do projeto de
Shangri-lá. Isso permitirá compreender como a trajetória do Rio de Janeiro adentra
outra configuração a partir da década de 2000.
***
No bojo das experiências piloto do início dos anos 1990 no Rio de Janeiro, o
grupo Shangri-lá constituiu-se no primeiro a empreender um projeto de produção
social do habitat na região de Jacarepaguá. No começo dessa década, treze famílias
moradoras de um cortiço se organizaram para repensar suas péssimas condições de
vida e de habitação na favela conhecida como Jardim Shangri-lá. Esta se originou no
início da década de 1970 a partir de um loteamento irregular. Como aponta Huguenin
(2013, p. 105), “a Favela Jardim Shangri-lá surgiu por volta de 1971, quando uma
grande chácara foi loteada e um ocupante vendeu irregularmente a Área de
Preservação Permanente do Rio Grande”.
Logo em seguida ao loteamento ocorreram ocupações em áreas destinadas ao
uso coletivo e aos equipamentos urbanos, observando-se que “até mesmo lotes
formais, previstos no loteamento, também foram favelizados, não pela ocupação da
área ou pela venda, mas pelo aluguel de barracos” (HUGUENIN, 2013, p. 105).
Enquanto território de precárias condições de moradia e de vida na cidade, a favela
Jardim Shangri-lá consolidou-se em uma das expressões do processo de urbanização
da região de Jacarepaguá, na porção oeste do município do Rio de Janeiro67.
67 A introdução mais intensa de Jacarepaguá na urbanização do Rio de Janeiro está ligada à abertura do vetor de crescimento da cidade para a área da Barra da Tijuca, na década de 1960. Segundo Pérez (2014, p. 39), a região “conformou-se a partir de um crescimento intricado de poucos loteamentos formais e organizados, sobrepostos por urbanizações irregulares (loteamentos e favelas) e conjuntos promovidos pelo poder público”. Constituída enquanto um mosaico de ocupações do solo urbano pouco
95
No início dos anos 1990, algumas famílias que moravam em um cortiço da
favela começaram a frequentar atividades que um grupo católico, ligado às
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), passou a desenvolver no local,
principalmente com os denominados ciclos bíblicos. Huguenin (2013, p. 109) aponta
que as CEBs promoviam diversas atividades na região, sendo que “foram feitas várias
iniciativas em diferentes áreas de Jacarepaguá, como estímulo a fábricas populares e
até mesmo às ocupações organizadas de terra, com a formação de associações de
moradores”. Foi então que a CEB Padre Josino, em parceria com a Campanha da
Fome contra a Miséria e pela Vida, iniciou algumas discussões com os moradores da
favela Shangri-lá para repensar as condições de vida em que se encontravam.
O cortiço constituía-se basicamente no fornecimento de um espaço privado
para a moradia e outro coletivo para o asseio e a limpeza dos moradores, os quais
pagavam um aluguel ao “faveleiro”. Sobre as condições de moradia, Huguenin (2013:
106) coloca que esse espaço “era constituído por dois corredores de cômodos que
abriam para um acesso comum. Esses cômodos não contavam com qualquer
instalação hidrossanitária, seu uso restringia-se a um local para dormir e para a
preparação dos alimentos”. Um único banheiro e um único tanque atendiam as
famílias no fundo do lote.
Naquele cortiço, então, passaram a ocorrer as reuniões da CEB com as
dezesseis famílias, a partir de uma metodologia que procurou construir metas para a
mudança nas condições de vida do grupo. As duas principais metas definidas foram
a geração de trabalho e renda e a melhoria da situação de moradia. Para a
transformação das condições de habitabilidade do lugar, o grupo decidiu negociar a
compra do terreno do cortiço junto ao faveleiro. A partir daí descobriu-se a existência
de uma proprietária do local, com a qual foi feito um acordo para a compra da terra. A
Igreja Católica aportou parte do dinheiro e o restante foi levantado com recursos
mobilizados por atividades do próprio grupo, tais como rifas, bingos, almoços etc.
Para atingir a meta de geração de trabalho e renda, o grupo conseguiu um
aporte financeiro de uma entidade ligada à Igreja Católica para o investimento em
produção de material de construção. O Centro de Estatística Religiosa e Investigações
conectadas entre si, o território é conformado historicamente por inúmeras formas irregulares de ocupação.
96
Sociais - CERIS68 forneceu dois mil dólares que permitiram a criação de uma fábrica
de blocos de concreto e vigotas para laje pré-moldada, oferecendo trabalho para oito
pessoas da comunidade (HUGUENIN, 2013).
Foi no ano de 1993 que o grupo começou a contar com a assessoria da
Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião. No ano seguinte
conseguiu-se o aporte do Fundo Inter-Religioso Contra a Fome e pela Vida69 para o
investimento de sete mil dólares na fábrica de blocos de concreto, que passaram a
produzir seiscentos blocos por dia. O aumento na escala de produção da fábrica
comunitária possibilitou que o grupo empregasse o material produzido na construção
das duas primeiras casas no terreno do cortiço, que recentemente haviam adquirido.
Findada a construção das casas e, também, a verba do Fundo, o grupo buscou
por novas fontes de financiamento, escassas naquele momento. Vislumbrou-se,
então, que o aporte de organizações não-governamentais (nacionais e internacionais),
que atuavam no Rio de Janeiro, seria a saída possível para a garantia de suporte
financeiro e da continuidade do projeto. Assim, o Instituto Brasileiro de Análises
Sociais (IBASE) juntamente com a Federação de Órgãos para a Assistência Social e
Educacional (FASE) se encarregaram de promover atividades formativas para o
grupo; o Centro de Ação Comunitária (CEDAC) atuou nas relações de grupos
interpessoais; a organização holandesa Novib contribuiu para o projeto de uma
cozinha industrial; e a Associação de Grupos de Produção (AGP) interveio na área de
geração de renda (HUGUENIN, 2013, p. 115). Portanto, na ausência de acesso aos
fundos públicos, um conjunto de organizações sociais foi acionado como único
caminho disponível para a continuidade do projeto em Shangri-lá.
A partir desse momento, o grupo se constitui enquanto uma “cooperativa
habitacional e mista”. Integraram-se mais treze famílias, totalizando um grupo de vinte
68 O CERIS foi fundado no ano de 1962 em um ato conjunto entre a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Conferência dos Religiosos do Brasil, atendendo a uma exigência das ações pastorais e sociais da Igreja Católica no país. O CERIS tem o objetivo de dar suporte técnico e de pesquisa aos trabalhos da Igreja, realizando a avaliação de projetos, investigações e monitoramento de experiências populares e pastorais, além de assessoria a movimentos sociais e eclesiais, financiamento e apoio a pequenas iniciativas populares. 69 O fundo foi constituído pelo Movimento Inter-Religioso – MIR (criado pelo Instituto de Estudos da Religião) a partir de 1993 dentro da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida (fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a partir do Movimento pela Ética na Política), promovendo campanhas de arrecadação de recursos e selecionando pequenos projetos de geração de renda para serem apoiados, responsabilizando-se pela distribuição dos recursos e acompanhamento dos projetos.
97
e nove. Os treze novos núcleos provinham de uma área que sofria com intensos
alagamentos, tendo urgência para conseguir melhores condições de moradia. Além
disso, para se conformar enquanto uma cooperativa, o grupo deveria contar com mais
de vinte associados, conforme exigência da lei de cooperativas brasileira – Lei 5.764
de 1971 (HUGUENIN, 2013 e BASTOS, 2013).
Após a construção das duas primeiras casas com materiais da fábrica de tijolos,
foram erguidas as demais vinte e sete com recursos do Fundo Rotativo por meio de
recursos da entidade alemã Misereor, como analisado anteriormente. O processo foi
realizado com aporte de mutirão com mão-de-obra das famílias e a contratação de
trabalho especializado. Um centro comunitário também foi edificado, servindo para
reuniões locais e que posteriormente também foi utilizado para a realização de
atividades da CEB, do Partido dos Trabalhadores e para a conformação da União por
Moradia Popular do Rio de Janeiro.
Figura 11 – Moradias do projeto Shangri-lá, Jacarepaguá (Rio de Janeiro, 2014)
Fonte: acervo do autor.
Quanto à gestão do projeto, o regimento interno da cooperativa prevê a
propriedade coletiva das moradias. Ou seja, inspirando-se no sistema uruguaio, caso
algum cooperado venha a deixar o grupo, será feito o ressarcimento do valor de sua
98
quota-parte, sem a contabilização de qualquer valorização no imóvel, e o novo
cooperado será recrutado pela direção da cooperativa, o qual terá que pagar o valor
da referida quota-parte70.
***
A partir da experiência da cooperativa Shangri-lá emergiu um outro grupo de
famílias em Jacarepaguá que decidiu enveredar pelo mesmo caminho da autogestão
habitacional. Assim surgiu a cooperativa habitacional e mista Herbert de Souza, que
entre 1997 e 1999 construiu dezenove casas com apoio do mesmo Fundo Rotativo
que financiou Shangri-lá, agora com recursos da Inter American Foudation (IAF).
Durante a construção da cooperativa Herbert de Souza estruturou-se uma
espécie de “lista de espera” composta por famílias da região que também estavam
interessadas em empreender um projeto como aquele, mas que não puderam entrar
no grupo final. Dessa forma constitui-se o grupo que se autodenominaria “Esperança”.
Conforme Bastos (2013, p. 102) explica, “ainda no ano 2000, a cooperativa Herbert
de Souza fecharia seu número de famílias a serem atendidas, mas as que não
entraram para a listagem final se organizariam em outro grupo, dando origem ao grupo
Esperança”.
Além da formação desses grupos em Jacarepaguá, constituiu-se, no início
dessa década, a União por Moradia Popular do Rio de Janeiro. Com o objetivo de
organizar a luta política em torno das iniciativas de autogestão habitacional na
metrópole carioca, a iniciativa, de certa forma, desempenha papeis similares às
federações de cooperativas no Uruguai. A partir da conexão com a organização de
caráter nacional, a União Nacional por Moradia Popular, surgiu com o apoio da
Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião. No entanto, como
aponta documento da entidade nesse sentido, “otra gama de obstáculos se refiere al
hecho de que no existe en la región un movimiento social estructurado, orgánico y
70 Vale destacar que, após o fim do projeto formou–se a cooperativa Constrói Fácil, a partir da iniciativa de um dos organizadores da CEB Padre Josino, sendo que a cooperativa passou a executar serviços da construção civil na região de Jacarepaguá.
99
amplio en el rubro de la vivienda”. (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO
RUBIÃO, 2004, p. 79)
2.2.4 Anos 2000 e acesso a fundos públicos
O grupo Esperança formou-se a partir de 2000 no bojo das experiências de
Shangri-lá e Herbert de Souza. Desde então iniciou a luta política pela procura por
fontes de financiamento e pelo terreno para a execução do projeto. Essa intensa busca
trilhou áridos caminhos em um contexto de continuidade na escassez de fontes de
financiamento público para as políticas habitacionais no país e, também, de ausência
nos aportes de agências de cooperação internacional para a produção habitacional –
como ocorrera anteriormente com os recursos disponibilizados pela Misereor e pela
AFI no Fundo Rotativo. Como afirma Cardoso (2001, p. 109), na virada da década de
1990 para 2000 os empréstimos habitacionais estavam “limitados à atuação do setor
privado ou aos empréstimos individuais [...]. Em ambos os casos, não se atinge o
objetivo principal de atender às populações de menor renda”. Assim, o grupo
Esperança será marcado pelo longo e árido caminho para angariar a execução de
suas unidades habitacionais, como se o próprio nome do grupo tivesse que ser
provado por sua trajetória.
Foi a partir do ano de 2003, com a eleição de Luiz Inácio “Lula” da Silva para o
governo federal, que as perspectivas de financiamento se abriram para o grupo. Uma
primeira reestruturação institucional da política habitacional e urbana no nível federal,
a partir da criação do Ministério das Cidades e a retomada gradual dos investimentos
orçamentários da União em programas habitacionais, formou-se a perspectiva de
acesso a fundos públicos federais com a criação do Programa Crédito Solidário, em
2004 (MOREIRA, 2009 e PEREIRA, 2006). Trata-se do único programa público, na
política habitacional federal, criado pelo governo Lula, já que para os demais ocorreu
uma remodelação de programas já existentes. Constituído a partir do Fundo de
Desenvolvimento Social (FDS), instituído em 1993 e que estava, até então, com baixa
utilização, o programa permitia o financiamento habitacional às organizações da
sociedade civil sem fins lucrativos, a juros zero.
100
No Rio de Janeiro ampliou-se a perspectiva de apoio aos diversos grupos que
passaram a se organizar no campo da produção social do habitat. Se a iniciativa
capitaneada pela Fundação Centro de Defesas de Direitos Humanos Bento Rubião,
na primeira metade dos anos 1990, em estruturar o apoio dos níveis locais de governo
(estado e município) para um programa público não havia logrado êxito até então,
uma década depois uma nova perspectiva emergiu com o cenário desenhado pela
nova administração no governo federal.
Diversas entidades do campo da reforma urbana – sindicatos, entidades de
classe, movimentos sociais – se organizaram para estruturar projetos a serem
apresentados para seleção no novo programa. Como testemunha, em entrevista ao
autor, o coordenador da Fundação Bento Rubião à época,
quando saiu o Crédito Solidário, veio o pessoal do Ministério [das Cidades] aqui [no Rio de Janeiro]. A gente fez todo um trabalho de articulação de entidades, assessorias, articulamos sindicato dos arquitetos, sindicato dos engenheiros, FASE [Federação de Órgãos para Assistência Social e Educação], grupos que a gente conhecia. Aí fizemos uma plenária, dali saíram vinte projetos se eu não me engano, ou trinta (CORRÊA, 2015).
Porém, o novo horizonte mostrou-se muito mais estreito do que as
expectativas, e todo esse processo, segundo o coordenador, “foi minguando,
minguando, minguando e ficou Esperança” (CORRÊA, 2015). O grupo Esperança foi
o único a conseguir levar à frente seu projeto junto ao Crédito Solidário, enfrentando
as grandes dificuldades com a Caixa Econômica Federal, um novo ator com o qual as
organizações locais tiveram que travar diálogo.
A Caixa Econômica Federal constitui-se no agente operador dos programas
habitacionais e urbanos do governo federal. Desde 1986, após a extinção do Banco
Nacional de Habitação, herdou o papel de gestão de todos esses programas
(AZEVEDO; ANDRADE, 2011). Assim é que a representação da Caixa, no Rio de
Janeiro, tornou-se um grande impeditivo para o desenvolvimento de projetos no
âmbito do Programa Crédito Solidário. Bastos (2013, p. 103), nesse sentido, aponta
para a “situação particular da Caixa Econômica do Estado do Rio de Janeiro, já que
dos quarenta empreendimentos aprovados pelo PCS [Programa Crédito Solidário] no
101
ano de 2004, nenhuma unidade habitacional sequer foi construída até à ‘extinção
prática’ do programa no ano de 2009”71.
Com a possibilidade de acessar os recursos do Crédito Solidário, o grupo
Esperança passou, dessa forma, a procurar pelo terreno para execução do projeto.
Dado que os valores de financiamento do programa eram muito baixos, praticamente
apoiando somente a construção da unidade habitacional, a alternativa de compra de
uma área no mercado foi descartada. Bastos (2013, p. 103) relembra que “a opção
pela compra coletiva foi a primeira alternativa de acesso à terra que o grupo possuía,
uma vez que essa foi a estratégia das experiências que a precederam diretamente,
ou seja, Shangri-lá e Herbert de Souza”. Não contando com recursos próprios para
adquirir um terreno, o grupo e a Fundação Bento Rubião decidiram enveredar pela
estratégia de tentar o acesso ao solo público para viabilizar o projeto.
A alternativa mais factível que se constituiu foi a negociação de terras com o
governo federal, justamente pela parceria que era construída desde o novo cenário
político nacional que se abriu em 2003. A partir do ano de 2005 o grupo passou a
negociar com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), por meio de sua gerência
regional no Rio de Janeiro, o acesso à terra pública do governo federal. Segundo
Bastos (2013, p. 105) “a intenção do grupo era de permanecer em um local próximo
às suas moradias, em Jacarepaguá e imediações. No entanto, foram oferecidos,
inicialmente, terrenos distantes, em locais pouco providos de infraestrutura, como o
bairro de Santa Cruz [distante quarenta quilômetros]”. Finalmente, no ano de 2007,
apareceu a oferta de desenvolvimento do projeto em um terreno na antiga Colônia
Juliana Moreira.
A Colônia Juliana Moreira está localizada na região sul de Jacarepaguá, entre
as áreas do Maciço da Pedra Branca. O termo colônia refere-se ao novo modelo de
tratamento psiquiátrico que foi instaurado no Brasil a partir do começo do século XX72.
71 A “extinção prática” do Programa Crédito Solidário ocorreu com o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades no ano de 2009, pois apesar de não existir o fim do primeiro, o segundo oferecia condições de financiamento mais interessantes, monopolizando a apresentação de projetos. 72 Baseado em dois pilares, a praxisterapia e a assistência hetero-familiar, defendidos pelo médico Juliano Moreira. No ano de 1924 foi inaugurada a Colônia Juliana Moreira e, a partir de então, passaram a se desenvolver trabalhos terapêuticos com cerca de mil e seiscentos doentes, em atividades de lavoura, pecuária e pequenas indústrias, como artefatos de vime e de colchões. Além da população hospitalar, diversos servidores públicos trabalhavam e moravam na Colônia, cujas famílias também viviam no local e serviam à normalização do convívio dos internos (PORTOCARRERO, 2002)
102
A atual área da antiga colônia Juliana Moreira tem aproximadamente sete milhões e
oitocentos mil metros quadrados, com uma população de quase vinte e dois mil
habitantes (PÉREZ, 2014, p. 52). A partir da década de 1980, com a luta
antimanicomial, a utilização da área entrou em decadência. Desse modo é que se
iniciou um processo, a partir do final dessa década, de transferência dessas terras da
União para o Município. Porém o processo de municipalização demorou mais do que
o previsto e uma parte da Colônia foi transferida para a Fundação Oswaldo Cruz,
órgão de pesquisa do Governo Federal vinculado ao Ministério da Saúde.
Foram dois anos de negociação para o acesso ao terreno na Colônia Juliano
Moreira. Ao conseguir a destinação da terra, restava ao grupo acessar o
financiamento habitacional para a execução do projeto. Deve-se destacar que, para
acessar os recursos do fundo público federal, a Fundação Bento Rubião é que se
tornou a “entidade organizadora” do grupo, ou seja, a responsável jurídica por todo o
contrato. Justamente por dois motivos: primeiro, pelo processo de “habilitação” do
programa do Governo Federal, que exigia a comprovação de experiência prévia e uma
diversificada gama de documentação, às quais somente a Fundação poderia cumprir,
e não o grupo cooperado73. Depois, pelo fato da União por Moradia Popular (UMM-
RJ), movimento social ao qual o grupo encontrava-se ligado, estar em recente
processo de constituição e não contar com uma figura jurídica habilitada para a
seleção no âmbito do programa. Assim é que a Fundação Bento Rubião se constituiu
não só como a assessoria técnica do projeto, senão como a própria entidade
organizadora, responsável por toda a gestão do projeto.
A jornada do grupo ainda seria longa até o início das obras. Durante dois anos,
entre 2005 e 2007, esbarrou em pendências com a Caixa Econômica Federal para
aprovar seus projetos no programa Crédito Solidário. Em 2007, após a assinatura de
contrato, o grupo não pôde dar prosseguimento para o início das obras devido à
ausência de transferência do terreno da SPU para a Secretaria Municipal de
73 Nesse momento, o período de habilitação da entidade era realizado pelo Ministério das Cidades para os programas habitacionais do Governo Federal. O processo de habilitação ocorria em momentos descontínuos, ou seja, era necessário esperar a abertura do processo pelo Ministério, sendo que a entidade deveria entregar os documentos aos escritórios da Caixa Econômica Federal (agente operador). Basicamente havia exigências de regularidade da entidade e de qualificação técnica. Assim, a entidade deveria estar conformada há mais de três anos e cumprir uma série de critérios avaliativos sobre sua experiência acumulada em programas habitacionais e em políticas urbanas, que habilitavam a entidade à construção de um determinado volume de unidades habitacionais.
103
Habitação, a qual só foi concluída em outubro de 2008. Já nos preparativos para o
início da obra, no terreno originalmente destinado ocorreu um conflito fundiário, em
que moradores da Colônia reivindicam a área como de lazer, por meio de abaixo
assinado pedindo a construção de uma praça no local do terreno. A prefeitura acata o
pedido e o grupo tem que mudar de área dentro da Colônia.
Porém, essa mudança não ocorre sem que se exijam algumas garantias, que
são aceitos pela Prefeitura. Segundo Bastos (2013, p. 108), trata-se de três pontos
exigidos, quais sejam, a execução pela Prefeitura dos projetos de infraestrutura e
urbanização, a construção de uma área de lazer e a doação de recursos para a
execução do centro comunitário. No final de 2008 o grupo tem acesso ao novo terreno,
mas surgem novos obstáculos, com a readequação dos projetos desenvolvidos para
o terreno antigo e a necessidade de nova aprovação da documentação junto à Caixa
Econômica Federal.
Todo esse processo durou até o final do ano de 2009, quando, então, é lançado
o programa Minha Casa, Minha Vida pelo governo federal74. O programa conta com
a linha Entidades, a qual oferecia mais vantagens para o grupo, principalmente quanto
ao maior valor de financiamento e tempo de pagamento. Em 2010, então, o grupo sai
do Programa Crédito Solidário e entra no processo de acesso ao Minha Casa Minha
Vida – Entidades. Passando por todo o fluxo burocrático junto à Caixa Econômica
Federal, assina o contrato somente no ano seguinte, em vinte de fevereiro. Porém,
esse não será o último ato.
Após a assinatura do contrato, o cartório do 9º ofício do Rio de Janeiro não
compreendeu as especificidades do programa e assim demorou-se quase um ano
para que o contrato fosse registrado em cartório. Somente em março de 2012, doze
anos depois de constituído o Grupo Esperança, é que se iniciaram as obras na Colônia
Juliano Moreira. As obras tomaram mais três anos do grupo, sendo inauguradas
parcialmente em maio de 2015.
74 O programa Minha Casa Minha Vida foi lançado no começo do ano de 2009 como resposta à crise imobiliária de 2008. Também foi criada a modalidade Entidades, com o aporte de recursos no Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), que financiava o Crédito Solidário, mas com uma nova regulamentação, ampliando os valores de contratação e subsidiando as prestações de todos os beneficiários. A modalidade Entidades, no entanto, contava como menos de 5% do total de recursos do programa.
104
2.3 Uma primeira aproximação entre Montevidéu e Rio de Janeiro
O sistema uruguaio de cooperativas de moradia foi conformado a partir da
confluência de um contexto de iniciativa de três projetos piloto pelo Centro
Cooperativista Uruguayo e de aprovação de uma Lei Nacional de Moradia. A partir da
1970, com a regulamentação da Lei, a finalização dos três pilotos e a conformação de
novos grupos cooperativos, o estado passa a apoiar o sistema com três medidas
essenciais: concessão de personalidade jurídica, terra e financiamento.
Assessoradas pelos Institutos de Assistência Técnica, as cooperativas de
moradia (muitas oriundas de suas matrizes gremiais, principalmente em Montevidéu)
terão uma expansão forte até o ano de 1975, quando o estado, mesmo sob o início
da ditadura (1973), apoia fortemente o sistema. As cooperativas se federam,
principalmente em FUCVAM (e também em FENACOVI), mostrando que a novidade
da modalidade de propriedade coletiva foi a mais incentivada e aceita dentro do
sistema. Em uma década consolida-se um mecanismo de produção social do habitat
assentado no tripé de formação das cooperativas – e sua representação federativa
enquanto movimento social –, de assessoramento por meio de Institutos de
Assistência Técnica e de apoio estatal via regulamentação do sistema, concessão de
figura jurídica, aporte de solo urbanizado e financiamento estatal.
A partir da segunda metade de 1970 a ditadura militar vai aos poucos cessando
os mecanismos de suporte ao sistema, sendo que, no início da década seguinte,
propõe medidas que tentam sufocá-lo de vez. A partir de então as cooperativas de
moradia enfrentarão quase três decênios de parcos recursos para sua efetivação.
Porém, nessa mesma década de 1980, FUCVAM reinventa-se politicamente e
consolida-se em um poderoso movimento social na estrutura da sociedade civil, a
partir da assunção do papel de luta contra a ditadura.
Com a abertura democrática, o cooperativismo de moradia passa pelas
vicissitudes das políticas neoliberais. Apesar da retomada da concessão de figuras
jurídicas, os parcos investimentos estatais disponibilizados fazem com que o acesso
aos empréstimos estatais levasse a anos de espera para a concretização de obras
cooperativas. Novos experimentos surgiram nesse cenário, como a atuação com
105
grupos de baixos ingressos e a reciclagem de prédios históricos. O sistema tem o
aporte de maiores investimentos a partir de 2005, com a reorganização institucional
da política habitacional do primeiro governo nacional do Frente Amplo e com o aporte
de recursos no segundo governo. O resultado foi a diminuição do tempo de acesso ao
financiamento estatal e o aumento no volume de obras cooperativas.
A metrópole do Rio de Janeiro conta com um conjunto de experiências de
produção social do habitat que se iniciam na década de 1990 e que tomam como
referência o lastro do cooperativismo uruguaio de moradia. A proposta finca sua raiz
na iniciativa de uma cooperativa de consumo que se origina na favela de Nova
Holanda, na esteira da constituição de uma nova diretoria na associação de
moradores local, em meados da década de 1980. Ao final dessa década a cooperativa
propõe-se a atuar no campo da produção de unidades habitacionais, sendo
assessorada por um grupo de técnicos ligados à uma universidade local, que antes
trabalhavam com urbanização de favelas.
Após duas experiências de produção habitacional pela cooperativa, esta se
dissolve e os técnicos se integram a uma organização não-governamental oriunda da
iniciativa de técnicos que assessoravam a Pastoral das Favelas, a qual na década
anterior atuava contra a política remocionista das favelas cariocas. Os técnicos da
organização entram em contato com a experiência de autogestão habitacional de São
Paulo, que se inspirava no cooperativismo de moradia do Uruguai. Realizam, então,
um projeto de intercâmbio com entidades de São Paulo e do Uruguai, buscando logo
em seguida organizar três grupos para a realização de projetos pilotos com inspiração
no sistema uruguaio.
A experiência do Rio de Janeiro, em um primeiro momento, não conseguiu
angariar apoio do estado nos moldes do que fora realizado no país vizinho. A partir de
recursos de cooperação internacional, concretizaram-se alguns projetos além dos três
pilotos, os quais incorporaram diversos elementos do cooperativismo de moradia
uruguaio. A ajuda mútua, a propriedade coletiva, a forma cooperativa, a autogestão
na compra de insumos e o modelo federativo foram alguns dos elementos do sistema
de referência incorporados – sob diversas especificidades – ao conjunto de
experiências do Rio de Janeiro.
106
Ao adentrar a década de 2000, o acesso a recursos públicos se efetivou via
esfera federal, por meio do projeto do grupo Esperança. A especificidade da
configuração na forma de acesso aos recursos do fundo público instituiu uma longa
espera para efetivação das obras e constituiu um modelo de gestão onde a assessoria
técnica exerce, simultaneamente, o papel de assessora e de entidade organizadora
do projeto – de forma distinta em relação ao sistema uruguaio.
Portanto, pode-se constatar como, em variados aspectos, o projeto da
produção social do habitat trilhou caminhos distintos no Rio de Janeiro e em
Montevidéu. Considerando-se os princípios comuns que se adotaram como referência
no Rio de Janeiro, a partir do intercâmbio com cooperativismo de moradia uruguaio,
os resultados em termos de produção do ambiente construído e de constituição de
mecanismos de sua autogestão, mostraram-se, em diversos sentidos, muito distintos.
Para compreender tais especificidades, para além da constatação de dissimetrias e
similitudes, mostra-se profícuo acompanhar alguns elementos que marcam a
formação social de cada contexto onde emergiram esses conjuntos de experiências.
107
Tradução dos depoimentos da seção 2
A “até que não saiu a regulamentação não podíamos funcionar [...] e quando se aprova a
regulamentação é onde as cooperativas arrancam com tudo”.
B “pelo ano sessenta e oito, setenta e não encontrávamos um terreno adequado às nossas
necessidades” [...] “através do instituto assessor – o Centro Cooperativista Uruguayo – nos propuseram
integrar junto com outras cooperativas um terreno maior, formando o que se denomina Mesa, porque
reúne várias cooperativas”.
C “o fato de ter este complexo aqui deu vida a toda a zona. Por que melhorou o transporte e as
condições, veio a água corrente, veio a luz elétrica, pavimento nas ruas, saneamento”.
D “o lema que tinha a cooperativa é por direito dos vizinhos a viver em seu bairro. A grande quantidade
dos fundadores vivia na Ciudad Vieja, então queríamos seguir vivendo na Ciudad Vieja. [...] Então,
naquele momento, o que decidimos? [...] Dissemos: ‘bom, não nos dão nada, ocupamos o espaço’. [...]
dois dias antes de que ocupássemos o espaço, a Intendência nos disse: não, não ocupem que lhes
vamos dar um terreno. [...] E em uma semana, mais ou menos, aí nos oferecem isto”.
108
3 AS BASES DA PRODUÇÃO SOCIAL DO HABITAT NO URUGUAI
Ao se observar detidamente o contexto de surgimento do cooperativismo de
moradia no Uruguai, é possível constatar a aparente contradição entre a aprovação
de uma lei que apoiava esse sistema em um contexto político de corte conservador e
de crise econômica. O governo de época começava a empreender algumas medidas
de repressão à sociedade civil, tais como a utilização de força policial na coibição de
manifestações populares. Além disso, após mais de duas décadas de crescimento
econômico sustentado no modelo de substituição de importações, o Uruguai via sua
arquitetura de bem-estar social entrar em crise. Nessa conjuntura é que, no início da
década de 1960, o setor imobiliário do país também enfrentava uma grave crise de
rentabilidade.
Foi no começo dessa década que o país sediou, na cidade de Punta del Este,
o encontro entre o governo norte-americano e os países da América Latina e Central
para a constituição da Aliança para o Progresso. Uma estratégia geopolítica
começava a ser estruturada pelo governo norte-americano para ganhar influência na
região, em um xadrez político mundial de início da Guerra Fria. Posteriormente, em
1964, os Estados Unidos financiam um importante diagnóstico da crise uruguaia, que
originaria um complexo plano de desenvolvimento econômico, o “Plan CIDE”. Nesse
processo, também se elaborou uma densa análise da problemática habitacional que
envolvia o colapso do setor imobiliário no país.
No ano seguinte, em 1965, o Centro Cooperativista Uruguaio levou adiante a
proposta das experiências piloto em cooperativismo de moradia. Valendo-se de um
conjunto de concepções e práticas que gravitam em torno do cooperativismo em
diversos países do mundo, a entidade uruguaia cria uma forma inovadora de
organização da produção cooperativa de soluções habitacionais.
Desse modo, essas duas iniciativas – o Plan CIDE e as experiências piloto –
se entrecruzam, então, na aprovação da Lei Nacional de Moradia, a qual, buscando
trazer elementos para a resolução da crise imobiliária no país, institui os elementos
de sustentação para a constituição de um sistema cooperativo de moradia. Esse
sistema só se colocará em marcha a partir da aposta decisiva de dois elementos chave
109
naquele momento: a classe operária sindicalizada e o apoio estatal. Somente
compreendendo meio século de constituição da formação dessa classe operária e das
especificidades do estado de bem-estar uruguaio é que se pode ter em consideração
a singularidade do contexto em que se erigiu o cooperativismo de moradia no Uruguai.
3.1 Década de 1960: geopolítica, crise e cooperativismo de moradia
3.1.1 Plan CIDE e impacto sobre o planejamento da política habitacional
Ao comentar o conteúdo da Lei Nacional de Moradia, Couriel e Menéndez
(2014) indicam que sua constituição se imbrica aos trabalhos desenvolvidos pelo
governo nacional que compuseram o “Plan CIDE” (Comisión de Inversiones y
Desarrollo Económico). Segundo a afirmação dos autores, “los contenidos de la ley
solo se explican por los trabajos rigurosos previamente realizados en el marco del plan
de la CIDE” (COURIEL; MENÉNDEZ, 2014, p. 35). A vinculação entre o conteúdo da
Lei Nacional de Moradia e a elaboração desse plano de desenvolvimento econômico
aponta para a especificidade do contexto geopolítico que envolvia a constituição do
cooperativismo de moradia no Uruguai.
O Plan CIDE foi confeccionado pelo governo nacional daquele país entre os
anos de 1961 e 1966, com duas fases: um primeira de diagnóstico e uma segunda de
elaboração de planos setoriais. O trabalho ficou à cargo de uma comissão constituída
por gestores do governo e técnicos universitários. A questão habitacional foi uma das
áreas de diagnóstico e alvo da elaboração de um plano setorial. O financiamento de
todo o diagnóstico do Plan CIDE esteve vinculado ao apoio que o governo uruguaio
recebeu dos Estados Unidos, no âmbito do programa da Aliança para o Progresso.
Ao final da segunda guerra mundial, os Estados Unidos, sob a administração
de Harry Truman (1945-1953), lançaram a política de apoiar a reconstrução da
Europa, concretizando-se na iniciativa do Plano Marshall (oficialmente conhecido
como Plano de Recuperação Europeia). Nessa política, a América Latina não foi alvo
110
do apoio americano, sob a perspectiva de que se beneficiou do período entre guerras
por meio de processos de substituição de importações acarretados pela paralização
das trocas comerciais com os países do norte (SCHERMA, 2007).
Na década de 1950, o presidente brasileiro Juscelino Kubitschek iniciou uma
série de iniciativas junto ao governo americano de Eisenhower (1953-1961), com o
objetivo de angariar o apoio financeiro para o desenvolvimento da região latino-
americana. Buscando o suporte na esteira do que se testemunhara com a
implementação do Plano Marshall, a iniciativa de Kubitschek viria a ser conhecida
como “Operação Panamericana” (SCHERMA, 2007). A abertura de Eisenhower para
essa proposta, ao final de sua administração, veio a concretizar a constituição de um
programa de ajuda à América Latina, lançado logo no início do governo de John
Kennedy (1961-1963). Assim é que, no ano de 1961, constitui-se a Aliança para o
Progresso, após a visita de embaixadores latino-americanos aos Estados Unidos, em
março, e a realização de um congresso em Punta del Este, no Uruguai, em agosto,
com representantes de todos os países da América Latina e Central. O programa
durou cerca de uma década e disponibilizou em torno de vinte bilhões de dólares (em
valores da época) para os países do continente.
No Uruguai, o governo nacional, no começo de 1961, instaurou a Comisión de
Inversiones y Desarrollo Económico (CIDE) no mês de janeiro e, em maio, já buscou
uma articulação com o governo dos Estados Unidos para acessar os recursos do novo
programa. Após a hegemonia do Partido Colorado de quase um século na presidência
do país, o Partido Nacional ganhara a eleição de 1958 e buscava, de acordo com
Garcé (2002), criar mecanismos de planejamento na esteira do apoio americano que
se criava em torno da Aliança para o Progresso.
Em maio de 1961 representantes do governo uruguaio realizaram gestões
diretamente em Washington para o envio de uma missão técnica ao país. Segundo
Garcé (2002, p. 50), “esta misión debería [...] colaborar en la preparación de un plan
decenal, en consonancia con las ideas del nuevo presidente estadounidense quien,
en marzo de ese año, había lanzado su plan Alianza para el Progreso”1. Com a
1 A agilidade do Partido Nacional é anterior à realização do encontro de Punta del Este, que só viria a ocorrer em agosto daquele ano. Como aponta Garcé (2002, p. 50), “al Partido Nacional no se le escapaba que para poder conservar el gobierno debía hacer una gestión extraordinaria. La coincidencia
111
realização do encontro de Punta del Este, em agosto, o principal apoio norte-
americano ao Uruguai, no âmbito da Aliança para o Progresso, concretizou-se por
meio da elaboração de um plano de desenvolvimento econômico.
A formação da comissão que realizou os trabalhos do Plan CIDE angariou um
amplo quadro de técnicos, especialistas e de gestores do governo. Este designou a
liderança do grupo ao professor Enrique Iglesias, da Faculdade de Economia da
Universidad de la Republica, que coordenou uma equipe conformada por mais de
trezentos técnicos, entre uruguaios e estrangeiros. Dois aspectos devem ser
considerados na conformação dessa equipe. Primeiro, a relação entre universidade e
governo, que se estabelece de forma inédita após a autonomia universitária de 1958.
Em segundo, a conformação de uma equipe plural, independente de visões políticas
e ideológicas (GARCÉ, 2002, p. 51). Assim foi que o coordenador, professor Enrique
Iglesias, “convocó técnicos rigurosos en diversas materias para la concreción de los
‘planes de desarrollo’, sin considerar las ideologías políticas partidarias de los
portadores del conocimiento experto” (COURIEL; MENÉNDEZ, 2014, p. 35).
O primeiro período dos trabalhos da CIDE ocorreu entre 1962 e 1963, com a
elaboração de um amplo diagnóstico do país. Formaram-se em torno de vinte grupos
de trabalho. A atividade que mais tomou a dedicação dos técnicos foi a preparação
da estimativa do Produto Interno Bruto (PIB) do país e a confecção das primeiras
contas nacionais, assim como a realização de um censo de população e moradia2.
Após um primeiro momento de finalização dos trabalhos técnicos em 1962, logo em
seguida foi feita uma ampla divulgação dos resultados e a promoção de debates com
diversos atores institucionais. Como coloca Garcé (2002, p. 59), “durante el segundo
semestre del año 1963 se realizaron numerosos ciclos en los canales de televisión,
en las radios, reuniones con empresarios y dirigentes sindicales”.
A segunda fase de trabalhos da CIDE foi empreendida durante o ano de 1964
e em parte de 1965. Consistiu na elaboração propriamente do Plan CIDE, sendo
propostos um plano trienal (1964-1966) e um plano decenal (1964-1973). Produziu-se
um documento de seis volumosos tomos que pesava onze quilos. Desse modo é que
temporal del giro panamericanista en Washington y de la rotación de partidos en el poder en Uruguay, constituía una oportunidad excepcional y, por qué no decirlo, un insólito golpe de suerte”. 2 Naquele período o Uruguai não contava com uma estimativa de suas contas nacionais e o último Censo realizado datava de 1908.
112
se produziu o Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (1965-1974),
cujo caráter do conteúdo vale uma longa citação do trabalho de Garcé (2002):
El Plan Nacional de Desarrollo Económico y Social (1965-1974) proponía una ambiciosa propuesta de cambios estructurales a tono con las ideas primordiales de la Alianza para el Progreso: reforma agraria (tendiendo a erradicar latifundios y minifundios, para permitir un aumento en la productividad), reforma tributaria (fortaleciendo el impuesto a la renta), reforma administrativa (incrementando la capacidad técnica del Estado), reforma financiera (creando el Banco Central y regulando cuidadosamente el crédito), reforma industrial (pasando de la promoción “indiscriminada” a la promoción “selectiva”), reforma comercial (apuntando a “crecer hacia afuera”), reforma educativa (extendiendo y calificando la enseñanza, planificando y coordinando la política educativa), etcétera (GARCÉ, 2002, p. 77).
A proposta para a área de moradia ficou à cargo do arquiteto Juan Pablo Terra3.
Redator do diagnóstico e do plano setorial, o arquiteto uruguaio era uma figura de
destaque na área, ligado ao Partido Demócrata Cristiano. O plano desenvolvido para
a questão habitacional tinha dois princípios básicos, segundo Terra (1969), sendo que
“el primero era que toda familia, cualesquiera sean sus recursos económicos, debe
poder 'acceder realmente a una vivienda adecuada’”, e o segundo determinava “que
el esfuerzo en el campo de la vivienda debe estar proporcionado a la capacidad
económica total y que para eso la política de vivienda debe ser planteada y
administrada como una pieza inseparable del desarrollo económico en general"
(TERRA, 1969, p. 37)4. Assim, buscava-se aliar a universalização de soluções
habitacionais, a serem garantidas por meio de políticas públicas, às especificidades
das condições econômicas da população.
Em 1966, após o trabalho na CIDE, Juan Pablo Terra foi eleito deputado para
o parlamento uruguaio, encarregando-se da redação do projeto que viria a ser
aprovado como a Lei Nacional de Moradia. Em 1967, a Câmara de Deputados instalou
uma comissão especial, com todos os setores políticos de sua composição, para
redação da proposta de lei. Os deputados a aprovaram nos primeiros dias de 1968 e
o projeto então passou para tramitação no Senado, sendo aprovado ao final do ano.
3 Antes de atuar no Plan CIDE, Juan Pablo Terra era professor de Sociologia e Metodologia de Pesquisa na Faculdade de Arquitetura da Universidad de la Republica. 4 Um resumo do diagnóstico da área de moradia do Plan CIDE e das propostas que se converteram na Lei Nacional de Moradia encontra-se nessa publicação de 1969 do próprio Juan Pablo Terra (TERRA, 1969)
113
Portanto, a participação de Juan Pablo Terra, por quatro anos, no Plan CIDE,
mostra como o desenvolvimento desse trabalho teve importante influência para a
constituição das propostas da Lei Nacional de Moradia. Como ele próprio coloca, em
uma publicação de época, sobre a importância do referido plano, sua “difusión amplia
contribuyó a crear conciencia global del problema y de sus soluciones” (TERRA, 1969,
p. 38). O diagnóstico e as propostas do plano permitiram compreender com mais
acuidade o caráter da crise imobiliária que tomava o setor, e “la controversia, que al
principio del decenio era caótica y fragmentaria, fue convirtiéndose en un debate
mucho más concreto y fecundo, que preludiaba la adopción de decisiones” (TERRA,
1969, p. 38).
Assim é que Garcé (2002) anota que não só o próprio Juan Pablo Terra, quanto
o próprio governo nacional – de composição distinta naquele momento, formado pelos
colorados eleitos em 1966 – propuseram um projeto de lei nacional de moradia com
conteúdo similar ao da CIDE. Como recorda o autor, “ambos proyectos eran
prácticamente idénticos: los dos recogían los aspectos medulares del Plan de
Vivienda de la CIDE” (GARCÉ, 2002, p. 127).
Nesse aspecto é que se pode compreender como a proposta de uma Lei
Nacional de Moradia pode ser aprovada por um governo de corte conservador, que
se constituiu com o colorado Pacheco Areco, que assumiu em 19675. O país vivia
uma crise imobiliária e a elaboração de uma Lei Nacional de Moradia se configurava
em um trunfo para o governo. A crise, que emergira em decorrência de um
estancamento do modelo de industrialização por substituição de importações que
marcou o Uruguai entre as décadas de 1930 e 1950, exigia medidas urgentes que
deveriam se reverter em sustentação política ao governo.
Como mostra París (2014) sobre a economia uruguaia, uma primeira etapa de
abertura externa do país (1870 a 1930) se fez a partir de uma abundante presença de
recursos naturais e uma demanda externa de produtos agropecuários com preços
favoráveis ao país. Uma segunda etapa de maior protagonismo do mercado interno,
5 Nahum (2014, p. 267) assim elenca a primeiras medidas repressivas adotadas pelo governo: "a la semana de asumir la Presidencia, un decreto de 12 de diciembre de 1967 adelantó la modalidad de lo que sería su mandato: dispuso la disolución del Partido Socialista, Federación Anarquista Uruguaya, Movimiento Revolucionario Oriental, Movimiento de Acción Popular Uruguaya, Movimiento de Izquierda Revolucionaria y los periódicos 'Época' y 'el Sol', acusándolos de estar vinculados con las acciones armadas que la guerrilla urbana estaba desplegando desde fines de 1966 en el país".
114
a partir de 1930, constituiu-se com o fechamento da economia internacional em
guerra, proporcionando uma política de industrialização por substituição de
importações. Esse modelo, porém, esgotou-se ao final de três décadas de
encerramento da economia uruguaia ao exterior, levando a um estancamento do
crescimento do país de quase dez anos (1958 a 1968). Assim, “la falta de crecimiento
estuvo acompañada de una elevada y persistente tasa de inflación, lo que favoreció
un escenario de fuerte convulsión social y política que terminó con la democracia en
1973” (PARÍS, 2014, p. 14).
Sobre a gravidade dessa crise, Frens-String (2001, p. 28) destaca que
“Uruguay and Haiti –two nations that rarely appear next to one another in the economic
statistics of the region– were the only two countries whose per capita income declined
during the 1960s”. Nesse mesmo sentido, segundo Nahum (2014, p. 258), “la industria
también mostraba signos de estancamiento. En 1963 sólo funcionaba a la mitad de su
capacidad instalada, con la consiguiente disminución del empleo y del consumo
interno que debía abastecer”. A inflação adentrou níveis galopantes na década de
1960, corroendo o poder de compra da sociedade uruguaia, conforme se verifica nos
patamares do salário real de acordo com os dados do gráfico a seguir (figura 12).
Como apontam Bértola e Bertoni (2014, p. 66), a crise da década de 1950 foi diferente
no Uruguai por conta de sua prolongada duração, dado que “en lugar de una profunda
caída tuvimos un prolongado estancamiento, durante el cual se fueron acumulando
importantes conflictos económicos, sociales y políticos, que se expresaron con
creciente violencia”.
O setor imobiliário foi, então, arrastado por essa crise econômica. Segundo
dados de Terra (1969, p. 5), antes de 1910 o Uruguai construía quase quatro mil
moradias por ano, cifra que foi se incrementando até chegar a vinte e seis mil anuais
entre 1955 e 1960. A crise da imobiliária fez baixar esse número para a média anual
de vinte e uma mil moradias entre 1960 e 1963, oscilando entre um patamar de quinze
a vinte mil até o final da década6. No ano de 1959 o país havia destinado à construção
habitacional cerca de 7,6% do Produto Interno Bruto; em 1963, esse volume caiu a
6 Como destaca o próprio autor, esse vertiginoso crescimento da produção imobiliária se fez majoritariamente pela presença da construção privada, com diminuta participação da produção pública. Nos melhores anos, uma em cada vinte e cinco moradias era construída por organismos públicos, sendo o restante pela iniciativa privada (TERRA, 1969, p. 8).
115
4% do PIB. Assim, como apontam Couriel e Menéndez (2014, p. 34) “entre 1957 y
1967, inflación mediante, la curva es descendente tanto en los préstamos escriturados
como en los títulos emitidos que financiaban los préstamos”.
Figura 12 – Taxa de inflação e salário real (Uruguai, 1957 – 1973)
Fonte: Nahum (2014).
Se, entre os anos 1940 e 1950, o Uruguai crescera fortemente, adentrou a
década seguinte em uma crise econômica para a qual a CIDE elaborou um amplo
diagnóstico do país e apresentou um plano de ação para superação da crise, incluindo
o setor imobiliário. Desse modo é que a aprovação da Lei Nacional de Moradia
configurou-se como um mecanismo que se tornava conveniente ao enfrentamento da
crise imobiliária. Após o trabalho de quatro anos no Plan CIDE (1961 a 1965) e as
eleições de 1966, o novo parlamento – contando com a figura central de Juan Pablo
Terra como deputado, que trabalhara na CIDE – e o novo governo que assumem em
1967 tomam a iniciativa de propor um projeto de lei que concretize as medidas
contidas no plano.
Além da proposta que já havia sido consolidada na CIDE, o estímulo ao setor
imobiliário era uma proposta que angariava o apoio de diversos interesses da
sociedade uruguaia de então. Como comentam Couriel e Menéndez (2014), por um
lado a medida gerava crescimento econômico e atendia aos interesses do setor da
100 9790 90
8590 88 85 81 81
86
7382 81
85
71 69
1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 19730%10%20%30%40%50%60%70%80%90%100%110%120%130%140%150%
Salário real Inflação
116
construção, já que, segundo os autores, “el gobierno debía ofrecer a los poderosos
empresarios de la construcción alguna viabilidad económica, en sus dos vertientes: a
las empresas constructoras de edificios y a las empresas productoras de materiales
de construcción” (COURIEL; MENÉNDEZ, 2014, p. 34). Por outro lado, a medida
gerava crescimento do emprego e atendia aos interesses das camadas populares,
dado que “estas ramas de la industria generan empleo con facilidad reactivando la
economía, lo que es saludable para la sociedad y rentable desde el punto de vista
electoral” (COURIEL; MENÉNDEZ, 2014, p. 34). Desde tal perspectiva é que se pode
compreender como um governo, de caráter conservador, pode aprovar uma lei de
caráter tão progressista como a Lei Nacional de Moradia.
Constata-se, portanto, como a referida lei se conformou a partir do legado do
Plan CIDE e se compreende como se valeu de um amplo processo de planejamento
de vários setores do país, com um aprofundado diagnóstico habitacional, fruto da
conformação de uma equipe especializada e multidisciplinar. É possível afirmar que o
plano constituiu um campo interpretativo sobre a questão habitacional no Uruguai,
dando compreensão à essa problemática e conformando os instrumentos de
planejamento que foram adotados na Lei Nacional.
A elaboração da lei ancorou-se em um processo que se iniciou no começo dos
anos 1960, oriunda a partir de um contexto geopolítico internacional de conformação
da Aliança para o Progresso e da correlata estratégia de influência americana na
região. A partir do apoio viabilizado pelos Estados Unidos – mudando sua orientação
geopolítica sobre a América Latina –, o governo uruguaio organizou a proposta de
elaboração de um amplo instrumento de planejamento para o país. Assim é possível
entender como um governo com orientação repressiva sobre a sociedade civil pode
aprovar tal Lei Nacional de Moradia, considerando-se o contexto de crise que em uma
de suas vertentes tomava o ramo imobiliário e as consequências políticas que se
angariavam com as propostas contidas na Lei – estímulo à indústria da construção,
ganhos políticos junto a um poderoso grupo de pressão, geração de emprego e
provimento de solução habitacional para a população de baixa renda7.
7 Nesse ponto deve-se atentar sobre esse campo de possibilidades que foi se constituindo em torno da Lei Nacional de Moradia. Esta configurou um conjunto de iniciativas que se acumularam e que se tornaram quase a única possibilidade para atuação do governo. Como lembram Couriel e Menéndez
117
3.1.2 Acúmulo formativo e origem dos projetos piloto
O Centro Cooperativista Uruguayo, fundado em 1961 enquanto uma
organização social de raízes cristãs (FRENS-STRING, 2001), surgiu em um contexto
em que Igreja Católica, a partir do II Concílio do Vaticano, emanava um determinado
tipo de orientação política sobre o cooperativismo. Após o fim da Segunda Guerra
Mundial, com a bipolarização provocada pela Guerra Fria e com a Revolução Cubana
no continente americano, algumas orientações da cúpula da Igreja se alteraram a
partir de uma certa preocupação em se contrapor ao avanço do comunismo entre as
camadas populares. Assim é que o incentivo aos empreendimentos cooperativos era
compreendido enquanto uma forma da igreja assegurar sua presença e doutrina entre
os mais pobres, principalmente na população rural.
O trabalho de Amaro (2012) – ao reconstituir o contexto de surgimento de
projetos cooperativistas no departamento de Lara, na Venezuela – aponta que tal
concepção da Igreja Católica, na década de 1960, teve certa ressonância pela
América Latina. Segundo o autor, a hierarquia eclesiástica latino-americana assumiu
as orientações do Episcopado da Igreja Católica, a qual desde o papado de Pío XII
(1939 – 1958) se pronunciou a favor do cooperativismo. Nas décadas de 1950 e 1960
o Papa João XXIII, o Concilio Vaticano II e a II Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano, realizada em Medelín em 1968, também se colocaram abertamente
favoráveis ao apoio ao cooperativismo. Segundo o autor, “se establece la coincidencia
de los valores y la acción cooperativa con los postulados de la doctrina social de la
Iglesia, al promover y crear condiciones para la solidaridad y la unión entre los seres
humanos” (AMARO, 2012, p. 16). Essa orientação, como frisado anteriormente,
estava imbuída de uma intenção de barrar as influências do comunismo no continente.
Como o mesmo continua, “en distintos países latino-americanos la Iglesia Católica
actuó en vinculación con las iniciativas promotoras de cooperativismo de los gobiernos
(2014, p. 35), “en esta coyuntura no existía otra propuesta que compitiera con la ley: por tanto la mayoría del sistema político la votó”.
118
ó de los organismos internacionales, sobre todo a partir de los años 60 del siglo
pasado” (AMARO, 2012, p. 16 e 17)8.
O início das atividades do CCU esteve ligado à atuação no campo das questões
rurais e do cooperativismo (FRENS-STRING, 2001). Assim é possível constatar como
o surgimento do CCU acompanha esse contexto de orientação da Igreja Católica. O
documento final da II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, realizada
em Medelín em 1968, assim mais explicitamente se pronunciava acerca da promoção
do cooperativismo rural. No item III sobre as projeções de atuação da Pastoral Social,
há uma preocupação destacada com a “transformação do campo” no continente, para
a qual o cooperativismo parece ter uma função importante. Segundo o documento
havia a necessidade urgente de “promoção humana” das populações campesinas e
indígenas na América Latina, o que demandaria não só políticas de distribuição de
terras, como também a organização dessas populações “bajo determinadas
condiciones que legitimen su ocupación y aseguren su rendimiento, tanto en beneficio
de las familias campesinas cuanto de la economía del país” (CONSELHO
EPISCOPAL LATINO-AMERICANO, 1980, p. 80). O cooperativismo então é acionado
como uma das formas que permitiria a organização de populações rurais e indígenas
para uma necessária política de distribuição de terras. Textualmente, o documento
coloca que “esto exigirá, además de aspectos jurídicos y técnicos, [...] la organización
de los campesinos en estructuras intermedias eficaces, principalmente en formas
cooperativas” (CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO, 1980, p. 80).
Pode-se, desse modo, compreender a vinculação das primeiras iniciativas do
Centro Cooperativista Uruguayo, de raiz católica, no âmbito do cooperativismo rural,
às orientações da Igreja Católica no período. Após quatro anos de constituição da
organização, esta passa a atuar no âmbito urbano, com as cooperativas de moradia.
8 A referência à revolução cubana e à ameaça do comunismo era uma tônica do período. Assim também se pode compreender a atuação do Plan CIDE, dando origem à Lei Nacional de Moradia, como visto na seção anterior. Como coloca o próprio coordenador, Enrique Iglesias, “hace cincuenta años, respondiendo a los impulsos políticos del presidente Kennedy de los Estados Unidos, se inició en la mayoría de los países de América Latina un esfuerzo de programación a mediano plazo para promover el estancado desarrollo económico y social de la región, en respuesta a las expectativas creadas por la revolución cubana” (IGLESIAS, 2014, p. 5). Mas deve-se ter em conta as mediações e sutilezas que constituíam essa relação no período. Vale destacar que Cuba participou da Conferência de Punta del Leste para criação da Aliança para o Progresso, com a presença de Che Guevara (porém não assinou o documento final). Contradições internas também perpassavam a própria Igreja Católica, como o surgimento da Teologia da Libertação após o Concílio de Medellín.
119
As propostas de atuação da entidade, neste específico, vão se valer dessa
experiência prévia com as questões rurais. Como coloca o depoimento de um sócio
de uma cooperativa de moradia, “hubo personas, intelectuales [...], que plantearon a
partir de experiencias de reforma agraria, de gente que tenía su tierra y después la
vendía a terratenientes por las razones que fueran, qué lo que más convenía era la
propiedad colectiva” (Sócio B, COVICORDÓN, AM2)A. Como exemplo, pode-se
localizar, na proposta de propriedade coletiva das cooperativas de moradia levadas à
cabo pelo CCU, uma certa referência às experiências anteriores constituídas no
campo do cooperativismo rural.
***
Se é possível localizar a atuação do Centro Cooperativista Uruguayo nas
especificidades do campo das doutrinas da Igreja Católica em relação ao
cooperativismo, não se deve circunscrevê-la a tanto. Ao se analisar mais detidamente
a formação da atuação técnica da entidade, constata-se um amplo processo de
formação prévia. Na questão urbana, a consolidação das propostas de ação da
organização se deram a partir de uma peculiar formação do grupo de técnicos. Nesse
particular, um intenso processo de troca de experiências com outros países conformou
a trajetória dos pioneiros que atuaram na instituição. Como aponta Frens-String (2001,
p. 25), alguns membros da entidade, em 1965, “embarked on trips to Scandinavia, as
well as to a handful of experiments in other Latin American countries like Colombia,
Chile, and Venezuela, studying in each how cooperative housing models might be
adapted to the Uruguay’s own realities”.
No agitado meio da sociedade civil uruguaia da década de 1960 – cujos
conflitos de classes se acirravam por conta da crise econômica que atravessava o
país –, o Congresso do Povo, em 1965, promovia, no seio da classe trabalhadora, um
intenso debate sobre a conjuntura nacional, em meio a um processo que levou à sua
unificação sindical (PORRINI, 2014). Assim, enquanto alguns membros do CCU
participavam do Congresso, outros empreenderam visitas a diversas experiências
120
cooperativas fora do país. Visitaram-se várias experiências na América Latina, Europa
e até em Israel, conhecendo-se os Kibutz (FRENS-STRING, 2001).
Tais visitas se desdobraram em cursos sobre cooperativismo, desenvolvidos
pelo CCU no Uruguai, os quais contaram com participantes de diversos países da
América Latina. Como aponta González (2013, p. 48) "es en el año 1964 que el CCU
realiza cursos de desarrollo del cooperativismo en general. A los mismos asisten más
de 200 participantes de distintos países”. O intenso intercâmbio de experiências,
vivências e formação parecem ter impactado os técnicos da organização,
influenciando as propostas posteriores das cooperativas de moradia.
González (2013) aponta para a importância desse processo de intercâmbio e
destaca um personagem influente em todo esse processo: o contador Juan José
Sarachu, um dos fundadores do CCU. González destaca que a visita de campo a uma
comunidade boliviana impressionara o fundador da organização, marcando sua visão
de mundo sobre o cooperativismo. Conforme depoimento pessoal à González,
Sarachu “quedó fuertemente impresionado con una experiencia en Bolivia,
concretamente con una cooperativa de pescadores del lago Titicaca, donde observa
por primera vez el llamado AYNI” (GONZÁLEZ, 2013, p. 48). O funcionamento do
AYNI, uma espécie de moeda local dos pescadores do Lago Tititaca, marcou Sarachu
pois neste sistema há um compromisso comunitário de trabalho recíproco, “donde
varios miembros de la comunidad siembran las tierras de un compañero y este debe
pagar su AYNI sembrando las tierras de las personas que trabajaron junto a él
sembrando las suyas” (GONZÁLEZ, 2013, p. 48).
Assim, pode-se vislumbrar como as propostas da ajuda mútua e da propriedade
coletiva (o caráter de usuário das cooperativas de moradia) vão se consubstanciando
a partir de um intenso processo de pesquisa e formação empreendidos pelo CCU,
cujo exemplo de contato com a experiência do AYNI salienta a intensa proximidade
com essas propostas. Exemplar, nesse sentido, é que a visita à Venezuela também
se mostrou crucial para algumas propostas futuras do grupo, na qual se “encuentra
también otra interesante experiencia de ayuda mutua y con carácter también de
usuarios en la localidad de Maracay (Venezuela)" (GONZÁLEZ, 2013, p. 49). Como
bem sublinha Frens-String (2001, p. 25), "Sarachu, a co-founder of the CCU, places
particular emphasis on how the Venezuelan model, studied during a 1964 CCU visit to
121
that country, framed some of the initial pilot projects in Salto, Fray Bentos, and Isla
Mala".
Ao se seguir a trajetória biográfica de Juan José Sarachu, esta ilumina a
compreensão sobre o contexto de formação do conteúdo da proposta do
cooperativismo de moradia. Sarachu havia realizado uma pós-graduação na Europa,
entre maio e agosto de 1961, sobre desenvolvimento cooperativo e comunitário, na
Universidade Católica de Lovaina (Bélgica). Como o próprio declara em entrevista
recente, durante essa pós-graduação ocorreram algumas visitas a cinco países
europeus (Bélgica, Holanda, Alemanha, França e Itália). Dessa maneira, “en la
Universidad de LEUVEN [...] tuvimos la suerte de compartir con líderes latinos [...] y
líderes africanos diversos, al mismo tiempo que con algunos estudiantes jesuitas [...]
con quienes compartimos luego algunos trabajos del CCU” (SARACHU, 2011, p. 4).
É possível verificar que o período pela Europa e o compartilhamento de experiências
comunitárias, de cunho católico, foram marcantes para o fundador do CCU.
A partir da constituição do CCU, o intercâmbio internacional proporcionado
pelos cursos de formação cooperativa no Uruguai também foi relevante para Sarachu,
como o próprio relembra ao dizer que uma das atividades principais
fueran los Cursos Internacionales de Cooperativismo (CICs) que realizamos en Floresta y Atlantida [cidades próximas a Montevidéu] – en corta temporada – y con una duración de unas 700 horas totales aproximadamente, entre cursos y visitas programadas a experiencias diversas y algunas turísticas aplicadas (SARACHU, 2011, p. 4).
Nestes cursos houve a presença de cerca de duzentos e cinquenta participantes de
várias nacionalidades, dentre as quais argentinos, belgas, brasileiros, chilenos,
peruanos e uruguaios. Esses cursos de formação contaram com o suporte de recursos
financeiros da cooperação internacional, como Sarachu comenta salientando que foi
“un verdadero esfuerzo de formación de formadores, con la cooperación internacional
alemana, durante 1962 y 1965” (SARACHU, 2011, p. 4).
Portanto, o circuito de formação das propostas de cooperativismo de moradia,
pelo CCU, conformara-se no contexto geopolítico da década de 1960, mas não se
circunscrevia a ele. Um denso processo formativo se valeu de um percurso por
diversas experiências internacionais e de formação no tema do cooperativismo, as
122
quais acabaram por alargar a base de conformação das práticas e concepções da
entidade.
Figura 13 – Sede do Centro Cooperativista Uruguayo (Montevidéu, 2015)
Fonte: acervo do autor.
***
As experiências de acúmulo de planejamento prévio do Plan CIDE e de
formação do CCU se juntam, então, na elaboração da Lei Nacional de Moradia no ano
de 1967. Como aponta próprio documento do CCU, a entidade se envolveu
diretamente nas atividades de elaboração do projeto lei. Segundo documento de
época, “a partir de 1967 [CCU] participó activamente en todas las iniciativas tendientes
a estructurar una ley de vivienda que contempla con justicia las exigencias de las
123
cooperativas” (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO, 1970, p. 138). E se
envolveu não só na elaboração do projeto que era discutido no legislativo (sob a
coordenação do então deputado Juan Pablo Terra), como naquele que era proposto
pelo poder executivo. A organização, assim, “colaboró con la Oficina de Planeamiento
y Presupuesto en la formación de las primeras bases de redacción y asesoró
activamente a la Comisión Especial de la Cámara de Diputados que redactó el
proyecto de ley que luego se aprobó con ligeras modificaciones” (CENTRO
COOPERATIVISTA URUGUAYO, 1970, p. 138). Desse modo é que se torna
compreensível como o capítulo sobre cooperativismo foi se inserindo dentro da Lei
Nacional de Moradia, valendo-se do acúmulo de planejamento na temática
habitacional que se constituiu no Plan CIDE e da formação prévia do CCU, que se
consolidava na promoção das três experiências piloto.
E em perspectiva, conformava-se o contexto geopolítico onde se constituiu o
cooperativismo de moradia no Uruguai da década de 1960. O cooperativismo em geral
– mas principalmente em sua vertente agrária – consolidava-se, nos diversos planos
de acordos de cooperação internacional, como uma forma de organização a ser
estimulada, tanto pela Aliança para o Progresso quanto pelas orientações da Igreja
Católica. No Uruguai, a proposta da Aliança apoiou um amplo processo de
planejamento econômico que consolidou as bases para a aprovação da Lei Nacional
de Moradia, em um contexto de crise imobiliária. As raízes católicas do CCU,
originando-se em torno ao cooperativismo e seu amplo processo de formação e
referência a outros contextos, constituem um viés formativo que se concretizaria na
proposição das três experiências piloto.
Além disso, como visto anteriormente, o acesso a fontes de cooperação
internacional já era uma forma de trabalho do CCU, muito antes da formatação da
parceria com o governo nacional que permitiu o aporte de recursos do BID nas
experiências piloto9. Nesses projetos, o aporte desses recursos valeu-se de um
9 A constituição do Banco Interamericano de Desenvolvimento de certa forma se insere em continuidade a recorte geopolítico traçado aqui. Trata-se de uma iniciativa que buscava a criação de um “banco multilateral americano” alternativo ao Banco Mundial, “já que este havia negligenciado a região quando do fim da Segunda Guerra, concentrando esforços em outras áreas” (SCHERMA, 2007, p. 50). A iniciativa toma forma a partir de 1954, a partir da realização da Conferência Econômica Interamericana, com ministros da área econômica dos governos nacionais da América Latina, e a criação de um anteprojeto em 1955. O BID foi instituído em 1959, sendo a primeira experiência de banco de desenvolvimento regional no mundo. Adotava a ideia de que os próprios mutuários detêm o poder votante, de modo a “garantir que os interesses dos latino-americanos nesta instituição fossem
124
arranjo institucional que permitiu o acesso a um empréstimo que não estava em
utilização pelo governo nacional.
Deve-se ressaltar que, de certa forma, a possibilidade de utilização do
empréstimo do BID se deu pelo próprio contexto de crise econômica. Como aponta
Terra (1969, p. 10), o empréstimo do BID equivalia a 8 milhões de dólares e
necessitava de uma contrapartida de igual montante do governo uruguaio, o que
permitiria a construção de quatro mil moradias. Porém, não se conseguiu honrar essa
contrapartida, dado que os recursos dos fundos nacionais eram “devorados por la
inflación y por los déficit presupuestarios, el programa fue postergado una y otra vez
y hubo que enviar sucesivas misiones a realizar gestiones para renovar o prolongar
plazos” (TERRA, 1969, p. 11). Desse modo é que o acordo entre o governo nacional
e o CCU possibilitou acessar uma pequena parte desse empréstimo para a construção
das noventa e cinco unidades dos projetos piloto.
Por fim, o aporte de recursos de cooperação internacional, no contexto
embrionário do cooperativismo de moradia no Uruguai, permite lançar luz sobre a
compreensão do contexto geopolítico que envolvia o campo do cooperativismo nos
anos 1960. Como coloca Coque (2002, p. 152) especificamente sobre o surgimento
das experiências de cooperativismo agrário no continente, tratava-se de um momento
em que “con el Programa de la Alianza para el Progreso varias reformas agrarias en
América Latina mediante las que casi todos los gobiernos adjudicaron tierras
colectivas o individuales, lo que generó diferentes formas cooperativas en el ámbito
rural”.
Um estudo da CEPAL datado dos anos 1980 sobre o cooperativismo na
América Latina também salienta esse aspecto. No caso do surgimento do
cooperativismo no Equador – que, segundo o estudo, aponta uma tendência para todo
o continente –, a década de 1960 viu o alinhamento do governo militar do país com os
Estados Unidos e a explosão de várias experiências de cooperativismo,
principalmente agrário. De acordo com a análise do estudo, o cooperativismo era
considerado um “instrumento particularmente idôneo” para levar à cabo as propostas
da Aliança para o Progresso. Pois a forma cooperativa, “como organización
ouvidos, já que, à época, estes países se consideravam marginalizados nas instituições de Bretton Woods” (SCHERMA, 2007, p. 50).
125
eminentemente de base, satisfacía la necesidad de asegurar que los fondos de la
asistencia técnica efectivamente llegaran al pueblo” (MILLS, 1989, p. 204). Além
disso, enquadrava-se nas estratégias geopolíticas dos Estados Unidos, dado que “la
cooperativa constituía una respuesta cabal al colectivismo socialista que pudieran
tratar de instaurar los movimientos comunistas de inspiración cubana [...] estarían
menos expuestas a ser conquistadas por el comunismo” (MILLS, 1989, p. 204). Assim
é que o cooperativismo transitava em um contexto em que este que se constituía em
uma aposta da cooperação internacional mediada pelos Estados Unidos.
3.1.3 Contraponto: cooperativismo habitacional no Brasil
Pode-se afirmar que o cooperativismo era uma forma de organização social
muito fomentada nos anos 1960 no Uruguai, sendo que processo se inseria em um
contexto de diversos interesses geopolíticos sobre a América Latina. Porém, deve-se
relevar, nessa consideração, que o sistema cooperativo de moradia no Uruguai não
surgiu como uma reprodução direta desse contexto. Em realidade, a partir de tal
configuração geopolítica se fez sob uma forma muito específica.
A própria trajetória de formação dos técnicos do CCU, valendo-se de várias
experiências de cooperativismo pelo mundo, e a formatação de uma iniciativa no
campo da moradia, foram constituídas a partir de uma referência multifacetada em
relação a diversos modelos em voga à época. Como o próprio decreto 644/69 que
regulamenta a Lei Nacional de Moradia coloca em seu preâmbulo,
al dictarse el Plan Nacional de Vivienda (Ley No. 13.728) el derecho positivo nacional recoge un conjunto orgánico de normas, que si bien reconoce su origen en las legislaciones de los países escandinavos y de Chile ha recibido los correctivos imprescindibles para asegurar su aplicación en la realidad nacional (URUGUAI, 1969, p. 723).
Somente para finalizar essa consideração preambular, em outro estudo do período
ressalta-se como a organização da assessoria técnica se inspirou no modelo que era
praticado nos Estados Unidos, pois “la Ley Nº 13.728 creó los Institutos de Asistencia
Técnica, presumiblemente inspirada en los Organismos de Servicios Técnicos
norteamericanos” (NICOLICH; PORRO, 1975, p. 154). Desse modo é possível
126
vislumbrar como o cooperativismo uruguaio instituiu uma forma inovadora e original
de organização do ramo da produção habitacional.
Vale salientar, ainda, a especificidade desse sistema ao ter em consideração
que o contexto de promoção do cooperativismo, na América Latina, também fora
empreendido no Brasil em sua vertente habitacional. Quando há o golpe militar no
Brasil, em 1964, e se cria o Banco Nacional de Habitação, institui-se o apoio às
cooperativas habitacionais enquanto modalidade da política pública federal.
Em depoimento datado do ano de 2002, a primeira presidente do Banco
Nacional de Habitação (BNH) entre setembro de 1964 e dezembro de 1965, Sandra
Cavalcanti10 afirma ter criado um sistema de cooperativas em que “cada interessado
ingressava num grupo, escolhia o terreno, escolhia o engenheiro, acompanhava a
obra e fiscalizava tudo” (FREIRE; LIPPI, 2002, p. 93). O Rio de Janeiro é citado como
caso exemplar, com a experiência da “Cooperativa nº 1” (figura 14), a qual, segundo
Sandra Cavalcanti, “construiu 10.200 apartamentos em 60 condomínios, em nove
meses” (FREIRE; LIPPI, 2002, p. 94).
Porém, a conjuntura política no desenrolar do ano de 1965 não foi favorável à
Sandra Cavalcanti e seus projetos na presidência do BNH. Com a promulgação do
Ato Institucional número 2 e o adiamento das eleições presidenciais, em dezembro
pediu demissão do cargo. A partir de então, com a mudança de comando no BNH
foram criados os Institutos de Orientação às Cooperativas Habitacionais, conhecidos
como INOCOOPs11.
Antes da criação desses institutos, como aponta Castro Filho, “no início do
Plano Nacional de Habitação, as cooperativas habitacionais recebiam os recursos
diretamente do BNH, sendo elas próprias responsáveis pela captação de associados,
10 Sandra Martins Cavalcanti de Albuquerque, educadora e política, foi vereadora pelo Distrito Federal, deputada estadual pela Guanabara e secretária de Serviços Sociais do governo de Carlos Lacerda. Assumiu a presidência do Banco Nacional de Habitação (BNH) de 1964 a 1965 no governo Castelo Branco. 11 Segundo Sandra Cavalcanti, sobre esse processo, “o novo diretor da Carteira de Cooperativas, o empresário João Fortes, resolveu mexer no sistema, criando o mal afamado INOCOOP (Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais). [...] A função dele era, supostamente, a de orientar as Cooperativas Habitacionais, mas, na realidade, ele passou a ter o direito de fazer aquilo que era responsabilidade das próprias cooperativas. Com o correr do tempo, montaram-se dezenas de esquemas lá dentro. Escolhas de terrenos, de construtoras, de engenheiros, de arquitetos, de fornecedores, de materiais de construção. Só que eles não sugeriam, impunham. [...] Parece que muita gente saiu de lá milionária” (FREIRE; LIPPI, 2002, p. 96).
127
elaboração do projeto construtivo e orçamento das obras” (CASTRO FILHO, 2011, p.
1). O Decreto 58.377/66, no entanto, restringiu o acesso ao crédito do BNH somente
às cooperativas operárias12, as quais dependiam de autorização do estado para
funcionar.
Com a criação dos INOCOOPs, pelo mesmo decreto, estes se configuraram
em uma espécie de intermediadores entre as cooperativas e o estado. Como
resultado, segundo Castro Filho (2011, p. 1), “os INOCOOPs foram minguando,
progressivamente, o poder das cooperativas sobre a própria decisão dos projetos a
serem desenvolvidos, o custo envolvido nas obras e a taxa de administração a elas
devida”. Assim, segundo o autor, o BNH passou a ofertar financiamento às
cooperativas em obras de larga escala e de péssima qualidade, “numa matemática
que favorecia unicamente o alcance do maior número possível de unidades por
projetos” (CASTRO FILHO, 2011, p. 1).
Figura 14 – Anúncio da Cooperativa Habitacional nº 1 da Guanabara (Rio de Janeiro, 1965)
Fonte: Jornal Correio da Manhã, 7 de fevereiro de 1965.
12 Definidas como organizações mutualistas, do tipo fechado, sem fins de lucro, com número pré-fixado de associados, constituídas apenas de trabalhadores sindicalizados ou filiados às associações de classe (CASTRO FILHO, 2011).
128
Em 1971 foi promulgada a Lei 5.764, que regula o sistema cooperativo no
Brasil, vigente até a atualidade13. Sem detalhar as especificidades do ramo
habitacional, as cooperativas eram subordinadas à regulação do Banco Nacional de
Habitação. Deve-se destacar que estas necessitavam de autorização de
funcionamento, pois, “como órgano cumbre de las cooperativas de vivienda, la ley
cooperativa subordina al Banco la autorización de funcionamiento de estas
cooperativas” (SCHNEIDER; LAUSCHNER, 1989, p. 132)14. Além disso, instituía-se
a representação por meio de órgão definido em lei, a Organização de Cooperativas
Brasileiras (OCB).
Foi então que se instituiu um determinado campo organizacional e institucional
do cooperativismo habitacional no Brasil, nesse mesmo período de formatação do
cooperativismo de moradia no Uruguai e de fomento ao cooperativismo a partir das
forças políticas na geopolítica latino-americana. Como forma de salientar a
especificidade da constituição do sistema uruguaio, deve-se ter em consideração que
uma das características principais das cooperativas habitacionais brasileiras era seu
caráter de prestadoras de serviços aos seus sócios, sob a modalidade da propriedade
individual. Como comentam Azevedo e Andrade (2011, p. 47), “essas associações
não possuem fins lucrativos e formam uma espécie de condomínio, dissolvendo-se
normalmente após a concretização das obras”. Baseadas, assim, na propriedade
individual, com a crise do BNH, no início da década de 1980, observa-se também o
decréscimo no número de cooperativas habitacionais constituídas, como se verifica
no gráfico a seguir (figura 15).
De certa forma pode-se compreender como as configurações da experiência
do cooperativismo habitacional se concretizam em formas organizativas específicas
nos contextos nacionais, pois como a própria ex-presidente do BNH, Sandra
Cavalcanti, coloca sobre sua proposta, “esse modelo é praticado no mundo inteiro.
Nunca inventei a roda” (FREIRE; LIPPI, 2002, p. 95). No entanto, as especificidades
do modelo brasileiro marcam a constituição de um cooperativismo habitacional
atravessado por formas hierarquizadas e centralizadoras, como apontam Schneider e
Lauschner (1989, p. 132) ao comentar as características do sistema criado pelo BNH,
13 À exceção das cooperativas de trabalho, que passaram a ter um novo marco legal com a Lei 12.690 de 2012. 14 Ponto que se tornou ineficaz pela Constituição de 1988 (CASTELO, 1999).
129
afirmando que “esta estructura jerárquica rompe el tradicional proceso de creación de
las cooperativas, que debe ser confiado a la libre iniciativa de la población, para la
defensa y la organización de sus intereses”.
Figura 15 – Número de cooperativas habitacionais (Brasil, 1978, 1980 e 1983)
Fonte: Schneider e Lauschner (1989, p. 130).
3.2 A formação da classe operária uruguaia
Em entrevista a um periódico do Centro Cooperativista Urguayo, no ano de
1972, Armando Guerra – então presidente da Cooperativa de Vivienda Matriz Textil e
futuro dirigente de FUCVAM – assim comenta a relação entre seu sindicato têxtil e a
matriz cooperativa,
la razón fundamental del éxito de las cooperativas, especialmente en Montevideo, su eficacia para las conquistas (unirse, instrumentarse, conseguir terrenos, estatutos, etc.), es la base gremial. En la formación elemental de cooperativista, por ejemplo la solidaridad, se adquiere en el sindicato (CUADERNOS COOPERATIVOS, 1972, p. 12).
Por meio de sua assertiva, pode-se constatar que a origem social e econômica dos
grupos que conformaram as experiências iniciais da produção cooperativa da moradia
no Uruguai, principalmente em Montevidéu, encontra-se em uma classe trabalhadora
que se organizava previamente em formas sindicais. Como assinala Nahoum (1984,
1978 1980 1983Centro-Oeste 66 71 36Norte 25 31 21Nordeste 112 122 44Sudeste 164 175 152Sul 85 97 36
452 496
289
130
p. 4) "la extracción obrera de buena parte de los integrantes de los grupos
[cooperativos de vivienda] ha sido, además, un poderoso factor de organización, de
disciplina y de concientización". Filippini (2008, p. 135) também argumenta que a
história da construção de moradias por cooperativas, em Montevidéu, esteve, em sua
origem, vinculada “a sectores de extracción económica media o medio-baja, muchas
veces de extracción sindical [...] y generalmente con experiencias organizativas
previas”. Portanto, existe una relação muito próxima entre a formação do sistema
cooperativo de moradia no Uruguai e a classe trabalhadora sindicalizada desse país.
Para compreender a especificidade da formação desse processo é necessário
ter em consideração o largo histórico de industrialização do Uruguai no século XX. No
último quarto do século anterior, a economia uruguaia concentrava-se no setor
primário, principalmente com a criação de gado (“ganadería”) e uma considerável
produção de ovinos (introduzidos na segunda metade do dezenove) destinados à
exportação. A agricultura era pouco desenvolvida e o país importava quase todos os
bens de consumo de que necessitava. Um pequeno circuito industrial começava a se
constituir e uma leva de migrantes europeus chegava principalmente a Montevidéu
(NAHUM, 2014).
Nesse período, a chegada, principalmente de italianos e espanhóis, era
intensa. Na capital do país, entre 1875 e 1879 entraram seis mil imigrantes, entre 1880
e 1884 outros vinte mil e, no período de 1885 a 1889, foram mais cinquenta mil
(PELLEGRINO, 2013). Em Montevidéu, no ano de 1889, os estrangeiros
contabilizavam cerca de cem mil habitantes em um universo de duzentos e quinze mil,
ou seja, quarenta e seis por cento da população15. Tal chegada de migrantes
europeus aportou características muito específicas para a formação da recente nação,
como aponta Pellegrino (2013, p. 189), dentre as quais “obreros con experiencia
sindical y militantes políticos socialistas o anarquistas, cuyo pensamiento se difundió
en los sindicatos, en la prensa militante y de las organizaciones de inmigrantes”. A
chegada destes migrantes europeus também contribuiu fortemente para o processo
15 De acordo com Pellegrino (2014, p. 6) sobre a imigração para a América do Sul no século XIX, “de los 12 millones de personas cuyo destino fue América Latina, la mitad se dirigió a la Argentina, 36% al Brasil, 6% al Uruguay y 7% a Cuba. El pequeño saldo restante se distribuyó en cantidades menores entre otros países latinoamericanos”. O que aponta para o relativo elevado número de imigrantes que chegaram ao Uruguai, considerando sua pequena população quando comparada aos países vizinhos.
131
de formação das primeiras organizações sindicais da vida operária na virada do século
(PELLEGRINO, 2014, p. 14).
Assim, foi no final do século XIX que se consubstanciaram as primeiras
iniciativas de organização sindical de trabalhadores no Uruguai. De caráter
embrionário e com pouca continuidade, são a primeira experiência de coordenação
dos trabalhadores na história da nação. Como aponta Porrini (2002, p. 18), nessa
época “actuaron los ‘internacionalistas’ [...], las organizaciones ‘protosindicales’ como
las ‘sociedades de ayuda mutua’ y las de ‘mutuo y mejoramiento’16, y las ‘sociedades
de resistencia’”. De acordo com a historiografia do movimento operário uruguaio, esse
momento é considerado como “pré-sindicalismo” ou “sindicalismo disperso”, e tem seu
encerramento em 1905.
Deve-se destacar que a especificidade da legislação desse país, sobre o tema
da imigração, carrega uma característica distinta em relação às nações vizinhas. Se,
no início do século XIX, a concepção do estado uruguaio era de que a migração seria
um fator determinante para o povoamento do território e constituição da nova nação,
o diferencial na regulação sobre a migração, no começo do século seguinte, se
assentava no modo como se tratou a questão da deportação e do asilo político (na
contramão de como o fizeram Brasil e Argentina). Pois, justamente, o Uruguai abriu-
se à recepção de deportados dos países vizinhos e não aplicou esta prática em seu
território.
Nesse processo, no começo do século, o país conformou-se em um território
de recepção de exilados – principalmente anarquistas – das nações contíguas, e “se
convirtió en un lugar de asilo y refugio para los integrantes de los movimientos políticos
que sacudían la región con sus acciones. Pronto, los anarquistas se constituirán en el
grupo principal de dicha protección” (DECESARI, 2014, p. 2), principalmente aqueles
oriundos da Argentina17. A partir de então, um específico aporte de ideias e de
16 As associações mutualistas desempenharam um importante papel de apoio aos trabalhadores e, também, à sociedade uruguaia em geral, com um considerável rol de atividades desenvolvidas adentrando todo o século XX. Solà I Gussinyer (2003) destaca que “en Uruguay las organizaciones de socorros mutuos [...] favorecían inicialmente al proletariado de origen europeo, los pequeños comerciantes y los trabajadores por cuenta propia del mismo origen”. 17 A perseguição aos anarquistas na Argentina se fazia desde a década de 1870 e teve sua consolidação legal com a promulgação da Lei de Residência em 1902, que autorizava a expulsão do país por mero decreto policial (DECESARI, 2014). Nahum (2014, p. 17) afirma que “la ley de residencia argentina provocaba la huida hacia Montevideo de numerosos sindicalistas anarquistas que mantenían
132
sindicalistas configurou-se na conformação do mundo do trabalho desse país,
principalmente quanto à constituição de suas organizações sindicais.
***
Com a presidência de José Batlle y Ordóñez, que se inicia em 1903,
implementam-se as primeiras medidas de modernização e industrialização do
Uruguai18. O setor assalariado ainda conformava somente vinte e cinco por cento da
população ativa. Configuravam “talleres o pequeñas empresas [...] que recién
empezaban a usar alguna maquinaria, y a una minoría de establecimientos más
grandes donde ya se producía la clásica concentración de obreros y máquinas, tales
como textiles, refinerías, destilerías” (NAHUM, 2014, p. 116).
Nesse começo do século XX emergiram organizações sindicais que agregavam
uma massa mais ampla de trabalhadores e que começavam a desenhar um horizonte
utópico para a luta política. Segundo Porrini (2002, p. 18), "se crearon instituciones y
organizaciones de los trabajadores que desarrollaron prácticas culturales y educativas
y luchas de ‘resistencia’ aspirando a una sociedad distinta, en un horizonte de
‘utopías’”. Portanto, a política das reformas sociais batllistas e a atuação dos
sindicatos, ainda que minoritários, levaram às primeiras ações redistributivas e de
justiça social no mundo do trabalho uruguaio.
A eleição de Feliciano Viera, em 1914, significou uma quebra no ritmo das
reformas sociais impulsionadas pelo batllismo. A intensidade das reformas sociais e o
impulso à industrialização incomodavam muitos setores, como a classe rural
pecuarista e aqueles ligados à igreja. Apesar do freio às reformas sociais,
aumentaram as mobilizações dos trabalhadores, com a ampliação de greves, sendo
una constante prédica en los gremios locales y lograban la adhesión de nuevos obreros a las reivindicaciones generales”. 18 O “batllismo” estende-se até 1915, com as duas presidências do próprio José Batlle (1903 – 1906 e 1911-1914) e, também, de Claudio Williman (1907-1910).
133
que o bom momento econômico pelo qual passava o país permitiu a realização de
vários acordos trabalhistas no período (NAHUM, 2014, p. 84).
Após os anos 1920 de política conservadora, a crise mundial de 1929
reconfigurou o mundo do trabalho uruguaio. O país teve uma queda brutal das
exportações, uma forte desocupação em vários setores da economia e o estado
promoveu diversas repressões anti-sindicais (NAHUM, 2014). No entanto, valendo-se
de condições prévias de acumulação econômica, o Uruguai conseguiu empreender, a
partir da recuperação da crise de 1929, um período de intensa substituição de
importações, desenvolvendo uma indústria de caráter ainda leve. A força de trabalho
industrial passa, então, a aumentar. Assim é que, segundo Porrini (2002, p. 18), entre
1930 e 1936 o Uruguai tem um incremento de dezesseis mil novos trabalhadores e
entre 1936 e 1948 são mais sessenta e três mil.
Depois de 1943 há o retorno da corrente batllista ao governo nacional e o país
também começa a viver um período de bonança econômica. Pode-se afirmar que a
partir de então é que se forma uma classe operária com estabilidade e constitui-se um
movimento sindical forte no Uruguai (PORRINI, 2002b). Além disso, o estado retoma
o ritmo mais intenso de aprovação de novas políticas de proteção ao mundo do
trabalho.
Vale destacar que a nação uruguaia já contava com importantes medidas nessa
área. Aprovara em 1915 a cobertura por acidentes de trabalho para boa parte dos
assalariados, a jornada de oito horas diárias e o descanso semanal obrigatório de um
dia. A responsabilidade patronal sobre acidentes foi aprovada em 1920 e em 1923 o
salário mínimo para trabalhadores rurais. A Constituição de 1934 reconheceu o direito
de greve e, também, a classe trabalhadora enquanto interlocutora em mecanismos de
prevenção de conflitos em tribunais de conciliação e arbitragem (inclusive envolvendo
definição de bases salariais e limitação de jornada de trabalho).
No contexto do “neobatllismo” constitui-se um importante mecanismo
institucional de mediação entre capital e trabalho que irá marcar a história das relações
laborais no país. Em 1943 é aprovada, pelo legislativo nacional, a instituição dos
"Conselhos de Salários". Trata-se de conselhos tripartites formados por trabalhadores,
134
empregadores e pelo estado, os quais regulam as relações de trabalho nos diversos
ramos da atividade produtiva19.
Instituíram-se conselhos para vinte atividades laborais, sendo tripartites e
compostos por representantes eleitos dos trabalhadores e dos empresários, além de
membros indicados pelo estado20. Porrini (2002) indica que essa inovação
institucional marcou de forma profunda a conformação do mundo do trabalho
uruguaio, pois possibilitou aumentos salariais importantes, ordenou as lutas por
salário, instituiu a prática de votação entre os trabalhadores, além de impulsar a
formação de novos sindicatos. Assim, “los Consejos de Salarios fueron un instrumento
de integración social de los trabajadores (incluyó una ‘electoralización’ en sus
prácticas), a la vez que un espacio de confrontación de poderes en que aquellos
mantuvieron cierta autonomía” (PORRINI, 2002b, p. 18).
***
Nos anos 1950 passa a se conformar, no Uruguai, um sindicalismo de massas,
que não se caracteriza mais pela confrontação e oposição diretas, mas pela
constituição de uma franja diretiva que desenvolve estratégias mais mediadas de
relação com o estado e com os patrões (PORRINI, 2002b). Na vida sindical surgem
os grêmios por setores de atividade (indústria da construção, metalúrgicos, têxteis,
bancários e funcionários públicos). Apesar de diversas tentativas de unificação
sindical, ainda permaneciam as várias centrais e seus grupos21.
19 A primeira iniciativa de criação dos Conselhos de Salários data de 1912, a partir de proposta do deputado socialista Emiglio Frugoni. Já no começo da década de 1940 um grupo de deputados empreendeu um estudo sobre as condições de vida da classe operária uruguaia de então. Os resultados apontaram as péssimas condições de trabalho em diversos setores da economia, o que impulsionou a proposição e aprovação dos Conselhos de Salários (NOTARO; CAETANO, 2012). 20 Notaro e Caetano (2012, p. 174) mostram que, nas primeiras eleições para os Conselhos de Salários, votaram quarenta e dois mil dos noventa e sete mil trabalhadores habilitados (43% do total), com alta participação em setores como dos gráficos (79%), transporte (76%) e metalurgia (63%). 21 No caso, a Unión General de Trabajadores (UGT), criada em março 1942, a coordenação do Comité de Relaciones Sindicales (1943), além da Federación Obrera Regional Uruguaya (FORU) e da Unión Sindical Uruguaya (USU), assim como vários sindicatos de origem católica e “autônomos”.
135
Somente a partir da segunda metade da década de 1950 é que se toma o
impulso para a unificação da luta sindical no Uruguai. De acordo com Porrini (2002, p.
12), “la división comenzó a revertirse desde mediados de los años cincuenta, en medio
del reconocimiento general de la ‘crisis’ en todos los renglones de la actividad
económica”. O ritmo de crescimento do país começava a dar sinais de debilidade e
numerosas lutas sindicais emergiram em diversos setores da atividade econômica.
Greves rurais, lutas contra o congelamento de salários, marchas pela terra e por leis
laborais, ao mesmo tempo em que o governo iniciava o endurecimento na repressão
ao mundo do trabalho.
Em 1956, a partir de uma greve de trabalhadores dos frigoríficos cria-se a
“Comisión Coordinadora pro Central Única” que buscou unificar as forças sindicais e
coordenar ações conjuntas até o ano de 1958, quando é dissolvida. Nesse período,
até o ano de 1961, discute-se a criação da Central de Trabajadores del Uruguay
(CTU), a qual é instituída nesse último ano.
Porém, somente em 1964 é que se concretiza a iniciativa de unificação sindical.
Durante os meses de junho a setembro de 1964 conformou-se a Convención Nacional
de Trabajadores que irá coordenar, gradativamente, todas as ações sindicais no
Uruguai. No início de 1965 a Convención organizou uma grande paralização geral que
impactou fortemente a população uruguaia. E em agosto desse mesmo ano convocou
o “Congresso do Povo”. O Congresso foi a base para a constituição da Central
Nacional de Trabajadores (CNT), e se consolidou em um amplo espaço de discussão
e aprovação de um programa de medidas para a enfrentar a grave crise que tomava
o país à época. De acordo com Porrini (2014, p. 19) o Congresso do Povo “había
reunido a un conjunto de sectores perjudicados por la crisis y elaborado un vasto
‘programa de soluciones’, que incluía la reforma agraria, industrial, del comercio
exterior, entre otras transformaciones".
Em 1966 consolida-se a CNT (dissolvendo-se a CTU) a partir do Congreso de
Unificación Sindical realizado entre vinte e oito de setembro e primeiro de outubro.
Estava, então, conformado o processo de unificação sindical que se buscou desde
mediados da primeira metade do século XX e que irá se constituir em um forte
instrumento de luta dos trabalhadores durante todo o restante desse século e até os
dias atuais.
136
***
A história da conformação do "modelo" sindical uruguaio permite averiguar uma
característica intrínseca desse modelo que agrega um tom muito específico às
relações de trabalho nesse país. Supervielle e Pucci (2008) ressaltam a atitude não
intervencionista do estado na formação sindical uruguaia, consolidada a partir da
relação que o batllismo manteve com a classe trabalhadora. Desse modo, “la
subordinación del movimiento sindical al Estado, que se expresó en forma nítida en el
peronismo en Argentina y en el varguismo en Brasil, no tuvo su correlato en las formas
populistas uruguayas, que se mantuvieron fieles a la tradición liberal que las inspiró”
(SUPERVIELLE; PUCCI, 2008, p. 45). Portanto, constituiu-se um modelo sindical
bastante peculiar no Uruguai, marcado fortemente pela autonomia do movimento
sindical frente ao estado.
E ao final da década de 1960 consolida-se um sindicalismo uruguaio com uma
“cultura” gremial bem definida e trabalhadores protegidos por regulamentações
estatais instituídas sobre o mundo do trabalho. Um contexto de grande tensão social
configurou-se com a consolidação da unificação sindical e a emergência de propostas
de cooperativismo habitacional em meio à crise econômica e de crescimento da
repressão violenta do estado. Nesse cenário social tensionado é que se formou a base
social e política de onde emergiram os protagonistas das primeiras cooperativas de
moradia no Uruguai.
3.2.1 Cooperativismo de moradia, classe trabalhadora e sindicalismo
Na história de formação da classe operária uruguaia é interessante notar que,
entre as décadas de 1950 e 1960, constata-se um grande crescimento da força de
trabalho assalariada e da ocupação no setor industrial. Como aponta Porrini (2002, p.
23), o Censo Geral de População de 1963 apresentava um país de quase dois milhões
e seiscentos mil pessoas, sendo que "había una población activa de casi 1 millón y de
éstos los asalariados representaban casi el 74%. Tal vez haya sido ese el momento
137
de máxima cuantía de la clase obrera industrial". O gráfico a seguir (figura 16),
apresentado no trabalho de Martí (2006), dá a noção exata sobre o ápice de
constituição da conformação industrial da classe operária uruguaia.
Figura 16 – Ocupação na indústria (Uruguai, 1936 – 1999)
Fonte: Martí (2006).
Os dados da ocupação operária entre 1936 e 1999 mostram que o pico no
volume de trabalhadores no setor industrial ocorreu na virada da década de 1950 para
1960. O próximo gráfico (figura 17) também permite verificar como foi justamente entre
os anos de 1955 e 1960 que a ocupação na indústria apresentou uma das maiores
taxas de crescimento na história do país – somente superada pelo período de 1983 a
1989, que, em realidade, reflete a recuperação da grave crise do período anterior.
Aproveitando-se de um contexto macroeconômico proporcionado pelo
ambiente internacional após a crise de 1929 e com a Segunda Guerra Mundial, o
Uruguai desenvolveu um modelo de substituição de importações que lhe permitiu,
alavancado principalmente no neobatllismo da década de 1940, a constituição de um
certo circuito industrial que fez emergir uma classe operária que desenvolveu um forte
senso de união sindical. Como sintetiza Nahum (2014, p. 209) “entre 1945 y 1954 la
producción creció 8,5% anual, con las ramas tradicionales (textiles, bebidas, ropas,
alimentos) llegando al 5,6% y las dinámicas (derivadas del petróleo, electrotécnicas,
metalúrgicas) al 15%”. Assim, o efeito correlato foi o crescimento da mão-de-obra
138
empregada na indústria e em atividades afins, como bancária, administração e
serviços.
Figura 17 –Taxas de crescimento da população, da população economicamente ativa (PEA) e da ocupação na indústria (Uruguai, 1936 – 1998)
Fonte: Nahum (2014).
Desse modo, a base das primeiras experiências de cooperativas de moradia
no Uruguai seria angariada dessa classe operária. Forjada em um contexto econômico
de industrialização via substituição de importações e de garantias trabalhistas
advindas das reformas sociais de herança batllista, a estabilidade dessa classe
proporcionaria o terreno para a formação de um certo “ethos” subjacente a esses
trabalhadores, que seria galvanizado pela disciplina de sua organização sindical. Uma
determinada “cultura de classe” havia se plasmado em meio a esses trabalhadores
uruguaios de meados do século XX, a qual permitiu que se engajassem nas primeiras
experiências de produção cooperativa de moradia22.
A transformação da prosperidade econômica em acordos de classe capital-
trabalho por meio dos Conselhos de Salário, aliados à centralização sindical e à
22 A análise realizada sobre a formação da classe operária no Uruguai se inspira na perspectiva de análise de Thompson (1987) sobre a constituição histórica da classe operária imbricada à conformação de sua consciência a partir da sua própria experiência – portanto, não anterior à sua tomada de consciência, mas em seu próprio “fazer-se” histórico. Assim é que uma determinada cultura de classe se constitui desde a própria experiência histórica operária, conformando um determinado “ethos”, cujas práticas foram, de certa forma, compartilhadas nos projetos de produção cooperativa da moradia.
1,36
0,69
0,46 0,81
0,7
0,31
0,35 0,74
-0,2
2
0,35
5,06
-2,3
6
-6,1
7
6,56
-4,7
8
1955-1960 1960-1978 1978-1983 1983-1989 1989-1998
População População Economicamente Ativa - PEA Ocupação na indústria
139
ausência histórica de intervenção estatal nos sindicatos, permitiram constituir uma
cultura de classe operária que vislumbrou, na proposta da ajuda mútua e da
propriedade coletiva, uma forma de construção da moradia e um mecanismo viável
de solução da crise habitacional que o país enfrentava na segunda metade dos anos
1960.
***
A relação entre organizações sindicais da classe trabalhadora com o
movimento cooperativista de moradia, porém, não ocorreu de forma automática ou
ausente de conflitos. Diferentemente do que se passou com a base dos trabalhadores,
suas organizações representativas – incluindo sindicatos e partidos – não irão apoiar
a iniciativa em seus primeiros momentos. Organizações de esquerda, como o Partido
Comunista Uruguaio, se posicionaram criticamente à Lei Nacional de Moradia
aprovada em 1968. O Partido Comunista foi contrário a lei e ao cooperativismo de
moradias por três motivos. Primeiro, retirariam empregos do setor da construção civil,
depois, dariam uma propriedade aos trabalhadores no sistema capitalista e, por
último, desviariam o foco da luta política da classe trabalhadora23 (FRENS-STRING,
2001, p. 26).
Como aponta González (2013, p. 45), "no fueron los líderes de primera línea
del movimiento sindical los que se pusieron a la cabeza de este movimiento, salvo
honrosas excepciones". Portanto, pode-se afirmar que a “base” do cooperativismo de
moradia uruguaio foi a classe trabalhadora sindicalizada. No entanto, não se deve
afirmar que a origem do cooperativismo de moradia uruguaio é sindical. Retomando o
trabalho de Gonzáles (2013), assim é possível colocar em melhor assertiva tal relação
entre operários sindicalizados e cooperativas de moradia, quando o autor afirma que
el modelo cooperativo no nace como fruto de una batalla librada por el movimiento obrero en su conjunto, pero hay que tener claro, que es cuando los trabajadores fundamentalmente comienzan a estructurar sus cooperativas
23 Como analisado anteriormente, também se deve ter em mente que o contexto internacional na América Latina, após a Segunda Guerra Mundial, era de investida ideológica norte-americana sobre a região, para garantia de seu domínio geopolítico.
140
desde las fábricas, que efectivamente el movimiento crecerá. Lo que no es igual a decir que el movimiento sindical lo impulsara (GONZÁLEZ, 2013, p. 46).
Mas como se realizará a unificação entre o nascente movimento cooperativista
de moradia com as organizações políticas e sindicais de representação da classe
trabalhadora? Segundo González, o próprio crescimento da adesão dos trabalhadores
operários a esse sistema é que trará o apoio dessas organizações. De acordo com
sua interpretação, a unificação com o movimento sindical ocorreu nos três primeiros
anos de fundação de FUCVAM – entre 1970 e 1973 –, pois “las cooperativas crecían
en el seno mismo del movimiento obrero, es decir independientemente del debate
teórico la gente quería resolver el problema a través de esta alternativa” (GONZÁLEZ,
2013, p. 65)24.
Além da adesão ao movimento cooperativista de moradia, a classe operária
aportou um substancial “modo de vida” a esse movimento, em que a “cultura de
classe” do movimento operário influenciou muitas dimensões no campo da produção
cooperativa de moradia. Constituídas em meio século de formação de sua
organização sindical, algumas práticas como a disciplina, as discussões em
assembleia, o respeito ao centralismo democrático, a unificação sindical e as
reivindicações perante o estado, por exemplo, foram incorporadas nas práticas das
cooperativas. A disciplina do trabalho em ajuda mútua, a divisão de tarefas em
comissões e a participação e acatamento das decisões das assembleias eram
práticas aceitas e bem desenvolvidas pelos trabalhadores que se tornavam
cooperativistas.
As táticas de luta política do movimento sindical uruguaio também foram
acionadas para influenciar a organização do movimento de cooperativas que recém
se criara. Como aponta o depoimento de um sócio de uma cooperativa da década de
1990, “yo creo que hay una característica en Uruguay, que no es de todos los países,
que por cada gremio hay una sola organización, un sentido de unidad muy grande”
(Sócio C, COVIUNPRO, AM2). O que, segundo ele, trasladou-se para o
cooperativismo de moradia, pois “en el cooperativismo de vivienda hay varias formas
de construir, pero cooperativas de ayuda mutua hay una sola organización en
24 Sintomático da posterior adesão das organizações dos trabalhadores é que as cooperativas de matriz sindical tiveram a predominância de sua assessoria técnica pelo Instituto CEDAS, que tinha forte influência do Partido Comunista.
141
FUCVAM. Entonces cuando vos te organizás ya no pensás en otra cosa, es FUCVAM”
(Sócio C, COVIUNPRO, AM2)B.
Portanto, a especificidade das condições da classe operária uruguaia, em
meados do século XX, abriu um espectro também muito específico de condições
sociais e políticas a partir das quais emergiu o movimento cooperativo de produção
de moradia. Nesse trecho, Gustavo González comenta tais condições e suas
especificidades, a partir de um distanciamento de quase quarenta anos, afirmando
que “todos estos trabajadores contaban además con trabajos e ingresos estables, [...]
Con un movimiento sindical pujante donde la ocupación, el salario estable, eran parte
sustantiva del disciplinamiento obrero” (GONZÁLEZ, 2013, p. 45). Assim, como ele
conclui, “fueron así capaces de plasmar, en el diseño y el proyecto de su barrio, todo
cuanto albergaba en ellos de esa reserva moral de clase” (GONZÁLEZ, 2013, p. 45).
Porém, para que esse aporte da classe operária se concretizasse, era
necessário que o estado apoiasse fortemente a implementação da Lei Nacional de
Moradia recém aprovada. É o que ocorre logo nos primeiros anos do sistema
cooperativo de moradia, apontando para as especificidades da conformação da
arquitetura de bem-estar no Uruguai da primeira metade do século XX.
3.3 Arquitetura de bem-estar e apoio estatal
Como analisado na seção 2, o estado desempenhou importante papel para o
ganho de escala do sistema cooperativo de moradia. Como aponta González (2013,
p. 51) sobre o apoio do recém-criado órgão gestor da política habitacional, pela Lei
Nacional de Moradia, “aquella dirección de la DINAVI fue quien también impulsa el
modelo cooperativo, en un gobierno de neto corte de derecha y autoritario, en un
momento de gran polarización de la lucha de clases”.
Esse apoio estatal teve muita especificidade ao priorizar a modalidade das
cooperativas de uso e gozo, em detrimento daquelas de proprietários. Como postula
o testemunho de um fundador de FUCVAM, Isaac Moreira, ao próprio González citado
acima, sobre a atuação do então diretor da DINAVI, este “me contó con claridad que en
142
una reunión [...] en la DINAVI, él les dijo ‘muchachos si los obreros construyen como
ustedes seguramente lo van a hacer, es fundamental que sean usuarios, para preservar
a las familias de entrar en el mercado inmobiliario’” (GONZÁLEZ, 2013, p. 51; grifo
nosso).
Assim também o próprio acompanhamento dos gestores do governo nas
experiências piloto mostrou-se fundamental para a aprovação da Lei Nacional de
Moradia. Como aponta Leonardo Pessina, em depoimento ao autor, desde o início das
experiências os técnicos já se apresentavam convencidos sobre o apoio ao modelo
cooperativo. Segundo ele, que trabalhava no Centro Cooperativo Uruguayo à época,
“nós [CCU] levamos o Diretor [da DINAVI] para visitar Isla Mala e as outras
cooperativas pioneiras. Então foi-se criando, digamos, condições para aprovar a Lei
Nacional de Habitação, que se aprova em 1968” (PESSINA, 2015).
Somente para fechar essas considerações mais gerais, o próprio apoio estatal
se concretizava nas práticas dos primeiros cooperativistas de moradia. Como
descreve o documento de uma cooperativa pioneira (COVIMT 2), com obras no início
dos anos 1970, os técnicos do agente financeiro, o Banco Hipotecário do Uruguai,
compartilhavam da solidariedade dos cooperativistas ao visitar as obras para medição
do seu avanço e liberação das parcelas de financiamento. Como coloca um
documento retrospectivo da cooperativa, ao receberem os técnicos do banco na obra,
decidimos agasajar con un buen asado a la gente del B.H.U. que nos trataban de maravilla, para recibir su visión de la obra, saber cómo evaluaban el adelanto de obra, cuánto deberíamos avanzar mensualmente, cuáles son los avances que más cuota nos proporcionaría (COVIMT 2, s/d, p. 10).
Assim é que, após a promulgação da Lei Nacional de Moradia, teve grande
importância o apoio conferido pelo estado às primeiras cooperativas, levando ao
ganho de escala do sistema. Deve-se destacar quatro pontos desse processo
referentes à atuação do estado: os gestores governamentais que se engajaram na
proposta, o aporte de recursos financeiros, a formação de uma carteira de terras e a
concessão de figura jurídica às cooperativas em formação. Para além do engajamento
individual dos gestores estatais, vale ter em consideração a própria especificidade da
formação do estado uruguaio e da configuração correlata de suas políticas sociais.
Assim, quais seriam os elementos históricos que conferiam a especificidade da
formação do estado uruguaio nesse período? Compreender o traço distintivo da
143
arquitetura de bem-estar que se conformou no Uruguai, durante o começo do século
XX, permite iluminar algumas dessas especificidades.
***
Acerca do surgimento do estado uruguaio, Bértola e Bertoni (2014, p. 89)
apontam que o país “alcanzó en las últimas décadas del siglo XIX un nivel de ingreso
per cápita relativamente alto, como resultado de una exitosa inserción en la economía
mundial con base en una especialización primario exportadora complementaria de los
centros dinámicos del capitalismo". Assim, o relativo alto grau de desenvolvimento
econômico do país foi revertido em políticas sociais, por meio da consolidação de um
estado de bem-estar no início do século XX.
Nesse processo é que se constituem as bases para o desenvolvimento do
caráter pioneiro do país na conformação de suas políticas de bem-estar social.
Continuando com a palavra dos autores, pode-se constatar que “hacia 1950 un muy
importante crecimiento del gasto público social contribuyó a la configuración del
régimen de universalismo estratificado característico de la ‘Suiza de América’”
(BÉRTOLA; BERTONI, 2014, p. 77). Nesse período, o país se consolidou como um
dos pioneiros na provisão de serviços sociais no continente latino-americano.
As precursoras medidas de regulação social do batllismo foram adotadas em
meio a uma mudança na estrutura de classes da sociedade uruguaia. O que se
observa nesse começo de século é a consolidação política e econômica das classes
médias e a debilitação daquelas que viviam da criação de gado (“clase ganadera”).
Estas apresentavam uma posição de classe mais conservadora e sua perda de força
abriu caminho para a consolidação dos avanços democráticos do país.
É o que permite a Moreira (2007) afirmar que, na história do Uruguai, a
inexistência de classes dominantes nativas que se contrapusessem aos avanços
democráticos, foi o que tornou possível instituir políticas sociais de cunho mais
distributivo e igualitário. Nas palavras da autora, “el tipo de explotación imperante y la
inexistencia de comunidades políticas nativas previas, así como la falta de una
144
aristocracia autóctona (ligada a la debilidad de la Iglesia y el Ejército), generaron una
sociedad donde las desigualdades fueron difícilmente legitimables” (MOREIRA, 2007,
p. 13).
Pode-se, desse modo, compreender como o aumento no desenvolvimento
econômico uruguaio da virada do século XIX para XX permitiu engendrar a
acumulação de riqueza pelo país e, ao mesmo tempo, sua distribuição social por meio
da intervenção estatal redistributiva, impedindo uma extrema concentração da renda.
E foi a partir dos anos 1940 que o Uruguai conseguiu constituir um cenário econômico,
social e político que constituiu um consistente aparato de bem-estar social para seus
cidadãos.
Crescimento econômico, classe trabalhadora estável e políticas públicas de
suporte social abriram um terreno de onde emergiu uma sólida forma para o
tratamento do “risco social”25 durante as duas décadas seguintes. Emergindo na
segunda metade da década de 1960, a iniciativa de produção social do habitat, por
meio do cooperativismo, valeu-se desse contexto de bem-estar social para se firmar
enquanto política social para promover soluções habitacionais dignas aos cidadãos
uruguaios.
Durante as três décadas de maior intensidade (1940 a 1970), esse sistema de
bem-estar contou com características bem definidas, assentadas na baixa
fecundidade em famílias predominantemente nucleares, na relativa heterogeneidade
na composição social dos bairros, em uma economia próxima ao pleno emprego
formal e em uma boa base fiscal oriunda de uma situação econômica estável
(FILGUEIRA; RODRÍGUEZ; RAFANIELLO; LIJTENSTEIN; ALEGRE, 2005, p. 19). E
pelo lado das políticas estatais se verifica um constante gasto em áreas sociais, dentre
as quais, no período da virada da década de 1950 para 1960, nota-se um aumento
naquelas do setor de moradia e serviços sociais. A tabela 2 mostra que os
investimentos nesse setor tem pico justamente no período entre 1955 e 1968,
25 A referência posta assenta-se na teorização de Esping-Andersen (1990) sobre a conformação da arquitetura do bem-estar social e a relação entre estado, comunidade, família e mercado de trabalho no suporte aos “riscos sociais”. Para o Uruguai, adotam-se as ideias contidas no trabalho de Filgueira, Rodríguez, Rafaniello, Lijtenstein e Alegre (2005).
145
justamente aquele em que se aprova a Lei Nacional de Moradia e se constitui o
cooperativismo de moradia.
Tabela 2 – Evolução da estrutura do Gasto Público Social (porcentagem), por décadas (Uruguai, 1910 – 2000)
Área do Gasto Público Social
Média 1910-1921
Média 1935-1947
Média 1955-1968
Média 1974-1989
Média 1990-2000
Educação 37,2% 20,6% 17,23% 15,5% 12,3%
Saúde 20,2% 12,6% 10,5% 13,1% 16,3%
Seguridade e Assistência Social 38,6% 64,4% 65,6% 66,0% 65,4%
Moradia e Serviços Comunitários 0,4% 1,0% 4,9% 3,6% 4,6%
Gasto social não convencional 3,6% 1,4% 1,8% 1,7% 1,4%
Fonte: Bértola e Bertoni (2014).
Como resultado desse processo, Filgueira, Rodríguez, Rafaniello, Lijtenstein e
Alegre (2005, p. 07) apontam que “Uruguay posee el gasto social per cápita más alto
de América Latina y también uno de los gastos más altos como porcentaje del PBI y
como porción del gasto público total”. Portanto, um modelo de estado de bem-estar
social estava conformado no Uruguai a partir da década de 1940, estendendo-se até
quase fim dos anos 1970. Desse terreno emergiu a proposta do cooperativismo de
moradia e analisando-o é possível compreender como o estado uruguaio pôde aportar
investimentos e apoio institucional, apesar do contexto de crise política e econômica
que atravessava o país ao final dos anos 1950.
146
Tradução dos depoimentos da seção 3
A “houve pessoas, intelectuais [...] que colocaram que a partir de experiências de reforma agrária, de
gente que tinha sua terra e depois a vendia a proprietários de terras pelas razões que sejam, que o que
mais convinha era a propriedade coletiva”.
B “eu creio que há uma característica no Uruguai, que não é de todos os países, que por cada sindicato
há uma só organização, um sentido de unidade muito grande” [...] “no cooperativismo de moradia há
várias formas de construir, mas cooperativas de ajuda mútua há só uma organização em FUCVAM.
Então quando você se organiza, já não pensa em outra coisa, é FUCVAM”.
147
4 O TERRENO POR ONDE SE MOVIMENTA A AUTOGESTÃO HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO
Nesta seção se apresentam algumas considerações sobre determinadas
questões estratégicas que se delinearam na conformação das bases das experiências
de autogestão habitacional no Rio de Janeiro. Tomando uma perspectiva distintiva em
relação à analise empreendida anteriormente sobre Montevidéu, são postas em relevo
algumas especificidades acerca do terreno onde emergiu o projeto de produção social
do habitat na metrópole do Rio de Janeiro.
Um primeiro conjunto de elementos a considerar é a distinção em relação à
base urbana a partir da qual se constituíram as iniciativas pioneiras. Focando-se a
questão da favela no Rio de Janeiro, adentram-se algumas análises em torno do
associativismo popular e das intervenções urbanas que atravessam esses territórios.
Desse modo são exploradas algumas implicações quanto à cultura política e à
economia política da urbanização que aportam elementos distintivos em relação ao
contexto uruguaio.
Um segundo movimento da análise explora a relação entre a matriz sindical e
o projeto da produção social do habitat no Rio de Janeiro, de modo a pensar a
especificidade histórica em relação ao que ocorrera em Montevidéu. Em seguida,
analisa-se a relação entre cultura política e violência, que reconfigura o associativismo
no Rio de Janeiro a partir da década de 1990, iluminando seu impacto nas
experiências de autogestão habitacional. Por fim, abordam-se alguns aspectos em
torno do modelo institucional das experiências de produção social do habitat na
metrópole carioca, seguindo a trajetória da Fundação Centro de Defesa de Direitos
Humanos Bento Rubião. A partir desses elementos pretende-se refletir sobre alguns
desafios postos pela base política, econômica e social que atravessam a autogestão
habitacional no Rio de Janeiro.
148
4.1 Favela, território de origem
Como a análise na seção 2 permitiu constatar, a emergência das experiências
de produção social do habitat no Rio de Janeiro, que se referenciam ao modelo de
cooperativas de moradia uruguaias, estruturou-se a partir de territórios e da questão
da favela no Rio de Janeiro da década de 1980. O projeto da COOPMAHN se erige
na favela de Nova Holanda, a constituição da Fundação Centro de Defesa de Direitos
Humanos Bento Rubião se faz a partir da atuação da Pastoral de Favelas, assim como
os projetos piloto se organizam em alguns territórios com tal configuração, como no
caso de Shangri-lá. Portanto, compreender as mutações que atravessaram o tema do
tratamento da questão das favelas, no período fundacional dessas experiências,
permite iluminar o terreno sobre o qual foi referenciada a inspiração uruguaia.
Dois aspectos sobre a questão da favela no Rio de Janeiro, durante a virada
da década de 1970 para 1980, devem ser postos em relevo. Primeiramente, a
mudança na configuração da própria política de urbanização desses territórios. Após
o período da ditadura marcado por iniciativas remocionistas, passou-se a tornar
hegemônica a concepção de que as favelas poderiam permanecer no tecido urbano
e serem objeto de urbanização. Por fim, uma substancial modificação na dinâmica da
organização associativa, desde uma renovação na cultura política que passa a ser
vivenciada no seio das associações de moradores. A partir do arrefecimento da
intervenção direta do estado na dinâmica política dessas organizações, foi possível
constituir-se uma cultura política renovada no associativismo das favelas cariocas.
Desse modo, um conjunto de condições sociais, políticas e econômicas
envolvendo a questão das favelas no Rio de Janeiro configurou um terreno
diferenciado em relação àquele onde emergiu o cooperativismo de moradia em
Montevidéu, no Uruguai. Nesta seção, portanto, busca-se pontuar algumas destas
distinções.
149
4.1.1 Do associativismo pré-ditadura ao remocionismo autoritário
O surgimento das favelas no Rio de Janeiro data do final do século XIX. Ao
longo do século seguinte constata-se um conjunto de modulações em torno das
formas de configuração das intervenções físicas e de organização política do universo
desses territórios. É por volta da década de 1940, segundo Burgos (2006, p. 25), que
as favelas começam a ser alvo de ações do estado, com intervenções urbanas
pontuais e desarticuladas. A principal linha de ação nesse período se traduz em
levantamentos sistemáticos sobre a constituição urbana de alguns núcleos (ABREU,
1994, p. 35) e iniciativas de transferência de outros para “parques proletários”, os
quais, de situação provisória, acabaram se tornando solução definitiva (CARDOSO;
ARAUJO, 2007, p. 279). De acordo com Silva (2002, p. 226), “até por volta dos anos
40 [...] a intervenção pública foi basicamente repressiva, orientando-se para a
‘solução’ do problema das favelas [...] através da erradicação física”.
As intervenções nas favelas, durante esse período inicial, não se assentavam
somente nos aspectos de erradicação do ambiente construído. Algumas buscaram se
direcionar para o melhoramento da infraestrutura urbana e, também, à promoção de
formas associativas de organização dos seus moradores. Em 1946 é criada, por meio
de uma articulação entre a Arquidiocese do Rio de Janeiro e a prefeitura da cidade, a
Fundação Leão XIII. Segundo Burgos (2006), a Fundação passa a atuar em ações de
melhoria nas condições de moradia juntamente à promoção de formas organizativas
sob sua tutela, “motivo pelo qual não se exime de incentivar a vida associativa nas
favelas” (BURGOS, 2006, p. 28)1. Assim é que se constata que, desde o início da
intervenção nesses territórios, as ações do poder público não se restringem aos
aspectos de melhoramento da infraestrutura ou erradicação da moradia. A vida
organizativa dos moradores também é alvo de diversos mecanismos de controle e
tutela.
1 Em sete anos de trabalho após sua criação, a Fundação Leão XII atuou em trinta e quatro favelas com implantação de serviços básicos (água, esgoto, luz) e manutenção de centros sociais em oito grandes favelas (Jacarezinho, Rocinha, Telégrafos, Barreira do Vasco, São Carlos, Salgueiro, Praia do Pinto e Cantagalo) (BURGOS, 2006).
150
A atuação sobre as favelas, adentrando a década de 1950, segundo Silva
(2002), deixa de tomar partido da solução de sua eliminação do tecido urbano, “em
favor de um objetivo mais modesto [...] de controle e regulamentação” (SILVA, 2002,
p. 227). Porém, apesar dessa transformação, a ação do estado se reveste de caráter
repressivo e disciplinador, pois “tomavam-se os espaços em questão e seus
moradores como simples objetos, com pouca ou nenhuma voz ativa” (SILVA, 2002, p.
227).
É a partir dessa década, como aponta Burgos (2006, p. 29), que se nota “o
estabelecimento de ligações mais consistentes entre a favela e política, inclusive com
o surgimento de lideranças que estabelecem vínculos orgânicos com os partidos”.
Como expressão disso, no período democrático após a ditadura de Getúlio Vargas é
criada, em 1957, a Coligação dos Trabalhadores Favelados do Distrito Federal
(GUEDES, 2013).
Nesse período, no entanto, algumas iniciativas são emblemáticas formas de
incentivo e de tutela às organizações dos moradores, sendo aliadas a intervenções
urbanas nesses territórios. Tal é o caso da criação da Cruzada São Sebastião, em
1955, “que buscaria reunir de forma mais concreta urbanização e pedagogia cristã,
vendo nisso a condição mínima de vivência humana e elevação moral, intelectual,
social e econômica” (BURGOS, 2006, p. 30). No ano seguinte, a constituição, pela
prefeitura do Rio de Janeiro, do Serviço Especial de Recuperação das Favelas e
Habitações Anti-higiênicas (Serfha) insere-se nessa tendência, sendo que, “em ambos
os casos, estão em jogo iniciativas que procuram articular o controle político a uma
pauta mínima de direitos sociais referente a problemas de infra-estrutura” (BURGOS,
2006, p. 30).
A Serfha desempenhou um papel de destaque na questão das favelas somente
quando passou a fazer parte da Coordenação de Serviços Sociais do governo do
Estado, em 1960, sob o comando do sociólogo José Arthur Rios. Entre 1961 e 1962,
sob a gestão de Rios, a Serfha tentou aproximar-se da organização política desses
territórios, passando a estimular a formação de associações de moradores. Segundo
Pandolfi e Grynszpan (2002, p. 243), “a intenção era transformá-las em um
instrumento de controle político e de barganha eleitoral. Não foi por acaso que, num
curto espaço de tempo, entre 1961 e 1962, a Serfha, [...] criou mais de 75
151
associações”. Como avalia Burgos (2006, p. 32), na atuação da Serfha prevaleceu a
tendência a subordinar politicamente os moradores da favela às decisões hierárquicas
da burocracia estatal.
Porém, a vida associativa nas favelas do Rio de Janeiro começava a fervilhar.
Assim é que em 1963 surge a Federação das Associações das Favelas do Estado da
Guanabara, a FAFEG, a qual congregava mais de setenta associações de moradores.
A FAFEG “tinha como dois de seus objetivos fundamentais resistir à política de
remoções e lutar pela implementação de serviços públicos básicos nas favelas”
(PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2002, p. 244)2.
Como posto na citação anterior, já se vislumbra como, nos anos 1960,
conforma-se um contexto de organização das favelas cariocas, ao mesmo tempo em
que se constata uma certa preocupação com ameaças de novas intervenções
remocionistas. O que se visualiza é a constituição de uma tendência à organização
das favelas em associações de moradores e a atuação do poder público sob formas
de intervenção urbana não tão diretas. Como coloca Silva (2002), as favelas nesse
momento passam por um período de “controle negociado”, pois “ao mesmo tempo que
as agências estatais e os demais atores políticos desistem de impor uma solução final
de cima para baixo, associações de favelados despontam como atores coletivos, em
uma interação com as grandes forças sociais do período” (SILVA, 2002, p. 228).
Porém, com o governo de Carlos Lacerda (1961 a 1965)3 emerge o princípio
de uma onda remocionista na cidade do Rio de Janeiro. Segundo Cardoso e Araujo
(2007, p. 279) “só nos anos 1960 configurou-se um projeto mais ambicioso de
erradicação [de favelas], com o processo de remoção encetado durante o governo
Carlos Lacerda”. É expressiva, dessa época, a remoção de famílias de diversas
favelas para os conjuntos habitacionais Villa Kennedy e Vila Aliança4. No entanto,
como aponta Burgos (2006, p. 34), “diante do que estava por vir, pode-se dizer que a
escala das remoções realizadas até 1965 foi modesta, embora tenha atingido cerca
de 30 mil pessoas”.
2 Para detalhes sobre o surgimento da FAFEG, vide Brum (2006, p. 66-74) e Mello (2014). 3 Do então estado da Guanabara, que se originou da fusão entre o Distrito Federal e a Prefeitura do Rio de Janeiro, após a transferência da capital do país para Brasília. 4 Os dois conjuntos, por sinal, foram construídos com recursos da Aliança para o Progresso, que havia financiando, no Uruguai, o Plan CIDE – como abordado na seção 3.
152
Deve-se destacar que, nesse período, houve a criação de uma proposta
alternativa de intervenção urbana junto às favelas do Rio de Janeiro, com a atuação
da Companhia de Desenvolvimento de Comunidades (Codesco) no governo de
Negrão e Lima (1965-1971). Desse modo, é no final da década de 1960, segundo
Cardoso e Araujo (2007, p. 279), “que o modelo de remoção é contraposto à proposta
de urbanização, [...]. Instaura-se, desse momento em diante, uma polarização no
debate (urbanização versus remoção)”. Deve-se reter desse período, justamente, tal
polarização do debate sobre a questão da favela no Rio de Janeiro, que irá dominar a
conjuntura política nas próximas décadas.
Com a ditadura militar a partir de 1964, inicia-se, no Rio de Janeiro, um conjunto
de ações que vão instaurar um período denominado como “remocionismo autoritário”
(BURGOS, 2006, p. 34). Em 1968 o governo federal cria a Coordenação da Habitação
de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (Chisam), a qual se
configurou como uma entidade que buscou orientar uma política única de urbanização
para as favelas do Rio de Janeiro. O Banco Nacional de Habitação (BNH), a partir de
1967, passou a contar com recursos do Fundo de Garantida do Tempo de Serviço
(FGTS), ampliando a capacidade de ação da política habitacional. Na esteira dessa
ampliação, a Chisam instaurou uma política de atuação nas favelas marcadas pelo
remocionismo direcionado aos conjuntos habitacionais construídos pelo Banco. Como
aponta Burgos (2006, p. 37) “consta que o objetivo da Chisam era remover 100
famílias por dia”5.
Quanto ao tratamento das associações de moradores, o processo foi de
crescente intervenção direta. Já em 1963 é reformulado o papel da Fundação Leão
XIII, transformando-se de órgão vinculado à igreja em autarquia do estado. Assim é
que “a experiência acumulada em favelas pela Leão XIII seria de grande valia para
que se pudesse exercer uma vigilância mais estreita da vida política das favelas”
(BURGOS, 2006, p. 365). A Fundação passou a deter o papel de reconhecimento
oficial das organizações de moradores e de acompanhar e sancionar todo o processo
5 Como aponta Abreu (1994), essa política remocionista instaurada após 1968 ia ao encontro dos interesses imobiliários da metrópole. Pois, segundo o autor, “fortalecidos agora pela mudança do regime político, decorrente do golpe militar de 1964, os interesses imobiliários da cidade acabarão por impor uma mudança radical no comportamento do governo, que patrocinará então uma campanha maciça de erradicação de diversas favelas da cidade, notadamente daquelas que se localizavam em suas zonas mais privilegiadas” (ABREU, 1994, p. 42).
153
eleitoral de constituição de suas diretorias. Em 1967, o governador do estado da
Guanabara, Negrão de Lima, instituiu o Decreto 870 que colocou as associações de
moradores sob controle do estado. Segundo Brum (2006, p. 369), o decreto implicou
um modo do governo manter a “influência efetiva nas favelas [...] e também como uma
forma de exercer vigilância política num lugar que sempre foi visto como foco de
subversão”.
A partir de 1964, com a ditadura militar, muitas associações de moradores
sofrem intervenção do estado, com o controle, pela Secretaria de Serviços Sociais do
governo da Guanabara, de seus estatutos, orçamento e processo eleitoral, além dos
candidatos a cargos eletivos terem que apresentar atestado de antecedentes
expedidos pela Secretaria de Segurança (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2002, p. 244).
Emblemático desse período foi a cassação da diretoria da FAFEG, que, após dois
grandes congressos em 1967 e 1968, teve seu presidente preso e morto logo em
seguida. Uma nova eleição, sob exame da Secretaria de Segurança, colocou uma
diretoria na Federação formada por membros que passaram a colaborar com as
políticas remocionistas do governo (BURGOS, 2006, p. 38).
O sumiço de muitas lideranças de moradores das favelas, o atrelamento das
associações ao Estado e os impactos causados pela perspectiva de remoção fizeram
com que muitas associações passassem a atuar colaborando com as políticas de
remoção. Essa colaboração, segundo Pandolfi e Grynszpan (2002, p. 245) envolveu,
ao mesmo tempo, por parte das associações, a gestão dos “serviços de água, esgotos
e coleta de lixo e foram encarregadas de fiscalizar reformas e construções de novas
habitações, evitando a expansão das áreas favelizadas”. Nesse sentido é que “por
essa via, alguns dirigentes de associações, em contato direto com o poder público,
centralizando poder e recursos financeiros, passaram a compactuar com a política
remocionista” (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2002, p. 245).
A partir deste breve panorama sobre as intervenções nas favelas no pré-1964
e durante a ditadura militar, deve-se reter para a análise dois pontos essenciais sobre
o tratamento da favela até o fim período autoritário. Primeiro, a oscilação entre
propostas de intervenção física que se faziam entre um “controle negociado” e um
“remocionismo autoritário”. Em seguida, a constituição das formas organizativas das
associações de moradoras das favelas e o impacto sobre a cultura política com o
154
intervencionismo de instituições externas, como a Fundação Leão XIII e o
cerceamento ditatorial.
Como aponta Silva (2002, p. 230) sobre o contexto pré-1964, “a organização
dos favelados, que se havia intensificado e adquirido significativo poder político [...],
passa a desenvolver uma luta em dois planos: o retorno à democracia e a resistência
à remoção”. Porém, com o remocionismo autoritário instaurado pela ditadura, o
impacto sobre o tecido associativo das favelas foi dilacerante. Nesse sentido, Burgos
(2006) retrospectivamente comenta acerca da dimensão do saldo político desse
impacto, que “ainda hoje estamos computando, sendo difícil subestimar a
profundidade do trauma por ela criado, além das consequências produzidas pelo
aborto do processo de organização e participação dos excluídos na vida política da
cidade” (BURGOS, 2006, p. 38).
4.1.2 Abertura democrática e associativismo transformador
O balanço da política remocionista da ditadura impressiona pelos números.
Segundo Brum (2012, p. 371), a Chisan removeu “mais de 175 mil moradores de 62
favelas (remoção total ou parcial), transferindo-os para novas 35.517 unidades
habitacionais em conjuntos, estando a maioria destes nas zonas Norte e Oeste”. De
acordo com Cardoso e Araujo (2007), o impacto da política praticada na ditadura
militar fez repensar as próprias práticas habitacionais realizadas, sendo que em 1973
a CHISAN é extinta. As variadas críticas que emergiram em diversos meios quanto a
essa política e as mudanças no debate internacional sobre a questão da moradia –
como a realização da primeira Conferência Internacional do Habitat, em 1976 –
incidiram no arrefecimento da política remocionista. No início da década de 1980,
então, o governo federal passa a ensaiar algumas propostas alternativas quanto à
questão das favelas, sendo que “o próprio BNH desenvolverá um programa de
urbanização da favela da Maré, como parte da campanha do então ministro do Interior
Mario Andreazza à presidência da República” (CARDOSO; ARAUJO, 2007, p. 280).
155
Ao final da década de 1970 o tratamento das favelas no Rio de Janeiro
envereda por uma transformação, em um duplo sentido. Por um lado, a escalada no
remocionismo dá lugar a práticas que vão priorizar a urbanização desses territórios,
procurando levar melhorias urbanas ao próprio local de moradia. Por outro, há uma
modificação na configuração da cultura política envolvendo as organizações
associativas de moradores, em um contexto de abertura política do regime militar.
A eleição de Leonel Brizola, em 1982, para o governo do estado, constituiu-se
em um marco diferencial no tratamento das favelas no Rio de Janeiro. Como apontam
Cardoso e Araujo (2007, p. 280), “na esfera da habitação, desenvolveram-se dois
projetos-piloto de urbanização das favelas do Cantagalo e do Pavão-Pavãozinho [...]
estabelecendo as bases de uma metodologia de intervenção que viria a ser
aperfeiçoada nos anos seguintes”.
O tratamento das favelas no governo de Brizola significou buscar garantias de
manutenção do local de moradia dos favelados. Para isso foram adotadas medidas
tais como a instalação de serviços urbanos e de provimento de vias de acesso, por
exemplo. Já no final da década de 1980 foi instituído um programa para a utilização
de mão-de-obra de mutirão para a concretização de serviços urbanos em algumas
favelas. Desse modo é que são “criados diversos programas voltados para a
urbanização das favelas, o que significava sepultar de vez as propostas
remocionistas, passando-se a investir na sua consolidação” (PANDOLFI;
GRYNSZPAN, 2002, p. 247).
Com a abertura democrática dos anos 1980 há uma virada na vida associativa
desses territórios. Como aponta Burgos (2006, p. 38), “a partir de 1979, refletindo a
abertura do regime, ocorre uma retomada do dinamismo da vida associativa no país,
e nesse momento as associações de moradores adquirem especial relevância”. Um
caso emblemático, nesse sentido, é o surgimento de uma dissidência da FAFERJ
(antiga FAFEG), propondo desvincular-se das posições de apoio ao remocionismo.
Brum (2011, p. 245) coloca que “importante na contenção da política remocionista foi
a reativação do movimento dos moradores de favelas, rearticulando-se antigas
entidades e mesmo criando-se novas”.
156
Visualiza-se, então, como se entrelaça a atuação da Pastoral de Favelas, que
posteriormente por meio de seu núcleo jurídico conformaria o Centro de Defesa de
Direitos Humanos Bento Rubião, com a renovação do associativismo nas favelas do
Rio de Janeiro. Nesse processo é que é possível ler a trajetória da Pastoral, que iniciou
sua atuação marcante no ano de 1979, com o apoio à luta contra a remoção no Vidigal
e com a posterior criação do Serviço de Assistência Jurídica. Este se estruturava a
partir de um serviço de “pronto-socorro” – o qual se pautava pela ajuda emergencial
aos casos de tentativa de remoção – e outro “preventivo”, que promovia atividades
formativas e de mobilização das comunidades onde atuava. Dessa maneira é que foi
incentivada a formação de comissões jurídicas onde a Pastoral trabalhava com ações
preventivas, sendo que “estas comissões eram compostas pelos favelados e
funcionariam como embriões de organizações comunitárias” (BRUM, 2005, p. 12).
Durante três anos a Pastoral organizou comissões jurídicas em trinta e três favelas.
As experiências em torno da cooperativa habitacional de Nova Holanda
também podem ser analisadas nesse contexto. Na Maré, já em 1979, organizou-se a
Comissão de Defesa das Favelas da Maré (Codefam), como forma de se contrapor à
execução do Projeto Rio, o qual se constituía em “uma iniciativa do governo federal
que visava a erradicar as favelas que compunham o complexo da Maré e construir no
local indústrias e parques habitacionais” (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2002, p. 246). A
própria renovação da associação de moradores de Nova Holanda foi uma
contraposição à tutela política da Fundação Leão XIII na vida associativa da favela.
Assim é que se pode constatar, nesse período, o “(re)surgimento de um
associativismo transformador” no seio das favelas do Rio de Janeiro, caracterizado
pelo “caráter militante e transformador, oposto ao tipo de associativismo então vigente:
atrelado ao Estado, às políticas clientelistas e que não buscava uma transformação
efetiva da realidade do favelado” (BRUM, 2011, p. 69)6.
Portanto, nesse período observa-se que o terreno onde transitou o embrião das
iniciativas de produção social do habitat, com referência ao cooperativismo uruguaio
6 A renovação do associativismo das favelas nos anos 1980 foi tensionado pelo clientelismo que se instituiu com as políticas brizolistas. Pandolfi e Grynszpan (2002, p. 247) salientam que, a partir da eleição de Brizola, “as associações de moradores passaram a se constituir em um interlocutor freqüente”. Diversas associações se viram responsáveis pela execução de vários projetos de provimento de infraestrutura e serviços urbanos. Assim, “diferentemente dos anos 70, as associações de moradores se relacionavam diretamente com os órgãos governamentais, sem a intermediação dos parlamentares” (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2002, p. 248).
157
de moradia, esteve atravessado pelas mutações no tratamento da questão da favela.
Por um lado, reconfigurações no debate sobre a urbanização desses territórios,
anteriormente atravessados pela proposta remocionista. Por outro, uma cultura
política que se reinventava em meio à tutela e ao intervencionismo estatal.
4.1.3 Economia política da urbanização do Rio de Janeiro
Ao se ter em consideração o contexto urbano em que emergiram as
experiências de autogestão habitacional no Rio de Janeiro, constata-se a
precariedade das condições de urbanidade em torno da qual os projetos
autogestionários se constituíram. Como mostram os dados do Cadastro Geral das
Favelas da Cidade do Rio de Janeiro, elaborado no início dos anos 1980 pelo governo
Brizola, de 364 favelas cadastradas apenas 1% contava com rede oficial de esgoto
sanitário completa, somente 6% possuía rede de água e o serviço de coleta de lixo
atendia unicamente 17% delas (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2002, p. 248). A eclosão
das iniciativas embrionárias a partir desse contexto urbano das favelas – como a
experiência cooperativa em Nova Holanda, a atuação da Pastoral das Favelas e os
projetos piloto do então Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião, como
analisado em Shangri-lá, por exemplo – apontam para a precariedade da “base
urbana prévia” sobre a qual se erigiu o projeto de produção social do habitat no Rio
de Janeiro.
Tomando em consideração a origem do cooperativismo de moradia em
Montevidéu, as condições prévias de urbanidade eram distintas, indicando as
especificidades das questões enfrentadas pela autogestão habitacional no Rio de
Janeiro. A crise imobiliária, que atravessava o Uruguai no momento de elaboração da
Lei Nacional de Moradia, não significou a presença de condições precárias de
urbanização, como ilustram os dados para o contexto das favelas no Rio de Janeiro.
A argumentação do trabalho de Terra (1969), sobre a crise imobiliária daquele
país nas décadas de 1950 e 1960, assinala como o conjunto de capitais que
promoveram a produção habitacional até então, e que se desmobilizaram com o
158
colapso econômico, conseguiram constituir um importante legado social para a
sociedade uruguaia. Segundo o autor, foi “todo ese stock de viviendas existente hacia
1960, que ha permitido a Uruguay subsistir sin la miseria habitacional de otras
naciones latinoamericanas a lo largo de esta lenta degradación del período de crisis”
(TERRA, 1969, p. 7). A crise habitacional, à qual o cooperativismo de moradia veio a
se constituir enquanto uma alternativa para as classes populares em Montevidéu,
referia-se a um horizonte de desmanche de um parque habitacional que permitiu, até
então, soluções minimamente dignas de habitat à essas classes. Horizonte um tanto
distinto em relação ao Rio de Janeiro dos anos 1980 e 1990.
Nesse sentido, Nahoum (2008) nota que, na capital uruguaia, o processo de
autoconstrução urbana, diferentemente da maioria das grandes cidades da América
Latina – como pode-se inferir sobre o Rio de Janeiro –, não ocorreu de forma
explosiva, mas gradual. Em suas palavras, essa característica se configurou de tal
modo dada “la prosperidad económica relativa [...], el reducido crecimiento
demográfico, y una legislación que abrió canales de crédito e instrumentó [...] la
construcción de la casa propia por parte de las capas medias y de [...] los asalariados
urbanos” (NAHOUM, 2008, p. 26). Exemplar nesse sentido é o fato de que o parque
de moradias se quadruplica entre 1920 e 1960, enquanto que a população só se
duplica no mesmo período.
No entanto, como no Rio de Janeiro, o Uruguai também contava com uma longa
tradição de autoconstrução da habitação para as camadas populares. Assim, deve-se
atentar que a possibilidade de aposta na ajuda mútua, enquanto forma de produção
habitacional, carrega muito de sua aceitação pela tradição de autoconstrução dos
uruguaios. Como comenta Nahoum (2008, p. 26), o Uruguai é um país de
autoconstrutores, “de gente dispuesta a construir su vivienda con sus propias manos,
contando apenas con el auxilio de algún familiar o amigo y del apoyo que podría darle
un albañil o constructor en las etapas más difíciles”. González (2015) também explica
– em depoimento ao autor – que a autoconstrução urbana dos trabalhadores assenta
raiz na tradição da “gauchada”, que por sua vez se inspira em práticas rurais. Segundo
González (2015), “cuando un obrero había juntado algo de plata y empezaba a hacer
su casa por autoconstrucción, [...] llamaba compañeros de trabajo de él para que
domingo vinieran a darle una mana en el trabajo. [...] Eso se le llama en nuestro país
‘la gauchada’, que viene de la tradición de gaucho, nuestros campesinos”.
159
Portanto, a ajuda mútua, no sistema cooperativo uruguaio de produção de
moradias, surge, de certa forma, como maneira de sistematizar a autoconstrução, a
“gauchada”, que era parte da tradição construtiva da classe operária, herdada dos
trabalhadores rurais. Nesse aspecto é que possivelmente se possa compreender
como a referência ao sistema uruguaio das cooperativas de moradia por ajuda mútua
desenvolveu-se com certa fertilidade no contexto brasileiro. Ao compartilhar a mesma
tradição autoconstrutiva – no Rio de Janeiro expressa na formação urbana das favelas
–, vislumbrou-se uma interessante oportunidade para sistematizar essa prática em
outros patamares. Porém, a magnitude da questão da autoconstrução, e da produção
de urbano correlata, configurava-se de forma distinta em relação ao contexto de
referência.
Assim é que uma base urbana precária não se colocava enquanto em uma
questão candente para o cooperativismo de moradia em sua constituição originária.
Segundo Couriel e Menéndez (2014), as favelas em Montevidéu – conhecidas como
“cantegrilles” – só vão ser uma questão urbana candente a partir da década de 1990.
Pois “hasta el impacto del Nuevo Modelo Económico en los años 90, no se percibe en
Montevideo la ‘periferización’ masiva de los sectores pobres y excluidos” (COURIEL;
MENÉNDEZ, 2014, p. 33). Como bem exemplifica a fala de um cooperativista da
época fundacional do sistema, sobre o terreno onde foi construída sua cooperativa
nos anos 1970, “ese terreno era el terreno de dios, nadie se metía acá. O que te
sacaban de la oreja para fuera. No es como ahora, ahora hay barrios que hacen
asentamientos” (Sócio A, Mesa 1, AM1)A. Assim é possível entender como a “questão
da habitação”7 não se apresentava de forma eloquente na capital uruguaia daquele
período.
Trata-se, portanto, de um contexto distinto em relação ao Rio de Janeiro da
década de 1980. Como resgata Ribeiro (2015, p. 22), a “década perdida” dos anos
1980 “produziu efeitos desproporcionais no Rio de Janeiro, manifestados na forma de
uma crise social [...] e urbano-metropolitana – crise habitacional, mobilidade urbana,
7 Como afirma Magri (2010, p. 138), “la vivienda social no fue un estigma entre 1921 y 1960, sino que respondió a arreglos en los cuales primaba la pertenencia política —sindicatos y gremios— o social —cooperativas de ayuda mutua—, dando cuenta de un estado de demanda organizada con capacidad de generar arreglos entre Estado, mercado y sociedad corporativizada”. Portanto, antes de se tornar uma questão eloquente, o “risco social” da questão da habitação, na sociedade uruguaia de meados do século XX, já se fazia resolver pela arquitetura de bem-estar social complexamente forjada em período anterior.
160
crescimento das favelas, entre outros”. Nesse sentido, pode-se considerar que a
“questão da habitação” se conformava em uma questão mais ampla em que se
constituía a “questão urbana” na metrópole do Rio de Janeiro.
Porém, como o mesmo autor remarca, foi nessa década perdida que houve um
intenso movimento de especulação imobiliária na metrópole do Rio de Janeiro, com a
criação de uma nova frente de expansão urbana, através da incorporação da área da
Barra da Tijuca. Esse acentuado predomínio da esfera imobiliária no circuito da
acumulação urbana do Rio de Janeiro aponta para a especificidade da economia
política da urbanização dessa região. Desse modo é que, na economia política da
metrópole carioca, predomina “o poder dos interesses configurados historicamente
em torno da acumulação urbana, na qual têm fundamental peso político os interesses
das frações do capital imobiliário, empreiteiro e concessionário de serviços coletivos” (RIBEIRO, 2015, p. 25).
Pode-se lançar luz, desde tal perspectiva, sobre a especificidade de questões
postas ao projeto de produção social do habitat nas experiências de autogestão
habitacional no Rio de Janeiro. Por um lado, as tensões lançadas por uma base
urbana prévia constituída a partir da precariedade habitacional e de infraestrutura
consolidadas exemplarmente no ambiente urbano da favela. Por outro, a
especificidade do circuito de acumulação urbana com a prevalência do capital
imobiliário, configurando um terreno onde a questão do acesso à terra se apresenta
exemplarmente como um dilema vivenciado na concretização dos projetos
habitacionais – como se analisou no caso do grupo Esperança, por exemplo.
4.1.4 Outro contraponto: cooperativismo e associativismo
A mudança na cultura política que atravessa as favelas no Rio de Janeiro, entre
o final dos anos 1970 e toda a década de 1980, está marcada pela renovação das
práticas do associativismo popular. As associações de moradores desses territórios,
como visto, refundam suas práticas em contraposição à intervenção estatal
remocionista que ocorria desde o período pré-1964 e que se intensificou durante a
161
ditadura militar. Portanto, a partir de meados da década de 1970, quando há uma
quebra dessa política remocionista, verifica-se um aumento na constituição de
associações de moradores. Segundo Brum (2005, p. 10), essa nova configuração “fez
com que este período (1976-1980) seja o que tenha sido criado o maior número de
associações de moradores até então, superando inclusive a época de José Arthur
Rios à frente do Serfha”.
Ao analisar o processo de organização da Federação de Associações de
Moradores do Rio de Janeiro (FAMERJ), nessa mesma época, Grazia (1993) aponta
para o fato de que a figura jurídica da “associação” passou a se constituir em uma das
principais formas de atuação do campo dos movimentos populares no Rio de Janeiro.
De acordo com a autora, a unificação política, obtida pela FAMERJ a partir de 1982 e
institucionalizada em seu Primeiro Congresso, “promove uma ampla legalização das
comissões de bairros que ainda eram numerosas na Zona Oeste e na Baixada
Fluminense, transformando-as em associações de moradores” (GRAZIA, 1993, p.
104). A visão da diretoria da FAMERJ, àquela época, era de que a adesão das
associações não poderia ser só política, mas necessitava de uma consolidação ao
nível jurídico, como forma de angariar legitimidade em suas lutas políticas. Desse
modo, segundo a análise da autora, “apesar das divergências no tocante à legalização
dos movimentos nos bairros, o formato AMA torna-se uma realidade no seio da
esquerda do Rio de Janeiro, reconhecido pela maioria dos movimentos” (GRAZIA,
1993, p. 104).
Com a abertura democrática ao final do regime militar, as associações de
moradores configuraram-se no principal formato organizacional de atuação política
dos movimentos sociais no Rio de Janeiro. Como visto no caso das primeiras
iniciativas embrionárias de autogestão habitacional na cidade, foi no processo de
mudança na diretoria da Associação de Moradores de Nova Holanda que emergiu a
experiência da cooperativa de construção, a COOPMAHN. Contrapondo-se às
práticas intervencionistas na organização popular que se consubstanciavam na
atuação da Fundação Leão XIII, a associação local é reorganizada politicamente por
seus moradores e conformam-se iniciativas que buscam por autonomia na luta por
melhoria das condições urbanas locais.
162
Foi, então, a partir do terreno das práticas políticas das associações de
moradores que se configurou a emergência de ações inovadoras no âmbito da
produção social do habitat no Rio de Janeiro. Práticas que carregam uma
especificidade territorial quanto à conformação de sua cultura política. Como aponta
um estudo sobre o associativismo no Rio de Janeiro do começo da década de 1990
(RIBEIRO; SANTOS JÚNIOR, 1996), o tipo de participação sociopolítica apresentava
traços bem distintivos entre as regiões da metrópole. Nas áreas mais centrais – Zona
Sul e Norte da cidade do Rio de Janeiro e Niterói –, segundo o estudo, predominavam
“elevados índices de adesão dos moradores ao padrão corporativo (sindicato,
associação profissional e partido)” (RIBEIRO; SANTOS JÚNIOR, 1996, p. 37). Por
outro lado, “na periferia metropolitana prevalece o padrão comunitário-popular
(entidades filantrópicas e religiosas e associação de moradores)” (RIBEIRO; SANTOS
JÚNIOR, 1996, p. 37). Portanto, as novas práticas políticas das associações de
moradores se consubstanciavam nos territórios populares da região metropolitana do
Rio de Janeiro. E foi no caldo da cultura política dessas renovadas associações da
década de 1990 que emergiram as experiências de autogestão habitacional na
metrópole carioca.
No Uruguai, diferentemente do Rio de Janeiro, o campo no qual circularam as
primeiras experiências de produção social do habitat estavam mais próximas da
tradição de cooperativismo no país. Dentro do quadro normativo e da organização
cooperativa é que as experiências piloto foram forjadas. Portanto, no Rio de Janeiro
constituía-se um outro caldo de cultura política pelo qual transitaram as referências
postas no cooperativismo de moradia uruguaio. Assim, vale especificar algumas
distinções entre os campos que deram forma às duas experiências de produção social
do habitat, ou seja, entre aquele associativismo no Rio de Janeiro da abertura
democrática, e aquele da tradição cooperativa que se constituía no Uruguai da década
de 1960.
***
163
A origem formal das primeiras cooperativas no Uruguai data da década de
quarenta do século XX. Porém, as raízes dessa origem remontam ao final do século
XIX, a partir da imigração europeia que trouxe trabalhadores que estavam inseridos
no movimento sindical e que participavam das primeiras iniciativas de cooperativas de
produção e trabalho no velho continente. Empreendimentos embrionários de trabalho
associado foram crescendo paralelos ao proto-sindicalismo que se conformava nesse
período8 (BERTULLO; ISOLA; CASTRO; SILVEIRA, 2002).
A partir de 1920 é que surgiram com maior amplitude as cooperativas no
Uruguai, encabeçadas pelas de consumo (como são os casos das organizações dos
funcionários ferroviários e dos funcionários das Usinas Elétricas do Estado – UTE). E
foi na década de 1940 que se começou a legislar especificamente sobre o setor
cooperativo. No ano de 1941 criou-se a legislação para as Cooperativas
Agropecuárias e em 1946 para as cooperativas de consumo. Somente duas décadas
depois, em 1966, promulgou-se a lei para as cooperativas de produção (trabalho). Em
1968, como visto, aprovou-se a legislação para as cooperativas de moradia e em 1971
formou-se o quadro legal para as cooperativas de poupança e crédito.
Experiências de cooperativas de trabalho se desenvolveram com maior impulso
a partir da década de 1950. Estas apresentam uma tradição histórica de pouco
visibilidade no Uruguai contemporâneo9, segundo Martí (2015), mas foi na década de
1960 que o movimento das cooperativas de trabalho teve seu maior nível de atividade
política, quando “se desarrollaron asambleas, encuentros y jornadas, buscando
apoyar a las cooperativas, para favorecer la superación de sus limitaciones y
dificultades” (MARTÍ, 2015, p. 60). Fato marcante foi a fundação, em 1962, da
8 Exemplos dessas primeiras cooperativas de trabalho são a Sociedad Cooperativa de Mucamos y Cocineros, de 1877, a Sociedad Tipográfica Cooperativa La Capital, de 1878, a Cooperativa de Peluqueros y Barberos El Arco Iris, de 1880, a Sociedad Cooperativa de Construcción de Casas, de 1883, a Sociedad Humanitaria, Agrícola, Pastoril y Obrera de Paysandú, de 1884, a Sociedad Cooperativa de Zapateros e a Cooperativa de Cartoneros, ambas de 1901 (BERTULLO; ISOLA; CASTRO; SILVEIRA, 2002, p. 3). 9 Pesquisa recente de Martí, Thul e Cancela (2014) procurou recuperar sua trajetória histórica, ao analisar diversos documentos sobre a presença das cooperativas de trabalho no país, as quais quase sempre estiveram vinculadas à recuperação de empresas falidas. Foram identificadas três fases distintas na formação de cooperativas de trabalho para recuperação de empresas. A primeira se inicia na década de 1950 e vai até o final dos anos 1970 e se vinculava à crise do modelo de industrialização por substituição de importações. A segunda etapa vai do começo dos anos 1980 até o início da década de 1990 e está relacionada à crise da dívida externa e à posterior política de abertura econômica. A última se dá a partir do fim dos anos 1990, marcada pela crise do modelo neoliberal.
164
Federación de Cooperativas de Producción del Uruguay (FCPU), fortemente atuante
até os dias atuais.
Ao se analisar o movimento cooperativo uruguaio em sua totalidade, algumas
características fundamentais marcam sua constituição e, de alguma forma, permitem
compreender algumas conexões com o campo da produção cooperativa da moradia
(BERTULLO; ISOLA; CASTRO; SILVEIRA, 2002). A primeira é a de que o movimento
cooperativo se vincula, em sua origem, evolução e desenvolvimento com movimentos
sociais, principalmente sindicatos e diversas organizações gremiais. Nesse sentido,
Terra (1988) aponta para a importância do “motor extracooperativo” na trajetória do
cooperativismo uruguaio. Em muitos casos de formação de cooperativas, ocorre que
“el motor [...] ha sido una organización no lucrativa, pero no cooperativa ella misma,
de alta competencia técnica y, normalmente, con fuerte carga ideológica, social o al
menos estrictamente cooperativa” (TERRA, 1988, p. 159). O caso mais destacado é
o Centro Cooperativista Uruguayo, o qual, além do cooperativismo de moradia,
impulsou várias iniciativas nas áreas de trabalho, crédito e agropecuária.
Outro importante traço do movimento cooperativista naquele país é o papel
desempenhado pelas organizações de segundo grau. As federações de cooperativas
exercem uma importante função ao promover o surgimento de cooperativas filiais.
Como indica novamente Terra (1988, p. 169), “son las cooperativas de segundo grado
o las federaciones las que asumen el papel promotor y de asistencia, tarea que han
cumplido o están cumpliendo, en distinta medida, gran parte de los organismos de ese
tipo”. Nesse sentido, no caso das cooperativas de moradia, as matrizes cooperativas
e as federações tiveram importante papel de apoio à constituição de unidades
cooperativas logo nos anos iniciais de aprovação da Lei Nacional de Moradia.
Uma característica fundamental do movimento cooperativo uruguaio é sua
forma específica de relação com o estado. A constituição histórica das experiências
de cooperativismo está imbricada com as ações desenvolvidas pelo aparato estatal.
Como aponta o trabalho de Bertullo, Isola, Castro e Silveira (2002), “el surgimiento,
expansión y crecimiento [del cooperativismo], ha estado ligado a la acción del Estado
que por medio de leyes, normas, o diversas disposiciones ha manifestado su apoyo o
no a este desarrollo”.
165
Trata-se, porém, de uma relação que carrega certa especificidade. Martí (2015)
salienta que esta peculiaridade se encontra no caráter de autonomia do movimento
cooperativo em sua relação com o estado. Assim, de acordo com o autor, quanto ao
“movimiento cooperativo uruguayo, a diferencia de otros de la región, [...] su desarrollo
ha sido facilitado u obstaculizado por el accionar del Estado pero conservando
siempre su autonomía” (MARTÍ, 2015, p. 12). Portanto, uma relação histórica entre
cooperativismo e estado nem sempre constante, mas que mantém traços
característicos de autonomia e independência10.
A partir dessa perspectiva é que Terra (1988) elenca algumas considerações
sobre o cooperativismo uruguaio a partir de sua forma específica de relação com o
aparato estatal. Primeiro, a necessidade de uma fonte de financiamento com recursos
financeiros e modalidades adequados, dada a dificuldade do sistema cooperativo em
captar capital. Em segundo, as profundas transformações do movimento cooperativo
de acordo com as políticas públicas e a vontade política de se canalizar os processos
econômicos e sociais através delas.
Portanto, constata-se que existia um intenso acúmulo de experiências e de
legislação no campo do cooperativismo no Uruguai até os anos 1960, quando tem
início as experiências piloto levadas à cabo pelo Centro Cooperativista Uruguayo
(CCU). Institucionalizadas a partir da figura jurídica de cooperativas de consumo, foi
com a Lei Nacional de Moradia, promulgada no final de 1968, que se constituiu o
arcabouço legal para a conformação do cooperativismo de moradia.
***
10 A atuação do estado junto ao movimento cooperativista pode ser visualizada em um caso um tanto emblemático na história do Uruguai, qual seja, a criação da Cooperativa Nacional de Productores de Leche (CONAPROLE), na década de 1930. Trata-se de uma cooperativa criada pelo estado para cumprir uma atividade considerada estratégica e de interesse nacional, a produção e distribuição de leite. De acordo com Nahum (2014, p. 160) "buscando asegurar la producción, higiene y amplia distribución de un alimento de primera necesidad, y estimular a la vez a pequeños productores rurales, el Poder ejecutivo presentó en 1935 un proyecto de ley que instituía la empresa. Con capital proporcionado por el Estado se la instalaba, pero su dirección quedaba en manos de los productores remitentes de leche a usina, como cooperativistas”. Assim, a constituição da cooperativa foi estatal, mas se delegou à gestão cooperativa seu funcionamento. CONAPROLE funciona até os dias de hoje, sendo a maior produtora e distribuidora de leite do país.
166
Até o Código Civil que entrou em vigor no ano de 2003, não existia, no Brasil,
uma definição jurídica clara para a figura da “associação”, como aquelas de
moradores de favelas. Uma análise jurídica publicada em 1999, sobre cooperativas
habitacionais e associações, tendo como autoria uma Promotora de Justiça da área
de defesa do consumidor, indica que o Código Civil então vigente, de 1916, “não
conceitua Associação, e nem a distingue de sociedade civil (art.16, I, do Código Civil
[de 1916]). Na Doutrina, não é pacífico o seu conceito” (CASTELO, 1999, p. 5)11.
O novo Código Civil que passou a vigorar a partir de 2003 (Lei 10.406/2002),
porém, definiu as cooperativas enquanto “sociedades”, um tipo de pessoa jurídica de
direito privado distinto em relação às associações. De acordo com o artigo 981, as
sociedades são formadas por “pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir,
com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si,
dos resultados”, sendo que a cooperativa é um tipo de “sociedade simples”12. Já as
associações, segundo o artigo 53, constituem-se “pela união de pessoas que se
organizem para fins não econômicos”. A partir do comentário de um manual jurídico
sobre o Código Civil de 2003, as associações, “da mesma forma que as sociedades,
constituem um agrupamento de pessoas, com uma finalidade comum. No entanto, as
associações perseguem a defesa de determinados interesses, sem ter o lucro como
objetivo” (INSTITUTO PRO BONO, 2005, p. 8).
Como se vê, a figura jurídica da associação não se centraria no objetivo de
prestar uma atividade econômica aos seus membros, como é o caso das
cooperativas13. Ainda assim, às associações não está vedada a realização de
atividades econômicas, como ressalta o mesmo manual, sendo que “a associação
11 Assim é que, ao abordar a diferença entre Associações e Cooperativas Habitacionais, a Promotora, com base no inciso XVIII do artigo 5º da Constituição Federal, define que as Cooperativas Habitacionais seriam uma espécie de Associação. Em suas palavras, “a Cooperativa Habitacional é uma espécie do gênero Cooperativa. Esta última, por sua vez, consubstancia-se em uma espécie do gênero Associação de pessoas” (CASTELO, 1999, p. 5). Portanto, a legislação brasileira, até 2003, não delimitava grandes distinções entre uma Cooperativa Habitacional e uma Associação que tivesse fins habitacionais, por exemplo. 12 Conforme comentário de manual do Instituto Pro Bono (2005, p. 8), “as sociedades constituem um agrupamento de pessoas que visam a um fim econômico ou lucrativo, não se valendo de atividade mercantil, mas de prestação de serviços ou do exercício de profissão. Os resultados são partilhados entre as pessoas que fazem parte da sociedade”. 13 De acordo com o Art. 1.093 do Código Civil de 2002, “a sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente Capítulo, ressalvada a legislação especial”. Assim, segundo o artigo 3º da Lei nº 5.764 de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”.
167
precisa prever expressamente em seu estatuto a possibilidade de realizar estas
atividades, bem como reverter integralmente o produto gerado na consecução do
objetivo social da associação” (INSTITUTO PRO BONO, 2005, p. 9). Desse modo, as
associações de caráter habitacional podem realizar atividades econômicas como a
produção de moradias, desde que não objetivando o lucro.
Como se abordou anteriormente, antes de 2003 havia um limbo na definição
jurídica das associações. Também como visto na seção 3, o marco jurídico de
regulamentação das cooperativas habitacionais estava circunscrito à lei federal
formulada em 1971 e à atuação do Banco Nacional de Habitação. Se a legislação
brasileira dos anos 1980 não permitia marcar distinções claras entre associações e
cooperativas, adota-se aqui algumas características do cooperativismo uruguaio
como referência para traçar algumas reflexões sobre elementos distintivos do
associativismo, enquanto campo de práticas da autogestão habitacional no Rio de
Janeiro14.
Primeiro, deve-se ter em consideração que o surgimento das associações de
moradores carrega a predominância de um caráter territorial, que se distingui do fim
eminentemente econômico de uma cooperativa. A constituição de uma associação de
moradores se realiza comumente a partir de uma organização que reivindica a
representação de uma certa base territorial. É a partir de então que se propõe a prestar
serviços para essa territorialidade. Tem-se, assim, um processo distinto em relação à
cooperativa, a qual tem uma motivação econômica, de satisfazer a necessidade seus
sócios15.
Portanto, a associação de moradores, quando desenvolve atividades
econômicas, presta um serviço para um grupo organizado a partir de seu território de
14 Uma questão de fundo, a ser objeto de investigação mais sistemática, refere-se à questão sobre a ausência de modificações na legislação sobre o cooperativismo habitacional no Brasil, após o fim do BNH e com o desenvolvimento das experiências de autogestão habitacional inspiradas no Uruguai. Bonduki (1992) assim comenta a questão em São Paulo: “a proposta inicial – criar uma cooperativa de habitação, autônoma e autogerida – logo se verificou inviável face à legislação brasileira da época. Mesmo assim resolveram ir em frente. A ideia era desenvolver um projeto que tivesse grande repercussão e, com isso, gerar condições para propor alterações da legislação, de modo a garantir a formação de cooperativas habitacionais autogeridas” (BONDUKI, 1992, p. 36). Porém, as aspirações de alterações na legislação não se concretizaram. 15 Não se deve confundir tal afirmação com o princípio constituidor das cooperativas de moradia, que também pode ser territorial. Mas, após formada a cooperativa, esta tem um fim eminentemente econômico.
168
representação. Mesmo o modelo da COOPMAHN, oriundo da iniciativa de uma
associação de moradores, é diferente do modelo do cooperativismo habitacional no
Uruguai. Inicialmente enquanto uma cooperativa de consumo e, posteriormente, como
uma cooperativa de trabalho, promovia serviços na área habitacional para uma
determinada territorialidade. Dessa maneira, os sócios da cooperativa não eram os
beneficiários de seus serviços habitacionais, como ocorre no cooperativismo de
moradia uruguaio.
Um segundo aspecto a destacar refere-se à cultura política que se constitui a
partir das especificidades de formação das associações de moradores. Se não
necessariamente a associação deverá prestar serviços para seus afiliados, as
associações de moradores muitas vezes desenvolvem práticas que consubstanciam
uma cultura política de caráter reivindicativo16. Como aponta estudo de Ribeiro e
Santos Júnior (1996, p. 24) sobre o associativismo na metrópole do Rio de Janeiro,
“no ano de 1988, nas AMs [Associações de Moradores] [...] as formas de luta eram
bastante diversificadas, compreendendo manifestações de rua (38%), ofícios e
abaixo-assinados (24%), encontros com órgãos de Governo (20%), reuniões e
debates (18%)”. O ponto a salientar nessas formas de luta é o caráter reivindicativo
das práticas políticas em contraposição àquelas de prestação de serviços,
características do cooperativismo.
Este é um ponto cuja análise merece ser matizada. Não se deve ter em
consideração que as associações de moradores tenham um caráter unicamente
reivindicativo. No entanto, enquanto organizações reivindicativas, também podem
prestar serviços ou exercer atividades econômicas. Como se constata em uma prática
que se organizou no campo da urbanização de favelas durante o governo Brizola,
quando diversas associações passaram a receber recursos para o provimento de
serviços urbanos. Como coloca Burgos (2006), em diversas localidades foram
firmados convênios entre empresas estatais e associações de moradores, sendo que
“enquanto aquelas forneciam os projetos e davam assistência técnica, essas recebiam
verbas para contratação da mão-de-obra e ficavam, ainda, com uma taxa de
16 Deve-se ter em consideração que a argumentação em questão se atém às estratégias de luta política desenvolvidas pelas associações de moradores, distanciando-se das análises que implicam a constituição do associativismo às práticas reivindicativas, como expresso em um debate clássico da década de 1980 que pode ser acompanhado nos textos de Evers (1984) e Durham (1984).
169
administração de 5% que deveria ser aplicada em obras que beneficiassem a
comunidade” (BURGOS, 2006, p. 43)
Em contraponto, uma unidade cooperativa, no Uruguai, não é constituída para
reivindicar o acesso à moradia para um bairro ou uma região da cidade. Uma
cooperativa surge enquanto organização produtiva, a qual irá servir à produção de
uma habitação para seus sócios. O caráter reivindicativo, porém, é desempenhado
pelas organizações de segundo grau. É a federação de cooperativas que levará à
frente as ações reivindicativas das unidades afiliadas. Por isso a configuração de
movimento social das federações e seu impacto na cultura política da sociedade civil
uruguaia.
O movimento cooperativista de moradia, no Uruguai, também conseguiu
manter estratégias de manutenção financeira (fundos legais das cooperativas e
constituição das federações) que permitem a sustentação perene de suas atividades.
As federações se mantêm com a contribuição monetária das unidades afiliadas, sendo
que a propriedade coletiva permitiu que a continuidade na constituição das
cooperativas promovesse um suporte perene às atividades políticas das federações.
As cooperativas de moradia, antes de acessar um empréstimo estatal, dependem da
militância de seus sócios para completar o circuito de acesso ao crédito. Porém, ao
mesmo tempo, tem garantida a atuação reivindicativa de sua federação através do
aporte de todas as unidades, de uso e gozo, que não se desligam do sistema mesmo
após a finalização da etapa de obras.
Assim, um último ponto a ser destacado é que, diferentemente das
cooperativas, que constituem, obrigatoriamente, fundos de manutenção previstos em
lei, e das federações que se mantêm financeiramente com as contribuições das
unidades cooperativas afiliadas, as associações de moradores e as federações de
associações não tem estabelecido mecanismos estáveis que garantam o suporte
material de suas atividades. Como aponta Grazia (1993), para o caso da FAMERJ nos
anos 1980, a federação conseguiu subsistir com os serviços prestados na luta dos
mutuários do Banco Nacional de Habitação contra os reajustes das prestações.
Durante um período, os recursos permitiram comprar “uma sede própria e montar uma
infraestrutura que dava suporte ao conjunto das atividades desenvolvidas pela
Federação” (GRAZIA, 1993, p. 113). Mas esse mecanismo não se tornou perene,
170
cessando após a diminuição dos processos judiciais, o que, segundo a autora “fez
com que a Federação não evoluísse na construção de uma política de captação de
recursos adequada às AMAs” (GRAZIA, 1993, p. 113)17.
4.2 Matriz sindical e autogestão habitacional
Como apontam inúmeros trabalhos sobre a dinâmica industrial do Rio de
Janeiro, a partir da década de 1950 houve uma constante perda de seu dinamismo
para a região metropolitana de São Paulo18. Desde tal perspectiva, segundo Ribeiro
(2015, p. 21) observa-se, na metrópole do Rio de Janeiro, “os efeitos de um intenso
processo de uma urbanização dissociada da constituição de uma base industrial
correspondente, ou seja, uma base com capacidade de gerar um mercado de trabalho
capaz de sustentar o grau de metropolização alcançado”.
Os dados elencados por Mattos (1998) mostram que, nos anos 1980 – ou seja,
no período inicial das experiências de autogestão habitacional no Rio de Janeiro – a
precariedade era a marca do mercado de trabalho da região. Entre 1982 e 1984, a
proporção da população economicamente ativa desocupada, ocupada que não teve
rendimento e ocupada recebendo menos de um salário mínimo, oscilou entre 21% e
32%, a mais alta entre as capitais do sudeste. A proporção de população ocupada e
sem carteira de trabalho assinada esteve sempre em torno dos 22% a 25% entre os
anos de 1982 e 1988, também mais alta do que nas demais capitais do sudeste. Esses
dados permitem ao autor afirmar que “a precariedade é um dado estrutural do
mercado de trabalho carioca, cuja explicação não depende apenas de um período
recessivo específico” (MATTOS, 1998, p. 109).
17 Nesse sentido, o trabalho de campo permitiu presenciar alguns relatos sobre a dificuldade de manutenção das atividades da União por Moradia Popular do Rio de Janeiro, a qual por muito tempo recebeu apoio da Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos Bento Rubião. Porém, com a crise da entidade a partir da quebra de recursos de cooperação internacional, esta passava por dificuldades para exercer as atividades de militância. 18 As análises sobre o dinamismo industrial do Rio de Janeiro envolvem uma questão com muitas peculiaridades e contradições, não tão simples de se compreender, como aponta o trabalho de revisão bibliográfica de Gomes e Ferreira (1988).
171
No entanto, se o dinamismo econômico do Rio de Janeiro não possibilitou criar
as condições para a constituição de uma classe operária numerosa, como no Uruguai
da década de 1960, não se pode constatar a mesma condição quanto às organizações
sindicais dos trabalhadores. Seguindo o trabalho de Mattos (1998), pode-se inferir
como, na metrópole carioca, constituiu-se um conjunto de práticas sindicais
consistentes no período que vai de meados do século XX até a abertura democrática
da década de 198019.
Como aponta o texto de apresentação da coletânea de Abreu e Pessanha
(1995), o Rio de Janeiro consolidou um processo de industrialização que se
desenvolveu vinculado ao comércio (principalmente importador) e ao capital
financeiro, diferentemente da região paulista associada ao complexo exportador
cafeeiro. Além disso, enquanto capital da República até meados do século XX,
angariou-se traços peculiares a esse processo de industrialização dada a proximidade
com órgãos burocráticos do governo federal. Desse modo, segundo os autores,
formou-se o “trabalhismo à carioca”, constituído por “uma classe trabalhadora
altamente reivindicativa e com amplos setores capazes de explorar positivamente os
espaços existentes de negociação com os demais setores da sociedade” (ABREU;
PESSANHA, 1995, p. 8).
O trabalho de Mattos (1998) ilumina um denso conjunto de práticas sindicais
que se constituíam na metrópole do Rio de Janeiro no período pré-ditadura. Dados de
1960, detalhados pelo autor, mostram que o percentual de sindicalizados em relação
à população economicamente ativa (PEA) em atividades urbanas, era de 14,45% em
São Paulo, enquanto que, no estado da Guanabara, era de 27,99%. Eram índices
baixos se comparados com os valores de países centrais, mas, considerando-se a
perda de dinamismo industrial da região fluminense, mostra-se surpreendente que o
então estado da Guanabara destacava-se entre um dos mais altos em relação às
19 Não são muitos os estudos sobre o sindicalismo no Rio de Janeiro, como indica o comentário de Abreu e Pessanha (1995, p. 7) ao afirmar que “desde os estudos mais clássicos sobre sindicalismo até os mais recentes sobre condições e processo de trabalho, a produção científica tem sido significativa e relevante. Existe, no entanto, uma concentração marcada desses estudos na análise do caso paulista”. Além dessa coletânea de Abreu e Pessanha (1995) e do trabalho de Mattos (1998), também deve-se ter como referência de estudos, sobre o sindicalismo no Rio de Janeiro, a pesquisa do último autor sobre a relação entre escravismo e formação da classe trabalhadora carioca (MATTOS, 2008), a coletânea de Lobo (1992) abordando as condições de vida operária entre 1930 e 1970, a coletânea de Ramalho e Santana (2001) sobre a trajetória dos trabalhadores metalúrgicos e a dissertação de Ladosky (1995) acerca da formação da CUT e do novo sindicalismo no Rio de Janeiro.
172
demais regiões do país. Havia, ainda, percentuais de sindicalização que superavam
em muito a média, como no caso dos bancários, com um índice de aproximadamente
75% às vésperas do golpe militar (25.929 sócios em aproximadamente 35 mil
bancários), dos ferroviários da Leopoldina, que chegava a 85% (17 mil sindicalizados
para 20 mil trabalhadores na base) e dos metalúrgicos, onde o nível atingia metade
da categoria em 1961 (MATTOS, 1998, p. 123).
Desse modo, a partir de meados da década de 1950 havia um conjunto de
práticas sindicais que se consubstanciaram na metrópole do Rio de Janeiro. Alguns
sindicatos tornaram-se referência para o sindicalismo na região, como era o caso dos
metalúrgicos e dos bancários. Estes constituíram entidades bastante poderosas, com
fortes organizações de base que contavam com o controle de recursos financeiros de
grande porte. Desse modo, “embora fossem exceções entre um domínio de pequenas
e médias entidades, os sindicatos de bancários e metalúrgicos constituíam-se em
referência e suporte para todo o sindicalismo carioca, inclusive pela estrutura material
de que dispunham” (MATTOS, 1998, p. 129).
Com a ditadura militar a partir de 1964, no entanto, a repressão às
organizações sindicais foi brutal. No Rio de Janeiro contabilizaram-se 433
intervenções logo após o golpe, com dirigentes sindicais inclusos nas principais listas
de cassações e de perseguição política (MATTOS, 1998, p. 133). Além da repressão,
a ditadura colocou diversos interventores – muitos dos quais sindicalistas – em
inúmeras entidades. Mas não só pelo viés repressivo, a ditadura também passou a
atuar junto aos sindicatos por meio da concessão de apoio aos serviços assistenciais
que eram prestados pelos sindicatos. A intervenção da ditadura passava, também,
“pela revalorização do sindicato como órgão auxiliar do Estado junto aos
trabalhadores. [...] De concreto, os sindicatos eram revalorizados como serviços
assistenciais”. (MATTOS, 1998, p. 141).
Tal direcionamento teve como efeito correlato o crescimento da máquina
sindical, alimentada pelas verbas assistencialistas do governo e pelo imposto sindical
compulsório. Como exemplifica Mattos (1998, p. 143), um sindicato pequeno, como o
dos Ferroviários da Central nos anos 1960, já na década seguinte possuía sede
própria, colônia de férias, vários veículos, serviços médios, odontológicos e jurídicos,
além de representações espalhadas por uma extensa base territorial.
173
Porém, já no final da década de 1970 a intervenção sindical da ditadura deu
sinais de exaustão, com a chegada de diretorias oposicionistas em grandes entidades,
como a dos metalúrgicos e a dos bancários. Na virada dessa década, as organizações
sindicais do Rio de Janeiro acompanham o paulatino crescimento de uma nova fase
do sindicalismo brasileiro. Novamente segundo Mattos (1998, p. 145), “embaladas
pelo ressurgimento dos sindicatos no cenário político nacional, lideranças que se
identificavam como oposições às diretorias herdeiras dos interventores começam a
ganhar espaço nas principais entidades sindicais cariocas”. Renovações de diretoriais
e deflagração de vários momentos de greve vão marcar esse contexto. É a partir de
um caminho próprio, permeado por disputas e contradições, que o Rio de Janeiro
adentra o circuito do “novo sindicalismo” que se fazia pulsar a partir do ABC paulista
(LADOSKY, 1995).
Seguindo o trabalho de Mattos (1998), constata-se como, na década de
1980, existia no Rio de Janeiro um conjunto de práticas sindicais que se consolidaram
em um período de quase três décadas de tradição. Essas práticas conformaram
sindicatos que, nesse período, desenvolveram um caráter de forte presença nas lutas
políticas do período. Apesar da perda de dinamismo na produção industrial do Rio de
Janeiro, a partir de meados do século XX, a tradição sindical constituiu um patrimônio
de práticas de referência para a organização dos trabalhadores. Como o autor aponta
(MATTOS, 1998, p. 181), formaram-se instâncias de organização dos trabalhadores
nos locais de trabalho, órgãos intersindicais, mobilizações com forte participação das
bases, altos índices de sindicalização e encaminhamento de novas demandas como
contrato coletivo de trabalho, dentre outras práticas sindicais.
Porém, a matriz sindical e o projeto político da produção social do habitat, no
Rio de Janeiro, não se entrecruzaram como ocorrera no Uruguai. Na metrópole
carioca as práticas de prestação de serviços pelos sindicatos, às suas bases, não
fizeram internalizar a questão do acesso a soluções habitacionais via projetos
autogestionários20. Portanto, pode-se constatar como a autogestão habitacional, na
20 Seria necessário, ainda, perscrutar os caminhos que levaram o sindicalismo, no Rio de Janeiro, a não desenvolver iniciativas na área da produção habitacional. Fontes de recursos estavam disponíveis mesmo nos períodos de crise, para um público de mais alta renda, o qual possivelmente poderia ser aquele dos sindicalizados. Assim, mesmo ao final dos anos 1990, período de forte recessão econômica, havia recursos habitacionais disponíveis, pois existia “uma expansão relativa das metas estabelecidas para a utilização de recursos para financiamento direto ao adquirente, através dos programas Carta de Crédito (FGTS e Recursos CEF), que atendem a parcelas das camadas de renda média e média baixa”
174
metrópole carioca, trilhou um determinado caminho na vertente de atuação com os
coletivos organizados. Trabalhar com uma base, oriunda de experiências urbanas da
favela, constituiu-se em um caminho diferente daquele dos trabalhadores estáveis e
sindicalizados do Uruguai – cuja matriz, como visto, também estava presente no Rio
de Janeiro.
Nessa perspectiva pode-se lançar luz sobre uma série de questões que a
trajetória carioca teve que enfrentar, distintas em relação ao contexto uruguaio. Uma
primeira refere-se a trabalhar com uma base social que não angariava experiências
prévias de organização sindical, tão consolidadas como aquelas do contexto do país
vizinho. Como comenta um documento da Fundação Centro de Defesa de Direitos
Humanos Bento Rubião, sobre sua trajetória de organização dos coletivos com os
quais trabalha,
nossa experiência demonstra, com clareza, uma relação direta entre as famílias com maiores dificuldades de participação, de um lado, e situações de desemprego/ emprego precário por outro, demonstrando a óbvia repercussão “interna”, no dia-a-dia da Cooperativa, das condições socioeconômicas externas vividas por estas famílias (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007, p. 49).
Uma segunda questão refere-se a que, na experiência do Rio de Janeiro, a
questão da habitação tendeu, de certa forma, a se autonomizar da questão social –
salarial, portanto, nos termos de Castel (2003). Trata-se de uma configuração distinta,
por exemplo, do que coloca a assertiva do cooperativista uruguaio Armando Guerra,
trabalhador uruguaio do ramo têxtil, ao afirmar que “como cooperativistas somos un
movimiento popular de trabajadores textiles que buscamos consolidar una
reivindicación: la vivienda. No desconocemos que para poderla pagar necesitamos
trabajo y salario decoroso” (CUADERNOS COOPERATIVOS, 1972, p. 12).
Ao trilhar o caminho de atuação com a base da favela, a autogestão
habitacional no Rio de Janeiro movimentou-se por um território onde um ator político
– o favelado – instituiu-se, segundo Silva (2002), a partir da separação de sua
condição de moradia dos demais tipos de moradias da cidade, assim como do
apartamento de sua luta política da relação entre produção e reprodução social
(CARDOSO, 2003, p. 13). Para uma análise sobre a utilização de recursos do FGTS, nesse período, no modelo de cooperativas habitacionais, ver o caso de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, abordado por Hansen (2015).
175
mediada pelo salário. Como salienta o autor, a luta dos favelados, a partir de meados
do século XX, distanciou-se da luta operária, conformando-se “moradores de favelas
com suas associações, operários com seus sindicatos — estes últimos não discutiam
o acesso à moradia na cidade, nem as primeiras, a remuneração do trabalho. (SILVA,
2002, p. 229). Portanto, caminho distinto do que trilhou o cooperativismo de moradia
no Uruguai.
4.3 Cultura política e violência
De forma mais marcante, alguns eventos chave do grupo Esperança acentuam
como uma determinada “sociabilidade violenta” tem se infiltrado nas formas do
associativismo de base na sociedade carioca. O grupo teve que enfrentar, durante
toda a execução do projeto, a concretude de relações sociais violentas, oriundas, em
alguns casos mais específicos, a partir da interferência das “milícias” que atuam na
zona oeste do Rio de Janeiro.
Assim é que o grupo, quando da procura por terreno para a viabilização de seu
projeto, mostrou-se reticente ao surgir a possibilidade de ir para a Colônia Juliano
Moreira. Ali o território era conhecido como área de milícia. Após o largo período de
negociação para garantir o local de realização do projeto habitacional, alguns fatos
marcam o desenvolvimento da obra com o enfrentamento de diversas tentativas de
intervenção da milícia que atua na região.
Somente de modo a ilustrar a concretude desse dilema, apresenta-se um fato
que atravessaram a etapa de pré-obra do projeto. Uma das primeiras iniciativas, após
a confirmação do terreno a ser destinado para o projeto, foi delimitá-lo com a
colocação de uma cerca de arame farpado. Porém, como conta um técnico da
Fundação Bento Rubião, “então quando chegamos e cercamos [o terreno], o miliciano
foi lá e disse: ‘olha, não pode, arame farpado só pode em zona rural, e isso aqui não
é zona rural’” (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2015). O
grupo parecia já ter conhecimento dos modos de ação da milícia na região,
considerando a ação do miliciano uma forma de intimidação à realização do projeto.
176
Assim é que resolveram contornar a situação, como continua o técnico, explicando
que “aí as famílias tiraram o farpado do arame, um por um. Deu 18 quilos [de metal]"
(FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2015). Esse fato foi
marcante para a trajetória do grupo, passando horas a retirar, com alicate, o farpado
do arame de cercamento.
A presença da milícia também ocorreu na etapa de obra. Durante a vigília
noturna houve relatos de carros com milicianos que passavam pelas ruas do projeto
para acompanhar o que ocorria na obra. Em outro episódio, em uma certa manhã o
grupo se deparou com um corpo de uma pessoa assassinada em uma das casas, o
que foi lido como um acerto de contas realizado pela milícia e uma forma de intimidar
o grupo. Além disso, o grupo também teve que tomar algumas precauções com a
prestação de contas realizada em assembleias, as quais não apresentavam valores
monetários, já que eram abertas no terreno do projeto e poderiam ter a presença de
milicianos acompanhando a sua execução. O temor, ao final das obras, que foi posto
por técnicos e participantes do projeto, era de que a milícia domine o território do
projeto por meio do monopólio na prestação de serviços ao bairro, como entrega de
gás e tv à cabo, por exemplo.
Mesmo no projeto em Shangri-lá já se sentia a presença da milícia buscando
promover alguma influência no coletivo organizado. Como comenta o mesmo técnico
da Fundação Bento Rubião, “quando a gente construiu Shangri-lá, tinha um barraco
de uma família que não queria fazer parte dessa cooperativa, ficou ali do lado de fora”.
Assim é que entrou a influência da milícia, pois “aí veio um miliciano e deu uma casa
para a mulher, mostrando o poder ‘do outro lado’: ‘tá vendo aí, a mulher não quis, mas
ela também tem condições de ter uma casa’" (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS
BENTO RUBIÃO, 2015).
A milícia teve um conhecimento maior da sociedade em geral a partir de 2006,
quando repórteres do jornal “O Dia” foram torturados por milicianos quando faziam
uma reportagem sobre o tema. A partir daí a questão tomou a discussão no espaço
público da região do Rio de Janeiro. No ano de 2008 foi empreendida uma CPI na
Assembleia Legislativa do Estado sobre o tema, levando ao conhecimento público
seus mecanismos de funcionamento e ao indiciamento e prisão de vários de seus
membros. Segundo Cano (2008, p. 60), as milícias não são um fenômeno novo no Rio
177
de Janeiro “como prova o fato de que existem comunidades na Zona Oeste nas quais
o domínio destes grupos irregulares é uma realidade há anos”.
A milícia, segundo o autor, pode ser definida por cinco elementos: o controle
de um território e da população que nele habita por parte de um grupo armado
irregular; o caráter, em alguma medida, coativo desse controle dos moradores do
território; o ânimo de lucro individual como motivação principal dos integrantes desses
grupos; um discurso de legitimação referido à proteção dos habitantes e à instauração
de uma nova ordem; e a participação ativa e reconhecida de agentes do estado como
integrantes dos grupos21.
A atuação das milícias no território ocorre de forma bastante heterogênea. Em
algumas comunidades conformam-se quase como um serviço de segurança privada,
sem muita interferência na vida dos moradores. Já em outros territórios a milícia
estabelece numerosas regras e restrições, agindo de forma violenta. Assim como sua
atuação não é heterogênea, a chegada da milícia aos territórios também não ocorre
de uma mesma forma e com o mesmo sucesso. Em algumas comunidades o ganho
econômico pode não ocorrer e em outras a própria comunidade pode resistir e
expulsar a milícia22 (CANO, 2008).
Em conversas com técnicos assessores e com moradores de Shangri-lá e do
grupo Esperança, uma das principais formas relatadas de interesse da milícia junto
aos projetos referia-se à infiltração de candidatos na eleição da direção do grupo.
Porém, a formatação como os grupos se constituíram, por meio da figura da
cooperativa, era invocado como argumento para impedir esse processo. Já que se
tratam de cooperativas, os membros da diretoria só poderiam ser eleitos entre seus
sócios. O grupo de Shangri-lá conformou-se em uma cooperativa conforme a Lei
5.764, apesar da figura jurídica não estar ativa (BASTOS, 2013), assim como o grupo
Esperança, apesar da entidade organizadora do projeto, junto aos recursos do
21 Para o seu funcionamento, as milícias valem-se de todo um saber acumulado, como comenta Cano (2008, p. 34) ao afirmar que “uma década e meia foi necessária para a gestação dos grupos de extermínio/milícia organizados pelo aparato policial. O acúmulo de conhecimento obtido pela participação direta nos negócios do crime em cada área foi determinante para o sucesso desse projeto”. 22 Nesse sentido, como comenta Cano (2008, p. 74), “com efeito, um fato pouco conhecido é que em muitas comunidades existiu uma tentativa de estabelecer uma milícia que não vingou, fosse pela resistência do tráfico ou, com maior frequência, pelo fracasso econômico da iniciativa, incapaz de gerar recursos suficientes, ou pela oposição da própria comunidade, que se recusou a colaborar e manteve o poder suficiente para não ser submetida”
178
Governo Federal, ser a Fundação Bento Rubião. Aqui constata-se como a diferença
entre a “forma associação” e a “forma cooperativa” é acionada para tratar da questão
da sociabilidade violenta no Rio de Janeiro.
Nesse sentido, Zaluar (2006) salienta como, em meados da década de 1990, o
crime organizado passou a interessar-se pelo domínio das associações de moradores
dos territórios onde começavam a atuar. De acordo com a autora, “os grupos do tráfico
ou as ‘quadrilhas’ [...] começaram a se interessar pelas eleições das associações de
moradores, apresentando candidatos ligados a eles” (ZALUAR, 2006, p. 212). Esse
fenômeno, segundo Zaluar, mostra como, na virada dos anos 1980 para 1990, uma
determinada transformação no “mundo do crime” no Rio de Janeiro passa a impactar
a cultura política dos territórios populares e das favelas.
Como a autora explica, “o processo de redemocratização coincidiu com a
dramática transformação na organização transnacional do crime, que afetou
principalmente as regiões metropolitanas e, nelas, os bairros populares e as favelas”
(ZALUAR, 2006, p. 212)23. Essa transformação no mundo do crime – como é exemplar
o caso das milícias – impactou a vida associativa das favelas e territórios populares,
com a infiltração de representantes na direção das organizações populares. A autora
assim comenta que, “nas favelas cariocas [...] os movimentos sociais foram
profundamente afetados por esse novíssimo fenômeno, que gerou novas dificuldades
para seus militantes (ZALUAR, 2006, p. 210).
Se a emergência de um associativismo reivindicativo, nos anos 1980, foi a porta
de entrada para práticas inovadoras de organização política e de renovação da própria
cultura política, já nos anos 1990 viu-se atravessado por uma sociabilidade que anulou
muitas propostas inovadoras que aportou, justamente ao ser atravessada por relações
sociais calcadas na violência. Como indica Burgos (2006) sobre essa transformação,
a partir da dominação das relações violentas de sociabilidade pelo tráfico de drogas,
no Rio de Janeiro, onde a presença dos excluídos na cena política assumira importância inédita nas décadas de 50 e 60, a questão torna-se dramática,
23 Como apontam Misse e Grillo (2014), a visibilidade do aumento da violência no Rio de Janeiro inicia-se em meados dos anos 1950. Não se trata de um fenômeno recente e que não pode ser compreendido somente por referentes contemporâneos ao tráfico de drogas ou a mercados ilegais, visto que “pasa por una específica acumulación social de la violencia, cuyos contornos exigen una comprensión histórica” (MISSE; GRILLO, 2014, p. 59).
179
uma vez que a tiranização das favelas e conjuntos habitacionais pelo tráfico inibe a retomada da comunicação de seus interesses com a nova institucionalidade construída com a redemocratização do país (BURGOS, 2006, p. 26).
Nesse mesmo sentido Silva (2002, p. 233) aponta que “acumulam-se as tentativas de
tomada das organizações locais e ficam cada vez mais difíceis o agrupamento e a
mobilização coletiva fora do domínio do crime organizado”. Conforma-se, desse modo,
uma forma de vida nos territórios populares que é atravessada por relações sociais
calcadas na violência, o que incide na desestabilização de sua organização autônoma
– como viso nos casos de Shangri-lá e Esperança.
Trata-se, como coloca o mesmo autor, da constituição de uma “sociabilidade
violenta” a partir de transformações nas relações sociais calcadas em práticas
criminosas comuns – em contraposição ao monopólio da violência pelo estado. Assim,
segundo sua argumentação, “está em adiantado processo de consolidação, no âmbito
das rotinas cotidianas, uma ordem social cujo princípio de organização é o recurso
universal à força” (SILVA, 2004, p. 62), na qual o uso da força passa a ser um princípio
de regulação das relações sociais, ao invés de meio eventual de obtenção de
interesses.
Com foco principal nos territórios periféricos, a sociabilidade violenta impacta a
conformação da cultura política desses espaços, por constituir uma
“incomunicabilidade entre seus próprios membros produzida pelo medo e pela
desconfiança” (SILVA, 2004, p. 77). Desse modo, como analisado anteriormente, o
que se constata como uma determinada “sociabilidade violenta” se apresenta
enquanto foco de dilemas e tensões para os projetos de produção social do habitat no
Rio de Janeiro.
4.4 Estado, organizações não-governamentais e cooperação internacional
Um trecho de documento da Fundação Centro de Defesa de Direitos Humanos
Bento Rubião realiza uma ponderação importante sobre a impossibilidade de constituir
um apoio sistemático, do poder público, aos projetos piloto da entidade no início da
década de 1990. O documento coloca que “não se ponderou a real dimensão da lógica
180
e dos interesses próprios do poder público [...]. O poder público possui dinâmicas
próprias, que primeiramente precisam ser conhecidas em profundidade” (FUNDAÇÃO
DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007, p. 17). O referido documento não
analisa tais dinâmicas e interesses próprios. Porém, uma abordagem panorâmica
sobre as políticas públicas desenvolvidas pela prefeitura do Rio de Janeiro, naquele
momento, pode fazer pensar essa questão, conectando alguns dos pontos da
argumentação empreendida até aqui.
O programa Favela Bairro foi um dos principais programas concebidos pela
prefeitura de Cesar Maia nesse período. O estudo de Cardoso e Araujo (2007, p. 309),
realizado em meados dos anos 2000, comenta que tal programa “vem sendo
desenvolvido pela Secretaria Municipal de Habitação desde 1994, quando a
administração resolveu adotar uma nova política para as favelas”. Sem entrar em
detalhes sobre o funcionamento do Favela Bairro, vale tomar um aspecto da avaliação
do referido estudo. A análise permitiu identificar que, apesar da política habitacional
do Rio de Janeiro mostrar-se um tanto diversificada, “não inclui iniciativas ligadas à
ampliação da oferta de novas oportunidades habitacionais, seja por meio de
programas próprios, seja por meio da utilização de instrumentos de política fundiária
que ampliem a oferta privada” (CARDOSO; ARAUJO, 2007, p. 319). Assim, a provisão
de novas soluções habitacionais – como aquelas praticadas pela autogestão
habitacional – não era prioridade por parte do poder público municipal.
Desse modo é que se pode lançar uma certa luz sobre a lógica e os interesses
próprios do poder público de que fala o documento da Fundação Bento Rubião. A
produção habitacional, como reivindicada na proposta da entidade via mecanismos
autogestionários, não se constituía em um objetivo privilegiado pela política
habitacional da prefeitura, como se pode verificar na implementação do programa
Favela-Bairro. Se, como visto anteriormente, o campo da favela, no Rio de Janeiro, a
partir da década de 1980 passa por uma reconfiguração na vida associativa e nas
políticas de intervenção urbana, a produção de novas unidades habitacionais não se
constituiu em um eixo de ação nesse processo. Como o mesmo estudo aponta sobre
a atuação do governo Brizola na política de urbanização de favelas, o traço geral era
de “intervenção em obras de infraestrutura deixando a questão da moradia enquanto
edificação por conta dos moradores” (CARDOSO; ARAUJO, 2007, p. 280).
181
O caminho trilhado, então, pela Fundação Bento Rubião foi acessar recursos
oriundos de cooperação internacional, que perpassava o campo das Organizações
Não-Governamentais (ONGs) nesse período. Tratava-se de um contexto que
carregava uma certa especificidade no campo das ONGs. Dados de uma pesquisa
sobre o associativismo no Rio de Janeiro, no começo da década de 1990, mostram
como tais organizações tinham forte presença na região. Segundo Ribeiro e Santos
Júnior (1996, p. 51), estatísticas da Associação Brasileira de ONGs, de 1995,
indicavam que, “na Região Sudeste, o Rio de Janeiro é o estado com maior
quantidade de ONGs (58%), seguido de São Paulo (38%), Espírito Santo (2%) e Minas
Gerais (2%). [...] A maioria delas atua na área cidadania e questão urbana”.
Esses dados apontam para o momento de institucionalização de um campo que
constituía uma especificidade na relação entre ONGs, instituições transnacionais e o
público-alvo com o qual trabalhavam essas entidades. A tese de Landim (1993)
explora como houve uma mudança na constituição do campo dessas organizações
na virada da década de 1980 para 1990. De um período formativo nos anos 1970,
baseado em uma certa “invisibilidade social”, nessa virada de década as ONGs
passam a afirmar sua institucionalização, procurando “construir uma identidade
comum e uma atuação como corpo no campo político e social do país, buscando
reconhecimento público e reivindicando para si o papel de protagonistas autônomos
nessa cena” (LANDIM, 1993, p. 8).
O que vale ressaltar é que essa institucionalização colocou uma determinada
relação com instituições transnacionais e seus recursos financeiros para cooperação
internacional. Como aponta a autora, “não se pode deixar de considerar, quanto ao
aumento significativo de ‘ONGs’ brasileiras nos últimos 10 a 20 anos, o paralelo
aumento do volume de recursos internacionais alocados para esse tipo de instituição,
a nível mundial” (LANDIM, 1993, p. 12). A autora cita o exemplo de que, entre os anos
de 1960 e 1980, constata-se um crescimento de 68% na ajuda externa para o
“Terceiro Mundo” por meio de agências não governamentais dos Estados Unidos,
Canadá e Europa. Desse modo é que a relação entre agências internacionais e ONGs
instituíram um campo de interações muito específico, “onde as relações com os target
groups, os grupos-alvo, os beneficiários do ‘Terceiro Mundo’ na ponta da cadeia, são
a fonte de legitimidade última da existência dessa grande estrutura. (LANDIM, 1993,
p. 10)
182
Desde tal perspectiva pode-se compreender os sentidos de um campo de
relações em que se inseria o modo como se acionou a rede de cooperação
internacional para viabilização dos projetos piloto no Rio de Janeiro. Esse
acionamento, por um lado, permitiu que a entidade constituísse um modelo de acesso
aos recursos financeiros que consubstanciou os três elementos chave de referência
sistema cooperativo de moradia uruguaio, quais sejam, a ajuda-mútua, o fundo
rotativo e a figura jurídica da cooperativa. Neste último item, como analisado nesta
seção, a especificidade do campo do cooperativismo no Brasil não permitiu que a
forma cooperativa se desenvolvesse nos moldes do sistema uruguaio. Pois se a
viabilização dos recursos, via cooperação internacional, possibilitou um certo
experimentalismo no modelo proposto (BASTOS, 2013), tais como a adoção da
propriedade coletiva e da forma cooperativa, esta última se instituiu sob condições de
informalidade e de atrelamento ao campo normativo vigente.
O que esse experimentalismo irá proporcionar, em última medida, é a
constituição de um determinado modelo de gestão das experiências de autogestão
habitacional promovidas pela Fundação Bento Rubião. Como coloca o próprio
documento da entidade, conformou-se um modelo que se assenta em uma forma de
“cogestão”, no qual “o papel da assessoria é maior no início, vindo a diminuir ao longo
do tempo, em função do investimento na capacitação do grupo, de sua crescente
experiência e da coesão social que vai adquirindo”. (FUNDAÇÃO DE DIREITOS
HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007, p. 28). A cogestão, portanto, não implica a gestão
de todas as etapas do projeto pelo coletivo organizado, como ocorre com as
cooperativas de moradia no Uruguai.
A constituição de tal modelo de “cogestão”, a partir das experiências
financiadas com recursos da cooperação interacional, apresenta questões mais
conflitivas a partir do acesso aos recursos do financiamento federal, nos anos 2000,
com o grupo Esperança. A organização institucional do projeto atravessa conflitos que
não se visualizam na referência uruguaia, já que de assessoria técnica, a própria
Fundação, torna-se a própria entidade organizadora do projeto. Como exemplo das
dimensões conflitivas desse processo, no caso de Esperança, por um lado, pelo
caráter jurídico de “fundação”, havia um processo meticuloso de compra de materiais
de construção, via realização constante de cotação de três fornecedores e um
183
detalhado processo de prestação de contas24. Por outro, os próprios beneficiários não
se colocavam, em última instância, como responsáveis pela gestão dos recursos
financeiros do projeto.
Emblemático, nesse sentido, é o episódio coletado em campo sobre a
experiência da primeira apresentação de contas durante o projeto de obras. Um
conflito entre famílias e a entidade se instalou ao se apresentar um desembolso de
grande quantidade de recursos para o serviço de assistência técnica, destinado à
própria Fundação. Sendo esta assessora técnica e entidade organizadora, tornou-se
difícil ao grupo compreender essa divisão de papéis e a motivação para que os
recursos não fossem empregados em obra, mas para a entidade organizadora do
projeto.
Assim, o modelo de “cogestão” desenvolvido pela Fundação Centro de Defesa
de Direitos Humanos Bento Rubião passa por determinados momentos de curto
circuito nas práticas e concepções envolvendo os diversos atores das experiências de
autogestão habitacional. A longa passagem a seguir do trabalho de Burguière (2012)
aponta para o embaralhamento de papéis que se configurou no projeto de Esperança,
envolvendo a Fundação, as famílias e o movimento social, representado pela União
por Moradia Popular do Rio de Janeiro, ao qual se vinculam. Segundo a autora.
ce système-là montre que pour le projet de Esperança, il s’agit plus d’une cogestion : la Fondation [Bento Rubião] est responsable pour tout. Cette confusion provoque des problèmes relationnels entre l’UMP [União Nacional por Moradia Popular] et la Fondation. L’UMP est représentée par une seule personne dans ce projet qui est quotidiennement présente au milieu des familles et n’hésite pas à remettre en cause la Fondation. Ce comportement rend beaucoup plus difficile la relation entre l’ONG et les familles. De plus, aujourd’hui, ce sont les habitants qui ont le pouvoir au sein du projet, le financement est dans leurs mains, ce sont eux qui « embauchent » la Fondation. Les relations sont alors différentes entre les familles et l’UMP (qui est un véritable partenaire aux yeux des familles) et, les familles et la Fondation (qui a beaucoup moins de légitimité à leurs yeux). Pour la Fondation, il s’agit d’une véritable difficulté. En effet, bien que cette dernière s’investisse complètement dans le projet de ces familles, elle a sans cesse besoin de se justifier, elle manque de légitimité (BURGUIÈRE, 2012, p. 44) 25.
24 Conforme comentário de manual do Instituto Pro Bono (2005, p. 15) sobre o Código Civil Brasileiro, as fundações contam com uma gestão mais detalhada do que as associações, visto que é realizada “pelo Conselho Curador (que decide em linhas gerais quanto à forma de atuação da fundação), Conselho Administrativo ou Diretoria (órgão executor) e Conselho Fiscal (que realiza o acompanhamento das contas da fundação)”. Além disso, as atividades das fundações estão sujeitas ao controle minucioso do Ministério Público Estadual. 25 “esse sistema mostra que, o projeto de Esperança, é mais do que uma cogestão: a Fundação [Bento Rubião] é responsável por tudo. Essa confusão provoca problemas de relacionamento entre a UMP e
184
Deve-se ter em conta que esse curto-circuito, no projeto de Esperança, se
realiza a partir de uma configuração posta pela modus operandi do programa público
federal. Isso visto o processo de habilitação das entidades, que podem acessar os
recursos públicos, privilegiar a lógica de organizações exteriores ao grupo
beneficiário, como postulam as normativas dos programas federais Crédito Solidário
e Minha Casa, Minha Vida – Entidades. Justamente ao se exigir a formação prévia da
entidade de três anos e se realizar uma hierarquização que define o número de
unidades passíveis de construção pela entidade, de acordo com o acúmulo de
experiência em desenvolvimento de políticas públicas26. Ademais de se adotar o
financiamento e a propriedade de caráter individuais, o modelo da política habitacional
federal atua em sentido distinto em relação à concessão de personalidade jurídica no
sistema uruguaio de cooperativas de moradia27.
Vale adicionar a esse curto circuito enfrentado em Esperança, o fato de que o
modelo de cogestão, que se iniciou com o aporte de recursos da cooperação
internacional, passou por uma quebra ao final dos anos 2000, desde um cenário de
crise nas fontes financiamento. Como já apontava texto de meados da década de
1990 (DURÃO, 1995) sobre a relação entre ONGs e cooperação internacional, a
evolução desse campo, que buscava sua institucionalização (LANDIM, 1993),
requeria, para tanto, um volume crescente de apoio financeiro. Ao depender de
recursos da cooperação internacional, não se vislumbrava, naquele momento, um
crescimento necessário do suporte oriundo dessa cooperação. Assim é que a análise
aponta que “mesmo a mera estabilização - que parece ser uma linha média de
consenso entre as agências na avaliação das perspectivas financeiras da cooperação
a Fundação. A UMP é representada por uma única pessoa neste projeto que está cotidianamente presente no meio das famílias e não hesita em questionar a Fundação. Esse comportamento torna mais difícil a relação entre a ONG e as famílias. Além disso, hoje são os moradores que têm o poder no seio do projeto, o financiamento está em suas mãos, eles são os que ‘contrataram’ a Fundação. Relacionamentos são diferentes entre as famílias e a UMP (que é um real parceiro nos olhos das famílias), e das famílias e a Fundação (que tem muito menos legitimidade a seus olhos). Para a Fundação, há uma dificuldade real. Com efeito, embora essa última se engaje completamente no projeto de tais famílias, ela sempre precisa se justificar, falta-lhe legitimidade” (tradução do autor). 26 A análise toma como referência a Portaria nº 747/14 do Ministério das Cidades, alterada pelas Portarias nº 778/14 e nº 500/15. 27 A lei de iniciativa popular que propôs a constituição do Fundo Nacional de Moradia Popular, no início dos anos 1990, defendia um sistema similar ao uruguaio (PAZ, 1996). Porém, a Lei Federal 11.124, aprovada em 2005 a partir dessa iniciativa, eliminou dois elementos essenciais da proposta, quais sejam, a constituição de um fundo com recursos vinculados (sendo aprovado um de natureza contábil, dependente de aportes orçamentários) e o acesso direto de entidades da sociedade aos recursos do orçamento do Governo Federal.
185
não-governamental para o Brasil nos próximos anos - representa na prática uma
relativa redução de recursos” (DURÃO, 1995, p. 16).
Já no final da década de 2000, o que se testemunha é justamente a quebra das
fontes de recursos de cooperação internacional, colocando enormes dificuldades para
a sustentação financeira da Fundação Bento Rubião. Tal processo decorre não só de
uma decisão das agências de financiamento internacional, mas sobretudo de uma
mudança na geopolítica global.
Nesse sentido, o trabalho Bessa (2011) retoma a discussão sobre o processo
de saída das agências internacionais holandesas do financiamento às organizações
brasileiras. A partir do começo dos anos 1980 tais agências começaram a passar por
um deslocamento de seu papel na estratégia geopolítica europeia. Bessa elenca
alguns dos elementos que explicam esse deslocamento, quais sejam, a falta de
credibilidade do governo nos resultados alcançados, a partir de uma mudança na
conformação de uma visão mais tecnocrática na avaliação de resultados, além de uma
transformação conservadora na política holandesa, mais nacionalista, em uma onda
que perpassou toda a Europa, que fez o governo propugnar o direcionamento do
investimento de tais agências para questões internas (BESSA, 2011, p. 31). Desde tal
cenário, o que se viu a partir de 2008 foi a quebra do fluxo de financiamento
internacional para o campo das ONGs brasileiras, atingindo a Fundação Bento Rubião
e o modelo de cogestão para os projetos de produção social do habitat no Rio de
Janeiro.
186
Tradução dos depoimentos da seção 4
A “esse terreno era o terreno de deus, ninguém se metia aqui. Ou te tiravam da orelha pra fora. Não é
como agora, agora há bairros em que fazem assentamentos”.
187
5 TENSÕES INTERNAS À PRODUÇÃO SOCIAL DO HABITAT
Os contextos onde emergiram as experiências de produção social do habitat
em Montevidéu e no Rio de Janeiro colocaram especificidades para o
desenvolvimento dos elementos internos de cada sistema. Os campos da favela no
Rio de Janeiro ou dos trabalhadores sindicalizados no Uruguai, por exemplo,
aportaram questões específicas para a estruturação de um sistema de produção
social do habitat pelos próprios futuros moradores.
Se, até aqui, adotou-se uma perspectiva que privilegiou a abordagem das
“bases” por onde transitaram as experiências de Montevidéu e do Rio de Janeiro, a
partir de agora configura-se um certo “olhar interno” sobre tais. Toma-se partido de
uma perspectiva que vasculha as engrenagens de funcionamento dos modelos de
produção social do habitat, adotando-se como referência o cooperativismo de moradia
uruguaio – dado seu acúmulo de experiências de mais de cinco décadas.
Busca-se, nesse percurso, compreender o projeto político de produção social
do habitat enquanto um conjunto de experimentações na produção da cidade e do
ambiente urbano. Portanto, não se constituem, desde sua origem, em propostas
acabadas, perfeitas. Como frutos da atividade humana – portanto políticos, criadores
do novo, frutos de invenções e reinvenções (ARENDT, 2007) – inscrevem uma
determinada forma de se produzir urbanidade. Estão, assim, atravessados por
tensões e dilemas, que se constituem em seu próprio colocar em marcha, produtos,
em vários sentidos, da própria formação social por onde transitam. Visualizam-se,
desse modo, inúmeras disputas por definições de práticas, sentidos de ações,
procedimentos, alcances de propostas, temas a tratar, enfim, sobre os próprios
mecanismos de seu funcionamento interno.
Iluminam-se, portanto, algumas tensões internas a esse projeto político, as
quais foram angariadas em pesquisa de campo. De certo modo acompanham, com
muita proximidade, o próprio modo de pensar e agir dos atores da produção social do
habitat. O que permitiu abordar um conjunto de temas que indicam dilemas que
atravessam a maquinaria interna dessas experiências, tensões tais que muitas vezes
188
são repostas pela própria formação social de onde emergem. Privilegia-se, nessa
perspectiva, uma análise calcada em alguns aspectos da dimensão conflitual da
produção social do habitat1.
Os temas analisados envolvem aspectos particulares do funcionamento da
maquinaria interna de tal produção social do habitat. Estes foram agregados de forma
a se perpassar questões candentes sobre aspectos chave desse projeto político, tais
como a organização do trabalho em obra, o gerenciamento de recursos financeiros ou
os mecanismos de regulamentação do acesso ao financiamento estatal, compondo
um quase infinito elenco de práticas e concepções. Desse modo, não se trata de uma
visão analítica acabada e sistêmica, senão constituída de forma estratégica segundo
as questões postas pela pesquisa.
5.1 Origem social dos grupos
O processo de formação dos grupos de cooperativas de moradia no Uruguai
historicamente é alavancado por dois princípios: o de constituição sindical, a partir das
organizações gremiais de trabalhadores, e o de caráter territorial, via vinculações de
vizinhança2. Como analisado na seção três, a especificidade da composição da
origem social das primeiras cooperativas ancorou-se na prevalência de uma classe
operária numerosa e sindicalizada. A formação das matrizes sindicais (como, por
exemplo, aquelas do ramo da indústria têxtil, as COVIMT, ou as de trabalhadores da
construção civil, as COVISUNCA), consolidou inúmeras unidades cooperativas nos
anos iniciais de funcionamento do sistema.
As cooperativas formadas pelo princípio de vizinhança se valem da
proximidade territorial para a conformação do grupo. Como explica o sócio de uma
1 A perspectiva esboçada aqui se distingue daquelas abordagens que privilegiam a análise da oferta de solução habitacional e da produção urbana da moradia e da cidade. 2 A Lei Nacional de Moradia prevê a formação de Unidades Cooperativas e de Cooperativas Matrizes, sendo que o artigo 164 do texto original coloca que “las Cooperativas Matrices de Vivienda actuarán limitadas a un gremio o a un ámbito territorial determinado”. Ou seja, previa-se a atuação de cooperativas matrizes – que suportariam a criação de unidades cooperativas – a partir dos princípios de organização sindical ou territorial.
189
cooperativa de ajuda mútua, originada no começo da década de 1990, sua entrada na
organização se realizou “porque vivía acá, una cuadra y media, y por esos momentos
estábamos buscando una solución habitacional [...] lo que me trajo fue estar en la zona
de influencia de la cooperativa” (Sócio C, COVIESS 90 II, AM2)A. Portanto, pelo
princípio de vizinhança constituem-se coletivos que se organizam a partir de relações
de proximidade territorial, buscando uma solução habitacional em comum.
Ao se analisar tais “princípios de formação” das cooperativas de moradia, deve-
se ter em consideração que essa é uma das dimensões da vida de uma cooperativa
e da conformação de sua “origem social”. Inferir que a base constituinte do
cooperativismo de moradia no Uruguai passa por mecanismos agregadores de
territorialidade ou de organização sindical não significa afirmar que, ao se analisar a
composição social de um grupo, este terá todos os seus membros, ou a maioria,
oriunda de um mesmo ramo sindical ou, então, de uma mesma unidade de vizinhança.
A análise, primeiramente, deve ter uma consideração temporal, já que a
unidade cooperativa, na modalidade de uso e gozo (propriedade coletiva), pode ter
duração ilimitada, vindo a composição do coletivo variar consideravelmente no tempo.
Portanto, tais princípios formadores referem-se, primordialmente, ao impulso para a
criação de cooperativas. Assim como deve-se ter em consideração que a participação
da classe operária sindicalizada, no início do sistema cooperativo de moradia, não
significou que as primeiras matrizes e unidades cooperativas foram formadas por
iniciativas das organizações sindicais (como visto na seção 3), também se deve ter
em perspectiva as especificidades de alcance dos mecanismos de constituição da
origem social dos grupos cooperativos.
Se a composição das cooperativas de moradia no Uruguai não as torna grupos
estanques, ou seja, que após a formação do coletivo – a partir da matriz gremial ou
territorial – este continua mais ou menos estável até a concretização das obras, é
possível constatar algumas peculiaridades que falam muito sobre as tensões que
atravessam esse sistema. Nesse sentido, observa-se, já no período logo após a
aprovação da regulamentação da Lei Nacional de Moradia, como as primeiras
unidades vivenciavam a rotação de sócios em sua constituição, tanto antes como
durante o período de obras.
190
A cooperativa COVIMT 2 – segunda unidade originada a partir da matriz têxtil,
portanto de origem sindical – teve, em seu período de obra, um considerável nível de
desligamento e entrada de novos integrantes. O depoimento de um sócio fundador da
cooperativa – cuja assembleia originária data de agosto de 1968 (COVIMT 2, s/d, p.
7) – mostra como esse processo se vinculava às incertezas de um sistema que ainda
era só uma promessa. É assim que, segundo ele, “hubo mucha gente que no aguantó,
no podía o no quería esperar tanto. Unos no querían y otros no podían esperar tanto.
Y otros no creían, había mucha gente que no estaba creyente que funcionara” (Sócio
B, COVIMT 2, AM1)B.
O sócio pioneiro afirma, desse modo, que “muitíssimos ficaram pelo caminho”
antes que a cooperativa fosse inaugurada em março de 1973. De acordo com sua
perspectiva, a ausência de experiências concretas de referência, em uma forma de
construir ainda pouco experimentada em Montevidéu, levou a uma grande saída de
sócios, pois como ele explica, “acá somos cuarenta y tres, y han quedado por el
camino más de cien” (Sócio B, COVIMT 2, AM1)C. Ou seja, passaram pela cooperativa
mais de duas vezes o seu total de sócios antes que se estabilizasse o número de
componentes com o início de obra.
Não existiam referências prévias que pudessem dar segurança à participação
de novos membros. Por isso, segundo outro sócio fundador da mesma COVIMT 2, “lo
que dio mucho trabajo fue convencer a la gente. Por qué nadie creía, de que es toda
una cosa nueva. Entonces era difícil creer que podía ser cierto llegar a esto” (Sócio A,
COVIMT 2, AM1)D. Portanto, entre a organização do grupo em 1968 e o início da obra
em 1971, muitos passaram pela cooperativa. A estabilização só ocorreu quando as
obras se iniciaram, visto que, como afirma o mesmo, “cuando entrabas [en la obra] y
veías lo que estaban haciendo, ahí te entusiasmaba, ahí venía el entusiasmo” (Sócio
C, COVIMT 2, AM1)E. Entre o princípio formador de uma cooperativa – neste caso
sindical – e a constituição de seu perfil de coletivo, há um conjunto de feixes de
tensões que constantemente colocam novos rearranjos à composição do grupo. A
necessidade de afirmação inicial do sistema cooperativo de moradia no Uruguai
mostrou ser uma forte tensão enfrentada pelos grupos em sua consolidação e
estabilização formativa.
191
***
O circuito que envolve a concretização dos projetos habitacionais e urbanos
das cooperativas de moradia impacta sob diversos sentidos a origem social dos
grupos. As formulações e reformulações de regulamentos e normativas, o processo
de concessão de personalidade jurídica e os diversos mecanismos experimentados
de acesso ao solo urbano, ao financiamento imobiliário e à assistência técnica
implicam inúmeras dinâmicas que tencionam, sob quase infinitas configurações, a
constituição do perfil social das cooperativas.
A questão da garantia do suporte de terra urbana aos projetos construtivos
aparece como um aspecto um tanto impactante nesse sentido. Desde uma
perspectiva lógica, pode-se conceber o processo de conformação da história de uma
cooperativa de moradia a partir de sua origem desde uma base sindical ou territorial,
seguida pelo seu reconhecimento jurídico, adquirindo-se, posteriormente, um terreno
de acordo com as necessidades do grupo, de modo a permitir a elaboração de um
projeto arquitetônico e urbanístico com a assessoria de um Instituto de Assistência
Técnica.
Porém, o que pode ocorrer quando, neste processo, a unidade encontra um
terreno cuja localização na cidade não se mostra satisfatória para parte do grupo? O
caso da cooperativa COVIATU 18 – fundada no início anos 1990 (figura 18) – mostra
que a conformação social pode mudar drasticamente. Uma sócia pioneira de
COVIATU 18 explica que, no processo de busca por um terreno, surgiu um ofertado
pela Federação. Como ela explica, a localização desse terreno não agradou à boa
parte do grupo, pois “nosotros venimos acá al terreno, y cuando venimos todo el
mundo: 'yo para Cerro no voy'” (Sócia B, COVIATU 18, AM2)F. Cerro é um bairro
periférico de Montevidéu, distante da área central para os padrões urbanos da capital
uruguaia e com uma urbanização, naquele momento, ainda incompleta. Desse modo,
a maioria dos vinte e seis sócios não se inclinou a aceitar a oferta de FUCVAM3,
restando à sócia fundadora relatar que “me quedé yo sola con otra socia. Quedamos
3 No início dos anos 1990 FUCVAM desenvolveu uma experiência pontual de constituição de uma espécie de carteira de terras próprias, as quais eram ofertadas às cooperativas filiadas para aquisição monetária (FONT, 1995).
192
dos socias y los otros se fueron”G. A figura jurídica da unidade cooperativa foi mantida,
mas o grupo praticamente teve que se refazer, reconfigurando toda sua origem social.
Figura 18 – Moradias da cooperativa COVIATU 18 (Montevidéu, 2016)
Fonte: acervo do autor.
Assim é que um elemento do sistema – o acesso ao solo urbanizado –
apresenta-se enquanto um forte componente de tensão na estruturação das
cooperativas de moradia. A formulação de soluções para a viabilização desse
componente é perpassada por momentos de disputas, pressões, reinvindicações,
utopias, desilusões, enfim, todo um conjunto de questões que embaralham uma
suposta trajetória de linearidade na organização dos grupos.
Assim se observam mais de perto esses momentos que introduzem o dano na
política, quando se questiona a própria divisão do sensível – na acepção de Rancière
(1996) – que põem em xeque, nesse caso, a própria lógica fundiária de formação
urbana da cidade capitalista. Seguindo o próprio Rancière, a política não significa
resultado, mas o próprio tensionamento, perspectiva que permite identificar como a
instituição de formas alternativas de acesso a localizações diferenciadas na cidade
193
faz vivenciar inúmeras questões para aqueles que se propõem à produção social do
habitat.
***
O depoimento da sócia fundadora de COVIATU 18 mostra que o terreno foi
adquirido por meio da própria Federação. Na literatura de análise sobre o
cooperativismo de moradia Uruguai, muito se aponta para o acesso fundiário por meio
de dois mecanismos: a intermediação direta através da compra privada ou, então, via
carteira de terras constituída pelo estado4. Porém, na década de 1990, em um período
em que existia uma grande espera para se acessar os financiamentos estatais
(NAHOUM, 2010), FUCVAM desenvolveu uma experiência de compra de terras para
ofertar às cooperativas filiadas. Conforme aponta documento retrospectivo de seu 25°
aniversário, em 1992 “terrenos son adquiridos por FUCVAM a través de un fondo
rotario alimentado por un proyecto financiado por CEBEMO5” (FONT, 1995, p. 19).
Nesse aspecto, a figura das federações, no cooperativismo de moradia uruguaio,
parece desempenhar papéis para além daqueles previstos na Lei Nacional de
Moradia. O que adiciona mais elementos para compreensão dos intricados
mecanismos que matizam os princípios originários dos grupos.
O caso da cooperativa de poupança prévia Puerto Fabini (figura 19) apresenta
algumas questões que fazem pensar nesse sentido. No momento da entrevista com
dois sócios desse grupo (em setembro de 2016), as obras de um prédio de dez
andares encontravam-se em fase de conclusão. O coletivo se originou em meados
dos anos 2000, a partir de uma iniciativa que não se vincula aos clássicos mecanismos
sindicais e territoriais. Partiu da própria Federação de Cooperativas de Moradia por
Poupança Prévia, a FECOVI, a iniciativa de formar o grupo. No final da década de
4 Como visto na seção 2, já desde o início do sistema o estado uruguaio desenvolveu inciativas de formação de carteira de terras destinadas à aquisição pelas cooperativas. A experiências das carteiras públicas se consolida recentemente com a iniciativa da Intendência de Montevidéu em 1990 e, posteriormente, com a proposta do Governo Nacional e de algumas Intendências do interior do país, nos anos 2000 (MENDIVE, 2013). 5 CEBEMO é uma organização não governamental holandesa criada em 1965, com origem cristã.
194
1990 a federação dispunha de um terreno que foi transferido à posse da entidade
como mecanismo para a liquidação de uma dívida. A sócia entrevistada, naquele
momento, conta que “FECOVI adquirió el terreno y después como que buscó gente
para armar una cooperativa para ese terreno” (Sócia A, Puerto Fabini, PP3)H. Ela
complementa colocando que um grupo se formar, desse modo, não se trata de uma
experiência frequente no âmbito das atividades da federação.
Figura 19 – Obra da cooperativa Puerto Fabini (Montevidéu, 2016)
Fonte: acervo do autor.
A primeira tentativa de promoção do grupo por FECOVI buscou privilegiar uma
experiência com mulheres, como continua a sócia a explicar que “originalmente iba a
ser para otra cooperativa, que era una cooperativa de mujeres, que al final no lograron
conformarse y quedó el terreno” (Sócia A, Puerto Fabini, PP3)I. Após essa tentativa,
o coletivo então se constituiu com cerca de trinta participantes, contando com vários
sócios da carreira docente, enfermeiros, nutricionistas e alguns do teatro. Nem
sindical, nem territorial, a experiência “federativa” parece se conformar enquanto uma
heterogeneidade de perfis constitutivos. Porém, até o período de obra, a estabilidade
não estaria assegurada aos membros de Puerto Fabini.
195
O terreno oriundo de FECOVI localiza-se na Cidade Velha, área central de
Montevidéu. Após a organização da cooperativa, as tratativas para a elaboração do
projeto construtivo, de acordo com a regulamentação urbanística da Intendência,
indicaram que este deveria ser adensado, passando a cinquenta unidades
habitacionais. Visualiza-se, aqui, mais uma linha de tensão posta pelas
regulamentações, de caráter urbanístico, que atravessam o sistema cooperativo de
moradia. O grupo Puerto Fabini teve, então, que se defrontar com a questão de
atender à necessidade de adensamento construtivo do projeto habitacional, o que
significou a tarefa de ampliar o tamanho da cooperativa e angariar novos sócios.
Como coloca a entrevistada, no momento em que o coletivo se encontrava em
formação, sem ainda contar com todos os sócios previstos no projeto original
desenhado por FECOVI (tinham vinte de trinta membros vislumbrados), surgiu o
desafio da ampliação para cinquenta. Não se configurava uma tarefa fácil, pois trazia
questões muito complicadas para um grupo ainda em organização, como assim expõe
a sócia ao comentar que “nosotros, en realidad, todavía no éramos ni treinta,
estábamos llegando a los veinte, y nos preguntamos: ¿queremos duplicar la cantidad
de socios?” (Sócia A, Puerto Fabini, PP3)J.
O desafio posto girou em torno do modo como angariar novos sócios à
cooperativa. Estava em jogo encontrar outros núcleos familiares que compartilhassem
os valores que se encontravam em constituição nesse projeto, o que exigiu a
elaboração de uma espécie de “conjunto de estratégias de recrutamento”. Como ela
continua a relatar, “se decidió, entonces, que iba adentrando gente de a poquito,
haciendo charlas informativas, que vendrían con el perfil del grupo que teníamos, que
nos importaba mucho el principio de la parte social” (Sócia A, Puerto Fabini, PP3)K.
Portanto, configurar e reconfigurar uma cooperativa de moradia, cuja origem social
não garante sua estabilidade, requer a constituição de um intricado e diverso leque de
saberes por parte daqueles que levam adiante a continuidade do projeto cooperativo.
Pois não se trata somente de produzir novas unidades habitacionais, mas constituir
todo um projeto de convívio humano, a “parte social” sobre a qual comenta a sócia.
O coletivo Puerto Fabini teve que criar novos procedimentos para angariar mais
sócios. A seleção incluía entrevistas, palestras informativas e participação em
assembleias. Aqui está um ponto muito tenso na vida da cooperativa, pois são novos
196
integrantes que se tem que conhecer em profundidade durante um período tão curto
e intenso de preparação para a fase de obras. Pois, ao mesmo tempo, tem-se que
levar à diante os diversos trâmites de viabilidade do projeto construtivo e se conhecer
os novos sócios em aspectos tão distintos como a própria questão iminente da gestão
de obra ou a convivência futura em propriedade coletiva.
Assim, deve-se saber quais redes ativar, quais contatos empreender. A
cooperativa aciona princípios para conformação social do grupo que passam por
redes de parentesco, vizinhança e de trabalho (não só sindicais). Como exemplifica a
mesma sócia sobre sua própria trajetória, “por ejemplo, a mí uno de los que me dijo
para entrar fue mi hermano. Entramos al mismo tiempo con mi hermano y después yo
contando en mi familia, entró mi primo. [...] y después entró uno que es como un medio
primo mío” (Sócia A, Puerto Fabini, PP3). Após ativar a rede de parentesco, passou
para a rede laboral, o que não implicou a via sindical, como conta: “después, hablando
en trabajo, hay tres o cuatro otros núcleos que fueron compañías de trabajos de otros
lados. Y así se repite con mucha gente” (Sócia A, Puerto Fabini, PP3)L. O caso de
Puerto Fabini mostra, desse modo, como são múltiplos e variados os processos de
configuração e reconfiguração da conformação social do cooperativismo de moradia
no Uruguai.
O caso de COVICORDÓN também indica como o coletivo mudou sua estrutura
de composição a partir do impacto de questões urbanísticas no desenho do projeto
construtivo. O atravessamento por essas questões fez com que esta cooperativa de
moradia por ajuda mútua ampliasse sua lógica de estruturação. Enquanto constituída
a partir da conformação territorial – do bairro Cordón, em Montevidéu – abriu-se à
participação de sócios oriundos de uma organização sindical. Segundo a sócia
entrevistada, “en vista del tamaño del terreno que se obtuvo se necesitaban más
socios por qué iban a ser más viviendas y se abrió a que se recibiera socios de
sindicatos, porque era originariamente un núcleo de vecinos” (Sócia A,
COVICORDÓN, AM3)M. Em virtude do terreno adquirido pela cooperativa6 e das
possibilidades construtivas dadas pela legislação urbanística, o grupo viu-se
compelido a aumentar sua composição, acionando o contato com um sindicato. Como
ela continua, “en esa instancia se acercaba una cooperativa de trabajadores de
6 O qual foi viabilizado no bairro Sur e não no Cordón, onde a cooperativa se formou.
197
productos lácteos, CONAPROLE7, y ahí se conformó treinta y algo de nuevos socios,
el nuevo cuerpo de socios de la cooperativa” (Sócia A, COVICORDÓN, AM3)N.
O comentário acima repisa, portanto, como a origem social do cooperativismo
de moradia uruguaio não é estática, mas muito dinâmica. Desse modo é que, em
algumas entrevistas realizadas, não era possível identificar o princípio de formação
da cooperativa, se sindical ou territorial8, pois os mecanismos de formação dos grupos
não se encerram nas origens via gremial ou territorial. As dinâmicas de estruturação
da regulamentação do sistema aportam tensões que fazem surgir diversas
configurações durante a larga história de um grupo.
Na entrevista realizada com a direção de COVIATU 18, por exemplo, contando
com diretores e alguns sócios, ao se perguntar sobre a origem social da cooperativa
a resposta foi de que não tinham certeza sobre isso. Um sócio lembra que em algum
momento o coletivo se formou a partir da divisão de uma outra cooperativa, mas não
se recordava se essa tinha origem sindical ou de vizinhança. Alguns relatos, em outras
unidades, também apontaram para uma referência distante em relação à formação do
grupo, sobre a qual não se tinha recordações. Entre a formação e a concretização da
obra, muitas águas rolam na vida das cooperativas de moradia.
***
Repassando algumas trajetórias de cooperativas de moradia coletadas em
trabalho de campo, clareiam-se alguns – dentre uma miríade – dos intricados
processos de constituição de um coletivo e da formação de sua base social. Por
7 CONAPROLE é a uma cooperativa de produtos lácteos, constituindo-se em uma das principais produtoras e distribuidoras nesse segmento no Uruguai. A cooperativa surgiu sob iniciativa do governo uruguaio na década de 1950. 8 O depoimento de um sócio fundador da cooperativa de moradia por poupança prévia COVISUR II, constituída no início do sistema, mostra como se entrecruzam os princípios territorial e sindical na formação de alguns grupos. Ao ser perguntado sobre a origem social do conjunto de cinco prédios, a primeira assertiva foi “por movimiento barrial”, ou seja, territorial. Mas ao explicar como os grupos foram se formando logo após a fundação das cooperativas, o entrevistado aponta para os diversos princípios de formação, como relata ao dizer que “entonces empezaron a venir gente de la compañía de gas, los obreros, vino gente del Banco de Seguro, venía gente de otros barrios también, en la cooperativa COVISUR 1 incluso había varios militares y en la 3 a principio había muchos jubilados. Y así grupos se fueron formando” (Sócio A, COVISUR II, PP1)EEEE.
198
diversas vezes, a trajetória não segue a sequência lógica planejada em normativos e
regulamentações. Como visto, acessar um terreno pode não significar ir à próxima
fase de elaboração do projeto construtivo, mas voltar àquela de constituição do grupo
de sócios. Ou elaborar o projeto urbanístico pode significar redimensionar o tamanho
da cooperativa e fazer revisitar a fase inicial para reconfiguração de sua origem social.
Assim, em alguns casos o projeto construtivo não necessariamente é elaborado a
partir das demandas do grupo organizado – como uma certa pressuposição
participativa da produção social do habitat poderia supor –, pois o próprio grupo forma-
se desde um projeto já elaborado.
A cooperativa de moradia por ajuda mútua COVIFAMI II encontrava-se em
obras no momento de entrevista com duas sócias participantes de sua diretoria. Elas
contam que o grupo se constituiu a partir da recuperação da figura jurídica de uma
cooperativa que havia se desfeito anteriormente. Juntamente com a figura jurídica, o
projeto das unidades habitacionais também já se encontrava elaborado. Como uma
delas coloca, “esta cooperativa ya había sido fundada en el 1999 y luego esa
cooperativa se disolvió con los fundadores de aquel momento. Unos poquitos que
quedan ahora – quedan dos o tres – tomaron esa personería jurídica y retomaron el
proyecto” (Sócia A, COVIFAMI II, AM3)O.
As entrevistadas não comentaram os motivos que levaram à dissolução da
cooperativa original, mas os remanescentes retomaram o projeto já elaborado e, a
partir daí, conformou-se o novo coletivo de trinta sócios. Como a referida sócia
continua, “nosotros nos hemos tenido que adecuar a los núcleos [familiares] con ese
tipo de vivienda, porque ya estaba el proyecto así desde la primera cooperativa”9
(Sócia A, COVIFAMI II, AM3)P. O grupo, então, se organizou a partir das definições
postas pelo projeto construtivo previamente elaborado, invertendo uma certa lógica
linear de formação da cooperativa, busca por terreno e elaboração do projeto
construtivo de acordo com as necessidades dos seus integrantes.
Com o acesso ao financiamento e o início das obras, o coletivo ainda assim
não se estabilizou. Outra sócia da cooperativa COVIFAMI II comenta, a partir de uma
pergunta posta acerca da rotação de sócios na etapa de obra, que “uno cree que
9 “Primeira cooperativa” como referência ao primeiro grupo que se dissolveu, continuando-se, posteriormente, com a figura jurídica e o projeto construtivo elaborado.
199
cuando llega ese momento tan anhelado de tener el préstamo y llegar a la obra no se
va nadie. Pero resulta que es al revés” (Sócia B, COVIFAMI II, AM3)Q. A saída e a
entrada de novos sócios era uma constante naquele momento de obra, tão
aguardado. Segundo ela, são as exigências do sistema cooperativo de moradia, que
não podem ser atendidas por muitos, o que mais contribui para a alta rotatividade da
cooperativa. Pois “hay que combinar la familia con el trabajo, más el trabajo en la
cooperativa, más las asambleas, más las reuniones de comisiones. Entonces es difícil
seguir el ritmo”R (Sócia B, COVIFAMI II, AM3). Ou seja, são as tensões e os dilemas
que o projeto da produção social do habitat enfrenta em sua constituição. Os desafios
são constantes e intensos, colocando sempre em xeque a conformação social dos
grupos (como aqueles postos pelos dilemas da ajuda mútua e da gestão de obra,
analisados mais à frente).
***
Ao lançar algumas luzes sobre o intricado processo de constituição da origem
social das experiências de produção social do habitat, intentou-se iluminar alguns dos
meios de formação das configurações sociais dos grupos cooperativos de moradia.
Impulsionados por matrizes sindicais e de organização territorial, o desenvolvimento
do sistema aportou diversas linhas de tensão que embaralham as visões mais lineares
sobre o processo de viabilização das experiências concretas. Assim, é possível ter em
consideração como o sistema cooperativo de moradia, no Uruguai, conformou-se para
além de sua base de trabalhadores estáveis e sindicalizados dos anos 1960 – como
analisado na sessão 3. Por variados e complexos caminhos – talvez muito deles não
trilhados previamente, nem tão pouco planejados –, os grupos foram conformando-se
para além de sua base inicial.
O que se pretende pontuar, nos aspectos analisados até aqui, é o fato de que
as unidades cooperativas de moradia, na experiência uruguaia, não se fecharam para
o perfil social dos “sujeitos históricos” que conformaram as primeiras experiências.
Como visto, um grupo constituído por meio de uma matriz sindical do ramo têxtil não
se restringia à incorporação de trabalhadores de outros ramos fabris ou, mesmo, de
200
outras experiências organizativas – como aquelas territoriais. E grupos formados por
princípios territoriais também não se fechavam à incorporação de sócios de outras
regiões da cidade ou que fossem oriundos de matrizes sindicais.
O sistema assim o permitia, conquanto se atendesse minimamente o requerido
em regulamentação, o qual variou historicamente, como o nível de renda, por
exemplo. Porém, mesmo com tais exigências, abria-se à possibilidade de
reconfiguração dos grupos, e muitos assim procediam. Em alguns momentos,
possivelmente por mecanismos de solidariedade – os quais poderiam advir da
formação experimentada na prática sindical10 –, e em tantos outros como própria
condição para a continuidade da existência da cooperativa, se colocava em marcha a
reconfiguração social da cooperativa para a realização do seu principal objetivo de
existir, qual seja, a produção de soluções habitacionais para seus sócios.
Se, por um lado, a instabilidade das bases sociais coloca desafios para a
cooperativa – constante formação de novos sócios, por exemplo, que não vivenciaram
a etapa constituinte –, por outro marcou o sistema por seu caráter aberto e plural,
conformando uma experiência que, provisoriamente, pode-se indicar como
“pluriclassista” e “pluriterritorial” – em contraposição, para fazer pensar, às matrizes
clássicas formativas apontadas pela literatura analítica e pelo próprio marco
normativo. Possivelmente, nessa perspectiva, se compreenda como o sistema
uruguaio pode ser pensado em fonte de inspiração em um contexto tão distinto como
o Rio de Janeiro, onde a matriz sindical – como visto na seção 4 – passou tão ao largo
das experiências de autogestão habitacional11.
É esse caráter aberto e plural do sistema cooperativo de moradia uruguaio que
parece marcar uma certa solidariedade na conformação dos grupos e do trabalho
conjunto na gestão de obra. O depoimento do sócio de uma cooperativa de reciclagem
10 Como bem exemplifica a fala de um sócio fundador de COVIMT 2, ao comentar que, ao mesmo tempo em que realizavam a pré-obra, militavam, de forma solidária, para a formação de novas cooperativas, já que, segundo ele, “seguíamos militando para conseguir entusiasmar gente para que formara otras cooperativas. [...] Recorríamos fábricas, íbamos a los barrios, a asambleas inmensas, para hablarle a la gente, para que se formara [cooperativas]” (Sócio B, COVIMT 2, AM1)FFFF. 11 Ao trazer a possibilidade de que distintas trajetórias organizativas, laborais e territoriais permitissem incorporar-se ao sistema, a produção social do habitat, que se constituiu a partir da experiência uruguaia, mostra seu caráter de pluralidade humana, condição da vida política. Seguindo as ideias de Hannah Arendt nesse sentido, esta pluralidade é a própria condição de toda a vida política, pois “a ação [...] corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo” (ARENDT, 2007, p. 15).
201
no centro de Montevidéu – COVICIVI, do começo da década de 1990 (figura 20) –
mostra como este grupo se abriu a abrigar as famílias que viviam no prédio cedido
para reciclagem. Segundo ele, “había gente que vivía en la escalera esta para arriba.
Y en la esquina, que es la otra parte reciclada, estaba ocupada por gente que reciclaba
basura. [...] Entonces había que realojar a esa gente” (Sócio A, COVICIVI, AM1)S.
Assim é que, dentro do acordo com a Intendência de Montevidéu, que incluía a cessão
do prédio histórico à cooperativa, foram absorvidas as famílias que teriam que ser
realojadas para a concretização das moradias cooperativas. Segundo ele, de seis
famílias moradoras, três decidiram se incorporar ao projeto de trinta e quatro unidades
habitacionais.
Esse pequeno episódio – talvez aparentemente simples no conjunto do sistema
– exemplifica um pouco desse largo processo que consolidou práticas solidárias na
constituição da origem social das cooperativas de moradia. Assim, para além de
pontuar as descontinuidades e tensões que permeiam a formação social dos grupos,
pode-se identificar práticas que contemplam a pluralidade na vida política,
conformando a visão do mundo público desses cooperativistas.
Figura 20 – Pátio superior da cooperativa COVICIVI (Montevidéu, 2015)
Fonte: acervo do autor.
202
5.2 Os distintos tempos das políticas públicas
Como visto na história do cooperativismo de moradia uruguaio, o aporte do
apoio estatal ao sistema variou em diversos momentos e sob distintas
regulamentações, apesar da perenidade da Lei Nacional de Moradia (MACHADO,
2016). A etapa inicial contou com um apoio imprescindível do estado que fez o sistema
atingir um ganho de escala em um curto período de tempo. Logo em seguida, a
ditadura adotou, paulatinamente, medidas que pretenderam sufocá-lo, enfrentando-
se um período de quase três décadas de parcos apoios. Nessa longa temporada,
formar uma cooperativa significava esperar por um longo período para se obter acesso
a um financiamento estatal.
Como bem apontou a sócia de uma cooperativa por ajuda mútua dos anos
1990, quando justamente se aguardava quase indefinidamente a concessão de
empréstimo estatal, “la política marca mucho la disponibilidad del préstamo” (Sócia B,
COVIESS 90 II, AM2)T. É a configuração das políticas públicas, dessa “política que
marca”, conforme a configuração dos “distintos tempos das políticas públicas”, que
parece orientar a disponibilidade de acesso ao fundo público e impactar a trajetória da
experiência de cada grupo cooperativo. A concessão do empréstimo estatal, assim,
apresenta-se como um elemento fundamental e gerador de diversas tensões na
cadeia de formação dos projetos de produção social do habitat.
Outra sócia da mesma COVIESS 90 II comenta que essa ausência de horizonte
no acesso aos empréstimos estatais causava uma rotação intensa na configuração
da cooperativa. Como ela comenta, “cuando empezamos peleando por el préstamo,
en eso hubo muchas desilusiones. Porque la gente a veces venía y se pensaba que
la práctica venía en seguida. Y hace años atrás era más difícil” (Sócia A, COVIESS
90 II, AM2)U. A vivência da indefinição e da espera se constituem em marcas da
experiência cooperativa dessa época, marcas de um determinado “tempo político”.
Esse período de demora no acesso aos empréstimos concedidos pelo estado,
nos anos 1990, é colocado em perspectiva na história do cooperativismo de moradia
uruguaio, pois “hoy en día es mucho más fácil, hoy en día en dos años se accede al
préstamo” (Sócia B, COVIESS 90 II, AM2)V. No momento da entrevista, em 2016,
203
contrastando com o período de larga espera para concretização das obras, a alteração
no fluxo de acesso aos recursos estatais indicava uma nova configuração na
experiência cooperativista. Com as medidas adotadas a partir de 2008 – conforme
analisado na seção 2 –, se tudo ocorrer sem percalços, uma cooperativa de moradia
pode se formar, contratar uma assessoria técnica, comprar o terreno, elaborar os
projetos construtivos, ser sorteada e iniciar a obra em um período de cerca de cinco
anos. No nível da experiência pessoal, trata-se de algo muito distinto da perspectiva
de quase uma década para acessar os financiamentos estatais nos anos 1990. Duas
décadas depois, pode-se vivenciar um horizonte um tanto mais palpável para que uma
cooperativa de moradia inicie as obras de suas unidades habitacionais.
Os “distintos tempos das políticas públicas” marcam muito mais do que a
disponibilidade de empréstimos. Tendem a incidir profundamente em algo como o
perfil ideológico dos sujeitos cooperativistas. O depoimento da trabalhadora social de
um Instituto de Assistência Técnica – a qual atua desde os anos 1990 no sistema
cooperativo de moradia – dá pistas sobre essa “marca ideológica”. Segundo ela,
quando não havia tanta disponibilidade de financiamento estatal, “en aquel momento,
en realidad, quienes estaban en una cooperativa eran militantes claramente,
convencidos políticos en definitivo. Es decir, el que apostaba al sistema cooperativo”
(Técnica A, IAT1)W. A ausência de financiamento estatal significava a falta de
perspectiva para a concretização das obras de uma cooperativa de moradia,
conjugada a uma intensa rotação de sócios. Porém, proporcionava a consolidação de
grupos com integrantes que tinham uma forte coesão em torno às propostas do
sistema. Isso significava outros valores na conformação ideológica desses grupos,
marcados por uma longa luta política pelo acesso aos fundos públicos.
Avançando mais no tempo cronológico, a partir de meados dos anos 2000 os
sinais de um distinto tempo das políticas públicas parecem ser outros. Com a maior
disponibilidade de crédito estatal e o horizonte de acesso ágil aos financiamentos, o
perfil ideológico dos cooperativistas também parece ter se alterado. De certa forma,
um pretenso engajamento prévio nos valores do sistema já não indica constituírem-se
no perfil prevalente. A opção pelo sistema cooperativo de moradia deixa de se fundar
primordialmente a partir de uma atitude militante e passa a se configurar como a opção
dentre uma das várias modalidades de acesso a soluções habitacionais, desde um
204
contexto recente de diversificação das políticas públicas nesse setor12. Como
comenta a mesma trabalhadora social, hoje em dia “quienes integran a las
cooperativas en general es gente que prácticamente no logra encontrar una vivienda
de otra manera. Claramente su objetivo es la vivienda, la modalidad es una excusa”
(Técnica A, IAT1)X.
Os “distintos tempos das políticas públicas” nos anos mais recentes marcam
não só a formação ideológica dos grupos, mas também as próprias práticas do
sistema cooperativo de moradia13. Se o encurtamento dos prazos de acesso aos
financiamentos outorgados pelo estado por um lado proporcionou perspectivas mais
sólidas para a consolidação dos projetos, por outro colocou novos desafios para a
formação em um conjunto de saberes em torno ao projeto cooperativo. De um ponto
de vista mais prático, há um desafio posto na formação para as tarefas que a
cooperativa deverá levar à cabo em sua fase de obras. Referem-se a um conjunto de
tarefas que um projeto habitacional, com a participação dos próprios usuários, deve
empreender. São atividades de gestão de recursos financeiros e de trabalho em obra,
por exemplo, que não são poucos ou simples em uma empreitada que conta com
investimento de alguns milhões de dólares.
E os distintos tempos das políticas públicas marcam não só as novas
cooperativas em formação. As unidades de uso e gozo, há muito tempo terminadas,
indicam também novas configurações na visão ideológica de seus sócios. O
comentário do integrante de uma cooperativa já habitada há mais de vinte anos aponta
para uma recente queda nos valores cooperativistas dos sócios, lembrando que todos
carregavam uma formação de militância sindical que era constituinte do perfil
originário da cooperativa. Ultimamente, segundo ele, houve certa perda desse legado,
12 A partir da nova administração do governo nacional em 2005, com a eleição do partido Frente Amplio, adotou-se a perspectiva de ampliar o leque de soluções habitacionais enquanto política pública estatal. Ainda assim, as cooperativas de moradia contam com o maior aporte de recursos dentre os programas habitacionais do governo nacional (DIRECCIÓN NACIONAL DE VIVIENDA - DINAVI, 2015). 13 Nesse sentido, pode-se ter em consideração as análises de Sennet (1999) sobre os questionamentos acerca das consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Vale resgatar algumas de suas indagações sobre “como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos?” (SENNET, 1999, p. 27). A essas questões, o autor desenvolve algumas assertivas em torno do que se analisa aqui, afirmando-se que “as condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego [...] o capitalismo de curto prazo corrói o caráter, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável” (SENNET, 1999, p. 27).
205
algo que “ha venido disgregando, degenerando, perdiendo aquella calidad de
militancia. Como se ha transformado la sociedad se ha transformado todo acá dentro.
Hoy estamos padeciendo de una decadencia de militancia terrible” (Sócio A,
COVIUNPRO, AM2)Y. Em sua concepção, não se trata de um processo exclusivo de
sua cooperativa, mas de valores compartilhados pela sociedade em geral, o que afeta
a convivência interna ao grupo. Como ele continua a comentar, e assim conclui sua
linha de pensamento, “hoy en día, una vez habitado, todo mondo cierra su porta y se
olvida de todo. [...] Un problema de la sociedad, de que el individualismo ha ganado a
lo general” (Sócio A, COVIUNPRO, AM2).
Trata-se de um individualismo que, segundo ele, reflete-se na própria
manutenção das casas habitadas em regime de propriedade coletiva. Ao se
determinar, em assembleia, as orientações para manutenção predial de cada unidade
habitacional, ultimamente grande parte dos sócios procede de maneira individualista,
sem atender à decisão coletiva. Nesse mesmo sentido, um sócio pioneiro de
COVICENOVA – uma cooperativa de moradia por ajuda mútua do início dos anos
1980 – aponta que “los tiempos de hoy en día no son los mismos tiempos de hace
treinta años atrás, y también la consciencia de cooperativismo ha cambiado mucho”
(Sócio A, COVICENOVA, AM1). Segundo ele, essa mudança se vê no engajamento
nas atividades cooperativas, “porque antiguamente hacer la actividad social de la
cooperativa era fundamental. Y hoy en día para arrastrar la gente a hacer una
actividad social cuesta” (Sócio A, COVICENOVA, AM1)Z. Contemporaneamente, em
sua percepção, parece custar mais participar das atividades coletivas, já que os
tempos de individualismo tendem a marcar profundamente o funcionamento das
unidades cooperativas.
Esse conjunto de testemunhos tendem a indicar que o próprio sistema
cooperativo de moradia esteja perpassado pela consolidação de uma razão do mundo
neoliberal, como aponta o trabalho de Laval e Dardot (2013). Não só de políticas
econômicas neoliberais, mas da formação de uma determinada “racionalidade” que
guia a conduta dos cooperativistas, a partir dos próprios valores do neoliberalismo.
Assim, segundo os autores, “la racionalidad neoliberal tiene como característica
principal la generalización de la competencia como norma de conducta y de la
empresa como modelo de subjetivación” (LAVAL; DARDOT, 2013). Essa
racionalidade, baseada na competição levada às suas últimas consequências, é
206
internalizada não só pelos governantes, mas também pelos governados. O que leva
a que, para além de se constituir em ideologia ou concepção de mundo, configure
formas de condutas baseadas no individualismo extremado, como testemunham
muitas das falas dos cooperativistas de moradia. O que, em vários momentos, coloca
em tensão os pilares dos valores do sistema. Como postulou um sócio de
COVICORDÓN, “en el fundo esta sociedad no te prepara para una vida comunitaria”,
dado que a cooperativa faz com que se pense “no solo en mí, en mis amigos y en mi
familia, sino en el 'nosotros' cueste mucho” (Sócio B, COVICORDÓN, AM3)AA.
Nesse sentido, os tempos das políticas econômicas neoliberais parecem ter
afetado o sistema cooperativo de moradia de um modo muito direto quanto à
constituição de suas modalidades de contrapartida dos usuários. Uma certa análise
recorrente entre muitos militantes do sistema indica que, apesar das condições mais
ágeis para acesso ao fundo público, o momento contemporâneo outorga valores de
financiamento em patamares mais restritivos em relação aos historicamente
praticados no momento de fundação do sistema. Ou seja, os recursos financeiros são
escassos e, agora, devem render mais. Se, na etapa fundacional, se financiavam
grandes conjuntos com vários itens de equipamentos urbanos, agora os projetos se
limitam a cinquenta unidades habitacional e à possibilidade de financiamento de
equipamentos restrita ao salão comunal14. Conforme o depoimento de um sócio
fundador de uma cooperativa de moradia por poupança prévia (figura 21), construída
no início do sistema, “los préstamos cada vez son menores, no te alcanzan” (Sócio A,
Complejo Bulevar, PP1)BB.
Assim se pode constatar um fenômeno peculiar na história recente do
cooperativismo de moradia uruguaio, algo como uma espécie de mistura entre as
modalidades de poupança prévia e de ajuda mútua. O mesmo sócio argumenta que,
por conta da diminuição do valor dos empréstimos estatais, as cooperativas por
poupança prévia estão incorporando tarefas da ajuda mútua. Nesse sentido, como
aponta o integrante de outra cooperativa por poupança prévia, “cuando se creó la ley
y se determinó que las cooperativas de ayuda mutua se construían de determinada
14 Como visto na seção 2, a ditadura militar limitou a cinquenta o número de unidades financiáveis pelos empréstimos estatais, sendo que esse limite não foi alterado até então. A regulamentação prevê exceções, como a construção conjunta de salões comunais para várias cooperativas. Porém, o mecanismo de sorteios tem dificultado essas configurações, já que cada cooperativa pode ser contemplada em momentos distintos.
207
forma y las de ahorro previo de determinada forma, había préstamos que alcanzaban
y sobraban para construir” (Sócio B, El Ladrillo, PP2)CC. Contudo, com a diminuição
dos valores dos empréstimos concedidos, isso faz com que se contribua para o
fenômeno de que não existam sistemas puros, ou seja, “la ayuda mutua pura que no
ahorra, quizás para adquirir el terreno, o el ahorro previo que en determinado momento
no tiene que hacer algunas tareas de ayuda mutua” (Sócio B, El Ladrillo, PP2)DD.
Portanto, os distintos tempos das políticas públicas também tendem a marcar
profundamente a configuração dos módulos do sistema uruguaio de cooperativas de
moradia.
Figura 21 – Complejo Bulevar (Montevidéu, 2015)
Fonte: acervo do autor.
Todavia, essas marcas não se conformam em um processo linear, pois se
identificam contradições e experimentalismos. Como aponta a mesma trabalhadora
social que indicou a mudança na consistência ideológica dos grupos contemporâneos,
sigue habiendo como algunos grupos con una integración de gente que cree en el sistema, siguen habiendo. [...] También, a veces, dentro de esos grupos hay una integración de algún núcleo que rompe con eso y coloca como esta preocupación del sistema, de lo colectivo, de lo cooperativo, de lo solidario. Siempre eso aparece, no es que esté totalmente desdibujado (Técnica A, IAT1)EE.
208
Assim é que o sistema cooperativo de moradia no Uruguai se mostra aberto,
proporcionando constantemente a emergência do novo. Se o individualismo é um
possível novo “normal” na sociedade, dentro das cooperativas de moradia ainda é
possível se explorar outras formas de se escapar a esse contexto.
Nesse sentido, os tempos de dificuldades de concessão dos empréstimos
estatais também criaram formas alternativas de acesso ao financiamento, como
aponta o caso da cooperativa de poupança prévia El Ladrillo, que obteve o
financiamento de uma cooperativa de poupança e crédito em meados dos anos 1990.
A partir de um projeto da federação, FECOVI, houve a intermediação de financiamento
para o grupo por meio de uma cooperativa de crédito, a Cooperativa Nacional de
Ahorro e Credito, conhecida como COFAC. Ela surgiu em 1986 a partir da criação de
uma única cooperativa entre algumas que se federavam em uma entidade constituída
em 1972. De acordo com Silveira e Martí (2009), no auge de seu funcionamento, em
meados dos anos 1990, COFAC chegou a desenvolver operações com mais de
trezentos mil sócios (30% dos domicílios do país), contando com uma das redes física
mais extensas do sistema financeiro e operando em quase todas as áreas desse
mesmo sistema15.
Para que o empréstimo fosse concedido à cooperativa de moradia, pelo banco
cooperativo, era necessário a constituição de um fundo de garantia. A formação desse
fundo contou com recursos de uma parceria estabelecida entre FECOVI e o Centro
Cooperativista Sueco, que dotou de recursos o fundo, apoiando mais uma cooperativa
de poupança prévia em Montevidéu e outa no município de Paysandú. Como explica
o sócio da cooperativa El Ladrillo, “ese proyecto de colaboración era generar un fondo
de garantía para que FECOVI, a través de la banca cooperativa, pudiera financiar
cooperativas. Por qué los préstamos estatales en ese momento no había, o había un
poco” (Sócio A, El Ladrillo, PP2)FF. Assim, dentro das marcas dos distintos tempos
das políticas públicas, novos experimentalismos se mostraram possíveis no sistema
cooperativo de moradia.
15 A crise financeira de 2002, porém, levou à liquidação do referido padrão de atuação de COFAC.
209
5.3 Dilemas da ajuda mútua e da autogestão
Uma das características constitutivas da produção social do habitat é a
participação dos próprios usuários em toda a gestão do processo de construção de
suas futuras moradias. Como já analisado no trabalho de Flores (2012), há uma gama
de configurações nas formas de utilização do aporte dos próprios usuários no
processo de produção habitacional, desde a participação pontual no canteiro de obras
até a que compreende todo o processo construtivo – mas sempre com o envolvimento
no processo gestionário, o que diferencia a produção social daquela de
autoconstrução, por exemplo.
Dentro das experiências de cooperativismo habitacional no mundo, o Uruguai
constituiu a modalidade de uso e gozo em que a unidade produtiva tem um caráter
permanente, remanescendo após o período de obras. Um sistema diferente do
praticado no Brasil, como analisado nas seções 3 e 4, no qual as associações e as
cooperativas habitacionais prestam um serviço aos associados, dissolvendo-se a
relação após a conclusão das obras. No Uruguai, Nahoum (2013a) mostra como, na
história da habitação social do país, constituíram-se diversas configurações nas
formas de participação dos próprios usuários na gestão de obra16. De acordo com o
autor, o sistema cooperativo de moradia, instituído na década de 1960 cunhou um
modo muito particular de utilização desse aporte dos próprios futuros moradores.
Nesse sentido, uma questão recorrente que acompanhou a pesquisa referiu-se
às formas de definição sobre como se deve realizar o aporte de mão-de-obra dos
próprios usuários na construção de suas moradias pela via da produção social do
habitat. Algumas especificidades nas formas de mutirão (Brasil) e da ajuda mútua
(Uruguai) impulsionaram indagações acerca dos mecanismos que definem o quantum
16 O caso da Comisión Honoraria Pro Erradicación de la Vivienda Rural Insalubre (MEVIR) é um exemplo analisado pelo autor. Trata-se de um programa criado pelo governo uruguaio em 1967 para a construção de moradias rurais com a participação dos próprios moradores. A configuração dessa participação, porém, é distinta do sistema cooperativo de moradia. Segundo o autor, “en el MEVIR la presencia de organismos intermedios como comisiones locales integradas por los ‘notables’ del lugar, [...] tiende a reforzar vínculos de dominación y dependencia existentes (con el patrón, con el párroco, con la autoridad local, con los caudillos de la zona)” (NAHOUM, 2013e, p. 22).
210
de trabalho deve ser aportado enquanto mão-de-obra própria para a construção do
ambiente urbano.
Nas experiências do Rio de Janeiro, a carga horária de trabalho por núcleo
familiar é delimitada em dezessete horas semanais, como bem aponta documento da
Fundação Bento Rubião que afirma que “a proposta da Fundação neste sentido, e que
tem sido geralmente aceita, é a do aporte de 17 horas semanais por família, sendo 16
horas destinadas a uso próprio e 1 hora, a um banco de horas” (FUNDAÇÃO DE
DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007, p. 42). Já no sistema uruguaio, o valor
histórico determinado para a ajuda mútua é de vinte e uma horas semanais (DURÁN,
2008). Diante da referência das experiências de autogestão habitacional do Rio de
Janeiro ao sistema uruguaio de cooperativas de moradia, e da diferença entre o
montante de horas semanais de mutirão/ajuda mútua17, a questão de reflexão
ancorou-se em perscrutar alguns caminhos sobre o processo de instituição da
contrapartida de trabalho em obra nos projetos de produção social do habitat.
No Uruguai, deve-se ter em conta que a participação dos futuros moradores é
definida enquanto uma contrapartida dos cooperativistas ao financiamento estatal.
Esta é estimada em quinze por cento do valor do empréstimo concedido, a qual pode
ser realizada em ajuda mútua ou em poupança prévia. Portanto, a definição das horas
de ajuda mútua está delimitada a partir de um percentual em relação ao monto de
financiamento concedido pelo estado.
Desse modo é que a questão sobre o estabelecimento da quantificação da
jornada de ajuda mútua trasladou-se a perseguir o processo de determinação do
percentual de contrapartida ao financiamento estatal. Basicamente, a indagação
referia-se ao que explicaria o valor de quinze por cento de contrapartida (e não menos
ou mais). Como compreender que quinze por cento seria a medida exata de
participação das famílias na construção organizada de suas moradias? Pela leitura de
análises e o acompanhamento de alguns debates no próprio Uruguai, os “quinze por
cento” parecem ser uma constante desde a formulação da Lei Nacional de Moradia.
17 Deve-se considerar que, em ambos os casos, tem-se em perspectiva um mesmo tempo médio de obra, entre dois e três anos.
211
O texto de Nahoum (2013b) explica que a Lei, em seu artigo 136, define a
possibilidade de aporte da mão-de-obra dos próprios sócios nas obras da cooperativa
enquanto contrapartida ao empréstimo estatal, a qual poderá se dar sob a forma de
autoconstrução ou de ajuda mútua. Por seu turno, a ajuda mútua diferencia-se da
autoconstrução ao consistir no trabalho comunitário dos membros da cooperativa,
distinta daquele isolado dos sócios em suas próprias moradias. Prosseguindo, o autor
aponta que as regulamentações do Banco Hipotecário do Uruguai (espécie de agente
operador da política habitacional à época) definiram o aporte de contrapartida em
ajuda mútua (ou poupança prévia) em quinze por cento em relação ao financiamento
outorgado. Assim, textualmente, o autor explica que
el Banco Hipotecario, en las órdenes de servicio que implementaron el funcionamiento del sistema cooperativo, estableció que ese valor debe ser como máximo de un quince por ciento del valor de tasación (o sea del costo total de las obras, incluyendo terreno y obras de infraestructura) (NAHOUM, 2013b, p. 37)
Este valor de quinze por cento de contrapartida é o máximo. Mas, também, é o
mínimo. Segundo o autor, é simultaneamente o mínimo e o máximo por que é o valor
que se calcula na concessão de financiamento pelo estado. Portanto, “no hay, en
cambio, un tope inferior escrito pero en los hechos sí lo hay, y también es del 15%, ya
que el dinero a prestar se calcula partiendo de que es el 85% del Valor de Tasación”
(NAHOUM, 2013b, p. 37). Ou seja, o montante máximo concedido pelo empréstimo
estatal é de oitenta e cinco por cento sobre o valor avaliado para a execução do projeto
apresentado pela cooperativa (o valor de taxação). O restante deve ser realizado em
ajuda mútua ou em poupança prévia. Assim é que o autor é categórico ao afirmar que,
se a cooperativa não aportar a contrapartida, a obra não pode ser financiada
totalmente, ou seja, não pode ser concluída. Como ele comenta, “si la obra cuesta
cien, el Estado presta 85 y los otros 15 los tiene que poner la cooperativa a través de
la ayuda mutua. Si no los pone, el programa se desfinancia y las viviendas no se
pueden terminar” (NAHOUM, 2013b, p. 37; grifo no original).
Porém, se se sabia que a regulamentação é que definia o percentual de
contrapartida, ainda persistiu a questão sobre a origem histórica de tal percentual de
contrapartida como ajuda mútua. Se o valor de quinze por cento foi estabelecido pelo
Banco Hipotecário, qual teria sido o referencial para balizar esse valor? Algo indicava
que a referência se encontrava nos projetos pilotos realizados pelo Centro
212
Cooperativista Uruguayo. A única explicação, um tanto mais consistente, foi coletada
em trabalho de campo no Uruguai.
Durante a pesquisa testemunhou-se alguns comentários de que a definição
desse aporte de contrapartida em ajuda mútua vinculava-se ao processo de
concessão do financiamento para as três primeiras experiências piloto no interior do
país. Vale aqui repisar o trecho de citação já feita na seção 2, do próprio CCU, o qual
explica que “Uruguay había obtenido un préstamo del BID para construir 3.000
viviendas, pero debía aportar igual monto, unos 8 millones de dólares, suma que no
disponía a esos efectos” (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO, 2012, p. 21).
Assim, foi graças à intermediação do Centro Cooperativista Uruguayo com o governo
nacional que se tornou possível aportar a mão-de-obra dos próprios cooperativistas
nas experiências piloto, de forma a aceder-se à parte do empréstimo com o BID. Como
mostra a mesma publicação, “con iniciativa del CCU y el aporte de los cooperativistas
como parte de la cuota nacional y gracias a la intermediación del Instituto Nacional de
Vivienda Económica (INVE) se accedió a los fondos para las 95 viviendas de esas tres
cooperativas pioneras” (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO, 2012, p. 21; grifo
nosso). Portanto, os quinze por cento de contrapartida ao financiamento, definido nas
ordens de serviço do Banco Hipotecário Nacional, seria uma continuidade histórica da
primeira contrapartida ao financiamento do BID nas experiências piloto do CCU. Algo
como uma certa inércia histórica parece marcar a definição desse montante.
Se até então já se angariava alguma explicação para a definição da
contrapartida em ajuda mútua ao financiamento estatal, ainda restava a questão sobre
como se determinou o montante de horas semanais para que se cumpra a
contrapartida ao financiamento estatal. Em boa parte da literatura consultada, e em
quase todas os contatos e entrevistas realizados com cooperativas de moradia por
ajuda mútua em Montevidéu, todos afirmavam que é necessário, no mínimo, vinte e
uma horas semanais por núcleo familiar para que uma obra de ajuda mútua ocorra no
tempo planejado. Conforme Leyba (2013, p. 42) aponta como própria orientação da
federação, o modelo de regulamento elaborado por FUCVAM determina que “los
socios deberán cumplir un tiempo mínimo de trabajo de 21 horas semanales, durante
todo el transcurso de la construcción de las viviendas”
213
Até onde foi possível compreender, entre o aporte de quinze por cento de
contrapartida da cooperativa e a definição do número de horas que cada sócio deve
cumprir por semana em obra, a cooperativa tem a autonomia para determinar o quanto
seus membros deverão trabalhar no canteiro. Ou seja, cabe à cooperativa –
assessorada pelo Instituto de Assistência Técnica – definir o valor de horas que cada
sócio deverá aportar para a consecução da obra. Evidente que, de acordo com
algumas limitações dadas, tais como aquelas de regulamentação, valor do
financiamento, técnicas construtivas a serem adotadas, tempo de obra e existência
de poupança prévia, por exemplo18.
Tal perspectiva pareceu confirmar-se com o contato com uma cooperativa de
ajuda mútua, que relatou realizar um valor abaixo das vinte e uma horas semanais
para a concretização de seu projeto. Segundo os depoimentos de sócios que
participaram das obras da cooperativa, foram realizadas doze horas semanais de
trabalho por núcleo familiar. Conforme coloca um dos sócios, “la propuesta que se
hizo por parte de lo social que nos asesoraba fue distinta a demás cooperativas del
punto de vista de las horas de trabajo, que normalmente eran veintiuna y nosotros
hicimos doce horas por semana” (Sócio A, COVIUNPRO, AM2; grifo nosso)GG.
Não foi possível entrar em detalhes sobre como a cooperativa aportou as horas
de ajuda mútua de seus integrantes. A obra durou trinta meses e o grupo já contava
com uma poupança prévia, a qual, segundo o mesmo sócio, permitiu construir, antes
da concessão do financiamento estatal, o salão comunal e a creche. Como ele
complementa, “nosotros ya teníamos un bagaje de años corridos, ya habíamos
adquiridos fondos propios y cuando nos otorgaron el préstamo ya teníamos construido
el salón comunal, la guardería” (Sócio A, COVIUNPRO, AM2)HH. Portanto, essas
questões que inquietaram a pesquisa levaram a iluminar um espaço de autonomia
que se constitui na relação entre a definição das horas de trabalho próprio e o
montante de contrapartida ao financiamento das obras cooperativas.
18 Nahoum (2013d, p. 116) salienta os limites de emprego da ajuda mútua, conforme a experiência histórica do Uruguai, explicando que “para hacer en 24 meses una obra sólo con ayuda mutua, dada la cantidad de horas de trabajo que se requiere, los cooperativistas deberían aportar unas 40 horas semanales por núcleo, lo que obviamente es imposible. Aportando 21 horas, la obra llevaría unos cuatro años”.
214
Assim é que se torna interessante visualizar como a referência das
experiências do Rio de Janeiro se fez a partir de uma leitura própria do aporte de horas
de ajuda mútua no Uruguai, identificadas como horas de mutirão. À título de exemplo,
dois pontos nesse sentido podem ser alçados em relação ao projeto do grupo
Esperança, para o qual tem-se informações mais detalhadas sobre como ocorreu o
processo de obra. O primeiro é de que a jornada de trabalho por núcleo familiar foi
estabelecida em dezessete horas semanais, quatro a menos do que praticado
historicamente no Uruguai. O segundo é o de que as horas de plantão noturno –
quando sócios passam a madrugada vigiando a obra – são contabilizadas nas horas
de ajuda mútua. Assim, se um núcleo familiar fizesse sete horas de vigília na semana,
deveria trabalhar somente dez horas em mutirão. No Uruguai, os depoimentos
coletados mostram que as horas de “sereneada”, a vigília noturna, não são
computados nas horas de ajuda mútua19. Esses pontos ilustram, portanto, a dimensão
de autonomia que se vivencia no estabelecimento de trabalho próprio nos projetos de
produção social do habitat.
Uma primeira síntese nessa análise aponta que a ajuda mútua e o mutirão
carregam uma dimensão que não se ancora somente no aporte de economia de
recursos econômicos. Mais além, envolvem outras dimensões que se relacionam com
o próprio aspecto da autogestão, qual seja, a autonomia dos coletivos
autodeterminados. Desse modo é que a relação entre as dimensões de autonomia e
de economia de recursos coloca um ponto de tensão nevrálgico nos projetos de
produção social do habitat.
Nesse sentido, a contabilização das horas de gestão, enquanto horas de ajuda
mútua, constitui-se em um debate aberto no sistema cooperativo uruguaio. Tais horas
configuram-se nas “horas funcionais”, aquelas dedicadas à gestão da cooperativa que
correspondem a “reuniones de órganos y comisiones hasta las que puede emplear un
cooperativista para hacer un trámite, buscar precios para realizar una compra o
trabajar en la guardería o el comedor de la cooperativa” (NAHOUM, 2013c, p. 125).
19 Na experiência de Esperança, as horas de mutirão concentram-se nos finais de semana. Imbuído dessa perspectiva, ao chegar na primeira visita de campo ao Uruguai entrei em contato, via e-mail, com um assessor de FUCVAM, perguntando sobre a possibilidade de visita à uma cooperativa. Pensando que o melhor período para tanto seria o fim-de-semana, a resposta do assessor foi contundente nesse aspecto ao afirmar textualmente que “les aclaro que ayuda mutua tiene que haber todos los días, si no, no”. Esse pequeno episódio ilustra um pouco o campo de autonomia que se constitui na configuração do aporte de mão-de-obra própria que se está analisando.
215
Ao se tomar o conjunto de atividades de gestão, essas horas de atividades consomem
muito tempo do trabalho do grupo humano. Como bem lembra um sócio de
COVICORDÓN sobre os trabalhos em comissões – exemplo desse tipo de atividade
de gestão –, “son como diez, once comisiones, o sea, que prácticamente todos los
socios, a parte trabajar en la obra, tienen que participar de alguna comisión. Y hay
comisiones que te llevan bastante tiempo” (Sócio B, COVICORDÓN, AM3)II. Além das
comissões que são previstas em lei, a cooperativa, durante a obra, cria outras para
toda a gestão do processo construtivo, o que consome considerável tempo da vida do
grupo.
Como discorre Nahoum (2013c, p. 126), uma cooperativa de moradia por ajuda
mútua é uma organização que se baseia em dois componentes, a autogestão e a
ajuda mútua. Assim, o grupo sempre enfrenta o dilema sobre contabilizar ou não as
tarefas de gestão nas horas de ajuda mútua. Pois, “si no consideráramos las tareas
de gestión como parte de las actividades de la ayuda mutua, se daría el contrasentido
de que condenaríamos a quienes las realizan a trabajar mucho más tiempo que los
demás socios” (NAHOUM, 2013c, p. 126),. Mas, por outro lado, contabilizar todas as
horas de gestão, sem se colocar um limite, por exemplo, “puede llevar a que un
cooperativista termine la obra haciendo dos mil horas de trámites y comisiones, y
ninguna de pala y pico” (NAHOUM, 2013c, p. 126), ou seja, de horas trabalhadas no
canteiro. Resta, então, a tensão no sistema sobre o que se contabiliza como ajuda
mútua e autogestão, um debate sempre em aberto na vida das unidades cooperativas.
***
Outro ponto a considerar, correlato às considerações sobre a questão
analisada anteriormente refere-se à dimensão histórica na definição da contrapartida
em jornada de ajuda mútua. Considerando-se que o valor monetário e o montante de
horas em ajuda mútua foram instituídos no contexto fundacional do sistema
cooperativo de moradia, ilumina-se um importante nódulo de tensão no sistema
uruguaio de cooperativas de moradia.
216
Em diversas entrevistas com cooperativistas que empreenderam obras em
momentos recentes, surgiram como comentários as dificuldades para o cumprimento
da carga horária de ajuda mútua. Como coloca o sócio de COVICIVI – uma
cooperativa da década de 1990 –, “el sistema nuestro sigue sosteniendo que son
veintiuna horas a la semana. Es una locura, en este momento es una locura” (Sócio
A, COVICIVI, AM2). Sua perspectiva é a de que, no contexto contemporâneo, em
contraposição àquele que em que o sistema foi instituído, poderiam ser reduzidas as
horas de trabalho no canteiro, com o compromisso de maior empenho dos
cooperativistas. Segundo ele, “yo creo que con quince horas a la semana está bien.
Tienen que ser quince horas realmente comprometidas y quince horas que sean
efectivas, pero que se pueda lograr” (Sócio A, COVICIVI, AM2)JJ.
O depoimento de um integrante de COVIUN – cooperativa que empreendeu
sua obra nos anos 2000 – aponta nessa mesma direção, realçando as diferenças de
configuração do mundo do trabalho, nos dias atuais, que levam às dificuldades de
aporte das horas de ajuda mútua. Segundo ele, “es un sistema muy difícil, muy
complicado, que no está adaptado a esta época. Porque esto surge en los sesenta,
en los setenta, cuando trabajaba uno de la familia y lo otro tenía horas para obra”
(Sócio B, COVIUN, AM3). Ele continua, ao salientar a diferença na organização do
mundo do trabalho contemporâneo, afirmando que “ahora trabajan todos, entonces se
trabaja muchas horas y no se tiene horas para la cooperativa” (Sócio B, COVIUN,
AM3)KK. Aqui é possível iluminar como as mudanças nas bases sociais e econômicas
inserem linhas de tensão nos sistemas de produção social do habitat. Metamorfoses
no mundo do trabalho tem tensionado fortemente o compromisso com o aporte das
horas de ajuda mútua no sistema uruguaio de cooperativas de moradia.
Nesse sentido, Filgueira e Errandonea (2014) analisam como as
transformações na arquitetura de bem-estar da sociedade uruguaia alteraram, em
muitos sentidos, a conformação do mundo do trabalho. Foi a partir da década de 1970
que um processo de “destituição cidadã” passou a corroer o edifício de bem-estar
construído na primeira metade do século XX. Montevidéu, então, transforma-se uma
cidade estruturada por uma “sociedade de proximidades” para uma desde uma
“sociedade de fragmentos”, onde os processos de interação social, que promoviam
ganhos de bem-estar, são substituídos por processos de segmentação e segregação
social, cultural, territorial e laboral. Nesse interim, o mundo do trabalho é fortemente
217
afetado a partir da década de 1990, quando, segundo os autores, “entre 1994 y 2002
se caracteriza por la desaparición de casi la mitad del trabajo estable al que accedían
los sectores populares urbanos” (FILGUEIRA; ERRANDONEA, 2014, p. 21). O que
consubstancia uma metamorfose no mundo do trabalho uruguaio, com o incremento
e a magnitude da duração do desemprego, o aumento do trabalho informal e
precarizado, além da crescente vulnerabilidade do micro e pequeno empresário de
tipo familiar.
É a esse contexto contemporâneo de intensas mudanças na arquitetura de
bem-estar social que se refere o sócio de COVIUN. E que permite a González (2013)
realizar uma assertiva inquietante a partir da comparação histórica entre a
configuração do mundo do trabalho e a trajetória do cooperativismo de moradia no
Uruguai. Ao comentar o aporte da classe trabalhadora sindicalizada ao início do
sistema cooperativo de moradia, o autor afirma que “todos estos trabajadores
contaban además con trabajos e ingresos estables, eran parte de un Uruguay que ya
no existe” (GONZÁLEZ, 2013, p. 45). E não se trata de uma constatação sobre um
contexto que já não existe, mas uma consideração sobre a própria possibilidade de
desenvolvimento desse sistema. Assim ele explica, dizendo que “los trabajadores
cooperativistas de los setenta lograron aprovechar al máximo las condiciones
económicas y sociales que ofrecía la época para el desarrollo del cooperativismo de
vivienda por ayuda mutua (CVAM). Esto hubiera sido imposible de desarrollar en las
actuales condiciones” (GONZÁLEZ, 2015, p. 46; grifo nosso). Ou seja, a própria
possibilidade de desenvolvimento do sistema cooperativo de moradia não seria
possível nas condições do mundo de trabalho do Uruguai contemporâneo20.
***
20 Talvez um pouco dessa reflexão permita compreender o drama relatado por uma sócia, de uma cooperativa em construção, sobre as dificuldades em cumprir os trabalhos de ajuda mútua. Como ela coloca, “he perdido tres trabajos por estar en la cooperativa, por qué la carga horaria, como mi esposo trabaja en construcción no puede hacer horas durante la semana, y hace solo el fin de semana. Por eso me ha costado un poco mantener los trabajos” (Sócia A, COVIFAMI II, AM3)GGGG.
218
O aporte de horas de ajuda mútua também vai levar a que muitas vezes
subsista uma tensão na formação do capital social dos cooperativistas. Como visto na
seção 2, os cooperativistas, na modalidade de uso e gozo, não detêm a propriedade
da moradia, mas um capital que lhes dá o direito a habitar uma unidade habitacional.
Como aponta o artigo 137 da Lei Nacional de Moradia, “tanto la autoconstrucción
como la ayuda mutua deberán ser avaluadas para integrar la respectiva cuota social
y no darán lugar a aporte alguno a las cajas de jubilaciones y otros organismos de
seguridad social”. Assim o decreto de regulamentação (633/69) da referida Lei coloca,
em seu artigo 32, que “la integración en trabajo será avaluada teniendo en cuenta la
labor desarrollada como si fuera efectuada por un obrero competente según la
categoría que corresponda en cada caso”. Portanto, o valor da hora de ajuda mútua
aportada pelo sócio deve ser monetizado como parte de seu capital social, tendo como
referência o trabalho contratado que está “substituindo” durante a obra. Ainda
segundo o decreto, essa contabilização deve ser feita pelo Conselho Diretivo,
assessorado pelo Instituto de Assistência Técnica, atendo-se a um pequeno detalhe:
deve-se considerar o trabalho realizado somente pelo que se substituiu em valor
econômico equivalente da mão-de-obra correspondente em trabalho contratado. Esse
mecanismo de cálculo é o ponto de tensão a ser salientado.
Uma cartilha de orientação da Escola Nacional de Formação de FUCVAM
detalha como proceder a esse cálculo. Primeiramente, a cooperativa deve estar ciente
de que não se contabiliza no capital social a hora trabalhada na construção – as
históricas vinte e uma horas semanais –, mas o que essa hora significa enquanto
trabalho de um peão de obra – o qual é substituído pela ajuda mútua –, acrescido dos
encargos sociais. Portanto, o valor monetário aportado no capital social de cada
cooperativista é calculado em relação ao percentual de contrapartida – os históricos
quinze por cento – que se avançou em obra durante o período de aferição pelos
órgãos estatais. Ou seja, como horas de trabalho, as horas de ajuda mútua valem
menos do que se as 21 horas semanais fossem calculadas enquanto o valor daquelas
de um peão da construção.
Como coloca o documento, “nosotros no somos trabajadores de la construcción
y nuestra hora de trabajo aporta mucho menos, por lo cual no se puede medir de la
misma forma” (ESCUELA NACIONAL DE FORMACIÓN EN COOPERATIVISMO -
ENFORMA, 2016, p. 16). Assim é que o trabalho de ajuda mútua, para além da
219
quantidade de horas realizadas, equivale ao valor de quinze por cento em relação ao
total do financiamento, e nada mais. Isso porque, segundo o documento, “si
contabilizáramos cada hora de trabajo al valor de la hora peón de la construcción más
cargas sociales, sin relacionarla al avance de la obra, podríamos estar premiando la
ineficiencia” (ESCUELA NACIONAL DE FORMACIÓN EN COOPERATIVISMO -
ENFORMA, 2016, p. 17).
Figura 22 – Trabalho de ajuda mútua dos sócios da cooperativa COVIVEMA V (Montevidéu, 2015)
Fonte: acervo do autor.
Tal mecanismo de formação de capital social leva a momentos geradores de
tensão na vida de uma cooperativa. Como, por exemplo, quando há problemas que
envolvem a gestão de recursos financeiros ou de rendimento do trabalho no canteiro.
O material de FUCVAM é assertivo nesses casos, explicando que
si nos desfinanciamos y tenemos que hacer más horas de las acordadas, tampoco se debe reflejar en el Capital Social pues desfinanciarse es fruto de la incompetencia de la cooperativa, lo que no se debe premiar inventando
220
Capital Social (ESCUELA NACIONAL DE FORMACIÓN EN COOPERATIVISMO - ENFORMA, 2016, p. 17).
Talvez seja possível imaginar, do ponto de vista individual de um sócio, o drama a ser
vivenciado ao se ter que trabalhar mais tempo em obra, por algum infortúnio na gestão
da cooperativa, e não identificar tais horas incorporadas em seu capital social. Pois
vale lembrar que será tal capital social monetizado que deverá ser restituído ao
cooperativista quando ele se retirar do grupo.
Conforme notado em alguns depoimentos testemunhados no trabalho de
campo, em muitas cooperativas de moradia se embaralha a contabilização das horas
de militância, de atividades em gestão e de períodos extras de ajuda mútua na
consolidação do capital social de cada integrante. Muitas vezes tudo isso é
contabilizado no capital social. Porém, como coloca a referida cartilha de FUCVAM,
“sin embargo todo es ayuda mutua dentro de una cooperativa, pero únicamente
capitaliza aquella que está evaluada en el proyecto constructivo y cuyo valor ya está
determinado legalmente en el 15% del valor de tasación del mismo” (ESCUELA
NACIONAL DE FORMACIÓN EN COOPERATIVISMO - ENFORMA, 2016, p. 13). Do
mesmo modo que os juros pagos no financiamento não devem ser capitalizados
(como coloca a nova lei de cooperativismo de 2008), já que não fazem parte do
financiamento, assim é que a militância também não capitaliza no capital social de
cada cooperativista. A cartilha novamente é incisiva, afirmando que
solo capitaliza lo que se transforma en casa, no capitalizan los intereses del proceso de amortización; con la misma lógica tampoco capitalizan las gestiones que se realicen para obtener el préstamo; como no lo hace la ayuda mutua que se realiza para formar la cooperativa (ESCUELA NACIONAL DE FORMACIÓN EN COOPERATIVISMO - ENFORMA, 2016, p. 14) 21.
Ora, essa é uma tensão muito forte dentro do sistema. Do ponto de vista do
sócio, a perspectiva muitas vezes se coloca como a de que o sistema de ajuda mútua
exige um grande esforço pessoal, então como não contabilizar as horas de militância
e todas aquelas de ajuda mútua – mesmo sendo ineficientes? Pelo lado da perspectiva
sistêmica, ecoa o princípio do acesso à moradia econômica, pois se tudo é
contabilizado no capital social, o acesso de futuros usuários estará comprometido.
Nesse sentido, “si se encarece el valor final de la obra, porque hicimos subir en forma
21 Deve-se ter em consideração que a Lei de Cooperativismo aprovada pelo governo uruguaio em 2008 detalhou todo o processo de formação do capital social das cooperativas de moradia.
221
inadecuada el capital aportado, no se cumple con generar una vivienda al menor costo
posible, por el contrario, la encarecemos para futuras generaciones” (ESCUELA
NACIONAL DE FORMACIÓN EN COOPERATIVISMO - ENFORMA, 2016, p. 36). Em
meio a tudo isso a autonomia das unidades cooperativas, as quais, em última
instância, decidem como será feita a contabilização das horas de ajuda mútua no
capital social.
***
Deve-se ter em consideração que a ajuda mútua pode ser apreendida em
diversas dimensões. Se até aqui se sublinhou alguns pontos de tensão que a
perpassam, não se deve reter uma visão tão-somente conflitiva desse elemento-chave
do sistema uruguaio de cooperativas de moradia. Pois a ajuda mútua carrega um
importante papel constituidor das unidades cooperativas. Nesse sentido, Nahoum
(2013, p. 20) comenta que “hay también profundas repercusiones sociales en el hecho
de que sean las propias familias (con el apoyo correspondiente) quienes levanten las
viviendas con sus manos”. Se a ajuda mútua tem uma dimensão de economia de
recursos econômicos, também se conforma em um forte mecanismo gerador de
solidariedade. Como continua o autor, “eso genera una cohesión muy importante en
el colectivo y al mismo tiempo crea valores de solidaridad y el convencimiento de que
la unión y el esfuerzo conjunto permiten superar barreras que de otra manera serían
infranqueables (NAHOUM, 2013e, p. 20).
Pode-se ler por esse prisma, portanto, os inúmeros momentos que constituem
a dimensão de solidariedade do aporte de mão-de-obra pelos próprios usuários na
construção de suas moradias. O resultado desse trabalho se constata em afirmativas
tais como a do sócio de COVIUN – uma cooperativa de ajuda mútua de dez andares,
permeada por problemas durante todo o processo construtivo – de que “igual de cosas
que se hace acá que en otros edificios no se haría. Por ejemplo, comer juntos, una
comida espontánea entre todos los vecinos” (Sócio B, COVIUN, AM3)LL. Esse tipo de
convivência foi proporcionado pela ajuda mútua, a qual o sócio não consegue
identificar em outras formas de construção do ambiente urbano, o que permite a outra
222
sócia da mesma cooperativa afirmar que “acá adentro a parte que te cambia un poco
el chip” (Sócia A, COVIUN, AM3)MM.
Um pouco da trajetória de um sócio da cooperativa COVIESS 90 II mostra que
a solidariedade do sistema cooperativo não se restringe aos aspectos construtivos,
mas se irradia para outras áreas da convivência humana. Segundo seu depoimento,
“la solidaridad fue lo que aprendí acá. No la tenía, sinceramente. Trabajaba en otras
cosas, no sabía nada de eso. Y todo lo que aprendí, yo aprendí acá” (Sócio C,
COVIESS 90 II, AM3)NN. Essa não é uma assertiva simples para esse sócio. A
solidariedade que aprendeu dentro da cooperativa foi vivenciada a partir de uma
custosa experiência pessoal, pois logo ao final da obra, ainda jovem, perdeu a visão.
Segundo ele, depois de esvair-se todo o apoio da rede de amigos e de trabalho,
foram os colegas da cooperativa que o apoiaram nesse difícil processo. Como ele
continua a relatar, “la gente que colaboró conmigo durante todo eso proceso,
imagínate veinticinco años y dejar de ver, fue toda de acá. Personas que me conocían
de antes, de trabajo, de todo lo demás, ‘bye bye’” (Sócio C, COVIESS 90 II, AM3)OO.
Foi essa experiência pessoal que marcou especialmente seus valores de
solidariedade dentro do sistema cooperativo de moradia. Solidariedade que perpassa
inclusive sua vida laboral, pois há algum tempo trabalha meia jornada em FUCVAM22.
Historicamente, no contexto de repressão levado à cabo pela ditadura, a ajuda
mútua também passou a transcender a penosa prática de construção da moradia
pelos próprios cooperados. Durante esse período tomou uma significação mais ampla,
vindo a se constituir em espaço de encontro entre militantes em meio ao estado de
exceção do regime militar. A ajuda mútua configurou-se em uma prática que mantinha
a comunicação e o encontro entre as pessoas. Assim, segundo Gonzáles (2013, p.
40), "el desarrollo de las obras en las cooperativas permitía un acercamiento real entre
la gente, espacios de debate, situaciones que había que resolver para la marcha de
la cooperativa”. Era no dia-a-dia das práticas de ajuda mútua que informações podiam
circular, escapando dos meios repressivos do sistema. Como ele comenta, “el
22 Assim é que a solidariedade gerada pela ajuda mútua também se estende para além do período de obra. Como coloca o sócio de uma cooperativa do início dos anos 1980, “dos personas que pueden quedar con noventa o noventa y cinco años viviendo juntos en una casa, solos, son mucho más vulnerables que se están dentro de una cooperativa. Y de lo contrario lo otro, si cuando una pareja muy joven con hijos están solos, a veces son más vulnerables que si estamos todos juntos” (Sócio A, COVICENOVA, AM1)HHHH.
223
componente de clase permitía además saber qué estaba sucediendo en distintas
ramas de la producción, si pasaba o no pasaba nada. Cualquier comentario que
viniera del exterior, buenas nuevas o no tanto, rápidamente corría entre los
compañeros” (GONZÁLES, 2013: 74).
E, muitas vezes, a prática da ajuda mútua marca os grupos para além do
processo de obra. Para alguns membros significa a própria reconfiguração do modo
como encaram a produção do habitat. Como relata um sócio de COVIATU 18, a
experiência coletiva da ajuda mútua carregou momentos de aprendizado único na
construção de suas próprias casas. Em um particular, ele comenta que “la época más
linda fue la época que hicimos las veintiséis planchadas” (Sócio A, COVIATU 18, AM
2)PP, em um processo de feitura de uma laje por domingo, que se constituíram em
vinte e seis semanas de contínuo aprendizado. Esse processo marca sua trajetória na
cooperativa, porque “al principio nos pareció que no iba a poder ser. La primera
planchada empezamos a las seis de la mañana y terminamos a las seis de la tarde,
doce horas prácticamente” (Sócio A, COVIATU 18, AM 2). Nessa primeira tentativa,
quase pensaram em desistir e contratar uma empresa construtora. Mas, segundo ele,
“dijimos que no, que había que mejorar. La segunda planchada ya fue menos. Y
después empezábamos a las seis de la mañana y a las once prácticamente ya
habíamos terminado. De doce para cinco horas” (Sócio A, COVIATU 18, AM 2)QQ. A
partir de então o grupo se viu aperfeiçoando o processo e cada vez mais diminuindo
o tempo de feitura das lajes. É essa dimensão da ajuda mútua que parece marcar o
sócio, pois “el tema fue el aprendizaje, como nos organizamos, como nos planteamos
la mejora en los materiales, el lugar que cada compañero podría mejorar toda esa
situación” (Sócio A, COVIATU 18, AM 2)RR23.
A aprendizagem para outros cooperativistas se faz para além da obra
cooperativa, configurando-se em atividade laboral. Como coloca um depoimento
nesse sentido, “hay un crecimiento personal y a veces hasta profesional que no lo
lográs en otra forma de acceso. Hay mucha gente que de trabajar en obra empieza a
23 Deve-se ter em consideração que a aprendizagem não se limita às tarefas de obra, mas também aos aspectos de gestão. A sócia de uma cooperativa de poupança prévia, nesse sentido, mostra como aprendeu novas habilidades na gestão contábil da cooperativa, pois, segundo ela, “yo fue tesorera de la cooperativa [...], yo no sé nada de contabilidad [...], yo nunca gestioné cuatro millones de dólares en una obra. Entonces ver las entradas, ver el pago de BPS [Banco de Previsión Social], el movimiento de cheques, como se figura eso en un balance, como armar más o menos un balance, entender qué significa un balance. O sea, eso tuve que aprenderlo” (Sócia A, Puerto Fabini, PP3)IIII.
224
encontrar oficios, empieza a encontrar después su fuente de trabajo”24 (Sócia A,
COVIESS 90 II, AM2)SS.
Portanto, uma abordagem multidimensional da ajuda mútua permite
compreender seu processo de conformação histórica e as tensões e dilemas que
envolvem sua penosa prática para os cooperativistas, ao mesmo tempo em que se
constitui em poderoso ferramental gerador de solidariedade.
5.4 Autogestão: instrumento de opções múltiplas
O estudo de Flores (2012) mostra como a produção social do habitat conforma-
se em um conjunto variado de elementos construtivos que requerem um sistema
aberto de produção e gestão habitacional. Diferente dos sistemas de produção pública
– mais burocráticos e rígidos – e de mercado – mais fechados e repetitivos –, os de
produção social necessitam uma operação fluida e eficiente. Portanto, segundo o
autor, “la producción y gestión habitacional participativa exige a su vez un sistema
específico de instrumentos de opciones múltiples” (FLORES, 2012, p. 32; grifo nosso).
Pode-se pensar, nesse sentido, as atividades de autogestão nos projetos de produção
social do habitat a partir das suas opções múltiplas de instrumentalização. As quais
poderão ser utilizadas em determinados contextos e de acordo com certas decisões
e orientações, sob diversos sentidos, as quais repõem, constantemente, conflitos e
tensões.
Um primeiro exemplo da dimensão da autogestão enquanto um “instrumento
de opções múltiplas” refere-se à escolha do mestre de obras nas cooperativas de
ajuda mútua. O mestre de obras exerce funções importantes no período construtivo,
pois é quem coloca em marcha o programa de trabalho de obras aprovado pela
cooperativa, conformando-se na autoridade de organização do canteiro, o que o torna
responsável pela questão disciplinar, de distribuição dos trabalhos e de capacitação
das tarefas da ajuda mútua, entre outras. Escolher um mestre de obras, para o grupo,
24 Este é o caso, por exemplo, do projeto da Constrói Fácil, uma cooperativa de construção civil que surgiu a partir da obra de Shangri-lá, no Rio de Janeiro.
225
é uma questão das mais importantes, ainda mais para uma empreitada de ajuda
mútua, pois nesses casos o mestre “debe realizarlas con gente que no conoce el oficio
y que además concurre a la obra cuando puede, que muchas veces no es cuando
aquella lo necesita” (NAHOUM, 2013g, p. 78).
Nesse aspecto, a autoridade do mestre de obras se confunde entre os múltiplos
papéis do cooperativista, que além de realizar o trabalho de peão na ajuda mútua, é
o seu próprio “patrão”. Como lembra um sócio da cooperativa COVICORDÓN, “en el
campo trabajando quien tiene autoridad es el capataz, pero el capataz es empleado
de la cooperativa y también tiene que responder ante el arquitecto” (Sócio B,
COVICORDÓN, AM3)TT. Assim é que Nahoum (2013, p. 83) orienta que o mestre de
obras “es quien tiene la autoridad máxima en ‘el campo’ y por consiguiente no puede
mezclar esa función con la de socio sometido a los mecanismos de democracia interna
de la Cooperativa”. Assim, numa situação onde se necessite despedir o mestre de
obras, por exemplo, seria de muita dificuldade fazê-lo com aquele que é sócio da
própria cooperativa.
Porém, há cooperativas que contratam mestre de obras que são
cooperativistas. Como coloca o sócio de COVIMT 2, “cuando se arranca acá, por
ayuda mutua, por suerte teníamos un capataz que era socio de la cooperativa” (Sócio
B, COVIMT 2, AM1). Porém, como ele coloca como ressalva “eso es bueno
dependiendo de la personalidad de la persona” (Sócio B, COVIMT 2, AM1)UU. Ou seja,
entre as possibilidades de se fazer autogestão, há aquela de escolha do mestre de
obras entre os sócios da cooperativa, com suas devida implicações e dilemas25.
O dilema na contratação do mestre de obra entre o próprio grupo aponta para
a questão dos múltiplos papéis desempenhados simultaneamente pelos
cooperativistas de moradia. Como bem coloca a literatura sobre o sistema uruguaio,
25 No caso do Rio de Janeiro, as obras de Esperança contaram com um mestre de obras do próprio grupo, apontando para um saber na escolha de qual o melhor perfil para essa função. No caso de Esperança e de Ipiíba, a pessoa contratada não foi aquela que se escolheu desde o começo. Em Ipiíba houve uma configuração distinta em que havia sempre um coordenador de obra durante os fins de semana, quando ocorre o maior volume de obra, sendo que o coordenador mudava entre os membros do grupo, como experiência para vivência do que é o papel do coordenador e seu trabalho com o mestre de obras.
226
estes desempenham um papel variado durante o período de obra, quais sejam, de
patrões e clientes e, no caso da ajuda mútua, enquanto peões da construção.
Como cooperativa – uma organização de caráter produtivo – os sócios gerem
uma empresa e, portanto, são patrões. O depoimento de um sócio de COVIUNPRO
aponta nesse sentido, ao explicar que “nosotros estábamos en esa disyuntiva, si
éramos patrones o éramos trabajadores. Por qué siempre la cooperativa la
consideraban una empresa” (Sócio B, COVIUNPRO, AM2)VV. Além de ser patrões, os
cooperativistas também são trabalhadores da construção, e no nível mais baixo,
aquele de peão. Como detalha o sócio de COVICORDÓN, isso gera uma tensão, dado
que “por un lado vos no sabés nada y sos peón. Y sos patrón, por qué vos sos el que
mandás en la obra. Y, entonces, vos sos un peón de un albañil que sabes mucho más
que vos” (Sócio B, COVICORDÓN, AM2)WW.
Trata-se de um conjunto de relações múltiplas e simultâneas muito delicadas
de se vivenciar, ainda mais tendo em consideração uma empresa cooperativa que é
gerida pelos próprios sócios. O mesmo integrante de COVICORDÓN remarca nesse
sentido que, “sin embargo, en último término quien decís si trabaja o no trabaja ese
hombre, si queda o no queda trabajando, si su comportamiento es bueno o malo, es
la asamblea de socios. Pero, entre ellos, estás vos” (Sócio B, COVICORDÓN, AM2)XX.
Além disso, os próprios cooperativistas são “clientes” da cooperativa, pois esta, em
última instância, está fornecendo um produto para seus sócios.
Assim é que o cooperativismo de moradia faz embaralhar os papeis que se
desenvolvem durante a obra. No Uruguai, em alguns casos esses papeis se
confundem ainda mais com a tradição de organização sindical que atravessa os
grupos. Um certo curto-circuito se forma quando a mão-de-obra contratada, por
exemplo, exerce suas atividades sindicais26. Como aponta o sócio de COVIUNPRO,
os próprios saberes de suas práticas sindicais são acionados nessas reações, ao
testemunhar que “yo me acuerdo que hacíamos las veces de voceros entre el capataz
26 Diferentemente do Brasil, os trabalhadores da construção civil, no Uruguai, construíram uma consistente prática de organização sindical, sob a figura da central sindical SUNCA (Sindicato Único Nacional de la Construcción y Anexos). Sobre o Brasil, como aponta Mattos acerca da configuração de um contexto que parece não se modificar até os dias de hoje, “os operários da construção civil representavam, nos anos 70, o perfil mais típico do trabalhador desqualificado no Brasil. Com salários baixos, jornadas de trabalho elásticas, altíssimo índice de acidentes de trabalho e tradição de lutas sindicais próxima a zero (MATTOS, 1998, p. 109).
227
y el comité de base, la organización sindical de los trabajadores que teníamos
contractados. Entonces el capataz, de repente, quería aplicar sanciones y nosotros
hacíamos ahí de mediadores” (Sócio A, COVIUNPRO, AM2)YY. Por vezes, o curto
circuito se fechava quando havia alguma demanda de conflito laboral com os
contratados pela cooperativa. Como ele lembra, “[los trabajadores contratados] nos
hicieron ir al Ministerio, nos querían plantear juicio. Y ahí nosotros en la fábrica éramos
delegados de los trabajadores y acá éramos representantes de los patrones” (Sócio
A, COVIUNPRO, AM2)ZZ.
***
Na seção 2 argumentou-se que o ganho de escala no início da experiência
uruguaia foi um elemento-chave para a consolidação do sistema. A multiplicação das
experiências permitiu, assim, criar um novo instrumento no processo autogestionário
de produção do habitat. Trata-se de algo que poderia ser descrito como um grande
canteiro de aprendizado intercooperativo, que se visualiza em Montevidéu com o
acúmulo de meio século de obras cooperativas. Um depoimento, como o deste sócio
de COVICORDÓN, mostra que o aprendizado com outras cooperativas já constituídas
é um ferramental de grande potência para a irradiação do sistema. Segundo ele, “esta
cooperativa, cuando todavía no estaba trabajando, se fomentaba que la gente fuese
a otras cooperativas a conocer, aprender o a colaborar en jornadas solidarias” (Sócio
B, COVICORDÓN, AM3)AAA.
Durante a etapa de pré-obra, quando a cooperativa ainda estava se
organizando, o intercâmbio com outras unidades aparece como uma forma de
constituição de um conjunto de saberes pelo grupo. As jornadas solidárias, nesse
sentido, conformaram-se em um instrumento, criado por FUCVAM, que tira toda sua
potência desse canteiro de aprendizado que se formou com o ganho de escala do
sistema.
As jornadas solidárias, segundo o informativo de FUCVAM de 1982, são
instâncias “en las que los socios [...], con la ayuda de amigos, compañeros de trabajo,
228
e integrantes de entidades fraternas (en particular de otras Cooperativas) procuran
[...] realizar un significativo avance de la obra” (FUCVAM, 1982, p. 21). As jornadas
então se conformaram em um instrumento para o aprendizado das cooperativas em
formação e uma maneira de apoiar o processo de obra das cooperativas em
construção. O sócio de COVICENOVA (figura 23) comenta que nas jornadas
solidárias que se realizaram na cooperativa, “había invitación de FUCVAM y en un
día, ya estaba todo planificado, gente para esto, para aquello, para lo otro y
llegábamos a adelantar meses de obra” (Sócio A, COVICENOVA, AM1)BBB.
Figura 23 – Cooperativa COVICENOVA (Montevidéu, 2016)
Fonte: acervo do autor.
***
É ainda possível constatar como a autogestão da obra constitui-se em uma das
diversas dimensões que se abrem na produção social do habitat. O caso da
modalidade de poupança prévia aponta para um conjunto de ferramentas que são
acionadas na organização da obra, já que nesta modalidade não se prevê a realização
229
de trabalho intenso de ajuda mútua. Durante a pesquisa de campo foi possível
presenciar três formas distintas de se realizar a autogestão na poupança prévia –
repisando-se a perspectiva de que a autogestão é um instrumento de opções
múltiplas.
A primeira forma identificada ocorre quando todo o trabalho de obra é realizado
por uma empresa contratada, a qual se responsabiliza pela execução de todo o projeto
que foi decidido entre cooperativa e instituto assessor, como é o caso do Complejo
Bulevar. O segundo modelo é a gestão da obra comandada pela cooperativa, a qual
realiza a contratação de serviços para a execução da obra. No caso da cooperativa El
Ladrillo houve a contratação de uma pequena empreiteira para a realização da parte
principal da obra, juntamente com a contratação de outros serviços (incluindo a
assessoria) pela própria cooperativa, a qual também aportou pequenos trabalhos de
ajuda mútua. Como aponta um sócio da cooperativa, “la cooperativa contrató una
pequeña empresa que hizo fundamentalmente la mano de obra y algunos
subcontratos” (Sócio A, El Ladrillo, PP2)CCC, sendo que outros serviços como de
sanitária e de eletricidade a cooperativa contratou à parte, além de realizar toda a
compra de insumos da construção. O terceiro tipo refere-se a uma espécie de
administração mista, onde a cooperativa faz a gestão da obra de forma compartida
com uma empresa contratada, responsável pela construção de quase cem por cento
da obra. Trata-se de um processo onde há um acordo com a empresa contratada
sobre os arranjos para a compra de materiais e sobre o acompanhamento da obra, na
qual a cooperativa Puerto Fabini foi o exemplo desse tipo de gestão.
Deve-se ter em consideração que a autogestão não significa somente participar
ou não dos processos decisórios de uma obra cooperativa de moradia. A sua presença
aponta para mais além do processo de acompanhamento da própria produção do
ambiente urbano. Dentre algumas entrevistas realizadas, o testemunho de uma
cooperativa de moradia por poupança prévia, construída na época da ditadura,
salienta as consequências da redução da autogestão a aspectos de tão-só
acompanhamento de obra. Como coloca um sócio pioneiro de COVISUR II, durante a
etapa construtiva “no podíamos intervenir en hacer nada, estábamos en dictadura. [..]
todos aquellos cuando querríamos ver algo, podíamos ver sólo los domingos, a visitar
la obra. [...] no estábamos consultados por nada, el equipo asesor hacía lo que le
parecía” (Sócio A, COVISUR II, PP1)DDD. Desde a elaboração do projeto até a escolha
230
da equipe assessora e da empresa construtora, passando pela compra dos materiais
de construção, tudo era feito pela equipe do governo ditatorial. A dimensão de
autogestão dos cooperados, assim, restringia-se à possibilidade de visita semanal à
obra.
A limitação na dimensão de utilização das ferramentas da autogestão não
significou somente estar alijado dos processos decisórios. Implicou, também,
resultados que se concretizaram em equívocos construtivos em virtude das decisões
adotadas e da ausência de espaços sistemáticos de consulta e decisão dos sócios.
Como conta o mesmo integrante, “entonces a raíz de eso [...] fue que se equivocaron
y todos los baños de las primeras cooperativas, menos la que fue la última27, tienen
el baño con un escalón que tiene como que un veintidós o veintitrés centímetros”
(Sócio A, COVISUR II, PP1)EEE. E esse problema é sentido até hoje, com os
moradores idosos que tem dificuldade de locomoção e enfrentam o problema do
desnível no banheiro. Além disso, surgiram outras falhas construtivas, tais como os
cabos de energia elétrica que não eram da grossura especificada na memória
descritiva e as janelas de ferro que não se ajustaram ao tamanho dos marcos, tendo-
se infiltração de água quando há chuva com vento. Constata-se, desse modo, como
a autogestão, reduzida aos seus mais primários aspectos – o acompanhamento
semanal das obras – implica questões concretas de habitabilidade para os próprios
moradores das cooperativas de moradia.
***
Se a autogestão se constitui em certa fiscalização e apropriação sobre o próprio
processo produtivo do habitat, também pode significar o encurtamento de
intermediários no circuito do processo construtivo do ambiente urbano. Nesse sentido
é que a autogestão se conforma em um conjunto de instrumentos de múltiplas opções
que permite a melhora na qualidade do habitat construído. É o que possibilitou, por
exemplo, à COVIUNPRO aprimorar a condição das próprias moradias construídas.
27 COVISUR é um conjunto de cooperativas conformado por cinco prédios em altura construídos próximos à “Rambla”, espécie de calçadão à beira do Rio da Prata, no bairro Sur de Montevidéu.
231
Segundo um de seus sócios, “nosotros teníamos [...] un rublo determinado de dinero
y no pudimos salirnos de ese rubro. Pero nosotros mejoramos la calidad de vivienda
y pasamos a una nueva categoría sin salirnos de los rubros solicitados” (Sócio C,
COVIUNPRO, AM2)FFF. Naqueles tempos de obra – início da década de 1990 –, a
concessão do financiamento estatal condicionava todo o material destinado à obra,
definindo-se o que se podia ou não comprar como insumo da construção. Para
alcançar a melhora das unidades habitacionais, a cooperativa montou uma oficina de
carpintaria com sócios que trabalhavam nesse ramo e contrataram outros que
detinham conhecimento de elétrica. Assim, conclui o mesmo sócio, “con el ahorro que
se hizo en la electricidad, en la carpintería y en la compra grande fue que se pudo
hacer mejorar la categoría de la vivienda” (Sócio C, COVIUNPRO, AM2)GGG.
Para além das melhorias angariadas na própria produção do habitat, a
autogestão permite uma reflexão sobre os circuitos de produção de riqueza da
sociedade. Seguindo a ponderação de um sócio da cooperativa de moradia por
poupança prévia Puerto Fabini, seria possível repensar outras formas de se configurar
a economia política da urbanização (SINGER, 1985) de uma cidade ou país, por
exemplo, por meio do cooperativismo de moradia. Em sua visão, essa economia da
autogestão não é só da cooperativa, “por qué ese ahorro es del país, o sea, de
nosotros cooperativistas, no gastamos un millón de dólares más” (Sócio B, Puerto
Fabini, PP3). Essa economia ocorre devido ao processo de gestão ser distinto daquele
do sistema de mercado, segundo ele, “porque si vamos todos juntos y compramos
ese edificio, el dueño de ese edificio va a cobrar todo” (Sócio B, Puerto Fabini, PP3).
Dessa maneira é que tal recurso poupado pode ser utilizado em outros circuitos de
acumulação de riquezas, pois “invertimos en otra cosa, en educación, en salud, en
turismo interno, turismo externo, en cualquier cosa. Y no se va por un camino único
que es el de una empresa” (Sócio B, Puerto Fabini, PP3)HHH.
***
A autogestão, porém, não termina com o fim da obra cooperativa. Há um
conjunto de práticas que envolvem uma rotina de procedimentos para a sustentação
232
das unidades de uso e gozo. Como aponta um sócio de COVICENOVA, “hay mucho
movimiento interno en la cooperativa. Por qué hay funcionarios, hay gastos, hay
muchas leyes que hay que llevar al día” (Sócio A, COVICENOVA, AM1)III. Ou seja,
um conjunto de atividades que abarcam a manutenção de uma estrutura que persiste,
dada a possibilidade da propriedade coletiva.
Porém, trata-se de um processo que não está isento de tensões, pois a obra
demanda muita implicação dos cooperados. Como coloca o sócio de COVICIVI, “venís
cansado de años de obra. [...] Cuando terminás te metés para dentro de tu casa y no
querés salir más” (Sócio A, COVICIVI, AM2). Em muitos momentos torna-se difícil
participar dos órgãos de gestão da cooperativa (conselho diretivo, fiscal, manutenção,
fomento etc.). Como o mesmo sócio coloca, após o término da obra demorou para
que decidisse participar da gestão da cooperativa, pois “me pasó a mí y a los
compañeros que estamos ahora en el consejo [directivo], Pasamos años sin querer
saber nada” (Sócio A, COVICIVI, AM2)JJJ. Isso também acontece com as cooperativas
por poupança prévia, como coloca o sócio de El Ladrillo ao afirmar que “lo que pasa
es que uno tenía el objetivo de terminar la obra, con ese objetivo funcionaba. El tema
fue cuando nosotros habitamos, el objetivo terminó y un poco la atención se dispersó”
(Sócio B, El Ladrillo, PP2)KKK.
Esse processo de gestão no pós-obra é muito delicado, podendo levar a uma
ruptura na condução da cooperativa. O sócio de COVICENOVA comenta que sua
cooperativa, com mais de trinta anos de obras finalizadas, consegue manter uma
estrutura de funcionamento com trabalhadores contratados, atividades no salão
comunal, apoio à policlínica instalada dentro da cooperativa e a manutenção de um
campo de futebol, dado que a estrutura de gestão não foi interrompida em nenhum
momento. Isso é uma questão difícil para os coletivos no pós-obra, pois, segundo ele,
“hay cooperativas que han tenido problemas y de repente las funciones dentro de la
directiva no continúan bien. Recomponer cuesta muchísimo28” (Sócio A,
COVICENOVA, AM1)LLL. Assim é que a propriedade coletiva coloca uma dimensão
28 É o que parece ter acontecido em COVIATU 18, como relata um dos sócios ao afirmar que “después de vivir, después de un tiempo determinado, las comisiones directivas no funcionaron como deberían funcionar. Por eso se fue desgastando la actividad de los compañeros, la desunión, cada uno con su ‘chacrita’ digamos”. Porém, segundo ele, sempre há a possibilidade de recomeço, já que “nosotros lo que intentamos mismo, elegimos, fue tratar de cambiar esa situación. Por qué hay muchos socios nuevos” (Sócio A, COVIATU 18, AM2)JJJJ.
233
diferenciada em relação à “gestão de condomínio” brasileira. Não se trata tão somente
de cuidar da gestão do ambiente construído, mas de toda uma gama de atividades
organizativas da cooperativa.
5.5 Propriedade coletiva
Uma questão espinhosa que atravessa o projeto político da produção social do
habitat refere-se às modalidades de apropriação do ambiente urbano construído. Nos
dois contextos analisados nesta tese, uma indagação sempre vinha à tona em torno
da modalidade de uso e gozo das cooperativas de moradia: quais elementos poderiam
explicar a adoção desse sistema em contextos onde predomina a propriedade
individual da habitação? Ao se tomar em análise o caso uruguaio, a questão se
mostrava instigante ao se constatar que a maioria das cooperativas se constituíram a
partir dessa modalidade. Como comentou o arquiteto uruguaio Leonardo Pessina, em
entrevista ao autor, sobre a inserção da propriedade coletiva no Uruguai, ele afirma
que “já aceitavam de cara [...] não havia temor, foi tranquilo. Os juristas da FUCVAM
explicavam muito bem o sentido do uso e gozo e isso era aceito. [...] No Uruguai foi
aceito pelas pessoas não politizadas também” (PESSINA, 2015).
A questão ancorava sua inquietação ao se ter em consideração que, entre a
população urbana do país, não se visualizava uma tradição de formas de moradia
assentadas em modalidades de regime de propriedade coletiva. A autoconstrução via
propriedade individual, como já analisado anteriormente, era a forma predominante
de produção habitacional das camadas populares. Nahoum (2013f) assim comenta,
sobre o contexto de aprovação da Lei Nacional de Moradia, que
si en aquella época hubiera habido empresas encuestadoras, como hoy día, y se hubiera hecho un sondeo de opinión sobre la receptividad que la propiedad colectiva tendría en nuestra población, estoy seguro también de que la mayoría de los uruguayos habría dicho que muy poca. Es que existía la impresión generalizada que la idiosincrasia de los uruguayos se asociaba mejor a la propiedad privada individual (NAHOUM, 2013f, p. 45).
Nesse sentido, talvez seja possível afirmar que os técnicos do CCU, ao realizar as
diversas visitas às experiências de cooperativismo pelo mundo, nos anos 1960, se
234
questionassem sobre a própria possibilidade de adoção da propriedade coletiva, no
Uruguai, pela sua vertente habitacional. Já que essa não se configurava como uma
certa “idiossincrasia” do povo uruguaio, como comenta Nahoum (2013f).
A partir dessa perspectiva é que se pode pensar que a questão sobre a
aceitação da propriedade coletiva se relaciona a algumas dimensões que se referem,
primeiro, ao modo como foi implementado o sistema cooperativo de moradia no país,
e, depois, aos laços de solidariedade que são gerados por esse modelo. Nesse
primeiro aspecto vale resgatar a referência repassada anteriormente sobre como o
governo uruguaio apoiou desde o início, e com entusiasmo, a proposta das
cooperativas de moradia. Porém, dentro dessa “aposta” do estado, a preferência se
assentou na modalidade de uso e gozo, o que se traduziu em uma prioridade
orçamentária no aporte de financiamento estatal. Como coloca Nahoum (2013f), teve
muita influência na escolha da propriedade coletiva o fato de que a regulamentação
da Lei emitida pelo governo priorizou as cooperativas de usuários, como estabelece o
artigo 46 do decreto 633/69. Se a Lei Nacional definia a possibilidade tanto de
cooperativas de proprietários como as de uso e gozo, o decreto de regulamentação
deu prioridade ao apoio financeiro à segunda modalidade.
Instituída a prioridade à modalidade de uso e gozo, uma segunda dimensão foi
vivenciada a partir dessa proposta inovadora. Qual seja, os laços de solidariedade
gerados por esse modelo, que se traduzem em apoios muito concretos para os
cooperativistas. Assim, algo que talvez seja pouco salientado na inspiração externa
em relação ao modelo uruguaio refere-se ao tipo de financiamento estatal que é
contraído pelas unidades cooperativas. O empréstimo outorgado pelo estado é
realizado de maneira coletiva. Não são os sócios, individualmente, que se
responsabilizam pelo financiamento, mas a própria unidade cooperativa. Portanto,
estes pagam uma cota mensal à cooperativa, a qual, por sua vez, realiza o pagamento
do empréstimo oficial ao órgão estatal competente.
Esse modelo de financiamento traz em si uma série de aspectos solidários que
se agregam ao caráter de uso e gozo da cooperativa. Desse modo é que se ressaltam
dois pontos desse aspecto solidário, os quais são perpassados por diversas tensões.
O primeiro refere-se ao suporte aos momentos de dificuldades de pagamento por
parte de algum integrante do grupo. Conforme é previsto na Lei Nacional de Moradia,
235
a cooperativa deve constituir um fundo de socorro, o qual é alimentado mensalmente
por todos os usuários da cooperativa, juntamente com o pagamento do empréstimo
estatal. Assim, qualquer problema financeiro com algum sócio é coberto pelo fundo
de socorro, sendo que o financiamento “oficial”, aquele contraído coletivamente pela
cooperativa, continua sendo pago sem qualquer incidência de multa, juros ou
encargos administrativos.
A sócia de uma cooperativa de moradia por ajuda mútua, na modalidade de
uso e gozo, comenta que a parcela mensal paga pelos sócios (incluindo os valores de
financiamento e para os fundos constituintes das cooperativas) “es una cuota,
comparada con los alquileres de la zona, mucho menor. Pero aun así tenemos
personas que deben y que deberán” (Sócia A, COVIESS 90 II, AM2)MMM. Tais
problemas de pagamento são resolvidos com o aporte da cooperativa, por meio do
fundo de socorro, o que acaba por gerar algumas tensões para resolução, que sempre
são deliberadas de forma coletiva, em assembleia. Como ela continua, “entonces
enfrentar esos problemas, donde tenés que hablarle a un par y exigirles que paguen
las cuotas, a veces genera algunos conflictos en la interna, que se discute en
asambleas” (Sócia A, COVIESS 90 II, AM2)NNN. Porém, são problemas que nunca
levaram à expulsão de algum sócio, pois “igual a acá nunca se echó a nadie, por
ejemplo, por no pagar. Siempre se le da todas las alternativas posibles para que
pague” (Sócia A, COVIESS 90 II, AM2)OOO.
Perpassado por tensões, esse processo de financiamento coletivo, em última
instância, gerou níveis de adimplência altos nos financiamentos estatais às
cooperativas de moradia. É o que permite a constatação de Nahoum (2013e, p. 26)
de que “el movimiento cooperativo (de ayuda mutua y ahorro previo) tiene en su haber
los mejores porcentajes de cumplimiento, en condiciones normales, de los retornos
de los préstamos otorgados”. A dimensão de solidariedade, portanto, radica não só
na relação das unidades cooperativas com seus sócios, mas também destas com o
próprio sistema cooperativo, já que o fundo monetário mantenedor do sistema se
perpetua, dada a adimplência e o seu caráter rotativo.
Outro aspecto solidário do financiamento coletivo passa pela negociação,
também coletiva, da gestão dos empréstimos. Dado que os responsáveis legais são
as cooperativas, o gestor dos empréstimos – no caso o estado – não realiza a
236
negociação dos contratos de forma individualizada com os sócios. A negociação é
empreendida com as cooperativas representadas por meio de suas federações.
Nesse sentido, um integrante da Mesa 1 aponta como, a partir da ação coletiva, houve
uma diminuição na taxa de juros do empréstimo ao seu grupo, visto que “el préstamo
original era en UR [Unidades Reajustables] al cuatro por ciento anual y nosotros
logramos hacerlo al dos por ciento para las cooperativas de ayuda mutua. Los otros
sistemas pagaron en cuatro por ciento” (Sócio A, MESA 1, AM1)PPP.
Pois a gestão do aporte financeiro do estado ao sistema cooperativista de
moradia é realizada de forma coletiva com as cooperativas, potencializadas por sua
forma federativa de atuação política. Assim é que mesmo sócio comenta que essa
redução nos juros foi angariada com a mobilização coletiva. Segundo ele, “hubo una
movilización, no fue fácil, no fue de un día para el otro. Fuimos a la Plaza Independía,
frente al Banco a gritar y todo, y se logró por medio de FUCVAM” (Sócio A, MESA 1,
AM1)QQQ.
Figura 24 – 65a. assembleia geral de FUCVAM (Montevidéu, 2016)
Fonte: acervo do autor.
É esse caráter coletivo do financiamento às cooperativas de moradia que
permite compreender o poder que FUCVAM desenvolveu no combate à ditadura, no
início dos anos 1980, como analisado na seção 2. E assim também pode-se entender
a sutileza do modo como a ditadura resolveu atacar esse sistema. Justamente ao
237
propor, via projeto de lei no ano de 1984, a manutenção da figura jurídica da
cooperativa, mas alterando o caráter do financiamento, que passaria a ser individual.
O artigo 3 de projeto da ditadura coloca que os cooperativistas se tornariam os
devedores diretos do estado, mas a personalidade jurídica da cooperativa
permaneceria. Textualmente segundo o projeto de lei, pela proposta “los socios serán
siempre deudores directos de los créditos hipotecarios que correspondan a sus
unidades aunque las Unidades Cooperativas de Viviendas comprendidas en esta ley
conservarán su personería jurídica” (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO,
1984, p. 14).
Desse modo é que se pode compreender um tanto do caráter massivo de
mobilização da federação e das cooperativas contra essa proposta, ao angariar-se
milhares de assinaturas para a proposição de um referendo sobre a questão.
Unidades cooperativas sem financiamento coletivo deixariam de empreender a
dimensão de solidariedade da propriedade de uso e gozo. Como comenta a
publicação do CCU sobre a proposta do projeto de lei da ditadura,
más bien se trata de que el núcleo familiar hará frente solo a su cuota, quedando librado a sus propias fuerzas para asumir su compromiso con el Banco Hipotecario ya que perderá el respaldo de los mecanismos de solidaridad previstos por las Cooperativos de usuarios, particularmente el del Fondo de Socorro. (CENTRO COOPERATIVISTA URUGUAYO, 1984, p. 6)
Portanto, é a forma coletiva de financiamento que aporta uma imprescindível
dimensão de solidariedade ao sistema cooperativo de moradia.
***
Ao se analisar as experiências de autogestão habitacional, no Rio de Janeiro,
apoiadas com os recursos de cooperação internacional, constata-se como a
Fundação Bento Rubião buscou desenvolver justamente esses dois pilares da
propriedade coletiva do Uruguai: a forma cooperativa e o financiamento coletivo. O
fundo rotativo, formado inicialmente com recursos da Misereor, seria utilizado
justamente pelos grupos constituídos juridicamente em cooperativas, cujo
238
financiamento seria devolvido de forma coletiva ao fundo rotativo, de modo a apoiar
novos projetos (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2004).
Ao se analisar mais detidamente o caso do grupo de Shangri-lá, constata-se
que a propriedade coletiva foi adotada por meio da previsão em seu estatuto
(HUGUENIN, 2013). Cada morador tem uma quota-parte do capital social da
cooperativa e, no caso de saída de algum membro, será feita a reintegração do valor
ao cooperado e a nova família será escolhida pela cooperativa. Porém, deve-se
atentar que existem algumas ressalvas que distinguem o modo de funcionamento de
Shangri-lá em relação ao sistema uruguaio.
Primeiro, o modelo de Shangri-lá se sustenta pela informalidade. Não há a
regularização fundiária do terreno para a cooperativa, sendo ainda de propriedade de
dois membros da Comunidade Eclesial de Bases do local (os quais fazem parte da
cooperativa, mas não a habitam). Segundo, Shangri-lá deve seguir a lei geral de
cooperativas, a qual prevê que a cooperativa pode ser dissolvida por dois terços dos
membros (Bastos, 2013, p. 93). A propriedade coletiva parece se manter em Shangri-
lá, portanto, muito mais por laços comunitários do que pela forma jurídica da
cooperativa. Como argumenta Bastos, (2013, p. 101), o respeito ao estatuto da
cooperativa, que prevê a propriedade coletiva, se deu “pela habilidade que as
lideranças tiveram no decorrer das décadas de cumprimento do estatuto [...] e
impedimentos da penetração do mercado informal dentro do conjunto”29.
Deve-se ter em consideração, portanto, que a dimensão do financiamento
coletivo é um dos pilares mais importantes para a constituição da experiência de
propriedade coletiva no sistema uruguaio. Pois, se não se tem essa perspectiva,
algumas inferências no sentido de se projetar determinadas qualidades a esse regime
podem se configurar em expectativas que não se configuram em realidade. Nesse
aspecto, o trecho de um comentário de um livro da Fundação Bento Rubião é
ilustrativo. Como se comenta sobre a proposta da propriedade coletiva,
ao se organizar sob a forma de propriedade coletiva e ao o estatuto das Cooperativas explicitarem que, no caso de substituição, os novos cooperados
29 No grupo Esperança também há a previsão da gestão coletiva da propriedade. Enquanto as ruas do projeto são públicas – portanto não há a privatização do conjunto em relação ao entorno – as quadras não são parceladas de forma individual, conformando, portanto, condomínios em cada quadra, os quais se pretende que sejam geridos de forma coletiva (BASTOS, 2013, p. 118 e 119).
239
devem ser da mesma faixa de renda, os dois riscos acima mencionados são contornados (substituição do perfil de renda das famílias e apropriação de mais valia por terceiros) (FUNDAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2007, p. 33)
A substituição de novos moradores por outros do mesmo nível de renda só
pode ocorrer, como projeta o documento, se a dimensão do financiamento coletivo se
constituir. Pois a propriedade coletiva, em si, não significa a continuidade de um
mesmo perfil de sócio quando há a substituição de algum núcleo integrante dentro da
cooperativa de uso e gozo. O problema reside justamente no aporte, a ser realizado
sem financiamento, de todo o capital social pelo novo sócio. Como explicita o
integrante de uma cooperativa de uso e gozo, sobre a questão de se necessitar
aportar monetariamente o capital social pelo novo sócio, “el problema de exigir la plata
puede ser que la gente que tiene la plata finalmente as veces no sabe nada sobre lo
que es una cooperativa” (Sócio A, Complejo Bulevar, PP1)RRR. Se não há uma
estrutura de financiamento coletivo correlato, o processo de substituição do perfil das
famílias pode ocorrer mesmo sob o regime de propriedade coletiva30. Ou seja, ao se
exigir que o novo sócio aporte, à vista, o montante do capital social do integrante que
se retira, pode-se restringir a participação daqueles de menor renda – como faz pensar
o trecho da publicação da Fundação Bento Rubião.
***
Os fundos definidos por lei como obrigatórios para as cooperativas de moradia,
além de permitir amparar as dificuldades de pagamento dos sócios, também permitem
manter os aspectos construtivos das unidades habitacionais. Como testemunha
exemplarmente um sócio de COVIUNPRO, “tuvimos un problema de cimentación en
una vivienda, en la cual salió alrededor de 20 mil dólares. Si hubiese sido a costo
nuestro, de cualquiera de los que vivimos en la cooperativa, no hicimos podido” (Sócio
B, COVIUNPRO, AM2)SSS. Se a propriedade fosse individualizada, portanto, os custos
recairiam sobre o proprietário unicamente, dificultando a manutenção adequada da
30 Recentemente, no início de 2017, o governo uruguaio instituiu uma linha de financiamento para o aporte de capital social dos novos sócios que entram nas cooperativas já habitadas.
240
moradia. Trata-se de mais um dos aspectos da dimensão solidária da propriedade
coletiva, agora quanto à manutenção das unidades de uso e gozo.
Assim se configura um mecanismo de “autogestão do ambiente construído”
pelas cooperativas de moradia em propriedade coletiva, que passa pela forma de
constituição do capital social. Como é definido em forma regulamentária pelas
unidades cooperativas, as reformas em uma unidade habitacional só podem ser
autorizadas pela cooperativa, de forma coletiva. Evidente que se trata de uma
autorização que vai depender da forma de autogestão de cada cooperativa no pós-
obra. O mecanismo adotado para se assegurar que haja a manutenção das condições
das unidades habitacionais é o de que as reformas nestas somente podem ser
adicionadas ao capital social se forem feitas conforme decisão da cooperativa. Ou
seja, alterações realizadas em desacordo com as orientações coletivas não comporão
o capital social. Desse modo se constitui o mecanismo de autogestão do ambiente
construído do sistema cooperativo de moradia no Uruguai, como comenta um sócio
de Mesa 1 ao afirmar que “lo que nos interesa no es autorizar o no, sino que se
conserve el proyecto cómo está y la imagen de la cooperativa” (Sócio A, Mesa 1,
AM1)TTT. Aspecto da dimensão solidária da propriedade coletiva, portanto, que se
assenta na forma coletiva de financiamento estatal.
5.6 Dimensão singular da experiência
Na pesquisa de campo no Uruguai, ouvi alguns depoimentos de sócios de
cooperativas de moradias já terminadas afirmando que a experiência de se participar
de um projeto desse tipo é única. Trabalhar em uma obra de ajuda mútua, gerir os
recursos financeiros, cuidar das relações com o Instituto de Assistência Técnica etc.
configuram-se em acontecimentos sem comparação na trajetória de um núcleo
familiar. Assim é que se poderia falar em uma “dimensão singular” das experiências
de produção social do habitat. Tal dimensão mostra-se difícil de descrever, pois
conforma-se em algo que só pode ser descrito por aqueles que já a vivenciaram.
Desse modo, algumas metáforas serão alçadas para pontuar certas impressões de
campo nesse sentido.
241
Uma sócia de COVIFAMI explica rapidamente a diferença entre ser filho de
cooperativista, morar em uma cooperativa e ser cooperativista. Ela comenta sua
trajetória dizendo que “yo nací en una cooperativa de vivienda y después me mudé a
una cooperativa de vivienda. Un año hubo que alquilé en otro barrio. Ahora que estoy
viviendo en mi casa, lo vivo diferente” (Sócia A, COVIFAMI, AM2)UUU. Trata-se de uma
situação muito distinta, dentro do cooperativismo de moradia, viver em uma
cooperativa em que ela mesma participou do processo de obra. Somente a
experiência única de participar do projeto, como cooperativista, lhe deu uma chave de
compreensão os valores do sistema. Como ela conclui, “yo que nací en una
cooperativa de vivienda, lo vivía diferente, los compromisos con la cooperativa, con
todos, fue diferente de lo que vivo ahora” (Sócia A, COVIFAMI, AM2)VVV.
Ao mesmo tempo, a solidez do sistema é averiguada pelo sucesso da
transmissão intergeracional da experiência. Como coloca a integrante de uma
cooperativa de moradia por poupança prévia, “una de las modalidades más clásicas
para formar cooperativas es formarlas con hijos de cooperativistas. [...] Los hijos de
los cooperativistas muy fácilmente se adhieren al sistema después de vivir en él”
(Sócia A, Puerto Fabini, PP3)WWW. Assim é que ela complementa a afirmação dizendo
que muitos filhos de cooperativistas se vão do país e depois retornam fazendo questão
de viver em uma cooperativa de moradia.
Uma das muitas metáforas que ouvi sobre as unidades cooperativas é que são
uma “grande família”. Primeiro, por que, por um lado, tem toda a proteção que uma
família pode dar: os fundos de manutenção, por exemplo, que socorrem nos
momentos de dificuldade de pagamento, ou os laços de afetividade construídos desde
o período de obra. Por outro, como toda família, tem seu lado negativo, com as
dificuldades de convivência, por exemplo. Assim, só se vivendo em uma família para
saber suas dores e dificuldades.
Seguindo a metáfora da família, as obras assemelham-se ao processo de se
gestar um filho, pois pode-se preparar o quanto se queira antes, mas só quando se
tem um filho é que se sabe o que tem que se fazer, exigindo saberes que poderia não
se ter previamente. Assim também com as obras das cooperativas, já que por mais
que se tenha cursos de formação prévios, somente com a obra é que se vai saber
242
quando usá-los e em quais procurar se formar. Porém, como muitos cooperativistas
comentaram, sempre é bom estar preparado previamente.
Em certa entrevista, uma trabalhadora social afirmou que na sua experiência
muitos cooperativistas chegam à cooperativa com uma visão “romântica” da ajuda
mútua. Segundo ela, “hay como una perspectiva muy romántica de que ‘implica
compromiso, solidaridad, esfuerzo, trabajo’, muy como de discurso en este sentido”
(Técnica A, IAT1). E, por mais que façam cursos de formação, não se dão conta de
que a ajuda mútua tem uma dimensão econômica e de que o trabalho no canteiro tem
que render segundo o apertado cronograma de obra. Então, em diversos momentos
isso explode em conflitos, por mais que se prepare previamente os cooperativistas.
Essa questão está relacionada a um aspecto muito particular da produção
social do habitat, pois cada núcleo familiar trabalha em um processo que é único.
Como ouvi de alguns técnicos do Rio Janeiro, a autogestão habitacional é um
processo em que “quando se aprende, já acabou” (FUNDAÇÃO DE DIREITOS
HUMANOS BENTO RUBIÃO, 2015). Desse modo é que é preciso ter em
consideração que a participação no mutirão autogestionário coloca a diferença entre
o “saber fazer” e “o saber como se faz” no aporte de trabalho coletivo. Ou seja, pode-
se ter o aprendizado sobre como funciona o processo, mas não o como fazer.
Ouvi, certa vez, de um sócio ao explicar os debates que se desenvolviam, em
seu bairro com dezenas de unidades cooperativas de moradia, sobre a organização
do modo de funcionamento daquelas já habitadas – estavam discutindo a questão das
autorizações para reformas nas unidades habitacionais – de que “cada cooperativa é
um país”. Sua metáfora apontava para a autonomia que cada grupo tem para definir
suas regras de convivência. E como cada uma desenvolve sua própria trajetória, sua
idiossincrasia, a dimensão singular da experiência de cada cooperativa de moradia.
Essa metáfora remete a outra sobre os comentários que presenciei de técnicos
de um IAT afirmando que cada cooperativa é uma obra específica. Por mais que se
tenha o mesmo perfil de formação, trajetória no acesso à terra e financiamento, além
da mesma assessoria técnica, cada obra terá seu desenvolvimento próprio. Sob as
mesmas condições, um grupo pode desenvolver determinadas trajetórias que não a
de outros.
243
A dimensão singular da experiência também coloca tensões na vida das
cooperativas de moradia por ajuda mútua. Como posto por uma cooperativista, “el
cooperativista que está antes de recibir el préstamo es uno y el que está después de
recibir el préstamo es otro” (Sócia A, COVIFAMI II, AM2)XXX. Pois aquele que passou
pelas penúrias de, talvez anos, estar sem terreno, aguardar o empréstimo, elaborar
os projetos desenvolve uma experiência única em relação àquele que paga o capital
do cooperativista que já passou por tudo isso. De acordo com ela, “si vos venís sin
pagar para entrar es como que la cooperativa no tiene el significado que tiene para él
que ya trabajó, está cansado, dejó de lado su familia, sus amigos” (Sócia B, COVIFAMI
II, AM3)YYY.
Uma implicação muito importante da dimensão singular da experiência é que
ela aponta uma questão muito importante para o sistema, qual seja, de que nem todos
tem o perfil para participar do projeto cooperativo de moradia. Trata-se de uma
constatação de vários cooperativistas que passaram pelo processo de obra. Como
colocou um sócio de COVICORDÓN, “en la medida que vos vas haciendo experiencia
te vas dando cuenta que tipo de gente, que perfil de gente vos precisás. Ni todo el
mundo está interesado en participar en un sistema de vida colectivo” (Sócio B,
COVICORDÓN, AM2)ZZZ.
Participar do sistema cooperativo de moradia, portanto, dá pistas sobre quem
está disposto a integrar esse sistema. Como indica, em certo sentido, o dilema vivido
por um cooperativista durante a etapa da construção das unidades habitacionais de
sua cooperativa. Ele conta que “nosotros tuvimos un caso acá que una persona
teníamos para sancionarla, porque había sido elegida y no quería trabajar” (Sócio A,
COVICENTELLA, AM2). Ao não trabalhar na comissão para qual fora eleita, segundo
ele, “ella decía: 'yo no quiero trabajar, porque no me gusta este sistema de las
cooperativas, no me pertenezco a este sistema'. Sin embargo, todo el mundo levantó
la mano para no sancionarla a la mujer. ¿Cómo luchar contra eso?” (Sócio A,
COVICENTELLA, AM2)AAAA.
Nesse sentido, como complementa outra sócia da mesma cooperativa, “uno no
viene a una cooperativa siendo cooperativista, sino viene por la casa, porque tiene
problemas de vivienda” (Sócia B, COVICENTELLA, AM2). Porém, é a dimensão
singular da experiência que pode transformar aqueles que procuram solucionar seus
244
problemas de moradia em cooperativistas. Como ela conclui, “y no todos nos
transformamos de todos los modos en cooperativistas. Yo siempre digo que algunos
somos cooperativistas y otros somos hacedores de casas” (Sócia B, COVICENTELLA,
AM2)BBBB.
Nessa perspectiva, como comentou uma cooperativista em entrevista, “yo digo
que los errores no están en el sistema cooperativo, están en las cooperativas como
personas, individuos” (Sócia A, JUCOVIPOSTAL, AM2)CCCC. Esse é um correlato que
a experiência singular pode provar, qual seja, o sistema é estruturado e as dificuldades
são vivenciadas a partir das trajetórias individuais e familiares. Tal foi uma assertiva
que ouvi muito sobre o cooperativismo no Uruguai: reconhece-se a robustez do
sistema, sendo que os equívocos são postos por aqueles que põem em prática esse
mesmo sistema. Como colocou um sócio militante de uma cooperativa de moradia da
época fundacional, “el sistema cooperativo no falla, fallan los hombres” (Sócio C,
COVIMT 2, AM1)DDDD.
245
Tradução dos depoimentos da seção 5
A “por que vivia aqui, uma quadra e meia, e por esses momentos estávamos procurando uma solução
habitacional [...] o que me trouxe foi estar na zona de influência da cooperativa”.
B “houve muita gente que não aguentou, não podia ou não queria esperar tanto. Uns não queriam e
outros não podiam esperar tanto. E outros não creiam, havia muita gente que não estava crente que
funcionasse”.
C “aqui somos quarenta e três, e ficaram pelo caminho mais de cem”.
D “o que deu muito trabalho foi convencer as pessoas. Por que ninguém creia, de que é toda uma coisa
nova. Então era difícil crer que podia ser certo chegar a isto”.
E “quanto entrava [na obra] e via o que estavam fazendo, aí se entusiasmava, aí vinha o entusiasmo”.
F “e nós viemos aqui até o terreno, e quando viemos todo mundo: ‘eu para Cerro não vou’”.
G “fiquei eu sozinha com outra sócia. Ficamos duas sócias e os outros se foram”.
H “FECOVI adquiriu o terreno e depois como que buscou gente para organizar uma cooperativa para
esse terreno”.
I “originalmente ia ser para outra cooperativa, que era uma cooperativa de mulheres, que ao final não
lograram conformar-se e ficou o terreno”.
J “nós, na verdade, ainda não éramos nem trinta, estávamos chegando aos vinte, e nos perguntamos:
queremos duplicar a quantidade de sócios?”
K “se decidiu, então, que ia entrando gente de pouquinho, fazendo palestras informativas, que viriam
com o perfil do grupo que tínhamos, que nos importava muito o princípio da parte social”.
L “por exemplo, para mim um dos que me disseram para entrar foi meu irmão. Entramos ao mesmo
tempo com meu irmão e depois eu contando na minha família, entrou meu primo. [...] e depois entrou
um que é como um meio primo meu” [...] “depois, falando no trabalho, há três ou quatro núcleos que
foram companhias de trabalhos de outros lados. E assim se repete com muita gente”.
M “em vista do tamanho do terreno que se obteve se necessitavam mais sócios por que iam ser mais
moradias e se abri a que se recebesse sócios de sindicatos, porque era originalmente um núcleo de
vizinhos”.
N “nessa instância se aproximava uma cooperativa de trabalhadores de produtos lácteos,
CONAPROLE, e aí se conformou trinta e algo de novos sócios, o novo corpo de sócios da cooperativa”.
246
O “esta cooperativa já havia sido funda em 1999 e logo essa cooperativa se dissolveu com os
fundadores daquele momento. Uns pouquinhos que restam agora – restam dois ou três – tomaram
essa figura jurídica e retomaram o projeto”.
P “nós tivemos que adequar os núcleos familiares com esse tipo de moradia, por que já estava o projeto
assim desde a primeira cooperativa”.
Q “uma pessoa crê que quando chega esse momento tão desejado de ter o empréstimo e chegar a obra
não se vai ninguém. Mas acontece ao revés”.
R “deve-se conciliar a família com o trabalho, mais o trabalho na cooperativa, mais as assembleias,
mais as reuniões de comissões. Então é difícil seguir o ritmo”.
S “havia gente que vivia nesta escada para cima. E na esquina, que é a outra parte reciclada, estava
ocupada por gente que reciclava lixo. [...] Então se devia realojar essa gente”.
T “a política marca muito a disponibilidade do empréstimo”.
U “quando começamos lutando pelo empréstimo, nisso havia muitas desilusões. Porque as pessoas as
vezes vinham e se pensava que a prática vinha em seguida. E faz alguns anos era mais difícil”.
V “hoje em dia é muito mais fácil, hoje em dia em dois anos se acesso o empréstimo”.
W “naquele momento, na verdade, quem estava em uma cooperativa eram militantes claramente,
convencidos políticos em definitivo. Quero dizer, aquele que apostava no sistema cooperativo”.
X “quem integra as cooperativas em geral é gente que praticamente não logra encontrar uma moradia
de outra maneira. Claramente seu objetivo é a moradia, a modalidade é uma desculpa”.
Y “veio disgregando, degenerando, perdendo aquela qualidade de militância. Como se transformou a
sociedade se transformou tudo aqui dentro. Hoje estamos padecendo de uma decadência de militante
terrível”.
Z “os tempos de hoje em dia não são os mesmos tempos de trinta anos atrás, e também a consciência
de cooperativismo mudou muito” [...] “por que antigamente fazer a atividade social da cooperativa era
fundamental. E hoje em dia para arrastar as pessoas a fazer uma atividade social custa”.
AA “no fundo esta sociedade não te prepara para uma vida comunitária” [...] “não só em mim, em meus
amigos e em minha família, senão em “nós” custa muito”.
BB “os empréstimo são cada vez menores, não te alcançam”.
CC “quando se criou a lei e se determinou que as cooperativas de ajuda mútua se construíam de
determinada forma e as de poupança prévia de determinada forma, havia empréstimos que alcançavam
e sobravam para construir”.
247
DD “a ajuda mútua pura que não poupa, quem sabe para adquirir o terreno, o a poupança prévia que
em determinado momento não tem que fazer algumas tarefas de ajuda mútua”.
EE “segue havendo como alguns grupos com uma integração de gente que crê no sistema, segue
havendo. [...] Também, às vezes, dentro desses grupos há uma integração de algum núcleo que rompe
com isso e coloca algo como esta preocupação do sistema, do coletivo, do cooperativo, do solidário.
Sempre isso aparece, não é que esteja totalmente perdido”.
FF “esse projeto de colaboração era gerar um fundo de garantia para que FECOVI, através do banco
cooperativo, pudesse financiar cooperativas. Por que os empréstimos nesse momento não existiam,
ou havia pouco”.
GG “a proposta que se fez por parte do social que nos assessorava foi distinta em relação às demais
cooperativas do ponte de vista das horas de trabalho, que normalmente eram vinte e uma e nós fizemos
doze horas por semana”.
HH “nós já tínhamos uma bagagem de anos corridos, já havíamos adquiridos fundos próprios e quando
nos outorgaram o empréstimo há tínhamos construído o salão comunal, a creche”.
II “são como dez, onze comissões, ou seja, que praticamente todos os sócios, além de trabalhar em
obra, tem que participar de alguma comissão. E há comissões que te tomam bastante tempo”.
JJ “o sistema nosso segue sustentando que são vinte e uma horas por semana. É uma loucura, neste
momelnto é uma loucura” [...] “eu creio que com quinze horas por semana está bem. Tem que ser
quinze horas realmente comprometidas e quinze horas que sejam efetivas, mas que se possa lograr”.
KK “é um sistema muito difícil, muito complicado, que não está adaptado a esta época. Por que isto
surge nos sessenta, nos setenta, quando trabalhava um da família e o outro tinha horas para a obra”
[...] “agora trabalham todos, então se trabalha muitas horas e não se tem horas para a cooperativa”.
LL “como as coisas que se faz aqui que em outros edifícios não se faria. Por exemplo, comer juntos,
uma comida espontânea entre todos os vizinhos”.
MM “aqui dentre à parte que te muda um pouco o chip”.
NN “a solidariedade foi o que aprendi aqui. Não a tinha, sinceramente. Trabalhava em outras coisas,
não sabia nada disso. E tudo o que aprendi, eu aprendi aqui”.
OO “as pessoas que colaboraram comigo durante todo esse processo, imagine vinte e cinco anos e
deixar de ver, foi toda daqui. Pessoas que me conheciam de antes, de trabalho, de todo o demais, ‘bye
bye’”.
PP “a época mais linda foi a época que fizemos as vinte e seis lajes”.
248
QQ “dissemos que não, que havia que melhorar. A segunda laje já foi menos. E depois começamos às
seis da manhã e às onze praticamente já tínhamos terminado. De doze para cinco horas”.
RR “o tema foi o aprendizado, como nos organizamos, como nos colocamos a melhora nos materiais, o
lugar que cada companheiro poderia melhorar toda essa situação”.
SS “há um crescimento pessoal e às vezes até profissional que não o consegue em outra forma de
acesso. Há muita gente que de trabalhar em obra começa a encontrar empregos, começa a encontrar
depois sua fonte de trabalho”.
TT “no campo trabalhando quem tem autoridade é o mestre de obras, mas o mestre de obras é o
empregado da cooperativa e também tem que responder ante o arquiteto”.
UU “quando se começa aqui, por ajuda mútua, por sorte tínhamos um mestre de obras que era sócio da
cooperativa” [...] “isso é bom dependendo da personalidade da pessoa”.
VV “nós estávamos nessa disjuntiva, se éramos patrões ou éramos trabalhadores. Por que sempre a
cooperativa a consideravam uma empresa”.
WW “por um lado você não sabe nada e é peão. E é patrão, por que você é o que manda na obra. E,
então, você é um peão de um pedreiro que sabe muito mais que você”.
XX “sem embargo, em último termo quem diz se trabalha ou não trabalho esse homem, se fica ou não
fica trabalhando, se seu comportamento é bom ou mal, é a assembleia de sócios. Mas, entre eles, está
vocês”.
YY “eu me lembro que fazíamos as vezes de porta-vozes entre o mestre de obras e o comitê de base,
a organização sindical dos trabalhadores que tínhamos contratados. Então o mestre de obras, de
repente, queria aplicar sanções e nós fazíamos aí de mediadores”.
ZZ “[os trabalhadores contratados] nos fizeram ir ao Ministério, queriam nos colocar um processo. E aí
nós na fábrica éramos delegados dos trabalhadores e aqui éramos representantes dos patrões”.
AAA “esta cooperativa, quando ainda não estava trabalhando, se fomentava que a gente fosse a outras
cooperativas a conhecer, aprender o a colaborar em jornadas solidárias”.
BBB “havia convite de FUCVAM em um dia, já estava tudo planejado, gente para isto, para aquilo, para
outra e chegávamos a adiantar meses de obra”.
CCC “a cooperativa contratou uma pequena empresa que fez fundamentalmente a mão de obra e alguns
subcontratos”.
249
DDD “não podíamos intervir em nada, estávamos na ditadura. [...] todos aqueles que queriam ver algo,
podiam ver só aos domingos, a visitar a obra. [...] não éramos consultados por nada, a equipe assessora
fazia o que lhe parecia”.
EEE “então a raiz disso [...] foi que se equivocaram e todos os banheiros das primeiras cooperativas,
menos da que foi a última, tem um banheiro com um degrau que tem como que uns vinte e dois ou
vinte e três centímetros”.
FFF “nós tínhamos [...] um orçamento determinado de dinheiro e não podíamos sair desse orçamento.
Mas nós melhoramos a qualidade da moradia e passamos a uma nova categoria sem sair do orçamento
solicitado”.
GGG “como a economia que se fez na eletricidade, na carpintaria e na compra em escala foi que se pode
melhorar a categoria da moradia”.
HHH “por que essa poupança do país, ou seja, de nós cooperativistas, não gastamos um milhão de
dólares a mais” [...] “por que se vamos todos juntos e compramos esse edifício, o dono desse edifício
vai cobrar tudo” [...] “investimos em outra coisa, em educação, em saúde, em turismo interno, turismo
externo, em qualquer coisa. E não se vai por um caminho único que é o de uma empresa”.
III “há muito movimento interno na cooperativa. Por que há funcionários, há gastos, há muitas leis que
deve-se colocar em dia”.
JJJ “você vem cansado de anos de obras. [...] quando termina se mete para dentre de sua casa e não
quer mais sair” [...] “passou comigo e com os companheiros que estão agora no conselho diretivo,
passamos anos sem querer saber de nada”.
KKK “o que passa é que alguém tem o objetivo de terminar a obra, com esse objetivo funcionava. A
questão foi quando nós habitamos, o objetivo terminou e um pouco a atenção se dispersou”.
LLL “há cooperativas que tiveram problemas e de repente as funções dentro da direção não continuam
bem. Recompor custa muitíssimo”.
MMM “é uma cota, comparada com os aluguéis da região, muito menor. Mas ainda assim temos pessoas
que devem e que deverão”.
NNN “então enfrentar esses problemas, onde você tem que conversar com um companheiro e exigir-lhe
que pague as cotas, às vezes gera alguns conflitos na diretoria, que se discute em assembleias”.
OOO “aqui nunca se expulsou ninguém, por exemplo, por não pagar. Sempre se dá todas as alternativas
possíveis para que pague”.
250
PPP “o empréstimo original era em UR [Unidades Reajustáveis] ao quatro por cento anual e nós
conseguimos fazê-lo ao dois por cento para as cooperativas de ajuda mútua. Os outros sistemas
pagaram em quatro por cento”.
QQQ “houve uma mobilização, não foi fácil, não foi de um dia para o outro. Fomos à Praça Independência,
em frente ao Banco gritar e tudo mais, e se logrou por meio de FUCVAM”.
“hubo una movilización, no fue fácil, no fue de un día para el otro. Fuimos a la Plaza Independía, frente
al Banco a gritar y todo, y se logró por medio de FUCVAM”
RRR “o problema de exigir o dinheiro pode ser que a pessoa que tem o dinheiro finalmente às vezes
não sabe nada sobre o que é uma cooperativa”.
SSS “tivemos um problema de cimentação em uma moradia, que saiu ao redor de 20 mil dólares. Se
houvesse sido a um custo nosso, de qualquer um dos que vivem na cooperativa, não teríamos podido”.
TTT “o que nos interessa não é autorizar ou não, senão que se conserve o projeto como está e a imagem
da cooperativa”.
UUU “eu nasci em uma cooperativa de moradia e depois me mudei a uma cooperativa de moradia. Um
ano teve que aluguei em outro bairro. Agora estou morando em minha casa, vivencio [o sistema]
diferente”.
VVV “eu que nasci em uma cooperativa de moradia, vivenciava diferente, os compromissos com a
cooperativa, com todos, foi diferente do que vivo agora”.
WWW “uma das modalidades mais clássicas para formar cooperativas é formá-las com filhos de
cooperativistas. [...] Os filhos dos cooperativistas muito facilmente aderem ao sistema depois de viver
nele”.
XXX “o cooperativista que está antes de receber o empréstimo é um e o que está depois de receber o
empréstimo é outro”.
YYY “se você vem sem pagar para entrar é como que a cooperativa não tem o significado que tem para
o que já trabalhou, está cansado, deixou de lado sua família, seus amigos”.
ZZZ “na medida em que você vai fazendo experiência vai se dando conta de que tipo de gente, que perfil
de gente você precisa. Nem todo mundo está interessado em participar de um sistema de vida coletivo”.
AAAA “nós tivemos um caso aqui de um pessoa que tínhamos que sancioná-la, por que havia sido eleita
e não queria trabalhar” [...] “ela dizia: ‘eu não quero trabalhar, por que não gosto deste sistema das
cooperativas, não pertenço a este sistema’. Sem embargo, todo mundo levantou a mão para não
sancionar a mulher. Como lutar contra isso?”.
251
BBBB “uma pessoa não vem a uma cooperativa sendo cooperativista, senão vem pela casa, por que tem
problemas de moradia” [...] “e nem todo nos transformamos de todos os modos em cooperativistas. Eu
sempre digo que alguns são cooperativistas e outros são fazedores de casas”.
CCCC “eu digo que os erros não estão no sistema cooperativo, estão nas cooperativas como pessoas,
indivíduos”.
DDDD “o sistema cooperativo não falha, falham os homens”.
EEEE “então começou a vir gente da companhia de gás, os trabalhadores, veio gente do Banco de
Seguro, vinha gente de outros bairros também, na cooperativa COVISUR 1 havia incluso vários
militares e na 3 a princípio havia muitos aposentados. E assim grupos foram se formando”.
FFFF “e seguíamos militando para conseguir entusiasmar gente que formasse outras cooperativas [...].
Percorríamos fábricas, íamos aos bairros, a assembleias imensas, para falar com as pessoas, para que
se formassem [cooperativas]”.
GGGG “perdi três trabalhos por estar na cooperativa, por que a carga horária, como meu esposo trabalha
na construção não pode fazer horas durante a semana, e faz só no final de semana. Por isso me custou
um pouco manter os trabalhos”.
HHHH “duas pessoas que podem ficar com noventa ou noventa e cinco anos vivendo juntas em uma
casa, sozinhas, são muito mais vulneráveis do que se estão dentro de uma cooperativa. E do contrário
o outro, se quando um casal muito jovem com filhos está sozinho, às vezes é mais vulnerável do que
se estamos todos juntos”.
IIII “eu fui tesoureira da cooperativa [...], eu não sei nada de contabilidade [...], eu nunca geri quatro
milhões de dólares em uma obra. Então ver as entradas, ver o pagamento de BPS [Banco de
Previdência Social], o movimento de cheques, como se apresenta isso em um balanço [contábil], como
organizar mais ou menos um balanço, entender o que significa um balanço. Ou seja, isso tive que
aprender”.
JJJJ “depois de habitado, depois de um tempo determinado, as comissões de direção não funcionaram
como deveriam funcionar. Por isso foi se degastando a atividade dos companheiros, a desunião, cada
um com sua ‘chacrinha’ digamos. [...] nós o que tentamos mesmo, escolhemos, foi tratar de mudar essa
situação. Porque há muitos sócios novos”.
252
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos momentos finais de minha segunda pesquisa de campo no Uruguai – mais
profunda, de quase quatro meses de trabalho – em uma das últimas entrevistas com
cooperativistas, o comentário de um sócio persistiu a ecoar em algumas reflexões ao
retornar para o Brasil. Ao fechar a entrevista, sempre pedia alguma avaliação mais
genérica sobre o sistema cooperativo de moradia, abrindo a possibilidade para que
que surgissem considerações que não se enquadrassem nas indagações feitas
anteriormente. O sócio de uma cooperativa de moradia por poupança prévia – a qual
se encontrava em plena fase final construção – sacou uma metáfora que me fez
pensar profundamente sobre minhas próprias condições de pesquisa. Assim ele
terminou uma larga série de comentários – muitos com alto teor crítico – sobre o
sistema uruguaio de cooperativas de moradia, afirmando “y no es comida rápida,
tampoco. Esto hay que degustarlo. Y ahí te das cuenta si te gusta o no te gusta. Digo,
porque si la comes rápido, no llegas al gustito del fundo” (Sócio B, Puerto Fabini,
AP3)A.
Em tempos de “fast food”, de “aceleração da aceleração” cibernética (SANTOS,
2003), apreciar uma comida com calma tende a se transformar em uma atividade um
tanto quanto rara a se empreender. Esse comentário, que me marcou, releva uma
sensível característica do cooperativismo de moradia uruguaio, qual seja, não se trata
de uma comida “fast food”, é necessário se propor a degustá-la, com calma e
paciência. O sabor que pode produzir o deleite – ou não, mas é preciso estar aberto
a senti-lo – de que quem o aprecia, exige dedicação, cuidado, persistência, enfim,
disposição para que possa ser sentido, conhecido em todas as suas dimensões. A
apreciação rápida, ligeira, fugaz – que somente mata o apetite instantâneo – poderá
não levar ao contato com uma ampla gama de sabores desse tipo comida, cujo
preparo não é das tarefas mais fáceis. Comê-la rápido demais pode saciar a fome,
mas não permitirá apreciar as sensações mais variadas que pode gerar ao paladar.
De antemão, portanto, como se pode afirmar que se gosta, ou não, de uma
comida, se não é apreciada em seus mais distintos sabores, chegando àquele
“gostinho do fundo” a que se refere o sócio da cooperativa de moradia por poupança
253
prévia? Enfim, é preciso ir com calma e à fundo, um tanto quanto a proposta que a
presente pesquisa procurou desenvolver na abordagem das questões sobre o projeto
político da produção social do habitat no Rio de Janeiro e em Montevidéu. A partir
dessa apropriação metafórica de caráter gastronômico, foi possível elaborar algumas
inquietantes considerações sobre as impressões de sabores que a própria trajetória
de pesquisa proporcionou ao paladar da reflexão acadêmica.
Inicialmente, emergiram algumas ponderações de caráter metodológico. Mais
especificamente em torno dos processos de reflexão e inspiração de propostas de
autogestão habitacional – como no caso do Rio de Janeiro – no sistema uruguaio das
cooperativas de moradia. Trata-se de uma questão espinhosa que moveu a própria
constituição das questões de investigação – como discutido na seção introdutória –, a
qual, em um determinado cunho de abordagem, pode transformar o sistema uruguaio
em irradiador de um modelo para outros contextos. Desse modo, configurando-se em
centro virtuoso, cuja comparação com os polos de referência indicaria positividades
ou negatividades do processo inspirativo. Desde tal perspectiva, a análise desta tese
tentou percorrer um caminho analítico alternativo e próprio.
Como visto, um tanto panoramicamente, o processo de constituição da
referência dos projetos de autogestão habitacional do Rio de Janeiro, em relação ao
sistema uruguaio, constituiu-se a partir do contato com o contexto paulistano.
Metodologicamente, foram realizadas algumas visitas aos mutirões autogeridos na
região metropolitana de São Paulo e um intercâmbio com uma ida ao Uruguai e outra
vinda de representantes de organizações deste país ao Rio de Janeiro. A partir da
trajetória de pesquisa desta tese, tomando em consideração esse caminho
metodológico de constituição da referência ao sistema uruguaio, uma questão
pontuou-se para reflexão. Em que medida metodologias de constituição dos termos
de referência e inspiração em um determinado sistema de produção social do habitat
permitiram conformar certas especificidades em torno à recepção, interpretação e
aplicação de módulos desse sistema? Ou seja, de que modo elementos de um modelo
de referência (como, no caso uruguaio, a propriedade de uso e gozo, o empréstimo
de caráter coletivo, o modelo federativo, a gestão pós-obra, a forma cooperativa, entre
outros) sofreram determinados tipos de recepção pelas propostas que a ele buscaram
inspiração, a partir do tipo de metodologia construída para organizar esse processo
de recepção?
254
Ao empreender em duas etapas a pesquisa de campo no sistema uruguaio de
cooperativas de moradia – uma de curta instância e outra de longa duração –, foi
possível, em alguma medida, apreender como a construção dessa “metodologia de
recepção” constitui formas distintas de apropriação dos elementos desse mesmo
sistema. Colocando de forma um tanto direta, a visita de uma semana às cooperativas
de moradia uruguaias proporciona um circuito diferente de compreensão em relação
à uma imersão de quatro meses, por exemplo. Seria possível arriscar a afirmar que
os circuitos de visita de uma semana são os mais frequentes e se atêm muito mais
aos aspectos físico-construtivos do sistema. Como me disse em entrevista o
cooperativista de um grande conjunto dos anos 1970 – um dos mais visitados e
conhecidos –, “acá viene mucha gente de visita, delegaciones de estudiantes de
varios países, todos los años. Vienen por FUCVAM o por la Facultad de Arquitectura,
siempre están llegando ómnibus acá” (Sócio A, Mesa 1, AM1)B. Estas visitas de curta
instância parecem ser a tônica desses grupos de estudantes e pesquisadores sobre
o qual comenta o referido cooperativista.
Outro parece ser o circuito de compreensão do sistema uruguaio a partir de
uma imersão mais prolongada em campo. De certo modo se permite abrir chaves de
compreensão sobre o que muitos cooperativistas comentam como a parte “social” do
sistema: a organização institucional, os mecanismos de gestão, a dimensão da
solidariedade, assim como os entraves e contradições do que aparentemente é só
virtuosidade. Nesse último aspecto, recordo uma observação feita por uma
cooperativista, em uma das últimas entrevistas, sobre as perspectivas de visão sobre
o cooperativismo uruguaio de moradia. De acordo com sua perspectiva, “nosotros le
vemos muchos defectos, pero vienen de afuera y no le ven tanto defecto al modelo”
(Sócia A, Puerto Fabini, PP1)C. Ou seja, essa abordagem se abriria a analisar as
tensões e contradições vivenciadas pelos próprios cooperativistas.
Determinadas perspectivas e metodologias permitem acionar determinados
circuitos de compreensão da referência uruguaia. Como discutido na seção final da
tese, há como uma dimensão singular da experiência, o que, nessa perspectiva de
reflexão, coloca em questão como as metodologias de referência ao sistema uruguaio
255
são acionadas por outros contextos, como no caso do Rio de Janeiro1. Em suma,
voltando à metáfora gastronômica, a questão para reflexão gira em torno do como
deter-se mais sobre o gostinho da comida para conhecer sua gama de sabores.
Essa questão metodológica tornou-se um pouco mais instigante para reflexão
ao tomar em consideração um ponto constantemente repisado no trabalho de campo
no Uruguai, traduzido numa assertiva aqui um tanto simplificada: o sistema
cooperativo de moradia tem princípios que são difíceis de negociar. A organização
cooperativa, a ajuda mútua ou a poupança prévia (enquanto contrapartida que
concretiza a participação dos usuários no processo construtivo de seu habitat), a
autogestão, o regime de uso e gozo da propriedade coletiva, o financiamento coletivo
e estatal, a existência e o papel das federações (como FUCVAM e FECOVI), além do
assessoramento técnico, configuram-se, segundo Nahoum (2013), em “elementos
chave” para o sistema. Sem algumas dessas peças, a produção cooperativa de
moradia pode tornar-se, tão-somente, produção de moradia. Assim é que o autor
alerta que “ningún emprendimiento de este tipo, y menos cuando tiene una
componente social tan fuerte, puede ser replicado en otro contexto sin infinitos
cuidados y sin un fuerte riesgo de fracaso” (NAHOUM, 2013e, p. 16). Portanto,
voltando à questão de fundo da pesquisa, como pensar a referência ao sistema
uruguaio sem o desenvolvimento de alguns elementos chave desse próprio sistema?
A tese trilhou algumas análises que iluminam como esses elementos chave são
atravessados por tensões e conflitos. De certa forma, a perspectiva comparativa
adotada permitiu percorrer alguns diferenciais de contexto que delinearam princípios
conflitivos – constituintes de uma determinada formação social – que atravessam o
sistema cooperativo de moradia uruguaio. Portanto, os elementos, do qual o sistema
não abre margem à negociação, não são em si absolutos, imutáveis. Estão
constantemente sendo postos à prova, em determinados sentidos se refazendo e se
recriando desde a reposição de novas e velhas questões, oriundas de suas bases
sociais, políticas e econômicas.
1 Trata-se de uma questão interessante para pensar outras formas metodológicas de “replicação do modelo”, como os próprios uruguaios realizaram em países da América Latina e Central a partir dos anos 2000. Para tanto, vide Dambrauskas e González (2008).
256
Assim é que a reflexão promovida pela pesquisa adentrou alguns temas
cruciais que envolvem o projeto político da produção social do habitat. Retomando a
metáfora gastronômica, como colocada anteriormente, experimentar os sabores mais
profundos do cooperativismo de moradia não significa que a todos possa apetecer.
Ou, talvez, nem todos podem estar dispostos, preparados ou interessados em
experimentá-lo. Revisitando alguns depoimentos dos próprios cooperativistas –
interpretados na seção 5 –, o cooperativismo de moradia não é para todos e nem
todos se transformam em cooperativistas de moradia após a conclusão dessa
experiência. Em outros termos, há aqueles que querem somente uma solução
habitacional, sendo o sistema cooperativo um dentre vários meios para tanto, assim
como há aqueles que são “fazedores de casa” e não cooperativistas de moradia.
Conectando essas assertivas com outras analisadas, pode-se ler que, no
cooperativismo uruguaio de moradia, há um sistema instituído que se apresenta
fortemente estruturado, o qual é passível de se tentar experimentar. Se se vai apreciá-
lo ou gostar de seu sabor, se se vai tornar cooperativista ou fazedor de casas, a
questão envolve muito mais os circuitos diversos e intrincados de trajetórias pessoais
e familiares, exteriores ao sistema. Como bem indicaram algumas falas, as
dificuldades enfrentadas por muitas cooperativas se referem muito mais a condutas
pessoais do que a configurações sistêmicas – “el sistema cooperativo no falla, fallan
los hombres”, como postulou um sócio pioneiro de COVIMT 2. Pois aí se inserem as
questões postas pelo contexto, pelas bases, identificadas, por exemplo, no aumento
do individualismo e na perda da qualidade militante dos cooperativistas no período
contemporâneo.
Tal questão de que o “cooperativismo não é para todos” pode ser desdobrada
para se pensar um conjunto de debates em torno da autogestão habitacional no
contexto brasileiro. Somente repisando essa dimensão no contexto uruguaio, vale
colocar uma afirmação feita no início do sistema, em 1975, por Armando Guerra,
cooperativista da matriz têxtil e dirigente de FUCVAM. Em entrevista à uma publicação
do CCU, foi lhe feita a seguinte questão: “¿Creen ustedes que el cooperativismo de
vivienda es la solución para el problema de la vivienda?”. Guerra assim respondeu:
“no, de ninguna manera ni se piensa como única solución. [...] pensamos que el país
necesita otras soluciones fundamentales que escapan a nuestras cooperativas”
(CUADERNOS COOPERATIVOS, 1972, p. 15). Voltando-se, como proposto, para o
257
contexto de debate em torno da autogestão habitacional no Brasil, seguindo a
afirmação de Guerra poderia se discutir em que sentidos o projeto da produção social
do habitat pode se universalizar enquanto solução habitacional.
Mais especificamente toma-se em consideração algumas reflexões de Oliveira
(2006), ao debater a experiência dos mutirões autogestionários paulistas, quando
afirma que “se a solução do mutirão se generalizasse, nós estaríamos caminhando
para um inferno urbano. Se ela se universalizar, será a negação da solução da
habitação” (OLIVEIRA, 2006, p. 72). Adotando como referência a assertiva de
Armando Guerra colocada anteriormente – e o conjunto de análises realizadas até
aqui –, não é possível implicar às propostas dos mutirões autogeridos, à autogestão
habitacional ou ao cooperativismo de moradia, uma defesa de sua universalização
enquanto solução habitacional. Não há elementos que indiquem ser uma questão
pacífica, dentro do projeto político da produção social do habitat, constituir-se
enquanto uma solução habitacional universalizável.
Analisando com mais detalhes a argumentação de Oliveira, esta parece estar
assentada em uma crítica à forma em que se constituíram as políticas públicas de
apoio ao mutirão autogerido. Pois como o próprio autor coloca, “de retomada de uma
tradição popular, o mutirão virou política oficial” (OLIVEIRA, 2006, p. 72). Em alguma
medida, as propostas do projeto político da produção social do habitat permitem
pensar que essa “retomada da tradição popular”, a que se refere Oliveira, não se trata
de um processo tão automático quanto o autor parece considerar. Como analisado na
formação das experiências uruguaias, a autoconstrução também por lá se conformava
em uma tradição popular. Porém, sua adoção pelo sistema cooperativo foi
internalizada de um modo novo, em outro patamar. De acordo com o comentário de
Nahoum (2013a, p. 35) sobre o diferencial da ajuda mútua em relação à
autoconstrução, “el elemento determinante es la autogestión. La ayuda mutua la
potencia indiscutiblemente, pero cuando aparece disociada de aquélla el efecto
cambia y aun puede ser el opuesto: la sobreexplotación del trabajador”.
Então é que a análise de Oliveira – que seminalmente em outros trabalhos
apontou como a autoconstrução imbrica-se funcionalmente à sobrexploração do
trabalhador – parece embaralhar as distinções entre autoconstrução e ajuda mútua,
ou entre o mutirão da tradição popular e o mutirão autogestionário. Igualar esse salto
258
qualitativo dado pela autogestão – como coloca Nahoum – a uma retomada da
tradição popular pode levar a uma conclusão um tanto quanto perigosa, como a
postulação de “que o processo de autoconstrução não deve ser estimulado ou
transformado em política pública” (OLIVEIRA, 2006, p. 67).
Evidente que não se trata de uma questão simples, mas muito matizada. Deve-
se pensar, por exemplo, como as condições de constituição de um conjunto de
políticas públicas conformou-se em suporte ao sistema cooperativo de moradia no
Uruguai, de modo a promover processos de autogestão que permitiram postular a
promoção da ajuda mútua em um patamar qualitativo distinto em relação à
autoconstrução enquanto sobrexploração do trabalhador. E como as condições de
ausência de um apoio estatal robusto, como no caso das experiências de autogestão
habitacional no Rio de Janeiro – sem aporte de recursos estatais ou com dificuldades
para acessá-los, em níveis restritivos, ou, ainda, a partir de uma política fundiária
pouco estruturada, por exemplo – aproximam-na mais da autoconstrução popular do
que da ajuda mútua uruguaia. Porém, se, por um lado, a universalização de “políticas
pobres para pobres” no Brasil, como faz pensar Oliveira, levaria os mutirões
autogeridos a constituir um inferno urbano, por outro, a universalização das
cooperativas de moradia poderia levar à constituição, também, de um inferno, mas
organizado na coletivização forçada da produção habitacional.
Nesse sentido, talvez seja preciso compreender esse “salto qualitativo” que se
constituiu em torno da proposta de ajuda mútua e da autogestão para além do círculo
em que se circunscreveu o projeto político da produção social do habitat, qual seja, o
da promoção de soluções habitacionais. Muitas abordagens analíticas e políticas
públicas tenderam a conceber o cooperativismo de moradia e a autogestão
habitacional apenas por seu lado de produção de moradias e de erradicação do déficit
habitacional.
Esse círculo parece ter circunscrito o sistema uruguaio de cooperativas de
moradia já em seu início. Tal é o dilema que transparece na fala de um cooperativista
pioneiro, refletindo cinco décadas depois de instituída a proposta. Segundo ele, “yo
pienso que las esperanzas que teníamos de contribuir, con un granito de arena, para
que surgiera un ‘hombre nuevo’, todavía no se han cristalizado” (Sócio A, COVIMT 2,
AM1)D. Em torno desse “homem novo” é que parecia se formar um horizonte político
259
mais amplo para o cooperativismo de moradia, que se consubstanciaria, seguindo
esse depoimento, na autogestão de outras esferas do espaço urbano. Como o mesmo
continua, “hicimos las viviendas, después no nos podemos proyectar en otra cosa,
conseguir nuevos objetivos, preocuparnos por la calidad del barrio. Yo que sé, si las
escuelas funcionan” (Sócio A, COVIMT 2, AM1)E.
Dessa maneira é que tais cooperativistas pioneiros tenderam a se encerrar
nesse círculo da produção social do habitat enquanto solução habitacional. Como
coloca outro sócio da mesma cooperativa, “nosotros acá cometimos un error
grandísimo, el más grande que tuvimos nosotros, acá en la cooperativa. Nosotros le
dimos prioridad a la obra, dijimos ‘necesitamos casa’” (Sócio B, COVIMT 2, AM1). O
projeto cooperativo assim se delimitou àquele círculo, onde “nosotros lo que
transmitíamos en aquel momento era ‘hay que hacer casa, hay que hacer casa, cuanto
más casa, la gente precisa de casa’” (Sócio B, COVIMT 2, AM1)F.
Para além das lamentações, é possível compreender como se constituiu essa
configuração dos “fazedores de casa” que se apresenta como uma armadilha sempre
perigosa para os projetos de produção social do habitat. Pois era necessário que o
sistema provasse ser eficiente, de modo a garantir sua continuidade e legitimidade.
Como expressa bem esse dilema a assertiva de outro sócio da mesma cooperativa
pioneira, era “difícil creer que podía ser cierto llegar a esto. En aquel momento era una
utopía, podemos decir” (Sócio B, COVIMT 2, AM1)G. Pois justamente a iniciativa
pioneira os colocava sem referência alguma, e tinham que realizá-la da melhor
maneira possível. O ineditismo do cooperativismo uruguaio de moradia, sua utopia,
em certo sentido os colocava em uma armadilha, visto que “en Sudamérica no había
ningún país que tuviera cooperativas de viviendas por ayuda mutua. No pudimos ir a
preguntarle a nadie [...] cómo fue, cómo se hizo, cómo puede ser, qué es lo que
necesitamos. [...] Por eso cometimos lo error que dice el compañero” (Sócio C,
COVIMT 2, AM1)H. Esse erro se consubstanciou em fechar a utopia ao caráter
unidimensional da solução habitacional enquanto projeto político de produção social
do habitat.
Substituir essa perspectiva em alguma medida permite compreender, por
exemplo, as experiências de autogestão habitacional no Rio de Janeiro sob um outro
prisma. Para além de uma produção do ambiente urbano que se expressou em uma
260
escala diminuta ou um padrão arquitetônico pouco inovador, pode-se pensá-las a
partir de um contexto mais amplo do que a promoção de soluções habitacionais. Como
analisado em algumas dimensões, no caso do Rio de Janeiro a referência ao sistema
uruguaio se deparou com uma constelação de questões distintas. A favela enquanto
suporte urbano da precariedade, por exemplo, era uma questão diferente da
constituição urbana montevideana oriunda de uma arquitetura do bem-estar que forjou
um país integrado. Assim é que pensar a autogestão habitacional no Rio de Janeiro,
por outros enfoques, permitiu captar os momentos da dimensão política desse
conjunto de experiências.
Pensar os momentos dessa dimensão procurou seguir a proposta de
compreensão da “política” segundo as reflexões do filósofo Jacques Rancière (1996).
Como posto na seção introdutória, a política, segundo Rancière, é compreendida
enquanto a instauração do dano, pela parcela dos sem-parcela, na divisão do
sensível, da riqueza de uma sociedade. A partir de diversas práticas e concepções
que pareceriam mecanismos comuns de produção de uma solução habitacional, a
dimensão da política pode ser iluminada. Esses momentos estão lá na autogestão da
compra de insumos da construção, por exemplo, que pode ser lida como a busca por
autonomia em um cenário de mando e subjugação política – tão característico da
história do associativismo popular no Rio de Janeiro.
Assim é que a análise até aqui não encerra conclusões, mas marca alguns
pontos delimitadores de seu campo de reflexão. Nesse sentido é que privilegia a
dimensão da “política” em detrimento da “polícia”, seguindo Rancière. Pois esta última
é compreendida enquanto aquele “conjunto dos processos pelos quais se operam a
agregação e o consentimento das coletividades, a organização dos poderes, a
distribuição dos lugares e funções e os sistemas de legitimação dessa distribuição”
(RANCIÈRE, 1996, p. 41). Procurou-se, desse modo, indicar caminhos que iluminem
os momentos (raros) de emergência do dano, do ruído, em detrimento daqueles de
formação de consentimentos e de organizações de poderes (da “polícia”) envolvendo
o projeto político da produção social do habitat.
Trata-se, portanto, de uma abordagem distinta da “biopolítica”, por exemplo,
oriunda dos escritos de Michel Foucault. Como o próprio Rancière coloca, a biopolítica
foi introduzida “como diferença específica nas práticas do poder e nos efeitos de
261
poder, na maneira como o poder opera nos efeitos de individualização dos corpos e
na socialização das populações” (RANCIÈRE, 2010, p. 76). Pois Foucault se ocupou
da questão do “poder”, e a questão da política é outra, segundo Rancière. Para ele,
“a questão da política começa onde o que está em questão é o status do sujeito apto
de se ocupar com a comunidade” (RANCIÈRE, 2010, p. 76).
Dessa perspectiva se procurou traçar uma análise que não se submete à pura
governamentalidade, no sentido do que é desenvolvido na análise de Laval e Dardot
(2013), por exemplo, sobre a proeminência da governamentalidade a partir da
predominância de uma razão neoliberal de mundo. Pois é interessante observar como
os autores – assim como em muitos momentos na obra de Foucault – encerram sua
análise como se procurando a política, depois da governamentalidade ter dominado
tudo. Ao final de uma densa abordagem, os autores colocam que “la única pregunta
que en realidad vale la pena plantear es si la izquierda puede oponer una
gubernamentalidad alternativa a la gubernamentalidad neoliberal” (LAVAL; DARDOT,
2013, p. 398).
A essa pergunta crucial os autores a respondem afirmando que o governo dos
homens pode ordenar-se para além de uma maximização do rendimento e da
produção ilimitada, por meio de um governo de si que se abra a outras relações com
os outros. Dessa maneira é que, exemplarmente, “las prácticas de ‘comunización’ del
saber, de asistencia mutua, de trabajo cooperativo, pueden esbozar otra razón del
mundo” (LAVAL; DARDOT, 2013, p. 409). Em diversos sentidos esta pesquisa
intentou percorrer, justamente, alguns experimentos que indicam como a produção
social do habitat tem, há algum tempo, esboçado práticas dessa “outra razão do
mundo” de que falam Laval e Dardot (2013), passando por formas inovadoras de ajuda
mútua, autogestão e de propriedade, por exemplo, para a construção de um ambiente
urbano mais solidário.
262
Tradução dos depoimentos da seção 6
A “e não é comida rápida, também. Isto tem que se degustar. E aí se dá conta se gosta ou não gosta.
Digo, por que se a come rápido, não chega ao gostinho do fundo”.
B “aqui vem muita gente de visita, delegações de estudantes de vários países, todos os anos. Vem por
FUCVAM ou pela Faculdade de Arquitetura, sempre estão chegando ônibus aqui”.
C “nós vemos muitos defeitos, mas vêm de fora e não vêm tanto defeito no modelo”.
D “eu penso que as esperanças que tínhamos de contribuir, com um grãozinho de areia, para que
surgisse um ‘homem novo’, ainda não se há cristalizado”.
E “fizemos as moradias, depois não pudemos nos projetar em outra coisa, conseguir novos objetivos,
nos preocupar pela qualidade do bairro. O que seja, se as escolas funcionam”.
F “nós aqui cometemos um erro grandíssimo, o maior que nós tivemos, aqui na cooperativa. Nós demos
prioridade à obra, dissemos ‘necessitamos casa’. [...] nós o que transmitimos naqueles momento era
‘temos que fazer casa, temos que fazer casa, quanto mais casa, as pessoas precisam de casa’”.
G “difícil acreditar que podia ser certo chegar a isto. Naquele momento era uma utopia, podemos dizer”.
H “na América do Sul não havia nenhum país que tivesse cooperativas de moradias por ajuda mútua.
Não podíamos ir a perguntar a ninguém [...] como foi, como pode ser, o que é que necessitamos. [...]
Por isso cometemos o erro que disse o companheiro”.
263
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281
APÊNDICE A – QUADRO DE COOPERATIVISTAS ENTREVISTADOS EM MONTEVIDÉU
Sigla Nome da cooperativa
Nº de moradias Sistema Período Data da
entrevista Entre-
vistado Cargo de direção
COVICENOVA Cooperativa de
Vivienda Cerro Norte Vanguardia
102 Ajuda Mútua
1º. (1969-1984) 30/08/2016 Sócio A Pioneiro
COVIMT 2 Cooperativa de Viviendas Matriz
Textil 2 43 Ajuda
Mútua 1º.
(1969-1984) 16/09/2016 Sócio A Pioneiro Sócio B Pioneiro Sócio C Pioneiro
MESA 1
Complejo Habitacional Mesa 1
(bairro "Nuevo Amanecer")
420 Ajuda Mútua
1º. (1969-1984) 09/09/2016 Sócio A Pioneiro
COVISUR II Cooperativa de Vivienda Barrio Sur 2 90 Poupança
Prévia 1º.
(1969-1984) 02/09/2016 Sócio A Pioneiro
COMPLEJO BULEVAR
Complexo de 3 cooperativas: AFAF 1,
La Florida e Olimar 332 Poupança
Prévia 1º.
(1969-1984) 13/09/2016 Sócio A Pioneiro/ Federação
COVICIVI Cooperativa de Vivienda Ciudad Vieja 34 Ajuda
Mútua 2º.
(1985-2004) 19/03/2015 Sócio A Comissão Diretiva
COVIATU 18
Cooperativa de Vivienda
Trabajadores Unidos 18 de setiembre
26 Ajuda Mútua
2º. (1985-2004) 03/09/2016
Sócio A Pioneira/ Diretiva
Sócia B Pioneira
COVIFAMI Cooperativa de Vivienda Familiar Nº 1 50 Ajuda
Mútua 2º.
(1985-2004) 10/08/2016 Sócia A Comissão Diretiva
COVIESS 90 II
Cooperativa de Viviendas de
Empleados de la Seguridad Social
1990 II
37 Ajuda Mútua
2º. (1985-2004) 22/08/2016
Sócia A Pioneira/ Diretiva
Sócia B Pioneira
Sócio C Pioneiro
COVIUNPRO Cooperativa de
Viviendas Unión y Progreso
124 Ajuda Mútua
2º. (1985-2004) 08/08/2016
Sócio A Pioneiro/ Tesoureiro
Sócio B Pioneiro/ Diretiva
Sócio C Pioneiro
EL LADRILLO
Cooperativa de Viviendas de Usuarios "EL LADRILLO"
10 Poupança Prévia
2º. (1985-2004) 27/08/2016
Sócio A Pioneiro/ Federação
Sócio B Pioneiro
COVICORDÓN Cooperativa de Viviendas del Cordón 58 Ajuda
Mútua 3º.
(2005-2016) 16/09/2016 Sócia A Pioneira Sócio B Pioneiro
COVICENTELLA Cooperativa de
Vivienda “CO.VI.CENTELLA”
33 Ajuda Mútua
3º. (2005-2016) 10/08/2016
Sócio A Pioneiro
Sócia B Pioneira
COVIUN Cooperativa de Viviendas de Unión 14 Ajuda
Mútua 3º.
(2005-2016) 16/08/2016 Sócia A Pioneira/
Tesoureira
Sócio B Pioneiro/ Fomento
JUCOVIPOSTAL Juventud Cooperativa de Vivienda Postal 50 Ajuda
Mútua 3º.
(2005-2016) 10/08/2016 Sócia A Pioneira/ Diretiva
COVIFAMI II (em construção)
Cooperativa de Vivienda Familiar Nº 2 30 Ajuda
Mútua 3º.
(2005-2016) 23/09/2016 Sócia A Presidente Sócia B Tesoureira
PUERTO FABINI (em construção)
Cooperativa de Viviendas de
Usuarios “Puerto Fabini”
50 Poupança Prévia
3º. (2005-2016) 16/09/2016
Sócia A Pioneira/ Presidente
Sócio B Pioneiro/ Federação
282
APÊNDICE B – SISTEMATIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS EM MONTEVIDÉU
1. Direção de cooperativas de moradia por ajuda mútua
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 1
Cooperativa: COVIUNPRO - Cooperativa de Viviendas Unión y Progreso
Data: 08/08/2016 - 20h
Lugar: Salão Comunal - Blv. Aparicio Saraiva y Leonardo da Vinci
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
124 sócios (76 de 2 dormitórios e 48 de 3 dormitórios).
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação:
Constituição jurídica: 06.09.1970. No começo eram entre 30 a 40 sócios, mas houve uma quebra com a ditadura. Volta em 1985, com poucos sócios originais.
Data de obra: 1992.
Data de término de obra: Agosto de 1995.
Participação na federação. Filiada à FUCVAM desde o início.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Base sindical no início. Na retomada da cooperativa nos anos 1980, se agregam filhos de cooperativistas e vizinhos. Os sócios que participaram da obra eram
principalmente metalúrgicos, mas havia dos ramos da construção, têxtil,
transporte, linha branca (era diverso, não só de um setor). A maioria dos membros tinha trajetória sindical.
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Era um terreno para um projeto do Instituto Nacional de Viviendas
Económias - INVE. Já contava com rede de saneamento.
Acesso ao financiamento:
Financiamento do Banco Hipotecario del Uruguay - BHU em março de 1990, com
duas etapas (diferença de 6 meses entre as etapas.). Total em torno de 3 milhões de dólares. Financiamento de
30 anos. Houve mobilização para conseguir o financiamento, com luta
conjunta com FUCVAM e outras cooperativas. Nos anos 1970 houve
problema com um tesoureiro, que levou dinheiro da cooperativa.
Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT. Não se lembram como escolheram. Mas
o trabalho social foi contratado pela cooperativa.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
Houve certo desacordo com início da obra começando com o salão comunal,
que começou a ser feito antes do financiamento e assim não poderia ser
pago ao IAT antecipadamente.
283
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 1
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Pré-obra (1990) com construção de almoxarifado, salão comunal e creche,
com recursos próprios (76 horas de ajuda mútua por sócio). Obra com 12
hora de ajuda mútua semanal, principalmente nos fins de semana
(regulamento de 9h para o homem e 3h para a mulher). No auge da obra havia
70 trabalhadores contratados. Se comprou uma carpintaria, que foi
instalada na obra (havia sócios que eram especialistas em carpintaria).
Grupo de elétrica com 7 cooperativista (pouparam muito investimento com
isso). Muitas coisas se compravam em conjunto com outras cooperativas. Havia
acordo com loja de material de construção para fornecimento de
materiais e financiamento de alguns compromissos da cooperativa.
Se houve algum imprevisto na obra
Greve do sindicato da construção, com a paralização de 2 meses dos
trabalhadores contratados (ajuda mútua parou em solidariedade). Várias
expulsões em assembleia por não cumprimento das horas de ajuda mútua.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Ocuparam primeiro as casas e depois terminaram as urbanizações (ruas,
alambrados etc.). Seis meses para obter a individualização da energia elétrica e o
saneamento. Perda de qualidade da militância dos cooperativistas, assim como passa na sociedade em geral,
hoje há um mundo mais individualista (sócios se fecham em suas casas). A
manutenção e ampliação das moradias é uma decisão coletiva (mas há sócios que não as seguem). Obras recentes
graças à organização coletiva: substituição do teto do salão comunal, conserto de rachaduras em algumas
casas. Tem fundo de reserva importante para a cooperativa. Alugam o salão comunal para atividades (aulas de
dança, tae kon do, coral de adultos, festas), com taxas mais baratas para
sócios. Em algum momento se pensou em uma cooperativa de consumo, mas
não houve envolvimento suficiente. Houve algumas obras importantes de ajuda mútua, mas o núcleo de obra trabalho quase 5 vezes mais que os
demais cooperativistas.
284
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 1
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Em alguns momentos tiveram problemas para conseguir novos sócios:
a cota é barata, mas há muitos compromissos com a cooperativa. Hoje tem uma fila de espera. Houve entre 30 a 40 entradas de novos cooperativistas
desde a finalização da obra. Internamente, quando uma moradia de 3 dormitórios está livre, se oferece para
aqueles que vivem numa de 2 dormitórios (sem se pagar a mais), e se oferece a de 2 para os novos sócios. Há
diferença de cota por número de dormitórios.
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Renovação da direção a cada 2 anos e eleições a cada ano. Pode haver 1
reeleição. Dificuldades para renovação da direção (exemplo do caso de
tesouraria). Cotas que o sócio paga: amortização do financiamento,
manutenção e fundo de manutenção. Comissão de obra segue funcionando desde o final da obra até hoje, para a manutenção da cooperativa. Grave problema com um companheiro da
direção passado por questão financeira relativa ao Banco de Previdência Social
- BPS.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Forma valiosa de obter uma moradia pela qualidade e pela experiência (forma
séria e poder coletivo). Talvez não souberam transmitir a experiência aos
mais novos, contagiá-los. Boa qualidade da moradia, de outra forma não
poderiam consegui-la. As cooperativas de moradia são uma coisa e o
movimento cooperativista em geral é outra: não é uma fábrica produtiva, é
uma forma de ter acesso a uma moradia, e nessa perspectiva é muito boa. Há vários sistemas construtivos,
mas o melhor é o cooperativo.
285
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 2
Cooperativa: COVICENTELLA* Data: 10/08/2016 - 20h
Lugar: Salão Comunal de COVICENTELLA
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios: 33 moradias.
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 14/05/2005
Data de obra: Em 01/06/2010 começaram as horas de ajuda mútua.
Data de término de obra:
Inauguração em 20/07/2013. Projeto de 24 meses, levou 40 meses (1 ano
sem pessoal contratado).
Participação na federação. Filiados à FUCVAM.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Acreditam que os fundadores da cooperativa eram colegas de
trabalho. Só 10 famílias atualmente são originais da época de fundação da cooperativa. Nome é referência
ao Club Centella, região do Hipódromo, onde se reuniam.
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
No período de obras também houve mudança de núcleos de famílias.
Hoje estão no número 128 de sócio (consideram que agora está
estável).
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra: Terreno da Carteira de Terras da Intendência de Montevideo.
Acesso ao financiamento:
No ano de 2009 tiveram acesso ao financiamento do MVOTMA.
Outras questões: 4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos. 21 horas de ajuda mútua semanais.
Se houve algum imprevisto na obra
Questão de desgastes foi o controle das horas de ajuda mútua. Quem
não fazia nada era quem mais criticava os demais. 40 meses de
obra por conta de má gestão, não se manejou bem o dinheiro (tem 900 mil pesos de dívida). Não fazem
auditoria da dívida por questão de alto custo.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Integração de cerca de 50% dos membros nas atividades da
cooperativa (são sempre as mesmas pessoas). A utilização do salão
comunal é destinada somente para a cooperativa.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
286
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 2
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Eleições todos os anos (renovação de metade da direção a cada ano). 5 titulares e 5 suplentes. Comissão de
manutenção é encarregada do trabalho para terminar coisas que
ficaram por fazer, dada a questão de falta de dinheiro na obra. Em geral
todas as comissões estão funcionando bem.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
É uma experiência que custa. Mas “construir paredes” é uma
experiência transformadora.
* A entrevista foi realizada junto com outras cooperativas da Comissão Inter-Cooperativa do Bairro Zitarrosa.
287
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 3
Cooperativa: COVIFAMI* Data: 10/08/2016 - 20h
Lugar: Salão Comunal de COVICENTELLA
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação:
Fundação em 1997, se reuniam no salão do sindicato de curtidores de couro. Em 1997
houve um problema com falta de dinheiro da cooperativa (questão entre tesoureiro e
presidente, que depois se foram da cooperativa).
Data de obra: Agosto de 2009 Data de término de obra:
Participação na federação. Filiados à FUCVAM 2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Segunda cooperativa no bairro. Rede de conhecidos.
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra: Terreno da Carteira de Terras da Intendência de Montevideo.
Acesso ao financiamento:
Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Se houve algum imprevisto na obra
Obra passa por distintos momentos: entusiasmo com a outorga do empréstimo e
o início da obra; quando se levantam as primeiras paredes há outro entusiasmo;
depois começa a baixar, vem o cansaço; e aí tem início os conflitos (horários de ajuda
mútua, utilização de ferramentas); o entusiasmo volta quando chega o final da obra; e com o fim da obra se fecham em suas casas. Algumas famílias brigaram e
não se falam mais. 6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
288
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 3
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Boa forma para criar os filhos e a família.
* A entrevista foi realizada junto com outras cooperativas da Comissão Inter-Cooperativa do Bairro Zitarrosa.
289
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 4
Cooperativa: COVIEFE* Data: 10/08/2016 - 20h
Lugar: Salão comunal de COVICENTELLA
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
90 sócios (maior do bairro Zitarrosa) em dois parcelamentos.
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 1998.
Data de obra: 2006.
Data de término de obra:
Terminaram em dezembro de 2008 (planejada para 36 meses, mas
terminaram em 24 meses).
Participação na federação. Filiados à FUCVAM. 2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Passaram muitos sócios pela cooperativa, mais de 500. Atualmente
não há fundadores.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra: Terreno da Carteira de Terras da Intendência de Montevideo.
Acesso ao financiamento:
Outras questões: 4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Em grande parte da obra a ajuda mútua foi de 30 horas semanais (mais as lajes, vigília noturna e assembleias). Fizeram
tarefas de ajuda mútua à noite (o mestre de obras deixava as tarefas
organizadas).
Se houve algum imprevisto na obra
Problema com a gestão do financiamento, devem 11 milhões de
pesos (possivelmente por notas informais emitidas pela direção durante a obra). Problema com um mestre de obra que centralizou todas as funções da cooperativa, influenciando a direção
e deixando problemas construtivos (“não sabia de construção, só tinha
lábia”). 6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
290
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 4
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Todas as comissões estão funcionando bem, com exceção dos fiscais, que
entraram com vontade de trabalhar e agora perderam o ritmo. Problema com
a Comissão Fiscal, quando, p. ex., fazem eventos e não há fiscalização
financeira.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
* A entrevista foi realizada junto com outras cooperativas da Comissão Inter-Cooperativa do Bairro Zitarrosa.
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Perguntas para a direção da cooperativa Dimensões ou aspectos a considerar 5
Cooperativa: COVIFU* Data: 10/08/2016 - 20h
Lugar: Salón Comunal de COVICENTELLA
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios: 39
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação:
Data de obra: 2006. Data de término de obra: 2009.
Participação na federação. Não é filiada à FUCVAM.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra: Terreno da Carteira de Terras da Intendência
de Montevideo. Acesso ao financiamento:
Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Questão de muitas companheiras que
fizeram as horas de ajuda mútua sozinhas.
Se houve algum imprevisto na obra
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
É difícil haver rotação dentro da cooperativa (sócios não aceitam
mudar de moradia). Há caso de pessoa que vive
sozinha em uma casa de 4 dormitórios, por
exemplo. 7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
* A entrevista foi realizada junto com outras cooperativas da Comissão Inter-Cooperativa do Bairro Zitarrosa.
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Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 6
Cooperativa: JUCOVI Postal* Data: 10/08/2016 - 20h
Lugar: Salão Comunal de COVICENTELLA
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios: 50
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: Agosto de 1998.
Data de obra: 2008. 32 meses de obra.
Data de término de obra:
Inauguração em fevereiro de 2011.
Participação na federação. Filiada à FUCVAM.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Fundada por funcionários jovens do Sindicato dos Correios. Na fundação não
era necessário ser funcionário dos Correios, podiam ser familiares e amigos.
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Hoje só restam 3 sócios do núcleo original de fundação. Estão no número 278 de
sócio.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra: Terreno da Carteira de Terras da Intendência de Montevideo.
Acesso ao financiamento:
10 anos esperando o financiamento, saiu em maio de 2008.
Outras questões:
Fizeram um salão precário antes da obra, que se incendiou. Depois fizeram um salão
de blocos, mas esqueceram da porta e janelas. Aí na obra se soube que o salão
não poderia ser naquele lugar e tiveram que fazer outro. Tiveram problemas antes da
obra por problemas envolvendo companheiros da direção, a qual não se
renovava, e os quais não fizeram os trâmites necessários para a regularidade da
cooperativa.
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
Relação foi espetacular. Depois de terminada a obra mantêm contato com o IAT por algumas dúvidas. O único problema foi que fizeram muitas casas de 2 dormitórios
(12). A distribuição das casas foi por antiguidade, e hoje há famílias com 1 filho
em casas de três dormitórios (e não aceitam trocar).
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Tiveram que contratar três peões entre a metade e o final da obra, por problemas com a ajuda mútua. Fizeram tarefas de ajuda mútua à noite (mestre de obras
deixava as tarefas organizadas).
Se houve algum imprevisto na obra
Durante a obra, companheiros que tinham problemas de moradia foram viver no
terreno. Antes da inauguração tiveram que excluir 2 núcleos familiares por que
roubaram horas de ajuda mútua. Houve uma divisão na cooperativa e os dois núcleos entraram na justiça contra a
cooperativa. O problema nas cooperativas é que muitas vezes há confiança nos sócios
que são amigos e familiares, se esquecendo de fiscalizar as funções da direção. Roubou-
se 4 vezes o dinheiro da cooperativa (direções passadas). Também houve casos
de roubos na vigília noturna.
293
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 6
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Fizeram muitas coisas para a cooperativa com ajuda mútua: salão comunal, cercas, melhoras em algumas casas. Houve uma
quebra social na cooperativa dada a exclusão dos dois núcleos familiares ao final da obra. Só depois de 5 anos está voltando a existir alguma participação na gestão da
cooperativa. Desafio na utilização dos salões comunais: agora se utiliza mais para o aluguel para eventos e não há prioridade para as atividades da cooperativa. Limpeza
da cooperativa é paga. E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Questão da cota: hoje pagam por dormitório, mas seria melhor se pagassem todos o mesmo valor, pois seria mais fácil
fazer mudanças de casas no futuro.
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Há rotação na direção, metade se renova a cada dois anos. Fiscais se renovam todos
os anos. Problemas com a tesouraria: houve dois períodos em que os eleitos se foram antes das eleições. Outras comissões que existem foram das estatutárias: Comissão
de Manutenção, Comissão de Salão e Comissão de Socorro. Pagam três fundos além da cota: fundo de socorro, fundo de
manutenção e fundo de fomento.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Sistema dá uma garantia que outros sistemas não proporcionam (p. ex., suporte à dificuldade de pagamento proporcionada
pela propriedade coletiva).
* A entrevista foi realizada junto com outras cooperativas da Comissão Inter-Cooperativa do Bairro Zitarrosa.
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Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 7
Cooperativa: COVIUN – Cooperativa de Viviendas de Unión
Data: 16/08/2016 - 19h
Lugar: COVIUN (Cerrito 740 - Apto. 304 - Ciudad Vieja)
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios: 14 famílias.
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação:
15 de abril de 2001 (hoje não há fundadores morando a cooperativa).
Data de obra: 2009. 8 anos para começar as obras.
Data de término de obra: Término das obras em 2013.
Participação na federação. Filiados à FUCVAM desde o começo. 2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Se sabe que inicialmente a cooperativa era de taxistas (hoje não há mais integrantes
originais). Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Houve várias mudanças de cooperativistas antes e durante a obra (por problemas de
desfinanciamento).
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Inicialmente se buscava um terreno no bairro Unión (por isso o nome da
cooperativa). O terreno atual é da Carteira de Terras da Intendência de Montevideo,
onde antes havia uma fábrica têxtil. Acesso ao financiamento:
Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
Um capítulo à parte. Tiveram um problema com o projeto, que é vertical de 6 andares, o qual durante a obra não se mostrou viável.
Não estava previsto o elevador no financiamento e tiveram que financiá-lo com
recursos próprios (não é barato, e conseguiram um usado de um hotel). O IAT
assessorava muitas cooperativas e não acompanhava a obra com assiduidade.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Foram a primeira cooperativa de ajuda mútua em altura. Tiveram que contratar uma
empresa estrangeiras para fazer a concretagem dos tetos. E como estão na parte histórica da cidade, tiveram muitos
problemas: estava prevista uma fundação de 4 metros, mas no momento de execução
tiveram que fazer de 7 metros, além de serem vizinhos a um edifício de 100 anos,
obrigando a fazer uma fundação diferenciada (mais custosa). 21 horas de ajuda semanal. Contrataram 1 mestre de obras e alguns técnicos de obra. Faziam
vigílias noturna, 1 vez por semana por sócio. As vezes faziam mais de 21 horas de ajuda
mútua por semana.
295
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 7
Se houve algum imprevisto na obra
Relação com os contratados: questão de que os cooperativistas são peões e também
patrões, mas nada grave. Antes da obra pensaram em fazer compras coletivas com FUCVAM, mas com os compromissos de
obra não houve tempo para tanto. Como o projeto é vertical, há 10% a mais de custos na obra. Nunca ocorreu um acidente. Estão a duas quadras do Ministério do Trabalho, que todas as semanas fazia inspeções na obra. 40 dias para receber o dinheiro do financiamento depois da certificação do MVOTMA (brigavam com técnicos do
Ministério e também pediam emprestado de outras cooperativas). A obra ficou parada
por 1 ano (os 6 andares estavam completos, sem janelas) e então metade do grupo saiu
da cooperativa. Houve problemas para integrar os novos sócios (longas
assembleias e falta de ânimo). Conseguiram um empréstimo adicional do Ministério.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Faltaram algumas coisas por terminar no espaço comum. Fizeram um sorteio dos
apartamentos (nenhum é igual, e há 1 de 1 dormitório e os demais são de 2 e 3
dormitórios, todos dúplex). Moraram 1 ano sem elevador.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Não houve a entrada de novos sócios depois de habitada.
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
A cada 2 anos há eleição da direção. Há trâmites burocráticos da cooperativa sempre
presentes: pagamento do financiamento, impostos, balances contábeis, certificado de
regularidade e relação com FUCVAM. Assembleia uma vez por mês para discutir
questões com as comissões: Direção, Fomento, Manutenção e Fiscal. Comissão
de Fomento promove atividades em comum entre os cooperativistas (festas, jantares).
Projetam uma cooperativa de consumo para o futuro (comer em coletivo é mais barato). Tem uma questão sobre o subsídio à cota,
pois já tem um subsídio no segundo empréstimo (segundo FUCVAM, estão num “limbo” de 15 cooperativas sem subsídio).
Não há problemas construtivos graves. Como são poucos, todos os sócios estão
em alguma comissão.
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Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 7
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Uma solução perfeita, não poderia ir ao mercado e conseguir crédito para uma
moradia. Gera amizade durante a obra e convivência quando terminada. Não sabe se
faria outra vez. Agora se contenta muito com o que fizeram. Não teria crédito no
mercado por questão de idade. A cota não parece alta quando comparada com o valor do aluguel na região. Recomendariam para
outras pessoas, mas que conheçam as exigências previamente (não terão vida
social durante a obra, por exemplo). Te faz consciente do que valem as coisas para se
construir uma moradia. Morar na Ciudad Vieja é divino.
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Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 8
Cooperativa: COVIESS 90 II Data: 22/08/2016 - 20h
Lugar: Salão Comunal (Calle Cambay y Campoamor).
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
37 famílias (todos dúplex, 3 casas com dormitório no térreo por problemas de
locomoção dos sócios - todas tem mesma metragem, sendo que as de 2 dormitórios
tem varanda). Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 1990.
Data de obra: 1999.
Data de término de obra:
2001.
Participação na federação. Filiados à FUCVAM.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
A base foi sindical. Origem a partir da unificação de COVISIMA (12 sócios), uma cooperativa do sindicato de medicamentos, com COVIESS (22 sócios), uma cooperativa de trabalhadores do Banco de Previdência Social – BPS. Unificação por questão de
regularidade jurídica necessária para ter o financiamento.
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Dessa base sindical, hoje restam 3 sócios. Quando começou a pré-obra muitos companheiros se foram, houve muita
rotação.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Carteira de Terras da Intendência de Montevidéu (houve oferta de 3 terrenos).
Tem que pagar pelo terreno para a Intendência.
Acesso ao financiamento:
Começaram brigando com o Banco Hipotecário do Uruguai – BHU e, também, com o MVOTMA (“a política marca muito a
disponibilidade de financiamento”). Não houve financiamento para o salão comunal.
Outras questões:
Pré-obra 2 meses antes, que não conta no financiamento. Havia companheiros com problemas de moradia que foram viver no terreno em casas provisórias construídas pela cooperativa. Antes da pré-obra, se o
cooperativista saía da cooperativa não levava seu capital social (por isso não
houve muitas saídas na pré-obra e também proporcionou um capital importante para a
cooperativa)
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
A relação foi muito boa. Tinham um grupo interdisciplinar de assessoria. Cuidavam de
todos os processos do projeto, mas a cooperativa não fez uma boa organização
da documentação da cooperativa.
298
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 8
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
21 horas semanais de ajuda mútua por núcleo familiar, de segunda a domingo.
Maior carga para o homem. Contrataram um mestre de obras e um grupo de contratados.
Não se podia pagar as horas de ajuda mútua com dinheiro. Tiveram grupo de
compras, comissão de trabalho com planilha para controle das horas de ajuda mútua
(contabilidade que pesa no capital social de cada sócio). Não faziam compras com outras cooperativas, mas tinham bons
preços dado o tamanho da obra (outras cooperativas indicavam lojas, as quais já tinham bons preços para cooperativas). Projeto original era de casa sem piso de
cerâmica, mas com a economia nas compras foi possível colocar o piso. Fizeram
um sorteio simbólico prévio para a pintura das casas. Houve sócios que já sabiam fazer trabalhos de obra, o que permitiu
economizar muito.
Se houve algum imprevisto na obra
Houve problemas com um corte no nível de financiamento que poderia ser certificado
pelo MVOTMA conforme o avanço de obra (a cooperativa certificava entre 4 a 5 mil
URs por mês e o Ministério só certificava até 1.700). Os trabalhadores contratados
tiveram que passar para o seguro desemprego e a cooperativa, em conjunto
com FUCVAM, teve que ocupar o Ministério.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Salão comunal construído por ajuda mútua (horas solidárias que não contam no capital
social) e com uma poupança prévia da cooperativa, sendo que o teto foi feito por
trabalho contratado. Sócios são obrigados a aportar 4 horas mensais de ajuda mútua solidária. Houve isolamento nas casas
depois de concluída a obra. O grupo que leva à frente os trabalhos da cooperativa é de 10 a 12 sócios, do total de 37 (“sempre acontece isso nas cooperativas”). Tiveram
problemas de pagamento dos sócios (apesar da cota ser mais barata que um
aluguel na região), mas nunca se expulsou um sócio por isso. Tem problemas
burocráticos com a Intendência (saneamento, por exemplo), já que a obra foi muito intensa (“não existia vida”) e não
se organizou bem os papéis da cooperativa (“se vai aprendendo com os
acontecimentos”). Não podem ter subsídio à cota por que não tem os papéis em dia. Não
há muitos espaços comuns para manutenção. Cooperativa se cercou para o bairro logo depois da inauguração, apesar
de quererem se manter abertos. E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Houve quatro casos de sócios que se foram da cooperativa, mas por vontade própria
(morar no exterior, por exemplo). Em dois casos ficaram os filhos desses sócios.
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Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 8
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Eleições a cada 2 anos. Sempre continua o mesmo grupo de 10 a 12 sócios na direção.
Há assembleias periódicas, mas não há uma participação ativa. Alugam o salão
comunal para os sócios, não o abrem para o bairro. Há previsão de sanções aos sócios
que não participam das atividades da cooperativa, mas não as aplicam.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Tem 4 filhos que vivem em cooperativa e há outros grupos familiares também assim. É
um sistema que exige muito sacrifício (trabalhar e depois fazer ajuda mútua). É diferente do aluguel, se não pode pagar a
cooperativa pode te ajudar. Para o trabalhador a melhor alternativa é o sistema cooperativo. É um sistema muito difícil, mas
há um crescimento pessoal e profissional (há aqueles que conseguem um emprego depois da ajuda mútua). A cooperativa é
uma família, com suas coisas boas e más. É um sistema para trabalhadores, não é para
aqueles com muito capital. Houve uma sócia que, quando começou a obra, viu que não
era um trabalho para ela e se foi da cooperativa.
300
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 9
Cooperativa: COVICENOVA Data: 30/08/2016 - 15h
Lugar: Salão Comunal (Camino Cibils y Pernambuco).
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
102 famílias. 47 de 2 dorm. 47 de 3 dorm. e 8 de 4 dorm. (cota diferente por número de dormitórios, mas há pouca diferença entre
os valores). Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 1973.
Data de obra: 20/01/1981 (foi quando se assinou o financiamento e logo começaram as obras).
Data de término de obra:
22/10/1983.
Participação na federação. Filiada à FUCVAM desde o princípio.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Cooperativa se formou com conhecidos. Na época da fundação houve uma ocupação de
um terreno com mais de 400 pessoas e a polícia não permitiu a saída dos ocupantes por dias. Obs.: a cooperativa é apolítica, há sócios de diversas religiosidades e posições
políticas. Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
O terreno foi comprado de um privado. É hipotecado para o financiamento. Não foi o primeiro terreno ofertado pelo governo da
ditadura, houve outros.
Acesso ao financiamento:
Financiamento do Banco Hipotecário do Uruguai – BHU de 90% do valor e 10% de contrapartida. Tiveram 4 anos de conflito
com o Banco por questão de defasagem da correção das parcelas e da indexação das Unidades Reajustáveis. Tem que pagar 10
anos a mais além dos 25 anos do financiamento. Cota atual é de cerca de 4
mil pesos mensais. Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
Tranquila. Alguma questão com a mobilidade dos pré-fabricados que eram
feitos na fábrica de FUCVAM no bairro do Cerro.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
21 horas semanais de ajuda mútua (mulheres limitadas a 6 horas). Todos os
dias se trabalhava, até nos finais de semana. Também se fazia vigília noturna entre os sócios (das 22h às 6h). Houve jornadas solidárias de FUCVAM, o que adiantou meses de obra. Havia vários sócios que tinham conhecimentos de construção que aportavam na obra
(carpintaria, pedreiros, eletricidade etc.). Faziam licitação para compra de materiais.
Não faziam compras com outras cooperativas. Houve sorteio das unidades
ao final da obra. Se houve algum imprevisto na obra Problema com o mestre de obras.
301
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 9
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
A cooperativa tem comissão juvenil e espaço para diversão dos jovens. Havia
serviço de biblioteca (hoje desativado com o maior acesso à internet). Tem uma
policlínica instalada na cooperativa (espaço construído com ajuda mútua), que atende toda a região. Foi formada há cerca de 20 anos, motivada por problemas de saúde
enfrentados por família de cooperativistas. A administração é do Ministério de Saúde e há
sócias que aportam horas solidárias nos serviços da Policlínica. Tem um armazém,
fazem compras com a organização de trabalho solidário de sócias (surgiu em
2002, com a crise econômica de então). Salão comunal é utilizado para atividades internas, alugado para sócios e também
para fora (na atual gestão se aluga pouco para fora, além de se cobrar um valor mais
baixo para os sócios) e para algumas atividades recreativas, como ginástica (cada
sócio paga 1 UR para a manutenção do salão). O salão também é utilizado por órgãos estatais (eleições, p. ex.) e para
cooperativas em formação. Cooperativa tem empregados (todos remunerados com
direitos sociais): 1 administrativo, 1 vigilante à noite e 1 para manutenção. Recentemente construíram garagens, as quais alugam aos
sócios interessados. Tem oficina com ferramentas para manutenção da
cooperativa.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Há uma lista de espera e se analisa quem tem prioridade. Maior prioridade para os filhos de sócios (pelo menos 10% dos
atuais). Novo sócio pode pagar o capital social em 120 cotas. São 102 sócios e
atualmente estão no número 543. Não há rotação interna, já que a maioria fez
alterações internas na casa. Somente se expulsaram sócios por questão de
pagamento (não por comportamento, p. ex.). Quando o sócio se vai, somente se paga
galpão, churrasqueira e grades.
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Nas assembleias ordinárias (periodicidade de 4 a 6 meses) há multa não justificada (2 UR), mas a aplicação é um “pouco elástica”. Também há assembleias extraordinárias. As
comissões se reúnem quase todas as semanas. A cooperativa é de gente mais
idosa, o que coloca limites para a participação na direção. Há dificuldades
para conseguir a participação de sócios na direção. Tem regulamento de convivência.
Cotas que pagam mensalmente: amortização do financiamento, fomento,
manutenção, administração e gastos comuns (eletricidade, segurança, impostos etc.). A manutenção das casas é feita com
dinheiro da cooperativa. Gastos comuns são baixos, entre 1 mil a 1,4 mil pesos ao mês
por sócio. Nunca se descontinuou a organização da cooperativa em toda sua
existência.
302
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 9
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Recomendam a colegas de trabalho. Na cooperativa são todos um, e quando se
mora em uma casa num bairro não se tem isso. Se ajudam quando há algum problema de saúde, por exemplo, com a arrecadação
de dinheiro para o pagamento da cota. Cooperativismo é bom para a manutenção
da casa e para a segurança, dá tranquilidade. Há casos de pessoas que no início não queriam viver na cooperativa e,
hoje em dia, não querem sair dela. Somente se deixa a cooperativa por força maior. Se
há problema de pagamento da cota, é possível conversar com a cooperativa.
303
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 10
Cooperativa: COVISUNCA 2 Data: 03/09/2016 - 10h
Lugar: Escritório administrativo de COVISUNCA 2 (Camino Carrasco 5383)
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
71 (7 de 1 dorm., 39 de 2 dorm., 21 de 3 dorm., 3 de 4 dorm. e 1 de 5 dorm.)
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 11/02/1971
Data de obra:
Data de término de obra:
Participação na federação. Sim. 2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra: Acesso ao financiamento:
Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Se houve algum imprevisto na obra
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
O salão comunal é administrado pela Comissão de Fomento, que o aluga para
festas e os ganhos servem para se autofinanciar e promover obras para a
cooperativa.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Quando um sócio se retira, apresenta a renúncia à cooperativa e se oferece a
moradia na ordem da lista de espera, dando prioridade para os sócios já existentes que tenham solicitado previamente mudança. Uma vez que há um novo sócio, se faz o convênio de ingresso e egresso. O novo sócio deve cobrir a cota que se paga ao
sócio que egressa. O que ingressa tem que abonar uma entrega inicial aproximada de 30 mil dólares. Ao sócio que egressa se
paga em um prazo máximo de 48 meses, ainda que se faça uma entrega inicial com
base no que pagou inicialmente o sócio que ingressa.
304
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 10
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
O Conselho Diretivo é eleito por maioria dos 71 sócios, sendo composto de Presidente,
Secretário, Tesoureiro e 2 ou 3 vocais. Também há Comissão de Fomento
(Presidente, Secretário e Tesoureiro) e Comissão Fiscal (Presidente, Secretário e Vocal). Todas as decisões passam pelo
Conselho Diretivo. Para temas financeiros (convênios de repactuação de dívida ou
financiamento) assinam Presidente e Tesoureiro. Para os demais temas assinam Presidente e Secretário. Se reúnem todas as segundas às 19h. Agendam os temas a
tratar para seguir uma ordem do dia, mas às vezes a dinâmica da reunião ou os
imprevistos alteram a ordem. Usualmente se tratam temas de problemas edilícios,
convivência, segurança, finanças, gastos em conjunto com a cooperativa vizinha
(COVISALUD) e a organização de bairro. A duração é variável, dependendo da
quantidade de temas a serem tratados. Para as assembleias, notificam-se os sócios 15
dias antes mediante papel e aviso assinado como recebido. Agendam-se aos domingos 8h30 da manhã, os sócios assinam o livro de atas e se trata de seguir a ordem do dia
com temas já antecipados ao sócio mediante notificação. Costumam surgir temas alternativos aos que debatem na
assembleia e outros se orienta a tratar com o Conselho Diretivo na próxima reunião. Quem conduz e apresenta os temas é o
Conselho Diretivo, abrindo-se à participação dos sócios para que opinem e proponham.
Aos sócios que não participem da assembleia e não apresentem justificativa é
cobrada uma multa de 0,5 UR. 8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
305
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 11
Cooperativa: COVIATU 18 (Cooperativa de Vivienda Trabajadores Unidos 18 de setiembre)
Data: 03/09/2016 - 16h Lugar: Salão Comunal (Camino Buffa 2525 - Cerro)
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios: 26 (todas casas de 3 dormitórios)
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 18/09/1992.
Data de obra: 1998.
Data de término de obra:
2000.
Participação na federação. Sim.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Não se lembram como a cooperativa foi formada. Se encontravam em um clube no
bairro do Cerro, antes de comprar o terreno. Há o fato de que a cooperativa se formou a partir da divisão de uma outra cooperativa.
As reuniões eram em FUCVAM. Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Quando os sócios souberam onde era o terreno, quase todos deixaram a cooperativa, restando 2 sócios.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Compraram um terreno de FUCVAM (era de particular, numa época em que FUCVAM
comprou terrenos de particulares). O terreno era um campo, que antes fora um vinhedo.
Em 1997 começaram os trabalhos de preparação do terreno.
Acesso ao financiamento:
Financiamento do Banco Hipotecário do Uruguai – BHU.
Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
Havia uma proposta de construir as casas como dúplex, mas em discussão em
assembleia escolheram fazer em planta baixa.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
21 horas semanais de ajuda mútua por núcleo familiar (sem limite para homem ou
mulher). Três pessoas faziam a vigília noturna todos os dias. Trabalhava-se todos os dias da semana e, também, os finais de
semana. Geralmente não trabalhavam à noite. Um sócio da cooperativa foi
contratado como mestre de obra. Formaram comissão administrativa que, junto com o
tesoureiro, administrava os recursos. Comissão de compras fazia licitação de 3 preços. Não fizeram compras com outras cooperativas (nesse momento não havia outras cooperativas em construção em
Cerro). Faziam uma laje por domingo, no início levava 12 horas, mas depois da
terceira ou quarta já faziam em 5 horas. Fazer as lajes foi a melhor época da obra. A
organização da comida surgia de forma espontânea na obra.
306
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 11
Se houve algum imprevisto na obra
Dificuldades com o saneamento, houve problema na construção com as chuvas que
ocorreram durante muitos dias. Por isso hoje tem problemas construtivos em
algumas casas (rachaduras dadas pelo movimento do terreno). Não houve problema de recursos financeiros.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Fizeram o salão comunal depois de terminada a obra, onde fora o almoxarifado
(salão comunal não estava previsto no financiamento). No projeto original o salão era de 2 andares, formando um complexo esportivo com o campo de futebol à frente. Terminaram as casas no prazo (2 anos), faltando somente o caminho interno e os
muros da cooperativa.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Restam 8 sócios que construíram a cooperativa. As direções passadas não
foram claras com os novos sócios sobre o funcionamento da cooperativa. Há
dificuldade de participação dos novos sócios. Estão construindo uma lista de
espera.
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Sempre existiram as três comissões legais: diretiva, fomento e fiscal. Acabada a obra,
essas três comissões eram ativas. Mas depois houve algumas dificuldades no
núcleo da cooperativa e não ocorreu um funcionamento organizado da cooperativa, incluso um distanciamento em relação à
FUCVAM. A direção atual, nos últimos dois anos, está tentando retomar a organização da cooperativa. Exemplos são a retomada
da utilização do salão comunal (com a construção de banheiros e a compra de geladeira), organização da comissão de manutenção para reparo nas casas (com um aporte recente dos sócios a partir de
uma cota mensal – hoje o sócio faz praticamente toda a manutenção da casa) e
a retomada de relação com FUCVAM (obtendo informações sobre o subsídio, p.
ex.). Toda a direção muda a cada dois anos.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
É a única forma que um trabalhador pode construir sua casa e que pode mantê-la.
Com certeza o maior problema dos trabalhadores é a moradia, mas hoje em dia não há muita difusão da informação sobre a formação de novas cooperativas. Os jovens não conhecem FUCVAM, muitos acreditam
que somente se pode entrar em uma cooperativa habitada e que não é possível formar uma nova cooperativa. Isso é difícil porque tem-se que aportar muito dinheiro
para pagar a cota amortizada de uma cooperativa habitada. A cooperativa dá
segurança.
307
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 12
Cooperativa: Complejo Habitacional Mesa 1 (bairro "Nuevo Amanecer")
Data: 09/09/2016 - 11h
Lugar: Escritório administrativo (Camino Felipe Cardoso)
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
420 (5 cooperativas integram a Mesa 1, número de sócios de cada cooperativa: 155, 118, 63, 54 e 30; e tem casas de 1, 2, 3 e 4
dormitórios). Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação:
As 5 cooperativas são mais ou menos do mesmo ano de 1970.
Data de obra: 1972.
Data de término de obra:
Fevereiro/março de 1975.
Participação na federação. 3 cooperativas estão filiadas e 2 não estão.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
4 cooperativas são de origem sindical (2 de têxteis, 1 de metalúrgicos e 1 de
empregados bancários) e COVICO é de origem territorial. COVICO se juntava em
uma paróquia, queriam fazer uma cooperativa num terreno do bairro, mas na época a empresa não quis vendê-lo (depois de 15 anos a empresa vendeu para outra
cooperativa). Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Entre os anos de 1968 e 1970, COVICO procurava terrenos e não encontrava. Então o IAT propôs integrar a MESA para acessar um terreno grande. Era propriedade privada de uma fábrica de tijolos que funcionava em
frente.
Acesso ao financiamento:
Empréstimo do Banco Hipotecário do Uruguai – BHU. Conseguiram baixar os
juros do financiamento (de 4% para 2%), com mobilização por meio de FUCVAM. Foi
uma redução para todo o sistema cooperativo. Terminaram de pagar em 2001.
Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
308
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 12
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Houve uma poupança prévia mínima e depois o principal foi a ajuda mútua, 21
horas semanais durante 3 anos de obra. Entrevistado trabalhava 8 horas em uma
metalúrgica e depois vinha trabalhar 4 horas na obra. Sistema construtivo é todo pré-fabricado. No espaço que hoje é o salão
comunal havia uma planta de pré-fabricado. O que impulsou a construção da planta foi o
fato de que não havia madeiras no mercado, dada a alta demanda do Plan
Nacional de Vivienda. A planta trabalhava 24 horas por dia e havia turnos noturnos
(quem tinha problemas com aporte de horas de ajuda mútua as fazia na planta).
Trabalhavam sábado e domingo. Todos trabalhavam nas moradias de todas as
cooperativas. Contrataram um mestre de obras geral e 4 por setor, além de outro
para a planta de pré-fabricados.
Se houve algum imprevisto na obra
Depois de terminada a obra tiveram que importar os cabos subterrâneos e os
transformadores para ter energia elétrica (realizaram a importação com FUCVAM, direto da Argentina). Pagaram tudo, mas hoje em dia são da UTE. Durante a obra ficaram sem tijolos, pois havia outros 4
complexos cooperativos em construção e o Plan Nacional de Vivienda. Tiveram que
comprar em Paysandu.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Os gastos comuns são de cerca de 2.000 pesos mensais (considerado barato
comparado com o aluguel de um “ranchito” na região, que é de 12 a 14 mil pesos por
mês). Projeto da moradia já previa o crescimento (teoricamente a cooperativa
deve aprovar a ampliação, mas na prática não ocorre assim – o importante é que se conserve a “imagem” externa da moradia). Se a ampliação está legalizada é integrada
ao capital social. A cooperativa faz a manutenção das instalações elétricas e
sanitárias das casas, o resto é responsabilidade do sócio. O saneamento durante muito tempo foi tratado de forma
coletiva pela cooperativa, depois de muitos anos é que foi construído no bairro. O
aluguel dos espaços de comércio é para a cooperativa, assim como as garagens que
construíram em um terreno vazio da cooperativa, as quais alugam para os
sócios. A vigilância privada é o maior gasto coletivo da cooperativa. Tem policlínica
médica e odontológica, que atende também o bairro (o núcleo familiar da cooperativa
aporta 70 pesos mensais e os do bairro 150 pesos por mês). Há um salão comunal grande e outro pequeno. A Mesa tem 3
empregados (manutenção, administrativo e limpeza) e contratam uma empresa para
serviços de manutenção. COVICO tem um terreno de camping, com 8 dormitórios,
banheiros e churrasqueiras, perto da praia.
309
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 12
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Há uma lista de espera de cada cooperativa. Neste momento só uma
cooperativa tem uma casa livre. A questão é que não gostariam de escolher o novo sócio
somente por questão de capacidade de pagar o capital social, mas sempre ocorre
assim por que a cooperativa necessita pagar o sócio que se vai.
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Cada cooperativa tem sua figura jurídica e sua autonomia para realizar assembleias e organização. Estão fazendo a gestão para
obter a figura jurídica da Mesa 1, como cooperativa de segundo grau (perceberam que estavam perdendo oportunidades no
nível do bairro). Hoje em dia tem um plenário de conselhos de direção, com
participação de presidente e secretário de cada cooperativa, além de uma comissão
administradora, com um integrante de cada cooperativa, encarregada das questões de funcionamento do bairro. As assembleias
são obrigatórias. Há algumas cooperativas que fazem assembleias todos os meses e
outras só uma vez por ano.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Na época que começaram a cooperativa, era a única alternativa para ter uma moradia
digna e com prestações baratas. Hoje também continua assim, apesar de existirem novas alternativas do governo. Para quem
começa hoje, a situação é totalmente diferente, pois é difícil aportar as horas de ajuda mútua (há vários casos em que se paga um pedreiro para fazer as horas de
ajuda mútua).
310
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 13
Cooperativa: COVICORDÓN Data: 23/06/2016 - 15h
Lugar: Carlos Quijano 1970 - Apartamento 406
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios: 58.
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 2000.
Data de obra: 2013.
Data de término de obra:
2016.
Participação na federação. Sim.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Nasceu no bairro do Cordón, eram um grupo de vizinhos.
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Primeiro eram um núcleo de vizinhos. Depois, com o acesso ao terreno, houve a
necessidade de buscar novos sócios. Então a cooperativa se abriu para sócios do
sindicato de trabalhadores de CONAPROLE.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra: Terreno da Carteira de Terras da
Intendência de Montevidéu, por intermédio de FUCVAM.
Acesso ao financiamento:
Demoraram a começar as obras por que o estado não dava financiamento. O
financiamento foi do sistema de franjas, anterior à regulamentação 2008. Foram
notificados da confirmação em 2010.
Outras questões:
Pré-obra com jornadas solidárias para a aprendizagem dos cooperativistas. A
cooperativa fez uma poupança antes das obras, os sócios pagavam uma cota mensal.
Assim avançaram em algumas coisas da pré-obra (como o alojamento para os
contratados). 4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
311
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 13
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Tiveram 21 pessoas contratadas. Faziam 21 horas de ajuda mútua, durante toda a
semana e nos fins de semana. Pagava-se multa se não se podia cumprir as horas.
Mulheres e homens podiam fazer a mesma carga de trabalho (no começo não se pensava assim, mudou-se de posição
posteriormente). Tiveram várias comissões durante a obra, além das exigidas de forma
estatutária, p. ex.: comissão de almoxarifado, de segurança e higiene, de custódia (para fazer a vigilância da obra).
Total de 10 a 11 comissões, o que envolvia quase todos os sócios. Tinham câmeras de
segurança durante a obra. Para as compras, até um limite a comissão de
compras podia fazer sozinha, sendo que acima desse limite era necessário consultar
a assembleia. Tinham um prevencionista contratado. Faziam um informativo mensal (participação voluntária). Contaram com
jornada solidária de FUCVAM.
Se houve algum imprevisto na obra
Problemas inerentes à construção de um edifício em altura construído por ajuda mútua, o que era algo inovador. Alguns
trabalhos em altura não poderiam ser feitos por cooperativistas, somente por
contratados. O teto no quinto andar foi construído por empresa especializada, o
que abaratou os custos e encurtou o tempo de obra. O projeto foi questionado pela
Intendência sobre os materiais dos tetos até o quarto antar, o que implicou maiores custos e tempo de obra. A cooperativa pagou algumas multas por questões de
segurança na obra. Prevista para 2 anos, terminaram em 3 anos.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Tem coisas por fazer na cooperativa, que não terminaram com a obra. Tem salão
comunal. A manutenção dos elevadores é feita pela empresa que os vendeu,
acordaram em contrato. Assim também foi feito com a empresa que construiu o teto do quinto andar. A manutenção dos espaços
comuns ainda não está resolvida. Há várias cooperativas no bairro e se vincularam para
lutar por coisas no bairro dentro do orçamento participativo.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Há uma comissão de ingresso, que faz uma listagem de interessados que é levada para a direção. Depois se fazem entrevistas com os que querem ser sócios. Com o tempo se vê quais pessoas tem o perfil para o sistema
cooperativo de moradia.
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Quando o sócio deixa de pagar a cota por mais de 3 meses sem justificativa é motivo de notificação e depois de expulsão. Assim como não participar de uma comissão para
a qual se foi eleito. Há uma assembleia anual ordinária. Há eleições a cada 2 anos e
é possível somente uma reeleição.
312
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 13
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Claro que há inconvenientes pela falta de experiência ou pela origem diferente dos cooperativistas, mas é uma experiência
muito boa e uma possiblidade de acessar uma moradia para um setor que não poderia
de forma isolada. Optaram pelo sistema para ter uma forma de vida distinta, mais
solidária e comunitária. Trabalhar junto leva a conhecer os demais. Importância da
Federação, não teriam o que tem se não tivessem o apoio de FUCVAM.
313
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 14
Cooperativa: COVIMT 2 Data: 16/06/2016 - 19h
Lugar: Salão Comunal (Camino Repetto 3900)
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios: 43.
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 1968.
Data de obra: 1971.
Data de término de obra: 1973.
Participação na federação. Sim, são fundadores de FUCVAM.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Origem sindical, a partir de trabalhadores de uma fábrica têxtil. Procuraram o IAT. Formou-se um primeiro grupo de cooperativistas
têxteis e depois foi necessário formar um segundo grupo, COVIMT
2. Havia sócios que não eram do setor têxtil, mas da construção, que
ajudaram na obra.
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Mais de 100 companheiros ficaram pelo caminho, não acreditavam no
sistema ou tiveram outras prioridades.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Terreno privado, era uma quinta de uvas. Foi comprado com poupança da própria cooperativa, mas depois
se descontou do financiamento. Acesso ao financiamento: Financiamento do BHU.
Outras questões:
Era difícil entusiasmar os cooperativistas por que o sistema estava começando. Somente se acreditou na proposta quando as
obras começaram. 4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
Tiveram algumas questões, mas que se resolveram com a obra.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Não puderam começar até que houvesse a regulamentação da Lei Nacional de Moradia. Não tiveram
outras experiências para saber como fazer, foram pioneiros. Faziam 25 horas semanais de ajuda mútua
(difícil de cumprir). Um mestre de obras era sócio da cooperativa, foi
bom para a obra. Se houve algum imprevisto na obra
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Momentos difíceis com as medidas de segurança e depois com a
ditadura. Deram prioridade à obra e não trabalharam o tema social com a
cooperativa, foi difícil organizar a convivência depois da obra.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
A maioria dos novos sócios são filhos de cooperativistas.
314
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 14
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Tem as comissões estatutárias, fazem eleições a cada dois anos
com renovação parcial. Comissão de trabalho cuida da manutenção das casas. Custa muito participar de
todas as comissões, são muitas para poucos sócios enquanto uma
cooperativa pequena.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
315
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 15
Cooperativa: COVIFAMI II Data: 23/06/2016 - 20h
Lugar: Alojamento de obra (Continuación Venecia 3179)
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
30 (22 de 2 dorm., 7 de 3 dorm. e 1 de 4 dorm.)
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 1999.
Data de obra: 2014.
Data de término de obra:
Prazo previsto era 22/10/2016, mas a previsão atual é para fevereiro de 2017.
Participação na federação. Sim.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Foi fundada em 1999 e se dissolveu, ficando 2 ou 3 integrantes originais, os quais
retomaram a figura jurídica em 2008. O projeto arquitetônico é da cooperativa
original. Tiveram que buscar integrantes que fossem adequados para o projeto feito. No
começo entravam conhecidos de integrantes, agora tem lista de espera.
Cooperativa atual é composta por núcleos unipessoais, monoparentais com chefia
feminina e núcleos biparentais.
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Houve saídas de sócios quando começou a obra, mais do que se esperava. É difícil conciliar as horas de ajuda mútua com a família e o trabalho. Custo econômico do capital social, hoje em dia com a obra, é
muito grande (300 mil pesos), o que dificulta a entrada de novos sócios.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Carteira de Terra da Intendência de Montevidéu. É um grande terreno com 8
cooperativas (formam um bairro cooperativo).
Acesso ao financiamento:
Foi escriturado em 27/08/2014. Foram contemplados no primeiro sorteio do
MVOTMA. Mas tiveram 1 ano e meio para finalização do projeto executivo e assinatura
do financiamento. Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
Assessoram no nível notarial, jurídico, social, contábil e com o arquiteto de obra.
Fizeram diversas modificações no projeto e o arquiteto foi bem flexível.
316
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 15
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
21 horas semanais por núcleo familiar (podem trabalhar menores com permissão, mas não tem casos assim). Ajuda mútua de segunda à sábado e aos domingos fazem horas solidárias (5 horas). Fazem vigílias
vespertinas (2 sócios) e noturnas (3 sócios). Tem comissões estatutárias (direção,
fomento, fiscal, eleitoral e obras). Comissão de obras trabalha em conjunto com o mestre
de obras e o arquiteto do IAT para planejamento da obra. A comissão de
trabalho controla as horas de ajuda mútua. A comissão de administração está
encarregada do pagamento das compras de materiais e dos contratados. Tem 7
contratados mais o mestre de obras. Tem comissão de segurança e higiene. A
comissão de compras é encarregada de solicitar orçamentos, sendo que a direção é
que escolhe quais realizar. No começo pensavam em fazer compras coletivas com
outras cooperativas do bairro, mas cada uma tem seus tempos e interesses.
Se houve algum imprevisto na obra
Houve um acidente com o mestre de obras, que ficou 2 meses parado, sendo contratado um substituto. Os contratados pararam uma semana em solidariedade aos trabalhadores
em litígio com cooperativa vizinha. Outra questão é que o trabalho na construção é muito rotativo, havendo muitas saídas de
contratados.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
A escolha das moradias será por sorteio, mas podem fazer acertos prévios ou no dia
do sorteio. Cota será distinta segundo o número de dormitórios: para as de dois dormitórios se pagará cerca de 10 mil
pesos, de 3 cerca de 11,5 mil pesos e de 4 em torno de 14 mil pesos. Cotas são altas por que assinaram um financiamento com
5% de juros. Terão salão comunal. E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Fazem assembleias todos os meses, onde se dão informes dos conselhos e se votam
temas do projeto. Eleições a cada dois anos e mudança em toda a direção. Comissão
fiscal é eleita todos os anos.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
O tema da geração de comunidade é muito bom. Deve haver mais formação no tema do
cooperativismo: é diferente um cooperativista que entra depois do processo
de espera pelo financiamento e pelo terreno. São casas de ótima qualidade. Sozinho não se pode construir moradias
com essa qualidade.
317
2. Sócios de cooperativas de moradia por ajuda mútua
Perguntas para o sócio da cooperativa Dimensões ou aspectos a relevar 1
Cooperativa: COVIESS 90 II Data: 29/08/2016 - 20h
Lugar: Salão Comunal (Calle Cambay y Campoamor).
Trajetória antes da cooperativa
1. Onde morou antes da cooperativa (bairros, cidades)?
Trajetória de moradia na cidade. A localização da cooperativa em relação aos lugares onde morou (se a cooperativa é mais central ou periférica).
Casa da sua mãe, bem perto da cooperativa.
2. Quais características tinhas as moradias em que viveu antes? Em que tipos de domicílios morou? (condição da moradia, própria / alugada / cedida, tipo de construção)?
As condições de moradia antes da cooperativa. Relevar o aspecto econômico e construtivo da moradia. A precariedade da moradia e o cooperativismo como mecanismo de garantia da moradia digna.
Humilde, normal.
Se a moradia é mais confortável, ampla, com melhores serviços.
3. Em que estava empregado até a obra da cooperativa? O emprego era formal ou informal? Que tipo de empresa? Funções e lugares?
Origem sócio-laboral do cooperativista de moradia. Relevar a trajetória de trabalho até a cooperativa de moradia (os diversos empregos até a experiência cooperativa). Explorar se houve desemprego ou atividade informal.
Escritório contábil, emprego formal. Fazia trâmites de previdência
social.
4. Antes da obra da cooperativa, era filiado o participava de algum sindicato, grêmio, movimento social ou partido político? Quais?
A atividade política do cooperativista na sociedade civil. Explorar como a participação política tem relação com a cooperativa de moradia (o se não tem relação, quando a cooperativa é somente uma solução de moradia).
Não, nenhum.
5. Antes da obra da cooperativa, participava de alguma forma de cooperativismo: cooperativa de trabalho, de crédito, de consumo ou outra?
A influência da dimensão do cooperativismo em geral para o cooperativista de moradia. Verificar se alguma experiência prévia de cooperativismo influenciou a participação na cooperativa de moradia.
Não.
6. Como conheceu a cooperativa de moradia e seus colegas cooperativistas? Como se inteirou da existência da cooperativa? Quem o convidou a participar? Conhecia anteriormente o modelo de cooperativa de moradia? Por que optar pela ajuda mútua? Conhecia outras opções de cooperativismo de moradia (poupança prévia, proprietários)?
Como o cooperativista chegou, concretamente, ao cooperativismo de moradia. Dimensão de vizinhança ou sindical. Redes de parentesco ou de vizinhos. Se já conhecia o cooperativismo de moradia anteriormente. Ou se o cooperativismo é somente uma modalidade para acessar a moradia. Obstáculos e facilitadores para isso (poupança prévia como obstáculo, possibilidade de constituir parte do capital a partir de aportes em trabalho).
Por estar na zona de influência da cooperativa, por que morava perto, a uma quadra e meia de sua casa. Estava procurando uma solução
habitacional. Conhecia como referência a Mesa 1, que está no
bairro, mas basicamente como um grupo de casas iguais e nada mais
(não sabia como funcionava internamente). Uma tia vivia em
Mesa 1, então sabia muito por cima o que era o trabalho em uma
cooperativa de ajuda mútua. Não conhecia outras modalidades de cooperativismo. Também tentou
acessar um financiamento do Banco Hipotecário do Uruguai, sem
êxito. Trajetória na cooperativa
318
Perguntas para o sócio da cooperativa Dimensões ou aspectos a relevar 1
7. Quais tipos de trabalhos realizou durante a construção da cooperativa? Trabalho de obra (obra pesada, trabalho qualificado etc.), trabalho de administração (compras, provedores, pagamentos, gestão pessoas etc.)?
Especificar os trabalhos que o cooperativista realizou na cooperativa. Se foram trabalhos de obra ou, também, trabalhos administrativos.
Qualquer, o que mandavam. Só fez trabalho de obra.
8. Como avalia o trabalho na cooperativa? Como avalia o trabalho de ajuda mútua? E a gestão da obra?
As dificuldades no aporte da ajuda mútua. E a dimensão de solidariedade da ajuda mútua. O envolvimento do cooperativista na autogestão da obra.
Bem. Não sabia nada, mas colaborava, aprendia, ajudava a um
e a outro, ia colaborando.
9. Quais funções cumpriu ou cumpre na cooperativa (algum cargo de direção, integrante de alguma comissão, delegado junto à federação etc.)?
A participação do cooperativista na organização da cooperativa. Explorar durante a obra e, também, depois da obra, se há um isolamento dos cooperativistas em suas moradias.
Nunca ocupou cargos de direção.
10. Houve algum período de desemprego depois de morar na cooperativa? Isto afetou a participação na cooperativa?
Como a trajetória de trabalho pode afetar o cumprimento das obrigações monetárias e organizativas da vida na cooperativa ou, pelo contrário, habilitar mais tempo de trabalho (em caso de desocupação).
Sim. Entrou na casa em março e em junho foi operado e perdeu a visão. Deixou de trabalhar por 6
anos. Mas a cooperativa tinha uma luta para renegociar o
financiamento, então se pagava o mínimo da cota, o que o ajudou. A
cooperativa também tinha em consideração a sua situação.
11. Depois da experiência na cooperativa de moradia, começou alguma outra experiência cooperativa com colegas da cooperativa de moradia? Por quê?
Se a experiência na cooperativa pode impulsar outras atividades cooperativas. Se houve maior solidariedade com os colegas cooperativistas para começar outras atividades cooperativas. Motivos para começar outras formas de cooperativismo.
Não.
12. Avaliação da experiência: Recomendaria a seus amigos ou parentes integrar-se a uma cooperativa de moradia? Por quê?
Valoração subjetiva da experiência (positiva ou negativa), fundamentos para a valoração.
Recomenda aos amigos, que não é um sistema instantâneo, mas que pode proporcionar uma moradia
digna. Modo de conhecer as pessoas com quem se vai conviver. Aprende-se muito, por exemplo a
solidariedade no trabalho de ajuda mútua, nas mobilizações pré-obra e
depois quando se vive.
319
Perguntas para o sócio da cooperativa Dimensões ou aspectos a relevar 2
Cooperativa: COVIESS 90 II Data: 29/08/2016 - 20h
Lugar: Salão Comunal (Calle Cambay y Campoamor).
Trajetória antes da cooperativa
1. Onde morou antes da cooperativa (bairros, cidades)?
Trajetória de moradia na cidade. A localização da cooperativa em relação aos lugares onde morou (se a cooperativa é mais central ou periférica).
De aluguel em casas localizadas em Malvín, Malvín Norte, La
Comercial e depois construiu uma casa de blocos e chapa num
terreno ao lado da cooperativa.
2. Quais características tinhas as moradias em que viveu antes? Em que tipos de domicílios morou? (condição da moradia, própria / alugada / cedida, tipo de construção)?
As condições de moradia antes da cooperativa. Relevar o aspecto econômico e construtivo da moradia. A precariedade da moradia e o cooperativismo como mecanismo de garantia da moradia digna.
Aluguel em diversas casas. E autoconstrução de casa de blocos
e chapa.
Se a moradia é mais confortável, ampla, com melhores serviços.
3. Em que estava empregado até a obra da cooperativa? O emprego era formal ou informal? Que tipo de empresa? Funções e lugares?
Origem sócio-laboral do cooperativista de moradia. Relevar a trajetória de trabalho até a cooperativa de moradia (os diversos empregos até a experiência cooperativa). Explorar se houve desemprego ou atividade informal.
Em Automobil Club de Uruguay, fazia manutenção do edifício.
4. Antes da obra da cooperativa, era filiado o participava de algum sindicato, grêmio, movimento social ou partido político? Quais?
A atividade política do cooperativista na sociedade civil. Explorar como a participação política tem relação com a cooperativa de moradia (o se não tem relação, quando a cooperativa é somente uma solução de moradia).
Não.
5. Antes da obra da cooperativa, participava de alguma forma de cooperativismo: cooperativa de trabalho, de crédito, de consumo ou outra?
A influência da dimensão do cooperativismo em geral para o cooperativista de moradia. Verificar se alguma experiência prévia de cooperativismo influenciou a participação na cooperativa de moradia.
Não.
6. Como conheceu a cooperativa de moradia e seus colegas cooperativistas? Como se inteirou da existência da cooperativa? Quem o convidou a participar? Conhecia anteriormente o modelo de cooperativa de vivenda? Por que optar pela ajuda mútua? Conhecia outras opções de cooperativismo de moradia (poupança prévia, proprietários)?
Como o cooperativista chegou, concretamente, ao cooperativismo de moradia. Dimensão de vizinhança ou sindical. Redes de parentesco ou de vizinhos. Se já conhecia o cooperativismo de moradia anteriormente. Ou se o cooperativismo é somente uma modalidade para acessar a moradia. Obstáculos e facilitadores para isso (poupança prévia como obstáculo, possibilidade de constituir parte do capital a partir de aportes em trabalho).
Conhecia o cooperativismo de moradia, mas nunca se havia
aproximado. Um amigo comentou sobre a cooperativa com uma
prima e sua esposa. Estava casado e não se decidiram. Mudaram para uma casa e os vizinhos estavam em uma cooperativa. Um dia os
levaram para a cooperativa e começaram a participar. Tinha uma
poupança no Banco Hipotecário, mas houve uma mudança para um
emprego em piores condições e uma hepatite o deixou 5 meses de cama, o que o obrigou a sacar o
dinheiro da poupança. O cooperativismo de moradia foi a
única solução possível.
320
Trajetória na cooperativa 7. Quais tipos de trabalhos realizou durante a construção da cooperativa? Trabalho de obra (obra pesada, trabalho qualificado etc.), trabalho de administração (compras, provedores, pagamentos, gestão pessoas etc.)?
Especificar os trabalhos que o cooperativista realizou na cooperativa. Se foram trabalhos de obra ou, também, trabalhos administrativos.
Sanitária, um pouco de eletricidade e ajudava
quando se fazia estrutura de ferro.
8. Como avalia o trabalho na cooperativa? Como avalia o trabalho de ajuda mútua? E a gestão da obra?
As dificuldades no aporte da ajuda mútua. E a dimensão de solidariedade da ajuda mútua. O envolvimento do cooperativista na autogestão da obra.
Não foi pesado. Era possível trabalhar e fazer as horas de ajuda mútua. Não fazia ajuda
mútua todos os dias da semana nem todos os fins de
semana. 9. Quais funções cumpriu ou cumpre na cooperativa (algum cargo de direção, integrante de alguma comissão, delegado junto à federação etc.)?
A participação do cooperativista na organização da cooperativa. Explorar durante a obra e, também, depois da obra, se há um isolamento dos cooperativistas em suas moradias.
Nunca integrou cargos de direção.
10. Houve algum período de desemprego depois de morar na cooperativa? Isto afetou a participação na cooperativa?
Como a trajetória de trabalho pode afetar o cumprimento das obrigações monetárias e organizativas da vida na cooperativa ou, pelo contrário, habilitar mais tempo de trabalho (em caso de desocupação).
Sempre trabalhando.
11. Depois da experiência na cooperativa de moradia, começou alguma outra experiência cooperativa com colegas da cooperativa de moradia? Por quê?
Se a experiência na cooperativa pode impulsar outras atividades cooperativas. Se houve maior solidariedade com os colegas cooperativistas para começar outras atividades cooperativas. Motivos para começar outras formas de cooperativismo.
Não.
12. Avaliação da experiência: Recomendaria a seus amigos ou parentes integrar-se a uma cooperativa de moradia? Por quê?
Valoração subjetiva da experiência (positiva ou negativa), fundamentos para a valoração.
Nunca pensou ter o que tem. Absolutamente recomendaria a experiência. Tem uma irmã
em outra cooperativa em construção.
321
Perguntas para o sócio da cooperativa
Dimensões ou aspectos a relevar r 3
Cooperativa: COVICENOVA Data: 30/08/2016 - 15h
Lugar: Salão Comunal (Camino Cibils y Pernambuco).
Trajetória antes da cooperativa
1. Onde morou antes da cooperativa (bairros, cidades)?
Trajetória de moradia na cidade. A localização da cooperativa em relação aos lugares onde morou (se a cooperativa é mais central ou periférica).
Na casa de seus pais (no bairro de Cerro, a 6 quadras da cooperativa).
2. Quais características tinhas as moradias em que viveu antes? Em que tipos de domicílios morou? (condição da moradia, própria / alugada / cedida, tipo de construção)?
As condições de moradia antes da cooperativa. Relevar o aspecto econômico e construtivo da moradia. A precariedade da moradia e o cooperativismo como mecanismo de garantia da moradia digna.
Própria, dos pais, mas era pequena (morava com suas irmãs e cunhado).
Se a moradia é mais confortável, ampla, com melhores serviços.
3. Em que estava empregado até a obra da cooperativa? O emprego era formal ou informal? Que tipo de empresa? Funções e lugares?
Origem sócio-laboral do cooperativista de moradia. Relevar a trajetória de trabalho até a cooperativa de moradia (os diversos empregos até a experiência cooperativa). Explorar se houve desemprego ou atividade informal.
Em casa de família e também trabalhou 10 anos no ensino primário.
4. Antes da obra da cooperativa, era filiado o participava de algum sindicato, grêmio, movimento social ou partido político? Quais?
A atividade política do cooperativista na sociedade civil. Explorar como a participação política tem relação com a cooperativa de moradia (o se não tem relação, quando a cooperativa é somente uma solução de moradia).
Não.
5. Antes da obra da cooperativa, participava de alguma forma de cooperativismo: cooperativa de trabalho, de crédito, de consumo ou outra?
A influência da dimensão do cooperativismo em geral para o cooperativista de moradia. Verificar se alguma experiência prévia de cooperativismo influenciou a participação na cooperativa de moradia.
Não, foi a primeira vez.
6. Como conheceu a cooperativa de moradia e seus colegas cooperativistas? Como se inteirou da existência da cooperativa? Quem o convidou a participar? Conhecia anteriormente o modelo de cooperativa de moradia? Por que optar pela ajuda mútua? Conhecia outras opções de cooperativismo de moradia (poupança prévia, proprietários)?
Como o cooperativista chegou, concretamente, ao cooperativismo de moradia. Dimensão de vizinhança ou sindical. Redes de parentesco ou de vizinhos. Se já conhecia o cooperativismo de moradia anteriormente. Ou se o cooperativismo é somente uma modalidade para acessar a moradia. Obstáculos e facilitadores para isso (poupança prévia como obstáculo, possibilidade de constituir parte do capital a partir de aportes em trabalho).
Por que vivia perto da cooperativa. O marido não queria participar, foi ela
quem o incentivou. Não tinha o dinheiro para o capital social inicial, então pediu para seus patrões. Não
conhecia o cooperativismo de moradia nem outras modalidades, aprendeu na
cooperativa.
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Trajetória na cooperativa 7. Quais tipos de trabalhos realizou durante a construção da cooperativa? Trabalho de obra (obra pesada, trabalho qualificado etc.), trabalho de administração (compras, provedores, pagamentos, gestão pessoas etc.)?
Especificar os trabalhos que o cooperativista realizou na cooperativa. Se foram trabalhos de obra ou, também, trabalhos administrativos.
O esposo foi quem trabalhou, fazia o que mandavam, não tinha
conhecimento de construção (trabalhava no Correio).
8. Como avalia o trabalho na cooperativa? Como avalia o trabalho de ajuda mútua? E a gestão da obra?
As dificuldades no aporte da ajuda mútua. E a dimensão de solidariedade da ajuda mútua. O envolvimento do cooperativista na autogestão da obra.
Podia ir todos os dias, para as 4 horas de ajuda mútua. O esposo tinha um
medo de problema com a coluna, mas não houve problemas.
9. Quais funções cumpriu ou cumpre na cooperativa (algum cargo de direção, integrante de alguma comissão, delegado junto à federação etc.)?
A participação do cooperativista na organização da cooperativa. Explorar durante a obra e, também, depois da obra, se há um isolamento dos cooperativistas em suas moradias.
Sempre participou de alguma comissão.
10. Houve algum período de desemprego depois de morar na cooperativa? Isto afetou a participação na cooperativa?
Como a trajetória de trabalho pode afetar o cumprimento das obrigações monetárias e organizativas da vida na cooperativa ou, pelo contrário, habilitar mais tempo de trabalho (em caso de desocupação).
Sempre trabalhando.
11. Depois da experiência na cooperativa de moradia, começou alguma outra experiência cooperativa com colegas da cooperativa de moradia? Por quê?
Se a experiência na cooperativa pode impulsar outras atividades cooperativas. Se houve maior solidariedade com os colegas cooperativistas para começar outras atividades cooperativas. Motivos para começar outras formas de cooperativismo.
Não.
12. Avaliação da experiência: Recomendaria a seus amigos ou parentes integrar-se a uma cooperativa de moradia? Por quê?
Valoração subjetiva da experiência (positiva ou negativa), fundamentos para a valoração.
Sim, é preciosa união das pessoas, principalmente quando se começa a
viver. E a segurança é um fator importante.
323
3. Direção de cooperativas de moradia por poupança prévia
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a relevar 1
Cooperativa: El Ladrillo Data: 27/08/2016 - 09h
Lugar: Pedro Cosio 2123
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
10 (duplex, todas as casas tem a mesma dimensão, abaixo são iguais e acima há um
quarto fixo e se subdivide o restante com painéis leves).
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 1990
Data de obra: 1994
Data de término de obra:
1996
Participação na federação.
Desde o começo, se formou dentro de um impulso de FECOVI (junto com a
cooperativa CARRETA e outra em Paysandu).
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Filhos de cooperativistas do Complejo Bulevar, que se reuniam nos anos 1980
(importância da transmissão do cooperativismo de moradia aos filhos de cooperativistas). Uma trabalhadora social que vivia no Complejo e era de FECOVI começou a trabalhar com o grupo para
organizar a cooperativa.
Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Inicialmente era um grupo de 50 pessoas. Mas quando se começou a procurar o terreno, o grupo ficou com 7 membros,
sendo complementado posteriormente por 3 da Alianza de la Juventud Católica.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Compraram de um particular. Outros membros do grupo tentaram procurar em outros bairros, não queriam no lugar atual (preferiam próximo ao Complejo Bulevar).
Ficaram somente 7 membros que pagaram 50% do valor e tiveram que buscar
rapidamente outros 3 membros para terminar de pagar a segunda metade (em
30 dias).
Acesso ao financiamento:
Fora do sistema “governamental”. Com créditos do banco cooperativo COFAC e
com fundo de garantia do Centro Cooperativo Sueco. Financiamento original
de 15 anos, mas o estenderam para 20 anos. 20 mil dólares por habitação (na
época o BHU emprestava 3 vezes mais). Havia uma poupança prévia importante da
cooperativa, superando os 15% (15 mil dólares por moradia). Cota de 200 dólares
mensais. Outras questões:
324
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a relevar 1
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Não contrataram um IAT (diferente do que pede a lei). Contrataram serviços,
principalmente o arquitetônico. Outros serviços (trabalho social, advocacia,
contabilidade) contrataram junto à FECOVI (pagavam uma cota mensal). COFAC só
pedia um arquiteto e tinham uma que acompanhava a obra (atual ministra do
MVOTMA). Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Como são um grupo pequeno, a comissão de direção fazia toda a gestão de obra e estavam praticamente o tempo todo em
assembleia permanente. Tinham a vantagem de que todos viviam juntos no
Complejo Bulevar.
Se houve algum imprevisto na obra.
Obra prevista para 12 meses, mas durou 18. Não há um sistema puro (poupança prévia X
ajuda mútua): o financiamento era muito pequeno, tiveram um problema com a
empresa e fizeram ajuda mútua no último terço de obra, além de outras tarefas
durante a obra.
A contratação da empresa construtora e a gestão do contrato.
Contrataram uma pequena empresa para os trabalhos de construção e os outros serviços
a cooperativa contratou por si (sanitária, elétrica). As compras de materiais eram
realizadas pela cooperativa.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Há um fundo que é utilizado para a manutenção das moradias (todos os
problemas da casa são resolvidos com recursos da cooperativa). Houve um
isolamento dos sócios depois da obra (não há mais um “objetivo comum”), custou muito
voltar a ter um trabalho coletivo. Estão organizando a construção do salão
comunal. A cooperativa nunca deixou de pagar o financiamento, mas houve alguns
problemas pontuais de pagamento por parte de alguns sócios.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Do grupo original restaram somente 3 dos 10 que começaram a morar na cooperativa.
A entrada de novos sócios gera certos problemas de integração na cooperativa (às
vezes não se integram ao grupo).
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
325
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a relevar 1
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Experiência superinteressante, recomendável. Para as pessoas que
necessitam de uma moradia e tenham dinheiro, ou pouco dinheiro, para se chegar
a uma moradia com poucos recursos. A experiência coletiva é importante, para juntar pessoas que tem um problema comum. Importância da transmissão
intergeracional de uma experiência, é exitosa e replicável. Dificuldades de
organização e relacionamento para gerir a obra em um grupo pequeno (não
recomendam formar uma cooperativa pequena, os problemas se personalizam).
326
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 2
Cooperativa: COVISUR 2 Data: 02/09/2016 - 19h
Lugar:
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios:
90 apartamentos (15 andares de 6 apartamentos cada, de 1, 2 e 3 dormitórios,
sendo que os de 3 tem dois banheiros). Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 1973.
Data de obra: 1981
Data de término de obra: 1983.
Participação na federação. Sim.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
É uma cooperativa junto com outras 3 que formam a cooperativa matriz e que
construíram 5 edifícios. Formou-se a partir de um movimento de bairro. Havia um
grupo de pessoas vinculadas aos militares e ao Partido Colorado, que foram fazendo
contatos para desenvolver o projeto. Depois vieram pessoas da companhia de
gás, do banco de seguros, de outros bairros, militares e aposentados, formando-
se grupos nas 4 cooperativas. Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra: Os quinze por cento de poupança prévia foram utilizados para a compra do terreno.
Acesso ao financiamento:
Financiamento do BHU de 25 anos. Houve dificuldades com a Unidade Reajustável,
cujo reajuste fez o empréstimo impossível de ser pago. No ano de 1987 houve um
refinanciamento, baixando-se a cota mensal e passando o financiamento de 25 para 30 anos. No ano de 2002, com a crise econômica, houve a diminuição de 50% da cota. Tem mais 5 anos de pagamento do
financiamento. Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT. A ditadura escolheu toda a equipe.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
A obra foi horrível, já que não podiam intervir em nada. O governo da ditadura
fazia tudo, só podiam ver a obra aos domingos. Não eram consultados para nada. A equipe assessora fazia o que
queria. A gestão era feita sem participação dos sócios (p. ex. os técnicos escolhidos
pelos militares compravam os materiais de construção onde queriam). Os sócios
escolheram poucas coisas: os armários, as fechaduras das portas, os tacos.
327
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 2
Se houve algum imprevisto na obra.
Tiveram problemas construtivos depois da entrega, com a fachada e o banheiro,
dentre outros. Reclamaram, entraram na justiça contra a empresa e o arquiteto
responsável e ganharam a causa. Mas a responsabilidade ainda era do BHU,
fizeram os trâmites necessários junto ao banco e passou o tempo e não houve
solução dos problemas.
A contratação da empresa construtora e a gestão do contrato.
Foi escolhida pela equipe assessora, a qual foi indicada pela ditadura.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Tem as comissões previstas legalmente. No começo eram bem ativas, faziam
atividades integradoras (exposições de artesanatos, de comidas, de pinturas etc.),
tiveram um princípio de cooperativa de consumo (compravam à granel, mas era
muito trabalho para pouca gente), ministravam aulas (de saúde, animação
cardiorrespiratória), concertos, projetavam filmes e tinham biblioteca. Mas hoje está
mais difícil, principalmente com a internet. A manutenção interna dos apartamentos é
de responsabilidade do sócio (como em qualquer edifício). Contratam os serviços
para a manutenção do prédio.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
Hoje há menos mudança, houve uma temporada em que ocorreu mais. O sócio
que sai deixa 10% da cota para a cooperativa. Assim, sempre tiveram fundos para a cooperativa. Antes a cooperativa era responsável por buscar o novo sócio, hoje
é o sócio que sai quem traz o novo (a cooperativa faz uma pequena entrevista
com o novo sócio). Hoje é difícil conseguir um novo sócio, já que não é fácil encontrar uma pessoa que tenha dinheiro para pagar
à vista a cota do sócio antigo (o acerto é particular, não há intervenção da
cooperativa).
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Há uma assembleia todos os anos e, depois, 1 ou 2 assembleias extraordinárias, conforme a necessidade. A participação é
obrigatória, senão há multa.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
É muito bom para quem tem baixos salários. O preço da unidade de moradia é
mais baixo que uma de propriedade privada. Também estão exonerados de alguns impostos (como a contribuição
imobiliária). O cooperativismo fomenta a integração (com espaços comuns,
churrasqueira etc.). Seria interessante integrar os espaços de direção e não se
fechar em casa. É importante a participação, mas não se está estimulando
muito.
328
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 3
Cooperativa: Complejo Bulevar Data: 13/09/2106 - 15h30
Lugar: FECOVI
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios: 332 em 18 torres.
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 1970.
Data de obra: 1972.
Data de término de obra:
1974.
Participação na federação. Sim.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
São três cooperativas: AFAF 1 com funcionários de um banco de previdência social estatal, Olimar com bancários e La
Florida com sócios de vários bairros. Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Terreno era do serviço militar e houve um acordo entre o Ministério da Defesa e a
Cúria Católica para a troca com um seminário em Toledo. O IAT assessor
tinha certa afinidade com a Igreja Católica, a qual vendeu o terreno para as
cooperativas. A única exigência foi deixar um pedaço do terreno para um local
sacerdotal. Acesso ao financiamento: Banco Hipotecário do Uruguai - BHU.
Outras questões: 4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Se houve algum imprevisto na obra.
Houve um problema como o encanamento dos banheiros depois de 2 anos de
terminada a obra. Foi um problema de falta de acompanhamento da obra feita pela empresa construtora. Durante 20 anos
ficaram consertando os banheiros. Entraram na justiça contra a empresa e
ganharam, mas o dinheiro recebido não foi suficiente.
A contratação da empresa construtora e a gestão do contrato.
Contratou-se uma empresa para fazer toda a obra (de porte grande). A cooperativa
tinha alguns representantes que acompanhavam as atividades da empresa.
329
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 3
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Há a distribuição de todos os sócios das três cooperativas entre todas os
apartamentos do Complexo. Em teoria deve-se pedir permissão para fazer
modificações internas (cooperativa tem arquiteto para fornecer orientações). Mas há gente que não procede assim. Tem um
salão comunal grande e mais alguns de tamanho pequeno. Nos primeiros anos
faziam “multiatividades”, com a organização de 4 ou 5 grupos para o desenvolvimento de diversos tipos de
campeonatos.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
A cooperativa faz uma chamada interna e outra externa para a entrada de novos sócios. A prioridade é para os sócios
internos. O problema é que se exige todo o dinheiro do capital social à vista para
aquele que entra. Hoje em dia os filhos de cooperativistas do Complexo estão
voltando, principalmente depois de casar, mas tem justamente tal problema de
aportar o dinheiro para o capital social. E, muitas vezes, os que tem o dinheiro não
tem a formação cooperativa. Apartamento de 2 dormitórios tem um capital social de mais ou menos 75 mil dólares. São umas das poucas cooperativas que não fazem negócio com a entrada de novos sócios
(cooperativa não pode fazer todo o controle da venda do capital social).
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Há comissão administradora das 3 cooperativas para a gestão do Complexo,
com reuniões semanais. As 3 cooperativas fazem suas reuniões periódicas para tomar
decisões que subsidiam a comissão administradora. Tem 3 empregados para manutenção da cooperativa. A gestão foi se consolidando entre aprendizagem e
erro dos cooperativistas (exemplo do caso de manutenção dos banheiros).
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
O cooperativismo de moradia por poupança prévia hoje em dia é cada vez mais uma opção para os trabalhadores que não podem fazer horas de ajuda
mútua (p. ex., é cada vez mais comum que os trabalhadores tenham dois empregos).
330
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 4
Cooperativa: Puerto Fabini Data: 16/09/2016 - 14h30
Lugar: Edifício em construção (Juncal y Piedras - Ciudad Vieja)
1. Detalhes da cooperativa: a. quantidade de sócios / famílias / unidades habitacionais; b. data de formação; c. data de obra (início e finalização / ocupação); d. filiação à federação.
Tamanho da cooperativa.
Número de sócios: 50 (2 torres).
Tempo para início das obras e sua duração. Verificar se houve muito/pouco tempo para o início das obras.
Data de fundação: 23/06/2005.
Data de obra: Novembro de 2014.
Data de término de obra:
Em construção
Participação na federação. Sim.
2. Como se constituiu a cooperativa? É sindical ou de vizinhança? Se mantém o núcleo original? Houve rotação antes e durante a construção?
Origem da cooperativa, sua base social (possíveis bases sociais ou origens).
Cooperativa se formou de forma um pouco distinta: FECOVI adquiriu um
terreno para uma cooperativa de mulheres, mas a cooperativa não se
constituiu, então organizaram um chamado para formação de uma
cooperativa para o terreno. Inicialmente havia muitos professores, enfermeiros, nutricionistas e algumas pessoas do
teatro. Estava previsto para 30 famílias, posteriormente se ampliou para 50 (o
terreno demandava densificação). Assim foram se incorporando novos membros e se fazendo palestras informativas para
novos membros. Se houve mudança dos cooperativistas antes ou durante a obra.
Sim, hoje em dia, em obra, restam cerca de 15 sócios do núcleo original.
3. Como ocorreu o processo de organização antes da obra? Aquisição do terreno e acesso ao financiamento.
Questões relacionadas com o acesso à terra e ao financiamento.
Acesso à terra:
Terreno era da Federação (o que não é comum), que tinha um dinheiro a receber em um banco e a única forma de acessá-
lo era por meio desse terreno. Acesso ao financiamento:
Regulamentação 2008, foram contemplados no primeiro sorteio.
Outras questões:
4. Como foi a relação com o Instituto de Assistência Técnica - IAT? A escolha do instituto e a formação das famílias.
Escolha do IAT. Contatos com três IATs para avaliação
dos trabalhos e dos projetos, com experiência de construção em altura.
Principais conflitos e principais acertos com o IAT.
São bons projetistas, mas não tem bom trabalho social e direção de obra. Faz
falta a capacitação dos cooperativistas. IAT não está de acordo que a cooperativa participe tanto da administração da obra.
Mas houve mudanças no projeto de acordo com as aspirações da cooperativa.
5. Como se desenvolveu a obra? Tempo de obra, gestão, imprevistos.
Tempos e cumprimentos de prazos.
Tem uma comissão de compras e uma comissão de obras que trabalham juntas e procuram por preços de materiais de
construção por toda a cidade. A empresa compra a maioria dos materiais, sendo
que alguns acordaram com a cooperativa para a procura por melhores preços.
331
Perguntas para a direção da cooperativa
Dimensões ou aspectos a considerar 4
Se houve algum imprevisto na obra.
Quando começaram a obra tiveram problema com o patrimônio histórico pelo fato de que um pedação da muralha da Ciudad Vieja está no terreno. Houve 4
meses de atraso na obra e gastos adicionais com trabalho de arqueologia. Faz falta capacitação, comprometimento e atitude solidária dos sócios e do IAT.
A contratação da empresa construtora e a gestão do contrato.
Administração mista. Contrataram uma empresa construtora e a cooperativa faz a gestão e a contração de alguns serviços.
6. Como se desenvolve a gestão da cooperativa depois de terminada? A participação dos cooperativistas na gestão e as principais questões enfrentadas pela cooperativa. Há rotação de membros? Como se processam as saídas e os ingressos?
Os desafios para a gestão da cooperativa depois de terminada. Verificar se houve o isolamento dos cooperativistas nas suas moradias.
Tem uma perspectiva de fazer alguns projetos coletivos depois da obra:
lavanderia coletiva, instalações dos armários, propostas para o bairro no
orçamento participativo etc.
E como se organiza a entrada de novos cooperativistas, quais critérios adotam e como se integram os novos sócios.
7. Como se organiza a rotina das atividades da direção (frequência de reuniões / duração / temas tratados etc.)? E como se organizam as Assembleias (participação, sanções, dinâmica, temas tratados etc.)?
Os mecanismos utilizados para organizar os trabalhos da cooperativa. Estratégias adotadas para promover a participação dos cooperativistas na dinâmica de gestão da cooperativa. Participação, características formais (frequência de reuniões, sanções, tomada de decisões, registros).
Fazem assembleia uma vez por mês, domingo pela manhã. Tem comissão de fomento, fiscal, direção, de obras e de compras. Muitos sócios participam das comissões, mas custou muito formá-los
sobre a importância de participar.
8. Avaliação da experiência e do trabalho na direção. Recomendaria a um amigo integrar-se a uma cooperativa de moradia? Recomendaria participar da direção?
Ponto de vista avaliativo da experiência. Valoração (positiva ou negativa da experiência).
Perspectiva de que um apartamento tenho o preço de 90 mil dólares no
sistema cooperativo e que no mercado, na mesma zona, seria de 200 mil dólares. Além de ser uma solução de moradia, há uma perspectiva de projetos sociais em
conjunto. Interessante como há cooperativas em zonas perigosas (como a
Ciudad Vieja), com problemas de violência, e como as cooperativas dessas zonas estão sempre de portas abertas, com tranquilidade. O cooperativismo se
transmite, sempre há filhos de cooperativistas nas cooperativas
(acreditam que 10 sócios são filhos de cooperativistas). O sistema é solidário, pois o empréstimo servirá para outras
cooperativas. A poupança proporcionada pelo sistema cooperativo de moradia
permite aportar a riqueza social em outras áreas (cultura, turismo etc.), para além da
valorização imobiliária.