Cooperação e colaboração na sociedade contemporânea

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Cooperação e a colaboração na sociedade contemporânea Sergio Spritzer A cultura da livre iniciativa, da livre concorrência, da oferta versus procura, estimulou o agrupamento de acordo com interesses de lucratividade e competitividade. Tal como num time de futebol, aprendemos a constituir equipes para atingir um objetivo: ganhar dos outros. Observe bem: não importa fazer melhor que eles e sim ganhar deles. Por exemplo, um time de futebol vale pelo que ganha e não pela beleza do seu jogo. O “espírito esportivo” fica em segundo plano. Ele desaparece dando lugar ao “espírito animal”: foco em vencer e não em jogar bem. O problema desse modo de interagir é que pode vencer o mais agressivo, espertalhão e não necessariamente o melhor. Arrebentar com o adversário como meta a ser atingida destrói o próprio jogo. Pois se uma das pares elimina a outra, torna-se quem manda e não há mais estímulo para manter-se como equipe a menos que surjam novos inimigos. Este jogo de eliminação dos mais fracos e expansão e concentração do campo do poder em poucos em detrimento de muitos leva ao enfraquecimento da livre iniciativa e da lei da oferta e da procura. Num mundo globalizado e conectado, o estranho, o inimigo, já não é um “estranhoe ele não vai ganhar realmente nada nos destruindo: perderia um ótimo cliente. Ser “o maior do mundo” pode deixa-lo isolado, ou gerar uma forte reação dos outros contra você. Nenhuma das duas possibilidades é realmente uma vitória. O jogo mudou. Estamos mais do que nunca, no “mesmo barco”: Você pode chamá-lo de planeta terra, economia mundial, etc. Ali o clássico antagonismo está desaparecendo. A luta de classes e as lutas pela liberdade individual contra um estado opressor cedem lugar à aprendizagem de novas formas de colaboração. Nela não há mais inimigos. As interações bem sucedidas já não se sustentam em jogos de dominação, seja em realidades pessoais, coletivas, de trabalho ou de vida social. A diversidade, a complexidade e o enredamento das relações entre pessoas, comunidades, organizações e economias, torna impossível dividir em apenas duas partes. Já não tem sentido chamar alguém de “meu colaborador”: colaborar é trabalhar juntos, lado a lado, em direção a uma meta construída de forma cooperativa e não imposta de cima para baixo. A aprendizagem relacional está na ordem do dia. Ela é que fará a diferença nas próximas décadas e não mais a aprendizagem técnica. Esta já está acessível pela internet ou por um bom manual. Por outro lado a aprendizagem relacional humana não se aprende em escolas tradicionais voltadas para conteúdos e tarefas. Estamos entrando em outra dimensão. Na prática isso implica o uso intensivo e extensivo de nossas capacidades neuro-relacionais: ver, ouvir, sentir, comunicar-se de forma transitiva e transitável. Em redes humanas. Não de computadores nem de dados. Estas são apenas suportes e marcadores de percurso, respectivamente, para aquelas.

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Cooperação e a colaboração na sociedade contemporânea

Sergio Spritzer

A cultura da livre iniciativa, da livre concorrência, da oferta versus procura, estimulou o

agrupamento de acordo com interesses de lucratividade e competitividade. Tal como num

time de futebol, aprendemos a constituir equipes para atingir um objetivo: ganhar dos outros.

Observe bem: não importa fazer melhor que eles e sim ganhar deles. Por exemplo, um time de

futebol vale pelo que ganha e não pela beleza do seu jogo. O “espírito esportivo” fica em

segundo plano. Ele desaparece dando lugar ao “espírito animal”: foco em vencer e não em

jogar bem. O problema desse modo de interagir é que pode vencer o mais agressivo,

espertalhão e não necessariamente o melhor. Arrebentar com o adversário como meta a ser

atingida destrói o próprio jogo. Pois se uma das pares elimina a outra, torna-se quem manda e

não há mais estímulo para manter-se como equipe a menos que surjam novos inimigos. Este

jogo de eliminação dos mais fracos e expansão e concentração do campo do poder em poucos

em detrimento de muitos leva ao enfraquecimento da livre iniciativa e da lei da oferta e da

procura.

Num mundo globalizado e conectado, o estranho, o inimigo, já não é um “estranho” e ele não

vai ganhar realmente nada nos destruindo: perderia um ótimo cliente. Ser “o maior do

mundo” pode deixa-lo isolado, ou gerar uma forte reação dos outros contra você. Nenhuma

das duas possibilidades é realmente uma vitória. O jogo mudou.

Estamos mais do que nunca, no “mesmo barco”: Você pode chamá-lo de planeta terra,

economia mundial, etc. Ali o clássico antagonismo está desaparecendo. A luta de classes e as

lutas pela liberdade individual contra um estado opressor cedem lugar à aprendizagem de

novas formas de colaboração. Nela não há mais inimigos.

As interações bem sucedidas já não se sustentam em jogos de dominação, seja em realidades

pessoais, coletivas, de trabalho ou de vida social. A diversidade, a complexidade e o

enredamento das relações entre pessoas, comunidades, organizações e economias, torna

impossível dividir em apenas duas partes. Já não tem sentido chamar alguém de “meu

colaborador”: colaborar é trabalhar juntos, lado a lado, em direção a uma meta construída de

forma cooperativa e não imposta de cima para baixo.

A aprendizagem relacional está na ordem do dia. Ela é que fará a diferença nas próximas

décadas e não mais a aprendizagem técnica. Esta já está acessível pela internet ou por um bom

manual. Por outro lado a aprendizagem relacional humana não se aprende em escolas

tradicionais voltadas para conteúdos e tarefas. Estamos entrando em outra dimensão.

Na prática isso implica o uso intensivo e extensivo de nossas capacidades neuro-relacionais:

ver, ouvir, sentir, comunicar-se de forma transitiva e transitável. Em redes humanas. Não de

computadores nem de dados. Estas são apenas suportes e marcadores de percurso,

respectivamente, para aquelas.