Controle Interno no Setor Público, um Investimento...

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Artigo 08/2012 Controle Interno no Setor Público, um Investimento Necessário. Luiz Paulo Freitas Pinto, Contador e Auditor-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (Reflexões ante a alguns indícios do processo histórico, aos riscos e as oportunidades do controle interno, local e nacionalmente, considerando a evolução do Estado democrático brasileiro) 1 Proeminências do Processo Histórico 1.1 Primazia do Controle Externo No plano constitucional brasileiro, o órgão que executa as atividades do Controle Externo existe desde fevereiro de 1891, quando foi promulgada a primeira Constituição da República, cujo artigo 90 instituiu o Tribunal de Contas da União. E, ainda que na Constituição de julho de 1934 a prestação de contas da Administração tenha sido estabelecida como um dos princípios que deviam reger a Constituição e as leis dos Estados, até então nada constou especificamente sobre sistema de Controle Interno. Na sequência do golpe de Estado perpetrado por Getúlio Vargas, ele decreta a Constituição de novembro de 1937, na qual cria-se o Departamento Administrativo, o que pode ser considerado, como lembram PELLINI e BORGES (1986, p. 4), o primeiro órgão com funções de Controle Interno expressamente previsto na Constituição, embora a função de controle não fosse sua única atribuição: “Art. 67 – Haverá junto à Presidência da República, organizado por decreto do Presidente, um Departamento Administrativo com as seguintes atribuições: (...) c) fiscalizar, por delegação do Presidente da República e na conformidade das suas instruções, a execução orçamentária.” A Constituição Federal de 1946 não faz nenhuma citação expressa sobre Controle Interno. No entanto, apenas promoveu-se um “reforço” (PELLINI e BORGES, 1986, p. 6) ao Controle Externo em seu artigo 77, mas, de resto, um retorno ao que já dispunha, em termos de controle, a Constituição de 1934. 1.2 A Contadoria-Geral do Estado Em plena vigência da Constituição Federal promulgada em 1946, em 28/12/1948, o então Governador do Estado, Walter Jobim, sanciona e manda publicar, para viger a partir de janeiro do ano seguinte, a Lei 521, que cria a Contadoria-Geral do Estado. A Lei 521/1948 estabelece um novo modelo, um salto de qualidade na organização dos controles contábeis e administrativos estaduais. O marco legal que, além de reorganizar, centralizar e disciplinar o funcionamento da contabilidade do Estado, cria o Sistema de Controle Interno do Rio Grande do Sul :

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Artigo 08/2012

Controle Interno no Setor Público, um Investimento Necessário.

Luiz Paulo Freitas Pinto, Contador e Auditor-Geral do Estado do Rio Grande do Sul

(Reflexões ante a alguns indícios do processo histórico, aos riscos e as oportunidades do controle interno, local e nacionalmente, considerando a evolução do Estado democrático brasileiro) 1 Proeminências do Processo Histórico

1.1 Primazia do Controle Externo

No plano constitucional brasileiro, o órgão que executa as atividades do Controle Externo existe desde fevereiro de 1891, quando foi promulgada a primeira Constituição da República, cujo artigo 90 instituiu o Tribunal de Contas da União. E, ainda que na Constituição de julho de 1934 a prestação de contas da Administração tenha sido estabelecida como um dos princípios que deviam reger a Constituição e as leis dos Estados, até então nada constou especificamente sobre sistema de Controle Interno.

Na sequência do golpe de Estado perpetrado por Getúlio Vargas, ele decreta a Constituição de novembro de 1937, na qual cria-se o Departamento Administrativo, o que pode ser considerado, como lembram PELLINI e BORGES (1986, p. 4), o primeiro órgão com funções de Controle Interno expressamente previsto na Constituição, embora a função de controle não fosse sua única atribuição:

“Art. 67 – Haverá junto à Presidência da República, organizado por decreto do Presidente, um Departamento Administrativo com as seguintes atribuições:

(...)

c) fiscalizar, por delegação do Presidente da República e na conformidade das suas instruções, a execução orçamentária.”

A Constituição Federal de 1946 não faz nenhuma citação expressa sobre Controle Interno. No entanto, apenas promoveu-se um “reforço” (PELLINI e BORGES, 1986, p. 6) ao Controle Externo em seu artigo 77, mas, de resto, um retorno ao que já dispunha, em termos de controle, a Constituição de 1934.

1.2 A Contadoria-Geral do Estado

Em plena vigência da Constituição Federal promulgada em 1946, em 28/12/1948, o então Governador do Estado, Walter Jobim, sanciona e manda publicar, para viger a partir de janeiro do ano seguinte, a Lei 521, que cria a Contadoria-Geral do Estado.

A Lei 521/1948 estabelece um novo modelo, um salto de qualidade na organização dos controles contábeis e administrativos estaduais. O marco legal que, além de reorganizar, centralizar e disciplinar o funcionamento da contabilidade do Estado, cria o Sistema de Controle Interno do Rio Grande do Sul :

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“Art. 1º -É criada a Contadoria-Geral do Estado, órgão diretamente subordinado ao Secretário da Fazenda, tendo por finalidade:

(...)

III - o tombamento de todos quantos hajam recebido, administrado, despendido ou guardado bens pertencentes ao Estado, a fim de cooperar com o Tribunal de Contas em sua ação fiscalizadora;

(...)

Art. 4º - À Divisão de Centralização incumbe a contabilidade sintética financeira e patrimonial do Estado, a análise dos documentos destinados à sua escrituração, o controle das operações registradas e o levantamento dos balanços gerais do Estado:

Art. 5º - A Divisão de Estudos e Orientação, compreendendo a Secção de Estudos Contábeis e a de Orientação e Inspeção, compete realizar estudos sobre o resultado da gestão financeira e patrimonial do Estado, interpretar os elementos contabilizados, promover o aperfeiçoamento do pessoal e dos serviços de contabilidade, orientá-los tecnicamente e inspecioná-los.

(...)

Art. 7º - As Contadorias Seccionais executarão a contabilidade das Secretarias de Estado ou das Repartições junto às quais servirem, devendo, ainda, orientar, fiscalizar e centralizar a escrituração analítica, que, por conveniência de serviço, expressamente reconhecida pela Contadoria-Geral, deva ser executada pelos respectivos serviços administrativos.“ (trechos grifados pelo autor)

A Lei 521/1948 colocou a contabilidade como um dos principais instrumentos do controle, numa verdadeira simbiose entre contabilidade e controle interno, em que ambos os institutos, ou ambas as funções se complementam e se retroalimentam. A contabilidade a serviço do controle e vice-versa. E mais, essa lei significou um grande avanço e registrou, à época, a condição de vanguarda do Rio Grande do Sul em termos de organização da contabilidade governamental e, principalmente, quanto à institucionalização de uma concepção progressista de sistema de controle interno, que priorizava o controle concomitante dos atos de gestão e estabelecia a orientação como uma função estrategicamente importante ao sistema.

Às vésperas do golpe militar, ainda vigendo a Constituição de 1946, aquela que nada referia a respeito de Controle Interno, entra em vigor a conhecida e até hoje vigente Lei federal 4.320, de 17/03/1964, importante referencial na história do controle interno brasileiro. Esta Lei, que institui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços brasileiros, estabelece, ante o silêncio da Carta Constitucional, as atribuições do controle interno, a cargo do Poder Executivo, sem prejuízo das atribuições do Tribunal de Contas:

“Art. 75. O controle da execução orçamentária compreenderá:

I - a legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações;

II - a fidelidade funcional dos agentes da administração, responsáveis por bens e valores

III - o cumprimento do programa de trabalho expresso em termos monetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços.

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CAPÍTULO II - Do Controle Interno

Art. 76. O Poder Executivo exercerá os três tipos de controle a que se refere o artigo 75, sem prejuízo das atribuições do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.

Art. 77. A verificação da legalidade dos atos de execução orçamentária será prévia, concomitante e subsequente. (trechos grifados pelo autor):

Em termos constitucionais, somente na sexta Constituição Brasileira, quinta da República, promulgada em janeiro de 1967, pela primeira vez, constou expressamente a instituição e as atribuições do sistema de controle interno. É de se destacar a concepção de “auxiliar do controle externo” que se adotou, desde sempre, para o sistema de controle interno:

“Art 72 - O Poder Executivo manterá sistema de controle interno, visando a:

I - criar condições indispensáveis para eficácia do controle externo e para assegurar regularidade à realização da receita e da despesa (grifado pelo autor);

II - acompanhar a execução de programas de trabalho e do orçamento;

III - avaliar os resultados alcançados pelos administradores e verificar a execução dos contratos”.

1.3 A Contadoria e Auditoria-Geral do Estado

Da promulgação da Carta de 1967 até a da Constituição Cidadã passaram-se duas décadas. Nesse período, o sistema de controle interno do Rio Grande do Sul, já na sua maioridade, passou por diversas mudanças. Uma das mais significativas foi promovida pelo Decreto 20.193/1970, que institucionalizou a Divisão de Auditoria, voltada ao controle das entidades da Administração Indireta, passando a CAGE denominar-se Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (até então, Contadoria-Geral do Estado).

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu formalmente a necessidade de controle interno, descrevendo suas finalidades, claramente vinculadas à condição de apoio, de auxílio mesmo ao controle externo. Essas definições encontram-se no artigo 74 da Carta, artigo este incrustrado na Seção IX, que trata da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, que vai do artigo 70 ao 75:

“Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.”

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Todas as demais disposições da Seção IX referem-se ao controle externo, sua organização e funcionamento, bem como o papel do Tribunal de Contas nesse contexto.

A Constituição Estadual de 1989 preservou o patrimônio institucional em que se constituiu a CAGE:

“Art. 76 - O sistema de controle interno previsto no art. 74 da Constituição Federal terá, no Estado, organização una e integrada, compondo órgão de contabilidade e auditoria-geral do Estado, com delegações junto às unidades administrativas dos três Poderes, tendo sua competência e quadro de pessoal definidos em lei.” (grifado pelo autor).

Nestas duas décadas de vigência das atuais Constituições federal e estadual, os sistemas de controle interno foram impactados, exigidos e até regulamentados por regras gerais introduzidas no cenário da administração pública brasileira, por meio da legislação intra e infraconstitucional como aquelas relativas às licitações públicas e contratos e à Lei de Responsabilidade Fiscal.

2 Evolução Conceitual

Conceitos importantes do mundo do controle interno evoluem de acordo com o desenvolvimento do Estado e da Administração Pública, das nuanças do contexto sociopolítico, das relações de poder, dos regimes políticos, enfim. Apenas exemplificativamente e circunscritos a conceitos relativos a típicos objetos da atuação ordinária do sistema de controle interno, toma-se para exame duas expressões bem conhecidas: a do princípio da publicidade e a de controle social.

2.1 Princípio da Publicidade e Transparência

O conceito de publicidade no âmbito do setor público brasileiro evoluiu muito nas últimas décadas. Um dos mais basilares princípios da gestão pública democrática e republicana, a publicidade foi deixando a seara formalista dos atos praticados pelos gestores e passando a compor uma instância crítica da opinião pública.

Até o final do século passado, o termo transparência muito raramente era usado no jargão jurídico, havia muita ambiguidade no seu uso. Transparência era tida como um termo de conceito dúbio até mesmo no mundo acadêmico (PINTO, 1999, p. 14). Aos poucos, mas com o ânimo e o vigor da jovem democracia, a palavra passou a permear os diversos espaços, inclusive da legislação. Foi o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, em 2000, uma das normas precursoras no trato da transparência enquanto um conceito. A expressão do termo transparência, sob a ótica da democracia, é objetivamente superior, mais amplo e desenvolvido em relação àquela predominante ideia que vigorava até o final do século passado para a expressão do termo publicidade. E a LRF dedica todo o seu Capítulo VIII à transparência, controle e fiscalização, incluindo os artigos que vão do número 48 até o de número 59. A LRF deu ênfase ao conceito de publicidade enobrecido por HABERMAS (1984, p.41), segundo o qual, ganha publicidade o que é submetido ao julgamento do público.

A partir daí, a expressão Transparência passou a figurar cada vez mais no ordenamento jurídico-administrativo, consolidando-se como conceito e requisito da gestão pública democrática. Foram superadas as ambiguidades conceituais e a palavra passou a compor as regras do jogo democrático. Uma prova recente disto é a Lei 12.527/2011, consagrada como Lei de Acesso à Informação - LAI, a qual define diversos procedimentos destinados a assegurar o direito fundamental

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de acesso à informação, em conformidade com os princípios básicos da administração pública, estabelecendo as diretrizes para se atingir tal objetivo, entre as quais a da “observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção” e a que refere ao “fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública” (incisos I e IV, do artigo 3º da Lei 12.527, de 18/11/2011).

2.2 Controle Social

O conceito de controle social tem origem na sociologia americana da segunda década do século XX (CANCIAN, 2005), concebido como um conjunto heterogêneo de recursos materiais e simbólicos disponíveis em uma sociedade para assegurar que os indivíduos se comportem de maneira previsível e de acordo com as regras e preceitos vigentes, sendo possível identificar uma similaridade entre o conceito de controle social e alguns atributos do conceito de dominação elaborado por Max Weber. A partir da década de 1940, também segundo CANCIAN, a sociologia americana agregou ao conceito de controle social elementos associados com o fenômeno da interdependência social, incluindo o comportamento dos governos. Mas ainda que o tema seja objeto das ciências sociais, esta abordagem não trata da fenomenologia conceitual das teorias sobre controle social no vasto leque dos enfoques teóricos, mas do conceito de corte mais pragmático, relacionado com outros dois temas estudados pela sociologia: controle interno e contabilidade, no propósito de demonstrar a evolução do conceito neste contexto.

O trabalho denominado O Controle Social do Gasto Público, apresentado na Argentina em 1986, no XIV Seminário Interamericano e Ibérico de Orçamento Público, possibilita se ter a exata dimensão de como era tratado o conceito de controle social há pouco mais de duas décadas. Segundo os autores, o controle social consistia na revisão periódica da opinião dos cidadãos sobre as diferentes políticas governamentais.

Segundo aquele trabalho, se o gasto público era o objeto do controle social, o método mais conveniente para sua realização eram as pesquisas de opinião. De acordo com os autores (LANG e CUERVA, 1986, p 35), “o controle social se exerce mediante o levantamento periódico da opinião que têm os cidadãos sobre os diferentes programas de gasto público e busca definir indicadores que meçam o grau de cumprimento que percebem os cidadãos dos objetivos programados.” E nessa concepção, consta do trabalho que esse tipo de controle tem uma clara vocação de controle interno. E mais, que deve ser exercido pela própria Administração Pública e seu fim está enfocado pelo fluxo de informação visando à melhor a gestão.

De acordo com aquela concepção, primeiro é necessário que sejam definidos os programas de gasto sobre os quais se têm de exercer o controle. Depois disso, a necessidade é o modelo da pesquisa, ou seja, as perguntas concretas que devem ser feitas aos cidadãos. E, por fim, elaborar os indicadores de controle que estabeleçam o grau de satisfação dos cidadãos com respeito às políticas de gasto público selecionadas. Em assim sendo, um modelo inadequado de pesquisa pode tornar inútil toda a informação levantada. Do mesmo modo, é crucial a atenção para com a representatividade da amostragem dos indivíduos, pois eles devem representar a opinião da população total. E, de acordo com os próprios autores do trabalho, uma questão de grande importância é das possibilidades de manipulação que podem sofrer as pesquisas.

Evitar as possibilidades de manipulação, bem como construir as proposições da pesquisa e executá-la constituíam tarefas do Controle Interno e, à época, uma prática moderna de controle social, face ao contexto sociopolítico de então, em que a democracia era apenas um projeto, uma bandeira e a cidadania, predominantemente apática e passiva em relação à execução e controle do orçamento público.

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Já para Bobbio (1998), controle social vem representar a ação de uma sociedade ou grupo social, que visa o cumprimento às normas que a caracterizam ou a adequação do sistema normativo. E, mais que isso, o autor italiano corrobora que, no decorrer da história, da sociedade ou grupo, os mecanismos de controle social podem ser modificados com o objetivo de garantir o consenso.

Hoje, a ideia de controle social vincula-se às expressões de participação e democracia, de democracia participativa. Controle social é um requisito, mais que uma possibilidade, uma necessidade do estado democrático de direito e um instrumento de cidadania ativa, que se consolida e se aperfeiçoa, tanto no plano individual dos cidadãos, quanto no seio dos grupos sociais, nos diversos setores e formas de organizações sociais, tais como organizações não-governamentais, entidades associativas diversas e os variados conselhos institucionalizados. A legislação está se adequando a isso, os sistemas de controles internos nas três esferas de governo também, aperfeiçoando seu papel de agente promotor, interlocutor e de apoio às atividades do controle social.

Essas variações conceituais de controle social (que deixa de identificar um procedimento próprio do controle interno ante uma cidadania passiva e passa a referir-se a uma ação da cidadania ativa, que determina os procedimentos do controle interno) bem como da publicidade enquanto princípio (que se veste agora da moderna fardagem do conceito de transparência) são exemplos de que não há ortodoxias conceituais possíveis (SANTOS, 1997) quando se examina temas como o do controle interno do setor público.

3 Estratégias de Ação da CAGE

Dos últimos diplomas legais que regulam a organização e atuação da CAGE, merece destaque a Lei Complementar 13.451, de 26 de abril de 2010, a qual dispõe sobre a Lei Orgânica do órgão central do sistema de controle interno do Estado e disciplina o regime jurídico do cargo de carreira de Auditor do Estado.

“Art. 2º - São funções institucionais da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado:

(...)

VII – apoiar e estimular o exercício do controle social;

(...)

XVII – efetuar a verificação prévia, concomitante e subsequente da legalidade dos atos da execução orçamentária e extra-orçamentária, em consonância com o disposto no art. 8º da Lei nº 521/48;

(...)

XXXIII – promover ações com vista a assegurar a transparência das contas públicas, estimulando a participação da sociedade no exercício do controle social;” (grifos do autor)

Para dar relevo a apenas duas estratégias prioritárias da atual gestão da CAGE: o controle prévio e a transparência, não se mencionam aqui outras funções importantes que constam da Lei Orgânica, nem de outras normas do controle interno. Do mesmo modo, não significa desprezo a outras estratégias e ações presentemente colocadas na condição de prioritárias e em prática pela CAGE, tais como a qualificação permanente de seu pessoal, a informatização e a análise preditiva, a

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implantação das NBCASP (Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público), o projeto CUSTOS/RS, as inspeções in loco de obras e serviços em andamento, entre outras.

Como se vê na Lei Orgânica da CAGE, o controle social hoje passa a ser apoiado e estimulado pelo órgão de controle interno, e não exercido por meio de pesquisas de opinião efetuadas através de questionários. Agora, cabe à CAGE estimular a participação da sociedade no exercício do controle social, ou seja, o sujeito do controle social é, finalmente, a sociedade, a cidadania. Como se verifica hoje também em nível nacional, ao controle interno cabe o papel de prisma e transdutor dos dados e informações relativos à gestão pública no propósito de viabilizar a transparência almejada pela sociedade, como requisito do controle social.

3.1 Controle Prévio

O grau de efetividade do resultado da ação do controle interno está relacionado com a oportunidade da sua atuação sobre os atos e fatos da administração. Essa atuação, que pode ser prévia, concomitante ou subsequente, poderá produzir resultados mais efetivos quanto mais preventivamente ela ocorrer.

A CAGE se distingue pela sua atuação direta no processo de execução do orçamento dos três poderes, praticando o controle concomitante e prévio, por meio de suas Seccionais, no exame cotidiano de todos os processos relativos a compras, contratações, convênios e outras operações ou situações de natureza orçamentária, além das extra-orçamentárias, que afetam o patrimônio público, latu sensu. Modelo único no Brasil. E, além disso, o órgão central do controle interno do Estado vem priorizando as estratégias, atividades voltadas à prática do controle prévio na sua plenitude, inclusive na Administração Indireta. Aliás, a atuação preventiva da CAGE na Administração Indireta, assim como na Direta, já evitou perdas ao erário de centenas de milhões de reais nestes dois últimos anos.

No início do ano passado, foi criada uma Seccional voltada ao exame dos processos licitatórios, uma repartição especialista, que atua preventivamente, antes que ocorram as contratações ou compras. A Seccional junto à CELIC (Central de Licitações do Estado) é composta de servidores altamente qualificados, especialistas na matéria e em permanente atualização quanto às normas e boas práticas relativas aos processos de compras e contratações. Na sua ainda curtíssima história, essa Seccional já rendeu resultados altamente significativos para o Governo e, em última análise, para a sociedade. Rotinas e procedimentos da administração estadual foram alterados por recomendação da Seccional, repercutindo em maior eficiência da gestão e significativa economia ao erário. Do mesmo modo, com a correção de defeitos processuais, foram geradas economias, ou evitados desperdícios, que já chegam a centenas de milhões de reais aos cofres do Estado.

Em geral, o desperdício não ocorre por fraude, mas por erro, o que indica necessidade de se manterem bem orientados os gestores e servidores que atuam na execução da despesa. Nessa linha, a partir do primeiro semestre de 2011, a CAGE vem organizando semestralmente o Seminário de Orientação ao Gestor. Esses eventos, compostos de palestras e oficinas, têm reunido centenas de servidores a cada edição. A procura por esses encontros de capacitação tem sido cada vez maior, sendo impossível atender a todos os pedidos de inscrição, o que mostra, por um lado, o acerto da política adotada e, por outro, a necessidade e o interesse dos gestores em relação à orientação para as boas práticas administrativas.

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Esses são apenas exemplos da opção da CAGE pela atuação de forma preventiva. Mas o controle prévio, como uma política do órgão de controle, permeia todas as atividades, projetos, programas e planejamento das diversas unidades operacionais. A Divisão de Estudos e Orientação - DEO, por exemplo, nas suas mais de cem informações exaradas anualmente tem orientado os órgãos consulentes e a todos os demais por meio da divulgação das informações emitidas mensalmente. O Manual do Gestor, cuja segunda edição foi distribuída em 2011 e 2012, está sendo atualizado e ampliado para uma terceira edição em 2013. Assim como os Cursos em EAD, que se iniciaram em 2012 e serão ampliados em 2013. E apesar de todas estas linhas de ação, a DEO está focada na função regulamentadora do controle interno, através da emissão de diversas instruções normativas, essenciais à efetividade do controle prévio. Do mesmo modo, as demais Divisões atuam cotidianamente voltadas à prevenção, ao controle prévio, seja no atendimento a consultas, seja nas auditorias, na participação de grupos de trabalho ou em outros processos preditivos.

3.2 Transparência e Controle Social

A promoção da transparência, tendo em vista, especialmente, a viabilização do controle social, está consagrada na legislação como função precípua do controle interno. No Estado, portanto, essa é uma das atribuições da CAGE, responsável técnica pelo Portal Transparência RS (www.transparencia.rs.gov.br), que congrega e disponibiliza para a sociedade todos os dados relativos à execução orçamentária, financeira e patrimonial de todos os três Poderes e órgãos autônomos do Estado.

Apenas recentemente os órgãos públicos, nas três esferas de governo, passaram a se adequar às exigências relacionadas com o tema Transparência. Inicialmente, no intuito de atender às exigências legais – notadamente a partir da LRF – e agora, com a preocupação de fomentar e contribuir de todo modo com a prática do controle social. A CAGE ainda não possui uma unidade operacional específica para os assuntos de transparência e promoção do controle social. Então, para atender a essa carência, ainda que de modo precário e provisório, no início do ano passado, portaria do Contador e Auditor-Geral instituiu o Grupo Gestor da Transparência – GGT/CAGE, que vem se ocupando com tudo o que se relaciona ao tema, inclusive o aperfeiçoamento e atualização permanente do Portal Transparência RS. E nesse período de atividades do GGT/CAGE, diversas melhorias já foram incorporadas ao Portal, tais como a análise gráfica; a ampliação da base de dados, retroagindo do ano de 2008 para 2004; as informações dos convênios, a disponibilização dos dados abertos e dos salários.

Nessa esteira, está em desenvolvimento um projeto para reformulação completa do Portal, não só quanto à sua apresentação, mas para qualificar sua navegabilidade e suas funcionalidades, sempre com o intuito de tornar as informações mais palatáveis, mais acessíveis, completas e, portanto, mais úteis para a sociedade. E estas ações são absoluta e urgentemente indispensáveis, em que pese o Portal Transparência RS estar situado como o terceiro melhor portal na comparação com os demais estados brasileiros, segundo levantamento feito por especialistas da Organização Não-Governamental Contas Abertas.

Estes são exemplos da prioridade à transparência. Mas outras ações podem ser citadas, tais como a criação do CAGE Informa, boletim mensal das principais realizações do órgão; o termo de cooperação técnica com o Conselho Regional de Contabilidade - CRCRS, em que os Contadores Voluntários irão acompanhar a execução das despesas das quase três mil escolas estaduais, em auxílio aos Conselhos Escolares, numa prática objetiva e concreta de controle social. Outro exemplo nessa linha é a constituição do grupo de trabalho que irá desenvolver e implantar o Relatório de Atividades da CAGE, o qual conterá as ações planejadas e realizadas pelo controle interno e será

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disponibilizado no Transparência RS. Outras ações voltadas à transparência haverão de se viabilizar em médio prazo, pois o tema permeia apreciável área do planejamento estratégico da CAGE.

4 O Futuro do Controle Interno

Neste pouco mais de um século de história republicana, o Brasil não experimentou momento de maior consolidação do regime democrático como o que hoje se pode observar na evolução das instituições e conceitos que permeiam as relações Estado/sociedade, contexto, aliás, em que estão inseridos os sistemas de controle interno. E, para a instituição e fortalecimento desses sistemas,

vários são os desafios e oportunidades da conjuntura. Podem-se citar, ilustrativamente, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2009 e as conclusões da Primeira Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social, a 1ª CONSOCIAL.

A PEC 45/2009 encontra-se no Senado Federal, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça, acrescenta o inciso XXIII ao artigo 37 da Constituição Federal:

“XXIII – as atividades do sistema de controle interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a que faz referência o art. 74, essenciais ao funcionamento da administração pública, contemplarão, em especial, as funções de ouvidoria, controladoria, auditoria governamental e correição, e serão desempenhadas por órgãos de natureza permanente, e exercidas por servidores organizados em carreiras específicas, na forma da lei.” (grifos do autor)

Entre as propostas aprovadas na 1ª CONSOCIAL, diversas se voltam às atividades dos sistemas de controle interno e deverão ser observadas pelos servidores que atuam nesses sistemas e pelos governos, a quem cabe a implementação. Exemplos das medidas que passarão a ser cobradas dos governantes:

“Fortalecer a atuação dos órgãos de controle e instituições especializadas; Garantir a eficiência da estrutura e das ações dos órgãos de controle; Garantir remuneração condizente com as responsabilidades do cargo aos servidores dos órgãos de controle interno; Assegurar a independência das ações de controle; Permitir o acesso aos dados fiscais e bancários pelos órgãos de fiscalização e controle.”

Além desses dois exemplos, outros fatos importantes devem ser levados em conta, como os

tratados internacionais recentemente firmados pelo Brasil visando à prevenção e ao combate à corrupção. Entre esses, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção é o maior texto internacional juridicamente vinculante, ou seja, que obriga os Estados Partes a cumprir os seus dispositivos. Mas, no mesmo sentido, também foram assinadas a Convenção Interamericana contra a Corrupção (Convenção da OEA), a Convenção da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) e o Acordo de Cooperação Índia, Brasil e África do Sul – IBAS.

Na medida em que a democracia se aprofunda e se qualifica, aproximando-se de um status de democracia participativa, a sociedade civil demanda diretamente do governo informações mais claras e completas sobre a gestão, e que viabilizem sua participação ativa no processo decisório. E então se torna cogente o fortalecimento dos sistemas de controles internos, cada vez mais a serviço do controle social.

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O controle interno tende a categorizar como usuários diretos, imediatos e prioritários de seus serviços o gestor e a sociedade civil e não apenas o controle externo, ou seja, voltar-se mais ao processo de gestão e ao controle social. Nessa linha, o sistema privilegia a orientação, a prevenção, a normatização, a consultoria ao gestor, em vez da postura mais fiscalista e menos eficaz do modelo de controle a posteriori. Ao mesmo tempo, do controle interno passa a ser exigida maior interação com a sociedade, numa relação mais direta, que demanda maior ênfase à transparência, à transdução dos dados para informações claras, inteligíveis e úteis ao controle social. Portanto, o fortalecimento do sistema de controle interno é um dos investimentos de maior retorno (principalmente econômico, financeiro e político) para os atuais e futuros governantes brasileiros de todas as esferas de governo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 4ª ed.

Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. v. 1.

CANCIAN, Renato. Comissão Justiça e Paz de São Paulo – Gênese e atuação política. São Paulo:

Edusfar, 2005.

HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública (Investigações quanto a uma categoria de

sociedade burguesa). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. 397 p.

PELLINI, Ana Maria e BORGES, Paulo Alvredo Lucena. O Controle Interno na Constituinte in Revista

ABOP nº 26 Brasília: ABOP, 1986.

PINTO, Luiz Paulo Freitas. O Papel da Publicidade na Prestação de Contas do Governo – A Visão dos

COREDES – Dissertação de Mestrado em Administração Pública. Porto Alegre: UFRGS, 1999.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice - (O social e o político na pós-modernidade). São Paulo: Cortez, 1997.

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