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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PARA GABARITAR: DE CONCURSOS DE TÉCNICO A JUIZ FEDERAL -------------------------------------------------------------- FUNDAMENTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE RESUMO AULA 1 #SouOuse #TôDentro

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

PARA GABARITAR: DE CONCURSOS DE TÉCNICO A JUIZ FEDERAL

--------------------------------------------------------------FUNDAMENTOS DO CONTROLE

DE CONSTITUCIONALIDADE

RESUMO AULA 1

#SouOuse#TôDentro

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1. Fundamentos do Controle de Constitucionalidade

1.1 Noções Iniciais

A Constituição admite diversos sentidos como o sociológico, o político, o jurídico, o institucional entre outros. Alguns desses sentidos possuem um sentido mais material, enquanto outros possuem acepções mais práticas e formais. Dentre esses diversos conceitos, destaca-se o jurídico, o qual confere uma dimensão operacional à constituição, propiciando as bases para a formação de um sistema normativo de regulação da vida social.

O conceito jurídico faz a Constituição ser vista como uma norma de cúpula de um sistema que se faz ordenamento jurídico. Ou seja, a constituição é caracterizada como um conjunto de normas que está no centro de todo o ordenamento jurídico, regulando-o, limitando-o e garantindo sua harmonia. Assim, a Constituição não deve mais ser vista como uma declaração política, como era vista no início de sua história, mas sim como norma.

Na maioria dos regimes constitucionais contemporâneos, essa hierarquia da Constituição garante a harmonia entre todas as normas, configurando o ordenamento como um sistema. E, para garantir tal harmonia e unidade, surge o sistema de Controle de Constitucionalidade.

Verifica-se, portanto, que só é possível haver a harmonia do sistema jurídico a partir do conceito jurídico da constituição como aquela que se encontra na cúpula do sistema jurídico, ordenando e harmonizando as leis, decretos, resoluções e demais atos normativos infralegais.

A consequência da noção jurídica de constituição é a percepção de que o ordenamento jurídico é um sistema de normas escalonados, onde, na cúpula desse sistema, está a Constituição. Veja-se:

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Nesse sistema jurídico organizado de forma escalonada, as normas inferiores buscam fundamento de validade nas normas superiores. O fundamento de validade deve ser entendido como a análise da sintonia entre a norma inferior e a norma superior, seja do ponto de vista formal, onde se verifica o processo de elaboração dos atos normativos inferiores, seja do ponto de vista material, onde se verifica se o conteúdo do norma inferior está em consonância com o conteúdo da norma superior.

Destarte, a Constituição é a norma que estabelece o direcionamento do sistema jurídico, uma vez que é a norma de cúpula que fundamenta todas as outras normas inferiores. Essa harmonização conferida pela Constituição proporciona uma tranquilidade social de que não deverá existir no ordenamento normas conflitantes, existindo um padrão de condutas bem definidas, seguindo as diretrizes constitucionais.

Havendo eventual produção de norma em desarmonia com as diretrizes constitucionais, o dispositivo que produzido, o qual contrasta com as normas constitucionais, será expurgado do ordenamento através do controle de constitucionalidade.

Assim, o controle de constitucionalidade é uma ferramenta de manutenção da ordem social e jurídica, assim como uma garantia da Constituição enquanto norma suprema do ordenamento jurídico, em consonância ao que expõe o Ministro Luís Roberto Barroso:

“O ordenamento jurídico é um sistema. Um sistema pressupõe ordem e unidade, devendo suas partes conviver de maneira harmoniosa. A quebra dessa harmonia deverá deflagrar mecanismos de correção destinados a restabelecê-la. O controle de constitucionalidade é um desses mecanismos, provavelmente, o mais importante, consistindo na verificação da compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional e a Constituição.” (BARROSO, Luís Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Saraiva. P. 23).

tt Controlede Constitucionalidade versus Jurisdição Constitucional

Por oportuno, vale destacar que controle de Constitucionalidade não significa o mesmo que jurisdição constitucional. Entende-se por Jurisdição Constitucional como o exercício, pelos magistrados, em especial pelas Cortes Constitucionais (aspecto formal) – órgãos de cúpula do sistema jurídico-, de sua função judicante para aplicar diretamente a Constituição (aspecto material).

Nesse sentido, Jurisdição Constitucional é uma Jurisdição específica, que contempla a aplicação direta das normas constitucionais, como, por exemplo, em um conflito entre entes da federação.

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A Jurisdição Constitucional abrange, assim, as competências constitucionais para a atuação da Corte Constitucional no que tange à aplicação direta do texto constitucional (aspecto amplo), acaba por ser confundida, por vezes, com o controle de constitucionalida-de (aspecto estrito), que, na realidade, é apenas um dos aspectos que podem ser discutidos pela Jurisdição Constitucional.

Quando a Jurisdição trata de temas acerca da validade de uma norma, verificando se está ou não em conformidade com a Constituição, está exercendo a Jurisdição Constitucional e o Controle de Constitucionalidade.

No entanto, caso o Judiciário esteja analisando um conflito de competência entre entes da federação, por exemplo, está aplicando diretamente normas constitucionais, logo, está exercendo a Jurisdição Constitucional, mas não está, ao mesmo tempo, exercendo Controle de Constitucionalidade (que é apenas um dos temas que podem ser abordados pela Jurisdição Constitucional).

Além da Jurisdição Constitucional contemplar outros temas e conflitos além do Controle de Constitucionalidade, deve-se ter em vista que este não se confunde com aquela, sobretudo porque outros poderes, além do Judiciário podem exercer Controle de Constitucionalidade, como o Legislativo, havendo, assim, Controle de Constitucionalidade sem haver Jurisdição Constitucional.

Todavia, por contemplar a maior parte dos casos abordados na Jurisdição Constitucional, o Controle de Constitucionalidade pode ser visto como jurisdição constitucional em sentido estrito, ainda que não se confundam.

A Jurisdição Constitucional em sentido amplo, por sua vez, soluciona conflitos interorgânicos (entre poderes e entre entes federativos), garante direitos fundamentais (através do controle de constitucionalidade também) e exerce o controle de constitucionalidade (strito sensu).

1.2 Fundamentos do Controle de Constitucionalidade

Os fundamentos do Controle de Constitucionalidade, ou seja, as ideias que garantem e legitimam a existência do controle de constitucionalidade, segundo a doutrina, são: a Teoria do Poder Constituinte, a Rigidez Constitucional, a Supremacia da Constituição, a Constituição formal e Material e a Unidade Normativa.

1.2.1 Teoria do Poder Constituinte

A partir do pressuposto de que a Constituição é apenas a manifestação de uma sociedade organizada, presume-se que toda e qualquer sociedade sempre possuiu uma

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constituição. Logo, se sempre houve Constituição, sempre houve o poder constituinte, ou seja, um poder capaz de criar a constituição.

Na idade moderna, surge, no entanto, a teoria do poder constituinte, em que se questiona se um ditador, por exemplo, poderia ser considerado o titular de um poder constituinte se, assim, uma carta normativa de uma ditadura poderia ser considerada como constituição.

Sieyes, por sua vez, criou os contornos do que se entende por poder constituinte a partir da perspectiva moderna, caracterizando como único titular desse poder a nação (posteriormente, o povo). O autor estabelece ainda a diferença entre Poder Constituinte e Poderes Constituídos.

Em sua obra, o filosofo diferencia o poder constituinte dos poderes constituídos, visto que, estes, diferente daquele, é limitado pelo que se estabeleceu pelo titular do poder constituinte, ou seja, pelo povo. Veja-se:

Poder Constituído:

“Os representantes extraordinários terão um novo poder que a nação lhes dará como lhe aprouver”. (P. 52)”

Poder Constituinte:

“Os representantes ordinários de um povo estão encarregados de exercer, nas formas constitucionais, toda esta porção da vontade comum que é necessária para a manutenção de uma boa administração. Seu poder se limita aos assuntos de governo”. (P. 52)

Desse modo, observa-se que os Poderes Constituídos são limitados pelo que já havia sido estabelecido anteriormente pelo Poder Constituinte. Ou seja, os parlamentares, por exemplo, atualmente, devem sempre ter seu poder limitado pelo que dispõe a Constituição, que é fruto do Poder Constituinte. Veja-se o que dispõe Paulo Bonavides acerca do assunto:

“O sistema das Constituições rígidas assenta numa distinção primacial entre poder constituinte e poderes constituídos. Disso resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder inferior, de competência limitada pela Constituição mesma”. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. P. 267)

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Ou seja, a partir de tal perspectiva, uma Constituição rígida é aquela que estabelece os limites dos poderes constituídos de forma clara e prevê, em geral, mecanismos de controle sobre aquilo que esses poderes produzirem, sobretudo quando estiverem em desacordo com o Poder Constituinte.

1.2.2 Rigidez Constitucional

A Rigidez Constitucional é fruto da dicotomia entre o Poder Constituinte e o Poder Constituído, conforme destacado acima. Em continuidade, Paulo Bonavides dispõe ainda acerca do procedimento necessário para garantir a rigidez constitucional:

“As Constituições rígidas, sendo Constituições em sentido formal, demandam um processo especial de revisão. Esse processo lhes confere estabilidade ou rigidez bem superior àquela que as leis ordinárias desfrutam. Daqui procede pois a supremacia incontrastável da lei constitucional sobre as demais regras de direito vigente num dado ordenamento. Compõe-se assim uma hierarquia jurídica, que se estende da norma constitucional às normas inferiores (leis, decretos-lei, regulamentos etc.) e a corresponde por igual uma hierarquia de órgãos”. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. P. 267).

Enquanto as Constituições rígidas possuem um procedimento próprio e mais complexo (comparado ao das leis infraconstitucionais) de alteração de suas normas pelo Poder Constituído, as Constituições Flexíveis podem ser alteradas pelo mesmo processo jurídico em que são produzidas/alteradas as leis infraconstitucionais. Assim, nas Constitui-ções flexíveis, o Poder Constituído se equipara ao Poder Constituinte, enquanto nas primei-ras o Poder Constituinte é hierarquicamente superior ao Poder Constituído.

A complexidade do procedimento para alterar as Constituições rígidas garante, portanto, a rigidez constitucional, possibilitando a sustentação do ordenamento jurídico pela constituição.

1.2.3 Supremacia da Constituição

O professor Paulo Bonavides comenta, ainda, sobre a supremacia constitucional:

“Dessa hierarquia é o reconhecimento da ‘Superlegalidade constitucional’, que faz da Constituição a lei das leis, a lex legum, ou seja, a mais alta expressão jurídica da soberania”. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. P. 267)

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A partir da diferenciação do Poder Constituinte e dos Poderes Constituídos, sen-do estes limitados por aquele, estabeleceu-se a rigidez e, consequentemente, a supremacia ou hierarquia da Constituição, a qual passa a ter sua superlegalidade reconhecida, ou seja, sendo a lex legum, lei das leis ou norma de cúpula, superior a qualquer outra, formalmente e materialmente.

A Constituição tem, portanto, sua superioridade formal garantida, visto que é a lei das leis, estando no topo da pirâmide de Kelsen (demonstrada anteriormente), e mate-rial, uma vez que é a expressão da soberania do povo.

Sobre o tema, dispõe o Luís Roberto Barroso:

“Duas premissas são normalmente identificadas como necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. Ela é o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo – na verdade, nenhum ato jurídico – poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição”. (BARROSO, Luis Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. P. 23)

Nessa lógica, observa-se que rigidez da Constituição garante a sua supremacia e, por ser superior a todo o ordenamento jurídico, a Constituição é o que rege e garante a validade de todas as leis e de todos os atos normativos.

Vale ressaltar que a supremacia constitucional apresenta duas vertentes, a formal e a material:

t Superlegalidade FORMAL: verifica-se por estar estruturalmente no topo da pirâmide de Kelsen, acima de todas as outras normas.

t Superlegalidade MATERIAL: torna-se evidente por modelar e reger todo o restante do ordenamento jurídico.

Nesse sentido, dispõe o autor Dirley Cunha Júnior acerca da diferença entre a imperatividade da Constituição e das demais normas:

“Enfim, todas as normas jurídicas caracterizam-se por serem impe-rativas. Todavia, na hipótese particular das normas constitucionais, a imperatividade assume uma feição peculiar, qual seja, a da supre-

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macia em face às demais normas do sistema jurídico. Assim, a Cons-tituição, além de imperativa como toda norma jurídica, é particular-mente suprema, ostentando posição de proeminência em relação às demais normas, que a ela deverão se conformar, seja quanto ao modo de sua elaboração (conformação formal), seja quanto à maté-ria de que tratam (conformação material).” (CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática. P. 32)

Ou seja, em todo o sistema jurídico há normas imperativas. Porém, dentre as normas imperativas, a Constituição é a norma suprema. Com base nessa norma, deve haver a conformação formal das leis e atos normativos, sendo estes elaborados de acordo com o procedimento previsto constitucionalmente. Deve haver, ainda, a conformação material, a qual pressupõe-se que as leis e atos normativos estão, em termos de conteúdo, de acordo com o que está disposto nas normas constitucionais.

1.2.4 Constituição Formal e Material

Do ponto de vista material a Constituição é todo o conteúdo básico referente a limitação do poder do Estado e garantia de direitos.

Já em sentido formal, Constituição é tudo aquilo que está na estrutura e foi consagrado pelo Constituinte como norma constitucional, independente da matéria (assunto) sobre o qual discorra.

Essa distinção impõe duas ordens de limitações aos poderes constituídos: i) quanto à adesão aos conteúdos constitucionais1 ii) quanto aos procedimentos constitucionalmente estabelecidos. 2

1.2.5 Unidade Normativa

Não obstante a pluralidade de valores da sociedade, a Constituição deve possuir uma harmonia interna. Assim, Dirley da Cunha afirma:

“Um ordenamento jurídico só pode ser concebido como um conjunto de normas. Vale dizer, é condição de existência de uma ordem jurídica a concorrência de normas. Não obstante a pluralidade de normas jurídicas que abrange, o ordenamento constitui uma unidade, quer porque suas normas nascem da mesma fonte (ordenamento simples), quer porque suas normas, ainda que nascidas de fontes distintas, têm o mesmo fundamento de validade (ordenamento complexo).

1 Consequência da superlegalidade formal.

2 Consequência da superlegalidade material.

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É a Constituição, portanto, como fonte máxima de produção de todo o Direito e último fundamento de validade das normas jurídicas que confere unidade e caráter sistemático ao ordenamento jurídico.” (CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática. P. 38).

Nesse sentido, dentro da pluralidade de normas que compõe o ordenamento jurídico, deve ser garantido ainda um padrão, uma unidade e uma harmonia entre as normas constitucionais entre si e para com as demais leis infraconstitucionais e atos normativos, não podendo, portanto, haver qualquer contradição entre si.

Essa harmonia é garantida, sobretudo, porque as normas devem nascer de uma mesma fonte, ou seja, baseadas no procedimento previsto constitucionalmente. E, caso haja qualquer desarmonia, há ainda um sistema que garante a retirada da norma invalida (ou seja, inconstitucional), que é o controle de constitucionalidade.

1.3 Fenômeno da Inconstitucionalidade

Sabe-se que o ordenamento jurídico tem uma unidade determinada pela Constituição, a qual determina como as normas infraconstitucionais devem se pautar, tendo em vista que essas normas são derivadas de um poder Constituído, limitado, enquanto a Constituição é fruto do Poder Constituinte, ilimitado.

Destarte, caso o Poder Constituído cria abaixo da Constituição algo em desconformidade com a mesma, vislumbra-se o fenômeno da inconstitucionalidade, devendo atuar o controle de constitucionalidade.

1.3.1. Planos de Existência, Validade e Eficácia das normas:

- Escada ou Escala Ponteana: Explica como objetos de estudo geral do direito são constituídos, destacando níveis que são exigidos de um objeto (negócios jurídicos, atos jurídicos, leis, etc.) do mundo do Direito até alcançar a perfeição.

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Verifica-se, primeiramente, a possibilidade de existência, que exige os seguintes requisitos: um agente, uma vontade, um objeto e uma forma (Exemplo: uma sentença escrita em um papel qualquer – forma - por um estudante - agente/vontade -, baseada em um crime visto na televisão - objeto).

Para uma lei existir, portanto, precisa-se haver alguém que a crie (sujeito), um conteúdo de que se trata (objeto), e uma forma – ordinária, por exemplo.

No entanto, para o ato ser válido, é necessário ainda outros requisitos além dos supramencionados, tal como a capacidade do agente (que no exemplo dado não se verifica, pois apenas o magistrado tem capacidade de proferir a sentença), liberdade (não haver qualquer vício de consentimento), licitude, possibilidade, objeto determinável, adequação (da forma). O sujeito que a criou deve ser legítimo, o conteúdo deve estar de acordo com o que dispõe a constituição (supremacia constitucional quanto à superlegalidade material) e a forma como fora criada deve estar em conformidade com o Devido Processo Legislativo, ou seja, com o que está disposto constitucionalmente sobre o procedimento de sua criação (supremacia constitucional quanto á superlegalidade formal).

Por fim, para o ato ser eficaz, deve, além de existir e possuir validade, ser disponível para ser aplicado no mundo jurídico, ou seja, ter a possibilidade de produzir efeitos concretos. A eficácia da norma, no entanto, necessita de uma análise sociológica fática, ou seja, das situações fático-jurídicas aptas a tornarem a norma apta a sua realização social (para atingir seu objetivo primário). Assim, ao se verificar a existência, validade e eficácia, o ato jurídico pode ser considerado perfeito.

A Escala Ponteana tem aplicação direta no que diz respeito ao controle constitucional, devendo a norma perpassar pelas três escalas ponteanas: Existência, Validade e Eficácia.

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Do ponto de vista da existência, basta a análise do sujeito, do objeto e da forma.

No plano da validade, os elementos da existência devem ser qualificados. Assim, o sujeito deve ser legítimo, o objeto deve ser materialmente constitucional e a forma deve ser em observância ao processo legislativo.

Isto posto, torna-se evidente que a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma ou ato normativo é analisada a partir do plano da validade (existência técnica).

tt Validade: é uma questão de existência técnica. Não basta existir. Tem de existir conforme o que propõe o Constituinte Originário. A validade está assim relacionada ao fato de ser emanada de um órgão competente, elaborada conforme suas regras pré-ordenadas de produção e guardar compatibilidade material com as normas que lhe são superiores. Por isso, fala-se em:

tValidez Formal: Relacionada ao fato de ser emanada de um órgão competente, elaborada conforme suas regras pré-ordenadas de produção.

tValidez Material: Necessita guardar compatibilidade material, ou seja, de conteúdo com as normas que lhe são superiores.

No plano da eficácia, a norma produzida será analisada quanto à sua capacidade de alterar a realidade para qual foi criada.

1.3.2 Nulidade ou Anulabilidade

Sendo a norma inconstitucional considerada invalida, surge o seguinte questionamento: tal norma nasce nula ou é passível de anulação?

Por um lado, a doutrina jurídica brasileira, majoritariamente, considera a norma inconstitucional como uma norma nula desde a sua criação, sendo apenas reconhecida pela decisão judicial.

Tal entendimento tem como inspiração a doutrina constitucional estadunidense (Caso Marbury v. Madison), em que a norma inconstitucional é tida por null and void, isto é, a lei que nasceu incompatível com a Constituição tem sua nulidade apenas reconhecida pela decisão judicial, sendo seus efeitos ab initio ou ipso iure. A natureza dessa decisão seria, portanto, meramente declaratória, ou seja, retroativos à data de promulgação do diploma legal. Esta é considerada a tese da tradição jurídica brasileira, sustentada desde Ruy Barbosa até os dias atuais por grande parte da doutrina.

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Por outro lado, parcela minoritária da doutrina jurídica pátria, sustentada na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, considera que as leis, mesmo inconstitucionais, são válidas até que um órgão competente (um Tribunal Constitucional, p. ex.) as invalide. Desse modo, seria constitutiva-negativa a natureza dessa decisão judicial, com efeitos apenas a partir da decisão.

Válido sublinhar, ainda, que há casos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado de constitucionalidade, que se reconheceu a aplicação da última tese, bem como é pacífico nos dias atuais a adoção de saídas intermediárias como as propostas por Kelsen. Desse modo, em que pese, predomine na tradição jurídica brasileira a tese da nulidade da norma inconstitucional, tal tese foi mitigada ao longo do tempo pelo pensamento kelseniano e suas saídas intermediárias à inconstitucionalidade.

t Eficácia: é a capacidade de transformar a realidade social, o que implica em dois aspectos: jurídico e material.

Veja o que dispõe José Afonso da Silva:

“Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas. Tratando-se de normas jurídicas, a eficácia consiste na capacidade de atingir os objetivos nela traduzidos, que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador”. (SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. P. 66)

Ou seja, eficácia da norma implica na qualidade ou potência de produzir efeitos, em maior ou menor grau, ou seja, diz respeito ainda sobre a aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma. Nesse sentido, continua o supracitado autor:

“Por isso é que se diz que a eficácia jurídica da norma designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, a exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. O alcance dos objetivos da norma constitui a efetividade.” (Idem. Ibidem.)

Nesses termos, segundo José Afonso da Silva, a eficácia pode ser:

tEficácia Jurídica → Que é sinônimo de Aplicabilidade, ou seja, é a potência de a norma produzir efeitos no mundo jurídico. Ex.: Revogar normas anteriores que lhe forem contrárias.

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tEficácia Social → Que é sinônimo de Efetividade, ou seja, é a real capacidade de transformar a realidade social. Ex.: Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. (...) § 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

Por fim, deve-se sublinhar que para Kelsen, a constitucionalidade não afeta o plano da validade e sim o plano da eficácia, diferente do que é entendido pela doutrina brasileira.

Ademais, a eficácia da norma é importante no que tange à modulação dos efeitos da norma declarada inconstitucional, visto que, mesmo que em regra, uma norma inconstitucional é nula, ou seja, tem efeitos retroativos, há a possibilidade de modulação dos efeitos.

1.3.3 Efeitos da Decisão Inconstitucional

Sabe-se que a inconstitucionalidade, conforme jurisprudência e doutrina brasileira majoritária, atinge o plano da validade da norma. Isso significa que a decisão que diz ser determinado ato administrativo ou ato normativo inconstitucional representa que aquele ato é nulo. Os efeitos dessa decisão, assim, retroagem até a data de produção desse ato, declarando sua invalidade.

Contudo, existe uma técnica de decisão que, mesmo entendendo pela invalidade do ato, fixa como data de nulidade a data da declaração de nulidade, deixando de retroagir até a data de sua produção.

Quando os efeitos da decisão não retroagem, afirma-se ter o efeito Ex-nunc. Quando a decisão atinge o momento da produção do ato, retroagindo, apresenta o efeito Ex-tunc.

tEx Nunc: não há retroatividade dos efeitos, ou seja, não pode haver o retrocesso dos efeitos da decisão sobre as situações pretéritas.

tEx Tunc: há a retroatividade dos efeitos, ou seja, retroage os efeitos da decisão sobre as situações pretéritas inclusive.

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1.4 O surgimento do Controle de Constitucionalidade nos Estados Unidos

1.4.1 Contexto histórico

O Controle de Constitucionalidade surgiu por volta do ano 1800, em meio às eleições entre John Adams e Thomas Jefferson, ocasião em que o primeiro, candidato à reeleição e seu grupo federalista, sofreu grande derrota nas eleições de 1800, tendo perdido 22 assentos na Câmara e as eleições presidenciais, enquanto o segundo assumiu o posto de presidente e o partido Republicano retomou as citadas cadeiras no parlamento.

Diante da grande derrota, John Adams decide tentar manter a influência federalista sobre o único poder que restava: o Judiciário. Assim sendo, Adams criou o Judiciary Act de 1789, ampliando bastante o número de juízes federais e criando outros cargos na magistratura americana, no que ficou conhecido como Midnight Judges (os juízes da Meia-Noite), nome em referência à nomeação de tais juízes ter se dado no “apagar das luzes” do governo.

O derrotado presidente americano decidiu ainda nomear John Marshall, seu então secretário de Estado, para o relevante cargo de Chief Justice. Seria o equivalente ao presidente do STF no Brasil, mas lá nos EUA é uma nomeação direta para o cargo gerencial.

Entre os juízes nomeados por Adams está William Marbury, nomeado para Juiz de Paz no estado da Colúmbia. Quando assume o cargo, Thomas Jefferson nomeia James Madison para Secretário de Estado.

Madison observa que vários juízes indicados ainda não haviam recebido a carta de nomeação, o que o fez cancelar tais nomeações, inclusive, a de William Marbury.

1.4.2 O caso Marbury versus Madison (The case of the midnight judges)

Inconformado com o cancelamento de sua nomeação como juiz de paz (na Columbia) realizada por Secretário de Estado (de Thomas Jefferson) James Madison, Marbury impetrou, na Suprema Corte Americana, writ of mandamus contra o Secretário, assim, o caso tornou-se Marbury vs. Madison ou The case of the Midnight Judges.

Quando o caso chegou até a Suprema Corte Americana, John Marshal, o mesmo que criou o Judiciary Act de 1789, nomeando vários juízes de seu interesse, foi quem julgou o caso.

No que tange ao conteúdo da decisão, deve-se sublinhar que fora a primeira decisão em que a Suprema Corte afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, consoante ao que expõe Luís Roberto Barroso:

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“Marbury v. Madison foi a primeira decisão na qual a Suprema Corte afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, negando a aplicação de leis que, de acordo com sua interpretação, fossem inconstitucionais. Assinala-se, por relevante, que a Constituição não conferia a ela ou a qualquer outro órgão judicial, de modo explícito, competência dessa natureza. Ao julgar o caso, a Corte procurou demonstrar que a atribuição decorreria logicamente do sistema. A argumentação desenvolvida por Marshall acerca da Supremacia da Constituição, da necessidade do judicial review e da competência do Judiciário na matéria é tida como primorosa. Mas não era pioneira nem original.” (BARROSO, Luis Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. P. 27)

No livro “Federalistas” de Hamilton, Madison e Jay (1888), surge uma discussão acerca da gênese do Direito Constitucional, momento em que já se defendia que o Poder Judiciário deveria exercer o controle de constitucionalidade. Veja-se:

Federalista Nº. 78 – Hamilton:

“Relativamente à competência das cortes para declarar nulos determinados atos do legislativo, porque contrários à Constituição, tem havido certa surpresa, partindo do falso pressuposto de que tal prática implica uma superioridade do judiciário sobre o legislativo. Argumenta-se que a autoridade que pode declarar nulos os atos de outra deve necessariamente ser superior a esta outra. Uma vez que tal doutrina é muito observada em todas as constituições americanas, convém uma breve análise de seus fundamentos”.“Não há posição que se apoie em princípios mais claros que a de declarar nulo o ato de uma autoridade delegada que seja contrário ao teor da delegação sob a qual se exerce tal autoridade. Consequentemente, não será válido qualquer ato legislativo contrário à Constituição. Negar tal evidência corresponde a afirmar que o representante é superior ao representado, que o escravo está acima do seu senhor, que os delegados do povo são superiores ao próprio povo, que aqueles que agem em razão de delegações de poderes estão impossibilitados de fazer não apenas o que tais poderes não autorizam, mas sobretudo o que eles proíbem.” (HAMILTON, MADISON, JAY. Federalista. P. 459)

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1.4.3 Consequências do Caso

Marshall, em sua decisão, primeiramente, fundamentou no sentido de conferir a Marbury o direito à nomeação. Em seguida, analisou o cabimento do writ of mandamus, reconhecendo que cabia à Suprema corte analisar aquele caso. Por fim, em concordância à tese de Hamilton, em “Federalista”, afirmou que cabe ao judiciário realizar o controle dando a última palavra acerca da constitucionalidade, firmando as bases do judicial review. Contudo, no fim, declarou a inconstitucionalidade do § 13 da Lei Judiciária de 1789 por criar uma competência constitucional para a Suprema Corte mediante ato legislativo e não emenda à Constituição, e, consequentemente, Marbury não teria o direito à nomeação, pois seria inconstitucional a decisão da Suprema Corte nesse sentido, uma vez que não teria atribuição para tal.

Constata-se, portanto, a afirmação da autoridade do Judiciário sobre o Legislativo e o Executivo, no que tange ao controle de constitucionalidade.

Portanto, a fundamentação da decisão de Marshall gerou três principais afirmações:

– Supremacia da Constituição;– Nulidade da lei que contraria a Constituição;– O poder Judiciário é o interprete final da Constituição.

1.4.4 Críticas ao Caso (Por Laurence Tribe)

Primeiramente, Marshall era totalmente impedido para o julgamento do caso, visto que ele foi quem participou ativamente do caso, uma vez que nomeou os juízes anteriormente.

Além disso, verifica-se uma suposta incompetência da Corte, visto que inicialmente declara que o writ of mandamus é cabível, e, posteriormente, contrariando a primeira afirmação, diz que a corte seria incompetente para julgá-lo.

A postergação da análise da competência prejudicou a lógica da decisão, uma vez que houve a fundamentação e análise do caso, inclusive havendo a afirmação do cabimento do writ of mandamus, para depois ser declarada a incompetência. Tal estrutura de decisão apresentada por Marshall foi uma resposta política.

Por fim, afirma-se ainda a falta de legitimidade democrática no desempenho desse papel pelo Judiciário, visto que ainda não havia no EUA a previsão da competência do judiciário acerca do controle de constitucionalidade.

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1.5 O modelo do Controle de Constitucionalidade de Hans Kelsen

Na história do constitucionalismo, verifica-se a modelo de controle de constitucionalidade americano, criado no caso Marbury versus Madison, e o controle de constitucionalidade Austríaco de Hans Kelsen, o qual será analisado no presente tópico.

1.5.1 Kelsen versus Carl Schmitt: Quem deve ser o guardião da Constituição?

A controvérsia Kelsen versus Carl Schmitt foi decisiva para a determinação do controle de constitucionalidade no padrão concentrado, ou seja, quando realizado pela Corte Constitucionalidade de um dado ordenamento.

Esse embate doutrinário ocorreu na primeira metade do século XX na Alemanha, na chamada República de Weimar, discutindo-se quem deveria exercer a função de guardião da Constituição, e foi fundamental para a determinação do controle de constitucionalidade no padrão concentrado, ou seja, quando realizado pela Corte Maior ou Corte Constitucional de um dado ordenamento.

Carl Schmitt partindo de um pressuposto político, defende que a norma constitucional revela a decisão política fundamental de um povo (Ex: define a forma de Estado e de governo etc.), enquanto Kelsen entende a constituição a partir de um sentido jurídico formalista, ou seja, a compreende como uma norma.

Nesses termos, quando o tema era a defesa da Constituição, com base nas ideias de Benjamin Constant e com base na história da monarquia constitucional alemã, Schmitt defendia a existência de um Poder Neutro3, que estaria acima dos demais e que teria como função de resolver os conflitos entre os demais poderes. Com base nisso, deveria o chefe do executivo exercer o papel de Guardião da Constituição, sendo responsável por exercer o controle de constitucionalidade. Ao Executivo estaria reservado o Poder Neutro.

Observa-se, a seguir, os motivos pelos quais Schmitt acredita que não deve ser o Poder Judiciário o guardião da constituição:

“Mas se for exigido, por tais motivos, um tribunal do Estado ou constitucional para todos os conflitos constitucionais, esquece-se quase sempre que a independência judicial é apenas o outro lado da vinculação judicial à lei e à Constituição. (...) Todavia, o guardião da Constituição tem que ser independente político-partidariamente neutro. No entanto, abusa-se dos conceitos de estrutura judicial e jurisdição, assim como da garantia institucional do funcionalismo

3 Essa mesma ideia de Poder Neutro de Benjamin Constant foi inspiração para a criação do Poder Moderador na Constituição Imperial de 1824.

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de carreira alemão (...) Tanto a justiça quanto o funcionalismo de carreira receberão uma carga insuportável se todas as tarefas e decisões políticas, para os quais foram desejadas independência e neutralidade político-partidária, se amontoarem sobre eles”. (SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. Pp. 225 e 227)

Assim, para Schmitt, o judiciário não é independente judicialmente ou político-partidariamente, visto que o seu funcionalismo de carreira gera uma carga de responsabilidade política para um órgão que deveria ser, a priori, técnico. Logo, para o autor, o Presidente do Reich é quem deve exercer o Poder Neutro, ter seu poder constituído em base plebiscitária.

Assim, segundo o autor, o Presidente do Reich é quem poderia exercer o Poder Neutro, em que estaria acima dos demais poderes (que é uma ideia do Benjamin Constant), segundo os motivos que se subseguem:

“O presidente do Reich encontra-se no centro de todo um sistema de neutralidade e independência político-partidárias, construído sobre uma base plebiscitária. O ordenamento estatal do atual Reich alemão depende dela na mesma medida em que as tendências do sistema pluralista dificultam, ou até mesmo impossibilitam, um funcionamento normal do Estado legiferante. Antes que se institua, então, para questões e conflitos relativos à alta política, um tribunal como guardião da Constituição e, por meio de tais politizações, se onere e coloque em risco a justiça, dever-se-ia, primeiramente, lembrar do conteúdo positivo da Constituição de Weimar e de seu sistema constitucional. Consoante presente conteúdo da Constituição de Weimar, já existe um guardião da Constituição, a saber, o Presidente do Reich”. (Idem. Ibidem. Pp. 232 e 233)

Kelsen, por sua vez, defendia que a guarda da Constituição deveria ser exercida por um Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional, na visão kelseniana, seria um órgão independe dos demais poderes e com a função EXCLUSIVA de realizar o controle de constitucionalidade:

“Sua independência diante do Parlamento como diante do governo é um postulado evidente. Porque precisamente o Parlamento e o governo é que devem ser, como órgãos participantes do processo legislativo, controlados pela jurisdição constitucional. (...) A anulação de uma lei se produz essencialmente como aplicação das normas constitucionais (...) a atividade de legislador negativo, da jurisdição constitucional, é absolutamente determinada pela Constituição.

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(...) É, por conseguinte, efetivamente jurisdicional”. (KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. P. 153)

Kelsen defendia expressamente, portanto:

i) “É da mais alta importância conceder, na composição da jurisdição constitucional, um lugar adequado aos juristas de carreira” (P. 154)

ii) “Também é importante excluir da jurisdição constitucional os membros do Parlamento ou do governo, já que são precisamente os atos de ambos que ela deve controlar” (P. 154)

Desse modo, para Kelsen, deve haver um tribunal constitucional, ou seja, um órgão independente, que exercerá o controle sobre os membros do parlamento ou do governo. Tal órgão deve ser composto por juristas de carreia, os quais, para o autor, são aqueles que poderiam exercer a guarda da constituição de maneira mais imparcial.

Por fim, a visão que prevaleceu foi a de Kelsen, instalando-se na Áustria, país de origem do jusfilósofo, o primeiro Tribunal Constitucional do mundo, tendo, inclusive, Kelsen sido juiz de tal Tribunal (1921-1930).

Kelsen Schmitt

tConstituição em sentido jurídico formalista tConstituição em sentido político

tGuardião da Constituição: Tribunal Cons-titucional criado apenas para o controle de constitucionalidade (legislador nega-tivo)

tGuardião da Constituição: Executivo, como Poder Neutro

1.5.2 As contribuições de Kelsen

a) Modelo de Corte Constitucional independente: um órgão que exerce controle sobre o parlamento e sobre o governo, responsável exclusivamente por essa função. Segundo Kelsen: “É necessário que o ato submetido ao controle do tribunal constitucional seja diretamente anulado por decisão própria, se considerado irregular”. (P. 170)

b) Efeito Ex Nunc: Kelsen defende a anulabilidade (o ato não é nulo desde a origem), logo, não tem efeito retroativo. Segundo Kelsen: “Em todo caso, seria bom, no interesse da mesma segurança jurídica, não atribuir em princípio nenhum efeito retroativo à anulação de normas gerais”. (P. 171)

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c) Possibilidade de declaração Parcial de Inconstitucionalidade: Segundo Kel-sen: “Cumpre notar enfim que a anulação não deve se aplicar necessariamente à lei inteira ou ao regulamento inteiro, mas também pode se limitar a algumas das suas disposições”. (P. 173)

Vale destacar que muitas ideias de Kelsen não prevaleceram, tais como restringir o controle de constitucionalidade somente a análise da inconstitucionalidade formal, tendo em vista sua visão positiva. Veja-se: “É lícito indagar se não seria o caso de autorizar o tribunal Constitucional a só anular um ato por vício de forma”. (P. 170)

Também não prevaleceu a ideia de Kelsen de fixar tempo para a anulação, em nome da segurança jurídica. Senão, vejamos:

“Seria bom, no interesse da segurança jurídica, encerrar a anulação em particular das normas gerais e principalmente das leis e dos tratados internacionais, num prazo fixado pela Constituição, por exemplo, três a cinco anos da entrada em vigor da norma a anular”. (P. 170)

Seria uma espécie de prazo decadencial para Corte atuar.

1.5.3 O modelo austríaco

O sistema austríaco, inspirado pelo escólio de Hans Kelsen, apresenta as seguin-tes características:

a) Pauta-se pelo controle de constitucionalidade imbuído tão somente a um órgão de cúpula, não cabendo a demais órgãos do Judiciário realizar o controle de constitucionalidade. Apenas a CORTE CONSTITUCIONAL o faz.

b) A decisão tem eficácia constitutiva. (Ou seja, para o modelo austríaco o efeito da declaração de constitucionalidade é ex-nunc, uma declaração constitutiva negativa. O modelo americano, diferentemente, é um modelo retroativo, onde a inconstitucionalidade se considera desde a produção do ato, em um modelo declaratório.)

c) O vício de inconstitucionalidade afeta o plano da existência. Tratando-se de uma decisão constitutiva, entende Kelsen que o vício de inconstitucionalidade está no plano da eficácia.

d) O ato normativo inconstitucional é anulável;

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e) A rigor a decisão que reconhece a inconstitucionalidade produz efeitos ex nunc;

f) O ato normativo viciado irradia efeitos e consequências jurídicas válidas até que seja anulado;

1.5.4 Marbury e Madison versus Kelsen

Comparando o sistema norte-americano com o sistema austriáco, denota-se, basicamente, quatro diferenças. Veja:

SISTEMA NORTE-AMERICANOMARSHALL:

Marbury e Madison

SISTEMA AUSTRÍACOKELSEN

1) Decisão Declaratória - Apenas reconhece a situação preexistente.

1) Decisão Constitutiva - Somente após a decisão os efeitos serão impedidos (pro

future).

2) Vício está no plano de validade. 2) Vício está no plano de eficácia.

3) Efeitos Ex Tunc. 3) Efeitos Ex Nunc.

4) O Ato é Nulo (null and void). 4) O Ato é Anulável. (Pode aparecer em vários graus).

1.5.5 O STF é um Tribunal Constitucional?

Entende-se por Corte Constitucional como um órgão criado, no modelo europeu, para conhecer especial e EXCLUSIVAMENTE o contencioso constitucional, consoante explica Louis Favoreu:

“Uma Corte Constitucional é uma jurisdição criada para conhecer especial e exclusivamente o contencioso constitucional, situada fora do aparelho constitucional ordinário e independente dos poderes públicos”. (FAVOREU, Louis. As Cortes Constitucionais. P. 15)

Desse modo, a partir da conceituação de Kelsen, o STF não pode ser considerado como uma Corte Constitucional, uma vez que necessitaria ter a função exclusiva do controle de constitucionalidade. Ao contrário, possui competências originárias que não envolvem o controle e ainda está na esteira recursal.

Carlos Mario Veloso afirma, por sua vez, que a Assembleia Constituinte debateu expressamente a possibilidade de adotar o modelo de Corte Constitucional europeu, mas rechaçou essa hipótese.

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Nesse sentido, surgem duas correntes acerca do tema, a primeira entende que o STF pode ser considerado um tribunal constitucional e a outra não. Veja-se:

t Corrente 1: Sim. É um Tribunal Constitucional, pois realiza o controle concen-trado de constitucionalidade.

t Corrente 2: Não. Não é um Tribunal Constitucional, pois NÃO POSSUI A FUNÇÃO EXCLUSIVA do Controle de Constitucionalidade.

1.6 Tipos de Inconstitucionalidade

Ultrapassado o debate sobre o que é a inconstitucionalidade, sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e os sistemas de controle, cabe agora uma analise pormenorizada dos tipos de inconstitucionalidade.

1.6.1 Formal e Material

tt Formal (nomodinâmica): descumprimento do processo legislativo. É dividida em:

a) Orgânica → Inobservância da competência legislativa.

Ex: uma lei estadual que trate sobre direito penal ou sobre direito civil.

b) Formal propriamente dita → Inobservância ao devido processo legislativo, ou seja, um vício na iniciativa (subjetiva) ou outro aspecto legislativo (objetiva).

t Subjetiva: Se houve um vício de iniciativa (vício no “sujeito” que iniciou o processo legislativo). Ex: lei de iniciativa parlamentar sobre um assunto do art. 61, § 1º (que são de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo).

t Objetiva: Quando são violados outros aspectos do procedimento legislativo. Ex: uma lei complementar que é aprovada por maioria simples e não maioria absoluta (art. 69).

c) Por violação a pressupostos objetivos → Inobservância a condições especiais exigidas pela própria CF. 4

Ex: O art. 62 exige que a medida provisória somente seja editada em caso de “relevância e urgência”.

4 Classificação criada por Canotilho.

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t Material (nomoestática, de conteúdo, substancial ou doutrinário): decorre de um desrespeito do legislador à supremacia do conteúdo trazido na Constituição.

Ex: Uma lei que permita a tortura seria materialmente inconstitucional por afronta ao conteúdo de um dos fundamentos da República. Tal inconstitucionalidade existiria mesmo que essa lei seguisse todas as etapas formais do processo legislativo.

1.6.2 Por Vício de Decoro Parlamentar

Entende-se por decoro parlamentar o comportamento adequado do parlamentar, ou seja, o respeito e o zelo dele para com a sua função, com o vínculo criado com o povo, que lhe deu o poder de representa-lo, consoante expressa José Anacleto Abduch Santos: “conjunto de princípios éticos e normas de conduta que devem orientar o comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato”.

Pedro Lenza, por sua vez, entende ser possível o controle de constitucionalidade pelo Judiciário por vício de quebra do decoro parlamentar:

“é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

A tese do controle de constitucionalidade ganhou respaldo com o caso do “mensalão” na Ação Penal (AP) n° 470, oportunidade em que se concluiu pela existência de um esquema de compra de votos de sete parlamentares, para que projetos de lei fossem aprovados de acordo com os interesses do governo à época.

Consoante o decisum do STF, verifica-se a ocorrência de grave vício no processo legislativo da Emenda Constitucional n° 41/03. Entretanto, questão nodal a ser enfrentada pelo STF nas ADIs n°s. 4887, 4888 e 4889 reside antes na possibilidade de controle de constitucionalidade por quebra de decoro parlamentar em face da comprovada existência de esquema de compra de votos.

Isso posto, entende-se inconstitucionalidade por vício de decoro parlamentar a corrupção, compra de votos ou quaisquer mecanismos que federem o procedimento de criação das leis de acordo com as normas constitucionais.

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1.6.3 Ação ou Omissão

Pode haver ainda a inconstitucionalidade por ação, ou seja, edição de ato normativo em desconformidade com a constituição, ou por omissão, pelo silêncio legislativo, quando o órgão competente queda-se inteiramente inerte diante de um dever de legislar. Veja-se:

t Ação (positiva ou por atuação): A inconstitucionalidade por ação decorre da edição de ato normativo em desconformidade com a Constituição.

tOmissão (“por silêncio legislativo”): Verifica-se quando o órgão competente se queda inteiramente inerte diante de um dever de legislar.

1.6.4 Originária e Superveniente

tt Originária: ocorre quando a norma nasce inconstitucional em relação ao parâmetro vigente. Ex: uma lei criada hoje está em desconformidade com a CF/88, logo, sendo inconstitucional originariamente.

tt Superveniente: apresenta-se quando uma nova ordem constitucional desponta, tornando a norma infraconstitucional anterior inconstitucional. Ex: Uma norma criada durante a CF/69 não é compatível com a CF/88.

No Brasil, analisa-se a constitucionalidade da norma objeto de acordo com o parâmetro vigente, ou seja, não é admitida constitucionalidade/inconstitucionalidade superveniente. Exemplo: Uma lei editada em 1983 deve ter sua constitucionalidade aferida segundo a ordem constitucional de 1969 e não com a Constituição de 1988.

Tendo em vista que o STF não reconhece a inconstitucionalidade superveniente, fala-se em recepção ou não recepção (revogação) da norma infraconstitucional pela nova Constituição, uma vez que não seria adequado analisar uma norma produzida segundo um parâmetro de acordo com um novo, numa espécie de anacronismo.

Nesse sentido:

A alteração do parâmetro constitucional, quando o processo ainda está em curso, não prejudica o conhecimento da ADI. Isso para evi-tar situações em que uma lei que nasceu claramente inconstitucio-nal volte a produzir, em tese, seus efeitos. (STF. Plenário. ADI 145/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018)

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Ou seja, segundo o julgado supramencionado, não é admitida a constitucionali-dade superveniente e, consequentemente, não admite-se que uma norma anteriormente inconstitucional passe a ser declarada constitucional com base no novo ordenamento jurí-dico. Veja-se:

“Constitucionalidade superveniente seria, portanto, a possibilidade de uma lei ou ato normativo inconstitucional ao tempo de sua edição se tornar constitucional a partir da promulgação de novo texto constitucional. Como já dito, a constitucionalidade superveniente não é aceita pelo STF. Isso porque a norma inconstitucional é nula desde o seu nascedouro, não podendo ser convalidada com a alteração do parâmetro constitucional. Adota-se o princípio da contemporaneidade para se analisar a constitucionalidade da norma”. (CAVALCANTE, Márcio).

1.6.5 Total e Parcial

tTotal (absoluta): Verifica-se quando o vício atinge a integralidade da norma. Pode ser por ação ou omissão.

tParcial (relativa): Ocorre quando o vício atinge apenas um trecho, artigo ou expressão, eivando a norma de vício constitucional.

1.6.6 Direta e Indireta

tDireta: É aquela que viola frontalmente a Constituição. Isso ocorre com normas jurídicas primárias, ou seja, aquelas que decorrem diretamente da constituição: emenda constitucional, lei ordinária, lei complementar, medida provisória, etc (Art. 59 da CF/88). São estas normas gerais, abstratas e impessoais que inovam no ordenamento jurídico.

tIndireta (Reflexa): Verifica-se quando um decreto do Executivo, por exemplo, exorbita dos limites legais e se torna indiretamente inconstitucional. Em verdade ele padece, em primeiro plano, de um vício de legalidade e só reflexamente de constitucionalidade, por em tese, ferir o princípio da legalidade. Em regra, sequer pode ser considerado vício de constitucionalidade, mas pode gerar inconstitucionalidade por arrastamento.

1.6.7 Por Arrastamento (consequência ou por atração)

Em regra, o Judiciário deve observar a regra da congruência (ou da correlação ou da adstrição), ou seja, deve se limitar à análise dos dispositivos impugnados na petição inicial.

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Uma exceção, todavia, são os casos de inconstitucionalidade por consequência (ou por arrastamento ou por atração), hipótese em que o STF pode estender a declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados na petição inicial, desde que possuam uma relação de interdependência com os dispositivos questionados.

É o que ocorre, por exemplo, na inconstitucionalidade indireta (reflexa), uma vez que caso um decreto seja considerado inconstitucional, a lei decorrente dele também deve ser declarada inconstitucional.

Com o parâmetro invocado, a situação é diversa, pois, apesar da necessidade de serem indicados os fundamentos jurídicos do pedido na petição inicial, o STF não está adstrito a eles.

Assim, por exemplo, se um decreto decorre de uma lei inconstitucional, sendo esta lei declarada inconstitucional, os efeitos dessa declaração, mesmo que não pedido na inicial, podem se estender para declarar nulo também o decreto.

1.6.8 Progressiva

A inconstitucionalidade progressiva tem ainda como sinônimos: “normas ainda constitucionais”, “inconstitucionalidade temporária”; “declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade”.

Tal forma de inconstitucionalidade surge na tangente da constitucionalidade, conforme afirma Marcelo Novelino:

“são situações constitucionais imperfeitas que se situam em estágio intermediário entre a constitucionalidade plena e a inconstitucionalidade absoluta”.

Assim uma norma, embora incompatível com a Lei Maior, pode ser ainda considerada constitucional, enquanto não sobrevierem as circunstâncias que venham a concretizar seu caráter inconstitucional.

Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, seguindo orientação da Corte Constitucional Alemã, vem adotando a teoria da inconstitucionalidade progressiva em importantes decisões, o que demonstra a nítida intenção de “salvar” determinado dis-positivo legal de eventual inconstitucionalidade.

Destacam-se, pois, os seguintes casos em que a referida técnica foi utilizada pelo Tribunal Constitucional: art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950 e art. 68 do Código de Processo Penal (CPP).

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Nesse exemplo, o art. 68 do CPP dispõe que o MP pode representar pessoas hi-possuficientes em Ações Penais Privadas, o que, a priori, é inconstitucional, uma vez que é dever da Defensoria Pública. No entanto, o STF, fundamentando-se na inconstitucionali-dade progressiva, declarou a constitucionalidade (por enquanto) do dispositivo, tendo em vista que a defensoria pública ainda não possui estrutura para realizar tal tarefa.

1.6.9 Chapada

A expressão “chapada” começou a ser utilizada pelo Ministro Sepúlveda Pertence quando desejada caracterizar uma inconstitucionalidade mais do que evidente, clara, flagrante, escancarada, não restando qualquer dúvida sobre o vício, seja formal, seja material. Exemplo: pena de morte, lei que regula a tortura, etc.

1.6.10 Circunstancial

A “inconstitucionalidade circunstancial” reflete a incompatibilização de determi-nada norma somente quando aplicada a determinado caso concreto, à específica situação de fato e não à generalidade dos casos. Para solução desta incompatibilização, utiliza-se da técnica da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Ex: Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da OAB em face de dispositivo de lei federal que transferiu à Procuradoria da Fazenda Nacional a legitimidade ativa para cobrança de créditos relativos à Super-Receita, em virtude da ausên-cia de estrutura do órgão para promover as execuções fiscais