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CONTEXTURAS o ensino das artes em diferentes espaços

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C O N T E X T U R A So ensino das artes em diferentes espaços

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Vanildo Mousinho MarinhoLuis Ricardo Silva Queiroz

(Organizadores)

Maura PennaLívia Marques CarvalhoRosemary Alves de Melo

Maria das Graças Vital de MeloGrupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes / UFPB

Editora Universitária/UFPBJoão Pessoa

2005

Contexturaso ensino das artes

em diferentes espaços

GRUPO INTEGRADO DE PESQUISA EM ENSINO DAS ARTES / UFPBhttp://www.cchla.ufpb.br/pesquisartee-mail: [email protected]

Coordenador: Prof. Vanildo Mousinho Marinho

Copyright © 2005, os autores (Grupo integrado de Pesquisa em Ensino dasArtes / UFPB)

Diagramação e editoração eletrônicaVanildo Mousinho Marinho

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Ora, o conhecimento pertinente é o que écapaz de situar qualquer informação emseu contexto e, se possível, no conjunto emque está inscrita. Podemos dizer até que oconhecimento progride não tanto por so-fisticação, formalização e abstração, mas,principalmente, pela capacidade de con-textualizar e englobar.

Edgar Morin

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBAreitor

RÔMULO SOARES POLARIvice-reitora

MARIA YARA CAMPOS MATOS

EDITORA UNIVERSITÁRIAdiretora

NADJA DE MOURA CARVALHOvice-diretor

JOSÉ LUIZ DA SILVAdivisão de produção

JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHOdivisão de editoração

CLEMENTE RICARDO SILVA

Projeto de Capa: Mônica Câmara

Direitos desta edição reservados à:EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPBCaixa Postal 5081 - Cidade Universitária - João Pessoa - Paraíba - Brasil - CEP 58051-970www.editora-ufpb.com.brImpresso no BrasilPrinted in Brazil

Foi feito o depósito legal

C761 Contexturas: o ensino das artes em diferentes espaços / Vanildo Mousinho Marinho e Luis Ricardo Silva Queiroz (Organizadores). - João Pessoa: Editora Universitária / UFPB, 2005. 181 p.

1. Artes - estudo e ensino I. Marinho, Vanildo Mousinho II. Queiroz, Luis Ricardo Silva

UFPB/BC CDU: 7

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................................................. 9

1 - PINTANDO O SETE? as artes visuais na educaçãoinfantil .................................................................................. 13Maura PennaRosemary Alves de Melo

2 - A MÚSICA COMO FENÔMENO SOCIOCULTURAL:perspectivas para uma educação musical abrangente.......... 49Luis Ricardo Silva Queiroz

3 - QUEM ENSINA ARTE NAS ONGS? ................................ 67Lívia Marques Carvalho

4 - A CRIAÇÃO DE ESPAÇOS/TEMPOS POSSÍVEIS NAEDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: reinventandopráticas educativas .............................................................. 95Maria das Graças Vital de Melo

5 - RESSIGNIFICANDO E RECRIANDO MÚSICAS:a proposta do re-arranjo .................................................... 123

OS AUTORES.................................................................... 179

Marciano Soares
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Disponível em versão revista e atualizada em: PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre:Sulina, 2008. p. 161-194
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PREFÁCIO

A diversidade do ensino das artes, em suas múltiplas ex-pressões metodológicas e espaços de atuação, tem caracterizadoum campo educacional complexo, e em constante processo de(re)definição e (re)estruturação de seus objetivos, diretrizes edirecionamentos pedagógicos.

O Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes, daUniversidade Federal da Paraíba (UFPB), ligado aos Departamen-tos de Educação Musical e de Artes Visuais1, tem contribuído sig-nificativamente para as discussões da área, realizando, desde 1990,quando iniciou seus trabalhos, debates e publicações importantespara as reflexões sobre os processos de ensino e aprendizagem dasartes, tanto nas suas dimensões didático-pedagógicas quanto nasperspectivas da legislação educacional vigente no Brasil.

Em sua formação atual o grupo ganhou uma dimensãodiferenciada de sua estruturação inicial, passando a ser constituí-do, também, por professores/pesquisadores da Universidade Esta-dual da Paraíba (UEPB) e da Universidade Federal de Pernambuco(UFPE), o que conferiu ao Grupo um caráter interinstitucional.Dos membros fundadores, permanecem a professora Maura Penna(hoje da UEPB) e o professor Vanildo Mousinho Marinho (daUFPB, Coordenador do Grupo), ambos da área de música. Inte-

1 Anteriormente o Grupo estava ligado ao Departamento de Artes, que foiextinto em 2004.

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gram também o Grupo os professores da UFPB Lívia MarquesCarvalho (desde 1997), da área de artes visuais, e Luis RicardoSilva Queiroz (desde 2004), da área de música. Completam o Gru-po as Professoras Rosemary Alves de Melo, da área de artes visu-ais (da UEPB), e Maria das Graças Vital de Melo, da área de teatro(da UFPE), que ingressaram neste ano de 2005.

Vivendo um novo momento em sua dinâmica de trabalho,o Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes experienciauma dimensão mais abrangente. O processo de discussão e cons-trução dos textos, publicações e demais trabalhos do Grupo, antescompartilhado de forma presencial, ganhou outra característica apartir da interinstitucionalidade. As produções passaram a ser ela-boradas de maneira mais individualizada, e buscou-se novas possi-bilidades de articulação, à distância, para apreciação coletiva efinalização dos trabalhos.

Para comemorar essa trajetória de quinze anos de exis-tência e produção, estamos lançando mais um trabalho em que oGrupo apresenta visões diversificadas sobre o ensino das artes emdiferentes espaços, constituindo, nessa convergência de perspecti-vas, contexturas em que o Grupo discute e analisa temas emer -gentes da realidade contemporânea das práticas educativas em artesvisuais, música e teatro.

Conscientes da diversidade de universos existentes noâmbito do ensino das artes e, conseqüentemente, das particularida-des que caracterizam cada contexto educacional desse campo, estacoletânea enfoca aspectos importantes para o pensamentocrítico-reflexivo e para a ação criadora necessária na realidade atu-al das instituições e dos profissionais que lidam com o ensino nessaárea em suas distintas expressões, contextos e situações.

Abrangendo caminhos que percorrem temáticas relacio-nadas ao universo sociocultural do ensino das artes, alternativascriativas de (re)estruturação e exploração dos materiais artísticos,

e possibilidades de atuação em contextos emergentes e potenciaisde educação, os artigos trazem, na perspectiva de cada autor , vi-sões que contemplam um amplo campo de buscas e inquietaçõespara a estruturação metodológica de um ensino de artecontextualizado com as necessidades e as especificidades dos es-paços educativos em que acontece.

Cada artigo apresenta, em separado, uma discussãoconstruída a partir da área de atuação e da vivência do autor, cons-tituindo na totalidade da coletânea abordagens que interagem peloobjetivo comum da proposta, mas que preservam as característicaspróprias de cada trabalho.

No primeiro artigo, Pintando o sete? as artes visuais naeducação infantil, é discutida a proposta das artes visuais, para afaixa etária de zero a seis anos, presente nas orientações doReferencial Curricular Nacional de Educação Infantil (RCNEI). Otexto enfoca atividades desenvolvidas em turmas de pré-escolar deinstituições de educação infantil (creches) públicas municipais dacidade de Campina Grande-PB, analisando a prática pedagógicade professoras atuantes nesse universo, com base nas diretrizesapresentadas no RCNEI.

O segundo artigo, A música como fenômeno sociocultural:perspectivas para uma educação musical abrangente , apresentauma abordagem dessa temática a partir de perspectivas daetnomusicologia, da antropologia e da educação em geral, consi-derando a necessidade de pensarmos em propostas amplas de ensi-no que possam lidar como o fenômeno musical de formacontextualizada com os diferentes espaços em que é concebido epraticado.

Em Quem ensina arte nas ongs?, o terceiro artigo, discu-te-se o ensino não-formal de arte a partir de pesquisa realizada nasONGs Casa Pequeno Davi, na cidade de João Pessoa-PB, CasaRenascer, em Natal-RN, e Daruê Malungo, em Recife-PE. São abor-

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dados na discussão o contexto educativo das ONGs e o perfil doseducadores responsáveis pelas oficinas de arte nessas instituições.

A criação de espaços/tempos possíveis na educação dejovens e adultos: reinventando práticas educativas, o quarto arti-go, traz uma discussão centrada no ensino e aprendizagem da arteteatral nos projetos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) de-senvolvidos pelo Centro de Educação da UFPE, enfatizando osseus conteúdos escolares básicos, e, ao mesmo tempo, consideran-do a função social da arte em sua relação com a educação e com apolítica.

No quinto artigo, Ressignificando e recriando músicas:a proposta do re-arranjo, é enfocado, do ponto de vista pedagógi-co, o trabalho criativo que promove a reapropriação ativa de músi-cas brasileiras, populares, da vivência do aluno, através da explo-ração de diferentes materiais e recursos. O artigo apresenta aindauma discussão em que relaciona re-arranjo e releitura, abordandosuas similaridades e suas diferenças, enquanto propostas pedagó-gicas.

Com base nas discussões apresentadas em cada artigo,deixamos aqui registrada mais uma contribuição do Grupo Inte-grado de Pesquisa em Ensino das Artes para as discussões e asreflexões da nossa área, reafirmando o compromisso desse Grupocom os rumos do ensino das artes no Brasil, considerando as reali-dades diversificadas, os distintos problemas e necessidades e, fun-damentalmente, as perspectivas e objetivos da área na atualidade.

Vanildo Mousinho MarinhoLuis Ricardo Silva Queiroz

Organizadores

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PINTANDO O SETE?as artes visuais na educação infantil

Maura PennaRosemary Alves de Melo

Segundo a atual Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (LDB) – Lei nº 9.394/96, Artigo 21 –, a educação infantilconstitui a etapa inicial da educação básica, que abrange ainda oensino fundamental e o ensino médio. No entanto, o dever do Es-tado com a educação escolar pública e gratuita limita-se, com ca-ráter de obrigatoriedade, apenas ao ensino fundamental (cf. Art. 4o

e 5o). Assim, a educação infantil continua a ser um privilégio: ademanda não é atendida, na medida em que a maioria das criançasde zero a seis anos não tem acesso a este nível escolar , que emparte está a cargo de escolas particulares 1. Dados do IBGE indi -

1 Segundo os resultados preliminares do Censo Escolar de 2004, de um totalde 6.901.258 matrículas iniciais na creche e na pré-escola em todo o país,1.986.195 são na rede privada – as demais se distribuem nas redes federal,estaduais e municipais, com maior concentração neste último nível (BRA-SIL, 2004a). Deve-se considerar que, provavelmente, pequenas creches eescolas não regulamentadas não foram incluídas no censo.

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cam que, em 2002, da população de zero a três anos, apenas 6,1%freqüentava uma instituição pública de educação infantil; já na fai-xa de quatro a seis anos, esse índice chegava a 48,5% – incluindo apossibilidade de matrícula antecipada no ensino fundamental (BRA-SIL, 2004b, p. 5).

Mesmo com esta limitação histórica e estrutural de nossosistema público de ensino, é importante a indicação que a LDBsinaliza, incluindo esse nível de ensino como parte da educaçãobásica, que “tem por finalidades desenvolver o educando, assegu-rar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cida-dania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudosposteriores” (Lei nº 9.394/96, Art. 22). A educação da criança pe-quena, de zero a seis anos, ganha maior significação, como parteda formação do indivíduo.

Propostas curriculares e práticas pedagógicas para a edu-cação infantil envolvem, em maior ou menor grau, as linguagensartísticas, dentre elas as artes visuais, tradicionalmente as maisexploradas na prática escolar das séries iniciais. Este artigo abor-da as artes visuais na educação infantil sob este duplo aspecto,analisando, por um lado, como é tratada na proposta governa-mental, e, por outro, como é trabalhada na prática concreta ecotidiana de instituições municipais de Campina Grande, a se-gunda maior cidade da Paraíba.

A proposta oficial para a educação infantil

O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil(RCNEI)2, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), consti-tui uma orientação oficial para a prática pedagógica na educação

infantil, embora não tenha caráter obrigatório, do ponto de vistaformal3. Como o próprio documento indica, em sua introdução(vol. 1), antecedeu a sua elaboração um estudo amplo sobre aspropostas existentes para a educação de crianças (de até seis anos)no país, empreendido em 1996, no qual se constatou a enormediversidade de propostas e a freqüente distância entre os referenciaisteóricos adotados (sobre o desenvolvimento infantil, etc.) e as prá-ticas pedagógicas propostas.

Neste quadro, o RCNEI apresenta uma orientação básicapara a educação de crianças de zero a seis anos, fundada sobreuma visão do desenvolvimento infantil em todas suas esferas(cognitiva, afetiva, física, etc.), configurando-se num documentode referência para a discussão, revisão ou elaboração de propostaspedagógicas, seja no âmbito institucional ou na formação continu-ada de educadores. A proposta educativa do RCNEI distancia-seda “tradição assistencialista das creches” e da “antecipação da es-colaridade das pré-escolas”4, buscando o pleno desenvolvimentoda criança, de acordo com as características e potencialidades decada faixa etária.

O RCNEI é composto por três volumes, sendo o primeirouma introdução. Os demais correspondem aos dois âmbitos (oucampos) de experiências propostos para o processo de educaçãoinfantil: (a) Formação Pessoal e Social (vol. 2); (b) Conhecimentode Mundo (vol. 3). Este último âmbito é constituído pelos seguin-tes eixos de trabalho: Movimento; Música; Artes Visuais; Lingua-

2 Para facilitar as remissões, trataremos este documento (BRASIL, 1998a)como RCNEI, se necessário especificando o volume, de forma resumida.

3 Nem o RCNEI, nem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para oensino fundamental (BRASIL, 1997; 1998b) e para o ensino médio (BRA-SIL, 1999) são obrigatórios, embora sejam usados pelo MEC como referên-cias para as suas ações. Obrigatórias são as Diretrizes Curriculares Nacio-nais para os diversos níveis de ensino.

4 Nos termos da “Carta do Ministro” – dirigida “ao professor de educaçãoinfantil” – que abre cada volume do RCNEI.

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gem Oral e Escrita; Natureza e Sociedade; Matemática. Note-se ogrande peso dado às artes, como linguagens não-verbais a serviçoda expressão e comunicação das crianças, presentes em 3 dos 6eixos de trabalho do campo de Conhecimento de Mundo5. Ao âm-bito Formação Pessoal e Social, corresponde um eixo de trabalho,designado como Identidade e Autonomia.

Para cada eixo de trabalho (incluindo Artes Visuais), sãoapresentados objetivos, conteúdos e orientações didáticas, deacordo com cada faixa etária: (a) de zero a três anos; (b) de quatroa seis anos. Esta é a divisão adotada pelo RCNEI, arbitrária, comoqualquer outra – até porque não é a idade cronológica que indicaum desenvolvimento uniforme de todas as crianças, qualquer queseja o aspecto considerado (cognitivo, motor , etc). Assim, essasduas faixas etárias constituem um outro princípio de organizaçãodo documento do RCNEI.

Um outro dado que revela a importância das artes na pro-posta pedagógica do RCNEI é a relação das linguagens artísticascom os objetivos gerais para a educação infantil, apresentados novolume introdutório (RCNEI, v. 1, p. 63). Dos oito objetivos ge-rais, pelo menos cinco podem ser diretamente contemplados pelotrabalho na área de arte (Artes Visuais, Música, Movimento):- “utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral

e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comu-nicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressarsuas idéias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seuprocesso de construção de significados, enriquecendo cada vezmais sua capacidade expressiva”;

- “conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitu-des de interesse, respeito e participação frente a elas e valorizan-do a diversidade”;

- “brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, de-sejos e necessidades”;

- “observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade [...]”;- “descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas

potencialidades e seus limites [...]” (RCNEI, v. 1, p. 63).Desta forma, fica claro o papel que as artes podem de-

sempenhar na formação da criança.

A proposta do RCNEI para as Ar tes Visuais

Quanto às sugestões para Artes Visuais, a proposta doRCNEI expressa os novos direcionamentos para o ensino de arte,que se consolidaram ao longo da década de 1990, e que também seevidenciam nas propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionaispara o ensino fundamental (BRASIL, 1997; 1998b) e médio (BRA-SIL, 1999)6. Em primeiro lugar, ressalte-se que não mais se usa adesignação Artes Plásticas, substituída por Artes Visuais, com maioramplitude, abarcando – além do desenho, pintura e escultura – pro-duções como histórias em quadrinhos, artes gráficas, novastecnologias, etc. (o mesmo acontece nos demais Parâmetros).

Por outro lado, a discussão inicial do texto sobre ArtesVisuais, acerca da prática pedagógica na área, aponta três eixosde atuação: (1) o fazer artístico, a criação; (2) a fruição, quecorresponde à apreciação das distintas manifestações artísticas;(3) a reflexão sobre as produções artísticas (RCNEI, v. 3, p. 89).O forte diferencial deste direcionamento, com relação às práticaspor muito tempo dominantes no campo do ensino de arte, é que ofazer artístico deixa de ser exclusivo, resgatando-se a importân-cia da apreciação, essencial para a familiarização com as lingua-

5 O eixo Movimento abarca a expressão corporal e a dança.

6 Para uma análise da proposta dos Parâmetros para Arte, ver Penna (2001,2003).

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gens artísticas e para a ampliação do universo cultural (cf. PENNA,1995). Referimo-nos à “apreciação”, apesar de o RCNEI utilizarprioritariamente o termo “fruição” – como também acontece nosParâmetros Curriculares Nacionais de Arte para a 1ª a 4ª sériesdo ensino fundamental (BRASIL, 1997, v . 6). Consideramos otermo “fruição” mais inusual, mais difícil para a professora deeducação infantil7 (ou ensino fundamental) sem formação especí-fica na área de arte, além de ser mais comprometido com umavisão romântica de arte, que desconsidera o seu caráter cultural,como uma linguagem historicamente constituída8. O termo apre-ciação, por sua vez, já tem uso tradicional no campo da arte,referindo-se ao âmbito da recepção da obra, da interpretação (sig-nificativa) das manifestações artísticas, que sempre é ativa.

Apesar de apresentar esta concepção da prática na áreacom base nestas 3 linhas de ação, os objetivos e conteúdos deArtes Visuais são estruturados sobre os eixos do fazer artísticoe da apreciação, procurando respeitar as potencialidades da cri-ança, de acordo com a faixa etária. Passamos a caracterizar, emtermos gerais, as sugestões para a prática pedagógica na área(cf. RCNEI, v. 3, p. 97-105).

Com relação ao fazer artístico – ou seja, à criação ou pro-dução –, a ênfase é a exploração de diferentes instrumentos, materi-ais e suportes para a expressão plástica da criança. Assim, podem serusados, por exemplo, diversos tipos e tamanhos de pincéis, de tintas,massas de modelar , aplicados sobre dife rentes suportes – papéis,parede, o próprio corpo, etc. A produção pode se dar em diferentes

modalidades, como desenho, pintura, modelagem, colagem, cons-trução (com objetos, sucata), etc. No entanto, dá-se especial impor-tância ao desenho como procedimento essencial de expressão gráfi-ca e visual, servindo de base para outras formas de trabalho.

Considerando-se as distintas faixas etárias, a produção grá-fica e visual da criança de zero a três anos é, basicamente, decor-rente de sua movimentação. Neste sentido, enfatiza-se a produçãode rabiscos ou de garatujas, como marcas decorrentes de uma açãomotora. Aos poucos, o resultado visual vai ganhando importânciae vai sendo progressivamente controlado. Entre quatro e seis anos,a produção da criança ganha mais intencionalidade, em termos deexpressão e comunicação.

Quanto à apreciação (fruição), na fase de zero a três anoso foco principal é constituído pelas formas do meio ambiente, cujasqualidades visuais podem ser exploradas perceptivamente, incluin-do diferentes objetos e a natureza. Progressivamente, estende-seessa apreciação a diversificadas manifestações artísticas. Nesteponto, vale salientar a importância do contato com uma variedadede produções artísticas visuais, particularmente aquelas presentesno dia-a-dia, através da indústria cultural ou da produção popular,não se restringindo o campo de ação às chamadas “obras de arte”,à arte de museu, embora esta também possa (ou mesmo deva) serincluída, sempre que possível.

Fica claro, portanto, que, através de ações pedagógicasque exploram o fazer artístico e a apreciação em Artes Visuais, acriança pode desenvolver sua relação significativa com o mundo etambém seus processos de simbolização, aspectos fundamentaispara o seu desenvolvimento global como pessoa.

As orientações gerais para a professora, por sua vez,enfatizam a questão da organização do tempo e do espaço (RCNEI,v. 3, p. 107-113). Sugere-se a organização de um ateliê, como um

7 Aqui, adotamos os termos as professoras de educação infantil e as profis-sionais da educação infantil, por se tratarem de categorias profissionaisque, na sua grande maioria, são compostas por mulheres.

8 Não cabe aqui estender esta questão, pelos limites deste trabalho. A respeito,ver Penna e Alves (2001).

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espaço adequado para o trabalho de Artes Visuais, onde os dife-rentes materiais possam estar à disposição da criança. Isto não querdizer que sejam necessárias dispendiosas instalações especiais, poiseste ateliê pode ser um cantinho da sala de aula, onde os materiaisestejam em caixas e haja varais para secar os trabalhos, etc. Destaforma, as crianças disporiam de um espaço para desenhar ou pintarlivremente, todo dia, se quisessem, independentemente do contro-le da professora. Com respeito à or ganização do tempo, sãosugeridas as atividades permanentes – que acontecem com regu-laridade na rotina das crianças –, as seqüências de atividades –como, por exemplo, uma série de atividades planejadas sobre oconhecimento do corpo, desde a apreciação de figuras do corpoem movimento ao desenho do contorno do próprio corpo – e osprojetos, desenvolvidos em torno de uma finalidade determinada.

Considerando-se as faixas etárias, são ainda pertinentes emerecem destaque as recomendações acerca da necessidade de ava-liar a segurança dos materiais, quando da sua escolha, e ainda anecessidade de adequar as atividades planejadas ao nível de concen-tração da criança, conforme a sua idade e, também, seu interesse.

Pelo exposto, fica claro que a proposta para as Artes Vi-suais do RCNEI enfatiza a atividade exploratória, a criação (fazerartístico) como prazer lúdico, as Artes Visuais como linguagem deexpressão e comunicação. Nesta medida, sua abordagem pedagó-gica opõe-se radicalmente a práticas tradicionais, ainda vigentesna educação infantil, como o trabalho com reproduções de mode-los (desenhos mimeografados para colorir , por exemplo), ou ou-tras práticas que enfatizam o resultado, o produto. Na educaçãoinfantil, ao contrário, as Artes Visuais devem estar em função dodesenvolvimento global da criança, tendo seu valor pedagógico noprocesso percorrido.

Por um lado, a criação de um documento que estabeleceuma orientação curricular específica para a educação infantil,

contemplando as Artes Visuais, pode ser considerada um avanço.Dentre seus objetivos, o RCNEI pode servir de orientação paranovas práticas de Artes Visuais para crianças de zero a seis anos,subsidiando o trabalho docente nesse nível de ensino. No entanto,o RCNEI não é uma proposta de aplicabilidade automática e ga-rantida, pois, na prática, ainda são encontradas diversas dificulda-des na utilização desse referencial, pelas instituições de educaçãoinfantil brasileiras. Para que as suas propostas possam ser implan-tadas de modo mais amplo, são necessárias não apenas ações deformação (inicial e continuada) das professoras, mas tambémmelhorias das condições de trabalho (relação entre o número decrianças e de educadores, disponibilidade de espaço e recursos ma-teriais), para que o ensino de arte possa realmente se iniciar demodo efetivo na educação infantil e se desenvolver, com continui-dade e consistência, ao longo de toda a educação básica9.

Neste quadro, portanto, questionamos de que maneira,em situações concretas, são trabalhadas as Artes Visuais em insti-tuições de educação infantil públicas municipais.

Investigando a prática pedagógica

A fim de contribuir com essa discussão, enfocamos as práti-cas em Artes Visuais, desenvolvidas em turmas de Pré-escola II deinstituições de educação infantil públicas municipais da cidade de Cam-pina Grande-PB, com base em pesquisa de campo realizada em 200410.

9 Afinal, de acordo com a LDB: “[...] o ensino de arte constituirá componentecurricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma apromover o desenvolvimento cultural dos alunos” (Lei nº 9.394/96, Art. 26,parágrafo 2º).

10 Essa pesquisa foi objeto da dissertação de Rosemary Alves de Melo(MELO, 2005), sob a orientação da professora Maura Penna, desenvol-vida no Mestrado em Ciências da Sociedade, da Universidade Estadualda Paraíba (UEPB).

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Num primeiro levantamento junto à Secretária de Educa-ção, Esporte e Cultura de Campina Grande (SEDUC-CG), foi de-senhado o cenário da educação infantil na cidade: em agosto de2004, a rede municipal contava com 21 creches11 (com 68 turmasde Pré-escola I e II, foco de nosso interesse) e 68 escolas de ensinofundamental onde funcionavam turmas de educação infantil (den-tre estas, 98 turmas de Pré-escola I e II). Foram, então, selecionadasquatro turmas de Pré-escola II de quatro creches públicas munici-pais localizadas em diferentes regiões da cidade: um bairro perifé-rico, um bairro de renda média, um bairro nobre e um distrito afas-tado da cidade. Essas turmas de Pré-escola II atendem crianças dequatro a cinco anos, sendo esta a faixa etária para qual o RCNEIindica um elenco de conteúdos e práticas em Artes Visuais maior emais avançado do que o recomendado para as faixas etárias meno-res12. Os dados foram coletados através de observações sistemáti-cas13 das atividades em sala, além de entrevistas semi-estruturadascom as professoras, como fonte complementar.

Desta forma, foram registradas as práticas pedagógicasem Artes Visuais desenvolvidas, permitindo discutir como essalinguagem artística tem sido trabalhada na educação infantil. Sem

dúvida, os fatos analisados não representam ou esgotam a totali-dade e a diversidade dessas práticas – principalmente se conside-rarmos a multiplicidade de contextos educacionais desse imensopaís –, mas são exemplos de situações reais e possíveis. Certa-mente, há situações similares em outras instituições e cidades bra-sileiras, e nossos dados, relativos à rede municipal da segundamaior cidade da Paraíba, constituem um material significativo,pois permitem ampliar a discussão sobre a educação brasileira,sem restringi-la aos grandes centros.

As quatro creches selecionadas encontram-se razoavel-mente apropriadas para o atendimento às crianças de zero a seisanos, no que tange a aparência física, o espaço arquitetônico, osmobiliários e os equipamentos. No entanto, aspectos da organiza-ção da rotina de trabalho revelam a adoção de um modelo educaci-onal que caberia mais nas escolas municipais de ensino fundamen-tal, do que em instituições de educação infantil. Com efeito, obser-vando a dinâmica das práticas docentes nas salas de Pré-escola,constatamos propostas típicas de um modelo de educação escolar.Exemplificando, percebemos, na configuração do planejamento dasprofessoras, o predomínio de práticas nas áreas de matemática elinguagem oral e escrita, não constando, pelo menos explicitamen-te, os espaços/horários para as artes, os jogos e as brincadeiras,que na educação infantil são tão importantes quanto os trabalhosdas áreas de conhecimentos citadas.

Pelas características da educação de crianças de zero aseis anos, essa pedagogia escolar não é compatível com asespecificidades das instituições infantis, pois se entende que:

[...] o conhecimento didático (resultante de uma ação pe-dagógica escolar geral e do processo ensino-aprendizagemem particular), não é adequado para analisar os espaços

11 A organização das turmas das instituições de educação infantil (denomina-das Creches), da Rede Municipal de Campina Grande, segue um modeloseriado e utiliza os seguintes termos: Berçário, para crianças de até 1 ano;Maternal I e Maternal II, para crianças de 2 a 3 anos; Pré-Escola I e Pré-Escola II, para crianças de quatro a cinco anos.

12 Sobre os conteúdos indicados para essa faixa etária, ver RCNEI (v. 3, p. 99)e ainda, comparativamente, Szpigel (1995, p. 34).

13 Foram programadas 15 observações sistemáticas de 3 horas ininterruptascada uma, com continuidade, em cada sala de Pré-escola II. No entanto, emvirtude dos dias de interrupções no atendimento nas creches e outros impe-dimentos, foram realizadas 49 visitas às turmas, num total de 145h de ob-servações. As observações foram realizadas nos meses de agosto, setembro,outubro e novembro, com início em 30 de agosto e término em 30 de no-vembro de 2004.

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pedagógicos não-escolares. [...] a dimensão que os conhe-cimentos assumem na educação das crianças pequenascoloca-se numa relação extremamente vinculada aos pro-cessos gerais de constituição da criança: a expressão, oafeto, a sexualidade, a socialização, o brincar , a lingua-gem, o movimento, a fantasia, o imaginário, [...]. Não é,portanto, o objetivo final da educação da criança peque-na, muito menos em sua ‘versão escolar ’ [...] (ROCHA,1999, p. 60-61).

No cotidiano das turmas investigadas, contudo, os esforçosdas professoras mostram-se centrados nos trabalhos com objetivos depromoção da formação de hábitos, da alfabetização e da aquisição denoções matemáticas. Neste contexto, as diversas linguagens das artessão submetidas a um tratamento secundário, de suporte (com menorvalor) para conhecimentos de outras áreas, o que o próprio RCNEIreconhece como corrente na educação infantil: “As Artes Visuais têmsido [...] bastante utilizadas como reforço para a aprendizagem dosmais variados conteúdos” (RCNEI, v.3, p. 87).

A importância das Artes Visuais nas turmas de Pré-escolapassa, também, pela ampliação do sentido da alfabetização, quenão deve ser apenas um processo de domínio cognitivo das lingua-gens verbais:

Não se alfabetiza fazendo apenas as crianças juntaremas letras. Há uma alfabetização cultural, sem a qual aletra pouco significa. A leitura social, cultural e estéticado meio ambiente vai dar sentido ao mundo da leituraverbal (BARBOSA, 2001, p. 27-28).

Entretanto, entendemos que as práticas em Artes Visuais não de-vem se restringir à atividades de subordinação ao processo de alfa-betização, por mais amplo que ele seja, ou mesmo aos outros âm-bitos de conhecimento.

Vamos pintar e bordar...

A proposta do RCNEI aponta que a aprendizagem emArtes Visuais acontece através da articulação do fazer artístico, daapreciação e da reflexão, como já visto. Porém, na or ganizaçãodos conteúdos indicados para as práticas das Artes Visuais comcrianças de quatro a seis anos, a reflexão fica subordinada ao fazerartístico e à apreciação em Artes Visuais (RCNEI, v. 3, p. 97).Entre as orientações didáticas para a prática de apreciação comcrianças de quatro a seis anos, encontramos: “Conhecimento dadiversidade de produções artísticas, como desenhos, pinturas,esculturas, construções, fotografias, colagens, ilustrações, cinema,etc.” (RCNEI, v. 3, p. 103, grifos nossos).

Apesar disso, durante o período das observações nas tur-mas, não presenciamos situações de contato das crianças com ma-terial visual/artístico trazido pelas professoras, nem experiênciasde apreciação das produções das crianças da turma ou de outrascrianças. Também não ocorreram visitas a locais onde acontecemeventos artísticos, como museus, galerias, cinema, teatro, etc. Asatividades pedagógicas propostas às crianças foram centradas nofazer artístico, através de desenho, pintura, colagem e modelagem.

Com relação à diversidade das atividades em Artes Visu-ais desenvolvidas nas turmas pesquisadas, constatamos que elasforam do tipo:

a) Desenho livre (desenho sem interferências, mas proposto comoatividade pela professora). As atividades de desenho livre foramfeitas com papel tamanho ofício branco, ou papel jornal, comlápis grafite comum e lápis de cor (ver fig. 1). Nas poucas vari-ações presenciadas14, foram usados lápis hidrocor e giz de cera.

14 Numa única ocasião, presenciamos uma atividade de desenho livre, feita cole-tivamente, com o uso de 4 folhas grandes de papel jornal e com cola colorida.

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Esses mesmos materiais foram utilizados nas modalidades dedesenho relacionadas a seguir.

Figura 1 - Trabalho de criança, cinco anos, 2004.(Desenho livre)

b) Desenho direcionado (desenho com tema determinado pelaprofessora). Nas atividades de desenho direcionado, haviasituações em que o desenho estava subordinado a uma atividadede matemática ou de linguagem oral e escrita.

c) Desenho livre espontâneo (desenhos que as crianças fazem semsolicitação da professora).

d) Desenho copiado (desenho com a presença de modelodeterminado pela professora).

e) Pintura 15 livr e (pintura sem interferências, mas proposta comoatividade pela professora). Nas atividades de pintura livre, foramutilizados lápis de cor, giz de cera e tinta guache. Nas poucasvariações presenciadas, foram usados lápis hidrocor e pincelatômico. Esses mesmos materiais foram usados nas demaismodalidades de pintura, citadas abaixo.

f) Pintura dir ecionada (pintura com tema determinado pela pro-fessora).

g) Pintura livr e espontânea (pinturas que as crianças fazem semsolicitação da professora).

h) Pintura de desenho mimeografado (pintura de desenho fei-to pela professora, e reproduzido através de mimeografo. Verfig. 2, à pág. 28).

i) Colagem direcionada (colagem com tema determinado pelaprofessora). Nas atividades de colagem foram utilizados: folhasde papel branco ou papel jornal, cola branca, retalhos de papelcrepom em cores, folhas de árvores (naturais) e palitos de pico-lé (ver fig. 3, à pág. 29).

j) Colagem modelar (colagem sobre figura pronta, desenhada pelaprofessora e reproduzida através de mimeografo).

k) Modelagem livre (modelagem tridimensional feita sem interfe-rências, mas proposta como atividade pela professora). Nas ati-vidades de modelagem foram usadas massinhas do tipo escolar.

l) Vídeo (exibição para diversão). Para exibição dos vídeos foramutilizados: TV tamanho 20 polegadas, aparelho de videocassetee fitas de desenhos animados, com histórias infantis e religiosas(Vida de Jesus, por exemplo).

15 Aqui, as atividades de pintura são aquelas que foram assim nomeadas pelasprofessoras. Algumas delas eram, na realidade, desenhos feitos com materi-ais coloridos.

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Figura 2 - Trabalho de criança, cinco anos, 2004.(Pintura sobre desenho mimeografado)

Figura 3 - Trabalho de criança, cinco anos, 2004.(Colagem direcionada)

m) Construção tridimensional (lembrancinhas para eventos co-memorativos). Para a confecção das lembrancinhas foram usa-dos: garrafas plásticas de refrigerantes, cartolinas coloridas, colabranca, emborrachado colorido, palitos de picolé e cordões. Noentanto, embora visassem as crianças, que receberiam essaslembrancinhas, esta atividade era desenvolvida exclusivamentepelas professoras, em horários em que as crianças estavam en-volvidas com outras atividades.

A freqüência de cada modalidade artística e de cada tipode atividade realizada, durante as observações, está indicada noQuadro 1.

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MODALIDADE ARTÍSTICA

TIPO DE ATIVIDADE FREQ. TOTAL

Desenho livre 6 Desenho direcionado 24

Desenho livre espontâneo 17 DESENHO

Desenho copiado 13

60

Pintura livre 8 Pintura direcionada 6

Pintura livre espontânea 6 PINTURA

Pintura de desenho mimeografado 4

24

Colagem livre 2 Colagem direcionada 6 COLAGEM

Colagem sobre figura pronta 2 10

MODELAGEM Modelagem livre 8 8 CONSTRUÇÃO

TRIDIMENSIONAL Lembrancinhas para datas comemorativas 6 6

VÍDEO Exibição para diversão 4 4 TOTAL: 102

Quadro 1 - Diversidade das práticas em artes visuais.

Fonte: Melo (2005).

Como pode ser constatado no Quadro 1, nas 102 ocor -rências de atividades em Artes Visuais observadas16, houve peque-na diversidade, se levarmos em consideração que, das seis modali-dades artísticas listadas, as crianças tiveram uma ação efetiva emapenas quatro delas. Nas atividades de construção tridimensional,somente as professoras atuaram e, na exibição de fitas de vídeo, ascrianças foram apenas espectadoras passivas. Assim, as criançasdas salas observadas participaram ativamente apenas das práticasdesenvolvidas em desenho, pintura, colagem e modelagem.

Sobre a freqüência de cada tipo de modalidade artística,as evidências mostram-nos que, entre as práticas escolhidas e de-senvolvidas nas turmas17, houve um predomínio do desenho, queaparece com 60 ocorrências, e da pintura, trabalhada em 24 ocasi-ões (cf. Quadro 1). As modalidades do desenho e da pintura foram,portando, as mais freqüentes: juntas somaram 84 ocorrências, ouseja, representaram cerca de 70% das atividades desenvolvidas.Em seguida vem a colagem, com 10 atividades, e a modelagemcom 8 ocorrências.

Cenas exemplares

As professoras incluíam os desenhos e as pinturas nas ati-vidades de rotina das crianças, quase que diariamente. Uma dasprofessoras, numa conversa na sala, afirmou que, durante as expe-riências docentes com as crianças, descobriu que o desenho “acabatendo uma finalidade pedagógica”, por causa do gosto que as cri-anças têm com esse tipo de produção.

Essa afirmação ocorreu durante a seguinte cena:

CENA 1Após uma atividade mimeografada, de escrita e de-

senho ilustrativo, a professora avisa às crianças: – Quem já pintou pode fazer um desenho livr e no

outro lado da folha. Agora é hora do desenho livre, certo?Um dos meninos está olhando uma revista em qua-

drinhos do Sesinho e começa a copiar o desenho de um dospersonagens da história.

16 As modalidades construção tridimensional e vídeo foram observadas emapenas duas turmas. Todas as demais modalidades foram realizadas emtodas as turmas.

17 No período observado, não presenciamos o desenvolvimento de nenhumaatividade de dobradura nas turmas, mas vimos algumas dobraduras pendu-radas nos varais e coladas nas paredes das salas de 3 turmas.

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A professora se aproxima e me explica:– Todo dia tem a hora do desenho livr e. Esse mo-

mento acaba tendo uma finalidade pedagógica também.Eu, no começo, nem planejei, mas eles foram gostando tantoque foi ficando... por causa deles, eles adoram!

Às 15:00h, a professora começa a recolher as ativi-dades e pede para as crianças fazerem grupos de três parairem lavar as mãos. Agora, é hora do lanche (MELO, 2005).

Desta maneira, cotidianamente, a professora propunha àscrianças a produção de desenhos livres, no verso das atividades“pedagógicas”, durante o intervalo entre a atividade de escrita e/ou de matemática e o momento do lanche. Os preparativos dessaproposta de desenho tinham uma tônica de improviso, pois a pro-fessora elaborava essas atividades nos momentos da sua aplicação,de diferentes formas: ora ela apenas escrevia o título “DesenhoLivre”, ora não fazia nenhuma indicação na folha e, em algumasocasiões, fazia bordas decorativas nas folhas, com giz de cera.

Se a professora reconhece que o desenhar é um processopedagógico, então ela admite que é possível uma intervenção vi-sando o ensino/aprendizagem, ou seja, ela pode desenvolver umaação educativa com o conhecimento em desenho, nesse tipo deatividade.

No entanto, a forma de encaminhamento escolhida peladocente - que adota o “deixar fazer” desenhos espontâneos, assimcomo a restrição e o uso convencional dos materiais (utilizandoapenas papel tamanho padrão, lápis grafite e giz de cera) e o tempodisponível reduzido a cerca de quinze a trinta minutos – empobre-ce a atividade do desenho. Nas outras turmas, os encaminhamen-tos das atividades de desenho livre aconteciam da mesma maneira,com poucas variações.

Nesse quadro, as práticas espontâneas, à maneira do de-senho livre, em nada contribuem para a ampliação das experiênciasvisuais, tão necessárias ao desenvolvimento artístico das produ-ções e percepções infantis. De acordo com Lanier (1999, p. 47),“[...] apenas o indivíduo que está adequadamente informado sobrea natureza da experiência estética pode ampliar com certa facilida-de o âmbito e a qualidade dessa experiência”. Portanto, essa medi-ação entre as crianças e os conhecimentos presentes nas práticascom o desenho é fundamental para “[...] um processo progressivode domínio dos padrões (culturais) de representação visual, indis-pensável para a evolução das capacidades expressivas e pictóricas[...]” (PENNA, 2003, p. 74).

Entendemos que a postura de “deixar fazer” revela umaprática típica das propostas com enfoques na expressão espontâ-nea. Tecendo comentário a esse respeito, o RCNEI considera queessa tendência já foi superada, mas continua a influenciar algumaspráticas cotidianas na educação infantil:

A presença das Artes Visuais na educação infantil, aolongo da história, tem demonstrado um descompasso entreos caminhos apontados pela produção teórica e a práticapedagógica existente. Em muitas propostas as práticasde Artes Visuais são entendidas apenas como meros pas-satempos em que atividades de desenhar, colar, pintar emodelar com argila ou massinha são destituídas de sig-nificado (RCNEI, v.3, p. 87).

Nesse sentido, registramos que, nas turmas observadas,desenhar se tornou uma prática aligeirada, sem objetivos de pro-mover conhecimento a respeito de seus aspectos artísticos, resul-tando numa banalização dos processos e dos produtos feitos pelosmeninos e meninas, ou seja, num fazer pelo fazer, sem significadopara as crianças.

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Por outro lado, a atividade do desenho copiado foi pre-senciada em todas as turmas. Numa ocasião em que observa-mos esta atividade, a cena aconteceu da seguinte maneira:

CENA 2Às 8:20h, a professora e as crianças encerram uma

atividade de simulação de eleição para prefeito. Em segui-da, a professora diz:

– Pessoal! Agora eu vou dar uma folha para cadaum e vocês vão fazer os desenhos que quiserem, viu?

Ela distribui folhas de papel entre todos e a professo-ra auxiliar distribui os lápis. As crianças começam a dese-nhar. Então, a professora chama Arthur, senta junto a elenuma mesa, mostra um livro18 e um desenho grande de umgato, feito por ela, e diz:

– Olhe a capa do livro, veja o desenho do gato que atia fez e faça agora o desenho do sapo, bem grande, dotamanho do gato que eu fiz.

Arthur começa a desenhar e a professora vai dizendocomo ele deve fazer , mostrando os detalhes do persona-gem, apontando o que o menino ainda não fez e pedindopara ele fazer igual ao do livro. Às vezes, a professora pedepara ele apagar alguns traços que ficaram pequenos e fazernovamente, maior. Mostra, passando o dedo na folha, oslugares onde ele deve fazer os traços do desenho. Quandoo menino consegue fazer como a professora pediu, ela diz:

– Isso!E balança a cabeça afirmativamente.

A atividade prolonga-se e só termina às 10:20h,quando chega a hora do almoço. As professoras recolhemas atividades das crianças, sem olhar para os desenhos queelas fizeram, e os colocam nos envelopes plásticos pendu-rados nos varais. A professora guarda o desenho feito porArthur numa pasta, junto com o desenho dela e o livro(MELO, 2005).

A professora me explicou que esse trabalho era para con-feccionar um livro, feito pelas crianças, para expor na “II Feira deCiências de Educação Infantil e I Mostra Cultural do Ensino Fun-damental: Vida em Movimento – Arte, Cultura e Conhecimento”,promovida pela SEDUC-CG. Ao todo, ela pretendia confeccionarquatro livros, sendo um deles de pano. Esses desenhos copiados seseguiram por vários dias, sempre com a professora exigindo que ascrianças copiassem o que viam, de acordo com o padrão estéticodela. Muitas vezes, a professora apagava os traços feitos pela cri-ança e mandava que fizesse do jeito que ela queria.

Segundo Almeida (2001), esse tipo de prática, com basena reprodução de modelos, é corrente nas aulas de arte:

[...] nas aulas de arte [...] as práticas docentes estão cal-cadas em uma concepção modelar e padronizada de en-sino: os professores sempre determinam o que e comofazer, cabendo aos alunos realizar a tarefa proposta [...](ALMEIDA, 2001, p. 22, grifos nossos).

Consideramos que, nesse encaminhamento da atividadede cópia do desenho, a criança não tem a oportunidade de criar,pois a professora não leva em conta a sua autonomia e a sua ca-pacidade de experimentar novas possibilidades com os recursosdisponíveis.18 Trata-se do livro infantil O rabo do gato , de Mary França (1997).

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PROFA. FORMAÇÃO *

TEMPO DE SERVIÇO

(em E. I.)**

TURNOS DE TRABALHO

A Curso Normal; aluna da Licenciatura em Pedagogia (Habilitação em E. I.) 8 anos 1

B Licenciatura em Pedagogia (Habilitação em E. I.) 18 anos 2

C Licenciatura em Pedagogia (Habilitação em E. I.) 14 anos 2

D Curso Normal e Licenciatura em Ciências (Habilitação em Biologia) 15 anos 1

sos de especialização, aperfeiçoamento e/ou outros. Do mesmomodo, no quadro de profissionais das instituições de educaçãoinfantil do município de Campina Grande, também não encontra-mos professoras com formação nessa área. Ressaltamos que asinstituições de ensino superior dessa cidade não oferecem cursosno campo das artes20, quer de licenciaturas, quer de especializa-ção.

No Quadro 2, apresentamos uma descrição da formação,da experiência docente em educação infantil e da quantidade deturnos de trabalho dessas professoras. Através dele, é possível cons-tatar a falta de uma formação consistente para o ensino no campodas artes em geral e das Artes Visuais na educação infantil, emparticular.

Quadro 2 - Formação e experiência docente.

Fonte: Entrevistas concedidas entre agosto e dezembro de 2004.* A formação de nível superior das docentes citadas foi realizada nos cursos da Uni-

versidade Estadual da Paraíba (UEPB).** Usamos a sigla E. I. para indicar Educação Infantil.

Para que as crianças possam criar suas produções, épreciso que o professor ofereça oportunidades diversaspara que elas se familiarizem com alguns procedimen-tos ligados aos materiais utilizados, aos diversos tiposde suporte e para que possam refletir sobre os resulta-dos (RCNEI, v.3, p. 100).

Nesse tipo de atividade, deve haver um espaço para que acriança possa ressignificar as imagens19 que lhes são mostradas comoreferência, e não apenas para treinar a sua capacidade de reprodu-zir desenhos, sem exercitar a criatividade infantil.

Essas práticas de caráter modelar impedem que as ativi-dades pedagógicas com as linguagens artísticas cumpram plena-mente seu potencial educativo, como desenvolver a autonomia dacriança e a flexibilidade de pensamento e atitudes, o que só seriapossível se houvesse realmente espaço para um processo de explo-ração de materiais e de criação.

Sem dúvida, um dos mais importantes objetivos da edu-cação é contribuir para o desenvolvimento da autono-mia, ajudar os alunos a se tornarem moral e intelectual-mente livres, aptos a pensar e agir de forma independen-te. Nesse campo, a contribuição das artes poderia sergrande, já que elas, mais do que qualquer outro compo-nente curricular, deveriam incentivar os alunos a umaprodução que não dependesse de modelos (ALMEIDA,2001, p. 22).

A formação das professoras

Nenhuma das quatro professoras envolvidas na pesqui-sa tem formação na área de arte, seja em nível superior, em cur-

19 Sobre o processo de ressignificação na criação de imagens, ver Pillar (2003).

20 Na Paraíba, o único curso de Licenciatura Plena em Educação Artística éoferecido pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no Campus de JoãoPessoa. A Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) oferece umcurso de graduação em Arte e Mídia, que não enfoca a formação do professor.

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Mesmo as duas professoras que já concluíram a Licencia-tura em Pedagogia, com Habilitação em Educação Infantil, nãodemonstram desempenhos muito diferentes das demais. No cotidi-ano escolar, todas as professoras adotam os mesmos tipos de prá-ticas e atitudes semelhantes. Quando muito, observamos algumasvariações, pouco significativas e causadas pelas inclinações de cadauma delas para determinadas atividades.

A atual LDB, em seu Artigo 62, normatiza a formaçãodos profissionais da educação, estabelecendo a formação exigidapara o exercício da docência nas instituições de educação básica, ea mínima exigida nas instituições de educação infantil:

A formação de docentes para atuar na educação básicafar-se-á em nível superior, em curso de licenciatura,de graduação plena, em universidades e institutos su-periores de educação, admitida, como formação míni-ma para o exercício do magistério na educação in-fantil e nas quatro primeiras séries do ensino funda-mental, a oferecida em nível médio, na modalidadeNormal (Lei 9.394/96, Art. 62, grifos nossos).

Por sua vez, o RCNEI estabelece um perfil profissionalpara as professoras da educação infantil e sinaliza uma definiçãopara o caráter polivalente dessa profissão:

O trabalho direto com crianças pequenas exige queo professor tenha uma competência polivalente. Serpolivalente significa que ao professor cabe traba-lhar com conteúdos de naturezas diversas queabrangem desde cuidados básicos essenciais até co-nhecimentos específicos provenientes das diversasáreas do conhecimento (RCNEI, v . 1, p. 41, grifosnossos).

Nesse sentido, cabe às professoras – formadas no CursoNormal ou na graduação em Pedagogia – desenvolver práticasdocentes com os conhecimentos de diferentes áreas do saber, tantona educação infantil quanto nas séries iniciais do ensino funda-mental. Nessas instâncias de formação profissional, portanto, de-veriam alcançar o domínio das metodologias e fundamentos teóri-cos básicos, necessários para trabalhar as Artes Visuais com crian-ças, inclusive na faixa etária de zero a seis anos.

No entanto, a formação em Artes Visuais no Curso Normalnão tem sido reconhecida como capaz de formar adequadamente asprofessoras, no campo das artes (cf. PENNA, 2001, p. 53). Assim, aexigência de competência também no campo das artes passa a sercolocada para o profissional de Pedagogia.

A discussão sobre a quem cabe a responsabilidade doensino das artes na educação infantil e séries iniciaisdo ensino fundamental é oportuna. [...] reiteramos queo ensino de Arte nesse nível de educação básica é umaprerrogativa do pedagogo, ou seja, do profissional daeducação, (in)formado e licenciado para exercer ali omagistério (JAPIASSU, 2004, p. 68).

Todavia, também na formação dos cursos de licenciaturaem Pedagogia, as artes têm sido descuidadas (cf. JAPIASSU, 2004;PILLAR, 1988; PENNA, 2003). Geralmente, nesses cursos, nãoexistem disciplinas que dêem conta das metodologias ou dos fun-damentos das linguagens artísticas, nem mesmo das Artes Visu-ais, que predominam nas práticas das professoras de educaçãoinfantil. Decorre daí, portanto, o desconhecimento sobre o seuvalor e significado para a formação das crianças de zero a seisanos, como é possível constatar na resposta de uma professora,durante entrevista:

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P. Qual a importância das Artes Visuais napré-escola?

R. Eu acho de suma impor tância porque faz comque a criança... Ela transmita... Ela fique assim... com ...tanto a oralidade mais desenvolvida, como também a per-cepção, que ajuda... assim, ela perceber o que está ao seuredor, e, também saber ... Aprender... Vai aprendendo aospoucos, a distinguir uma coisa da outra... E desenvolvediversas formas de habilidades da criança, a inteligência...(Entrevista em 13 nov. 2004).

Aqui, a professora associou a possibilidade de aprendiza-gem proporcionada pelas Artes Visuais em primeiro lugar com alinguagem oral, em segundo com a percepção espacial, e em ter -ceiro com a inteligência, não fazendo referência aos conhecimen-tos artísticos e culturais que são proporcionados nos processos deensino dessa área.

Desse modo, nem sempre a professora com formaçãonuma graduação em Pedagogia tem clareza do papel das ArtesVisuais no seu trabalho docente, junto às crianças. Esse fato épreocupante, pois é necessário que as professoras saibam defi-nir, adequadamente, qual o objetivo das práticas que propõemàs crianças e o que essas práticas podem favorecer, em termosde conhecimentos nas Artes Visuais e de desenvolvimento dehabilidades.

Considerações finais

Nas últimas três décadas, as produções acadêmicas e teó-ricas no campo das artes trouxeram contribuições relevantes e ino-vadoras, apontando novas propostas para a atuação na área. Esses

novos direcionamentos já estão incorporados na proposta oficialpara as Artes Visuais na educação da criança de zero a seis anos,como vimos em relação ao RCNEI. No entanto, não há influência,sobre as práticas pedagógicas observadas, dessa proposta ou dasproduções acadêmicas e teóricas.

Analisando as vivências cotidianas das quatro professo-ras envolvidas na pesquisa, constatamos que as suas práticas emArtes Visuais são estritamente tradicionais, desatualizadas, oravoltadas para o ensino de arte modelar – calcado na reprodução demodelos –, ora para o espontaneísmo – na medida em que as práti-cas correntes de desenho ou pintura livres expressam uma crençana expressão artística como espontânea. Desta maneira, oscilamentre concepções e tendências pedagógicas de bases conflitantes.

As professoras recorrem cotidianamente a práticas tradi-cionais, como os desenhos “livres”, as atividades mimeografadaspara colorir – com desenhos estereotipados – e as “lembrancinhas”para as datas comemorativas. Com efeito, podemos dizer que asprofessoras não conseguiram evoluir nas suas práticas, reprodu-zindo o que conhecem pela tradição.

Um veículo de reprodução da tradição é o caderno ouálbum de “atividades pedagógicas”, onde são colecionados os mo-delos de lembrancinhas e de desenhos “infantis” – ou seja, “paracrianças”. As professoras recorrem a esses cadernos/álbuns paraelaborar as atividades, em busca de aprimoramento da sua práticadocente. Eles são usados de modo semelhante aos livros de recei-tas de culinária ou de crochê, que eram bastante valorizados naépoca em que atuavam, na educação infantil, mulheres sem forma-ção21. Não se limitando apenas a atividades artísticas, mas abran-

21 Tradicionalmente, a educação infantil é delegada às mulheres, por suascaracterísticas “maternais” (cf. CERISARA, 1996, p.49).

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gendo modelos de encaminhamentos didáticos, tornaram-se de usocomum nos cursos de formação para o magistério em nível de 2 o

grau/ensino médio – ou seja, nas Escolas Normais –, ou mesmo emgraduações em Pedagogia.

Nos cursos de Magistério, a proposta metodológica deeducação pré-escolar se apresenta, geralmente, centrali-zada na confecção de recursos de ensino: materiais con-cretos, cartazes com ilustração de conceitos matemáti-cos e os tradicionais álbuns com modelos de exercíciosde coordenação motora fina e técnicas de arte (BORGES,1994, p. 12).

Tal prática persiste em muitos contextos, inclusive nosinvestigados, pois, em ações de formação continuada e no materialque várias editoras publicam para a área (e que as professoras cha-mam de “livro didático”), ainda persiste o recurso a essas“receitinhas”, que circulam entre as professoras, que trocam essesmateriais entre si. Como um exemplo de material deste tipo, des-tacamos a coleção, Arte no cotidiano escolar (VALADARES;DINIZ, [s.d.]), que traz a seguinte “chamada” na capa de cada umde seus quatro volumes: “A mais completa e abrangente obra nogênero, contendo Oficina de Sucatas, Técnicas de Desenho e Pin-tura, Desenhos Pedagógicos, Caixas e Embalagens, Recorte eColagem, Origamis, Teatro, Enfeites, Vida e Obra dos GrandesMestres da Pintura e mais de 1000 Ilustrações”. Evidenciando seucaráter prescritivo e modelar, que negligencia qualquer fundamen-tação, o volume 4 traz “80 belíssimas ilustrações para serem utili-zadas em atividades de recorte, colagem, painéis e datas comemo-rativas”, que reproduzem modelos estereotipados de desenhos “in-fantis”. Esta prática tradicional mescla-se, em certos momentos,com o discurso dos documentos oficiais (como o RCNEI e os PCNpara o ensino fundamental), pois o volume 3 traz, como anuncia-

do, algumas páginas dedicadas à “vida e obra dos grandes mes-tres”, onde, numa abordagem simplista e rudimentar, podemos en-contrar os termos “apreciação” e “releitura” – usados sem maioresexplicações.

Deve-se levar em conta que as professoras recorrem aesses materiais com a melhor das intenções e com esforço, poismuitas vezes pagam em prestações coleções desse tipo, conside-rando-as de boa qualidade 22. Certamente, sua formação não lhefornece condições de crítica ou de elaboração pessoal de alternati-vas, o que exigiria o conhecimento de fundamentos para o ensinoda arte e de diversas propostas pedagógicas, de modo a embasaruma prática reflexiva. No currículo do curso de Licenciatura emPedagogia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), por exem-plo, o único componente curricular que contempla as artes é Cor-po e Criatividade23, cuja ementa é voltada para “as relações entrecorpo, criação e individualidade”, as “diferentes linguagens corpo-rais e artísticas” e as “oficinas de artes”. Ou seja, trata de conteú-dos múltiplos, sem focalizar as didáticas, metodologias e os funda-mentos das linguagens artísticas inseridas na proposta curricularoficial para a educação infantil: Movimento, Música e Artes Visu-ais (cf. RCNEI, 1998, v. 1).

Assim, é importante melhorar as condições de trabalho ede formação das professoras de educação infantil e, também, ga-rantir orientação para os trabalhos docentes, a partir de um projetopedagógico específico para esse nível de ensino. A partir de uma

22 Todas as professoras envolvidas na pesquisa revelaram, nas entrevistas, querecorrem rotineiramente a publicações desse tipo, para elaborar as “ativida-des” para as crianças.

23 O currículo do curso de Pedagogia da UEPB está em fase de revisão, epretende-se contemplar de forma mais adequada os conteúdos das artes.

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reflexão sobre as suas práticas docentes, as professoras poderiambuscar soluções para as lacunas existentes nas suas formações.Refletir sobre as repetições das práticas tradicionais é condiçãopara a compreensão, a avaliação e a transformação dessas ações.Assim, a atuação docente baseada na tradição pode ser modificadaatravés de pesquisas e estudos sobre as novas tendências do ensinodas Artes Visuais: “Cabe destacar que mesmo na Educação Infantilespera-se que este profissional saiba gerar conhecimentos novos,isto é, que seja um docente-pesquisador” (WITTER, 1999, p.25).

Uma alternativa possível é a utilização dos encontros deformação continuada para dar início a um processo de reflexão,debate e compreensão das propostas pedagógicas mais relevantes,oficiais e não oficiais, em grupos. A perspectiva prático-reflexiva,partindo da própria prática pedagógica da professora, é uma solu-ção indicada por vários estudiosos como um caminho para amelhoria do desempenho docente, tendo sido confirmada em estu-dos acadêmicos relevantes (cf. FREIRE, 1999, p. 42; PENNA,2001, p. 54; JAPIASSU, 2004, p. 69).

Acreditamos que não bastam decretos das instâncias go-vernamentais para provocar a efetiva aplicabilidade das propostascurriculares, por mais inovadoras que sejam. A disparidade entre o“ideal” das propostas e as reais condições das instituições de edu-cação infantil pode resultar na inviabilidade de aplicação das mes-mas (PALHARES; MARTINEZ, 2000, p. 15). Afinal, declaraçõesde intenção não bastam para que se consiga a melhoria na qualida-de da educação que se oferece às crianças pequenas.

Por outro lado, é fundamental procurar superar a dis-tância entre a academia e a escola, entre as esferas de produçãoteórica e os cotidianos escolares concretos e diversificados, e,ainda, entre os grandes centros acadêmicos e as diversas institui-ções de formação espalhadas por este país. É necessário cons-

truir pontes e intensificar o intercâmbio, para que as disparidadesdeste imenso país possam aos poucos ser superadas, e não ape-nas escondidas sob propostas idealizadas, concebidas em níveissuperiores.

REFERÊNCIAS

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BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. 4. ed. SãoPaulo: Perspectiva, 2001.

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2

A MÚSICA COMO FENÔMENOSOCIOCULTURAL

perspectivas para uma educação musical abrangente

Luis Ricardo Silva Queiroz

A relação entre música, sociedade e cultura tem sido evi-denciada em diferentes estudos da etnomusicologia, da antropolo-gia e de outros campos do conhecimento que buscam compreen-der a complexa e representativa interação entre esses três sistemasde organização e expressão humana.

A capacidade dos indivíduos de constituir grupos, de cri-ar e compartilhar conceitos, comportamentos e produtos dentrode um determinado meio, e a forte utilização da música nos distin-tos contextos sociais da humanidade, demonstram que os fenôme-nos musicais, determinados pela cultura e também determinantesdessa, estão presentes nos mais variados universos ocupados e es-tabelecidos pelo homem em seu convívio social.

Para compreender uma expressão musical de formacontextualizada com os valores e significados que a constituem énecessário buscar um entendimento dos aspectos fundamentais que

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caracterizam, social e culturalmente, essa manifestação. A músicatranscende os aspectos estruturais e estéticos se configurando comoum sistema estabelecido a partir do que a própria sociedade que arealiza elege como essencial e significativo para o seu uso e a suafunção no contexto que ocupa.

Essa perspectiva tem conduzido importantes reflexões nocampo da educação musical, levando-nos a compreender que umensino significativo de música deve entender esse fenômeno não sócomo expressão artística, mas, principalmente, como manifesta-ção representativa de sistemas culturais determinantes do que ohomem percebe, pensa, gosta, ouve, sente e faz.

A educação musical tem passado por momentos de(re)definição, compreendendo a necessidade de incorporar às suaspropostas e ações pedagógicas dimensões dinâmicas de um fazermusical que possa conviver de forma inter-relacionada com a pro-dução da música enquanto expressão artística e cultural nas suasdiferenciadas expressões e manifestações. Essa atitude nos tem con-duzido a caminhos diversificados de práticas educativas estruturadasa partir de propostas que pensam o fenômeno musical e os espaçose contextos de atuação do professor de música como mundos emconstante processo de (re)construção e (re)elaboração.

Neste estudo, analisamos o papel da música como culturarefletindo sobre a importância dessa concepção para definiçõesmetodológicas no campo da educação musical na atualidade. Combase num estudo bibliográfico que explora a música e suas dimen-sões performáticas, como expressão cultural diversificada e inter-relacionada às particularidades de cada sociedade, refletimos so-bre perspectivas relevantes para a concepção e a elaboração deprocessos de ensino e aprendizagem da música que nos leve a açõeseducativas abrangentes e contextualizadas com a complexidade e avariedade do fenômeno musical.

A música como cultura e suas inter-relações sociais

A música, importante meio de expressão e de comunica-ção humanas, destaca-se como fator determinante para a constitui-ção de singularidades que dão forma e sentido a práticas culturaisdos mais variados contextos. As performances musicais, em suasmúltiplas expressões, representam fenômenos significativos nasconfigurações de distintos grupos e/ou contextos étnicos, estandopresente em manifestações diversas dos indivíduos em sua vidacotidiana.

Compreender a cultura, como aspecto fundamental para oentendimento do próprio homem, tem sido nos últimos dois séculosum dos principais anseios dos antropólogos e de estudiosos de di-versos campos do conhecimento que buscam entender o ser humanoem suas diversificadas relações sociais. Segundo autores que vêm sededicando à análise e compreensão dessa temática, a busca de umadefinição do termo cultura vem desde Tylor (1832-1917), que a ca-racterizou como um todo complexo que inclui conhecimentos, cren-ças, artes, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade e há-bitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade(LANGNESS, 1987; LARAYA, 2002; MELLO, 2001). O conceitosofreu, e vem sofrendo, ao longo do tempo, diferentes conotaçõesadaptadas às distintas correntes antropológicas que foram se consti-tuindo no decorrer da história, demonstrando a problemática queainda permeia os estudos que lidam diretamente com abordagensculturais.

Pensando numa definição mínima de cultura como con-ceitos e comportamentos aprendidos, e entendendo-a como um sis-tema comum a determinado grupo e/ou contexto, é possível afir -mar que ela é fator determinante para a caracterização de todoprocesso que envolva relações sociais, dentre os quais os proces-sos de ensino, aprendizagem, configuração e consolidação da mú-

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sica. Na definição de Geertz (1989, p. 15), a cultura é uma “teia designificados” tecida pelo homem a partir de suas “interações soci-ais”, configurando fenômenos que se estabelecem pelas escolhasdos humanos, realizadas com base nos significados que eles própri-os determinam ao lidarem com a natureza, com o meio social econsigo mesmo (GEERTZ, 1989; NETTL, 1983).

A música como fenômeno cultural constitui uma das maisricas e significativas expressões do homem, sendo produto dasvivências, das crenças, dos valores e dos significados quepermeiam sua vida. A etnomusicologia tem ampliado as perspec-tivas do estudo da música, apontando para a necessidade de com-preendermos essa expressão na cultura e, também, como cultura(MERRIAM, 1964).

Na concepção de John Blacking “fazer música é um tipoespecial de ação social que pode ter conseqüências importantespara outros tipos de ações sociais” (BLACKING, 1995b, p. 223,tradução nossa). Essa ótica deixa evidente que uma prática mu-sical tem, em sua constituição, aspectos que transcendem a mú-sica em suas dimensões estruturais, fazendo dela, sobretudo, umcorpo sonoro que congrega aspectos compartilhados pelos seuspraticantes nas distintas experiências culturais que compartilhamem seus sistemas sociais. A forte e determinante relação com acultura estabelece para a música, dentro de cada contexto queela ocupa, um importante espaço com características simbólicas,usos e funções que a particularizam de acordo com asespecificidades do universo sociocultural que a rodeia(BLACKING, 1995a; HOOD, 1971; NETTL, 1983; 1997;MERRIAM, 1964; MYERS, 1992).

A amplitude de manifestações musicais, que diversificamas formas de caracterização dessa “arte”, faz com que a músicapossa ser considerada veículo universal de comunicação, no senti-

do que não se tem registro de qualquer grupo humano que nãorealize experiências musicais como meio de transmissão, expres-são e representação de aspectos simbólicos característicos de suacultura (NETTL, 1983). No entanto, o fato de ser utilizada univer-salmente não faz da prática musical uma “linguagem universal”,tendo em vista que cada cultura tem formas particulares de elabo-rar, transmitir e compreender a sua própria música,(des)organizando, idiossincraticamente, os aspectos que a consti-tuem (QUEIROZ, 2004, p. 101).

Dessa forma, a música como cultura cria mundos diver-sificados, mundos musicais que se estabelecem não como univer-sos e territórios diferenciados pelas linhas geográficas, mas comomundos distintos dentro de um mesmo território, de uma mesmasociedade e/ou até dentro de um mesmo grupo. Compartilhandodo pensamento de Finnegan entendemos os vários universos damúsica como:

[mundos] distintos não apenas por seus estilos diferen-tes, mas também por outras convenções sociais: as pes-soas que tomam parte deles, seus valores, suas compre-ensões e práticas compartilhadas, modos de produção edistribuição, e a or ganização social de suas atividadesmusicais (FINNEGAN, 1989, p. 31, tradução nossa).

Inter-relacionada à sociedade e, conseqüentemente, àsescalas de valores e significados por ela estabelecidas, a músicaincorpora, não só nos seus usos e funções, mas também em suasdimensões estéticas e estruturais, especificidades do contexto so-cial que a produz. De acordo com Merriam, os sistemas musicaisestão baseados “numa série de conceitos que integram a música àsatividades da sociedade como um todo, definindo-a e colocando-acomo um fenômeno da vida entre outros fenômenos” (MERRIAM,1964, p. 63, tradução nossa).

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A configuração social e os valores estabelecidos pela so-ciedade criam para as expressões musicais bases importantes quevão determinar os seus espaços e a suas inserções em situaçõesespecíficas da vida social. Para John Blacking:

As funções da música na sociedade podem ser fatoresdecisivos para promover ou inibir habilidades musicaislatentes, bem como afetar as escolhas de conceitos cul-turais e materiais com os quais se cria música(BLACKING, 1995a, p. 35, tradução nossa).

Ainda segundo o autor , o contexto social é gerador deaspectos motivadores para a experiência musical, sendo uma ca-racterística intrínseca à música dentro do seu sistema cultural.Blacking acredita que “[...] o interesse das pessoas podem estarmais nas atividades sociais associadas à música do que nela em simesma.” O autor enfatiza, também, que “[...] habilidades musi-cais nunca podem ser desenvolvidas sem alguma motivaçãoextramusical” (BLACKING, 1995a, p. 43, tradução nossa).

Essa visão demonstra a necessidade de incorporarmos àspraticas educativas da música sentidos que inter-relacionam o fa-zer musical a aspectos mais abrangentes da cultura dos alunos,fazendo das atividades educativo-musicais algo relevante e signifi-cativo socialmente. Assim, estaremos fugindo da cultura musicalfrágil e superficial consolidada, muitas vezes, dentro das aulas demúsica em instituições formalizadas. Cultura que cria “musiqui-nhas” e “brincadeirinhas musicais” sem qualquer significado realpara os seus praticantes, gerando, conseqüentemente, desinteressee descaso dessas pessoas para com as aulas de música.

Pensar a música como expressão humana contextualizadasocial e culturalmente é fator fundamental para estabelecermos açõeseducativas que possam ter conseqüências relevantes na sociedadee na vida das pessoas que constituem o universo educacional, ten-

do em vista que cada meio determina aquilo que é ou não impor-tante e o que pode ou não ser entendido e aceito como música.Esse fato atribui importância fundamental ao universo sobre o qualse caracteriza uma expressão musical, considerando que o fenô-meno sonoro só se tornará musica se o contexto que o praticaaceitá-lo como tal (MERRIAM, 1964, p. 66).

Dessa forma, fica evidente que a música como cultura édefinida a partir de suas inter -relações sociais, sendo tambémdefinidora de aspectos importantes para a caracterização identitáriade uma determinada sociedade. Um estudo significativo da músicacomo fenômeno sociocultural precisa considerar essa expressãocomo algo temporal e espacialmente estabelecido, que assume es-calas de valores variáveis de acordo com a época, o pensamento ea visão da sociedade e do meio cultural que a constitui.

Dimensões socioculturais da performance musical e suasimplicações no ensino e aprendizagem da música

Toda atividade de ensino da música requer o desenvolvi-mento de práticas que devem se caracterizar como expressõesmusicais significativas e não simplesmente como um conjunto deexercícios para a assimilação de aspectos técnicos e estruturais.Entendemos então que para estabelecermos propostas de ensino eaprendizagem que possam não só desenvolver habilidades, mas,sobretudo, concretizar um ensino musical da música, precisamoscaracterizar performances que tenham sentido, significado e ex-pressão, pensadas como produtos oriundos de experiências reaisde vivência da música, que possam estabelecer processos significa-tivos e fundamentais para a educação musical.

Necessitamos encontrar alternativas para um ensino queutilize tanto construções performáticas estabelecidas para fins didá-ticos, quanto manifestações de performance concretizadas como fe-

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nômenos culturais, entendendo que a inter-relação entre essas duasvertentes cria experiências educativo-musicais de intrínseco valorpara a assimilação e a vivência da música enquanto expressão artís-tica, social e cultural.

Manifestações diversas estabelecidas pelas diferenciadasexperiências humanas configuram práticas que reúnem, em deter-minados eventos, estruturas e significados que constituem fenô-menos representativos da expressão do homem em seu meiosociocultural, conforme discutido anteriormente. O termoperformance, usado num sentido amplo, como perspectiva para osestudos culturais, designa uma prática cultural constituída por umconjunto de elementos (simbólicos e estruturais) que dão forma esentido à sua existência.

A performance é, então, um intensificado e estilizadosistema comportamental que reúne em uma manifestação aspec-tos relacionados e determinados pelo tempo, ocasião, lugares epadrões de expectativa, diretamente associados ao universo so-cial em que esse fenômeno ocorre (ABRAHAMS, 1975, p. 25).Numa visão abrangente do conceito, Messner (1992, p. 15; 1993,p. 82-88) acredita que toda atividade humana concebida social-mente torna-se performática, no sentido que o homem atribui, acada situação vivida por ele, características e funções específi-cas, exigindo dos indivíduos comportamentos adequados à oca-sião, ao momento e ao lugar. Considerada fenômeno sociocultural,a performance pode ser entendida como um modo de expressão ecomunicação que faz de um evento social um veículo carregadode sentidos e de estruturas determinantes de situações diferenci-adas das experiências e vivências cotidianas da sociedade.

Assim deve ser a experiência musical numa práticaeducativa. Uma experiência que seja concebida como resultado daassimilação de aspectos relacionados à vida do individuo e, con-

seqüentemente, à sua cultura. Essa idéia não concebe a educaçãomusical como simples processo de perpetuação de valores cultu-rais de uma sociedade, mas sim a estabelece como alternativa de(re)conhecimento, (re)integração, e transformação dos materiais,das formas estético-estruturais e dos valores que caracterizam aprática musical como expressão representativa da vida humana.Para Victor Turner (1988, p. 21) o gênero performático “reflete”ou “expressa” o sistema social ou a configuração cultural, fazendoda performance, freqüentemente, uma crítica direta ou indireta àvida social, em sua origem e evolução.

Na mesma direção das múltiplas facetas performáticas quese estabelecem socialmente, a música é praticada e vivenciada pe-los seus executantes e ouvintes como um sistema cultural que ab-sorve, assimila e se adéqua às convenções sociais dos distintos meiosem que é realizada, desde os informais até os mais formalizados.

Dunsby (2003) afirma que a performance musical é umapropriedade pública, no sentido de que todo e qualquer grupo so-cial pode participar em situações performático-musicais variadas,atribuindo-lhes características e adaptações (estruturais e sociais)idiossincráticas.

Assim, todo individuo pratica, vive e percebe música dealguma forma. Quando pensamos no ensino formal precisamos re-conhecer as diferentes vivências musicais como algo relevante paraa experiência educativa que se concretizará dentro do processo deeducação musical. É preciso compreender que não só o domíniode habilidades especificas, facilmente desenvolvidas por um pro-fessor experiente de música, são aspectos importantes para a apren-dizagem, mas também outros fatores que fazem da experiência mu-sical algo de intrínseco valor para quem a vive.

De acordo com S tillman (1996, p. 6), um estudo quebusca ter uma visão ampla da música não pode abranger somente

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aspectos estruturais como afinação, ritmo, melodia e etc. é preci-so considerar também a relação desses elementos com dimensõesconceituais, comportamentais, emotivas e cognitivas do individuo.Essa idéia evidencia a necessidade de entender o fenômeno a par-tir de uma perspectiva mais acurada dos diversos fatores que in-serem a produção e a vivência musical num contexto amplo dacultura.

A ótica da etnomusicologia sobre os estudos musicais temcontribuído significativamente para ampliar às nossas visões acer-ca da música e da sua relação com o homem. A educação musicaltem se beneficiado das perspectivas etnomusicológicas enrique-cendo e ampliando às suas abordagens educacionais e compreen-dendo aspectos importantes da música enquanto expressão social.Tal fato tem trazido novos (re)direcionamentos para o ensino mu-sical levando-nos a compreender as práticas da música como ma-nifestações complexas de saberes que transcendem a estética es-trutural e o desenvolvimento de habilidades para a execução.

A compreensão da performance musical, segundo Béhague(1984, p. 4), ganhou a partir da década de 1970 perspectivas maisabrangentes, sendo entendida não só como evento e/ou produto,mas também como processo. Processo que reúne aspectos musi-cais e extramusicais, dando ao ato de fazer música um sentido quetranscende a atividade musical restrita às suas estruturas formais.Nas palavras de Béhague:

O estudo da performance musical como um evento,como um processo e como o resultado ou produto daspráticas de performance, deveria se concentrar no com-portamento musical e extramusical dos participantes(executantes e ouvintes), na interação social resultante,no significado desta interação para os participantes, enas regras ou códigos de performance definidos pela

comunidade para um contexto ou ocasião específicos(BÉHAGUE, 1984, p. 7).

Essas concepções nos fazem entender a performancemusical como um acontecimento que reúne na música característi-cas múltiplas da cultura, inserindo esse fenômeno em um contextoespecífico (temporal e espacial) e atribuindo a ele dimensões sim-bólicas que se juntam aos materiais e às estruturas formais consti-tuindo, assim, as bases seu do produto final.

Para a educação musical considerar a performance comoprocesso é fundamental, pois nos caminhos de construção de umaprática se estabelecem momentos e vivências que dão forma a situ-ações específicas de aprendizagem. Como evento, a performancetorna-se algo significativo, inserindo o aprender musical numa ex-periência real de vida.

Perspectivas para uma educação musical abrangente

A partir das questões apresentadas anteriormente, ficaevidente que nas múltiplas dimensões da transmissão musical, con-solidadas e vividas socialmente e culturalmente, a música enquan-to expressão humana é integrada a um sistema maior de valoresque a torna contextualizada com o universo dos seus praticantes.Esse princípio é importante referência para pensarmos na educa-ção musical praticada e sistematizada em instituições que se dedi-cam ao ensino e aprendizagem da música.

“Deselitizar” concepções, espaços, repertórios, deman-das e experiências acerca do ensino musical é na atualidade nossomaior desafio. Desafio que precisa ser vencido para que possamosir ao encontro do que se espera de uma educação que lide com adiferença e com a inclusão social.

Entendemos que para concretizar ações educativasabrangentes que contemplem a música em suas distintas facetas

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estéticas, sociais, psicológicas e culturais é preciso conquistar maisque uma inclusão de repertórios e de atividades relacionadas à di-versidade musical. Precisamos buscar de fato uma mudança antro-pológica em nossas instituições. Mudança essa que traga novosvalores, novos significados e novas atitudes para os profissionaisque definem e atuam no ensino da música formalizado.

Mais que uma perspectiva teórica, essa visão deve noslevar a uma (re)definição de princípios e ações que possam condu-zir a educação musical a caminhos democráticos que dêem a essaárea a dimensão social, cultural e humana que ela necessita.

Em qualquer processo educativo-musical é preciso ex-pandir os conhecimentos do alunado, mas fundamentalmente énecessário reconhecer as suas vivências, os seus anseios e as suas(inter)relações com a música. Assim, poderemos pensar num en-sino da música de forma democrática e inclusiva, que respeita adiferença não para utilizá-la como base para a formação de iguais,mas principalmente para, através dela, construir saberescontextualizados com o universo particular de cada indivíduo ede cada grupo social.

O reconhecimento da diversidade nos fez perceber quenão existe uma única música e/ou sistema musical, e que, portan-to, não podemos ter uma educação musical restritiva e unilateral.Ao longo desses últimos anos temos assistido um avanço educa-cional em diferentes níveis, valendo destacar a incorporação deelementos populares aos processos e conteúdos sistematizadosde ensino.

No entanto, ainda prevalece a idéia de utilizarmos mani-festações da cultura popular no ensino da música, de considera-mos o contexto cultural do aluno e de valorizarmos as músicasdo seu cotidiano, dentre outras diretrizes que apontam nessa di-reção, não como alternativas para o desenvolvimento musical

amplo, mas principalmente como perspectiva que traz no seuâmago a idéia de utilizar esses aspectos como ponto de partidapara algo concebido como uma “formação musical adequada”.Uma formação pensada, na maioria das vezes, de forma restritiva,objetivando o desenvolvimento e o conhecimento de uma únicavertente da música. Essa perspectiva tende a conduzir a práticade ensino a direções que buscam a capacitação de pessoas comcompetências únicas e específicas, eleitas como essenciais paratodo processo de aprendizagem. Propostas que enfatizam essaidéia levam, mais uma vez, ao erro de considerar o fenômenomusical, com toda a sua complexidade e variedade, como umalinguagem universal.

A inserção da música popular, ou de práticas musicais quetêm como base expressões musicais de tradição oral, em grandeparte das propostas que temos assistido nos sistemas de ensinoinstitucionalizados se dão por processos semelhantes aos de trans-missão da música “erudita”. Assim, mascaram-se músicas que exi-gem entendimentos, percepções, referenciais de interpretação eassimilação, e técnicas de execução diferenciadas, com um padrãoúnico de competências e habilidades. Precisamos evidenciar naeducação musical que, de fato, o que importa não é o transplantemusical de estruturas desprovidas de significados, mas sim umaverdadeira contextualização das propostas de ensino com músicasdiversificadas, em que sejam considerados os valores e as relaçõesmais amplas de cada manifestação, inserindo a práticaeducativo-musical no universo global das diferenciadas realidades.

Propostas como esta não objetivam restringir o universodo aluno unicamente ao conhecimento e aprimoramento deespecificidades musicais do seu cotidiano e do seu contexto cultu-ral. Dessa forma, estaríamos dando com uma mão e tirando com aoutra. O que é necessário é pensar numa educação musical

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abrangente que reconheça e desenvolva diferentes competências,não entendendo e concretizando a idéia de que uma é melhor queoutra, mas sim enfatizando as suas dimensões distintas e variadas.

Nessa concepção, a seleção de conteúdos e de competên-cias no ensino da música deve seguir padrões mais amplos, onde sevalorize músicas de diferentes contextos, usos e funções, e fazeresmusicais distintos que têm e exigem capacidades e formações esté-tico-estruturais diferenciadas. Na definição pedagógica de umaproposta de educação musical que pense num fazer educativo inte-grado à realidade dos estudantes, o que deve importar não é so-mente o fato de uma música ser boa ou ruim, mas, sobretudo, osignificado que ela tem para os alunos e para o sistema socioculturaldo qual ela é e faz parte.

Considerar a música como fenômeno sociocultural signi-fica entendê-la como algo que insere a prática artístico-musicalnuma rede de sistemas mais complexa, onde é preciso muito maisque música, enquanto fenômeno sonoro, para caracterizar umaexpressão representativa e presente no universo cultural dos seuspraticantes. Essa perspectiva nos conduz a novos direcionamentospara a educação musical. Direcionamentos que nos levam a cami-nhos mais abrangentes, que reconhecem a inexistência de uma úni-ca música e valorizam as distintas e variadas manifestações musi-cais. A multiplicidades das performances implicam também na di-versidade de suas formas de transmissão e nos leva a reconhecer anecessidade de uma educação musical que contemple um amplouniverso de estratégias (etno)metodológicas, de conteúdos, decompetências, atitudes e habilidades na formação dos executantese praticantes da música, e etc.

Enfim, frente aos rumos das músicas do mundo nos ve-mos diante do desafio de novas direções para a educação musical.Uma educação musical abrangente e diversa não só no discurso,

mas, principalmente, nas propostas e ações educativas que promo-vemos nos variados contextos de ensino e aprendizagem da músi-ca neste país.

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QUEM ENSINA ARTE NAS ONGS?

Lívia Marques Carvalho

Os estudos que investigam a trajetória das ONGs – Orga-nizações Não-Governamentais no Brasil1, enfatizam sempre o gran-de crescimento que essas instituições tiveram a partir dos anos de1990. Em um artigo publicado no Jornal O Globo, intitulado Opaís vive “boon” do ter ceiro setor, Rodrigues (2004) mencionaque na primeira pesquisa realizada no Brasil sobre essas organiza-ções, o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística cons-tatou que, entre 1996 e 2002, o número de ONGs cresceu 157 %.Baseada nesses dados, a autora afirma que o terceiro setor2 vem sedesenvolvendo em uma velocidade superior à dos tradicionais se-tores público e privado.

1 Sobre essa questão ver Scherer-Warren (1995); Landim (1993); Gohn (1997),entre outros.

2 A expressão terceiro setor tem sido aplicada para designar um conjuntocomplexo e abrangente de intervenções da sociedade civil. Inclui as ONGs,os movimentos sociais, as or ganizações voluntárias e a participação dafilantropia empresarial.

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O crescimento dessas organizações no Brasil é um fenô-meno relativamente recente e decorre da combinação de uma sériede fatores que se entrelaçam, tais como, o aprofundamento no Brasilde uma crise econômica e social que tornou mais agudo o quadrodas desigualdades sociais e elevou o número das reivindicaçõespopulares; o enfraquecimento das ações administrativas do poderpúblico que não consegue prover satisfatoriamente a populaçãocom serviços básicos como saúde e educação; o padrão produtivodo mundo globalizado que intensificou e revigorou ainda mais aexclusão social e a construção de uma nova postura da sociedadecivil, que vem se mobilizando para trabalhar em favor dos direitosde determinados grupos sociais.

As ações dessas organizações têm sido bastante destaca-das pela a mídia, principalmente a televisiva. Esse meio de comuni-cação tem divulgado, com muita freqüência, matérias ressaltando,de maneira especial, o trabalho daquelas voltadas para a promoçãodos direitos das crianças e dos adolescentes. O trabalho dessas ins-tituições adquiriu, nos últimos anos no Brasil, uma visibilidade nuncadantes obtida. Em grande parte das reportagens, o que sobressaisão as cenas focalizando meninos e ou meninas sorridentes, desen-voltos, realizando alguma atividade artística.

A repetição amiúde dessas cenas não apenas propicia àsociedade reconhecer que o número dessas instituições vem seampliando e ocupando um espaço significativo no cenário nacio-nal, quanto põe em evidência que o ensino de artes é componentefundamental em seus programas educativos. Donde se pode presu-mir que há um campo “novo” em expansão, fora do ensino formal,para a atuação do professor de arte.

Apesar do crescimento significativo dessas instituições edas práticas educativas comumente integrarem atividades artísti-cas, os aspectos relacionados ao ensino de arte, nesses espaços,

têm sido pouco discutido nos meios acadêmicos, o que contrastacom a quantidade admirável de publicações, pesquisas e debatesproduzidos nas últimas décadas sobre o ensino de arte na educa-ção formal3.

Em uma pesquisa que realizei, sob a orientação da pro-fessora Ana Mae Barbosa, para a elaboração de minha tese de dou-torado4, examinei alguns aspectos relativos ao ensino de arte, emtrês ONGs da Região Nordeste que desenvolvem atividadesdirecionadas a crianças e adolescentes em situação de risco social5.As ONGs que fizeram parte desse estudo foram: a Casa PequenoDavi na cidade de João Pessoa-PB, a Casa Renascer em Natal-RNe a Daruê Malungo em Recife-PE. Neste texto, com base na inves-tigação realizada, teço algumas considerações sobre o contextoeducativo das ONGs e descrevo o perfil do educador responsávelpelo ensino de arte nessas instituições.

As informações sobre o perfil dos educadores foram obti-das por meio de questionários e entrevistas. Dados complementa-res foram conseguidos por intermédio de consulta a documentos,conversas informais e pela observação das práticas realizadas pe-los educadores entrevistados.

De um modo geral, as atividades artísticas nas ONGs sãoorganizadas em forma de oficinas. No decorrer da pesquisa obser-vei a prática habitual de todas as oficinas de arte das três ONGs

3 Referências sobre o aumento de publicações sobre esse tema são citadas poralguns autore; entre esses, Barbosa (1997).

4 O doutorado em Artes foi realizado na Escola de Comunicações e Artes daUniversidade de São Paulo (USP). Data da defesa de tese: 18/04/2005 (CAR-VALHO, 2005).

5 A expressão, situação de risco social , tem sido empregada para referir -seaos meninos ou meninas, em geral de baixo poder aquisitivo, que corre orisco de ceder aos chamativos da rua. Sobre o assunto ver, Fernandes (2001).

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selecionadas e entrevistei seus respectivos educadores. Foram en-trevistados um total de quinze educadores, sendo oito da CasaPequeno Davi, quatro da Daruê Malungo e três da Casa Renascer.A pesquisa de campo foi realizada entre os meses de julho de 2003a março de 2004.

Cenário do ensino não-formal

De acordo com o que está assentado na missão das trêsONGs, o propósito principal dessas instituições é trabalhar no sen-tido de promover os direitos fundamentais de crianças e adoles-centes que se encontram em situação de risco social, desprovidosde seus direitos, ou pelo menos de alguns destes, em conseqüênciadas desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira, em seusfundamentos essenciais. Assim sendo, as instituições procuramempregar um conjunto de ações educativas que proporcionem con-teúdos teóricos e práticos para desenvolver as potencialidades e,ao mesmo tempo, estimular a conscientização dos indivíduos so-bre seus direitos como cidadão ou cidadã.

A educação nesses espaços é abordada de uma maneiradiferente da educação formal, proporcionada pelas escolas públicaou privada. A intenção não é ser um modelo alternativo à escola,mas agir paralelamente a esta, estendendo as ações educativas adimensões que vão além das oferecidas nos sistemas escolares.

A transmissão de conhecimentos, a fixação de tempos,seqüencialidades e outras etapas referentes à funcionalidade do sis-tema de ensino acontecem com uma organização própria, indepen-dentemente dos direcionamentos oficiais. Os estudos de von Simson,Park e Fernandes (2001) apontam algumas distinções entre os cam-pos da educação formal e da não-formal. Observam que, enquantona educação formal o ponto central é a formação do aluno, princi-palmente no que se refere ao acesso aos conhecimentos histori-

camente sistematizados e transmitidos em uma determinada seqüên-cia, estabelecida pela escola, na educação não-formal o compro-misso principal é com questões pontuais, consideradas importan-tes para determinados grupos que se formaram em função de de-mandas comuns. É esse compromisso que rege todo o processoeducativo. Uma das diferenças mais marcantes em relação ao ensi-no formal, mencionada pelas autoras, diz respeito à adaptação dosconteúdos de ensino/aprendizagem em conformidade com as de-mandas específicas de cada grupo, bem como a não-existência demecanismos de repressão no caso de não-aprendizagem.

Em Educação não-formal e cultura política, Gohn (1999)situa o grande destaque que essa modalidade de educação passoua ter no panorama mundial, a partir dos anos 1990. A autora consi-dera que esse fato foi motivado pelas mudanças econômicas e so-ciais próprias dos tempos de globalização, pela participação de al-guns estudiosos com suas pesquisas e reflexões teóricas sobre oassunto e ainda pela contribuição de agências e organismos inter-nacionais como a ONU – Or ganização das Nações Unidas e aUNESCO – Or ganização das Nações Unidas para a Educação,Ciência e a Cultura. A autora destaca, como uma das contribuiçõesmais significativas para a expansão do ensino não-formal, os docu-mentos elaborados na conferência realizada em Jomtien, Tailândia,em 1990, denominados, “Declaração mundial sobre educação paratodos” e “Plano de ação para satisfazer necessidades básicas daaprendizagem”.

Os estudos baseados em tais documentos, no que diz res-peito à América Latina, indicaram a necessidade de se ampliar avisão de educação e de inovar os canais existentes, fazendo-se ali-anças, de modo a contribuir para universalizar o acesso à educaçãoe fomentar a eqüidade. Recomendam, ainda, o trabalho de ONGsno âmbito educativo junto a grupos específicos e destacaram a

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importância dessas como agências detentoras de know-how emmetodologias e estratégias adequadas para revalorizar as culturase conhecimentos existentes nas comunidades atendidas.

Raízes culturais são acionadas e tradições têm sido res-gatadas, não para cultuar a memória de um passado jámorto, mas para amalgamar novas práticas, para fincarraízes nas novidades que a criatividade e a invenção, frutoda imaginação e das representações coletivas, estão ge-rando (GOHN, 1999, p. 16).

A autora observa ainda que, em conseqüência dadesestabilização da estrutura de mercado de trabalho, as demandassobre a educação são múltiplas:

“Cobra-se” um perfil de trabalhador criativo, que saibacompreender processos e incorporar novas idéias, tenhavelocidade mental, saiba trabalhar em equipe, tome de-cisões, incorpore e assuma responsabilidades, tenha auto-estima, sociabilidade e atue como cidadão. [...] Temosobservado que o resultado prático da nova ordem mun-dial tem sido uma sociedade cada vez mais competitiva,individualista e violenta. Os indivíduos estão cada vezmais isolados e estressados. São pessoas desenraizadas,sem pertencimentos. Uma sociedade onde incluídos com-petem em grupos seletos e muitos excluídos vagam emigram em diferentes áreas e espaços porque são“sobrantes”, não há mais vagas ou lugar para eles nomercado de trabalho. Não são sequer explorados porquenão têm salários (GOHN, 1999, p. 95, 97).

Diante das condições aflitivas do Brasil como detentorde um exército de excluídos vivendo nas periferias da maioria denossas cidades, as demandas de educação são múltiplas, e muitasdelas não podem ser resolvidas apenas com a educação formal,

visto que o sistema educacional oficial do Estado é formal emquase todas as suas estruturas e essas formas tomam como basesociedades universais, homogêneas, excluem, por conseguinte,aqueles que se encontram fora da forma prescrita por critérios,sejam estes de idade, herança cultural, padrão econômico, localde nascimento ou residência. Desconhecem os efeitos do contex-to sócio-econômico e cultural do aluno sobre sua capacidade,estado de espírito e até mesmo de saúde para aprender, não abar-cando, assim, o uno e o verso.

Em vista disso, grande parte das ONGs brasileiras temendereçado suas atuações às camadas mais pobres de nossa popu-lação. Como já mencionado, as que foram analisadas nessa pesqui-sa são voltadas para beneficiar crianças e jovens considerados “emsituação de risco”.

Como é característico do âmbito da educação não-for -mal, as três ONGs têm diante de si a liberdade, a flexibilidade e apossibilidade de construir os conteúdos de aprendizagem que se-jam mais significativos para cada grupo. Assim, a Daruê Malungo,cuja maioria do público-alvo é negra, elegeu empregar elementosda cultura afro-brasileira e temas da identidade étnico/racial, coma intenção de transmitir uma herança e reconstruir significados devida. Enquanto a Casa Renascer, que trabalha com meninas explo-radas sexualmente ou em risco de seguir esse caminho, destaca oensino de teatro e da dança porque são linguagens que, no dizer dacoordenadora:

[...] possibilitam que as temáticas discutidas e siste-matizadas durante as oficinas sejam levadas pelas pró-prias meninas ao público, ampliando as discussões eainda enfatizam o trabalho com o corpo, que fala, quesente e que pr ecisa ser respeitado (Coordenadora daCasa Renascer).

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Ao passo que, na Casa Pequeno Davi, o público-alvo émais diversificado, são crianças e adolescentes de ambos os sexosque vivem no Baixo Roger um dos bairros da periferia de JoãoPessoa. As atividades artísticas oferecidas são também diversifica-das, sem focos específicos.

Cada ONG, de acordo com seus objetivos, condicionadapor seus limites e disponibilidade de recursos, tem a liberdade deescolher o propósito do ato de educar, de escolher o que ensinar, ametodologia a ser aplicada, os temas e os conhecimentos que de-vem ser transmitidos. Essa liberdade se estende, também, à possi-bilidade de escolher todos os elementos que julgar necessários paraefetivação de suas propostas. Um dos elementos cruciais é a esco-lha do educador.

Base pedagógica e prática diferenciada: a competência parao ensino

Um dos requisitos para ensinar arte em escolas da redepública é ter o curso de Licenciatura Plena em Educação Artística.Mas, para ensinar arte em setores não-formais como ONGs o queé requerido?

O ensino nesse campo abrange um contexto bastante com-plexo. As ONGs estudadas, como descrito, lidam com meninos eou meninas socialmente marginalizados que sofrem uma série deprivações e necessidades desmedidas, recaindo sobre o educadormúltiplas exigências. Implica que este tenha posicionamentos polí-ticos, éticos e estéticos alinhados aos da instituição e que possuaqualidades e aptidões pessoais que vão além das habilidades técni-co-profissionais. Graciani, que examinou o papel do educador so-cial de rua, uma situação análoga, portanto, afirma:

O Educador Social de Rua precisa de algumas caracte-rísticas essenciais, muito mais de personalidade do que

técnico-profissionais, embora as duas sejam fundamen-tais. As primeiras referem-se principalmente à dimensãorelacional, isto é, a qualidades e habilidades pessoais narelação com o outro, e as segundas, por sua vez, às habi-lidades e conhecimentos (competência) sobre determina-das áreas, pessoas ou processos específicos e globais,tanto na reflexão quanto na ação e desempenho com osgrupos de rua. É no corpo a corpo, no olho a olho cotidi-anos com esses meninos(as) que se pode revelar o aco-lhimento, o compromisso, a paciência e a competência,assim como os preconceitos, impaciências, rejeições ourigidez comportamental ou perceptiva que o inabilitampara participar de uma pedagogia desse tipo. Nesta, éconsiderada como fundamental a adesão efetiva ao ár -duo processo educativo da proposta pedagógica, a au-sência de preconceito e discriminação racial e social emrelação a criança e adolescentes degradados, a crençaautêntica e comprometida na emancipabilidade, a empatiareal com menino(as) de rua e um potencial de afetividadeequilibrado, sem dependência, gerando respeito, confi-ança e segurança na criança e no adolescentes, a percep-ção aguçada das diferentes circunstâncias do processopessoal e grupal em relação à emancipação, a abertura ea flexibilidade sincera e permanente à escrita domenino(a), a capacidade de agir com autoridade, dife-rente de autoritarismo, a compreensão e o espírito dejustiça, o espírito democrático, diferente de democratismoe permissividade, a criatividade, a crítica e o espíritoparticipativo para lidar com situações emergentes, origi-nais e individualizadas, saber administrar e lidar comconflitos individuais ou coletivos, a disponibilidade e adisposição permanentes ao aprendizado, à retificação, àrevisão e à releitura do processo educativo como proces-so avaliativo (GRACIANI, 1997, p. 199-200).

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No que se refere ao grau de escolaridade dos educado-res que trabalham nas instituições estudadas os dados revela-ram que, dentre os 15 educadores, 8 (53%) têm o 3 o graucompleto, 4 (27 %) têm o segundo grau completo, 1 (7%) osegundo grau incompleto e 2 (13%/) têm o 1o grau incompleto,conforme ilustrado no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Escolaridade dos educadores.Fonte: Carvalho (2005).

Os números demonstram que ter formação acadêmica não éum requisito essencial, mas, entre os graduados, 7, a maioria, têmLicenciatura em Educação Artística, enquanto apenas 1 é pedagogo.

A seguir, descreverei situações que foram observadas nasONGs pesquisadas em relação á atuação dos educadores. Elas de-monstram que a maior competência do educador social é utilizaruma gama de conhecimentos técnicos somados a habilidades pes-soais para intervir, de maneira apropriada, em determinadas cir -cunstâncias. O entendimento das condições reais em que oseducandos vivem suas necessidades e aspirações é a premissa fun-damental para propiciar a realização de um trabalho transforma-dor. Portadores de títulos acadêmicos desacompanhados desseentendimento e habilidades são de pouca valia.

Na Casa Pequeno Davi, nos três últimos anos, a oficinade artes visuais teve um educador e uma educadora substituídos.Apesar de os dois terem licenciatura em Educação Artística, nãopossuíam as qualidades e aptidões exigidas para o trabalho ali rea-lizado. Durante o período em que estes estiveram ministrando essaoficina, verificou-se uma elevada taxa de evasão de educandos. Otrabalho realizado por ambos não conseguiu estimular noseducandos e educandas o “desejo” de permanecer nessa oficina,nem os trabalhos desses meninos e meninas apresentaram qualida-de estética satisfatória. Nas avaliações que são realizadas sistema-ticamente, as falhas que comprometiam o trabalho pedagógico fo-ram apontadas e discutidas, mas os educadores, apesar de possuí-rem uma formação profissional razoavelmente sólida, não demons-traram capacidade pedagógica para promover uma reorientaçãoem seus programas, de modo a garantir uma prática mais apropri-ada, nem apresentaram, tampouco, habilidade para lidar com o pú-blico-alvo. Faltaram-lhes as qualidades pessoais que esse tipo detrabalho exige.

Enquanto isso, a oficina de dança de rua, por exemplo,entusiasma a “galera”, é uma das oficinas mais procuradas, e oscasos de desistência são mínimos. O educador dessa oficina tem o2o grau completo, mas vem de uma vasta experiência com traba-lhos educativos não-formais. Aprendeu dança de rua em São Paulo– onde residiu e exerceu diversas atividades no setor industrial.Posteriormente, mudou-se para a Suíça, onde ganhava a vida ensi-nando capoeira. De volta a João Pessoa, trabalhou em pastorais eem outras ONGs ensinando dança de rua e teatro. Possuí, portan-to, experiência em trabalhos socioculturais.

Na Daruê Malungo, há quatro oficinas de arte; seus edu-cadores apresentam a seguinte formação: uma (a única educado-ra do sexo feminino) é graduada em Educação Artística, tem

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mestrado em Teatro, e é também professora da Universidade Fe-deral de Pernambuco (UFPE); um é artista plástico, com o 2o graucompleto, e dois tem o 1o grau incompleto. Os dois últimos sãoartistas populares, um músico ensina percussão; e o outro, dan-çarino, ensina dança. É provável que esses educadores sejam pro-ficientes em seus ofícios e que tenham, também, os atributos pes-soais necessários para originar ações transformadoras, pois, deacordo com o relato da coordenadora dessa ONG, é possível per-ceber o impacto positivo do trabalho da ONG na melhoria dascondições de vida da comunidade. Ela cita como exemplo o inte-resse e a participação dos educandos e a redução do índice deanalfabetismo e da violência.

Além de ter produzido essa diferença na comunidade, aDaruê Malugo se tornou uma referência, em Recife, principalmen-te pela excelência da qualidade dos trabalhos de dança e percus-são. Essas são, precisamente, as oficinas cujos educadores nãocompletaram o 1 o grau, entretanto os dois artistas moram na co-munidade de Chão de Estrela e também são egressos da institui-ção. Conhecem e têm traços em comum com os educandos e suasrealidades. Os grupos de dança e percussão da Daruê Malungotêm recebido inúmeros convites para apresentações em festivais eoutros espaços do gênero. Foi após assistir a uma apresentação deum desses grupos de dança acompanhado por instrumentos de per-cussão no Festival de Inverno de Garanhuns-PE que a professorada UFPE conheceu o trabalho da Daruê Malungo. Encantada como trabalho do grupo, encaminhou um projeto aos dirigentes da ONG,visando implantar uma oficina de teatro como projeto de extensãouniversitária.

Eu fiquei fascinada com a força do trabalho daDaruê. Como trabalho com a questão da formaçãodo Arte-Educador, com áreas de estágios, pensei em

criar um campo que fornecesse subsídios para as dis-ciplinas que leciono na UFPE, Prática de Ensino emTeatro e Metodologia do Ensino em Teatro. Acho su-mamente importante estabelecer um diálogo entre aformação e a realidade, ou formação e mercado. Par-ticipando desse projeto, os alunos têm a oportunida-de de ter uma experiência maior, mais ampla ou umaconvivência maior com a r ealidade (Educadora daUFPE na Daruê Malungo).

Por sua vez, na Casa Renascer, um dos educadores maisantigos e prestigiados, tanto por parte dos dirigentes quanto daseducandas, é o da oficina de teatro. Ele trabalha há 10 anos naCasa e, à época da entrevista, havia concluído o curso de Pedago-gia. O educador tem uma longa experiência em trabalhos de cará-ter social. Aos 12 anos de idade, começou a trabalhar em movi-mentos sociais com teatro popular . Apresentava-se em escolas eem comunidades, freqüentou também vários cursos de extensão deteatro oferecidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte(UFRN) e, posteriormente, começou a trabalhar como ator, tantona linha de teatro do oprimido quanto na de teatro clássico.

Nos anos 1980 os movimentos sociais estavam numagrande efervescência, e eu preferia estar participandodeles, do que dentro de uma universidade. Este tipo detrabalho me absorvia muito mais. Iniciei na Casa Re-nascer em 1993, vindo dessa chuva de experiência.Depois, como eu era muito solicitado para dar cursosde teatro em projetos sociais, eu r esolvi fazer o cursode Pedagogia. Aliás, acabei de me formar (Educadorda Casa Renascer).

Seria um equívoco supor, baseado apenas nesses exem-plos, que a formação acadêmica seja desnecessária. O que os exem-

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plos sugerem é que a habilitação acadêmica, por si só, não é sufici-ente para preparar o educador para realizar um trabalho de quali-dade nesse campo de ensino. Em alguns casos, os profissionaiscom formação acadêmica trazem, para os espaços educacionaisinformais, vivência e atitudes próprias da escola formal que muitasvezes não se adaptam a essa esfera pedagógica, dificultando a suaatuação.

Descrevendo um projeto sociocultural em Paulínia-SP ,Garcia (2001) discute os avanços e os limites da educação não-formal. A autora julga que a inclusão, nesse projeto, de educadorescom formação acadêmica – considerando-se as áreas de EducaçãoArtística, Educação Física e Pedagogia – traz, ao mesmo tempo,conquistas e perdas. Se por um lado garante acesso e permanênciana esfera da educação legitimada socialmente, por outro traz difi-culdades, uma vez que a formação desses não prepara para essetipo de prática e postura educacional. Segundo a autora, esses pro-fissionais carregam para os projetos educativos não-formais umavivência de docência em escola formal e, junto com isso, algunsvícios e hábitos que dificultam sua atuação nesse campo.

[...] os modelos escolares difundidos pelos educadores-professores, assim como a prática proposta por eles, nãosatisfazem mais aqueles adolescentes, em sua maioriaexcluídos das escolas e marginalizados socialmente. Osadolescentes não querem brincar de fazer coisas, experi-mentar, mas querem construir e se constituir como sujei-tos históricos. Não querem brincar de ouvir música, que-rem compor, tocar, cantar, constituir uma banda; nãoquerem apreciar e desejar a capoeira, querem gingar; nãoquerem construir cinzeiros de ar gila que trincam e sequebram, querem esculpir; e assim, não querem apenasconsumir modelos, querem produzir e, nessa produção

com qualidade se sentirem capazes de criação e, atravésdisso, se constituírem como seres capazes.Esses educadores que têm uma prática diferenciada e compossibilidade de operacionalização, acabam concretizan-do no ‘produto’ de seu ensino a relação com os adoles-centes, promovendo uma relação diferente daquela habi-tualmente encontrada nos ambientes escolares (GARCIA,2001, p. 155).

Na condição de professora de arte exercendo atividadetanto na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) quanto na CasaPequeno Davi, também pude perceber algumas dificuldades deadaptação experimentadas pelos educadores provenientes dos cur-sos de Licenciatura em Educação Artística nesse campo de ensino.Um dos impasses mais recorrentes diz respeito à questão de traba-lhar em função de resultados. Para as ONGs, é importante “semostrar”, apresentar, expor o que foi produzido nas oficinas. Porisso, esforçam-se para organizar eventos em intervalos regulares.Para as instituições, a apresentação de resultados é uma das manei-ras de prestarem contas, de serem avaliadas pelas agênciasfinanciadoras, pelos familiares dos educandos e pela comunidadeem geral. No entanto, para alguns professores de arte, trabalharnessa perspectiva representa romper com conceitos que se cristali-zaram nos cursos de formação. Seria como se eles estivessem acei-tando ser o “festeiro ou a festeira da escola” – postura tão comba-tida no âmbito dos cursos de formação de Educação Artística; e,por isso, oferecem resistência em aceitar ou relutam em se enqua-drar a esses procedimentos. Eles parecem se prender ao princípiobásico de que, em educação, o importante não é o produto, mas oprocesso, sem fazer as devidas transposições entre as situações.

Visando melhorar a prática educativa e torná-la mais ade-quada a essa situação específica de ensino, a Casa Pequeno Davi

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solicitou à professora Maura Penna, que á época era professorado Departamento de Artes da UFPB6, para prestar assessoria pe-dagógica. Sobre esse assunto, os educadores fizeram alguns co-mentários:

O curso de Educação Artística me tornou apto paraensinar. Não me pr eparou especificamente para estasituação que estou ensinando, que é ensinar em umaONG e ensinar vários instrumentos. Eu adquiri isso coma minha vivência musical, tocando em bandas, estu-dando, refletindo sobre a minha experiência (Educadorda Casa Pequeno Davi).

Na Universidade somos pr eparados para atuar den-tro de uma sala de aula. Para trabalhar em uma ONG,a gente tem que fazer adaptações porque as coisas quea gente apr endeu não se aplicam aqui. A assessoriapedagógica está nos ajudando a r efletir sobre nossaprática, e isso abre caminhos (Educador da Casa Pe-queno Davi).

Apesar de não ser arte-educador, participo das reuni-ões da assessoria pedagógica e tive noções sobr e aProposta Triangular, e outras abor dagens, e fui fa-zendo adaptações, melhorando. Li muitos livr os queme foram emprestados. Nas livrarias não encontro li-vro sobre serigrafia; esses livros melhoraram muito aqualidade do trabalho da oficina (Educador da CasaPequeno Davi).

Vejo a assessoria como um ponto positivo por queestamos conseguindo sanar dificuldades e lacunas quenão conseguiríamos de outra forma. Como é uma as-

sessoria específica de arte, estamos conseguindo umambiente propício para discutir , em gr upo, questõesespecíficas de nossa ár ea, para discutir sobr e nossosconflitos e para fazermos avaliações (Educador da CasaPequeno Davi).

A realidade observada aponta para a necessidade de oscursos de Licenciatura em Arte elaborarem currículos mais ade-quados à realidade do mercado de trabalho e que ofereçam conhe-cimentos e treinamentos que habilitem os alunos a atuar adequada-mente em espaços especiais, e não apenas nas escolas regulares.Como discutido, os cursos de Licenciatura em Arte, de uma ma-neira geral, não estão reconhecendo um campo de trabalho em fran-ca expansão para o professor de arte.

Quem ensina arte nas ONGs?

Ao longo da pesquisa, verifiquei a existência de diversasdesignações para o profissional que ensina arte nas ONGs. Elespodem ser tratados indiscriminadamente como educador, profes-sor, instrutor, técnico e até mesmo “oficineiro”. Cada ONG em-prega a terminologia preferida. Não existe uma padronização, e,em alguns casos, a ausência de unificação é tão grande que, em ummesmo documento, constam duas ou mais terminologias para amesma atividade. Por exemplo, encontrei em um mesmo documentooficial: educador de artes plásticas e instrutor de música. O queesse fato reflete? É necessário construir uma concepção coesa arespeito desse profissional? Barbosa (1997, p. 33) afirma: “Em artee em educação, problemas semânticos nunca são apenas semânti-cos, mas envolvem conceituações”. Julgo que a falta de unificaçãopara nomear aquele que ensina arte nas ONGs é reflexo da escas-sez de análises e reflexões acerca das questões que envolvem oensino de arte no terceiro setor; da fragmentação do próprio setor

6 Atualmente, a professora Maura Penna leciona na Universidade Estadual daParaíba (UEPB).

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e até mesmo do desconhecimento de alguns dirigentes sobre a pro-fissão (oficial) do educador.

O Dicionário Aurélio estabelece significados diferentespara os termos, a saber: educador é aquele que educa; professor ,quem ensina; instrutor, quem instrui ou adestra; técnico, quem aplicatécnica; enquanto oficineiro não consta, nem no Dicionário Auré-lio nem em outros de uso corrente (FERREIRA, 1999).

O termo oficineiro vem sendo usado, no terceiro setor ,para designar o ministrante de oficinas, independentemente de suaformação, que foi convidado ou contratado, temporariamente, paraensinar determinado assunto ou técnica.

Intrigada com o termo, consultei na internet o buscadorGoogle. Inúmeras referências foram encontradas, o que denota queo termo já faz parte do léxico desse setor. Curiosamente encontrei,ainda, uma menção a um Projeto de Lei (706/2003) que institui odia 27 de novembro como o “Dia do Oficineiro”, no âmbito doDistrito Federal (BRASIL, 2003).

As ONGs, por pertencer a um setor informal, não se pau-tam pelas terminologias institucionais. Elas são um campo em de-senvolvimento que, inclusive, criam novas terminologias.

Um fato que me chamou a atenção na pesquisa é a quanti-dade de educadores do sexo masculino, em relação ao número demulheres, trabalhando nas três ONGs. Entre os oito educadores daCasa Pequeno Davi, há apenas uma mulher. A mesma coisa acon-tece na Daruê Malungo, entre os quatro educadores há somenteuma mulher, apenas na Casa Renascer , as mulheres são maioria:das três oficinas, duas são orientadas por educadoras. Em resumo,dos quinze educadores atuando nas ONGs, onze são do sexo mas-culino e quatro do sexo feminino.

Embora o universo pesquisado seja insuficiente para fa-zer generalizações, essa situação difere muito do que ocorre nas

escolas regulares, onde, comumente, verifica-se a predominânciade educadoras, dado ao maior número de mulheres nos cursos delicenciatura de um modo geral, inclusive nas de artes.

Quanto à situação conjugal, dez são solteiros, sendo oitohomens e duas mulheres. Três são casados, todos do sexo mascu-lino, e, dois, divorciados, um do sexo masculino e um do sexofeminino. Entre os quinze educadores, apenas cinco possuem ou-tra fonte de renda. Aspectos como a questão de gênero, situaçãoconjugal ou regime de trabalho são tópicos que merecem ser in-vestigados e analisados em outros estudos de maneira mais com-pleta, porque, aparentemente, o perfil dos educadores nas ONGstem características diversas dos educadores dos setores formais.

O trabalho nas ONGs exige dedicação e disponibilidademuito grande por parte dos educadores. Freqüentemente eles sãosolicitados a realizar trabalhos extras; participar de reuniões in-ternas; aplicar questionários; realizar avaliações; participar de reu-niões em instâncias como conselhos, redes e fóruns; sem mencio-nar as horas-extras que se acumulam por ocasião da realizaçãode eventos, apresentações artísticas e coisas do gênero. O educa-dor em geral se envolve muito com as atividades da instituição. Éum trabalho que exige compromisso e uma abnegação tão gran-de, que às vezes beira uma militância. A implantação e/ou a con-tinuação de uma oficina fica, quase sempre, na dependência deaprovação de projetos para obtenção de financiamento. A faltade estabilidade e a dedicação que este tipo de trabalho requer ,provavelmente, são um empecilho para que muitos profissionaisvenham se adequar ou possam se dedicar a trabalhos dessa natu-reza, principalmente aqueles que são responsáveis pelo sustentoda família. É possível que essas particularidades sejam um dosmotivos para reunir o elevado número de solteiros entre os edu-cadores. Como argumentou um educador:

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Eu só me dou ao luxo de trabalhar aqui, fazer este tipode trabalho que eu adoro, porque eu não tenho famíliapara sustentar (Educador da Casa Pequeno Davi).

As exigências e a falta de estabilidade financeira forammencionadas por alguns educadores como um dos pontos negati-vos do trabalho.

Um dos pontos que menos gosto no meu trabalho é ainstabilidade financeira. Sei que até mesmo as empr e-sas grandes passam por isso, só o emprego público ofe-rece uma estabilidade razoável. Mas aqui ficamos de-pendendo da instituição atingir cer tos resultados, deobter aprovação de financiamentos e os pr ojetos têmduração definida. Fica difícil fazer planos a longo pra-zo (Educador da Casa Pequeno Davi).

Não gosto da insegurança, um projeto pode acabar, nãoreceber mais financiamento. Existe uma pr eocupaçãoconstante com a descontinuidade. Este perigo é a doen-ça das ONGs (Educador da Casa Renascer).

A única coisa que não gosto é de trabalhar visando umproduto. Acho que o processo é mais importante. O pro-duto deve ser uma conseqüência. Quando se trabalhaem uma ONG, muitas vezes a gente tem que mostrar umproduto, os financiadores colocam data. Acho ruim tra-balhar com essa pressão (Educador da Casa Renascer).

O que menos gosto é ser cobrado de coisas que tenhodificuldade para fazer, como escr ever relatórios, pla-nejamentos, porque não tive formação para isso. Osque não passaram por universidades r eclamam disso.Mas os cursos de formação e as assessorias estão meajudando. Estou aprendendo mais e estou até tomandogosto pela coisa (Educador da Casa Pequeno Davi).

A despeito das exigências, dificuldades e incertezas, to-dos educadores se declararam satisfeitos com o trabalho. Nas en-trevistas, muitos aspectos foram citados para justificar os motivosdessa satisfação. Foram mencionadas a liberdade, a autonomia paragerenciar suas atividades, bem como a convivência em ambientesem feições burocráticas.

Gosto da liberdade que a gente tem para fazer novaspropostas. Se não tiver dando cer to, podemos mudarno meio do caminho. Não precisamos ficar presas a umprograma que foi preestabelecido. Gosto de pesquisar,propor algo novo (Educador da Casa Pequeno Davi).

Gosto de trabalhar em um ambiente de solidariedade,em vez de um birô separando os dirigentes do restantedos funcionários, temos uma mesa r edonda para con-versas, o que r eflete que há uma diluição de poder es,um estímulo para auto-organização e pela luta por umaigualdade social (Educador da Casa Pequeno Davi).

Gosto de ver o cr escimento da pessoa. Gosto dadesburocratização, da r elação mais humana com asmeninas, colegas ou dirigente. T udo é conversado, édiscutido. É um trabalho coletivo, mas sem uma formade poder acentuado. Por outro lado, a ONG exige mui-to dos profissionais (Educador da Casa Renascer).

Alguns alegaram que se sentem bem ao se perceberemúteis, em poder realizar um trabalho de alcance social e contribuirpara o desenvolvimento pessoal e social dos educandos.

Gosto de trabalhar numa instituição que tem o encami-nhamento educacional voltado para a formação do serhumano (Educador da Casa Pequeno Davi).

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Acho que ganharia até mais se fosse fazer móveis deforma autônoma, mas, me r ealizo mais com este tipode trabalho. É mais atraente, por que sei que estouconstruindo um mundo melhor (Educador da Casa Pe-queno Davi).

É bom ver eles crescerem ficando na comunidade, semir para a rua, sem cheirar cola, trabalhando na comu-nidade (Educador da Daruê Malungo).

O que mais gosto é realizar um trabalho criativo e con-tribuir para a formação dos meninos e das meninascomo ser humano e como cidadão (Educador da CasaPequeno Davi).

Alguns educadores destacaram, ainda, que as ONGs possi-bilitam melhores condições para a realização do trabalho do educa-dor, em ternos de carga horária, de condições físicas e materiais. Foimencionada, ainda, a vantagem que representa exercer atividade nasua habilitação específica e poder observar a influência de seu traba-lho na trajetória dos meninos e meninas. Para os educadores quetiveram experiência de ensino em escolas institucionais, a compara-ção entre as duas situações de ensino surgiu espontaneamente.

Fiz minha prática de ensino na escola pública e ficavapedindo a Deus que o período terminasse logo. Depoishouve uma oportunidade de trabalhar em um colégioparticular, mas desisti, não me agradou. Aqui, eu possofazer um trabalho melhor. Qualquer coisa que eu faça,eu preciso ver o resultado para que eu possa estar bem.Aqui eu vejo isto, nas escolas regulares eu não consigover (Educador da Casa Pequeno Davi).

Nas escolas da r ede pública, não há espaço especialpara as aulas de arte, enquanto a maioria das escolas

tem sempre um espaço, um ginásio de espor te para asaulas de educação física. Para as aulas de arte, tudoque nos oferecem é apenas uma sala de aula tradicio-nal. Não levam em conta que pr ecisamos de espaçosdiferentes para o bom desenvolvimento das aulas. NaCasa Pequeno Davi, através do convênio com a Uni-versidade, eu trago os alunos para o próprio teatr o,trago para o NTU (Núcleo de T eatro Universitário) e,aqui, tenho um horário de aula mais amplo, e eles têmaula vendo como funciona a iluminação, o som, ficamsabendo o que é coxia, o que é rotunda, pano de fundo.Mas o que me deixa mais aliviado é poder dar aulaapenas de teatro (Educador da Casa Pequeno Davi).

Gosto de acompanhar o desenvolvimento deles, per-ceber que eles têm um traço pessoal. Essa ONG épobre, cheia de carências, mas, se eu precisar ama-nhã de 60 pincéis e tinta, eu tenho. Já dei aulas emescola particular, em bair ro bacana, mas não tinhamaterial para eu desenvolver minhas aulas. As aulasde ar te são r elegadas ao segundo plano (Educadorda Daruê Malungo).

A escola regular não combina comigo. Fiz prática deensino em um bom colégio, mas, tinha apenas 50 mi-nutos de aula. Quando eu tirava as carteiras do lugare ia pensando em or ganizar um gr upo, já estava nahora de r ecolocar as car teiras de volta. Não conse-guia nem fazer a chamada pelo nome dos alunos. Nãoconhecia eles nem pelo nome. Aqui, não, tenho maistempo e também mais autonomia. É claro que sou ob-servada, mas decido sobr e o conteúdo e a forma dedar aula. Além disso, trabalho apenas com música,que é o que eu sei. Não é como meus colegas relatam,que apesar de ter em a habilitação em ar tes cênicas,

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são obrigados nas escolas a dar também artes plásti-cas. Se eles não fizerem isso podem perder o emprego.Minha realização profissional é aqui que consigo (Edu-cador da Casa Renascer).

Os educadores relataram que têm liberdade de ação, noentanto não significa que estes estejam isentos de cumprir certascondições. Mesmo não havendo a necessidade ou a preocupaçãoem medir conhecimentos ou aprovar os educandos para as sériesseguintes, as práticas educativas são sistematicamente avaliadase observadas pela direção. Cobra-se dos educadores capacidadeintelectual para transmitir conteúdos práticos e teóricos; habili-dades, criatividade e aptidões específicas para manter oseducandos atraídos e interessados em permanecer nas oficinas,bem como que os trabalhos produzidos apresentem elevada qua-lidade estética. Os educadores devem, ainda, possuir capacidadede liderança e estimular o desencadear das transformações pes-soais e sociais desejadas. Assim sendo, recai sobre os educadoreselevada cota de responsabilidade.

Por sua vez, as agências que custeiam projetos para as ONGsprecisam de avaliações periódicas para se certificar que as institui-ções estão, realmente, alcançando os resultados propostos. As ava-liações podem influenciar na supressão ou na renovação dos financi-amentos, de modo que a permanência de determinadas oficinas ficasujeita à sua efetividade. “Mesmo relacionado a processos educaci-onais, o capital desses financiadores acaba sendo utilizado numa ló-gica que relaciona custos e benefícios” (SOUZA, 2001 p. 303).

Em decorrência desses aspectos, é comum os educadoreslidarem com constantes inquietações decorrentes de uma miríade demotivos, muitos dos quais já foram discutidos neste trabalho, comoa pressão por trabalhar em função de resultados, a complexidadeque é própria dessa esfera educativa e, ainda, a alternância de papéis

múltiplos que os educadores têm que desempenhar. Ora eles se co-locam em um degrau acima dos educandos, quando transmitem osconhecimentos técnicos e teóricos e ensinam os valores socialmenteaceitos, ora se colocam no mesmo degrau, quando ficam lado a lado,quando são o esteio, aqueles que ouvem e compartilham os proble-mas dos educandos. Ora lidam com as linguagens artísticas em umaação recíproca, entre a sua própria maneira de ver e entender o mun-do e a de seus educandos, ora lidam dialeticamente com o seu sabere querer e o saber e querer de seus educandos, ao mesmo tempo emque ocupam a posição de pesquisador , lendo, refletindo, questio-nando e questionando-se, reprogramando, alterando sua postura, suasconcepções, buscando soluções para os impasses entre a prática e oanseio de acertar.

Considerações finais

O número de ONGs no Brasil tem se expandido de ma-neira extraordinária. Essas instituições têm avançado na área dedesenvolvimento local e de lutas populares. O avanço das ONGsresulta, principalmente, do desenvolvimento e da utilização demetodologias e estratégias eficientes para atuar ao lado de gruposcom interesses e demandas específicas, nos quais as ações do Esta-do têm dificuldade para alcançar, e não é do interesse dos setoresprivados. Um dos méritos das ONGs é ter, na esfera da educação,um dos seus eixos principais. Salientei que comumente o ensinoartístico faz parte das diretrizes pedagógicas dessas instituições.

Nos casos estudados a formação dos educadores apre-sentou um quadro bastante variado, abrangendo desde dos quetêm graduação aos que não concluíram o 1o grau. Por conseguin-te, há os que receberam formação acadêmica específica para ensi-nar e os que se tornaram educadores sem passar pela formalizaçãonecessária.

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A pesquisa deu a conhecer que, nesse campo de ensino,apesar das exigências, da falta de estabilidade no trabalho e dasresponsabilidades que recai sobre os educadores, o nível de satis-fação no trabalho é bastante elevado. Os educadores mostraramque valorizam muito o fato de poder contar com condições ade-quadas, em termos de cargo horária, espaço físico e equipamentos.

A realidade observada denota que a qualificação acadêmi-ca não é requisito fundamental. A qualidade do ensino de arte nasONGs não está, necessariamente, relacionada à titulação. Ao ladodas habilidades técnicas profissionais, o saber, aptidões e caracte-rísticas pessoais são muito importantes para a realização de umtrabalho apropriado. Ficou claro que os métodos utilizados na edu-cação formal, muitas vezes, não satisfazem às crianças e nem aosadolescentes matriculados nos projetos educativos alternativos.

O nosso sistema educacional atual é convencional não estámontado para atender ao novo cenário que se forma, tendo comoelemento importante as demandas por profissionais para o terceirosetor, o qual vem se expandido em uma velocidade superior aopúblico e privado. Ou seja, de um modo geral as universidades nãoestão levando em conta a realidade do mercado de trabalho exis-tente no momento. No entanto, as ONGs necessitam de competên-cias específicas para as suas atividades. Sem essa competência, elasnão poderão desempenhar bem as transformações almejadas.

Os resultados indicam que os cursos de Licenciatura emArtes necessitam reformular seus currículos, de modo a oferecertreinamento e habilitação a seus alunos de maneira que estes pos-sam atuar, apropriadamente, em espaços não-formais e não apenasnas escolas regulares.

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A CRIAÇÃO DE ESPAÇOS/TEMPOS POSSÍVEISNA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

reinventando práticas educativas

Maria das Graças Vital de Melo

A arte é uma práxis humana essencialmente política, poisela mantém um vínculo or gânico com determinado períodosociohistórico, expressando, intencionalmente ou não, as contra-dições inerentes a cada realidade concreta.

Desde os primórdios da produção de conhecimento acer-ca da arte, discute-se sobre suas relações com a educação e com apolítica. De um lado, afirma-se a neutralidade da arte, negando-sesua inserção no contexto cultural e sua função educativa; de outro,defende-se seu caráter cultural, isto é, toda arte representa visõesde mundo, pertencentes às condições particulares de um povo, sendonecessariamente educativa e, portanto, política.

Embora a arte seja considerada, historicamente, de na-tureza transformadora – pois implica criação, invenção, trans-gressão – ela, muitas vezes, é utilizada no sentido de conserva-ção de uma estrutura social, de uma ideologia, tornando-se um

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mecanismo de coerção e dominação. Além disso, a falta de aces-so – de grande parte da população – a essa forma de conhecimen-to, fortalece a política de dominação e exclusão social, própriada atual conjuntura nacional e internacional.

É preciso constantemente reivindicar a função social daarte e lutar para que todos tenham acesso a esse bem cultural, deforma crítica e reflexiva. Assim sendo, faz-se necessário provocara discussão sobre o papel da arte na educação de crianças, adoles-centes, jovens e adultos, e construir propostas educativas que con-cebam as diferentes modalidades artísticas como linguagens, cujaaquisição é de fundamental importância para a constituição de pes-soas autônomas e conscientes de si em relação com os outros ecom o mundo, enquanto protagonistas de sua história individual esociocultural.

Nesse sentido, o Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensãoem Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular (NUPEP)do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco(UFPE), implementou alguns projetos na área de Educação de Jo-vens e Adultos (EJA), que introduzem as linguagens artísticas nocurrículo dessa modalidade de ensino, reinventando práticaseducativas condizentes com a proposta de democratização1 do aces-so ao conhecimento, à cultura e à arte.

Como membro da equipe de Arte-Cultura do NUPEP– na área de Teatro –, desde 1997, atuo em atividades de pesquisaarticulada às práticas de capacitação docente e produção de mate-rial didático para EJA. Os inúmeros questionamentos que foram

surgindo durante o processo de trabalho vivido no Núcleo motiva-ram-me a desenvolver uma investigação sobre o ensino e a apren-dizagem da linguagem teatral na EJA, resultando na elaboração deminha dissertação de mestrado2 (MELO, 2003).

Portanto, este artigo tem como objetivo abordar, de for-ma sucinta, saberes relativos ao ensino e à aprendizagem da arteteatral, buscando explicitar os conteúdos escolares básicos, es-pecíficos dessa linguagem, a fim de subsidiar o trabalho dos pro-fessores das séries iniciais do ensino fundamental que trabalhamna EJA, pois esses, em geral, não têm acesso aos conhecimentospróprios da área de arte durante a sua formação acadêmica e pro-fissional.

É importante destacar que o ensino e a aprendizagem daslinguagens artísticas – no nosso caso, do teatro – na EJA visam,prioritariamente, ampliar as possibilidades de compreensão, signi-ficação, explicação, interação e intervenção da/na realidade pesso-al e social dos alunos que demandam essa modalidade de ensino.Assim sendo, os conteúdos essenciais a serem vivenciados na salade aula dizem respeito à realidade natural e cultural em que elesestão inseridos. Porém, por se tratar do ensino e da aprendizagemda linguagem teatral, esses conteúdos são abordados via os con-teúdos específicos desta área de conhecimento, os quais assumempapel mediador no processo educativo.

Este escrito se justifica, portanto, pela constatação da fal-ta de material bibliográfico específico que aborde os conteúdosescolares básicos da linguagem teatral. Não podemos negar queatualmente existe um número razoável de títulos sobre o teatro na

2 Mestrado em Educação (área de Educação Popular) realizado na Universi-dade Federal da Paraíba, sob a orientação e co-orientação dos professoresTimothy Ireland e Maura Penna, respectivamente.

1 Democratizar o acesso à arte implica que a pessoa possa vivenciar , no seucotidiano, situações de familiarização com os processos de criação e apreci-ação de objetos artísticos, além do contato com o saber que foi produzidosobre a arte ao longo da história da humanidade, através de ações de dife-rentes instituições e do acesso a novas tecnologias.

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educação, porém, em sua maioria, os autores limitam-se a apre-sentar o como ensinar teatro – lista de jogos e improvisações –,não levando em conta a relevância de se saber o quê ensinar e paraquê. Essa compreensão por parte dos educadores possibilitará queparticipem conscientemente de uma proposta político-pedagógicacomprometida com a maioria da população, na perspectiva de de-mocratização do saber/poder.

A linguagem teatral no contexto do ensino de arte

Segundo Koudela (1990), o ensino de arte na escola deeducação básica tem se localizado dentro de duas orientações daprática pedagógica que se distinguem segundo a função educacio-nal que atribuem a esse ensino: orientação contextualista e orienta-ção essencialista.

Para a postura contextualista, a função do ensino de artena escola está fora da própria área de conhecimento; encontra-se aserviço de outros aspectos da realidade do aluno: psicológicos,sociais, escolares. A arte é um mero instrumento para se alcançarobjetivos mais gerais de educação. Nessa perspectiva, o mais im-portante é o processo de trabalho vivido pelo aluno.

A respeito dessa postura, Ingrid Koudela, referindo-se aoposicionamento de Elliot Eisner quanto ao assunto, escreve:

A abordagem mais difundida na história da arte-educa-ção é designada pelo autor como “contextualista”, queenfatiza as conseqüências instrumentais da arte na edu-cação e utiliza as necessidades particulares dos estudan-tes ou da sociedade para formular seus objetivos. Dentroda orientação contextualista, alguns programas ressal-tam as necessidades psicológicas da criança na articula-ção de seus objetivos e outros, as necessidades sociais(KOUDELA, 1990, p. 17-18).

No entanto, para a postura essencialista, a função da artena escola é justificada por ela mesma. A preocupação dessa pers-pectiva é com a essência da própria arte, sua especificidade: a esté-tica. A arte existe independente de qualquer aspecto educativo,embora eduque.

[...] a abordagem “essencialista” da educação artística,[...] considera que a arte tem uma contribuição única adar para a experiência e a cultura humanas, diferencian-do-a de outros campos de estudo. Segundo os essencia-listas, a arte não necessita de argumentos que justifiquema sua presença no currículo escolar, nem de métodos deensino estranhos à sua natureza intrínseca (KOUDELA,1990, p. 18).

Historicamente, o ensino da linguagem teatral no sistemaescolar brasileiro encontra-se situado predominantemente dentro daorientação contextualista, pois, quando nos atemos às propostascurriculares, ao material bibliográfico, aos relatórios de pesquisa sobreo ensino de teatro e aos relatos de experiências pedagógicas nessaárea, observamos que quase toda a produção escrita pertence à pers-pectiva instrumental. A esse respeito, Japiassu escreve:

O teatro na educação, ainda hoje, é pensado exclusiva-mente como um meio eficaz para alcançar conteúdos dis-ciplinares extrateatrais ou objetivos pedagógicos muitoamplos, como, por exemplo, o desenvolvimento da“criatividade” (JAPIASSU, 2001, p. 23).

Como exemplo do caráter instrumental do ensino de tea-tro, temos algumas situações que são corriqueiras no interior dasnossas escolas de educação básica, especialmente nas séries inici-ais do ensino fundamental. Em primeiro lugar , temos a posturadaquele professor que entende o teatro como um mero recurso

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didático para facilitar a aprendizagem de conteúdos de outras disci-plinas do currículo, como Língua Portuguesa, Literatura, História,dentre outras. Essa prática educativa foi influenciada pelas idéiasde Caldwell Cook , no livro The Play Way, de 1917, o qual, segun-do Courtney (1980, p. 44), foi o primeiro a formular um métododramático capaz de promover a aprendizagem dos alunos. “Cook[...] dizia que atuar era um caminho seguro para aprender”. ParaJapiassu (2001, p. 18), essa tendência sofreu influência do pensa-mento pedagógico de Rousseau que “[...] enfatizava a atividade dacriança no processo educativo e defendia a importância do jogocomo fonte de aprendizado”.

Uma outra situação comum nas nossas escolas e, talvez,a mais trivial é aquela em que o teatro é visto como um instru-mento utilizado para o desenvolvimento da criatividade do edu-cando, dos processos psicológicos criativos, na qual os jogos dra-máticos assumem um papel fundamental. Luiz Ferreira, referin-do-se aos processos teatrais na ação educativa nos cursos de 1º e2º graus, escreve:

Esta ação educativa objetiva o desabrochar psico-afetivoe intelectual da pessoa, pela aquisição de valores, pelacapacidade de transformar a discordância ou a oposiçãoentre o mundo interior, ‘subjetivo’, dos desejos, e o mun-do exterior, ‘objetivo’, que resiste a estes desejos. Umaação educativa que possibilite a aquisição de uma lin-guagem pessoal (e por isso mesmo acessível a todos).Certamente uma ação educativa centrada em processoscriativos e no desenvolvimento do potencial do indiví-duo (FERREIRA, 1982, p. 48).

Essa tendência, de natureza psicológica, característica daarte-educação, busca dar à arte funções educacionais mais amplas,advogando que o teatro na educação tem como objetivo o desen-

volvimento do indivíduo como um todo e valoriza, especialmente,a espontaneidade, a expressão, a criatividade, a sensibilidade, apartir do estímulo à imaginação, da prática de jogos dramáticos.Essa tendência foi influenciada, principalmente, pelas idéias do in-glês Herbert Read, embora a vulgarização de sua doutrina de edu-cação através da arte tenha levado os professores a aplicarem téc-nicas teatrais e a utilizarem jogos sem a fundamentação necessária,gerando, muitas vezes, uma redução ou deformidade das idéiasoriginais.

Para ilustrar o pensamento que subjaz a essa postura pe-dagógica, podemos citar os objetivos do ensino de teatro, segundoalguns autores que escreveram durante o período de 1970 a 1990.Observamos, entretanto, que esses objetivos geralmente são váli-dos para qualquer área de conhecimento.

Edília Coelho Garcia, na apresentação do livro de HiltonCarlos Araújo, Educação Através do Teatro, explicitou o objetivodo ensino de teatro, segundo a visão predominante na época:

[...] Educação através do teatro – ensina como pode oteatro ser posto a serviço da educação. Mostra como oTeatro na escola é capaz de oferecer ao aluno a oportu-nidade de se exprimir livremente, de criar, de extravasaro manancial de riquezas que tem dentro si, indica como aatividade teatral bem orientada apresenta o jovem comoele é, o que pensa do mundo e das pessoas, a que aspira,o que receia (GARCIA, 1974, p. 9).

Reverbel (1979, p. 9) escreve que o objetivo do teatrona educação “[...] é o de favorecer a auto-expressão, oferecendomeios para que, gradativamente, se desenvolvam a espontaneidade,a imaginação, a percepção, a observação e, conseqüentemente, acriatividade”.

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Coelho (1986), adepto da idéia de se elaborar umametodologia baseada na arte dramática objetivando o desenvolvi-mento da criatividade na Educação Artística, apresenta uma siste-matização do “processo de Teatro Criativo”, que tem o jogo dra-mático como uma das aplicações desse processo.

No Prefácio escrito por Kühner, no livro Persona: o tea-tro na educação, o teatro na vida, encontramos o seguinte texto arespeito da necessidade de se ter uma mudança de enfoque na Edu-cação Artística, para torná-la um elemento desequilibrador/criadorno processo de desenvolvimento humano:

Por isso torna-se de saída essencial uma mudança deenfoque ou princípio, que coloque a ênfase do processode aprendizagem sobre a pessoa do aluno e sobre o pro-cesso em si e não mais sobre o resultado ou produtofinal a ser obtido: sobre a pessoa, a realidade viva emutante; sobre o processo, ação permanente e viva, atode gestação, de criação. Ênfase que é por si mesmadefinidora de todo o trabalho de Educação Artística,que se basta como exercício motivador de criatividade,isto é, de uma espontânea e livre atividade de criar(KÜHNER, 1975, p. 6).

Na prática, entretanto, as atividades pedagógicas propos-tas para as aulas de teatro nessa perspectiva – mesmo nos livroscuja fundamentação é baseada nos princípios da Escola Nova –são diretivas, não atingem o nível de espontaneísmo a que chega-ram, muitas vezes, as artes plásticas. Os autores sempre propõemuma série de exercícios e jogos que obedecem a uma programaçãoe se relacionam com alguns objetivos propostos (mesmo que essesobjetivos sejam na perspectiva de formação global e desenvolvi-mento da personalidade do educando). Isto é, mesmo os professo-res que representam, consciente ou inconscientemente, a aborda-

gem teórico-metodológica característica da arte-educação dão umadireção a seu trabalho de sala de aula, seguem uma programação àbase de jogos dramáticos 3, cujos objetivos estão, na maioria dasvezes, bem definidos. Embora seu planejamento seja elaborado comum discurso centrado no aluno, a prática pedagógica é diretiva,apesar do aspecto lúdico que lhe é pertinente.

Por outro lado, temos também, mais raramente, a partirda década de 1960, uma outra situação que caracteriza a práticapedagógica dos professores de arte nas escolas: os professores queorientam sua prática segundo a concepção de teatro como instru-mento de conscientização, de libertação da opressão na qual seencontram as camadas populares. Ligada ao ideário de “educaçãocomo prática de liberdade”, esta visão, ainda hoje, é bastante di-fundida nos espaços educativos fora da instituição escolar, como:ONGs, associações de moradores, sindicatos, movimentos sociais,igreja. Originária dos princípios do teatro épico e dialético de Brecht– sobretudo das peças didáticas por ele concebidas com a finalida-de de instrumentalizar o povo no processo de luta política atravésda veiculação de uma estética convencional e antiilusionista –, essaabordagem tem como principal representante Augusto Boal, comsua pedagogia do teatro do oprimido.

Augusto Boal (1931- ), dramaturgo, diretor teatral e po-lítico brasileiro [...] criou durante a década de 1960, àfrente do Teatro de Arena de São Paulo, uma poética

3 O jogo dramático, proposta metodológica básica da abordagem instrumen-tal, está baseado na improvisação teatral. Peter Slade foi o responsável pelasistematização e divulgação dos princípios básicos do jogo dramático no seulivro O jogo dramático infantil (1978). Tanto os estudos de Piaget sobre odesenvolvimento do jogo simbólico como alguns estudos psicanalíticos con-tribuíram para fundamentar a importância do jogo dramático no processo dedesenvolvimento cognitivo e afetivo do ser humano.

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teatral inspirada na estética brechtiana e na pedagogialibertadora formulada pelo educador pernambucanoPaulo Freire (JAPIASSU, 2001, p. 37).

Brecht se fundamentou no pensamento marxista e defen-dia um teatro que, contrapondo-se aos princípios da poéticaaristotélica, fosse um instrumento de educação/conscientização dopovo no processo de luta de classes sociais característico das soci-edades capitalistas do século XX. Brecht concebia a arte comolinguagem. Os textos de suas peças didáticas se constituíam emmodelos de ação.

O objetivo das peças didáticas brechtianas não é a ence-nação ou a montagem espetacular perseguida através deensaios. Sua meta é propor uma apropriação do textodramático por grupos de pessoas preocupadas em apre-ender pelos exemplos de comportamento “associal” apre-sentados em seus escritos. Trata-se de uma ação pedagó-gica na qual uma das principais intenções do dramatur-go alemão é subverter um suposto significado, único daspalavras e ações, investigando seus múltiplos sentidos.A idéia principal de Brecht com suas peças didáticas éconscientizar os jogadores das suas possibilidades de açãopara transformação da realidade estabelecida(JAPIASSU, 2001, p. 32).

Foi no contexto de grandes transformações políticas, eco-nômicas e sociais no Brasil da década de 1960, de efervescênciaintelectual e cultural, que as idéias sobre o binômio teatro-educa-ção sofreram grande influência de Bertolt Brecht: os Centros Po-pulares de Cultura (CPCs) espalhados por todo o Brasil, o Movi-mento de Cultura Popular (MCP) (especialmente em Pernambuco,sob a liderança de Paulo Freire), o Teatro Oficina, o Teatro Opi-nião e, em especial, o Teatro de Arena, todos pretendiam realizar

um teatro político capaz de contribuir para a revolução cultural econseqüente construção de uma nova sociedade brasileira4.

A insatisfação com o modelo das relações de produçãoque caracterizavam as práticas brasileiras associadasaos estudos em busca de uma nova função social parao teatro e, além disso, o engajamento político na lutapela construção de uma sociedade socialista no país,levaram o Teatro de Arena de São Paulo, a partir dadécada de 1960, sob a liderança de Augusto Boal, aperseguir a formulação de uma poética teatral genuina-mente brasileira: nascia o teatro do oprimido(JAPIASSU, 2001, p. 37).

Apesar de ter surgido com base no teatro político-peda-gógico criado por Brecth, o Teatro do Oprimido, na figura deAugusto Boal, procurou construir uma identidade própria que fos-se adequada à realidade vigente no Brasil daquela época.

O teatro do oprimido consiste, basicamente, num con-junto de procedimentos de atuação teatral improvisada,com o objetivo de, em suas origens, transformar as tra-dicionais relações de produção material nas sociedadescapitalistas pela conscientização política do público(JAPIASSU, 2001, p. 37).

O principal contraponto entre a poética brechtiana e apoética do oprimido diz respeito ao objetivo básico do teatro: paraBrecht, o objetivo do teatro é a conscientização; para Boal, é aação do espectador, um “ensaio” à revolução.

4 Experiências artísticas e culturais que sur giram de Norte a Sul do país, nadécada de 1960, as quais visavam ao processo de alfabetização,conscientização e politização das classes populares, para a efetivação darevolução cultural e transformação estrutural da sociedade brasileira.

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[...] Brecht propõe uma Poética em que o espectadordelega poderes ao personagem para que este atue e penseem seu lugar, mas se reserve o direito de pensar por simesmo, muitas vezes em oposição ao personagem. [...]O que a Poética do oprimido propõe é a própria ação!O espectador não delega poderes ao personagem paraque atue nem para que pense em seu lugar; ao contrá-rio, ele assume um papel protagônico, transforma a açãodramática inicialmente proposta, ensaia soluções pos-síveis, debate projetos modificadores; em resumo, oespectador ensaia, preparando-se para a ação real(BOAL, 1988, p. 138).

Temos, portanto, um contingente bem pequeno de pro-fessores, dentro da escola de educação fundamental, a trabalharcom o teatro nessa perspectiva5. Mas, como o “Teatro do Oprimi-do” é um tanto conhecido pelos professores advindos da área dearte e por alguns professores de outras áreas de conhecimento quetêm um engajamento político, muitas de suas técnicas teatrais sãoempregadas em salas de aula, em geral juntamente com técnicasoriundas de outras orientações pedagógicas bastante diferentes,inclusive antagônicas.

Com relação à orientação essencialista, temos a posturadaquele professor que utiliza o teatro para preparar espetáculos eapresentá-los nas festas de final de ano ou em datas comemorati-vas. Esses professores valorizam tão somente o produto; para tan-to, eles selecionam os melhores alunos ou os mais “dotados” paraque memorizem os textos, de preferência clássicos, e os encenem

segundo uma marcação de cena rígida e mecânica, de acordo como que lhes é ditado pelo professor (diretor), detentor do conheci-mento. Porém, esse tipo de professor representa uma visão tradici-onal do ensino de arte, cujo objetivo é apenas técnico-profissional,logo, uma visão excludente e limitada do ensino de teatro na esco-la de educação básica.

A partir das décadas de 1960-70, tivemos acesso à siste-matização de uma proposta metodológica elaborada por ViolaSpolin para o ensino de teatro por meio de jogos teatrais, resultadode uma pesquisa ao longo de quase três décadas com crianças, pré-adolescentes, adolescentes, jovens, adultos e idosos nos EstadosUnidos da América. Essa publicação, intitulada Improvisação parao teatro, chegou até nós por intermédio da tradução feita por IngridKoudela e Eduardo Amos (SPOLIN, 1987). Os jogos teatrais sãobaseados na improvisação e não definem os papéis a priori, masestes vão se constituindo durante o processo de interação que ocorreentre os “jogadores”.

A finalidade do jogo teatral na educação escolar é o cres-cimento pessoal e o desenvolvimento cultural dos joga-dores por meio do domínio, da comunicação e do usointerativo da linguagem teatral, numa perspectivaimprovisacional ou lúdica. O princípio do jogo teatral éo mesmo da improvisação teatral, ou seja, a comunica-ção que emerge da espontaneidade das interações entresujeitos engajados na solução cênica de um problema deatuação (JAPIASSU, 2001, p. 20).

Embora a proposta metodológica de Viola Spolin per-tença à abordagem essencialista da prática pedagógica, pois “per-mite sobretudo reivindicar o espaço do teatro como conteúdorelevante em si na formação do educando”, considera possível autilização do teatro como instrumento em outras áreas de conhe-

5 A prática educativa em teatro promovida por instituições extra-escolares,como ONGs, associações de moradores de bairro, igreja, sindicatos, movi-mentos populares, caracteriza-se, muitas vezes, como uma prática própriadessa tendência do ensino de arte, denominada, por muitos, como correnteprogressista de educação.

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cimento. Essa metodologia é bastante divulgada hoje em dia, es-pecialmente pelas professoras Ingrid Koudela e Maria Lúcia Pupo(JAPIASSU, 2001, p. 20).

Atualmente, convivem, portanto, na realidade escolar brasi-leira, a exemplo do ensino de outras linguagens artísticas, as tendênci-as: técnico-profissionalizante, de formação global do ser humano edesenvolvimento de sua personalidade, de conscientização política dosujeito histórico, e de resgate do teatro como contribuição importantepor si mesm a (proposta que se estrutura a partir dos elementosconstitutivos da linguagem teatral: ator – corpo –, público, texto eespaço cênico). No entanto, na prática das escolas de ensino funda-mental, em todas essas posturas, a ênfase é no fazer artístico, ficando aapreciação, questão essencial para a ampliação do universo cultural doaluno, desconsiderada, apesar de ser apresentada como um dos eixosda proposta do ensino de arte nos Parâmetros Curriculares Nacionais– PCN/Arte: 1o e 2o ciclos (BRASIL, 1997).

Desde a promulgação da lei 5.692/71, a qual instituiu apresença obrigatória da Educação Artística no currículo de 1º e 2ºgraus (BRASIL, 1971), o ensino do teatro vem se efetivando tímidae precariamente nas escolas de educação fundamental. Isto se deve,dentre outros fatores, ao caráter polivalente da Educação Artística eà predominância do ensino das artes plásticas na instituição escolar.

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional– LDB –, Lei 9.394/96, estabelece a obrigatoriedade do ensinode arte no artigo 26, parágrafo 2º : “o ensino da arte constituirácomponente curricular obrigatório, nos diversos níveis de educa-ção básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dosalunos” (BRASIL, 1996). Nos PCNs – Arte – 1º e 2º ciclos 6,

documento oficial que serve de referência em todo o territórionacional, o ensino de arte constitui o ensino de Artes Visuais,Música, Teatro e Dança. Essa nova direção para o ensino de arte,dada pelos PCNs – Arte, encontra-se em conformidade com aconcepção de arte como linguagem. Existe todo um movimentono sentido de efetivar uma práxis pedagógica do ensino de arte –no caso, da arte teatral – dentro de uma orientação de resgatedos conteúdos específicos de cada modalidade artística. Assim, aaquisição dos conteúdos próprios da linguagem teatral faz-secondição essencial ao processo de ensino-aprendizagem desen-volvido nas escolas brasileiras.

Apesar de alguns limites dos PCNs – Arte – 1º e 2º ciclos,observamos avanços significativos que apontam em direção à con-solidação de uma proposta para o ensino de arte/teatro voltadapara a democratização do acesso ao conhecimento humano, espe-cialmente à linguagem teatral. Em princípio, temos a disjunção doTeatro da Dança – antes, constituíam as Artes Cênicas –, pois sãolinguagens distintas com suas especificidades. Além disso, a abor-dagem metodológica, mesmo oriunda de outra modalidade artísti-ca, contempla as três dimensões indissociáveis, próprias do conhe-cimento artístico, quando elege como eixos norteadores do traba-lho pedagógico em sala de aula a produção, a apreciação e acontextualização. Um outro aspecto de extrema importância, des-tacado por Peregrino e Santana (2001, p. 102), é que a propostado ensino de teatro na escola fundamental aponta “[...] para umaprática em sala de aula que tem como ponto de partida a vivênciado aluno e sua participação crítica no universo cultural”. Isso por-que “[...] os conteúdos só adquirem significação na medida em quetenham relação com aquilo que o aluno já conhece, sua realidade,seu ambiente sociocultural”.

Na perspectiva de considerar tanto a dimensão instrumen-tal da linguagem teatral quanto à epistemológica, defendemos que

6 Nossa pesquisa limitou-se ao ensino das linguagens artísticas nas sériesiniciais do Ensino Fundamental.

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a aquisição dos conteúdos específicos de teatro seja condição es-sencial para o processo de ensino-aprendizagem desenvolvido naescola. Isso se deve, principalmente, por acreditarmos que o aces-so aos conhecimentos próprios dessa linguagem artística – assimcomo das demais áreas de conhecimento – ampliará as possibilida-des de compreensão e significação de si e do mundo dos alunos daeducação fundamental, especialmente aos das séries iniciais quedemandam a EJA.

Assim, elegemos os elementos constitutivos e os princípi-os de organização da linguagem teatral como conteúdos básicos aserem trabalhados na área de conhecimento Arte/Teatro, no senti-do de possibilitar o acesso e a familiarização dos alunos com osistema simbólico e com os conteúdos específicos da área queampliarão suas capacidades de percepção, compreensão, interpre-tação, explicação, interação e transformação da/na realidade pes-soal e social, natural e cultural.

Elementos constitutivos da linguagem teatral

Existem necessariamente quatro elementos que determi-nam a natureza da arte do teatro: o ator , o texto, o público e oespaço teatral (palco e platéia). É essencial a inter-relação orgâni-ca desses elementos: um ator que interpreta um texto para um pú-blico num espaço cênico determinado.

Para Boal (1996), o mais essencial dos elementos expressi-vos da arte teatral é o ator, o ser humano. Sem a presença física dointérprete, não pode haver o espetáculo. Mas, o ator, o que é? O atoré antes de tudo um corpo. Um corpo que sente, se emociona, vê,pensa, fala, ouve, age, deseja, significa, conhece, escolhe, decide,interage, representa personagens. Personagens que são, por sua vez,imitações – recriações, reinvenções – de seres humanos em situação(ou de seres humanizados), com suas paixões, seus desejos, sua per-

sonalidade, sua subjetividade, mas, também, pertencentes a uma re-alidade objetiva, sociocultural que, dialeticamente, é constituinte desua individualidade.

O ator é, pois, um ser humano que tem o corpo – com suamemória e sua imaginação – como seu principal instrumento detrabalho e, ao mesmo tempo, sua matéria-prima. Ele interpretapersonagens; não reproduz personalidades de ficção, mas cria suapersonagem a partir de sua visão, da maneira como concebe aque-le ser de ficção em determinada situação, a partir de sua própriasubjetividade. A personagem oferecida pelo texto é a origem daelaboração do ator, porém ele a cria da forma como a vê.

A corporeidade do ator, além de definir a especificidadedo teatro, possibilita a contribuição de elementos de outras artes:diálogo das personagens oriundo do texto dramático, gestualidade,indumentária, maquiagem, dentre outros. Portanto, o teatro é olugar do ator, do intérprete.

Por sua vez, o texto se faz presente na figura da persona-gem interpretada pelo ator: “o verbo se faz carne”. Pode até nãohaver um texto literário como pré-condição para a interpretaçãodo ator, contudo, no momento mesmo em que o ator interpreta apersonagem em ação, está produzindo um texto dramático, umapeça de teatro. O texto, a idéia da ação dramática constitui o pontode partida para a realização teatral. É no texto que vão estar aspaixões humanas em conflito, é no texto que vai estar a ação dra-mática, nele vai se delinear o perfil das personagens. Contudo, é afala das personagens juntamente com sua movimentação e sua ca-racterização que concretizam a peça teatral.

Dentre os elementos expressivos do teatro, é o texto querepresenta mais significativamente as ideologias existentes no con-texto social em que ele é produzido. As diferentes visões de mundoexistentes em determinada cultura, a forma como uma dada soci-

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edade está estruturada/organizada, as relações de poder existentesestarão presentes, de alguma forma, na rede de relações tecida notexto teatral, seja ele uma produção literária ou um simples roteiropara servir de base à representação. O texto teatral é, portanto, ummeio que veicula significados; visto que ele é polissêmico, encerradistintos sentidos, conforme a ideologia própria de cada ator , decada espectador , enfim, de cada leitor , de cada intérprete. Oencenador cria um novo texto quando realiza o espetáculo; por suavez, o ator cria uma personagem, elabora um texto intra-subjetivo,quando atua partindo do texto criado pelo autor dramático.

Além desses elementos – ator e texto –, a presença dopúblico é fundamental para a realização da produção teatral; afi-nal, todo o trabalho do ator é dirigido à platéia. Se não houverespectador, também não haverá teatro. “Ela dá significado ao es-petáculo” (SPOLIN, 1987, p. 11).

Podem existir diferentes tipos de relação estabelecida en-tre palco e platéia, porém tem que haver o encontro, essa interação,esse diálogo entre seres humanos, esse processo de construção deintersubjetividades. A forma como a platéia está or ganizada emrelação à cena reflete também a estrutura social vigente, a ideolo-gia do grupo hegemônico, as relações de poder estabelecidas emuma dada sociedade, a posição política do grupo que está à frenteda produção artística.

Os espectadores geralmente se reconhecem no trabalhodos atores, nas personagens apresentadas, na situação da ação dra-mática que está se desenvolvendo no palco; reconhecem seu con-texto sociocultural, seus conteúdos de natureza interna e externa.Isso possibilita a ampliação do seu campo de visão, a fim de toma-rem consciência de si enquanto sujeitos de interação. Por outrolado, todos os sujeitos envolvidos no processo de produção doespetáculo teatral devem considerar a presença do público, devem

considerar que todos os significados veiculados têm um destinatá-rio: a platéia.

Outro elemento expressivo fundamental da arte da repre-sentação é o espaço teatral. Espaço tridimensional, pois se consti-tui num espaço real dividido em dois espaços organicamente liga-dos: a cena e a platéia – um entre, onde se realiza a interação combase na ficção –; o lugar onde se colocam os atores a interpretarsuas personagens e o lugar onde se situam os espectadores parainteragir com o dramaturgo, com o encenador, com o ator, atravésda materialização das personagens – sua fala, sua gestualidade, suaexpressão corporal e facial, sua mobilidade e plasticidade.

O espaço teatral pode ser qualquer lugar onde ocorra umarepresentação: uma praça, uma rua, um edifício teatral, uma esco-la, dentre as inúmeras possibilidades. O importante é que tenha-mos um lugar onde possa se estabelecer a relação palco-platéia, oespaço do ator e o espaço do espectador . O espaço cênico é olugar onde a ação dramática é desenvolvida, realizada; onde tudoacontece no aqui e no agora, onde a ficção se faz realidade. Noespaço cênico tudo é movimento, plasticidade, relação.

Princípios de organização da linguagem teatral

Quando os participantes de um grupo compõem um es-petáculo precisam ter clareza do princípio fundamental da repre-sentação teatral: a existência do ser humano (ou humanizado) emação, em situação, na figura da personagem. O que isso quer di-zer? Isso implica que a base da representação teatral se encontrana constituição e na dinâmica das personagens dramáticas em rela-ção; ou melhor, sendo teatro a representação de uma ação, temosque toda ação, para ser representada, necessita de personagens oupersonas – são elas que agem, atuam; elas existem em razão deuma ação. É a partir dos contrastes – entre vontades, desejos, pai-

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xões, modalidades de ação, condições existenciais – de cada serem situação apresentado – fictício – que se inicia o processo deconstrução do espetáculo teatral.

Assim, para realizarmos uma produção teatral, dispomosdos seguintes princípios de organização dessa linguagem: conflitoou contradição, tensão, ação dramática e encenação. Os três pri-meiros princípios dizem respeito, mais especificamente, à dimen-são dramática do teatro, enquanto o último, à dimensão espetacu-lar. Os contrastes formais e expressivos constituintes das persona-gens dramáticas e/ou das circunstâncias vividas por elas, quandodesenvolvidos, de forma dialética, geram tensão. A ação dramáti-ca, por sua vez, é decorrente das tensões; e a encenação consisteem por em cena a ação dramática, em concretizar a ação através damaterialização das personagens pelo ator.

A vontade humana, os desejos, as paixões, enfim, os mo-tivos interiores constituem a fonte geradora dos conflitos vividospelas personagens, seja num nível intra-subjetivo e/ouintersubjetivo. Da mesma forma, as contradições de forças eco-nômicas, políticas, religiosas, socioculturais – os motivos exteri-ores – geram também os conflitos vividos pelas personagens, sejaindividual ou coletivamente, quando limitam a liberdade de esco-lha da pessoa. Ou melhor, os desejos, as paixões humanas consis-tem em formas morais, ideológicas, motores da ação dramática,porém esses motivos interiores são constituídos, de formadialética, a partir da realidade objetiva, pela influência das forçasmotivas exteriores. As forças exteriores às personagens tornam-se obstáculos à realização de seus desejos, à satisfação de suasnecessidades/vontades pessoais.

Nesse sentido, os conflitos podem ser de natureza intraou intersubjetiva. As forças motivas interiores de cada sujeito daação, obstaculizadas pelas suas circunstâncias de vida, pelos dese-

jos e paixões do outro ou pela luta interna decorrente de desejoscontrastantes dentro de si, geram os conflitos das personagens dra-máticas. Assim, a personagem pode viver uma situação de lutaconsigo mesma, com as outras personagens, individualmente ouem grupo, e com forças naturais e/ou sobrenaturais.

Há inter-relações entre as forças motivas interiores daspersonagens dramáticas e as forças motivas exteriores – fatoreseconômicos, políticos, religiosos, filosóficos, socioeconômicos. Osdesejos, as idéias, as paixões são constituídos nas relações; alémdisso, representam metáforas de questões humanas – representam,portanto, um grupo –, embora sejam apresentados como motiva-ções pessoais. Assim, Pavis (1980, apud VASCONCELOS, 1987,p. 55) afirma que “[...] todo conflito dramático descansa [...] sobreuma contradição entre dois grupos, duas classes sociais ou duasideologias que se encontram em conflito em um determinado mo-mento histórico”.

O conflito, a contradição é, pois, a origem da ação dra-mática. Assim,

[...] duas posições antagônicas, uma vez colocadas den-tro de uma peça, onde serão defendidas, pelas palavras,sentimentos, emoções, atos dos personagens, que toma-rão atitudes definidas em conseqüência de suas posições,acabarão fatalmente por produzir uma ação dramática(PALLOTINI, 1989, p. 11).

Para Vasconcellos (1987, p. 112), a ação dramática “[...]é o movimento dos acontecimentos determinados pela vontade hu-mana em conflito”. Dessa forma, é o desenvolvimento do conflito,sua intensificação que gerará uma mudança qualitativa no conteú-do expressivo da situação dramática.

Destarte, é a tensão que dará unidade à ação dramática,além de determinar o clima geral da produção teatral. “A tensão

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dramática é um fenômeno estrutural que liga, entre si, os episódiosda fábula e, principalmente, cada um deles ao final da peça” (PAVIS,1999, p. 403). A tensão tem a ver, portanto, com o movimento deconcentração de forças em prol do alcance dos objetivos das per-sonagens, visando à modificação de uma situação. Assim sendo, atensão é essencial ao desenvolvimento da ação, visto que ela seconstitui na condensação de ener gia para a superação de forçasantagônicas – conflitos e contradições – existentes na situação dra-mática; ela promove o salto qualitativo dentro da rede de relaçõesestabelecida numa peca teatral.

A ação dramática é movimento, tensão, mudança qualita-tiva. Ela não é simplesmente uma atividade, um movimento qual-quer, mas um ato consciente, que tem um sentido, que tem o pro-pósito de transformar uma situação. Para Hegel (1964, apudPALLOTTINI, 1989, p. 27), a ação dramática “[...] é a vontadeconsciente, movendo-se para diante através dos conflitos”. Ela é,por assim dizer, o equilíbrio entre o movimento interior e o movi-mento exterior, a relação orgânica das diversas partes entre si e decada uma com a totalidade da peça.

Essa ação, porém, necessita ser encenada, colocada emcena, para poder se caracterizar como teatro. A encenação, segun-do Veinstein, possui duas significações:

Numa ampla acepção, o termo encenação designa oconjunto dos meios de interpretação cênica: cenário,iluminação, música e atuação [...]. Numa acepção es-treita, o termo encenação designa a atividade que con-siste no arranjo, num certo tempo e num certo espaçode atuação, dos diferentes elementos de interpretaçãocênica de uma obra dramática (VEINSTEIN, 1955apud PAVIS, 1999, p. 122).

A encenação se constitui, pois, na síntese da realizaçãoteatral. A maneira de se colocar em cena a ação dramática, de for-ma harmônica e coerente – numa determinada perspectiva, com oauxílio de elementos das diferentes linguagens artísticas – diz res-peito à realização cênica, à encenação. Ela tem a ver com a unida-de advinda da plasticidade e do movimento corporal e cênico; coma síntese do espacial e temporal, ou seja, concretiza-se no conjuntocoerente dos diversos elementos espaciais/temporais: a palavra, ossons, o silêncio, o gesto, a expressão fisionômica, o corpo emmovimento, a cenografia, a iluminação. Enfim, ela se constitui navisualização da ação dramática em desenvolvimento.

Considerações finais

Atualmente a instituição escolar ainda se mostra inefi-caz quanto à democratização do acesso ao conhecimento, à cul-tura e à arte, sobretudo quando se trata da educação oferecidapela rede pública de ensino e, em especial, a educação de pessoasjovens e adultas.

Para os alunos de EJA que, com freqüência, têm umavivência sociocultural muito limitada, a escola constitui sua princi-pal via de acesso aos bens simbólicos da humanidade, o que propi-cia múltiplas possibilidade de diálogos intra e interculturais. Mas,freqüentemente, a própria escola dificulta ou inviabiliza esse aces-so, contribuindo para legitimar a situação de exclusão vivida poressas pessoas. Para promover a democratização do saber, a escolatem que, dentre outras ações, propiciar o contato cotidiano dosalunos com as diferentes manifestações artísticas e culturais, comas distintas linguagens, com os diversos conhecimentos produzi-dos historicamente.

Esse é o nosso grande desafio: possibilitar a familiarizaçãodos alunos de EJA com as diferentes linguagens artísticas, tal como

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acontece com as linguagens verbais (oral e escrita) e a linguagemmatemática.

Para tanto, pretendemos que o ensino e a aprendiza-gem da linguagem teatral se torne uma prática a exemplo dasdemais linguagens. Isto é, faz-se necessário que sua inserção nocurrículo de EJA seja de forma semelhante ao modo como osalunos são introduzidos no conhecimento da língua materna, ouseja, sendo expostos a situações de fala e escrita de maneiraespontânea e natural, sem serem cobrados conceitos enormatizações, mas experienciando no processo de interação.Dessa feita, eles aprendem a estrutura da língua sem necessida-de de regras, ampliando seu repertório lingüístico e seestruturando enquanto ser humano, a partir de atividades quepropiciem a produção e significação de textos, a fim de possibi-litar a compreensão, interpretação, explicação dos fenômenosnaturais e culturais e das situações humanas – de si e do outro –e a intervenção na realidade.

Enfrentamos, pois, grandes dificuldades ao propormostrabalhar a linguagem teatral na EJA, visto que os professores queatuam nessa modalidade de ensino – nas séries iniciais – têm, comfreqüência, uma formação acadêmica proveniente de cursos deMagistério e/ou Pedagogia, carentes dos conteúdos específicos daslinguagens artísticas, principalmente a teatral – em geral, não têmnenhuma experiência/conhecimento nessa área, resultando em pre-conceitos e/ou práticas inadequadas.

Além disso, o profissional de EJA se depara com dificul-dades de diferentes naturezas, tais como: inicialmente os alunosdemonstram uma resistência grande em trabalhar com o teatro,principalmente os de idades mais avançadas; a jornada de aula diá-ria é em torno de duas horas e meia, no turno da noite – muitasvezes, “depois de um dia duro de trabalho” –; as condições materi-

ais são precárias, espaço físico impróprio, poucos – ou nenhum –recursos disponíveis etc.

Por sua vez, a escola – ancorada no discurso daracionalidade cientificista-tecnocrata que caracteriza o mundo oci-dental, em que o ser humano é valorizado prioritariamente pelodesenvolvimento intelectual e pelas “competências” adquiridas emrazão de uma mentalidade competitiva e individualista, marca daglobalização neoliberal – constrói seus currículos priorizando, quaseque exclusivamente, o ensino da língua materna, da matemática,das disciplinas científicas e das novas tecnologias; desconsiderandoas múltiplas possibilidades das aprendizagens artísticas e estéticas,próprias da área de arte.

Em se tratando dos currículos de EJA, essa situação éagravada, visto que são centrados na aprendizagem da leitura e daescrita – domínio do sistema alfabético – e da linguagem matemá-tica, o que reproduz uma situação de desigualdade em relação aotratamento que recebem os alunos do ensino regular da educaçãofundamental.

Desafio maior ainda consiste em trabalhar a linguagemteatral tentando dar conta das dimensões instrumental eepistemológica ao mesmo tempo, sem risco de tendermos para umdos extremos.

Logo, faz-se necessário que os conteúdos básicos da lin-guagem teatral sejam vivenciados pelos alunos de EJA, de formaa contribuírem para a estruturação e fortalecimento de suas ca-pacidades – sejam na dimensão corporal, cognitiva, artística/es-tética, ética, dentre outras –, e criarem condições para as pessoasampliarem suas possibilidades de leitura de mundo além da leitu-ra das palavras.

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Marciano Soares
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Marciano Soares
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5 RESSIGNIFICANDO E RECRIANDO MÚSICAS: a proposta do re-arranjo Maura Penna Vanildo Mousinho Marinho
Marciano Soares
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Não disponível on line. Disponível em versão revista e atualizada em: PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 161-194
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OS AUTORES

GRUPO INTEGRADO DE PESQUISAEM ENSINO DAS ARTES / UFPB

Maura Penna - Doutora em Lingüística pela Universidade Federalde Pernambuco (UFPE), Mestre em Ciências Sociais pela Univer-sidade Federal da Paraíba (UFPB) e Graduada em Música (Bacha-relado e Licenciatura) e Educação Artística pela Universidade deBrasília (UNB). Professora Titular do Departamento de Educaçãoda Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) – campus de Campi-na Grande –, lecionando na graduação em Pedagogia e no Mestra-do Interdisciplinar em Ciências da Sociedade, desde 2004. FoiProfessora do Departamento de Artes da UFPB, de 1984 a 2003.Autora dos livros Reavaliações e Buscas em Musicalização (Loyo-la) e O Que Faz Ser Nordestino (Cortez), além de diversos artigosnas áreas de educação artística, educação musical, ciências sociaise lingüística, publicados em coletâneas, revistas especializadas eanais de congressos.

Vanildo Mousinho Marinho - Doutorando em Etnomusicologia pelaUniversidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Bibliotecono-mia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Especialistaem Pesquisa Educacional pela UFPB e Graduado em Percussãopela UFPB e em Composição pela UFBA. Professor Assistente doDepartamento de Educação Musical da UFPB, foi Coordenador

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do Curso de Licenciatura em Educação Artística desta Univesida-de, de 1998 a 2002. Foi professor da Escola de Música AnthenorNavarro, em João Pessoa-PB, de 1980 a 1990. Como timpanista epercussionista, integrou as Orquestras Sinfônicas da Paraíba e daBahia, os Grupos de Percussão do Nordeste, da UFPB e da UFBA,e o Grupo de Música Nova da Bahia. Autor de artigos nas áreas deEducação Musical, Etnomusicologia, Educação Artística e Ciênciada Informação, publicados em coletâneas, revistas especializadas eanais de congressos.

Lívia Mar ques Carvalho - Doutora em Artes pela Escola de Comu-nicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Mestre emBiblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) eGraduada em Educação Artística, Habilitação em Artes Plásticas,pela UFPB. Professora Adjunta do Departamento de Artes Visuaisda UFPB. Coordenadora da Pinacoteca da UFPB. Foi Coordena-dora do Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB, de 1999 a 2001.Assessora das Oficinas de Artes da Or ganização Não-Governa-mental Casa Pequeno Davi, atividade de extensão universitária,desde 1989. Autora de diversos artigos sobre de ensino de arte noterceiro setor em coletâneas e revistas especializadas.

Luis Ricardo Silva Queiroz - Doutor em Etnomusicologia pela Uni-versidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Educação Musi-cal pelo Conservatório Brasileiro de Música (CBM) do Rio deJaneiro e Graduado em Educação Artística, Habilitação em Músi-ca, pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).Professor Adjunto do Departamento de Educação Musical e doPrograma de Pós-Graduação em Música (PPGM) da Universida-de Federal da Paraíba (UFPB), é Coordenador do Curso de Licen-ciatura em Música desta Universidade, e foi Chefe do Departamentode Educação Musical, de 2004 a 2005. Foi professor da UNIMON-TES, de 1998 a 2004, e do Conservatório de Música Lorenzo Fer-

nandez, em Montes Claros-MG, de 1995 a 2002. Participou, comoviolonista, do Grupo Instrumental Marina Silva e do Grupo Instru-mental Trem Brasil, tendo gravado dois CDs com este último. Au-tor de artigos nas áreas de etnomusicologia e educação musical,publicados em revistas especializadas e anais de congressos.

Rosemary Alves de Melo - Mestre em Ciências da Sociedade pelaUniversidade Estadual da Paraíba (UEPB), Especialista emArte-Educação pela Universidade Regional do Cariri (URCA) eGraduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba(UEPB). Professora Adjunta do Departamento de Educação daUEPB – campus de Campina Grande –, lecionando nas gradua-ções em Pedagogia, História e Letras, desde 2004. Foi professorasubstituta do Departamento de Educação da URCA, na cidade doCrato-CE, de 2001 a 2003.

Maria das Graças Vital de Melo - Mestre em Educação pela Uni-versidade Federal da Paraíba (UFPB), Especialista em Filosofiapela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Graduada emPedagogia, habilitações em Supervisão e Administração Escolar,pela UFPE. Técnica em Assuntos Educacionais, exercendo a fun-ção de pesquisadora e formadora de professores de Educação deJovens e Adultos (EJA) – na área de Arte-Cultura – no Núcleo deEnsino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos eem Educação Popular (NUPEP) do Centro de Educação da UFPE.Assessora na equipe de elaboração de livro didático do NUPEP, naárea de Arte-Cultura/Teatro, desde 1997.