Contextualização Missionária - Bárbara Burns - Vida Nova

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Bom livro sobre missões.

Transcript of Contextualização Missionária - Bárbara Burns - Vida Nova

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    Pastor AlexTexto digitadoDigitalizado por Alex Bruno

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  • Copyright Edies Vida Nova

    ta edio: 2011

    Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIES VIDA NOVA, Caixa Postal 21266,

    So Paulo, SP, 04602-970 www.vidanova.com.br

    Proibida a reproduo por quaisquer meios (mecnicos, eletrnicos, xerogrficos, fotogrficos, gravao, estocagem em banco de dados, etc.), a no ser em citaes breves com indicao de fonte.

    ISBN 978-85-275-0461-4

    Impresso no Brasil / Printed in Brasil

    SUPERVISO EDITORIAL Marisa K. A. de Siqueira Lopes

    COORDENAO EDITORIAL Curtis A. Kregnes

    COORDENAO DE PRODUO Srgio Siqueira Moura

    DIAGRAMAO Kelly Christine Maynarte

    CAPA Souto Crescimento de Marca

    Dados internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Contextualizao missionria, desafios, questes e diretrizes / Barbara Helen Burns, ed So Paulo: Vida Nova, 2011

    Vnos autores Bibliografia ISBN 978-85-275-0461-4

    1. Misso da Igreja 2. Missiologia 3.Teologia I. Burns, Barbara Helen

    10-13567

    CDD-266.001

    ndices para catlogo sistemtico:

    1 Missiologia . Cristianismo 266.001 2 Teologia da misso Cristianismo 266 001

  • Este livro dedicado amiga especial, Durvalina Barreto Bezerra,

    colaboradora da APMB desde 1992 e presidente por cinco anos.

    Com muita orao, trabalho, e algumas lgrimas, deu direo

    para que a formao de professores de misses no Brasil

    pudesse ter excelncia e fidelidade bblica.

  • I

  • -

    Agradecimentos 7

    Prefcio 9

    Introduo 11

    Parte 1 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    Captulo 1 A teologia bblica da contextualizao (Ronaldo Lidrio) 15

    Captulo 2 Modelos bblicos de contextualizao em Atos 14 e 17 (Bertil Ekstrm) 35

    Captulo 3 A contextualizao e a mensagem da cruz (Kevin Bradford) 47

    Parte 2 Razes da contextualizao na histria

    Captulo 4 Contextualizao na histria de misses: precedentes, definies e questes (Barbara Helen Burns) 55

    Parte 3 Questes contemporneas sobre a contextualizao missionria

    Captulo 5 Analisando o bero da contextualizao: Bruce Nicholls e as controvrsias teolgicas do sculo XX (Barbara Helen Burns) 95

    Captulo 6 O evangelho em contextos humanos Paul Hiebert (Traduzido e apresentado por Maria Bernadete da Silva) 113

    Captulo 7 Nveis de contextualizao: o desafio da contextualizao bblica (Barbara Helen Burns) 137

  • 6 Contextualizao missionria

    Parte 4 Pondo a contextualizao em prtica: estudos de caso

    Captulo 8 Os konkombas e o processo de contextualizao da mensagem bblica (Ronaldo Lidrio) 171

    Captulo 9 Festa do carneiro: um caso de contextualizao crtica de uma celebrao muulmana (Joed Venturini de Souza) 197

    Captulo 10 Contextualizao dos crentes yanomamis da Venezuela (Michael Dawson) 217

    Captulo 11 Contextualizao entre os indgenas: uma viso geral (Silas de Lima) 235

    Apndice Manifesto da consulta sobre contextualizao e misses 269

    Sobre os autores 271

  • Agradecemos a todos que participaram na produo deste livro os autores, os participantes na consulta da APMB em agosto de 2006 e os que leram e deram suas opinies. Em especial mencionamos Adriana Urban, revisora oficial do texto e algum que no apenas jornalista, mas conhecedora de missiologia (mestranda em missiologia pelo SEC no Recife). Estamos gratos tambm amiga Maria Luiza Targino que contribuiu com seu toque artstico, junto com os amigos Decio de Azevedo, Joyce Every-Clayton e Eudete Petelinkar que ajudaram ao longo do processo.

    Muito obrigada a todos que ajudaram em orao e encorajamento, inclusive os meus alunos de Contextualizao Missionria que, ao lon-go dos anos, tm ajudado a refinar os conceitos encontrados neste texto.

    Deus abenoe a todos, como ele tem nos abenoado durante estes vinte meses escrevendo, interagindo, ouvindo e finalizando o livro.

    Barbara Helen Burns com a APMB

  • As Escrituras Sagradas so declaraes de sabedoria, princpios da verdade divina e revelao do carter perfeito de Deus.

    Quando somos chamados pelo Senhor para o ensino da sua Pala-vra, temos a grande responsabilidade de comunicar toda a verdade em sua pureza singular, e, de firmar o compromisso de no alterar o seu sentido nem interpret-la a partir do contexto cultural ou dos nossos prprios pressupostos.

    Por isso, contextualizar um grande desafio para todo comuni-

    cador do evangelho, e mais ainda para aqueles que se propem a atra-vessar fronteiras culturais.

    O livro da sabedoria nos adverte: "Inclina teu ouvido e ouve as palavras dos sbios..." (Pv 22.17). Como filhos de Issacar (1Cr 12.32),

    precisamos discernir os tempos e as pocas para saber como tornar a Palavra de Deus relevante para as pessoas do nosso tempo e para toda

    a humanidade, sem que a sua autoridade seja negada e sem o desvio da sua verdade.

    Voltando para o mesmo versculo de Provrbios a instruo nos diz: "...aplica o teu corao ao meu conhecimento". Ao tratarmos da

    matria sagrada, no devemos trabalhar apenas com a mente e a racionalidade dos fatos, mas com o corao, que ultrapassa a percepo humana e perscruta pela agncia do Esprito Santo a revelao da mente de Deus.

    necessrio, primeiro, que sejamos ensinados por Deus para po-dermos ensinar a outros. "Para que tua confiana esteja no SENHOR, hoje

    as ensino a ti. Por acaso no te escrevi excelentes coisas acerca dos con-selhos e do conhecimento, para te ensinar a certeza das palavras da ver-dade, para que com elas respondas aos que te enviarem?" (Pv. 22.19-21).

    Conscientes da necessidade de refletir sobre a contextualizao bblica e da urgncia de oferecermos este instrumento de pesquisa

  • 10 Contextualizao missionria

    aos professores de misses e vocacionados para a obra transcultural, a Associao de Professores de Misses do Brasil organizou em agosto de 2006 uma consulta para expor aos participantes o contedo deste livro.'

    Barbara Burns, adotando um novo modelo de trabalho, interagiu com Ronaldo Lidrio, Bertil Ekstrm, Silas Tostes, Maria Bernadete Silva e Silas Lima, e assumiu a organizao dos captulos aqui expos-tos. A todos eles, a nossa apreciao e reconhecimento pelo trabalho realizado e pelo valioso contedo que ser de grande utilidade para aqueles que se comprometem com a exposio bblica, seja na evangelizao, seja no ensino.

    Nosso objetivo e nossa orao que os textos aqui expostos sejam estudados com a ateno devida ao assunto, analisados e ensinados com a mente que "pensa verticalmente" antes de "pensar horizontal-mente". Assim, que prevalea a preponderncia da verdade divina e bblica realidade cultural ou antropolgica, na nossa sublime tarefa de contextualizar a Palavra Sagrada.

    Que o Mestre da sabedoria nos capacite! Durvalina B. Bezerra Presidente da APMB

    ' Veja o Manifesto da Consulta no Apndice.

  • ii/R11.1/111-

    O assunto "contextualizao" chamou a minha ateno em 1972, quando era professora no Instituto Bblico Presbiteriano de Cianorte,

    no Paran. Recebemos uma carta da FET (Fundao de Educao Teolgica), que foi enviada a instituies de ensino teolgico ao redor do mundo, oferecendo ajuda para uma educao contextualizada. Eu

    nunca tinha visto esta palavra, mas pela sua composio, ficou clara sua ligao com a relevncia do contexto de cada um. Nossa interpre-tao era que o evangelho tem de atingir e transformar o contexto, no o contrrio.

    Depois desse tempo, o conceito "contextualizao" tomou novos rumos, com muitas viradas, divergncias e polmicas. Nos dias de hoje no possvel usar a palavra sem qualific-la com uma explicao sobre o tipo de contextualizao a que se refere. De outra forma h um perigo de entrar nas reas cinzas de sincretismo e idolatria.

    Este livro uma tentativa de esclarecer algumas definies e ques-

    tes em torno da teoria e prtica da contextualizao. A histria, ba-ses bblicas, discusses contemporneas e exemplos prticos ajudam o leitor a tomar o rumo certo, bem importante para o futuro da expan-so da igreja de Jesus Cristo. Escolhemos autores conhecidos que equi-

    libram conhecimento e experincia prtica e demonstram compromisso com a Palavra de Deus e a sua vontade.

    Devido ao nmero de autores, alguns aspectos so repetidos, mas com detalhes complementares e pontos de vista variados. Procuramos eliminar duplicao cansativa para poder enfatizar os pontos mais im-portantes de cada um e dar uma continuidade e coerncia ao contedo.

    Se h uma lacuna no livro, a carncia de um dilogo direto com

    a Bblia. H muitos textos que demonstram princpios, ensino e exem-

    plos de contextualizao que no devem ser ignorados no cumpri-

    mento da nossa tarefa missionria. Portanto, lanamos um desafio:

    '14

  • 12 Contextualizao missionria

    que o leitor continue este estudo baseado em textos bblicos relevan-

    tes, bem pesquisados e aplicados. Que Deus use este livro para ajudar o leitor, as igrejas e os missi-

    onrios enviados do Brasil, em suas caminhadas missionrias nos con-textos carentes do evangelho no mundo de hoje.

    Barbara Helen Burns 11 de novembro de 2006

  • Razes bblicas e teolgicas da

    contextualizao missionria

  • A teologia bblica da contextualizao

    Neste captulo tenciono abordar a contextualizao sob uma pers-pectiva teolgica, seus objetivos e limitaes, sua relevncia e perigos. Defenderei a conciliao entre a Teologia e a Missiologia, a relevncia da Antropologia Missionria e por fim apresentarei alguns critrios bblicos para a contextualizao.

    Quando Hesselgrave afirma que contextualizar tentar comuni-car a mensagem, trabalho, Palavra e desejo de Deus de forma fiel sua revelao e de maneira significante e aplicvel nos distintos contextos, sejam culturais ou existenciais, ele expe um desafio igreja de Cristo: comunicar o evangelho de forma teologicamente fiel e ao mesmo tempo humanamente inteligvel e relevante. E este talvez seja o maior desa-fio de estudo e compreenso quando tratamos da teologia da contextualizao. Historicamente, a ausncia de uma teologia bblica de contextualizao tem gerado duas consequncias desastrosas no movimento missionrio mundial: o sincretismo religioso e o nomina-lismo evanglico.

    Antes, porm, gostaria de expor introdutoriamente sobre a rele-vncia da contextualizao na apresentao do evangelho com base em Mateus 24.14. Ali Jesus se reunia com seus discpulos, pouco antes de ser elevado aos cus, e responde a estes sobre os sinais que antece-dero a sua vinda. Aps dissertar sobre evidncias mais cosmolgicas (guerras e rumores de guerras) e eclesiolgicas (perseguio e falsos

  • 16 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    profetas) Jesus lana uma evidncia puramente missiolgica dizendo

    que "este evangelho do reino ser pregado pelo mundo inteiro, para teste-munho a todas as naes, e ento vir o fim".

    A expresso grega para "e ser pregado"' tem como raiz kerygma, uma proclamao audvel e inteligvel do evangelho paralelamente martyrid que evoca um sentido mais pessoal, de testemunho de vida. Esta ao kerygmtica aponta para o fato de que o evangelho ser

    pregado de forma compreensvel. O "mundo" aqui exposto no texto a traduo de oikoumene que significa "mundo habitado". A ideia textual, portanto, no geogrfica, territorial, mas sim demogrfica, onde h pessoas, mostrando que este evangelho do Reino ser pre-gado kerygmaticamente, inteligivelmente, em todo o mundo habi-tado. A forma de isso acontecer, segundo o texto, atravs do

    testemunho a todas as naes. Como explicamos, a raiz para "teste-munho" aqui martyria que nos ensina que esta ao proclamadora, kerygmtica, do evangelho acontecer atravs de uma igreja martrica, que tenha o carter de Cristo. Ou seja, apenas os salvos pregaro este evangelho do reino. Jesus finaliza a frase dizendo que o testemunho chegar a todas a naes, onde traduzimos o termo ethnesin, de ethnia, para naes, ou seja, grupos lingustica e culturalmente definidos. Poderamos parafrasear o verso 14 dizendo que "o evangelho do Rei-no ser proclamado de forma inteligvel e compreensvel por todo o mun-do habitado, atravs do testemunho martrico, de vida, da Igreja, a todas as etnias definidas". A frase final nos diz que "ento vir o fim"e "fim" aqui (telos) aponta para a volta do Senhor Jesus, ligada comumente sua parousia, seu retorno.

    Gostaria de chamar sua ateno para o princpio bblico da co-

    municao. Jesus nos ensina diversas vezes que a transmisso do co-nhecimento do evangelho no ser uma ao realizada sem a

    participao comunicativa da igreja. Esta participao envolve duas

    aes principais: a vida e testemunho da igreja, bem como a atitude

    ' "kerychtesetai": e ser proclamado de forma inteligvel. "martyria" (testemunho) indica uma ao informal de vida enquanto "kerygma"

    (proclamao) pressupe uma pregao mais sistemtico do evangelho.

  • A teologia bblica da contextualizaao 11. 17

    de proclamar e expor o evangelho de Cristo. Esta comunicao do evangelho, portanto, em uma perspectiva transcultural, necessita de

    um trabalho de "traduo" em duas reas especficas: a lngua e a cultu-ra. As lnguas dispem de cdigos diferentes para viabilizar a comu-

    nicao e o mesmo ocorre com a cultura. Quando se expe a um

    inuit, ou esquim, que o sangue de Jesus nos torna branco como a neve, ele rapidamente nos perguntaria qual categoria de branco, j

    que em sua viso culturalizada de quem convive com a neve e o gelo por milnios, h treze diferentes tipos de "branco". Ignorar tal ex-trato cultural culminar em uma pregao rasa ou distorcida da Pa-lavra de Deus.

    Alguns princpios textuais podem nos ajudar nesta introduo, pensando em Mateus 24.14. Percebemos que a transmisso de uma

    mensagem inteligvel em sua prpria lngua e contexto, portanto

    contextualizada, pressuposto para o cumprimento da grande co-misso, j que a ns cabe no somente viver Jesus, mas tambm proclam-lo de forma compreensvel. Apenas a igreja cumprir esta

    tarefa, ou seja, no o Cristianismo que evangelizar o mundo mas sim a igreja redimida, que passou pelo novo nascimento.

    Tendo em mente estes conceitos permitam-me mencionar alguns pressupostos que utilizo ao escrever este captulo.

    1. A Palavra supracultural e a-temporal, portanto vivel e co-

    municvel para todas as pessoas, em todas as culturas, em to-das as geraes. Cremos, assim, que a Palavra define a pessoa e

    no o contrrio. 2. Contextualizar o evangelho no reescrev-lo ou mold-lo

    luz da Antropologia, mas sim traduz-lo lingustica e cultu-

    ralmente para um cenrio distinto a fim de que toda pessoa compreenda o Cristo histrico e bblico.

    3. Apresentar Cristo a finalidade maior da contextualizao. A

    igreja deve evitar que Jesus Cristo seja apresentado apenas como uma resposta para as perguntas que os missionrios fazem,

    uma soluo apenas para um segmento, ou uma mensagem

    aliengena para o povo alvo.

  • I8 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    O conceito da contextualizao evoca toda sorte de sentimen-

    tos e argumentaes. Por um lado encontramos a defesa de sua

    relevncia, com base na culturalidade e princpios gerais da comu-nicao. Cr-se, de forma geral, que sem contextualizao no h verdadeira comunicao e aqueles que assim entendem procuram estu-

    dar as diversas possveis abordagens nesta comunicao contextualizada. Por outro lado encontramos a exposio de seus perigos quando esta

    contextualizao se divorcia de uma teologia bblica essencial que a

    norteie e avalie. Isto especialmente verdade tendo em mente que o prprio termo "contextualizao" foi abundantemente utilizado no passado por Kraft a partir do relativismo de Kierkegaard com funda-

    mentao em uma teologia liberal que no cria na Palavra de Deus de forma dogmtica, mas sim adaptada. Creem que a Palavra de Deus se aplica apenas a contextos similares de sua revelao, no sendo assim

    supracultural e nem a-temporal. Nossa proposta entendermos que a contextualizao no apenas possvel com uma fundamentao bblica que a conduza, mas necessria para a fidelidade na transmisso

    dos conceitos bblicos. E preciso avaliarmos nossos pressupostos teolgicos a fim de guiar-

    mos nossa ao missionria. Martinho Lutero, crendo na integralidade

    da verdade bblica, exps um evangelho que fosse comunicvel, na lingua do povo, com seus smbolos culturais definidos, porm um

    evangelho escriturstico e sem diluio da verdade. Sem receio, por diversas vezes ensinou Melanchton dizendo: "prega de forma que odeiem o pecado ou odeiem a voc". Se por um lado defendeu uma

    contextualizao eclesiolgica traduzindo a Bblia para a lngua do

    povo, tendo cultos com a participao dos leigos, pregando a Palavra dentro do contexto da poca, por outro deixou claro que o contedo da Palavra no deve ser limitado pelo receio do confronto cultural. Se sua sensibilidade cultural fosse definidora de sua teologia, e no o contrrio, teramos tido uma Reforma humanista e no da igreja. Te-

    ria sido o incio de um movimento de libertao apenas do pensa-mento e da expresso, um grito por justia social que no inclui Deus e nem a salvao, ou um apelo pelo resgate da identidade cultural, mas no a conduo do povo ao reino de Deus.

  • A teologia bblica da contextualizaco ea 19

    Os mais evidentes perigos de pressupostos

    de contextualizao

    Antes de seguirmos adiante gostaria de expor trs perigos fundamentais quando tratamos da contextualizao dentro do universo missionrio.

    O primeiro perigo, que poltico, tem sua origem na natural ten-dncia humana de impor a outros povos sua forma adquirida de pen-

    sar e interpretar, prtica esta realizada em grande escala pelos

    movimentos imperialistas do passado e do presente, bem como por foras missionrias que entenderam o significado do evangelho ape-

    nas dentro de sua prpria cosmoviso, cultura e lngua. Desta forma as torres altas dos templos, a cor da toalha da ceia, a altura certa do

    plpito e as expresses faciais de reverncia tornam-se muito mais do

    que peculiaridades de um povo e de uma poca. Misturam-se com o

    essencial do evangelho na transmisso de uma mensagem que no se prope a resgatar o corao do homem mas sim mold-lo uma teia de elementos impostos e culturalmente definidos apenas para o comunicador da mensagem, apesar de totalmente divorciados de signi-ficado para aqueles que a recebem.

    As consequncias de uma exposio poltica do evangelho tem sido vrias, porm mais comumente encontraremos o nominalismo, em um primeiro momento e, por fim, o sincretismo quase irreversvel. David Bosch afirma que o valor do evangelho, em razo de proclam-

    lo, est totalmente associado compreenso cultural do povo receptor.

    O contrrio seria apenas um emaranhado de palavras que no produ-ziriam qualquer sentido scio-cultural. George Hunsburger observa

    tambm que no h como pregarmos um evangelho a-cultural, pois o

    alvo de Cristo ao se revelar na Palavra foi atingir pessoas vestidas com sua identidade humana. A perigosa apresentao poltica do evange-lho a que nos referimos, portanto, confunde o evangelho com a rou-

    pagem cultural daquele que o expe, deixando de apresentar Cristo e propondo apenas uma religiosidade vazia e sem significado para o povo que a recebe.

    Um segundo perigo, que pragmtico, pode ser visto quando assumimos uma abordagem puramente prtica na contextualizao.

    Como a contextualizao um assunto frequentemente associado

  • 20 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    metodologia e processo de campo, somos levados a entend-la e avali-

    la baseados mais nos resultados do que em seus fundamentos teolgi-cos. Consequentemente, o que bblico e teologicamente evidente se torna menos importante do que aquilo que funcional e pragmatica-mente efetivo. Estou convencido de que todas as decises missiolgicas

    devem estar enraizadas em uma boa fundamentao bblico-teolgica se desejamos ser coerentes com a expresso do mandamento de Deus (At 2.42-47). Entre as iniciativas missionrias mais contextualizadas com o povo receptor, encontramos um nmero expressivo de movi-mentos herticos como a Igreja do Esprito Santo em Gana, frica, na qual seu fundador se autoproclama a encarnao do Esprito Santo de

    Deus. Do ponto de vista puramente pragmtico, porm, uma igreja

    que contextualiza sua mensagem sendo sensvel s nuances de uma cultura matriarcal, tradicional, encarnacionista e mstica.

    Devemos ser lembrados que nem tudo o que funcional bblico. O pragmatismo leva-nos a valorizar mais a metodologia da contex-

    tualizao do que o contedo a ser contextualizado. A apresentao

    pragmtica do evangelho, portanto, privilegia apenas a comunicao com seus devidos resultados e esquece de ater-se ao contedo da men-

    sagem comunicada.

    Um terceiro perigo, que sociolgico, aceitar a contextualizao como sendo nada mais do que uma cadeia de solues para as necessi-

    dades humanas, em uma abordagem puramente humanista. Esta deve

    ser nossa crescente preocupao por vivermos em um contexto ps-cristo, ps-moderno e hednico. O erro ocorre quando missionrios

    tomam decises baseadas puramente na avaliao e interpretao socio-lgica das necessidades humanas e no nas instrues das Escrituras. Neste caso os assuntos culturais, ao invs das Escrituras, determinam e flexibilizam a teologia a ser aplicada a certo grupo ou segmento. O desejo por justia social no deve nos levar a esquecermos da apre-

    sentao do evangelho. Vicedon afirma que somente um profundo conhecimento bblico da natureza da igreja (Ef 1.23) ir capacitar

    missionrios a terem atitudes enraizadas na Missio Dei e no apenas

    na demanda da sociedade. A defesa de um evangelho integral e desejo de transmitir uma mensagem contextualizada no devem ser pontes para o esquecimento dos fundamentos da teologia bblica.

  • A teologia bblica da contextualizauo e' 21

    Teologia e contextualizao

    O presente embate mundial entre teologia e contextualizao possi-velmente um reflexo do divrcio no ensino entre missiologia e teolo-

    gia. Para alguns a missiologia vista como simplista teologicamente, e consequentemente varrida para fora dos centros acadmicos e de pre-

    paro teolgico em diversas partes do mundo, ou mesmo tratada como

    de menor valor. Este terrvel engano frequentemente produz pastores sem sonhos,

    missionrios despreparados e telogos cujo conhecimento poderia ser

    grandemente usado para as necessidades dirias de uma igreja que est com as mos no arado, mas por vezes no sabe para onde seguir.

    Missiologia e Teologia no devem ser tratadas como reas separa-das de estudo, mas sim como disciplinas complementares. A Teologia coopera com a igreja ao faz-la entender o sentido da misso e a base

    para a contextualizao do evangelho. A Missiologia, por sua vez,

    dirige telogos para o plano redentivo de Deus e os ajuda a ler as Escrituras sob o pressuposto de que h um propsito para a existn-cia da igreja.

    Na ausncia de um estudo teologicamente sadio sobre a contex-tualizao bblica, vrios segmentos da igreja ao longo da histria fo-

    ram influenciados pelo liberalismo teolgico que encontrou na contextualizao uma fcil apresentao de seus valores.

    Soren Kierkegaard, com seu relativismo pragmtico, props o entendimento da verdade a partir da interpretao individual, sem conceitos absolutos e dogmticos. William James em 1907 lanou a

    base para o "movimento de contextualizao filosfica e teolgica" defendendo a atualizao teolgica a partir da necessidade scio-cultural ou lingustica. Na mesma linha Rudolf Bultmann defen-deu a contextualizao filosfica do evangelho mitificando tudo

    aquilo que no fosse relevante ao homem moderno em seu prprio contexto. Estes e outros pensadores influenciaram a base conceitual da contextualizao, desenvolvendo uma nova proposta: no h ver-dade dogmtica, supracultural e cosmicamente aplicvel. A verdade

    individual e, como tal, deve ser compreendida e aplicada de acordo

    com o molde receptor.

  • 22 Razes bblicas e teolgicas cia contextualizao missionria

    Esta influncia dicotomizou o mundo evanglico por dcadas e ainda hoje tem seus efeitos enraizados na base conceitual da contex-tualizao, levando alguns segmentos a definir a apresentao do evan-gelho apenas a partir do que aceitvel culturalmente. Em uma breve

    discusso com uma equipe inglesa que atuava entre os bassaris do

    Togo, fui apresentado sua estratgia missionria: ensinar Jesus como

    aquele que comprou nossa salvao, porm sem sacrifcio pessoal, j que o sacrifcio pessoal visto pelos bassaris como sinal de fraqueza. Esta simples escolha resultado de uma teologia sociologizada e re-presentao desta tendncia pragmatizada que molda a Palavra em prol de uma comunicao mais aceitvel comunitariamente.

    De forma mais institucional esta vertente foi bem demonstrada na Assemblia Geral do Conclio Mundial das Igrejas, em Upsala, Sucia, em 1968. Ali, a nfase na humanizao da igreja permitiu o desenvolvimento do estudo da contextualizao mais a partir da Antro-

    pologia do que da Teologia. A conferncia sobre o "Dilogo com Povos

    de Religies e Ideologias Vivas", em 1977 em Chiang Mai, Tailndia, reforou tambm o universalismo e a contextualizao como forma de relativizao de valores.

    O contrapeso teolgico deste assunto floresceu de forma mais ampla apenas em 1974 com a conferncia de Lausanne onde, apesar de reconhecer as diferenas culturais, lingusticas e interpretativas nas diversas raas da terra, afirmou-se que a Palavra era o nico mecanis-mo gerador da verdade a ser anunciada. Sobre evangelizao e cultura, o Pacto de Lausanne declara que "afirmamos que a cultura de um povo em parte boa e em outra parte m, devido queda. Por isto deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras, para que possa ser redimida e transformada para a glria de Deus. Diante disto, a

    evangelizao mundial requer o desenvolvimento de estratgias e metodologias novas e criativas (Mc 7.8,9,13; Rm 2.9-11; 2Co 4.5)".

    Permitam-me chamar sua ateno para uma inquietante e acer-tada interpretao de Bruce Nicholls sobre o perigo do sincretismo e nominalismo como consequncia de uma contextualizao exis-tencial sem fundamentao teolgica. Ele diz que o sincretismo reli-

    gioso uma sntese entre a f crist e outras religies, a mensagem bblica progressivamente substituda por pressuposies e dogmas

  • A teologia bblica da contextualizao 23

    no-cristos, e as expresses crists da vida religiosa de adorao, do

    testemunho e da tica, conformam-se cada vez mais quelas da parte

    no-crist no dilogo. No fim, a misso crist reduzida a uma assim-chamada "presena crist", e na melhor das hipteses, a uma preo-

    cupao social humanista. O sincretismo resulta na morte lenta da

    igreja e no fim da evangelizao. Vicedom nos apresenta um manto de cuidados teolgicos para o

    processo da contextualizao. Lembra-nos que, se cremos que Deus

    o autor da Palavra e o Criador que conhece e ama sua criao, portan-

    to devemos crer que o evangelho dirigido a toda pessoa. A minimi-

    zao da mensagem perante assuntos desconfortveis como poligamia, por exemplo, no coopera para a insero da pessoa, em sua cultura, no reino de Deus. Ao contrrio, prope um evangelho partido ao

    meio, enfraquecido, que ir cooperar com a formao de um grupo sincrtico e disposto a tratar o restante da Escritura com os mesmos

    princpios de parcialidade. Hibbert nos alerta de que, no af de pare-

    cermos simpticos ao mundo (como a igreja em Atos 2), esquecemos que a mensagem bblica confrontar as culturas, mostrar o pecado e clamar por transformao atravs do Cordeiro.

    Hesselgrave tambm previne sobre o perigo de dicotomizarmos a

    mensagem crendo na Palavra de forma integral para ns, mas apre-

    sentando-a parcialmente a outros. Ele nos ensina que o evangelho

    libertador mesmos nas nuances culturais mais desfavorveis.

    O liberalismo teolgico de Kierkegaard, Bultmann e James, por-tanto, ameaa a compreenso bblica da contextualizao, uma vez

    que leva-nos a crer na apresentao de um evangelho que no muda (pois toda mudana cultural seria negativa), no confronta (pois a

    verdade individual e no dogmtica) e no liberta (pois a liberdade

    proposta apenas social).

    Se cremos que Deus o autor da Palavra, que o evangelho " o

    poder de Deus para a salvao de todo aquele que cr" (Rm 1.16), e

    que "a justia de Deus se revela no evangelho" (v.17), passaremos a nos preocupar com a melhor forma de comunicar esta verdade, de manei-

    ra inteligvel e aplicvel, sabendo que, promovendo confrontos e mu-

    danas, a verdade de Deus que liberta todo aquele que cr.

  • 24 Razes bblicas e teolgicas ria contextualizao missionria

    Pressupostos bblicos para a contextualizao

    Escrevendo aos Romanos (1.18-27), o apstolo Paulo nos introduz

    ao conceito da contextualizao em oposio inculturao trazendo tona verdades cruciais para a proclamao do evangelho dentro de um pressuposto escriturstico e revelacional.

    No versculo 18, Paulo nos apresenta a um Deus irado com a postura humana e que se manifesta contra toda a "impiedade" (quando

    o homem rompe seu relacionamento com Deus e os seus valores divi-

    nos) e "perversidade" (quando o homem rompe seu relacionamento

    com o prximo e seus valores humanos). Expe um homem corrom-pido pela injustia e criador da sua prpria verdade.

    Nos versculos 19 e 20, Deus se manifesta por meio da criao e h aqui um elemento universal: um Deus soberano, criador, controlador

    do universo e detentor da autoridade sobre a criao. Os homens cita-dos no verso 18 tornam-se indesculpveis por ser Deus revelado na criao "desde a criao do mundo", sendo revelado o "seu eterno poder

    e divindade". Portanto, perante um homem cado, existente em sua prpria injustia, impiedoso e perverso, Paulo no destaca solues

    humanas, eclesisticas ou mesmo sociais. Ele nos apresenta a Deus. Na teologia paulina a soluo para o homem no o homem, mas Deus e

    sua revelao.

    Nos versculos 21 a 23, o homem tenta manipular Deus e sua

    verdade, pois apesar deste conhecimento natural, pela criao, "no o glorificaram como Deus, nem lhe deram graas". Fizeram altares e

    criaram seus deuses segundo seus coraes, nsias e desejos. Deuses manipulveis, comandados, um reflexo da vontade humana cada. Assim, tais homens se "tornaramse fteis nas suas especulaes", subs-tituindo "a glria do Deus incorruptvel por imagens semelhantes ao

    homem corruptvel, s aves, aos quadrpedes e aos rpteis". O homem, portanto, no condenado por no conhecer a histria

    bblica. Ele condenado por no glorificar a Deus. Os homens no so condenados por no ouvirem a Palavra, so condenados pelo pecado.

    Nos versculos 24 a 27, tais homens, em seu mundo recriado com as cores do pecado e injustia "substituram a verdade de Deus pela mentira e adoraram e serviram criatura em lugar do Criador".

  • A teologia bblica cla contextualizao 25

    A resposta de Deus foi o juzo e o texto nos diz que ele entregou os homens " impureza sexual" como tambm s "paixes desonrosas".

    H alguns elementos bblicos neste precioso texto que nos aju-dam a pensar em alguns princpios de contextualizao.

    1. H uma verdade universal e supracultural: Deus soberano e

    dono de toda glria. Esta verdade fundamenta a proclamao

    do evangelho. 2. O pecado intencional (perversidade e impiedade) nos separa

    de Deus. No h como apresentar Deus buscando se relacio-

    nar com o homem sem expor o pecado humano e seu estado de total carncia de salvao.

    3. Somos seres culturalmente construtores de dolos. E comum ao homem cado gerar uma ideia de deus que satisfaa aos seus anseios sem confront-lo com o pecado. Esta atitude encon-trada em toda a histria humana e no colabora para o encon-tro do homem com a verdade de Deus.

    4. A mensagem pregada por Paulo contextualizada expondo

    Deus em relao realidade da vida e queda humana. Porm no inculturada, pregando um Deus aceitvel, mas sim um

    Deus verdadeiro. Se amenizarmos a mensagem do pecado con-

    tribuiremos para a incompreenso do evangelho.

    Modelo bblico de contextualizao da mensagem

    Vejamos o assunto da contextualizao a partir da experincia bblica de Paulo em trs momentos especficos. Apesar de Paulo ser o aps-tolo para os gentios (Gal. 1.16), ele era um judeu devoto. Desta for-ma, a partir de seus sermes e ensinos podemos garimpar princpios norteadores da contextualizao da mensagem.

    Observaremos trs passagens bblicas no livro de Atos nas quais Paulo proclama o evangelho. Primeiramente a um grupo formado puramente por judeus, em outra ocasio, a judeus, mas com presena

    gentlica simpatizante do judasmo e, por fim, para gentios totalmen-te dissociados do mundo judaico e de seus valores veterotestamentrios.

    Ficar evidente, creio, que Paulo jamais compromete a autenticidade

  • 26 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    da mensagem bblica, porm a comunica com aplicabilidade cultural

    de forma que haja boa comunicao utilizando os elementos neces-srios para tal.

    Em Atos 9.19-22 encontramos Paulo em Damasco com os disc-

    pulos proclamando Cristo nas sinagogas apresentando-o como "o Fi-lho de Deus" e "confundia os judeus que habitavam em Damasco, provando que Jesus era o Cristo". Aqui encontramos Paulo logo aps

    ser salvo, expondo nas Escrituras que o Jesus que ele perseguia no passado to prximo era de fato o Filho de Deus. A expresso grega para "provando" (que Jesus era o Messias prometido), no verso 22, implica em demonstrao com evidncias objetivas, visveis, o que nos

    d a impresso que Paulo o fazia atravs do prprio texto sagrado, as

    Escrituras. Sua forma de pregao seguia a mesma dinmica que ele

    viria a usar em todo o seu ministrio entre os judeus: demonstrando a

    partir da comprovao escriturstica que Jesus o Messias esperado (At 17.1-3). Paulo bem sabia que se algum desejasse mostrar aos judeus que uma pessoa era o Messias, teria que faz-lo atravs das

    Escrituras. Por isso sua abordagem foi baseada nas Escrituras, centra-lizada na promessa do Messias e promotora de evidncias de que este era Jesus. Paulo aqui falava aos filhos de Israel, que se viam como os

    filhos da promessa e, portanto, em toda sua pregao ele utilizava ele-mentos histricos e marcos da relao entre Deus e seu povo escolhido.

    Em Atos 13.14-16, encontramos Paulo "atravessando de Perge

    para a Antioquia da Pisdia, indo num sbado sinagoga". Logo depois ele, erguendo a mo, passou a lhes proclamar a Cristo. Neste texto o grupo, culturalmente definido, o mesmo de antes: judeus. Havia porm a presena gentlica de simpatizantes da f judaica. Paulo inicia com um dos principais fatos da histria judaica, o xodo. Ele ento os relembra da histria de Israel at Davi quando ento, intencionalmente, lhes introduz a promessa do Messias (At 13.23)

    e a liga a Jesus. Interessante como Paulo neste caso prega a Cristo a

    partir do "Deus de Israel", e se fundamenta no Antigo Testamento

    para lhes apresentar o Messias por saber que os gentios ali presentes no apenas conheciam o Antigo Testamento mas tambm procura-

    vam segui-lo. Porm sua pregao tem tambm forte teor moral e escatolgico, que a distingue da primeira em Atos 9, apenas para os

  • A teologia bblica da contextualizacao e. 27

    judeus, demonstrando sua sensibilidade para um auditrio misto, mes-

    mo que prioritariamente judeu e judaizante. No versculo 39, Paulo

    utiliza um texto de incluso (todo aquele), que se contrape ao discur-

    so mais exclusivo que seguia com os judeus, dizendo que todo aquele

    que cresse seria salvo. Certamente os gentios judaizantes, fora da his-tria biolgica de Israel, se viam a includos: um Messias judeu para

    judeus e gentios. Na terceira passagem, em Atos 17.16-31, Paulo proclama a Cristo

    para gentios que nenhum conhecimento tinham das Escrituras. Paulo est em Atenas, o centro filosfico do mundo da poca, e conduzido at o Arepago pelos epicureus e estoicos. Neste momento Paulo se

    encontrava em um cenrio totalmente paganizado sem pressupostos judaizantes. O sermo de Paulo desta vez no se iniciou nas Escrituras

    veterotestamentrias ou mesmo na promessa do Messias. Paulo lhes pregou Deus, a partir das evidncias da criao e do deus desconheci-do, pois "E exatamente este que honrais sem conhecer que eu vos

    anuncio" (At 17.23). Passa ento a apresentar-lhes os atributos de Deus que "fez o mundo... Senhor do cu e da terra" (v. 24), "de um s

    fez toda a raa humana" (v. 26), "no est longe de cada um de ns" (v.27), "ordena que todos os homens, em todos os lugares, se arrepen-dam" (v.30), e garantiu o julgamento do mundo com justia "por meio de um varo... ressuscitando-o dentre os mortos" (v. 31, ARA). Note que no versculo 24, Paulo utiliza Theos para se referir ao "Deus que fez o mundo", sendo o mesmo termo utilizado (Theos) para mencio-nar o deus desconhecido. Ele utiliza da ideia existente de deus para

    apresentar revelacionalmente o Deus da Palavra, criador de todas as coisas. O fim da mensagem o mesmo: Jesus que morreu e ressuscitou.

    Notem que aos judeus Paulo fala sobre "o Deus da promessa", aquele que lhes trouxe do Egito, pois estes conheciam o Deus da Escritura e se viam como os filhos da promessa. Eles entendiam que Deus se revelou a seus pais, que interagiu com seu povo ao longo da histria, que lhes deixou as Escrituras.

    Ao segundo grupo Paulo lhes fala sobre o Deus das promessas e

    da histria de Israel mas, como havia entre eles gentios, lhes fala tam-

    bm do Messias que h de vir para a salvao de todo aquele que cr.

    Percebemos aqui neste texto que Paulo apresenta-lhes o evangelho

  • 28 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    com fortes evidncias escritursticas, para os judeus, alm de um forte apelo moral e escatolgico, para os gentios judaizantes.

    Ao terceiro grupo, puramente gentlico, o Messias que h de vir

    no lhes transmitia nenhuma mensagem aplicvel sua histria pois

    era visto to somente como o Messias judeu. Eles no tinham as Escrituras que o revelavam nem as promessas e alianas. Eles no se

    enxergavam como filhos da promessa e no se identificavam com Abro e Moiss. Porm eles se viam como os filhos da criao. Possu-am tremenda atrao pelas obras criadas e fascinao pela figura do Criador. Eram caadores de respostas, estudiosos da religiosidade, qualquer religiosidade. Portanto, Paulo lhes pregou o Deus da cria-

    o, aquele que era antes de qualquer outro, que detm o poder de fazer surgir, e mantm a humanidade e o cosmos. Ele lhes fala demoradamente sobre os atributos deste Deus que nico, sobera-no, prximo e perdoador. Finalmente lhes fala de Jesus como o cen-tro do plano salvfico de Deus, apresentando-o como o Messias para

    toda a humanidade.

    Tiramos algumas concluses a partir do modelo Paulino de expo-sio do evangelho, em relao contextualizao da mensagem.

    1. A mensagem, em um processo de comunicao contextuai, ja-mais deve ser diluda em seu contedo. A fidelidade s Escritu-ras deve ser nossa prioridade semelhana de Paulo que falou

    da ressurreio de Cristo no Arepago, mesmo sabendo que seria um tema controverso para a crena filosfica presente.

    2. O pblico alvo, seus pressupostos culturais, lngua e enten-dimento sobre Deus so fatores relevantes para a apresenta-o do evangelho. Paulo no pregou a Cristo da mesma forma aos trs grupos. Sua sensibilidade ao ouvinte conduziu sua abordagem.

    3. O uso de simbologias culturais explicatrias das verdades

    bblicas podem ser utilizadas desde que apresentem claramente a relevncia do evangelho. Paulo fez isso utilizando o "deus desconhecido" partindo de um elemento scio-cultural para expor, com clareza, a verdade do evangelho. Em outros mo-

    mentos ele o fez a partir da criao, do contraste entre Deus e

  • A teologia bblica da contextualizao 29

    os deuses adorados e do prprio sentimento humano de

    desencontro com a vida e perdio.

    4. O evangelho deve ser explicado a partir de si mesmo e no da cultura. O contedo do evangelho no negocivel. Quando Paulo fala aos judeus sobre o Messias e lhes apresenta Jesus, ele

    estava ali em uma linha "segura" de comunicao. Porm, seu desejo por criar uma atmosfera propcia para a comunicao

    no fez com que minimizasse as verdades mais confrontadoras, que o levariam a ser expulso, ignorado e questionado.

    5. O alvo final da apresentao da mensagem levar o homem ao conhecimento de Cristo e no simplesmente comunicar. A

    comunicao de Paulo pavimentava o auditrio para a apre-sentao da verdade, tanto para os filhos da promessa quanto para os filhos da criao.

    6 A contextualizao da mensagem, lingustica e culturalmen-te, um instrumento para uma boa comunicao, que trans-

    mita o evangelho de forma clara e compreensvel, e Paulo a

    utilizava abundantemente ao falar distintamente a judeus e gentios, escravos e livres, senhores e servos. Tambm Jesus, ao propor transformar pescadores em pescadores de homens, ao utilizar em seus sermes a candeia que ilumina, a semente

    lanada em diferentes solos, o joio e o trigo no mesmo campo, a dracma que se perdeu, as redes abarrotadas de peixes, fez

    isso para que o essencial da Palavra chegue de maneira inteli-gvel para a pessoa, sociedade e cultura que o ouve.

    7. O resultado esperado da apresentao contextualizada do evan-gelho o arrependimento dos pecados e sincera converso. Qualquer apresentao do evangelho que leve o homem a sen-

    tir-se confortvel em seu estado de pecado certamente inconclusiva e parcial. Paulo deixa isto bem claro quando lhes expe um evangelho libertador e transformador.

    Critrios bblicos para a contextualizao

    Tippett enfatiza que quando um povo passa a ver Jesus como Senhor pessoal, e no um Cristo estrangeiro, quando eles agem de acordo

  • 30 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    com valores cristos aplicados prpria cultura, vivendo um evange-

    lho que faz sentido sua cosmoviso, quando eles adoram ao Senhor de acordo com critrios que eles entendem, ento teremos ali uma

    igreja entre eles.

    Apesar de o evangelho ser supracultural e a-temporal, para todos

    os povos em todos os tempos, cada cultura, por si, possui uma frmula prpria de elaborao de perguntas a serem respondidas pela Palavra. A sensualidade condenada pela Bblia, mas cada povo desenvolve uma compreenso cultural distinta do que ou no sensual. A con-textualizao da mensagem, portanto, um processo necessrio para que a mesma seja transmitida com fidelidade.

    Podemos exemplificar pensando na figura de um homem ociden-tal urbano com pneumonia. No ocidente tal enfermidade tratada de acordo com o conhecimento acumulado sobre a enfermidade e a hist-ria prescrita de cura. A pergunta que surge, portanto, apenas como

    trat-la. No contexto africano, a principal pergunta a ser debatida no como, mas sim, por qu. A causa da enfermidade a questo mais relevante e nenhuma ao ser tomada at que haja uma iniciativa na direo de se produzir esta resposta. Trata-se uma mesma enfermidade

    objetiva, gerada pelos mesmos mecanismos biolgicos, mas com abor-dagens culturais distintas. A compreenso das perguntas que inquie-tam os coraes fundamental para a proclamao do evangelho de forma

    decodificada e transformadora. Se fecharmos os olhos para a necessidade

    da contextualizao iremos comprometer o contedo do evangelho na transmisso do mesmo. Possivelmente passaremos adiante apenas sinais sem significados que produziro valores sincrticos e no bblicos.

    Devemos, porm, perceber que a contextualizao no possui va-lor em si mesma. Seu valor proporcional ao contedo a ser contextua-lizado. Nielsen afirma que a Ubanda no Brasil a forma mais perfeita

    de contextualizao de valores religiosos. Trazida pelos escravos, mol-dou-se ao catolicismo europeu, forneceu uma mensagem pessoal e informal, gerou clulas que ganham vida de forma independente e cria cenrios atrativos para novos adeptos. Portanto, a pergunta no

    apenas "como", mas especialmente "o que contextualizar". O valor primrio da contextualizao do evangelho a mensagem, a Palavra, e

    no a tcnica, a comunicao.

  • A teologia bblica da contextualizao 31

    Na tentativa de avaliar a compreenso (e transformao) do evan-

    gelho em um contexto transcultural, ou mesmo culturalmente dis-

    tinto, proponho trs principais questes que deveramos tentar responder perante um cenrio onde a mensagem bblica j foi pregada:

    1. Eles percebem o evangelho como sendo uma mensagem rele-

    vante em seu prprio universo? 2. Eles entendem os princpios cristos em relao cosmovi-

    so local ?

    3. Eles aplicam os valores do evangelho como respostas para os seus conflitos dirios de vida?

    Contextualizar o evangelho traduzi-lo de tal forma que o se-

    nhorio de Cristo no ser apenas um princpio abstrato ou mera dou-

    trina importada, mas ser um fator determinante de vida em toda sua

    dimenso e critrio bsico em relao aos valores culturais que for-mam a substncia com a qual experimentamos o existir humano.

    Para que isto acontea necessrio observar alguns critrios para a comunicao do evangelho:

    1. Toda comunicao do evangelho deve ser baseada nos princ-

    pios bblicos, no sendo negociada pelos pressupostos cultu-rais das culturas doadoras e receptoras do mesmo. Entendo

    que a Palavra de Deus tanto transculturalmente aplicvel

    quanto supraculturalmente evidente. , portanto, suficiente para todo homem, seja o urbano ou o tribal, o passado ou o

    presente, o acadmico ou o leigo. 2. A comunicao do evangelho deve ser uma atividade realizada a

    partir da observao e avaliao da exposio da mensagem que

    est sendo comunicada. O objetivo desta constante vigilncia propor um evangelho que possa ser traduzido culturalmente fazendo sentido tambm para a rotina da vida daquele que o ouve. necessrio fazer o povo perceber que Deus fala a sua

    lngua, em sua cultura, em sua casa, no dia a dia. 3. A rejeio do evangelho no deve ser vista, em si, como

    equivalente m contextualizao. O confronto da Palavra

  • 32 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    com a cultura ocorrer, assim como a rejeio da mensagem

    bblica. 4. Ao elaborarmos a abordagem na apresentao do evangelho

    deve-se partir da Bblia para a cultura e no o contrrio.

    No interessa o que mais um missionrio faa, ele precisa procla-mar o evangelho. Trabalho social, ministrio holstico e compreenso

    cultural jamais iro substituir a clara comunicao do evangelho ou

    nem justificar a presena da igreja. O contedo do evangelho exposto

    em todo e qualquer ministrio de plantio de igrejas deve incluir: a) Deus como ser criador e soberano (Ef 1.3-6); b) o pecado como fonte

    de separao entre o homem e Deus (Ef 2.5); c) Jesus, sua cruz e ressurreio como o plano histrico e central de Deus para redeno

    do homem (Hb 1.1-4); d) o Esprito Santo como o cumprimento da

    promessa e encarregado de conduzir a igreja at o dia final.

    Concluo com rpidas palavras. Precisamos conciliar a sensibilidade

    e interesse cultural com uma teologia bblica que fundamente o minis-trio. Se uma sugesto pudesse ser dada seria esta: reavaliarmos nossa atividade missionria e eclesistica luz daquilo que teologicamente

    fundamentado e no apenas praticamente frutfero, seja do ponto de vista da comunicao da mensagem ou da formao da igreja.

    Colhemos hoje frutos amargos do nominalismo cristo e do

    sincretismo religioso que germinaram a partir de um enfraqueci-mento da centralidade da Palavra durante o trabalho de comunica-o do evangelho. As justificativas histricas para tal quase sempre

    orbitaram entre dois pontos: a nfase na justia social e a procura por uma comunicao culturalmente mais sensvel. Porm se cre-mos que Deus o Criador e Senhor da histria, dos povos, das ln-

    guas e culturas, precisamos crer que sua Palavra no apenas verdadeira mas tambm fomentadora de justia (libertando os fra-cos e oprimidos) e tambm comunicvel ao corao de todo homem,

    e destinada a todo homem. Paralelamente tambm colhemos frutos amargos pela ausncia

    de compreenso cultural na apresentao de Cristo. Dois destes fru-

    tos so o nominalismo cristo e sincretismo religioso. Olhando as fren-tes missionrias despreocupadas com a contextualizao encontraremos,

  • A teologia bblica da contextualizaco 33

    abundamente, templos de cimento para culturas de barro, pianos de cauda para povos dos tambores, terno e gravata para os de tnica e turbante, sermes lineares para pensamentos cclicos, sapatos engra-xados para ps descalos. To ocupados em exportar nossa cultura nos esquecemos de apresentar-lhes Jesus, Deus encarnado, totalmente contextualizado, luz do mundo.

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  • Modelos bblicos de contextualizao em

    Atos 14 e 17

    A seguir, eles se reuniram ao p da cruz para a primeira Ceia do Senhor, enquanto os outros olhavam. Depois de tomar o po uma batata-doce cozida, fria e parti-lo em pedacinhos, John colocou-os sobre uma folha de bananeira e passou-os a todos os que foram batizados. Ento ele tomou o vinho suco de framboesa silvestre em copinhos de bambu e distri-buiu entre os treze.'

    O trecho acima, extrado do relato de John Dekker sobre seu empenho em achar as formas culturais apropriadas para os manda-mentos bblicos entre povos na Papua Nova Guin, mostra o desafio enfrentado por todo o missionrio que deseja comunicar bem o evan-gelho em outras culturas. Mas tambm um feliz exemplo do que pode ser feito em termos de adaptao cultural quando existe sensi-bilidade, conhecimento da cultura e compreenso da essncia bblica.

    Neste breve estudo, vamos considerar duas situaes que envol-veram o apstolo Paulo em seu ministrio transcultural. Buscaremos lies aplicveis para os nossos dias e princpios bsicos de contextualizao que nos orientem na comunicao das verdades eter-nas em outros contextos religiosos, culturais e lingusticos.

    ' Dekker, John, Tochas de Jbilo, 1988:116

  • 36 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    Os dois contextos que sero considerados so Atos dos Apstolos

    14, Barnab e Paulo em Listra, e Atos 17, Paulo em Atenas. Existem

    elementos em comum nestes dois contextos, assim como divergn-cias, que influenciam a forma como os apstolos escolhem suas estra-tgias de comunicao.

    Paulo e Barnab em Listra (Atos 14)

    Barnab e Paulo esto em sua primeira viagem missionria, narrada pelo mdico amado Lucas nos captulos 13 e 14 de Atos. Sairam de Antioquia da Sria, rumo ao ocidente e passaram por Chipre, Perge e

    Antioquia da Pisdia. Dali mudaram o curso para o oriente e prega-

    ram o evangelho em Icnio, Listra e Derbe. O regresso seguiu basica-mente o mesmo caminho.

    A igreja vivia um forte momento de expanso aps os anos de "curtio da comunho fraternal" em Jerusalm. Os contatos com os gentios ainda eram poucos em termos de evangelizao direta e a equipe

    de Barnab e Paulo foi pioneira neste tipo de avano. Alguns gentios j tinham sido alcanados, porque foram ganhos atravs dos judeus presentes em Jerusalm no dia de Pentecostes (que possivelmente ge-

    rou igrejas no mundo romano, como a de Roma). Green descreve

    assim o momento histrico narrado em Atos:

    Na primeira parte de Atos, Lucas mostra os estgios de desenvolvimento desta expanso. Primeiro o evangelho foi pregado em Jerusalm (1.1-6.7), depois ele se espalhou pela Palestina e por Samaria (6.8-9.31) e a seguir, alcanou Antioquia (9.32-12.24). A segunda parte forma um belo equilbrio com a primeira, relatando a difuso do evangelho atravs da sia Menor (12.25-16.5) e da Europa (16.6-19.20), at chegar em Roma (19.21-28.31).2

    Mesmo com a pregao aos samaritanos e aos proslitos religiosos (ou "tementes a Deus") como o eunuco etope e Cornlio, a partir

    da chegada forada em Antioquia que os seguidores de Cristo, logo chamados de cristos, comeam a evangelizar os gentios. Portanto, o

    Green, Michael, Evangelizao na Igreja Primitiva, 1984: 394

  • Modelos bblicos de contextualizacao em Atos 14 e 17 e" 37

    texto em questo tremendamente interessante por colocar, pela pri-

    meira vez, de forma declarada e registrada, os apstolos diante da

    questo de contextualizar a mensagem. A visita em Listra comea com a cura de um homem aleijado,

    paraltico desde o seu nascimento, que jamais pudera andar (v.8). O milagre alvoroou a cidade e os apstolos foram identificados com deuses pagos, dando oportunidade ao testemunho. A pregao na

    cidade quase termina em tragdia, sendo Paulo apedrejado pelas mul-tides instigadas por judeus que vieram das cidades vizinhas para atrapalhar o avano da "seita nazarena". Segundo os vv. 21 e 22 e 16.1

    e 2, fica claro, entretanto, que surgiu uma igreja na cidade. A cidade de Listra ficava numa regio agrcola e, por muitos,

    considerada atrasada. Seus habitantes falavam a lngua licanica e no

    o latim ou o grego, utilizados pelos mais cultos no Imprio Romano.

    Dominava a idolatria tendo entre seus deuses principais a Zeus e a Hermes (ou Jpiter e Mercrio, equivalentes romanos). Uma lenda

    local dizia que estes deuses j haviam, em ocasies anteriores, visitado a terra em forma humana. Segundo o panteo grego, Zeus era o deus chefe, enquanto que Hermes era o porta-voz dos deuses. Conforme

    uma antiga lenda, em determinada ocasio, estes deuses no tinham sido bem recebidos pelo povo resultando em grandes prejuzos e crian-

    do a expectativa de uma nova oportunidade para render-lhes as devi-das homenagens.'

    Neste ambiente de zona rural e de idolatria que os pioneiros se encontram para, de forma clara e correta, explanar o evangelho de Cristo.

    Um detalhe interessante que Timteo era desta cidade (At 16.1, 2).

    A visita a Listra comea com um milagre. Lucas faz uma trplice afirmao da paralisia do homem, marcando claramente que no se

    tratava de um milagre apenas psicolgico. Trs expresses so usadas:

    aleijado adynatos tais posin fraco nos ps, sem foras para andar

    paraltico cholos manco, que tem um s p, paraltico jamais pudera andar oudepote periepatsen

    3 Bruce, F.F., The Book ofActs, 1977:291,292

  • 38 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    O mdico Lucas realmente enfatiza a situao clinica do ho-mem, certamente para dar um claro contraste ao ocorrido e reao do povo no v. 11. Paulo se interessa pelo homem e, ao estilo de Jesus, olha-o atentamente, se compadece e v sua f para ser curado (sthenai para ser salvo, de szo salvar, ajudar, guardar, curar).

    Sem forar o sentido da palavra ou a situao especfica, parece que h uma preocupao por parte de Paulo que vai alm da cura fsica. Isto indicaria j um aspecto interessante da contextualizao do evangelho a mensagem vem de encontro s necessidades do homem paraltico em Listra, curando-o em primeiro lugar de sua enfermidade e sendo-lhe anunciado, juntamente com os demais na cidade, tambm a libertao da idolatria e da "paralisia" espiritual.

    O prprio homem d testemunho de sua cura. Trata-se de um evangelho que age, que transforma situaes. No a primeira vez que Marcos 16.17,18 se cumpre no ministrio dos apstolos e parece que de forma muito natural faz parte do avano do Reino, mesmo no meio dos povos gentios.

    O contexto deixa tambm transparecer um confronto de poder espiritual. O medo do povo, baseado na superstio da lenda, em no receber bem os deuses e consequentemente serem castigados nova-mente, foi confrontado pela ao curadora e salvadora do Deus vivo e verdadeiro, canalizada pelos apstolos.

    A reao do povo no se deixa demorar. O milagre alvoroou a cidade e os habitantes gritam em lngua licanica identificando os apstolos com os esperados deuses Zeus e Hermes. Bruce destaca a questo do idioma:

    O fato das multides terem gritado em lngua licanica sendo destacado por Lucas (que deve ter recebido esta informao de Paulo) se deve pro-

    vavelmente a duas razes: em primeiro lugar, Paulo e Barnab reconhece-

    ram que era um idioma diferente da dos frgios que tinham ouvido dos

    lbios da populao nativa em Antioquia da Pisdia e Icnio; em segundo

    lugar, o uso da lingua licanica explica porque Paulo e Barnab no enten-

    deram o que estava passando at que estavam j avanados os preparati-

    vos para pagar-lhes honras de divindades.'

    Bruce 1977:291

  • Modelos bblicos de contextualizado em Atos 14 e 17 39

    A interpretao do povo foi de acordo com seu conhecimento, certamente usando seu referencial de lendas j mencionado acima. S poderiam ser deuses (no caso, Zeus e Hermes) que estavam daquela forma milagrosa aparecendo. Lucas explica esta reao positiva do povo aos visitantes e os preparativos para a adorao a eles, mostrando a religiosidade do povo, seu anseio e sua venerao, frutos de uma idolatria impregnada na sociedade gentia da cidade.

    Paulo e Barnab parecem ser lentos em reagir s homenagens devido, como foi mencionado, a dificuldade em entender o idioma licanico. Pegos de surpresa, a reao dos apstolos tipicamente judai-ca rasgam suas vestes em sinal de horror e protesto (cp. Mc 14.63) atitude, no entanto, que sem dvida foi compreensvel para os habitantes da cidade. Para reforar sua mensagem de que so seres humanos iguais a outros, se lanam no meio da multido, certamente com o intuito de que os apalpassem e constatassem que realmente eram homens de carne e osso.

    A pregao propriamente dita inicia-se aqui com alguns ter-mos chaves: anunciamos o evangelho (evangelizomenoi), para que destas cousas vs (mataios de mat vo, ineficiente, intil, in-frutfero, ftil, sem base, louco, tolo; 1Co 3.20; 1Co 15.17; Tt 3.9) vos convertais (eptstreftin mudar de direo, dar meia volta, signi-ficando mudar de caminho de vida, uma transformao completa) ao Deus vivo. Diz Laubach:

    Atos frequentemente descreve os resultados da proclamao missionria pelos primeiros cristos. Sempre fala da converso como um evento "uma-vez-por-todas" e com contedo prprio (At 9.35; 11.21). De At 15.3 fica claro que a palavra "converso" logo se tornou um termo tcnico que no necessitava mais explicao. epistrepho usado para a converso de um homem que envolve uma completa transformao de sua existncia sob a influncia do Esprito Santo.'

    Paulo deixa claro o motivo de sua vinda. Ele sabia do confronto que sua mensagem poderia causar, mas tambm reconhecia a urgente

    Laubach, F., "Epistrepho" em The New International Dictionary of New Testament Theology, Brown, C. (ed), 1977:355

  • 40 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    necessidade que o povo tinha de mudar sua vida e, por isso, expe da

    forma mais inteligvel que pode as boas novas de salvao. A converso, a mudana de rumo, deveria ocorrer da idolatria, que em nada tinha valor, para o verdadeiro e nico Deus. Sem dvida, era uma mensagem forte e nova para os homens de Listra. Existe uma lgica na exposio

    de Paulo, tentando criar uma ponte com os ouvintes para que eles se sentissem participantes da mensagem e da oferta salvadora.

    Ele comea com o Criador comum de todos, incluindo os de

    Listra, que deixou os povos andarem nos seus prprios caminhos, mas que manteve um controle e uma presena no meio dos povos aben-oando-os atravs da natureza. No se deveria, portanto, adorar a cria-o ou a criatura, mas o Criador que est por trs de tudo.

    Eerdman comenta:

    Em Listra Paulo d um exemplo admirvel da adaptao necessria da

    mensagem missionria ao auditrio, no alterando sua essncia, mas o

    enfoque. Paulo se dirige entusiasmada multido de pagos. No comea

    recorrendo Escritura, que seus ouvintes desconhecem por completo, mas

    fala-lhes de Deus cujo poder e amor se manifestam nas obras da natureza

    e de sua providncia. Diante da bondade de um Deus vivo e verdadeiro

    como esse, Paulo convida a seus ouvintes a se arrependerem, e prepara o

    caminho para a mensagem acerca de Cristo, o Salvador.6

    At no aspecto de "permitir que os povos andassem nos seus pr-prios caminhos", Deus o agente, o que controla. Existe aqui uma valorizao, por parte de Deus, das diferentes culturas, resultantes do

    processo de "enchimento da terra" proposto e exigido pelo prprio Criador. A natural diferenciao em culturas e em lnguas ocorreria

    mesmo sem a confuso de Babel, j que cada povo teria seu ambiente a que se adaptar e a distncia entre os povos causaria tambm um distanciamento lingustico. Porm, Deus no se deixou sem testemu-nho (amartyron), no sentido de preservar algo de si na cultura e na vida do povo, dando suficiente razo para condenar mas tambm con-dies de um elo para a propagao do evangelho (Rm 1.18-20).

    Eerdman, C.R , Hechos de los Apostoles, 1974: 133,134

  • Modelos bblicos de contextualizaco em Atos 14 e 17 41

    Resumindo o breve estudo desta passagem, os seguintes aspectos podem ser destacados na tentativa feita pelos apstolos em comunicar

    a mensagem de salvao:

    . A cura do homem paraltico, que demonstra um evangelho integral de poder e de esperana, e que d resposta necessi-

    dade mais patente do ser humano. . O claro rechao s homenagens e adorao como deuses, que

    se aceita, teria criado grande dificuldade mais tarde para a pregao sobre Cristo e causaria um sincretismo indesejvel.

    A mensagem no ficou s no milagre, mas mostrou a situao pecaminosa dos habitantes de Listra, o problema da idolatria e o caminho de volta a Deus.

    . Ao utilizar o argumento da natureza e identificar o Criador comum a todos, sem usar o Antigo Testamento, Paulo sens-vel ao conhecimento do povo e consegue comunicar de forma compreensvel. Num contexto rural, a terminologia campesina e facilita ao povo um reconhecimento da grandeza de Deus.

    . Mesmo com dificuldades iniciais de entender o idioma e de

    reconhecer o que estava acontecendo, existe uma identifica-o com o povo por parte dos apstolos, deixando claro que tambm eram seres humanos, igualmente dependentes da gra-a divina.

    A radicalidade do evangelho demonstrada na apresentao de um Deus nico, que rejeita outros deuses. Instigada pelos judeus e com dificuldade de aceitar a posio radical dos aps-tolos, a multido apredreja a Paulo.

    Paulo em Atenas (Atos 17)

    A situao de Atos 17 bastante diferente. Atenas um contexto

    urbano, cosmopolita e pluralista. Paulo no gera a mesma agitao que em Listra. Inclusive no temos relato de que ocorrera um mila-

    gre. Quem sabe no adiantaria muito seria explicado de forma racional ou analisado filosoficamente no tendo o mesmo efeito que

    em Listra.

  • 42 Razes bblicas e teolgicas da conlextualizao missionria

    Ao descrever os sentimentos de Paulo, Lucas diz que o apstolo estava revoltado com a idolatria que reinava na cidade. A expresso paroxyno (profundamente indignado) visto por Stott como a reao de algum que tem cimes, que zeloso, que no aceita que a exclu-sividade de Deus como o nico e verdadeiro seja questionada.'

    No intuito de proclamar a verdade, a estratgia utilizada por Paulo de usar os meios de comunicao do local discutir na sinagoga com os judeus e tementes a Deus (assim como fazia tambm em outros lugares) e na praa principal (agora). Esta discusso em pblico o levou, inclusive, a uma reunio no Arepago onde os verdadeiros filsofos discutiam.

    Alguns aspectos interessantes precisam ser destacados. Primeira-mente, Paulo conhecia bem as discusses que ali ocorriam e a filosofia dos epicureus e dos estoicos. Trata-se de um contexto mais familiar para o apstolo comparado com Listra, onde no havia dificuldades de entender a lngua ou os conceitos que vigoravam. Os epicureus se baseavam numa filosofia do acaso, crendo em deuses remotos que no se envolviam com os seres humanos. Negavam a ressurreio dos mor-tos e no aceitavam a ideia de um julgamento final. Os estoicos eram mais racionais e platnicos, voltados ao pantesmo. Paulo decide usar boa parte do vocabulrio destes grupos filsoficos e cria um interesse inicial pela mensagem que trazia.

    Em segundo lugar, Paulo pregava a respeito de Jesus e da ressur-reio (v. 18), possivelmente sendo mal-interpretado pelos ouvintes que reagiram e creram que falava de deuses estranhos. Stott, baseado na sugesto de Crisstomo, comenta que:

    possvel que os filsofos, percebendo que a essncia da mensagem de Paulo era ton Jesoun kai ten anastasin (Jesus e ressurreio) tenham pen-sado que ele estava apresentando aos atenienses um novo par de divinda-des, um deus masculino chamado "Jesus" e sua companheira "Anastasis".8

    Se intencional ou no, Paulo, em terceiro lugar, aproveita-se da curiosidade dos habitantes de Atenas em ouvir novidades e elogia o povo por sua religiosidade, busca elementos de contato e faz uso de

    7 Stott, John, A Mensagem de Atos, 1990:314 Stott 1990:318

  • Modelos bblicos de contexttunizao em Atos 14 e 17 .. 43

    uma argumentao lgica e racional. Em seu discurso (v. 22-31), dei-xa claro que o Deus desconhecido o criador e sustentador de todas as coisas, inclusive dos seres humanos. Qualquer filosofia de um Deus

    distante ou impessoal descartada. A citao de poetas locais como Epimnedes e Arato (v. 28) fortalece seus argumentos e atrai os ou-

    vintes, mas tambm busca uma identificao com o povo ao utilizar o

    chamado "ns inclusivo". Apesar do emprstimo de termos filosficos, sua mensagem

    clara. Este Deus, gerador de toda vida, esperava a iniciativa do ser humano por um relacionamento baseado no reconhecimento de sua singularidade e no arrependimento da idolatria. O juzo negado pelos filsofos era, segundo Paulo, uma realidade, assim como a ressurreio dos mortos. A ressurreio de Jesus, era inclusive, a prova de seu papel

    intermediador entre Deus e homens e a nica esperana de salvao. Diante da expectativa que muitas vezes temos em nossos dias de

    rpido crescimento e sucesso fcil no ministrio, poderamos achar que

    Paulo deveria esperar com o argumento da ressurreio at convencer seus ouvintes de que sua mensagem era verdadeira. Ao citar a ressurrei-o de Jesus afugentou sua audincia e de diferentes formas dispensa-

    ram o "tagarela". Este elemento de radicalidade na mensagem, o diferencial de um evangelho barato do verdadeiro, custou-lhe caro, mesmo no sen-do em forma de sofrimento fsico como no caso de Listra.

    Resumindo este trecho de Atos 17, podemos constatar que o esforo de comunicar o evangelho em Atenas segue em parte um pa-dro diferente do de Listra:

    A metodologia de Paulo claramente contextualizada situ-ao em Atenas.

    Sua linguagem adaptada a uma terminologia conhecida pe-

    los filsofos da cidade neste caso em particular os epicureus e estoicos.

    A argumentao de Paulo segue uma linha muito mais racional e filosfica em Atenas fala inclusive da participao do ser

    humano no objetivo maior da criao: "nele vivemos, nos move-

    mos e existimos", ao estilo estoico. Em Listra a argumentao baseava-se nos elementos da natureza, na colheita, etc.

    .

    .

    .

  • 44 11. Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    A pluralidade de Atenas facilita a pregao do evangelho, mas tambm torna a mensagem uma entre muitas outras. No h o mesmo efeito de radicalidade. Em Listra Paulo e Barnab so encarnaes dos deuses e por isso so venerados. No h como rejeitar. Em Atenas, Paulo porta-voz de um "deus" entre muitos que pode ser aceito ou no. Por isso o elemento da ressurreio, a nica coisa realmente radical para os filso-fos que estavam ouvindo, um divisor de guas.

    Comparando alguns elementos caractersticos de Listra e Atenas temos o seguinte quadro:

    ATENAS

    Centro urbano

    Cosmopolita

    Pluricultural

    Lnguas do imprio

    Idolatria com grande pluralidade de deuses

    Confronto de ideias

    LISTRA

    Zona rural

    Provinciano

    Monocultural

    Lngua local

    Idolatria voltada a deuses especficos

    Confronto de poder

    A estratgia de contextualizao utilizada pelos apstolos com-

    bina com as peculiaridades e caractersticas de cada cidade:

    LISTRA

    Referncia natureza e estaes do ano

    Cura do paraltico

    Identificao com o povo somos iguais

    Gancho: a natureza e o Criador

    Mensagem clara de converso da prtica idlatra

    Rejeio a atalhos de fama

    ATENAS

    Referncia aos altares religiosos

    Argumentao lgica

    Identificao com o povo somos todos gerao de Deus

    Gancho: citao dos poetas locais

    Mensagem clara de converso da atitude e filosofia idlatra

    Rejeio a "baratear" o evangelho

  • Modelos bblicos de contextualizao em Atos 14 e 17 ma 45

    Concluso

    Conclumos nosso estudo citando alguns princpios de contex-tualizao com base nestes dois exemplos no ministrio transcultural

    de Paulo e Barnab:

    1. Fidelidade ao evangelho, no abrindo mo do que essencial.

    2. Objetivo de ver o povo salvo, independente do contexto social,

    religioso ou tnico. 3. Comunicao transcultural, buscando compreender e falar a

    linguagem do povo, entender os elementos da cultura e da

    religiosidade. 4. Uso de elementos conhecidos pelo povo, facilitando a com-

    preenso da mensagem. 5 . Amor demonstrado em milagres, no visando sensacionalismo

    ou crescimento fcil.

    6. Rejeio fama pessoal, colocando a verdade do evangelho acima de sua prpria segurana, mesmo correndo o risco de ser

    apredrejado ou ridicularizado. 7. Cristocentrismo, sendo Jesus Cristo a principal mensagem dos

    apstolos.

    A experincia transcultural dos apstolos vivida diariamente

    pelos missionrios de nossos dias. O grande desafio de comunicar as boas novas de salvao de forma que as pessoas entendam a mensa-

    gem e captem a relevncia da salvao para sua vidas. No se trata de uma tarefa fcil. Mesmo com todo o esforo de contextualizao da mensagem, de adaptao cultural do missionrio e de aprendizado da lngua local, nem sempre atinge-se o resultado desejado. Para Paulo, a visita a Listra terminou em grande dor fsica quando foi apedrejado e at dado por morto. Em Atenas, ele foi ridicularizado e menospreza-do. Certamente o esforo no foi em vo, e os apstolos deram um importante exemplo de fidelidade ao chamado e mensagem de Cristo. Fizeram sua parte. O resultado, no entanto, depende da obra do Es-

    prito Santo, que o nico que pode convencer o ser humano do

    pecado, da justia e do juzo.

  • 46 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    Bibliografia

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  • ...rj3r.

    Contextualizao e a mensagem da cruz 1 Corntios I . 1 8-25

    t 1 1 (1( 11 ( )1 (1

    Estive recentemente com missionrios brasileiros na Romnia e Moldvia. Sendo a minha primeira viagem para a regio, fiquei sur-preso quando, no incio de um culto, transmiti saudaes da igreja brasileira. Em seguida, a igreja toda mandou sua saudao para nossa igreja, acenando com a mo erguida. Pensei comigo, o brasileiro "manda um abrao" que, muitas vezes, no passa de uma expresso. Mas aqui o povo manda uma aceno, mesmo que ningum o veja.

    So, obviamente, pases diferentes com muitos costumes dife-rentes. Mesmo assim, d para sentir que as igrejas de cada nao esto unidas. Como o apstolo Paulo afirma: "H um s corpo e um s Esprito, como tambm fostes chamados em uma s esperana do vosso chamado; h um s Senhor, uma s f, um s batismo; um s Deus e Pai de todos, que

    sobre todos, por todos e est em todos" (Ef 4.4-6). A igreja de Corinto precisava-se lembrar dessa mensagem, pois

    passava por um perodo de divises. Cada elemento seguia uma personalidade (1Co 1.10-17). Quando Paulo abordou esse pro-blema, falou de um outro elemento que une todos os cristos: a mensagem da cruz.

  • 48 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    A mensagem de Deus

    Pois a palavra da cruz insensatez para os que esto perecendo, mas para ns,

    que estamos sendo salvos, o poder de Deus. Pois est escrito: Destruirei a

    sabedoria dos sbios e anularei a inteligncia dos inteligentes (1Co 1.18-19).

    Ao enfatizar a importncia da mensagem da cruz, Paulo lembra

    a igreja de sua origem. No foi criada por homens, nem mesmo por homens to influentes como Pedro ou Apolo (v. 12). Trata-se de algo que Deus planejou e somente ele poderia planejar. Atravs desse

    plano, Deus revela a sua sabedoria e o seu poder. Para confirmar essa nfase, Paulo cita Isaas 29.14, trecho que

    se refere situao histrica descrita em 2Reis 17-19 (cf. 2Cr 32; Is 36-37). O rei de Israel, Oseias, ao ser dominado pela Assria (Salmaneser) procurou a ajuda do Egito. Mas quando Salmaneser

    descobriu isso, invadiu a terra, sitiou-a durante trs anos e, por volta do ano 722 a.C., acabou mandando Israel para o cativeiro.

    Oito anos mais tarde o rei de Jud, Ezequias, enfrentou uma

    situao semelhante. Pressionado pela Assria e por seus desejos de expandir ainda mais, Ezequias olhou primeiro para o Egito, Fencia e Filstia para fazer uma frente unida. Contudo, em pouco tempo,

    Senaqueribe, ento o rei da Assria, conseguiu derrotar tanto a Fencia, ao norte, como a Filstia, ao oeste de Jud. As inscries do seu rei-nado tambm indicam que ele conquistou 46 cidades fortalecidas de

    Jud (cf. 2Rs 18.13). Quando, ento, Senaqueribe pediu a rendio final de Jud, o profeta Isaas chegou e aconselhou Ezequias a no olhar mais para o Egito ou outro pas, mas unicamente para o Senhor (2Rs 19.5-7, 20-34). Uma vez que Ezequias tomou essa postura nova, o Senhor logo mandou seu anjo para destruir o exrcito da Assria

    durante a noite (2Rs 19.35). Ao citar este episdio, Paulo frisa o princpio de que os caminhos

    de Deus frequentemente so diferentes dos caminhos dos homens

    (cf. Is 55.8-9). Em todo instante, o homem precisa confiar no Senhor. Nos dias de hoje, quando se pensa sobre os desafios relacionados

    a misses, estes so muitos. Na hora de procurar solues, s vezes, parece que existem tantas opinies quanto homens.

  • COntextualizaco e a mensagem da cruz - 1Carintios 1 18-25 49

    A tentao pode ser de depender do famoso jeitinho brasileiro

    (por sinal, "jeitinho" seria uma traduo possvel para o termo "inteli-gncia" [A21 e NVI] no final de verso 19). Quando h problemas,

    procure a pessoa mais jeitosa. O problema fundamental de misses deve ser "Como abordar tal

    povo?" Faz-se necessrio lembrar: a obra do Senhor. Deus abre as portas do campo e os coraes para o evangelho.

    A mensagem para crentes

    Onde est o sbio? Onde est o instrudo? Onde est o questionador desta

    era? Por acaso Deus no tornou absurda a lgica deste mundo? Visto que,

    na sabedoria de Deus, o mundo por sua prpria sabedoria no o conheceu,

    foi do agrado de Deus salvar os que creem por meio do absurdo da pregao

    (1Co 1.20-21).

    Paulo destaca no apenas o autor do evangelho como tambm seus ouvintes. Tanto um como outro surpreende. Quando se pensa na importncia de tal mensagem, que supre a vida eterna ao homem, poderamos imaginar que os homens mais dotados seriam os primeiros a valer-se dela.

    Por meio de quatro perguntas retricas, Paulo observa que so

    relativamente poucos (cf. v. 26) os homens mais bem posicionados

    que aproveitam da mensagem. O termo "sbio" sugere a categoria ge-ral destes homens. Por um lado, "erudito" indica o escriba judaico, os

    telogos daquela religio. Por outro, "questionador" aponta para o fil-sofo grego. Ao se referir aos dois, Paulo possivelmente estava lem-brando-se de sua experincia em Atenas (apenas 80 quilmetros distante) poucos anos antes (cf. At 17.15-34).

    Paulo havia passado vrios dias naquela cidade, conhecida mundialmente por seu alto ensino. Ele debatia tanto na sinagoga, conforme o seu costume, como na praa principal. Mas os seus esforos geraram poucos resultados positivos. Foi rotulado "tagarela" por alguns filsofos (At 17.18). Mesmo pregando uma mensagem bem

    contextualizada (At 17.22-31), algumas pessoas passaram a zombar

    do apstolo. Outros pediram mais tempo para considerar a mensagem

  • 50 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    (v. 32). A ideia da "ressurreio dos mortos", sendo Jesus o principal exemplo, foi especialmente difcil para eles aceitarem. Apenas umas poucas pessoas responderam bem mensagem e creram (v. 34).

    Em 1Corntios 1.21 Paulo afirma que a mensagem da cruz no apenas para os mais inteligentes, mas para os que creem. O instrumento para apropri-la no tanto a cabea quanto o corao (cf. Tg 2.19).

    Isso nos lembra do ensino frequente de Jesus: "Qualquer pessoa que no receber o reino de Deus como uma criana, jamais entrar nele"

    (Mc 10.15; cf. Mt 18.3; 19.14; Lc 18.17). A criana normalmente no conhecida por sua inteligncia ou poder. Na maioria das vezes, ela demonstra uma capacidade excepcional de confiar nos outros que possuem mais inteligncia ou poder (i.e. adultos).

    O homem confrontado com a mensagem pregada precisa confiar mais naquilo que Deus pode fazer para ele do que em sua prpria habilidade. Isso pode ser mais difcil para os que tm mais habili-dade. No campo missionrio pode haver a tentao de pregar primeiro para os "potentes". preciso lembrar de que Deus chama mais os que facilmente reconhecem suas necessidades.

    A natureza da mensagem

    Pois, enquanto os judeus pedem sinais, e os gregos buscam sabedoria, ns

    pregamos Cristo crucificado, que motivo de escndalo para os judeus e absurdo para os gentios. Mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo poder de Deus e sabedoria de Deus. (1Co 1.22-24).

    A terceira nfase do apstolo focaliza a prpria natureza da mensagem. Chama ateno para um paradoxo. Aquilo que os ho-mens procuram no fornece resposta, enquanto aquilo que des-prezado, sim, a tem.

    As tendncias dos dois grupos j foram bem conhecidas. Os judeus, lembrando os atos poderosos de Deus em seu passado, busca-vam sinais. Queriam, especialmente, que Jesus oferecesse ainda mais "provas" que foi o esperado Messias (cf. Mt 12.38-39; Mc 8.11; Lc 11.16; Jo 6.30).

  • Contextualizaco e a mensagem da cruz - 1 Corntios 1 18-25 51

    Deus, o nosso Criador soberano , obviamente, perfeitamente capaz de produzir sinais quando quer. Mas, dificilmente o faz quando ns, motivados por incredulidade, queremos.

    A situao lembra a afirmao do primeiro cosmonauta russo, Iuri Gagarin. Depois de descer com sua nave logo avisou: "Dei vrias voltas ao mundo e olhei por todo lugar, mas no vi Deus". Tal afirma-o revela mais a linha poltica do pas do que algo sobre a natureza de Deus. Como algum tambm observou, apenas bastava para Iuri abrir a porta da sua nave enquanto circulava a Terra e tirar o seu fardo espacial. A teria visto a Deus!

    Os gregos, de modo semelhante, foram conhecidos por sua busca por inteligncia. Sculos antes, o filsofo Herdoto observou: "Todos os gregos so zelosos por todo tipo de aprendizagem".

    O problema que as lies que Deus ensina so, vrias vezes, para-doxos. Para o incrdulo, parecem loucuras. Quem, afinal, pode explicar a Trindade? Ou como Jesus pode ser 100% Deus e 100% homem? Ou por que algum recebe vida atravs da morte de outra pessoa?

    A mensagem de Deus aparenta fraqueza e loucura, mas, na ver-dade, oferece poder e sabedoria. Muitas vezes, quando algum bati-zado, percebe-se que est com muito medo de passar por baixo da gua. Se o pastor no se cuidar, capaz da pessoa agarrar-se nele e puxar os dois para baixo. O conselho que o batizante precisa o mesmo que se d para uma pessoa prestes a ser socorrida de afogamento: "Pare de mexer e descanse". Seu crebro grita: "Segure bem!", mas se ele agarrar no pescoo do socorrista na agua, capaz de mat-lo e se perder tam-bm. Parece uma mensagem ilgica, at paradoxal, mas, na verdade, representa tanto sabedoria como poder. Da mesma forma, o cristo pre-cisa confiar apenas em Deus quando quer nos socorrer. E paradoxo.

    O resultado da mensagem

    Porque o absurdo de Deus mais lgico que os homens, e dfiaqueza de Deus

    mais forte que os homens (1Co 1.25).

    Alm da origem, destino e natureza da mensagem, Paulo enfatiza seu resultado. Resumindo, dar glria a Deus. Por causa da sua origem

  • 52 Razes bblicas e teolgicas da contextualizao missionria

    em Deus, por causa dos ouvintes que no contribuem nada, apenas

    creem; por causa da natureza paradoxal da mensagem, o resultado gloria para Deus. A concluso deve ser que Deus mais forte e mais sbio que qualquer homem ou outra resposta (deus) que o homem pode procurar. Deus maior e melhor mais glorioso!

    Concluso

    Em vista dessa mensagem, h pelo menos duas implicaes para a contextualizao, especialmente pensando no seu aspecto verbal.

    1. Seja qual for o grau de contextualizao, improvvel que a mensagem alcance todos em uma audincia grande. A mensa-gem de Deus, quando apresentada fielmente, continua sendo escndalo (pois contraria o ego humano), ou loucura (pois con-traria a lgica) para alguns.

    A contextualizao pode ajudar a compreenso. Mas deve-se ques-tionar se o objetivo das adaptaes a compreenso ou a aceitao. E claro que o missionrio deseja uma aceitao ampla da mensagem. Quando no h, pode cair na tentao de arriscar uma contextualizao

    cada vez mais radical. Mas os resultados procedem de Deus. Cabe ao

    missionrio manter-se fiel fazer de tudo para ganhar todos menos alterar a essncia de sua mensagem. Ele, da mesma forma que

    seu ouvinte, precisa confiar que Deus, e unicamente Deus, pode rea-lizar a obra.

    2. David Hesselgrave (A Comunicao Transcultural do Evange-lho, vol. 1, p. 129) identifica a "seleo da mensagem" como segundo passo de contextualizao. O missionrio no pode

    falar tudo de uma vez s. Precisa priorizar alguns elementos

    da mensagem para transmitir em primeiro lugar, em segundo lugar e assim por diante.

    Pode ser necessria alguma forma de pr-evangelismo para alcanar o primeiro objetivo identificado por Hesselgrave, isto , a "definio de

    termos". Mas o pr-evangelismo no deve permitir ao missionrio tirar os seus olhos do objetivo principal: a mensagem da cruz. Paulo gloriou-se no fato de que sempre pregava a mensagem da cruz (1Co 1.17).

  • Contextualizao e a mensagem da cruz - 1Codutios 1 18-25 .. 53

    A crucificao foi um modo de os romanos da antiguidade punir

    seus criminosos. Mesmo que no seja usado muito hoje em dia, no difcil imaginar o que acontece quando algum fica pendurado l.

    Tambm no difcil imaginar a dor de um pai ou de uma me

    quando v seu filho nico sofrer. Da mesma forma, o pleno significado do sistema sacrificial ju-

    daico pode ser incompreensvel para a maioria hoje. Mas no existe uma sociedade sem noes de justia e perdo.

    A mensagem da cruz inclui as boas novas sobre a ressurreio.

    Em nossos dias pode haver, como Paulo encontrou em Atenas, pessoas que questionam a possibilidade de vida aps a morte. Mas dificilmente as mesmas pessoas e outras mais no tm alguma dvida sobre o que

    acontece ento.

    A mensagem da cruz apresenta respostas certas para cada uma dessas questes, respostas de Deus. Ela uma mensagem paradoxal,

    sim. Vida que procede de morte, e esperana de uma impossibilidade. Parece f