Constantina ensina o caminho do desenvolvimento rural...

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Informativo do Camp Ano 4 setembro de 2006 número 11 desenvolvimento local Constantina ensina o caminho do desenvolvimento rural sustentável A cena clássica é assim: um pequeno agricultor familiar vende por baixo preço sua produção – um porco, por exemplo – ao gran- de frigorífico, que vai abater o animal, processar sua carne e revender aquele produto ao mercado com alta agregação de valor e lucro, no formato de lingüi- ça ou queijo de porco. Agora, ima- gine a seguinte cena: o pequeno produtor rural adquire uma carca- ça certificada de suíno de um grande abatedouro e, em sua agroindústria familiar, transforma aquela carne em salame, lingüiça e outros embutidos. Não lhe falta mercado, e quem recebe uma renda maior com o valor agregado são os próprios agricultores. O melhor é que esta inversão de cenário não é apenas uma ilusão. Ele já faz parte do dia-a- dia de centenas de agricultores familiares do município de Cons- tantina, na chamada Região da Produção, no Norte do Estado. “Este é só um tipo de mudança das muitas que vêm revolucionando a vida dos pequenos produtores rurais de lá”, atesta o economista Lovois de Andrade Miguel, do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Ele sabe do que está falando - o PGDR vem acompanhando de perto o que já está sendo conhecido como o “case” Constantina – um pequeno município com 11.177 habitantes, a 365 quilômetros de Porto Alegre. Afinal, este município de pequenos agricultores, na maioria de origem italiana, transformou-se hoje num dos principais referenciais da região Sul do Brasil em desenvolvimento local sus- tentável. Página central Página central Página central Página central Página central Financiando o desenvolvimento socioeconômico popular Implementar políticas que trans- cendam ações substantivamente assistências apresenta-se, na atual conjuntura, como um grande desafio aos gestores públicos e da sociedade civil. Páginas 10 e 11 Denúncias derrubam licitação do lixo Derrubada por uma onda de denúncias que arrastou também a direção do DMLU, a licitação do lixo em Porto Alegre ainda vai demorar para ser refeita. A polícia e o TCE continuam investigando as suspeitas de fraude e poderá sair uma CPI na Câmara de Vereadores. Enquanto isto, catadores e galpões de recicla- gem se ressentem da falta de reconhecimento da importância de seu trabalho. Página 3 Deserto verde: a monocultura do eucalipto produzindo miséria A implantação de florestas de eucalipto na Metade Sul do Rio Grande do Sul foi condenada por especialistas das áreas da economia, meio ambiente, justiça e por representantes de movi- mentos sociais no seminário “Deserto verde: os impactos da monocultura do eucalipto para os povos”. Página 9 Desafios e propostas para o novo governador gaúcho Ao sentar-se na cadeira estofada de seu gabinete, no andar superior do Palácio Piratini, o próximo governador sabe que terá sobre sua mesa, junto com o cargo, um pesadíssimo pacote de problemas. Páginas 4 e 5

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Constantina ensina o caminho dodesenvolvimento rural sustentável

A cena clássica é assim: umpequeno agricultor familiar vendepor baixo preço sua produção –um porco, por exemplo – ao gran-de frigorífico, que vai abater oanimal, processar sua carne erevender aquele produto aomercado com alta agregação devalor e lucro, no formato de lingüi-ça ou queijo de porco. Agora, ima-gine a seguinte cena: o pequenoprodutor rural adquire uma carca-ça certificada de suíno de umgrande abatedouro e, em suaagroindústria familiar, transformaaquela carne em salame, lingüiçae outros embutidos. Não lhe falta

mercado, e quem recebe umarenda maior com o valor agregadosão os próprios agricultores.

O melhor é que esta inversãode cenário não é apenas umailusão. Ele já faz parte do dia-a-dia de centenas de agricultoresfamiliares do município de Cons-tantina, na chamada Região daProdução, no Norte do Estado.“Este é só um tipo de mudança dasmuitas que vêm revolucionando avida dos pequenos produtoresrurais de lá”, atesta o economistaLovois de Andrade Miguel, doPrograma de Pós-Graduação emDesenvolvimento Rural (PGDR) da

Universidade Federal do RioGrande do Sul (Ufrgs). Ele sabedo que está falando - o PGDRvem acompanhando de pertoo que já está sendo conhecidocomo o “case” Constantina –um pequeno município com11.177 habitantes, a 365quilômetros de Porto Alegre.Afinal, este município depequenos agricultores, namaioria de origem italiana,transformou-se hoje num dosprincipais referenciais daregião Sul do Brasil emdesenvolvimento local sus-tentável. Página centralPágina centralPágina centralPágina centralPágina central

Financiando odesenvolvimentosocioeconômicopopularImplementar políticas que trans-cendam ações substantivamenteassistências apresenta-se, na atualconjuntura, como um grande desafioaos gestores públicos e dasociedade civil. Páginas 10 e 11

Denúncias derrubamlicitação do lixoDerrubada por uma onda dedenúncias que arrastou tambéma direção do DMLU, a licitação dolixo em Porto Alegre ainda vaidemorar para ser refeita. A políciae o TCE continuam investigandoas suspeitas de fraude e poderásair uma CPI na Câmara deVereadores. Enquanto isto,catadores e galpões de recicla-gem se ressentem da falta dereconhecimento da importância deseu trabalho. Página 3

Deserto verde: amonocultura doeucalipto produzindomisériaA implantação de florestas deeucalipto na Metade Sul do RioGrande do Sul foi condenada porespecialistas das áreas daeconomia, meio ambiente, justiçae por representantes de movi-mentos sociais no seminário“Deserto verde: os impactos damonocultura do eucalipto para ospovos”. Página 9

Desafios e propostaspara o novogovernador gaúchoAo sentar-se na cadeira estofadade seu gabinete, no andar superiordo Palácio Piratini, o próximogovernador sabe que terá sobresua mesa, junto com o cargo, umpesadíssimo pacote de problemas.Páginas 4 e 5

a palavra as notas

Educação Popular eMovimentos Sociais

Nos dias 29 e 30 de Agosto, o CEAAL (Conselhode Educação de Adultos da América Latina) reuniuem São Paulo 40 educadores populares do Brasil,Chile, Argentina, Paraguai e México para fazerreflexões sobre as formas de organização dosmovimentos sociais e os desafios para a educaçãopopular. Como preparação para esse debate, nodia 28, o CAMP reuniu 12 educadores envolvidosem diferentes projetos e entidades parceiras daRegião Metropolitana.

Dentre tantas questões levantadas nesses trêsdias, destacamos a reflexão sobre a diversificaçãodos movimentos sociais organizados emobilizados em diversos países do nossocontinente: crianças e adolescentes, mulheres,negros, índios, gays e lésbicas, sem terra,desempregados, agricultor familiar, meio ambiente,etc. À primeira vista, essa diversidade pode parecerfragmentação. Porém a idéia de fragmentação trazconsigo a idéia de que estamos esperando poruma transformação social que seja encabeçadapor um sujeito coletivo.

Quando lutamos na América Latina contra asditaduras militares, tivemos a impressão de que atransformação viria de um só golpe encabeçadopela cúpula dirigente dos movimentos ou de umpartido. Porém, na luta contra o autoritarismo,percebemos a necessidade de transformação nãosó do sistema, mas também das ações e dasvisões de mundo dos movimentos sociais e suaslideranças. A partir dessa perspectiva, podemosperceber a diversificação dos movimentos comoum avanço na construção de novas práticassociais que transformam cotidianamente asrelações sociais e incidem no processo dedemocratização da sociedade.

Filiado à Associação Brasileira de OrganizaçõesNão Governamentais e Associación Latinoamericanade Organizaciones de Promoción

Vento SulVento SulVento SulVento SulVento Sul é uma publicação bimestral do CampCentro de Assessoria Multiprofissional - Setembro de 2006 - nº 11Jornalista Responsável: Guaracy Cunha - Reg.Mtb/RS 4140Repórteres: José Antônio Silva e Délia Por toDiagramação: Agência de ArteFotos: Ana Arigoni, arquivo Casanova e arquivo CampTiragem: 2 mil exemplaresEndereço: Praça Parobé, 130, 9º andar - CentroCep: 90030-170 - Porto Alegre - RS - BrasilFone/fax: (51) [email protected] - www.camp.org.br

Direção do CampDireção do CampDireção do CampDireção do CampDireção do CampPresidente: Lauro Wagner MagnanoVice-presidente: Domingos ArmaniSecretária: Luciane SchommerTesoureiro: Celso Stefanoski

C o o r d e n a ç ã oC o o r d e n a ç ã oC o o r d e n a ç ã oC o o r d e n a ç ã oC o o r d e n a ç ã oMauri CruzHelena Bins ElyJosé Inácio KonzenGuaracy Cunha

Educadores PopularesEducadores PopularesEducadores PopularesEducadores PopularesEducadores PopularesLeonardo Toss, Márcia Falcão,Daniela Zílio, Rosimar Matos, BeatrizHellwig e João Maurício Farias

Equipe de ProjetosEquipe de ProjetosEquipe de ProjetosEquipe de ProjetosEquipe de ProjetosLuíza Schafer e Suzana Guatimozin

Consciente do seu papel – contrapor ainformação, o debate de idéias e projetos,aos tradicionais meios de comunicação demassa – onde sempre o proprietário ou seusprepostos decretam o controle político doprocesso da produção da noticia, usandoa máscara marota da tal imparcialidade quese transforma numa implacável opiniãomonolítica – Vento Sul está mudando seuformato. Maior e com mais páginas para umaproveitamento melhor das matérias eartigos mas mantendo o espaço parainformar a sociedade sobre os maisdiferentes e importantes temas que hoje ounão fazem mais parte da cobertura diáriada mídia e, quando entra,sai sempre com oconteúdo negativo ou distorcido quasesempre contra o povo brasileiro.

Nessa edição apresentamos um retratoda pequena cidade de Constantina onde asolidariedade garante o desenvolvimento.Uma solução que apareceu na contramãodas formulas tradicionais, ditadas pelomercado global. Uma pequena cidade quenão depende de uma grande indústria massim de uma receita bem caseira:desenvolvimento local.

Continuamos a debater os desafios e aspropostas para o Rio Grande do Sul poissabemos que o próximo governador eleitoterá sobre sua mesa um pesadíssimo pacotede problemas. Um certamente será o dacrise das finanças públicas e o outro é o daprópria economia do Rio Grande que hojevem ficando para trás em relação aosdemais estados brasileiros.

Mais informações sobre a megalicitaçãodo lixo em Porto Alegre, que deveriacontratar serviços no valor de R$ 305 milhõesao longo de cinco anos mas que foiderrubada no começo de agosto pordenúncias de graves irregularidades noprocesso, constatadas pela polícia ereconhecida pela Justiça e pelo Tribunal deContas do Estado.

Dois artigos que tratam da necessidadede implementar políticas que transcendamações substantivamente assistências doGoverno Lula - um grande desafio aosgestores públicos e sociedade civil.

Vento Sul vai continuar debatendo o queé e o que não é importante para os que nãotêm voz, denunciando as injustiças,elogiando o que tem de bom e lutando paramudar o que está errado mostrando arealidade para que as pessoas tenhamelementos capazes de transformar estamesma realidade e, reagir diante dela, sequiserem. Um espaço onde as pessoaspossam declarar quem são, o que quereme o que pensam.

Para isso o CAMP luta há 23 anos.

Não obstante, observamos a necessidade de osmovimentos sociais estabelecerem maior diálogoentre si e construírem coletivamente leituras domomento atual, dos processos históricos que oconstituíram e das perspectivas de futuro. Queapontem para as transformações possíveis enecessárias, garantindo que haja unidade nospropósitos de transformação social, apesar dadiversidade nas prioridades próprias de cadamovimento. E a educação popular é um instrumentofundamental nesse processo de construçãocoletiva.

Apoio AdministrativoApoio AdministrativoApoio AdministrativoApoio AdministrativoApoio AdministrativoJorge LeónAna ArigoniSofia de Castro SoutoVanessa Rauter

V o l u n t á r i o sV o l u n t á r i o sV o l u n t á r i o sV o l u n t á r i o sV o l u n t á r i o sCarmen PetryCindy Oilet

Encontro avalia segundomódulo do Consórcio daJuventude

Ao final de cinco meses de curso, um “Encontrão”reuniu durante um dia inteiro, 26 de agosto, no CentroSocial do Murialdo, alunos das 14 turmas com asquais o Camp trabalhou o temas da OrganizaçãoSustentável do Trabalho (OST), no programaConsórcio Social da Juventude, do governo federal.A idéia do encontro, segundo Márcia Ivana Falcão,coordenadora pedagógica, foi possibilitar que osalunos trocassem experiências sobre o queacabavam de viver e apresentar uns aos outros osresultados dessa vivência recente.

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a cidade

A megalicitação do lixo em Porto Alegre,que deveria contratar serviços no valor deR$ 305 milhões ao longo de cinco anos, foiderrubada no começo de agosto pordenúncias de graves irregularidades noprocesso, constatadas pela polícia ereconhecidas pela Justiça e pelo Tribunalde Contas do Estado. Desde lá, a prefeituravem reunindo um Grupo de Trabalho coma incumbência de equacionar a questãono lixo na cidade e refazer a licitação, mas,depois de um mês de reuniões, nada tinhasido decidido, nem havia previsão de datapara nova licitação. “Não estamostrabalhando com prazos”, disse RobertoBertoncini, da Secretaria Municipal daFazenda, coordenador do núcleo formadopor representantes do DepartamentoMunicipal de Limpeza Urbana (DMLU),Secretaria Municipal do Meio Ambiente, daGovernança Local e da Procuradoria-Geraldo Município. Segundo ele, o trabalho dogrupo é dimensionar e mapear o sistemalixo da capital. As licitações serão realizadaspela Central de Licitações (Celic), ligada àSecretaria Municipal da Fazenda.

O que o Grupo de Trabalho tem atéagora, além da idéia já apresentada deimplantação do projeto piloto (inicialmente,em alguns bairros) de um sistema de con-têineres para o recolhimento do lixo domici-liar, são diretrizes gerais para a renovaçãodo serviço. Uma delas é que as contrata-ções sejam desmembradas em diversaslicitações – ao contrário do concurso cancel-ado, que previa a concentração em apenasdois contratos com empresa ou consórciode empresas. Outra recomendação, se-gundo Bertoncini, é que se leve em conta àparticipação das pessoas que hoje traba-

lham com o lixo reciclável, mas o gruponão definira nada até o final de agosto.

Enquanto o poder público move-sevagarosamente nesse terreno, a sociedadecivil fica excluída da discussão de um dosproblemas mais sérios da administraçãodas cidades que é o recolhimento e adestinação do lixo. “O desafio é comoengajar o conjunto da sociedade nesseprojeto e promover sua interação com ogoverno”, diz Pedro Figueiredo, integranteda ong Profetas da Ecologia, entidadecriada nos anos 90 por frei Antônio Cecchinpara organizar e promover os catadoresde lixo. “Se existem catadores, a responsa-bilidade é da sociedade”, afirma ele, queacha importante colaborar com o poderpúblico na formação de políticas paracarrinheiros trabalhando uniformizados ecalçados, com espaço para destinar o lixoque recolhem, creche para os filhos e prote-ção social.

Para Leonardo Toss, educador doCamp e representante no Fórum MunicipalLixo e Cidadania, não se pode eximir opoder público da responsabilidade de darsolução ao problema. “Há muitos atoresno campo dos resíduos, mas o papelprincipal é do gestor público”, diz Toss,ressaltando também que os catadores têmque ter seu papel reconhecido. “O poderpúblico tem que envolvê-los no sistema,criando condições para que trabalhem deforma confortável e segura”. As políticaspúblicas deveriam dar conta também deproteger esses cidadãos, que são maisfrágeis e dependentes, e que podem serfacilmente usados, até pelo crime. “O nó éinvestir em educação e organização doscatadores”, afirma Toss.

Denúncias derrubam licitaçãodo lixo. Nova concorrênciaainda vai demorar

Polícia vai a São Paulo ouvirimplicados na fraude

Uma agenda e documentosapreendidos pela delegada PatríciaSanchotene Pacheco, da DelegaciaFazendária da Polícia Civil, materializarama suspeita de irregularidades napreparação da licitação do lixo pelo DMLU.Com essa descoberta, a polícia revelouque uma das empresas concorrentespagou as despesas de hospedagem emPorto Alegre de um consultor contratadopela Profill Engenharia e Ambiente, por suavez contratada pela prefeitura para aelaboração do termo de referência dalicitação. “Continuamos investigando aexistência de fraude”, disse a delegada,que em meados de setembro irá a SãoPaulo ouvir o consultor Fábio Pierdomenicoe também representantes da Cavo,empresa ligada ao grupo Camargo Corrêae que teria bancado as despesas.Segundo as investigações, esse consultorteria começado a trabalhar em PortoAlegre, em contato com o DMLU, antesainda de a empresa ser contratada.

A suspensão da licitação foi anunciadapelo próprio DMLU no dia 23 de julho, umdomingo, correndo na frente de umadecisão judicial que seria dada umasemana depois. Dois dias antes, na sexta-feira, dia 21, o vereador Carlos Todeschini,do PT, entrou na 5ª Vara da Fazenda Públicacom uma Ação Popular contra o municípiode Porto Alegre, pedindo a suspensão dalicitação. “Do jeito que estava sendo feita, aconcorrência é uma falcatrua semprecedentes contra a cidadania”, protestouo vereador, apontando principalmente oaumento dos valores previstos para coletae transporte do lixo (de R$ 53,00 para R$71,00 por tonelada) e a súbita redução emmais de R$ 100 milhões no valor global dalicitação, anunciado logo depois deconhecidas as irregularidades.

O juiz Pedro Luiz Pozza acolheu a açãono mesmo dia e uma semana mais tardedeterminou a suspensão imediata da

concorrência pública e a retomada doprocesso “desde seu início, com aberturade prazo para a apresentação depropostas”. Uma das observações domagistrado foi que as condições do editaltinham critérios subjetivos que restringiama participação de um número maior deconcorrentes. No começo de agosto, todaa direção do DMLU se demitiu. O diretor,Garipô Selistre da Silva, foi substituído porMário Moncks, coronel da reserva daBrigada Militar.

Com base na decisão do juiz e nasinvestigações do TCE e da polícia,Todeschini pediu a abertura de uma CPIna Câmara de Vereadores para apuraçãodas “irregularidades cometidas pelosagentes públicos que atuaram naconcorrência”. No pedido, ele alegoutambém que as empresas Cavo e Vega,ambas participantes da concorrência,foram contribuintes da campanha eleitoraldo prefeito José Fogaça. Todeschiniobteve os 12 votos necessários àaprovação do pedido, mas duasvereadoras – Maristela Meneghetti, do PFL,e Neuza Canabarro, do PDT – retiraramseus nomes, inviabilizando a abertura dainvestigação. “Eu não desisti”, afirmouTodeschini. “Tenho prazo e vou obter osvotos necessários”.

A licitação vinha sendo investigadadesde maio pela força-tarefa formada pelaPolícia Civil e Ministério Público Especial doTribunal de Contas do Estado. Oprocurador-geral substituto do TCE,Geraldo da Camino, afirmou à imprensa,na época, que o processo “está repleto demistérios”. Um dos mistérios, segundo ele,era o crescimento do valor dos serviçosde coleta e destinação do lixo, semjustificativas. “Em tempos de contenção dedespesas, é de se supor que fosserealizada uma modificação que tornassemais barata a coleta de lixo”, disse oprocurador aos jornais.

Encontro reuniu mais de 400 pessoas de 140 empreendimentos do estado

Desafios e propostas parao novo governador gaúcho

Produção solidária

Ao sentar-se na cadeira estofada deseu gabinete, no andar superior doPalácio Piratini, o próximo governadorsabe que terá sobre sua mesa, junto como cargo, um pesadíssimo pacote deproblemas. “Dois tipos de problemas”,enumera o economista José AntonioFialho Alonso, da Fundação de Economiae Estatística (FEE) do Estado. “Um é oda crise das finanças públicas, queincidem diretamente sobre as ações dogoverno. E o outro é o da própriaeconomia do Rio Grande do Sul, que hojevem ficando para trás em relação aosdemais estados brasileiros”.

Sobre o embrulho das finanças es-taduais, Alonso lembra que há cerca de30 anos o Estado vem convivendo comum déficit fiscal, cuja solução não podemais ser postergada. “Uma solução defi-nitiva só é possível a longo prazo”, acre-dita ele. “Antes de dois ou três anos nãose colherão resultados mais signifi-cativos”. E outra: embora imprescindível,reduzir o déficit nas contas não resolve adívida de longo prazo do Rio Grande ouo problema dos inativos, por exemplo.

Um dos mais respeitados economis-tas do Estado, Alonso sugere medidasque podem encaminhar soluções paraalguns dos problemas. “Na questão dosinativos (aposentados) é quase impossí-vel mexer com seus direitos adquiridos,mas talvez se possa criar um fundo previ-denciário para os novos funcionários –um resultado para 25 ou 30 anos”. E éfundamental que estes recursos nãosejam misturados ao dinheiro do Tesouro,para que se chegue a uma soluçãoconsistente.

Dívida com a União - A respeitoda dívida com a União, Alonso consideraa prestação de 18% da receita tributárialíquida alta demais, retirando a capacida-de de ação governamental no Estado.“Acho que o próximo governador já noano que vem deve começar uma renego-ciação desse contrato, que é de 30 anos.Já se passaram oito anos deste prazo,e acho que até começar a vigorar umnovo acerto, teríamos mais uns dois anos,ficando faltando ainda uns 20. Nestasituação, o ideal seria ampliarmos oprazo, repactuar os indexadores e rene-gociar de modo a pagar à União nãomais que 8 a 10% da receita tributárialíquida”, diz.

Neste novo cenário, o Estado ganhariaum gás maior para investir. Mas Alonsoalerta: “Estes recursos têm que sercondicionados para fins específicos,

como saúde, infra-estrutura, redeeducacional”. Aqui, aliás, o economistada FEE faz um parêntese: “Osgovernantes precisam se convencer queinvestir em educação é fator fundamentalpara o desenvolvimento”, acentua. “Estapara mim deve ser uma cruzadapermanente das administraçõespúblicas”.

Outras medidas que ele sugere parao enfrentamento da crise das finançaspúblicas passam por melhorias naqualidade do gasto, como aracionalização da gestão e a nãoreposição integral do número defuncionários estaduais que seaposentam; o estabelecimento de tetossalariais (“mesmo que o governo tenhaque forçar uma queda de braço com oJudiciário”, lembra Alonso); repensar autilização do Fundopen, redirecionando

economista mostra que é hora dogoverno intervir: “Seca sempre houve nonosso estado. Mas este problema podeser amenizado com planejamento do usodos recursos hídricos, de maneira maisracional, pois há um uso excessivo daágua em algumas lavouras, como a doarroz”. Para Alonso, o próximo governofaria bem ao investir pesadamente nadefesa dos mananciais e em um grandeplano de irrigação. “Este hoje é umproblema mundial, e nós ainda nãocomeçamos a enfrentá-lo de maneiraconcreta”, critica.

Sobre as dificuldades trazidas pelataxa cambial, com a elevação do valordo real e conseqüente perda decompetitividade nas exportações,novamente Alonso recorda que outrosestados exportadores também sãoafetados por este fator, sem terem

um programa de diversificação, para nãodepender tanto de commodities comosoja ou arroz”, afirma. “A região daCampanha nunca havia tido fruticultura,mas hoje Bagé e Livramento são regiõesvitivinícolas. É um processo lento, masque já está dando ótimos frutos, com ainjeção de investimentos e tecnologia daFrança, da Itália e, daqui mesmo, da SerraGaúcha”.

Nesta mesma linha, o estudiosoreforça a necessidade de maioresaportes de investimentos e tecnologiapara a agricultura familiar, objetivandoagregar valor aos seus produtos (afinal,pesquisa em andamento pela USP, apedido do Ministério DesenvolvimentoAgrária, já mostrou que a agriculturafamiliar é responsável por 27% do PIBdo Rio Grande, contra 23% da agriculturapatronal). Na opinião do economista daFEE, este fortalecimento, que gera umdesenvolvimento mais espalhado emelhor renda aos pequenos agricultores,não deve ser relegado à dinâmica domercado, e sim receber aporte dosgovernos.

os investimentos, e ainda lutar contra aguerra fiscal. E assim como o GovernoOlívio Dutra tentou durante sua gestão,ele acredita que hoje em dia hámaturidade política para que ogovernador eleito em primeiro de outubropossa aprovar uma nova matriz tributáriano Estado.

Economia do Rio Grande - - - - - “Hámuita choradeira dos grandesprodutores com a estiagem”, diz JoséAntonio Alonso, com ironia. Ele reconheceas perdas trazidas ao Rio Grande doSul com as estiagens de 2003-2004 e2004-2005. “Mas não é só no Rio Grandeque existe seca e mesmo assim osoutros estados tiveram melhordesempenho, como o Mato Grosso ou oParaná, por exemplo”. Com isso, o

apresentado resultados tão negativoscomo a economia gaúcha. “O Rio Grandedo Sul tem vantagens, como umaestrutura econômica diversificada, enossa indústria de transformação só émenor do que a de São Paulo”, compara.“O que precisamos hoje é estímulo àindústria. As pequenas e médiasempresas, por exemplo, nunca tiveramuma política constante e bem calibrada,com disponibilização de tecnologia, coma organização de feiras e outras formasde incentivo”, opina.

Ele mostra-se favorável aofortalecimento das vocações econômicastradicionais das regiões – como móveis e calçados, Porém, acredita que é horade buscar novas vocações. “Aagricultura é um setor que precisa de

Revitalização urbana – Por último,José Antonio Alonso recomenda que opróximo governo do Rio Grande do Sulcrie um programa de revitalizaçãourbana. “As cidades são os locais ondeexiste o maior acúmulo das riquezas quea sociedade pode gerar – material,cultural, artística, social, tecnológica ecientificamente”, diz. Melhorar aqualidade das cidades gaúchas éprincipalmente tarefa dos prefeitos, masele lembra que até o dia 31 de outubro oEstatuto das Cidades, com status de leifederal, obriga todos os municípios commais de 20 mil habitantes a ter seu planodiretor.

“Temos um trunfo no Rio Grande doSul em relação a outros estados, poisnossa rede de cidades é bem distribuída

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os desafios

pelo território. Pólos regionais comqualificação e universidades também têmretido populações que antes vinham paraa Região Metropolitana, sobrecarregan-do os serviços urbanos e reduzindo aqualidade de vida. As cidades represen-tam um outro aspecto do desenvolvi-mento econômico”, aponta. “É precisoter um ambiente atrativo para investimen-tos e para pessoal qualificado, o que geraum crescimento saudável”. Ele reforça,como um professor que sabe a lição prin-cipal a ser assimilada pela turma: “Esta éuma tarefa dos governos - não se devedeixar tudo por conta do mercado”.

Trabalhadores sem trabalho –O mercado, de fato, não tem dado contados desafios que o Rio Grande enfrenta.O economista Ricardo Franzói, super-visor-regional do Departamento Intersin-dical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (DIEESE-RS), exemplifica acrise de crescimento do Estado com umcomparativo. “Historicamente, a taxa dedesemprego da Região Metropolitana dePorto Alegre era a menor entre outrascinco com características similares – SãoPaulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife eDistrito Federal. Desde 2005, porém,fomos superados por Belo Horizonte”.

Nosso estado também perdeu paraMinas Gerais o posto de segundo estadocom maior nível de exportação. A partirde junho último nossas vendas paraoutros países ficaram em 9,08% do totalexportado pelo Brasil, enquanto Minasfirmou-se na vice-liderança, com 12,48%,abaixo apenas de São Paulo, com nadamenos que 35,51%. “O desempenho daeconomia do Rio Grande do Sul estásofrível”, diagnostica Franzói. “Háproblemas conjunturais como a seca,que todos apontam, e também umproblema fiscal”.

Segundo ele, o governo de GermanoRigotto comprometeu-se com umapolítica de benefícios para grandesempresas. “Ele continua apostandonisso, mais uma vez voltando-se para omercado exportador, como é o casodestas corporações que chegam comvantagens fiscais, como a Nestlé ou asgrandes reflorestadoras na Metade Sul”.Para Franzói, esta ênfase – além de sofreros riscos da conjuntura internacional edos problemas cambiais – do ponto devista dos trabalhadores não trazgrandes vantagens.

“Os empregos a serem gerados comas reflorestadoras são poucos, compa-rativamente a outras possibilidades, ede baixa qualidade, com salários insu-ficientes”. Em sua análise, a iniciativa po-de gerar ainda maior êxodo rural – a par-tir da concentração de imensas exten-sões de terras nas mãos de poucasempresas -, novo inchaço na periferia

das cidades maiores e problemas desustentação ambiental em toda a MetadeSul.

O fato é que a renda per capita no RioGrande do Sul está estagnada, afirma oeconomista do DIEESE. “O piso regionalé superior ao salário mínimo nacional, masnão há política do governo estadual nosentido de valorizá-lo ou fazer com queas empresas o utilizem (ele só é obrigató-rio nos casos em que não há acordo cole-tivo)”, diz. “Esta seria uma maneira deaumentar a divisão de renda, como foifeito durante o governo Olívio”, recorda.

Distribuição de renda - Elelamenta que o Rio Grande do Sul nãotenha mantido ou ampliado uma políticavoltada à distribuição de renda e melhoriasalarial. O piso salarial instituído em 2001,logo após iniciativa semelhante do Riode Janeiro, era o mais alto do País.Enquanto o mínimo nacional era de R$180,00, o gaúcho situava-se entreR$230,00 e R$ 250,00, numa divisão emquatro faixas.

“É muito importante criar uma políticade qualificação da mão-de-obra, parasetores estratégicos do Rio Grande,como a indústria moveleira, calçados,vinho, alimentação, vestuário”, pregaFranzói, lembrando que isso gera melhorremuneração dos trabalhadores eprodutos mais valorizados para aempresa.

“Em 2004, quando fez um invernorigoroso, a indústria de confecçãoprecisou aumentar sua produção e foiprocurar costureiras”, cita ele. “E foiquase impossível preencher as vagasque se abriram, pois muita gente nãotinha a qualificação necessária e as maiscategorizadas ou já estavam em-pregadas ou criaram cooperativas eoutras formas de sobrevivência, paranão dependerem de um empregoinstável. Este foi um caso clássico defalta de qualificação de mão-de-obra, porum lado, e de falta de planejamento daindústria, de outro”.

Setores tradicionais - Além daquestão salarial, Ricardo Franzóirecomenda para o próximo governo oreforço em setores tradicionais daeconomia gaúcha, como as pequenas emédias empresas e as agroindústriasfamiliares, com cadeias produtivasvoltadas principalmente para o mercadointerno. “Estas indústrias, ao crescerem,geram mais empregos no local eincentivam novos serviços e forne-cedores na região, ao contrário do queacontece numa indústria como aautomobilística, por exemplo, em quecada fabricante ou fornecedor pode ficarnum estado ou país diferente”, esclarece.

Em última análise, tanto o economistado DIEESE e quanto o da Fundação de

Economia e Estatística, concordam:“Toda e qualquer iniciativa para odesenvolvimento do Rio Grande tem queter como centro a questão da inclusãosocial”, reforça José Antonio Alonso. “Nãobasta gerar empregos. É preciso gerar

bons empregos e que também opequeno produtor rural e o pequenoempreendedor possam aumentar seurendimento. Esta é à base de umdesenvolvimento realmente harmônicopara nosso Estado”, diz Franzói.

Um outro Rio Grande épossível e necessário

Também a Coordenação dosMovimentos Sociais (CMS) e a CentralÚnica dos Trabalhadores (CUT-RS)elaboraram um projeto que pode ajudaro próximo governo gaúcho na definiçãode uma agenda mínima derecuperação do Estado, a partir doponto de vista dos trabalhadores. Aplataforma de ação – com o título “Umoutro Rio Grande é possível enecessário” - foi lançada no último dia22 de agosto, na sede da CUT emPorto Alegre, e reuniu centenas derepresentantes de entidades, ong’s,estudantes, movimentos sociais,sindicatos e federações de traba-lhadores. Confira abaixo, de formaresumida, alguns de seus pontosprincipais:

1. For talecimento dasFinanças Públicas - Combate àrenúncia fiscal e o fim da guerra fiscal.Revisão dos benefícios fiscais já con-cedidos e combate sistemático àsonegação tributária.

2. Recuperação do papel doEstado como indutor do de-senvolvimento – A supressão ouredução do estado público, defendidae praticada pelas administraçõesneoliberais, visa privatizar o estado (...).A ação do estado deve voltar-se parao crescimento dos sistemas locais deprodução; apoiar pequenas e médiasempresas; fortalecer e qualificar aagricultura familiar; integrar o desen-volvimento regional com a elevaçãodos gastos públicos nas áreas sociais.

3. Geração de emprego,renda e valorização do salário– Priorizar os setores geradores deemprego, empregando instrumentosde política pública; redução da jornadade trabalho sem redução de salários;implementar política de valorização dosalário mínimo nacional como forma deintensificar a distribuição de renda nopaís, valorizando o conceito da CUTde “salário mínimo necessário”(...).

4. Agricultura – Incentivos àagricultura familiar, através de políticaspúblicas; realização de uma ampla emassiva reforma agrária, com apoiotécnico e financiamento à agroindústriacooperativada e à pequena pro-priedade.

5. Democratização dagestão do Estado com par ti-cipação popular – Através doorçamento participativo; da realizaçãode plebiscitos e referendos populares;e dos conselhos estadual e regionalde Desenvolvimento.

6. Qualificação e pro-fissionalização dos serviços eservidores públicos – Implan-tação de planos de carreira, comisonomia salarial; negociação coletivano serviço público; garantia deingresso por concurso público;fortalecimento do IPE-Saúde e deregime próprio de Previdência Socialcom gestão paritária entre estado eservidores.

7. Educação, saúde e segu-rança – Educação pública gratuita ede qualidade, com universalização doacesso (...); segurança tratada comopolítica pública, envolvendo todos ossegmentos sociais; políticas e açõesque recuperem a cultura da paz, comcombate à corrupção e violênciapolicial; combate à política de crimi-nalização dos movimentos sociaisvigente no governo Rigotto.

8. Reforma urbana – A pro-priedade tem que cumprir funçãosocial; implementação de Fundo eSistema Estadual de Moradia deInteresse Social; programasmassivos de habitação parafamílias com renda de até trêssalários mínimos; ação efetiva doEstado na implementação doEstatuto das Cidades; política deregularização fundiária; articulaçãodo Banrisul como agente financeirojunto com a Caixa Federal; desen-volvimento de alternativas tecno-lógicas na construção de cidadessocialmente justas, democráticase sustentáveis.

9. Políticas de Gênero –Construção de políticas públicas queenfrentem o preconceito e a dis-criminação.

10. Políticas Raciais – Que oestado do RS fortaleça políticas detransversalidade nos diversos se-tores do governo que trabalham comprogramas sociais, com ênfase napromoção da igualdade racial.

Jovens são capacitados

Laboratório de iniciativas -“Constantina está de cinco a dez anosna frente de outros municípios com perfilprodutivo semelhante”, garante Lovois.“Não é exagero considerar esta cidadeum laboratório de iniciativas solidárias”,diz. Tanto assim que o município daProdução foi um dos dez selecionadospelo PGDR para receber o Curso dePlanejamento e Gestão para oDesenvolvimento Rural, programa deensino à distância do Ministério daEducação. As aulas começam emmarço de 2007 e se estenderão por trêsanos. Os outros municípios gaúchosque receberão este ensino são TrêsPassos, Cruz Alta, Gravataí, SãoLourenço do Sul, Balneário Pinhal,Camargo, Arroio dos Ratos, SãoFrancisco de Paula e Santo Antonio daPatrulha.

O curso contempla exatamente agrande carência hoje percebida emConstantina – a falta de maior qua-lificação de técnicos e agricultores. “Atéagora eles trilharam o caminho dodesenvolvimento sustentável só com aspróprias pernas. Mas hoje a comu-nidade de Constantina reconhece queprecisa mais formação e capacitaçãopara manter e desenvolver o que jáconquis-taram”, completa Lovois.

Renda per capita - E o que con-quistaram não foi pouco. Esta terradobrada, não propícia à agriculturaextensiva e retalhada em 1.100pequenas propriedades de 12,5

hectares, em média, que em 2000 tinhauma renda per capita de R$ 4.414,00,em 2004 já registrava renda per capitade R$ 10.276,00 – um aumento de nadamenos que 132,8%. “Hoje temos 100%das crianças de seis a 14 anos naescola, todo o município é coberto peloPrograma Saúde da Família e 98% dascasas possuem água potável e energiaelétrica”, afirma com orgulho o prefeitoFrancisco Frizzo (PT). Técnico daEmater natural de Humaitá, estabelecidodesde 1990 em Constantina, Frizzocredita o invejável desempenho domunicípio a dois fatores principais:

“Um foi à conscientização dapopulação da necessidade de mudar amatriz produtiva, abandonando amonocultura e apostando na di-versidade, com a implantação de váriasagroindústrias e investimentos naatividade leiteira, na suinocultura,citricultura, viticultora e hortigranjeira”,diz ele. “Outro fator fundamental é aassistência técnica: temos seis técnicosna Secretaria da Agricultura, sempreatuando em parceria com a Emater. Oobjetivo sempre é obter o maior retornoeconômico por área de terra,preservando o meio ambiente e dandomelhor qualidade de vida às famílias”,informa o prefeito.

Força da parceria - Ele sintetizaa energia que vem mobilizandoConstantina com o slogan da Prefeitura– “A Força da Parceria”. Isso temfuncionando muito bem na prática:

Mas os bons índices de qualidadede vida e desenvolvimento do municípionão surgiram do nada. O diretor dePolíticas de Finanças e Gestão daFederação dos Trabalhadores daAgricultura Familiar da Região Sul(Fetraf-Sul), Vilson Alba, revela que esteprocesso teve um início bem definido.“Esta história teve seu começo nos anos80, quando a partir da Pastoral Ruralorganizamos uma oposição sindical. Eem 1985 finalmente conquistamos oSindicato dos Trabalhadores Rurais domunicípio, que até então era maisassistencialista”, relembra ele.

Eixos principais - Os jovens queassumiram a entidade, eles mesmosoriundos de famílias de pequenosagricultores, resolveram atuar em trêseixos principais. “Reforçamos oacompanhamento técnico dasatividades; investimos em projetos desaúde e, para complementar, passamosa atuar fortemente na defesa dosagricultores, com mobilizações embusca de crédito, melhores preços,numa linha mais combativa”.

Na área da produção, o Sindicatoajudou a formar 21 associações deagricultores nas diferentescomunidades. Deste debatem surgiu aCooperativa de Produtores Agro-pecuários de Constantina Ltda. – aCoopaac. “Esta cooperativa foi muitoimportante porque organizou o pessoal.Os produtores de leite, por exemplo,estavam ficando excluídos, porque aCCGL só recolhia de quem produzissemais de 50 litros por dia”, explica. Aprópria Coopaac passou a fazer orecolhimento, a partir de 1993,beneficiando os produtores menores.Um grande sucesso: hoje a Coopaactem marca própria, industrializa o leiteem Taquara e o comercializa na GrandePorto Alegre. “Temos uma produção de1,3 milhão de litros ao mês, recolhidosde quase mil produtores de Constantina

Constantina ensina o caminho dodesenvolvimento rural sustentável

“Atuamos com o Sindicato dosTrabalhadores Rurais, com duascooperativas de crédito, duas deprodução, uma cooperativa deagroindústrias, agentes financeiros ecomunidade”, enumera. Com isso,programas e projetos municipais,estaduais e federais são dinamizadose integrados.

Um programa que Frizzo gosta decitar é o da Compra Antecipada comDoação Simultânea de Alimentos.Iniciativa conjunta da Prefeitura comentidades locais, em convênioefetivado entre a Companhia Nacionalde Abastecimento (Conab-RS) e umadas cooperativas locais de pro-dução, reúne 250 agricultoresfamiliares, que produzem 22 tiposprodutos. “Este produtos formamuma cesta de alimentos distribuídaquinzenalmente a 300 famíliascarentes, selecionados por umcomitê gestor”, explica o prefeito.

Município de ConstantinaLocalização: Região da Produção, Norte do RSFundação: 1959Altitude: 501 mPopulação: 11.177 habitantesÁrea Total: 278,5 quilômetros quadradosDensidade demográfica: 40,13hab/kmFormação étnica: 80% são descendentes de italianos; 10%de alemães; 2% de poloneses; 8% de outras etnias.

Quadro de Informações

2006 setembro 7

a solidariedade

e também de alguns municípiosvizinhos”, conta Alba.

Saúde? O Sindicato dos Traba-lhadores Rurais passou a participar daadministração do Hospital São Rafael,ampliando o atendimento. “A partir de2001 formamos a AssociaçãoComunitária Regional Hospitalar, aAcros, e compramos um hospital”, narrao diretor da Fetraf-Sul. “Hoje ele é o únicodo município e atende a todos”.

Cooperativa de crédito - Nalinha das mobilizações e debates sobrecrédito diferenciado – enfatizada com oDepartamento Rural da CUT –, em 1997foi dado outro passo importante para aconstrução do processo que hoje chamaa atenção sobre Constantina. Osmilitantes criaram a primeira Cooperativade Interação Solidária de Constantina(Cresol). “Foi à maneira que encontra-mos para reduzir a exclusão que os pe-quenos produtores tinham na hora dereceber créditos no sistema bancário”,ensina Alba. Mais um investimento quedeu muito certo – hoje a Cresol tem cercade 1.700 associados em seu sistema,que funciona em várias localidades doRio Grande e de Santa Catarina.

No entanto, tornava-se claro queainda faltava conquistar um outroespaço de poder e decisão, para defato ampliar as conquistas e osbenefícios para a maioria da população.“Como através do Sindicato, daCoopaac, do Hospital e do Cresol játínhamos demonstrado seriedade ecapacidade, isso foi nos dando espaçojunto à comunidade, que no início eramais conservadora”, analisa Vilson Alba.Assim, em 2000 o grupo chegou àPrefeitura de Constantina, numacoligação encabeçada pelo PT (com oPMDB e o PDT), cujo prefeito FranciscoFrizzo foi reeleito em 2004.

Salto de qualidade - A partir daí,conforme Alba, a cidade deu um saltode qualidade, com mais facilidade dedebate e direcionamento de políticasque hoje fazem toda a diferença. Paraele, em Constantina as entidadesmantêm sua autonomia em relação aopoder público, mas também um fortesentimento de parceria. “Fizemos umgrande debate sobre estratégias parao desenvolvimento local”, relata. Odiretor da Fetraf-Sul observa três pilaresde sustentação atual do processo. “Umé a diversificação da produção, poisantes era muito baseado em trigo, sojae milho. Hoje a ênfase é no leite, na

fruticultura e temos dez pequenasagroindústrias no município, queproduzem sucos, açúcar mascavo,queijos, cachaça e com selo próprio”.

Junto à diversificação, há o créditopara a agricultura familiar, incentivadono estado ainda no governo Olívio Dutrae depois em nível federal, com recursosdo Pronaf tanto para custeio quantopara investimentos. “E o terceiro pontoque eu vejo como importante aqui foi opróprio processo de organização dosagricultores familiares, que traz umaconsciência de cidadania para oprodutor, que reinveste na sua auto-estima”, avalia Alba.

A questão da auto-estima e dacidadania é especialmente trabalhadaspelo Coletivo de Mulheres, criado em2002 através da mobilização dasassociadas do Sindicato, da Cresol eda Coopaac. Quem informa é uma dascoordenadoras do Coletivo, aprofessora Cleuza Tomazelli. “Hojetrabalhamos em todo o interior domunicípio, com mais ou menos 60mulheres, que são lideranças em suascomunidades”. Também neste caso háparcerias com a Prefeitura local. “Mastemos um viés diferente dos clubes demães, por exemplo”, rebate ela. “Nãodamos tanta ênfase para os cursos decrochê e artesanato e sim para aparticipação das mulheres nomovimento, com consciência emobilização”, prega Cleuza.

Ela conta que nas manifestações deagricultores, as mulheres já são 40%

dos participantes – bem ao contráriodo que ocorria antes na região. Mas oColetivo também vem tentando incluirem suas lutas as mulheres do meiourbano, com atividades de alimentaçãoalternativa (produtos orgânicos), ervasmedicinais, palestras sobre gênero,auto-estima, direitos previdenciários.Seu próximo desafio, agora, é buscarrecursos para criar cursos de formaçãode mão-de-obra feminina paraatividades específicas de mulheres nasagroindústrias familiares, comopanificação, conservas e embutidos,visando agregar valor à produçãoprópria e incentivar o protagonismo dasmulheres.

Presença for te dos jovens –“Uma das coisas que chama a atençãohoje em Constantina é a grandepresença de jovens vivendo no meiorural, tanto homens quanto mulheres”,diz o educador popular Cledir Magri,do Centro de Educação eAssessoramento Popular (Ceap), dePasso Fundo, que fez um diagnósticoeconômico e social dos municípios daregião da Produção. Para ele, a fixaçãodos jovens em seus locais de origemse deve exatamente ao bom retornofinanceiro e de qualidade de vida queas mudanças ocorridas no municípiotrouxeram para a agricultura familiar.

“A diversificação e as novasiniciativas precisam de mão-de-obra, eeles são motivados a ficarem em suaspropriedades ajudando a agregar valoraos seus produtos”. Magri também

aponta o projeto Terra Solidária, daFetraf-Sul e CUT, que trabalhabasicamente com jovens agricultores edialoga sobre seu papel social,econômico e demais interesses,incentivando-os a permanecerem numaatividade que na região já garante boaqualidade de vida e boas perspectivasde futuro.

Novos desafios - Seja como for,para manter os bons níveis alcançadose dar sustentabilidade ao processolocal, “é preciso pensar ações para ospróximos dez anos”, defende VilsonAlba, da Cotraf-Sul. “Nosso desafio éproteger o meio ambiente e as águas;ampliar as ações de saúde e naprodução avançar mais, especialmentena industrialização e comercialização”.

Esta, aliás, umas das áreas em quea agricultura familiar obteve uma vitóriarecente, com a legislação que criou oSIM – Serviço de Inspeção Municipal.Com isso, as pequenas agroindústriasampliaram sua ação de comercializaçãodentro de cada município. “Mas agorao desafio é conquistar o direito devender seus produtos com certificaçãotambém em outros municípios eregiões”, informa o professor Lovois deAndrade Miguel, da Ufrgs. “E são essasmudanças que estão assustando osgrandes frigoríficos e empresas dealimentação, com outros produtos dequalidade das agroindústrias familiareschegando para competir, com melhorespreços. E Constantina já vem trilhandoeste caminho”.

A Plataforma de Articulação eDiálogo (PAD) realizará nos dias20,21 e 22 de novembro, emSalvador, o seminário a Coope-ração Internacional e os DireitosHumanos, Econômicos, Sociais,Culturais e Ambientais (Dhesca)no Brasil. O objetivo é pautar comas agências de cooperaçãoecumênicas - ICCO, ChristianAid, EED, Pão para o Mundo, Soli-dariedad e Igrejas da Noruega -qual é sua contr ibuição naexigibi l idade dos direitos noBrasil. Dentro deste seminário aRegião Sul que articula no PADos três estados do sul do Brasilterá a oportunidade de pautar suasituação específica, já que é aregião que mais está sofrendo

Seminário Internacionaldiscute o papel da CooperaçãoInternacional no Brasil

com a diminuição dos financia-mentos internacionais.

Para articular esta intervençãofoi realizada em Passo Fundouma oficina preparatória com aparticipação de vários movimen-tos sociais, entidades ecumêni-cas e ongs onde foram apontadosos principais conflitos da regiãoque estão sendo enfrentados pelocampo popular - ver box - e quaisos principais prejuízos em rela-ção à saída da cooperação in-ternacional da região. Será apre-sentado no Seminário um Mapadas Desigualdades da Região Sul,justamente demonstrando quenesta região onde há ilhas dedesenvolvimento, há tambémmuita miséria e exclusão.

Mídia, educação e ideo-logia - demonstrar o domíniodas empresas de comunicaçãona construção da hegemonia docapital e de seus propósitos.

Agr onegócio versusagroecologia - demonstrar osefeitos que o agronegócio atra-vés da monocultura da soja, dofumo e do eucalipto produz naestrutura produtiva regional.Dependência dos agricultores ea perda da soberania alimentar,política e cultural.

Modelo Ener gét ico ehidronegócio - demonstrar osefeitos sobre o meio ambiente eas populações rurais em funçãodo modelo energético de cons-truções de barragens, as con-seqüências da destruição dasestruturas culturais e produtivase o desenraizamento das famíliasdo campo. Como pano de fundoapresentar os lucros das em-presas que produzem o me-gawatt por R$ 52,00 e vende aostrabalhadores por R$ 502,00.

Modelo de Gestão Públi-ca - demonstrar como as políti-cas públicas dos estados regio-nais e do estado brasileiro pri-vatizam os serviços públicos -saúde, educação e habitação -

onde os setores da classe médiasustentam grandes empresasfornecedoras destes serviçoscom apoio e recursos públicos enão há uma política de acessoaos trabalhadores rurais e urba-nos. Apontar sobre a péssimaqualidade destes serviços paraos setores que não podem pagarpelo acesso privado.

Precarização das condi-ções e relações de trabalho- apresentar que o projeto emexecução elimina postos detrabalho em todas as áreas - nocampo e na cidade - preca-rizando todas as condições detrabalho o que pode ser ob-servado com o grande núme-rode trabalhadores informais,catadores de rua, camelos,trabalhadores da cana e dejovens em si tuação de de-semprego. A maioria das em-presas se estabelecem na regiãocom enormes subsídios públicose não geram trabalho nemcontribuem para qualificar ascondições e re lações detrabalho. Há uma nova realidadeno campo, onde os jovens con-tinuam morando na área rural esendo explorados no meiourbano.

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direitos humanos

O espaço completamente lotadodo Salão de Atos da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (Ufrgs),no dia 16 de agosto, demonstrou comforça a existência de um movimentoamplo contra o avanço da monoculturado eucalipto, como está acontecendohoje na Metade Sul do RS, e da invasãoda indústria da celulose no Brasil eem países vizinhos. Promovido pelaVia Campesina do RS, organizaçõescivis – entre as quais o Camp- ,sindicatos, movimentos sociais einstituições de pesquisa, o seminário“Deserto Verde: os impactos damonocultura do eucalipto para ospovos” reuniu durante todo o diadebatedores que criticaram asrepercussões desastrosas sobre omeio ambiente, a economia e a culturalocal e apontaram alternativas deresistência contra esse avanço.

“A propriedade rural não pode serusada para destruir a natureza eproduzir miséria”, disse o procuradorda República Domingos Sávio daSilveira, professor da Faculdade deDireito da Ufrgs. Segundo ele, aexpansão das florestas exóticas nopampa significa uma violência contraa natureza, capaz de produzir um“deserto de empregos, o crescimentoda miséria e da fome, o inchaço das

cidades e a opressão”. Sávio disseque os jovens procuradores doMinistério Público Federal de PortoAlegre estão se valendo dedispositivos constitucionais paraconter o avanço de empresas como aVotorantin, a Aracruz Celulose e a StoraEnso, que já compraram juntas 200mil hectares na Metade Sul. Por isto,os cartórios suspenderam astransferências de imóveis paraempresas estrangeiras, sob oargumento de que, por se tratar deáreas de fronteira (“A parada éfederal”, diz Sávio), essa aquisição sópode ser feita com a concordância doConselho de Defesa Nacional, depoisde ouvidos o Incra, o Ibama e a Funai.Por essa razão também, os procu-radores federais não assinaram oTermo de Ajuste de Conduta entre oMinistério Público Estadual e a Fepam,que flexibiliza as exigências quantoao plantio dessas florestas. Nessasregiões, está havendo ações judiciaiscontra os plantios sem licenciamento.Os procuradores atuam tambémcontra a concessão de recursos doBNDES a empreendimentos “queproduzem fome”. “Não é possível quenós, que geramos impostos,tenhamos que pagar ao nosso algoz”.No final da palestra, ele afirmou:

“Precisamos assentar gente e nãoeucaliptos”.

Para a professora Dirce Suer-tegaray, da pós-graduação emGeografia da Ufrgs, há questõessérias envolvendo os novos em-preendimentos florestais. Além daapropriação territorial de áreas defronteira por estrangeiros – questãode soberania nacional – há a questãoque afeta o trabalho. “Os em-preendimentos acenam com númerossignificativos de empregos, mas naprática é muito menos. O plantio é

esporádico e o trabalho é periódico enão seqüencial. O vazio demográficoaumenta”, diz ela, observandotambém que o pampa é à base dacultura do gaúcho. “A cultura setransforma ao longo do tempo com astransformações do espaço físico”, diza professora. “Mas mudançaseconômicas impostas de forma radicale rápida desestruturam a cultura epromovem perdas irreparáveis”.Outro palestrante, o biólogo FranciscoMilanez, conselheiro da AssociaçãoGaúcha de Proteção ao AmbienteNatural (Agapan) disse que os riscossão os efeitos sobre o meio ambienteda metade sul. “Deserto verde não éforça de expressão”, assegurou.“Animais não entram em florestasde eucalipto”. O pampa é umbioma desenvolvido pela naturezaao longo do tempo, num delicadoequil íbrio que inclui espéciesvegetais e animais e água, queestá agora sob ameaça de perdas.“Estudos sobre eucalipto indicamque qualquer cultura arbórea embioma não arbóreo sobreexigemo sistema hídrico”, alertou. “Amáxima genialidade é usar o ambientecomo ele é, com sua capacidade desuporte”, finalizou.

O seminário teve a participação dogrupo teatral Oi nóis aqui traveiz, alémde depoimentos de integrantes decomunidades que vivem o impacto dodeserto verde.

Deserto verde: a monoculturado eucalipto produzindo miséria

2006 setembro 9

a cidadania

Implementar políticas quetranscendam ações substantivamenteassistências apresenta-se, na atualconjuntura, como um grande desafio aosgestores públicos e da sociedade civil.

Há, reconhecidamente, açõesgovernamentais nesta direção, comoatestam o programa “Bolsa Família”, oapoio às iniciativas econômicaspopulares solidárias e a significativaampliação do Programa Nacional deAgricultura Familiar – PRONAF.

Igualmente salutares são os esforçosno que concerne à questão do créditopopular: o programa de popularizaçãodo crédito bancário (bancarização), ocrédito consignado em folha depagamento, o fomento ao cooperativismode crédito e, mais recentemente, oprograma de microcrédito (ProgramaNacional de Microcrédito ProdutivoOrientado – PNMPO).

Inequívoca, todavia, a constatação deque essas modalidades não conseguematingir aqueles que se situam fora dasdinâmicas convencionais de mercado:os empobrecidos que, cada vez mais,não dispõem de alternativas outras quenão sejam os recursos recebidos dosprogramas oficiais de transferência derenda.

Se as reais possibilidades deconsolidar atividades de geração derenda e sustento para este segmento já

são por demais restritas, a ausência deuma política eficiente, contínua eexpressiva de financiamento às iniciativaspopulares, tornam-nas inviáveis.

Por outro lado, tais iniciativas, em suamaioria, se realizam em locais deincipiente dinâmica socioeconômia e,assim, há que se pensar em políticasespecificamente voltadas a essescontingentes o que necessariamente asdiferenciam daquelas com foco nomercado, i.é., encontra-se muito poucaeficácia naquelas ações que têm comofulcro o fomento ao que se convencionoudenominar “empreendedorismo”: éequivocado se pensar que o pequenoprodutor subsista à competição demercado firmando-se como um pequenoempresário tradicional.

As tênues dinâmicas locaisdecididamente não favorecem aconsolidação das iniciativas econômicaspopulares e, deste modo, políticasvoltadas a este mister necessitamdedicar particular atenção a esteaspecto. Destarte, as atividadeseconômicas populares de geração detrabalho e renda requerem um conjuntointegrado de ações que vão desde aorganização das famílias emassociações, cooperativas ou outrasformas trabalho coletivo, passa porações de educação – para o crédito, parao consumo, para a produção etc. –,

Para além de assistir: financiando odesenvolvimento socioeconômico popular

treinamento e habilitação para ogerenciamento de suas atividades, apoioà estrutura de comercialização adequadae, por fim, convergem em açõesapropriadas de crédito.

É importante que se tenha em conta ofato de que o Estado tem que se fazerintensamente presente para se lograrresultados promissores; nenhumsegmento econômico deste paísconseguiu se viabilizar como atividaderazoavelmente sustentada sem odecisivo apoio e subsídios do governo,vale dizer, da sociedade em geral, e nãoserá a economia popular a regra.

O poder público, no mais das vezes,tem prescindido do concurso dosesforços da própria população naimplementação de suas políticas. Soaestranho, pois se sabe da imensacapacidade que as pessoasempobrecidas têm em arquitetarestratégias de sobrevivências. Além domais, políticas que se pretendam nãopaternalistas e, assim, tragam nasubstância de suas ações um projetoemancipatório, deve, necessariamente,possibilitar e estimular a participaçãodesses atores em cada uma das fasesde sua implementação; esta é acondição sine qua non para aconsolidação de uma política de cunhoestrutural, contraponto às habituaispolíticas assistências.

O Programa por 1 Milhão deCisternas – P1MC, de iniciativa dasociedade civil (ASA Brasil), ora emdesenvolvimento no semi-áridobrasileiro, aponta na direção propostaacima. Trata-se de um programa cujocorte essencial reside na educação paraa convivência com a escassez derecursos hídricos,tendo como produtofinal à construção de cisternas de placasque armazenam água das chuvas nasresidências familiares e se destinam afazer frente ao período de estiagem. Talprograma, executado por meio de umaparceria firmada entre o Ministério doDesenvolvimento Social (MDS) e a ASA-Brasil (sociedade civil), mas que conta,também, com recursos da AssociaçãoBrasileira de Bancos (FEBRABAN),envolveu, desde os seus primórdios, asfamílias empobrecidas da região, tantona formulação, no processo educativode manejo dos recursos hídricos, naprodução das placas de concreto e –mais importante – na organização dascomunidades para, em mutirão,executar as atividades pertinentes.Tem-se, portanto, a expertise popularpresente em sua formulação e que nãose encerra quando da entrega dascisternas: prolonga-se em processosorganizativos / educativos ao longodo tempo, decisivos à vida comuni-tária.

Um outro exemplo de aproveitamentoda sabedoria popular que não coincidecom o programa de cisternas e com omesmo não se confunde, mas queganhou uma significativa dimensão coma implantação daquelas, são os FundosRotativos Solidários – FRS’s.

Trata-se de uma prática muito antigade solidarismo entre os empobrecidosque, a partir de pouquíssimos recursos,constituem uma forma de poupançacoletiva voltada ao atendimento denecessidades fundamentais dasfamílias. Afora o aspecto por excelênciade autofinanciamento, constituindo-se,assim, na mais viva expressão dasfinanças solidárias, destaca-se,sobremodo, pela inequívoca mani-festação da capacidade organizativa eautogestionária popular e que não podeser ignorada pela gestão pública edemocrática do Estado em sua atual fasede amadurecimento. É, deste modo, umapolítica pública não-governamental.

Nos estados da Paraíba e da Bahia,esta rica e exemplar experiência definanças solidárias, os Fundos RotativosSolidários (FRS’s), formam-se a partir dacontribuição financeira espontânea dascomunidades, com vistas a possibilitarque outras famílias tenham acesso a bensimportantes para a melhoria de suascondições de vida. Existemaproximadamente 2.000 unidadesdistribuídos por cerca de 210 municípios,contando, cada uma, com cerca de 15famílias participantes.

Os objetivos dos FRS’s, práticacomunitária histórica, compreendemvárias possibilidades, como a aquisiçãode cercas, sementes (banco desementes), fundo de palmas etc. Oimportante, do ponto de vista financeiro,é que a própria comunidade é quemdecide a forma de retorno, preservadaà integridade dos recursos financeiros,e a destinação de suas disponibilidadeem função das premências das famílias,alcançando aquelas que nenhuma dasinstituições de crédito popular atinge:cidadãos empobrecidos habitantes decomunidades isoladas.

Os FRS’s são, deste modo, umaexpressiva contribuição à construção dealternativas de geração de trabalho erenda para os segmentos de baixa ounenhuma renda; pode-se, então, afirmarhaver um potencial significativo deestruturação econômica para as famíliasque hoje recebem benefícios detransferência de renda do “Bolsa Família”.

Para que se tenha uma idéia daexpressão financeira desta política não-governamental, é suficiente dizer que amaioria dos FRS’s hoje existentes manejaanualmente recursos exclusivamentecomunitários que, em média, não

excedem a cifra de R$4 mil e beneficiamum contingente de mais de 140 milpessoas. Mesmo se agregarmos oscustos operacionais, organizativos, detreinamentos, gerenciais etc., ter-se-iavalor significativamente inferior ao dequalquer das atuais políticas sociaisexistentes e com benefícios sobejamentesuperiores às mesmas.

Portanto, se pensarmos nos FRS’scomo uma política nacional poder-se-iaafirmar tratar-se daquela com melhorrelação “custo/benefício” e, quiçá, a quemelhor persegue os objetivos de“inclusão social”, preocupação declaradado atual governo.

Uma Política Nacional deFomento aos Fundos RotativosSolidários – FRS’s

As bases para uma Política Nacionalde Fomento aos FRS’s encontram-seestabelecidas: os atuais FRS existentesconfiguram-se em um auspiciosocomeço para uma ação deste tipo. Háem curso, inclusive, um programaoriundo da iniciativa do Banco doNordeste do Brasil – instituição oficial defomento ao desenvolvimento – emparceria com a Secretaria Nacional deEconomia Solidária – SENAES, doMinistério do Trabalho e Emprego – MTE,voltado a apoiar as ações dessanatureza, porém – ainda – restrito a suaárea de atuação, o nordeste brasileiro.

As organizações da sociedade civil,em sua maioria, já deram mostras decriatividade, capacidade de mobilização,organização e implementação depropostas inovadoras capazes deromper a inércia perversa doempobrecimento, constituindo novosparadigmas de políticas públicas asquais, mesmo em sua atual e reduzidaescala, sublinham a importância demudanças nas ações de governo.

2006 setembro 11

O fortalecimento dos FRS’s passa,assim, a ser um desafio para os gestorespúblicos, a requerer a constituição deuma política de cunho nacional. Paratanto, se faz necessário à criação de umFundo, de amplitude nacional, que venhaa financiar os aqueles, nos moldesaproximados da experiência BNB-SENAES.

Tal Fundo de financiamento poder-se-ia constituir de recursos não-reembolsáveis, provenientes de fontesdiversificadas – orçamento da União,fundações, organismos nacionais einternacionais etc. –, e que garantamàquela política nacional expressividadee perenidade no financiamento aos FRS’s.

A operacionalidade de uma políticada espécie tem todas as condições dese revestir de simplicidade, haja vista ocaráter descentralizado de que sereveste. Além disso, há que seconsiderar que as organizações dasociedade civil serão parceirasfundamentais de sua implementação, talqual ocorre hoje com o P1MC a que sefez menção anteriormente.

Um dos aspectos essenciais é quetal política considere os FRS’s,obedecidos os critérios que venham serdefinidos, como unidades de gestão doprograma de apoio às iniciativaspopulares locais, recepcionando osfinanciamentos concernentes do FundoNacional e operacionalizando osrepasses aos produtores populareslocais. Importa destacar, sob esteaspecto, algumas questões:

1. o Fundo Nacional transfere re-cursos não-reembolsáveis, portanto,recursos que permanecem naprópria comunidade, sob gestão dosFRS’s, beneficiando continuamente asfamílias do local;

2. os FRS’s (leia-se: a própriacomunidade), por sua vez,estabelece as condições de retornodos financiamentos concedidos àsfamílias, de tal sorte que sejapreservada a integridade dosrecursos ao longo do tempo;3. as atividades outras – qualifi-cação, habilitação, gerenciamento,organização, processos educativosetc. – têm seus custos cobertos peloFundo Nacional e são repassadospelos gestores da política, semreembolso, às unidades de gestão.Representam, portanto, o “pa-gamento” pela prestação dosserviços por parte das instituiçõesda sociedade civil, a exemplo do quejá é feito pelo governo para asoperações do PRONAF por partedas instituições financeiras.

Em nível da sociedade civil e governo(MDS), tal modelo operacional já foidebatido amplamente por ocasião daformulação do Programa deDesenvolvimento SocioeconômicoSolidário que, lamentavelmente, nãoprosperou, havendo forte convergênciaquanto a sua factibilidade.

Por fim, é relevante fixar-se um planoplurianual de investimentos não-reembolsáveis para os FRS’s: issogarante um horizonte de continuidade eexplicita o compromisso do governo aesse projeto de geração de trabalho erenda, de caráter local, e a realpossibilidade de que o mesmo possa ase constituir em uma política estruturantecapaz de integrar parcela dos queatualmente encontra-se no “BolsaFamília”.

o financiamento

Idalvo ToscanoEconomista

2006 setembro 12

o debate

“Eu quero é trabalhar”

acrescentar números ao Bolsa Família esim a cada ano fixar metas prevendo adiminuição dos benefícios detransferência de renda.

Para isso, é necessário implementar,o que está sendo discutido no GT FomeZero, integrado por dez (10) Ministériose a Assessoria Especial do Presidenteda República, e começando a ser feito,um conjunto de ações de caráterredistributivo que propiciem ocrescimento da participação dostrabalhadores na apropriação da riquezagerada no país. Faz-se necessário darprosseguimento a uma política detrabalho e emprego que proporcionesubstantivo aumento da renda obtidapelo trabalho, tanto dos que estãoempregados quanto, e principalmente,dos que estão desempregados. Afinal,como diz o professor Márcio Pochmann,da UNICAMP: “No Brasil, o rendimentodo trabalho corresponde a 36% do PIB(Produto Interno Bruto) e os 64% arendas e patrimônios. Nos EstadosUnidos, essa proporção é inversa.”

Uma política de trabalho e renda devereconhecer que o mundo do trabalho noBrasil é heterogêneo e diversificado.Assim a renda poderá ser obtida pormeio de relações de trabalho diversas,seja através do trabalho comoempregado, seja o autônomo, incluindomicros e pequenos empreendedores,assim como o trabalho associado oucooperativado, a economia solidária.

Está no debate também a propostado Fórum Brasileiro de EconomiaSolidária, com articulação de umconjunto de entidades e instituiçõescomo a Cáritas Brasileira e o CAMP, deconstruir uma política nacional de apoioa fundos rotativos solidários. A idéia édisponibilizar recursos financeiros, não

Selvino HeckAssessor Especial doPresidente da República

reembolsáveis e sem burocracia, paraviabilizar experiências de fundosrotativos solidários, projetosassociativos e comunitários de bens eserviços. Os recursos podem seroriginários do FAT, de fundos de açãosocial, podem ser de origemorçamentária, de empresas e bancospúblicos. A proposta é construir umametodologia de retorno dos recursos,com compromisso voluntário dedevolução, à medida que as iniciativasvão se consolidando e se auto-sustentando. Não se quer, assim,substituir os bancos, mas sim valorizara sociedade civil. Já há uma experiênciadeste tipo em andamento no Nordeste.Contou em 2005 com R$ 1 milhão, para2006 prevê-se 1,3 milhão, em 2007 R$ 4milhões, a fundo perdido, parte dosrecursos vindos do Banco do Nordeste(BNB). O desafio posto é repetir eespalhar a experiência em outrasregiões do país, criando uma Redenacional que represente os grupos degeração de trabalho e renda e asiniciativas de economia solidária, faça ainterlocução com o governo, busqueseu apoio e compromisso com aproposta.

Está aí o desafio para os próximosanos. Marcelo Néri, chefe do Centrode Estudos da Fundação GetúlioVargas, disse: “O Estado brasileirocomeçou a gastar mais principalmen-te com os mais pobres. O Brasil fezuma opção pelos pobres. Em vez deestabilidade e crescimento, o Brasilfez uma opção por estabilidade edistribuição de renda. E está reescre-vendo a sua história de desigualdadeeconômica.” A renda dos 10% maispobres subiu 16% em 2004, numa‘velocidade chinesa’. Houve uma

Cidade de Floriano, Piauí, primeirosemestre de 2004, reunião à noite comcerca de 100 moradores no salão de umbairro pobre deste município distante uns300 kms. da capital, Teresina. Fuiconvidado para explanar o ProgramaFome Zero do governo Lula e as políticassociais em andamento. Depois de uns15 minutos de exposição, abriu-se aconversa entre todos os presentes.Quase no final, mais de uma hora depois,uma senhora de seus 50 anos se levantae pede a palavra: “Gostei muito de suaspalavras, acho certo o que o presidenteLula está fazendo, mas quero lhe dizeruma coisa que quero que o senhor levepro presidente. Eu não quero esmola.Eu quero é trabalhar. Eu sei cozinhar, seilavar e passar roupa, sei cuidar de umacasa. Se qualquer um aqui de Florianoquiser me dar um emprego com saláriono final do mês, eu vou escolher étrabalhar e ganhar o pão com o suor domeu rosto. Nós aqui da comunidade nãoqueremos depender toda vida de umaajuda do governo.”

De tantas reuniões e encontros navida que a gente em geral esquece, estasenhora sempre me vem à mente, ela depé, no lado direito do salão, falando comenergia e autoridade o que lhe passavano coração. Só tive que concordar comela e dizer que o objetivo era essemesmo: garantir renda e trabalho, mas aprimeira coisa, a mais urgente, emboraemergencial, era garantir a comida atodos os brasileiros e brasileiras. Deentão até hoje, 2006, são 11 milhões defamílias atendidas pelo Bolsa Família,uma das ações do Fome Zero, são maisde 5 milhões de empregos criados emtodo Brasil, e um conjunto de políticasmelhoraram a vida do povo brasileiromais pobre. Mas não sei se aquelasenhora de um bairro pobre de Florianotem seu sonhado emprego, se nãocontinua dependendo de uma ajudamensal do governo.

O Programa Fome Zero do governofederal tem entre seus quatro (4) eixosestruturantes o fortalecimento daagricultura familiar e a promoção deprocessos de geração de trabalho erenda (os outros dois são acesso aoalimento como direito, e mobilização,articulação e educação cidadã). O quese exige no momento é exatamente isso:construir as chamadas ‘portas de saída’,garantir políticas emancipatórias para asfamílias. O objetivo não deverá ser mais

queda da desigualdade entre 1995 e2004 da ordem de 4,42%, levando àmenor desigualdade em 25 anos.

Para que esse processo de reduçãoda desigualdade e de distribuição derenda continue, o Conselho deDesenvolvimento Econômico e Social(CDES), de assessoria ao presidente,com presença majoritária da sociedade,está propondo: promover a redução dasdesigualdades, adotando a eqüidadecomo critério a presidir toda e qualquerdecisão dos poderes públicos, de modoa garantir que o Coeficiente de Gini,atualmente mensurado em 0,569 (2004),seja reduzido para 0,400 em 2022,acelerando-se o ritmo de diminuição dadesigualdade e dobrando no período aparcela da renda nacional dos 20% maispobres; implementar uma políticacontinuada de valorização do saláriomínimo; ter como meta uma taxa decrescimento média do PIB real em tornode 6% ao ano até 2022; implementar umaPolítica Nacional de DesenvolvimentoRegional, valorizando a diversidaderegional brasileira e reduzindo asdesigualdades regionais; ReformaAgrária como condição para a de-mocracia; construção de instrumentosde política industrial e tecnológica, deestímulo ao desenvolvimento regional ede redistribuição de renda, acom-panhando o crescimento do ProdutoInterno Bruto (PIB), garantindo a geraçãode 100 a 150 mil novas ocupações/mês(pelo menos 80% destas sendo postosde trabalho formais).

Há, pois, um longo caminho a sertrilhado, necessariamente comcompromisso dos diversos níveis degoverno, participação da sociedade eparceria entre governo e sociedade.Os movimentos sociais, ONGs, a basepopular organizada têm um papeldecisivo neste esforço de construçãode um país justo e soberano. Asenhora pobre de Floriano não passamais fome. Mas ela quer e precisa maisque isso: dignidade, amor próprio,auto-estima. E isso acontece,superada a falta de comida, comtrabalho e renda próprias. De-senvolvimento com distribuição derenda deve ser o centro da política dosegundo governo Lula.