ConJur Jose769 Sima771o Estatuto Da Pessoa Com Deficie770ncia Causa Perplexidade

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    OPINIO

    6 de agosto de 2015, 19h02

    Por Jos Fernando Simo

    Em 6 de julho de 2015, foi publicada a Lei Ordinria 13.146, que institui a

    Incluso da pessoa com Deficincia e se autodenomina Estatuto da Pessoa com

    Deficincia.

    Lembra Pablo Stolze que em verdade, este importante estatuto, pela amplitude

    do alcance de suas normas, traduz uma verdadeira conquista social. Trata-se,

    indiscutivelmente, de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o

    princpio da dignidade da pessoa humana em diversos nveis.[1]

    Se o Estatuto merece aplausos e os merece, contudo, j na leitura inicial do novo

    instrumento legal, que ainda no est em vigor, pois tem vacatio legisde 180 dias(vide artigo 127), alguma preocupao e muita perplexidade atingem aqueles que

    estudam e conhecem Direito Civil.

    A premissa bsica para a compreenso do Estatuto a seguinte: o deficiente tem

    uma qualidade que os difere das demais pessoas, mas no uma doena. Assim, o

    deficiente tem igualdade de direitos e deveres com relao aos no deficientes[2].

    I Notas bsicas para compreenso da questoI Notas bsicas para compreenso da questo

    Vamos a algumas premissas histricas, bsicas e bvias para a compreenso do

    problema:

    Por que o Direito Civil traz um rol de pessoas incapazes (artigos 3 e 4

    do Cdigo Civil)? Para que estas recebam especial proteo quando da

    prtica dos atos da vida civil.

    Por que o Cdigo separa os incapazes em duas categorias:

    absolutamente e relativamente incapazes? Para o sistema, h pessoas

    que no tm discernimento algum e so absolutamente incapazes. Outras

    tm discernimento, mas no completo, sendo este discernimento

    reduzido, logo so pessoas relativamente incapazes.

    Estatuto da Pessoa com Deficinciacausa perplexidade (Parte I)

    http://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade?imprimir=1#_ftn1http://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade?imprimir=1#_ftn2http://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade?imprimir=1#_ftn1
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    Qual a diferena entre os atos praticados por absolutamente e por

    relativamente incapazes? Os absolutamente incapazes so

    representados, ou seja, no participam do ato. O ato no por ele

    pessoalmente praticado. Os relativamente incapazes so assistidos, ou

    seja, praticam o ato conjuntamente com seu representante legal.

    A regra no sistema brasileiro de capacidade ou incapacidade da

    pessoa natural? A regra a capacidade. Toda pessoa natural capaz, todoser humano capaz, salvo excees legais. O rol de incapazes taxativo e

    no pode ser ampliado. Logo, as hipteses de incapacidade so apenas

    aquelas dos artigos 3 e 4 do Cdigo Civil.

    O processo de interdio tem qual finalidade? Quando o incapaz se

    encontra sob curatela? A interdio um processo de reconhecimento de

    incapacidade em razo de enfermidade, doena, deficincia, vcio ou

    prodigalidade. S pessoas incapazes so interditadas. O representante

    legal do incapaz, em tais hipteses, o curador e tais pessoas seencontram sujeitas curatela (art. 1.767 do CC). O curador pode

    representar (incapacidade absoluta) ou assistir (incapacidade relativa) o

    incapaz.

    O Cdigo Civil instrumento de opresso das pessoas com deficincia e

    fonte de discriminao? No, o Cdigo Civil protege pessoas que, segundo

    concepo histrica, necessitam de proteo.

    Superadas as questes acima sucintamente expostas, vamos ao texto da nova lei e

    as consequncias da mudana que est por vir.

    II Algumas consequncias do Estatuto para o Direito Civil.II Algumas consequncias do Estatuto para o Direito Civil.

    Plena capacidade do enfermo ou deficiente mentalPlena capacidade do enfermo ou deficiente mental

    A primeira importante alterao que o sistema passa a ter apenas uma hiptese

    de incapacidade absoluta: os menores de 16 anos (redao dada pelo Estatuto ao

    artigo 3 do CC). Deixam de ser absolutamente incapazes os que, por

    enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento paraa prtica dos atos da vida civil e de ser relativamente incapazes os excepcionais,

    sem desenvolvimento mental completo.

    Quais so as consequncias desta mudana legislativa?Quais so as consequncias desta mudana legislativa?

    I Todas as pessoas que foram interditadas em razo de enfermidade ou

    deficincia mental passam, com a entrada em vigor do Estatuto, a serem

    consideradas plenamente capazes. Trata-se de lei de estado. Ser capaz ou incapaz

    parte do estado da pessoa natural. A lei de estado tem eficcia imediata e olevantamento da interdio desnecessrio.

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    Ainda, no sero mais considerados incapazes, a partir da vigncia da lei,

    nenhuma pessoa enferma, nem deficiente mental, nem excepcional (redao

    expressa do artigo 6 do Estatuto).

    Imaginemos uma pessoa que tenha deficincia profunda. Tal pessoa, em razo da

    deficincia, no consegue exprimir sua vontade. Esta pessoa, hoje, passa por um

    processo de interdio e reconhecida como absolutamente incapaz. Seu

    representante legal (normalmente um dos pais), na qualidade de curador a

    representa para os atos da vida civil.

    Com a mudana trazida pelo Estatuto, tal pessoa, apesar da deficincia profunda,

    passa a ser capaz.

    E qual a consequncia, para o direito da capacidade plena desta pessoa?

    Responderemos em nossas concluses.

    II Sendo o deficiente, o enfermo ou excepcional pessoa plenamente capaz, no

    poder ser representado nem assistido, ou seja, dever praticar pessoalmente os

    atos da vida civil. Mas h um problema prtico: apesar de o Estatuto ter

    considerado tal pessoa capaz, na vida cotidiana tal pessoa no consegue exprimir

    sua vontade. H pessoas que por fatores fsicos so incapazes de manifestar sua

    vontade, mas passam a ser capazes por fora da nova lei.

    Assim indago: qual o efeito prtico da mudana proposta pelo Estatuto? Essedescompasso entre a realidade e a lei ser catastrfico. Com a vigncia do

    Estatuto, tais pessoas ficam abandonadas prpria sorte, pois no podem

    exprimir sua vontade e no podero ser representadas, pois so capazes por

    fico legal. Como praticaro os atos da vida civil se no conseguem faz-lo

    pessoalmente? A situao imposta pelo Estatuto s pessoas que necessitam de

    proteo dramtica. Trouxe, nesse aspecto, o Estatuto alguma vantagem aos

    deficientes? A mim, parece que nenhuma. Contudo, nas notas conclusiva,

    propomos uma soluo para a questo.

    III sendo o deficiente, o enfermo ou excepcional pessoa plenamente capaz, ter

    uma outra desvantagem em termos jurdicos: a prescrio e a decadncia

    correro contra ele. Atualmente, por fora dos artigos 198, I e 208 do CC, a

    prescrio e a decadncia no correm contra os absolutamente incapazes.

    Isso significa que quando o absolutamente incapaz credor no ter a

    desvantagem de ver suas pretenses prescritas. Assim, se um menor com 10 anosde idade credor de aluguel, a prescrio fica impedida de correr at que ele

    complete 16 anos. O tempo decorrido no prejudica o absolutamente incapaz,

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    mas apenas o favorece. Assim, se o mesmo menor for devedor, o prazo

    prescricional transcorre normalmente, pois isso o beneficia.

    Como, com o Estatuto, os deficientes e excepcionais so capazes, a prescrio

    correr contra eles, prejudicando-os, portanto.

    Trouxe, nesse aspecto, o Estatuto alguma vantagem aos deficientes? A mim,

    parece que nenhuma.

    IV Sendo o deficiente, o enfermo ou excepcional pessoa plenamente capaz,

    poder celebrar negcios jurdicos sem qualquer restrio, pois no se aplicam as

    invalidades previstas nos artigos 166, I e 171, I do CC. Isso significa que hoje, se

    algum com deficincia leve, mas com dficit cognitivo, e considerado

    relativamente incapaz por sentena, assinar um contrato que lhe desvantajoso

    (curso por correspondncia de ingls ofertado na porta do metr) esse contrato

    anulvel, pois no foi o incapaz assistido. Com a vigncia do Estatuto essecontrato passa a ser, em tese, vlido, pois celebrado por pessoa capaz. Para sua

    anulao, necessria ser a prova dos vcios do consentimento (erro ou dolo) o

    que por exigir prova de maior complexidade e as dificuldades desta ao so

    enormes.

    Trouxe, nesse aspecto, o Estatuto alguma vantagem aos deficientes? A mim,

    parece que nenhuma, pois deixou o deficiente a merc de pessoas sem escrpulos

    e com maior dificuldade para invalidar negcios jurdicos.

    V Sendo o deficiente, o enfermo ou excepcional pessoa plenamente capaz, ter

    uma outra desvantagem em termos jurdicos: a quitao por ele dada vlida e

    eficaz, afastando-se a incidncia do artigo 310 do CC.

    Imaginemos uma pessoa, novamente, com deficincia leve e relativamente

    incapaz que no tenha noo de dinheiro e valores. Sendo credora, se ela der

    quitao, aps a vigncia do Estatuto, esta libera o devedor. Imaginemos que talpessoa, ento, recebendo certa quantia em dinheiro, e por no ter noo exata de

    dinheiro, entregue a quantia a um desconhecido. Pela regra atual, o devedor

    pagou mal e pagar novamente. Com o Estatuto em vigor, o credor que

    suportar a perda do dinheiro.

    Trouxe, nesse aspecto, o Estatuto alguma vantagem aos deficientes? A mim,

    parece que nenhuma.

    VI Sendo o deficiente, o enfermo ou excepcional pessoa plenamente capaz, ter

    uma outra desvantagem em termos jurdicos: para receber doao ter de

    exprimir sua vontade, o que, atualmente, no necessrio em sendo

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    absolutamente incapaz (art. 543 do CC). Imaginemos um tio que quer doar bens

    imveis a um sobrinho com deficincia profunda para que a renda de tais bens

    garantam uma vida digna ao sobrinho. Hoje, a doao se aperfeioa sem que o

    sobrinho precise manifestar sua vontade (h uma presuno da vontade). Com o

    Estatuto, essa pessoa, plenamente capaz, precisa aceitar a doao. Como ela

    manifestar sua vontade se no consegue faz-lo?

    Trouxe, nesse aspecto, o Estatuto alguma vantagem aos deficientes? A mim,

    parece que nenhuma.

    Para no me alongar na questo, analiso mais um aspecto da mudana que vir

    com o Estatuto.

    VII Sendo o deficiente, o enfermo ou excepcional pessoa plenamente capaz, ter

    uma outra desvantagem em termos jurdicos: passar a responder com seus

    prprios bens pelos danos que causar a terceiros, afastando-se a responsabilidadesubsidiria criada atualmente pelo artigo 928 do CC. Pela sistemtica do Cdigo

    Civil, quem responde precipuamente pelos danos causados pelos incapazes so

    seus representantes legais (pais, tutores e curadores). Imaginemos uma pessoa

    que, por problemas psicolgicos, tem perda ou sria reduo de discernimento e,

    tendo acessos de fria, gera graves danos a terceiros. Tal pessoa, sendo

    interditada por fora da doena ser cuidada por seu curador. Se causar danos, o

    patrimnio do curador responder. O incapaz s responde subsidiariamente.

    Com o Estatuto, a responsabilidade ser exclusiva da pessoa que causou o dano.

    As demais questes e as notas conclusivas esto na Parte II da presente reflexo.

    [1]http://jus.com.br/artigos/41381/o-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia-e-o-

    sistema-juridico-brasileiro-de-incapacidade-civil

    [2]Artigo 4 - Toda pessoa com deficincia tem direito igualdade deoportunidades com as demais pessoas e no sofrer nenhuma espcie de

    discriminao.

    Jos Fernando Simo advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e

    professor da Universidade de So Paulo e da Escola Paulista de Direito.

    Revista Consultor JurdicoConsultor Jurdico, 6 de agosto de 2015, 19h02

    http://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade?imprimir=1#_ftnref2http://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade?imprimir=1#_ftnref1