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SUMÁRIO Conhecimentos e Redes: sociedade, política e inovação Introdução: Ciberespaço, conhecimentos e inovação social I – O real, o virtual e as redes Redes, Conhecimento e Inovação Social Maíra Baumgarten A Inteligência Artificial e os desafios às Ciências Sociais Christiana Freitas Análise de redes de pesquisa e inovação em plataformas de governo eletrônico Renato Balancieri, Vinícius M. Kern, Roberto C. S. Pacheco A abordagem de redes para a avaliação da prática biotecnológica Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro II – Difusão do conhecimento científico: limites e possibilidades Estímulos e Desestímulos à Divulgação do Conhecimento Científico Maria Lucia Maciel Difusão do conhecimento e inovação - o Acesso Aberto a publicações científicas Jorge Alberto S. Machado Redes de bibliotecas virtuales para las ciencias sociales Dominique Babini III – Ciência, parlamento e inovação social Ciência e Parlamento, uma interlocução democrática Ingrid Sarti O Parlamento sitiado, a ciência e a educação Marco Aurélio Nogueira

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SUMÁRIO

Conhecimentos e Redes: sociedade, política e inovação Introdução: Ciberespaço, conhecimentos e inovação social I – O real, o virtual e as redes

Redes, Conhecimento e Inovação Social Maíra Baumgarten A Inteligência Artificial e os desafios às Ciências Sociais Christiana Freitas

Análise de redes de pesquisa e inovação em plataformas de governo eletrônico Renato Balancieri, Vinícius M. Kern, Roberto C. S. Pacheco A abordagem de redes para a avaliação da prática biotecnológica Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro II – Difusão do conhecimento científico: limites e possibilidades Estímulos e Desestímulos à Divulgação do Conhecimento Científico Maria Lucia Maciel Difusão do conhecimento e inovação - o Acesso Aberto a publicações científicas Jorge Alberto S. Machado Redes de bibliotecas virtuales para las ciencias sociales Dominique Babini III – Ciência, parlamento e inovação social Ciência e Parlamento, uma interlocução democrática

Ingrid Sarti O Parlamento sitiado, a ciência e a educação Marco Aurélio Nogueira

ORELHA

Há uma carência planetária de explicações sobre as novas questões sociais, em momentos de inseguranças do viver em uma sociedade mundializada, híbrida de arcaísmos, modernidades impossíveis e pós-modernidades instáveis.

A novidade deste livro é a audaz relação entre sociedade, conhecimento, inovação e política, em um ciberespaço de redes.

Seu tema consiste na análise das tecnologias sociais na era da informação, desde o mundo da vida, da pesquisa científica até os novos modos da governabilidade, dos trânsitos de uma democracia representativa a uma democracia com participação ampliada.

Vivenciamos a tensão entre o real e o virtual, das presas do passado da ciência, alimentando o senso comum, às possibilidades da Inteligência Artificial.

As práticas das pesquisas impõem desafios à imaginação científica: a complexidade e a dialeticidade do conhecimento, a ética do cientista e a transdisciplinaridade inevitável.

Lança-se o olhar ao futuro, abrem-se espaços a navegar, ultrapassando os arrecifes dos estéreis micropoderes acadêmicos, limitadores da criação.

Este livro responde, com rigor, criatividade e responsabilidade social, a um tempo de incertezas, expressando, desde a América Latina, um compromisso de combates.

As palavras de seus Autores, orquestradas por Maira Baumgarten, nos envolvem em lutas sociais mundiais, lutas de reconhecimento da dignidade humana, lutas por um outro imaginário cognitivo.

São folhas em um amanhecer de idéias, singelas pérolas cujos raios espelham paixões pela busca de novas práticas e saberes, em um mundo diverso e maravilhoso.

José Vicente Tavares dos Santos (Professor da UFRGS, Vice-Presidente da ALAS –

Associação Latino-americana de Sociologia).

LEIA UM POUCO DO CONTEÚDO DO LIVRO Redes, Conhecimento e Inovação Social Maíra Baumgarten O padrão de relações internacionais desse início de século – globalização da economia, exigência de maior competitividade e utilização intensiva de conhecimento na produção de bens e serviços – coloca novos desafios à análise dos vínculos entre produção e usos de ciência e tecnologia, por um lado e o processo de desenvolvimento econômico e social, por outro lado. Crescentemente vem assumindo importância o desenvolvimento e a divulgação de estudos que possibilitem ampliar o conhecimento sobre as atividades científicas e tecnológicas e as possibilidades de integração entre universidades, programas de pós-graduação, grupos, em nível internacional, nacional e local. Parte-se da perspectiva que os resultados da produção científica e tecnológica são instrumentos essenciais para o desenvolvimento econômico e social, e para melhorar as condições de inserção do país no cenário internacional de economia mundializada, tendo presente a característica de Estados Nacionais periféricos dos países da América Latina. A finalidade desse trabalho é debater sobre a necessidade e as possibilidades de promover a integração entre universidades e instituições de pesquisa na América Latina, através da criação de redes de produção de conhecimento e de inovação social. A Inteligência Artificial e os desafios às Ciências Sociais Christiana Freitas Questões contemporâneas, filmes futuristas. A Inteligência Artificial é, ainda hoje, um terreno desconhecido e misterioso para grande parte da humanidade, tema de romances e grandes discussões. Como compreender o fenômeno do seu surgimento e sua relação com ações e valores humanos? Quais as implicações sociais da participação de autômatos nas mais variadas redes e instituições? As questões suscitadas pelo desenvolvimento dessa área do conhecimento não são poucas. Nesse ensaio, serão definidos os contornos históricos e epistemológicos do campo da Inteligência Artificial a partir da análise de uma rede de pesquisadores envolvida com o desenvolvimento de um artefato tecnológico específico da área. As observações apresentadas baseiam-se em pesquisa empírica, realizada a partir da análise do processo de construção e difusão desse artefato destinado à ampliação das possibilidades da comunidade acadêmica no ciberespaço. Mais opções de produção e distribuição de conhecimento são oferecidas como resposta a necessidades e demandas específicas dos produtores de ciência e tecnologia e dos demais atores envolvidos. As questões discutidas caracterizam-se - ou podem vir a se caracterizar - como temas, objetivos e objetos das Ciências Sociais. Interessa, portanto, refletir acerca da expansão da Inteligência Artificial e as implicações desse fato para as Ciências Sociais.

Análise de redes de pesquisa e inovação em plataformas de governo eletrônico Renato Balancieri 1,2, Vinícius M. Kern 1,2,3, Roberto C. S. Pacheco 1,2,4

1Instituto Stela 2 EGC/UFSC – Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento 3 UNIVALI São José – Ciência da Computação4 INE/UFSC – Departamento de Informática e Estatística As ligações entre governo, indústria e universidade dirigem a evolução dos sistemas nacionais de inovação. Este artigo relata a implementação, resultados e perspectivas da análise de redes de pesquisa e inovação na Plataforma Lattes. O arcabouço conceitual que a embasa é descrito. É detalhada a construção de redes e dos aplicativos que as manipulam a partir dos repositórios Lattes. Os resultados são ilustrados por meio das ferramentas Lattes Egressos, Colaboradores e Redes-GP, que permitem a visualização gráfica de redes acadêmicas e a identificação de características como influência, formação de recursos humanos e redes interinstitucionais. As análises geram conhecimento novo e são insumo para a tomada de decisão, com implicações para as redes de inovação, em especial no âmbito do Portal Inovação. A abordagem de redes para a avaliação da prática biotecnológica Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro Pensar em novas perspectivas para a avaliação de programas estratégicos em ciência, tecnologia e inovação, como aqueles voltados às novas biotecnologias, é, também, discutir toda a dimensão de confronto entre os vários enfoques, especialmente com a abordagem tradicional. Ou seja, requer apontar fragilidades e limitações destes enfoques, e propor novos conceitos, que se revelem mais úteis e pertinentes ao exame das novas realidades. Isto posto, o presente trabalho pretende desenvolver discussão conceitual sobre o fenômeno das “redes sócio-técnicas” Latour (2000) –, a fim de poder aplicá-la na construção de uma nova abordagem para a avaliação da prática biotecnológica. Estímulos e Desestímulos à Divulgação do Conhecimento Científico Maria Lucia Maciel Vivemos numa sociedade em transformação rápida e constante, em que o conhecimento se tornou fator crucial de desenvolvimento social e econômico. Há uma nova relação entre produção/acumulação/distribuição de renda, de um lado, e produção/acumulação/distribuição de conhecimento, de outro. A inclusão social, econômica e política e o desenvolvimento da cidadania dependem da educação científica, não só na escola mas lato sensu. É preciso responder ao interesse e à curiosidade da criança e à do público adulto, não só informando sobre o que se faz em ciência mas também incentivando as novas gerações a fazê-la. Não se trata de substituir e sim de complementar o ensino escolar formal.Constata-se a falta de uma política nacional que tenha o objetivo de disseminar na sociedade o entendimento do mundo em que vivemos, e incentivar a descoberta de novos mundos - sob todos os seus aspectos.

Difusão do conhecimento e inovação - o Acesso Aberto a publicações científicas Jorge Alberto S. Machado Nos últimos anos, os paradigmas de produção intelectual, cultural e artística vêm sendo incisivamente contestados pela apropriação e novos usos dados pelos usuários às tecnologias de informação e comunicação, o que tem levado à necessidade de uma revisão dos padrões convencionalmente aceitos. No meio acadêmico, um dos reflexos dessa mudança é o movimento pela disponibilização gratuita e sem quaisquer restrições da produção científica na Internet, conhecido como Open Access (“Acesso Aberto”). No entanto, apesar das evidentes vantagens no que se refere à facilidade de acesso, baixos custos e possibilidade de ampla difusão de resultados de pesquisa, há uma série de dificuldades à adesão da comunidade científica e à expansão das publicações digitais. A maior parte dos obstáculos decorre em função de práticas culturais arraigadas, insuficiência de informação e falta de padrões de referência. Redes de bibliotecas virtuales para las ciencias sociales Dominique Babini Las modalidades en la edición y difusión electrónica de libros y revistas de ciencias sociales editadas en América Latina y el Caribe tienen más relación con necesidades propias de la región -dificultades en acceder a publicaciones impresas, tiradas muy reducidas en la edición académica, préstamo inter-bibliotecario prácticamente inexistente- que con la dinámica del negocio editorial académico internacional. Se describen las modalidades actuales para la difusión vía Web de libros y revistas en texto completo, tanto en sitios Web institucionales como así también en la Red de Bibliotecas Virtuales de

Ciencias Sociales de América Latina y el Caribe de la Red CLACSO (Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales). Ciência e Parlamento, uma interlocução democrática Ingrid Sarti

Trata-se de um ensaio sobre a conceituação republicana da interlocução entre ciência e Parlamento, com ênfase na busca do bem público em contraponto à defesa dos interesses particulares próprios da noção liberal de lobby. Aborda a distinção entre a natureza da ciência e a da representação política, da autonomia de cada uma e dos objetivos que perseguem. Situa os muitos desafios que se apresentam à interlocução entre C&T e Parlamento no contexto latino-americano e conclui que os obstáculos devem ser enfrentados, sob o risco de manter os cidadãos a distancia das principais decisões que orientam sua existência e até mesmo sem poder usufruir as contribuições que o conhecimento pode dar à cultura da liberdade, da justiça e da igualdade. O Parlamento sitiado, a ciência e a educação Marco Aurélio Nogueira O presente texto pretende discutir, em termos tentativos, o seguinte paradoxo: as democracias contemporâneas não podem funcionar sem um Poder Legislativo forte e atuante mas os Parlamentos, hoje em dia, estão tão perturbados pelas circunstâncias gerais

da vida e pelas repercussões dessas circunstâncias que passam a ter cada vez mais dificuldades operacionais, técnicas e políticas de cumprir suas funções. Seu suposto é que a crise do Estado nacional imposta pela globalização e pela radicalização da modernidade produz abalos em toda a institucionalidade política contemporânea, ao mesmo tempo em que pressiona no sentido da invenção constante de novas instituições, dentro e fora das nações. O texto explora, como conclusão, a idéia de que a recuperação da imagem negativa do Parlamento, a valorização da sua função positiva e o alcance de uma melhor sintonia entre ele e as condições da vida moderna dependem de movimentos reformadores regulares tanto no nível sistêmico puro (as leis, os regimentos, os sistemas eleitoral e partidário) quanto no nível daquilo que o movimenta, que são as pessoas. É nesse sentido que ganha destaque a contribuição da ciência e da educação.

Ciberespaço, conhecimentos e inovação social

“O cyberespaço. Uma alucinação consensual vivida

diariamente por bilhões de operadores autorizados, em todas

as nações ....Uma representação gráfica de dados abstraídos

dos bancos de todos os computadores do sistema humano.

Uma complexidade impensável. Linhas de luz abrangendo o

não-espaço da mente; nebulosas e constelações infindáveis de

dados. Como marés de luzes de cidade...”(Gibson, 2003, p. 68-69)

A realidade social e a ficção científica, produtos humanos de diferentes ordens, se

entrelaçam freqüentemente, produzindo novas realidades. Em 1984 William Gibson

lançava seu “Neuromancer”, produto de um movimento literário na ficção científica que

anteviu na disseminação da tecnologia de ponta, notadamente no desenvolvimento da

informática, um potencial que tornaria a realidade ainda mais estranha e empolgante que a

própria ficção. Nesse livro surge, pela primeira vez, o conceito de ciberespaço, como uma

representação física e multidimensional do universo abstrato da informação. “Um lugar

para onde se vai com a mente, catapultada pela tecnologia, enquanto o corpo fica para

trás” (Antunes, 2003, p. 6).

Não só a coletividade da informática adotou o conceito, como ele tornou-se

rapidamente um conceito central nos debates sobre a internet e outras redes. Por outro lado,

Neuromancer influenciou diversos desenvolvimentos tecnológicos como os artefatos para

interface entre computador e seres humanos: capacetes e luvas de realidade virtual

(Antunes, 2003).

A leitura desse romance publicado em 1984 nos fornece indícios sobre a capacidade

humana de forjar sua realidade a partir de múltiplos feixes de futuros possíveis. Nos vinte

anos que se seguiram ao livro de Gibson, ciência e tecnologia que, em estreita vinculação,

já desempenhavam papel estratégico como força produtiva, dão lugar à tecnociência – um

sistema de ações eficientes, baseadas em conhecimento científico. Essas ações se orientam

tanto para a natureza quanto para a sociedade, visando transformar o mundo, para além de

descrever, predizer, explicar, compreender. A tecnociência implica a empresarialização da

atividade científica e, sendo um fator relevante de inovação e de desenvolvimento

econômico, passa a ser também um poder dominante na sociedade, tendendo, sua prática,

ao segredo e à privatização (Echeverría, 2003).

Ciência, tecnologia e inovação afirmam-se, cada vez mais, como o motor da grande

competição que leva à supremacia econômica, ao progresso, ao desenvolvimento

econômico e social. A definição de suas finalidades atende, nesse contexto, diretamente ao

mercado.

Tecnociência e capital, intimamente relacionados estão envolvidos: na definição de

agendas de pesquisa a partir de interesses de criação de novos mercados; nas manipulações

genéticas atuais que podem ocasionar dramáticas conseqüências para a biodiversidade; na

apropriação privada de organismos vivos que pode resultar no controle do mercado mundial

de exportações agrícolas e na criação de mecanismos e instrumentos que levam à destruição

em guerras instantâneas, à degeneração da vida e à desestruturação social - pesquisas e

criações que concretizam assustadoras possibilidades mostradas na literatura ficcional1

(Baumgarten, 2002b).

A análise da relação entre desenvolvimento econômico capitalista, conhecimento e

sustentabilidade social e natural, no terço final do século XX, indica enormes contradições,

tanto em termos de diferenças entre o discurso e a prática do Estado, quanto relativamente à

própria ação dos vários atores sociais envolvidos. Os rumos do desenvolvimento capitalista

no mundo e, também na América latina não parecem estar se orientando no sentido de uma

nova consciência planetária e de ações visando a sustentabilidade, e sim, ao contrário, para

a resolução dos problemas imediatos de ajuste da economia e interesses das nações

hegemônicas (Fiori, 2003; Dupas, 2000; Bursztyn, 2000).

Ao lado das realidades/potencialidades sombrias do conhecimento atual há, não

obstante, extraordinários avanços no sentido da solução de carências humanas em áreas

vitais como a produção de alimentos, a medicina, comunicação. Poderosos instrumentos de

elevação da qualidade de vida são criados, mas o acesso a esses bens é restrito.O caráter

ambivalente do conhecimento técnico-científico expresso na tensão entre suas virtualidades

1 Na literatura de ficção científica, assim como no cinema, há inúmeros exemplos de antecipações em torno dos temas aqui tratados, dentre eles pode-se citar: O admirável mundo novo de Aldous Huxley (1974), 1984 de George Orwel (1973); e, mais recentemente, os filmes Blade Runner, de Ridley Scott (1981), Matrix, dos Wachowski Brothers (1999); e Gattaca, a experiência genética, de Andrew Niccol (1997).

progressivas e regressivas (Morin, 2000) remete à sua articulação aos interesses presentes

na sociedade (Baumgarten, 2002).

Frente às inúmeras alternativas futuras contidas no presente, impõe-se pensar

estrategicamente maneiras de viver sustentáveis. A idéia, aqui, é que se pode retomar o

conceito de Mannheim (1974) sobre técnicas sociais, em uma perspectiva de planificação

emancipatória.

O planejamento, assim definido, não será uma técnica social neutra e sim orientada

ética e politicamente e exercida nos moldes de uma democracia radical, assumindo a forma

de inovação social, de planejamento emancipatório e assentando-se em bases relacionadas

às novas formas de pensar do paradigma da complexidade (Morin, 1999; Tavares dos

Santos, 2001). Tal visão poderia servir como ponto de partida para um conceito de

tecnologia social, no qual a técnica é tomada como um instrumento de emancipação social

e não como meio de dominação, forma de controle ou causa de exclusão social. Essa

perspectiva é o ponto de partida para a busca de mediações entre as instâncias de produção

do conhecimento científico e a sociedade. Mediações que viabilizem a geração de

conhecimentos que possam ser apropriados e utilizados na busca da sustentabilidade social

e econômica. Conhecimentos que gerem inovação social.

A idéia desse livro surgiu em Buenos Aires, em uma reunião sobre ciência e

tecnologia e sociedade, promovida pelas Sociedades Argentina e Brasileira para o

Progresso da Ciência (AAPC e SBPC). Em meio aos debates de áreas e temas tão diversos

quanto Neurociências, Nanotecnologia, Biotecnologia, Informática, Política, Movimento

Humano, um tema, entre todos, chamava a atenção e perpassava grande parte dos debates:

as redes para produção/disseminação de conhecimentos e sua apropriação social. Esse livro,

portanto, busca contribuir para o debate sobre as relações entre produção, disseminação e

usos de conhecimento e as potencialidades das redes de informações e conhecimentos para

a inovação-inclusão social.

Os resultados da produção científica e tecnológica são instrumentos essenciais para

o desenvolvimento econômico e social, e para melhorar as condições de inserção do país no

cenário internacional de economia mundializada, tendo presente a característica de Estados

Nacionais periféricos dos países da América Latina. A partir dessas considerações, Maíra

Baumgarten debate a necessidade e as possibilidades de promover a integração entre

universidades e instituições de pesquisa na América Latina, através da criação de redes de

produção de conhecimento e de inovação social.

Questões contemporâneas, filmes futuristas. A Inteligência Artificial é, ainda hoje,

um terreno desconhecido e misterioso para grande parte da humanidade, tema de romances

e grandes discussões. Como compreender o fenômeno de seu surgimento e sua relação com

ações e valores humanos? Quais as implicações sociais da participação de autômatos nas

mais variadas redes e instituições? Pode se considerar esses atores como seres sociais?

Christiana Freitas parte dessa série de questões buscando definidor os contornos históricos

e epistemológicos do campo da Inteligência Artificial a partir da análise de uma rede de

pesquisadores envolvida com o desenvolvimento de um projeto específico na área. Discute,

também, questões que se caracterizam - ou podem vir a se caracterizar - como temas,

objetivos e objetos das Ciências Sociais, refletindo acerca da expansão e consolidação da

Inteligência Artificial e as implicações desse fato para as Ciências Sociais.

Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro, com “A abordagem de redes para a

avaliação da prática biotecnológica” desenvolve uma discussão conceitual sobre o

fenômeno das “redes sócio-técnicas” Latour (2000) –, a fim de poder aplicá-la na

construção de uma nova abordagem para a avaliação da prática biotecnológica. Segundo o

autor, pensar em novas perspectivas para a avaliação de programas estratégicos em ciência,

tecnologia e inovação, como aqueles voltados às novas biotecnologias, é, também, discutir

toda a dimensão de confronto entre os vários enfoques, especialmente com a abordagem

tradicional. Ou seja, requer apontar fragilidades e limitações destes enfoques, e propor

novos conceitos, que se revelem mais úteis e pertinentes ao exame das novas realidades.

Renato Balancieri, Vinícius M. Kern, Roberto C. S. Pacheco empreendem uma

análise de redes de pesquisa e inovação em plataformas de governo eletrônico. Seu ponto

de partida é a idéia que as ligações entre governo, indústria e universidade dirigem a

evolução dos sistemas nacionais de inovação. Os autores relatam a implementação,

resultados e perspectivas da análise de redes de pesquisa e inovação na Plataforma Lattes,

descrevem o arcabouço conceitual que embasa a análise e detalham a construção de redes e

dos aplicativos que as manipulam a partir dos repositórios Lattes. Os resultados são

ilustrados por meio das ferramentas Lattes Egressos, Colaboradores e Redes-GP, que

permitem a visualização gráfica de redes acadêmicas e a identificação de características

como influência, formação de recursos humanos e redes interinstitucionais. As análises

geram conhecimento novo e são insumo para a tomada de decisão, com implicações para as

redes de inovação, em especial no âmbito do Portal Inovação.

A análise das possibilidades criadas por redes de pesquisa e inovação em

plataformas de governo eletrônico, nos remete a uma questão essencial relacionada à

ciência e ao seu papel na sociedade – a divulgação e os níveis de apropriação social do

conhecimento científico, problemas que são debatidos na segunda parte desse livro.

Em “Estímulos e Desestímulos à Divulgação do Conhecimento Científico”, Maria

Lucia Maciel debate o surgimento de uma nova relação entre produção/acumulação/

distribuição de renda, de um lado, e produção/acumulação/distribuição de conhecimento,

de outro. Segundo a autora, a inclusão social, econômica e política e o desenvolvimento da

cidadania dependem da educação científica, não só na escola mas lato sensu. É preciso

responder ao interesse e à curiosidade da criança e à do público adulto, não só informando

sobre o que se faz em ciência mas também incentivando as novas gerações a fazê-la. Não se

trata de substituir e sim de complementar o ensino escolar formal. Maria Lucia debate a

falta de uma política nacional que tenha o objetivo de disseminar na sociedade o

entendimento do mundo em que vivemos, e incentivar a descoberta de novos mundos - sob

todos os seus aspectos.

Seguindo essa linha, Jorge Alberto S. Machado reflete sobre o acesso aberto a

publicações científicas. Segundo o autor, nos últimos anos, os paradigmas de produção

intelectual, cultural e artística vêm sendo incisivamente contestados pela apropriação e

novos usos dados pelos usuários às tecnologias de informação e comunicação, o que tem

levado à necessidade de uma revisão dos padrões convencionalmente aceitos.

No meio acadêmico, um dos reflexos dessa mudança é o movimento pela

disponibilização gratuita e sem quaisquer restrições da produção científica na Internet,

conhecido como Open Access (“Acesso Aberto”). No entanto, apesar das evidentes

vantagens no que se refere à facilidade de acesso, baixos custos e possibilidade de ampla

difusão de resultados de pesquisa, há uma série de dificuldades à adesão da comunidade

científica e à expansão das publicações digitais. A maior parte dos obstáculos decorre de

práticas culturais arraigadas, insuficiência de informação e falta de padrões de referência.

Em “Redes de bibliotecas virtuales para las ciencias sociales”, Dominique Babini

descreve as modalidades atuais para a difusão, via internet, de livros e revistas com texto

completo, tanto em sítios Web institucionais, como também na Red de Bibliotecas

Virtuales de Ciencias Sociales de América Latina y el Caribe de la Red CLACSO

(Conselho Latino-americano de Ciências Sociais). Segundo a autora as modalidades na

edição e difusão eletrônica de livros e revistas de Ciências Sociais editadas na América

Latina e no Caribe estão mais relacionadas com as necessidades próprias da região –

dificuldades de acesso a publicações impressas, tiragens reduzidas na edição acadêmica,

empréstimo inter-bibliotecário praticamente inexistente – do que com a dinâmica do

negócio editorial acadêmico internacional.

A última parte do livro, aborda as relações entre ciência, parlamento e sociedade,

apontando caminhos para esse necessário entrelaçamento e para a inovação social.

Em “Ciência e Parlamento, uma interlocução democrática”, Ingrid Sarti apresenta e

debate a conceituação republicana da interlocução entre ciência e Parlamento, com ênfase

na busca do bem público em contraponto à defesa dos interesses particulares próprios da

noção liberal de lobby. A autora aborda a distinção entre a natureza da ciência e a da

representação política, da autonomia de cada uma e dos objetivos que perseguem. Situa os

muitos desafios que se apresentam à interlocução entre C&T e Parlamento no contexto

latino-americano e conclui que os obstáculos devem ser enfrentados, sob o risco de se

manterem os cidadãos à distância das principais decisões que orientam sua existência e até

mesmo sem que possam usufruir as contribuições que o conhecimento pode dar à cultura da

liberdade, da justiça e da igualdade.

Marco Aurélio Nogueira apresenta para uma discussão, em termos tentativos, o

seguinte paradoxo: as democracias contemporâneas não podem funcionar sem um Poder

Legislativo forte e atuante mas os Parlamentos, hoje em dia, estão tão perturbados pelas

circunstâncias gerais da vida e pelas repercussões dessas circunstâncias que passam a ter

cada vez mais dificuldades operacionais, técnicas e políticas de cumprir suas funções. Seu

suposto é que a crise do Estado nacional imposta pela globalização e pela radicalização da

modernidade produz abalos em toda a institucionalidade política contemporânea, ao mesmo

tempo em que pressiona no sentido da invenção constante de novas instituições, dentro e

fora das nações. O autor explora, como conclusão, a idéia de que a recuperação da imagem

negativa do Parlamento, a valorização da sua função positiva e o alcance de uma melhor

sintonia entre ele e as condições da vida moderna dependem de movimentos reformadores

regulares tanto no nível sistêmico puro (as leis, os regimentos, os sistemas eleitoral e

partidário) quanto no nível daquilo que o movimenta, que são as pessoas. É nesse sentido

que ganha destaque a contribuição da ciência e da educação.

Enfim, esperamos, com este livro, contribuir para o debate sobre as transformações

que acompanham as novas formas de produção da vida material e do conhecimento na

sociedade. Essas mudanças requerem articulações dinâmicas entre as instâncias de

produção de conhecimento, as empresas e o Estado e dependem de capacidade de inovação

tecnológica e social, tanto em termos de país, quanto de regiões, localidades (Figueiredo,

1989; Maciel, 2001). Um ambiente institucional e cultural, além dos recursos materiais.

Nesse sentido, a ampliação de possibilidades de produção e de disseminação do

conhecimento científico, a preservação de seu locus privilegiado – a universidade e os

institutos de pesquisa, e a ampliação dos instrumentos de disseminação de conhecimento

tanto internamente à coletividade científica, quanto entre a coletividade e a sociedade,

apresentam-se como ações estratégicas, não só para a estrutura científica e tecnológica e

para a economia de um determinado país, quanto para o funcionamento do próprio Estado e

da sociedade.

Maíra Baumgarten

Porto Alegre, junho de 2005

Referências ANTUNES, A. Prefácio à Edição Brasileira. In: Neuromancer (3ª ed.) São Paulo: Alefh, 2003. BAUMGARTEN, M. Conhecimento, planificação e sustentabilidade. In: São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação SEADE, v. 16, n. 3, jul./set. 2002, p. 31-41, 2002a BAUMGARTEN, M. Natureza, trabalho e tecnociência. In: CATTANI, A. D. (Org). Dicionário crítico sobre o trabalho e tecnologia (4 ed.). Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Ed. UFRGS, p. 203-213, 2002b BURSZTYH, Marcel (Org.) A difícil sustentabilidade: política energética e conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Garamond Dupas, 2000. DUPAS, G. Ética e Poder na Sociedade da Informação. São Paulo: UNESP, 135p, 2000. ECHEVERRÍA, Javier . Introdução à Metodologia da Ciência. Coimbra: Almedina, 2003. FIGUEIREDO, V. Produção social da tecnologia. São Paulo: EPU, 1989. FIORI, J. C. Um novo país é possível. Entrevista. In: Caderno de Cultura ZH, Porto Alegre, 18/01/2003, p. 2-3, 2003. GIBSON, William (1984). Neuromancer (3ª ed.) São Paulo: Alefh, 2003. HUXLEY, Aldous . Admirável Mundo Novo. 1ª ed. São Paulo: Abril. 312p, 1974. LATOUR, Bruno. A Ciência em Ação. Saõ Paulo, Ed. UNESP, 2000. MACIEL, M. L. Hélices, sistemas, ambientes e modelos. Os desafios à Sociologia da Inovação. In: Sociologias, Porto Alegre, UFRGS/IFCH/PPGS, v. 3, n. 6, jul./dez. 2001, p. 18-29. MANNHEIM. K. Sociologia da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1974. MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. MORIN, E. O método 3: o conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina. (edição Original: 1986), 1999. NICCOL, A. (Dir.) Gattaca: a experiência genética. Sony, EUA, 112 min. Ficção Científica, 1997. ORWEL, George. 1984. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973. SCOTT, R. (Dir.) Blade Runner. Warner Bros., EUA, 117 min. Ficção Científica, 1981. TAVARES DOS SANTOS, J. V. Novas questões sociais mundiais, projetos sociais e culturais e planificação emancipatória. In: Humanas, Porto Alegre, IFCH, v. 24, n. 1, p. 163-185, 2001. WACHOWSKI, Andy; WACHOWSKI, Larry (Dirs.). Matrix. Warner Bros., EUA, 136 Minutos. Ficção Científica, 1999.

Redes, Conhecimento e Inovação Social

Maíra Baumgarten Introdução

No decorrer da segunda metade do século XX, o conhecimento científico passou a

constituir-se em elemento decisivo no processo de construção da sociedade capitalista,

originando o que vem sendo denominado por sociedade do conhecimento.

Esse trabalho tem como ponto de partida o cenário pleno de desafios do século que ora tem

início, propondo refletir sobre a articulação entre produção de conhecimento, seu locus privilegiado

– a universidade – e a inovação social, vistos como meios para a sustentabilidade. Inicialmente é

traçado em breves linhas, o cenário atual da produção do conhecimento e suas vinculações com a

nova ordem mundial e sustentabilidade; analisando-se, a seguir, algumas relações entre C&T,

competitividade e inovação social na América Latina; e, por fim, são levantadas questões sobre os

movimentos de integração dos sistemas educacionais dos países da periferia e semi-periferia

mundial e suas potencialidades como instrumento para responder aos desafios colocados pelas

novas formas assumidas pelo desenvolvimento capitalista em nível global, fortemente relacionadas

à produção de conhecimento.

1. Nova Ordem Mundial e Conhecimento : lucro máximo versus sustentabilidade

As últimas décadas do século XX caracterizaram-se por mudanças significativas nas

formas de produção e acumulação capitalista. Ao final da década de 1960, a profunda crise

do modelo de acumulação capitalista, até então vigente, levou a um re-ordenamento das

formas de organização do capital. A resposta à crise de acumulação dos anos 1970 baseou-

se em duas estratégias: a) a expansão do sistema; e b) a produção de bens de tipo

radicalmente novo (Jameson, 1999).

A primeira estratégia diz respeito à chamada globalização2 (Chesnais, 1996;

Scherer, 2002), que pode ser traduzida por financeirização acelerada e crescente da

2 Alguns autores (Chesnais, 1995; Wallerstein, 2001) optam, a partir de uma perspectiva histórica, por trabalhar com a idéia de mundialização. Wallerstein trabalha com a noção de economia capitalista mundial (sistema mundial moderno) e Chesnais com a idéia de mundialização do capital, pois para ele o conteúdo

economia mundial. A globalização opera de forma desigual para os diferentes atores: o

capital move-se livremente em busca de espaços de valorização3, pressionando pela

abertura dos mercados nacionais e pela desregulamentação do trabalho. Os trabalhadores,

entretanto, são limitados às fronteiras nacionais. A expansão das esferas financeira e

técnico-produtiva se faz acompanhar pela aceleração dos processos de deslocalização e

segmentação econômica e social (Vilas, 1999; Castells, 2000). Paralelamente ao

movimento de mundialização financeira, de extensão do locus da produção e da abertura de

novos mercados, pode-se identificar uma tendência à concentração dos centros de

planejamento e de decisão nos países centrais, configurando-se uma desigual difusão

mundial de inovações técnicas, organizacionais e institucionais (Lastres & Ferraz, 1999).

O Estado, por sua vez, tende a assumir novas formas e outros papéis. Sua

intervenção dá-se no sentido de baixar os custos de produção (legislação trabalhista

modificada), garantir a estabilidade da moeda (câmbio), a institucionalização dos ajustes

macroeconômicos necessários à livre expansão do capital e impulsionar a revolução tecno-

científica e gerencial, cujos objetivos indissociáveis são: mudar o perfil da composição do

mundo do trabalho e aumentar a sua produtividade (Vilas, 1999; Roio, 1999).

A segunda estratégia de resposta à crise, a produção de tipos radicalmente novos de

bens, apóia-se no recurso a inovações e em “revoluções” na tecnologia. Uma intensidade

maior no uso de informação e de conhecimento nos processos de produção, de

comercialização e de consumo de bens e serviços, assim como, na cooperação e competição

entre agentes, e na circulação e valorização do capital, leva a novas práticas nesses

processos. As tecnologias de informação e de comunicação apresentam-se, portanto, como

elementos centrais na nova dinâmica técnico-econômica (Castells, 2000; Jameson, 1999).

Novos saberes e competências, aparatos e instrumentos tecnológicos, produzem

tipos novos de bens4, viabilizando a abertura de espaços de atuação e mercados, encolhendo

o globo5 e reorganizando o capitalismo em uma escala diferente e ampliada (Jameson,

efetivo da globalização é dado pela mundialização das operações do capital em suas formas industriais e financeiras. 3 O que é possibilitado por novas tecnologias de informação e comunicação. Parte crescente das atividades do setor financeiro não mais envolvem trocas físicas, mas sim informações traduzidas e transmitidas em tempo real no mundo inteiro (Lastres & Ferraz, 1999). 4 Novos materiais, transgênicos, nanoinstrumentos, info-vias, robôs, entre outros. 5 Através das modernas tecnologias de informação e comunicação, que anulam o espaço através do tempo (Harvey, 1993). Para Santos (1994) a informação passa a ser o verdadeiro instrumento de união entre as

1999; Lastres & Albagli, 1999).

Ciência e tecnologia que, em estreita vinculação, já desempenhavam papel

estratégico como força produtiva, dão lugar à tecnociência – um sistema de ações

eficientes, baseadas em conhecimento científico. Essas ações se orientam tanto para a

natureza quanto para a sociedade, visando transformar o mundo, para além de descrever,

predizer, explicar, compreender. A tecnociência implica a empresarialização da atividade

científica e, sendo um fator relevante de inovação e de desenvolvimento econômico, passa

a ser também um poder dominante na sociedade, tendendo, sua prática, ao segredo e à

privatização (Echeverría, 2003).

Objeto de apropriação privada6, a tecnociência7 transmuta-se em mercadoria de alto

valor, progressivamente inserida no cotidiano das sociedades, em sua estrutura de poder e

em suas matrizes simbólicas e culturais (Albagli, 1999) e insere-se em novas formas de

produção e acumulação configurando a chamada sociedade do conhecimento8.

Uma outra forma de relação entre economia, Estado e sociedade emerge das

estratégias de resposta à crise sintetizadas na financeirização da economia, no

fortalecimento dos mercados, frente aos Estados e na utilização intensiva de conhecimento

e informação. Nesse novo contexto, alteram-se radicalmente as condições de existência de

parcelas significativas de populações tanto nos centros capitalistas do Norte, quanto nos

países periféricos do Sul9.

A ampliação e generalização do sistema desigual de trocas10 e as novas estratégias

de maximização dos lucros geram, ao mesmo tempo e de forma complementar, riqueza

distintas partes de um território, gerando implicações políticas de variadas ordens. Cria-se, assim, o que Castells (2000) denomina de o espaço dos fluxos, que tende a sobrepor-se ao espaço dos lugares. 6 Albagli (1999) aponta a existência de uma simbiose entre ciência, tecnologia e poder (econômico e político), a partir da qual o progresso científico-tecnológico é incorporado ao domínio da esfera pública e em que os novos conhecimentos científicos e tecnológicos passam a ser objetos de crescente privatização pelos agentes econômicos. As questões referentes à propriedade intelectual, patentes, apropriação por empresas transnacionais de plantas e micro organismos, têm sido objeto de acirrado debate. Para esse assunto ver ainda: Santos, 2000; Carvalho, 2000. 7 Para o debate sobre tecnociência ver: Araújo (1998); Santos (1998). 8 Há uma certa controvérsia quanto, a ser ou não adequado, o termo sociedade do conhecimento para definir a sociedade atual pois, segundo alguns autores, o que surge como sua característica mais destacada é, antes, a informação e seus diferentes fluxos do que conhecimento. Para diversas posições sobre o assunto ver: Castells, 2000, vol. I; Lastres e Albagli, 1999; Baumgarten, 2001. 9 Tomando-se, por exemplo, a América Latina, na década de oitenta, o Produto Interno Bruto aumentou 13%, enquanto a taxa de desemprego urbano subiu para algo em torno de 30% (Beinstein, 2001). 10De acordo com Passet “...os capitais circulam mais fácil e rapidamente que as mercadorias” o que impede que os Estados-Nações possam controlar a massa de mercadorias (1998, p. 65).

ímpar e maior exclusão econômica e social. A pobreza se dissemina na América do Sul,

Ásia e África e surgem inúmeros bolsões de excluídos (migrantes, desempregados) nos

países do Norte (Therborn, 2001).

Pode-se afirmar que nos deparamos, atualmente, com uma disseminação planetária

do processo racional de “perseguição de lucro máximo” que integra a civilização capitalista

(Carvalho, 2000). A racionalidade instrumental, característica do capitalismo, traz em si

duas tendências: a) a do descasamento entre sociedade, política e economia, no qual a

economia de mercado é um sistema auto-regulado, não intrínseco à sociedade, escapando

aos controles sociais, morais e políticos (Moraes, 1997; Bensaïd, 1999); e b) a

quantificação crescente, ou seja, o predomínio do espírito de cálculo racional, com a

monetarização das relações sociais (Löwy, 2000).

As novas tecnologias de informação e comunicação facilitam e agilizam o

movimento mundial de capitais, que circulam mais rápida e facilmente que as mercadorias

(Passet, 1998). O mercado unificado de capitais funciona em tempo real e a tomada de

decisões é instantânea. A crescente dificuldade dos Estados, em controlar a massa de

mercadorias e os capitais especulativos, traduz-se em conflito de base entre o planejamento

nacional dos países e o planejamento internacional efetuado pelas empresas com interesses

transnacionais (Carvalho, 2000).

A reforma do Estado com a exclusão da arena política dos interesses desafinados

com a perseguição do lucro máximo e a concomitante privatização da esfera pública,

resultam em crescente e generalizada dissociação entre Estado e sociedade civil. A crise

dos sistemas políticos e o incremento das desigualdades sociais e econômicas através dos

mecanismos de seleção e fragmentação, têm originado, através do mundo, tendências de re-

agrupação das populações em torno de identidades primárias religiosas, étnicas, territoriais

(Wallerstein, 2001). O local/regional contrapõe-se ao global, que se reafirma através da

mídia que, por sua vez, encurta as distâncias, transforma o tempo e (des) orienta

comportamentos, impondo padrões de pensamento e de consumo11.

A concepção de mundo hegemônica da sociedade contemporânea resulta do

enfrentamento entre valores em um campo de conflitos no qual aqueles critérios ligados à

11 Esse tema é também abordado por: Araújo (1998); Carvalho (2000); Baumgarten (2001); Bartholo Jr. (2001).

dignidade humana e à preservação da natureza vêm sendo rejeitados, vistos como freios ao

progresso, dada a sua incompatibilidade com a busca do lucro máximo.

Acredita-se que o progresso dessa “nova ordem mundial” com seu corolário de

desigualdade e de destruição sistemática da natureza e dos laços de solidariedade inter-

humana não é uma realidade inexorável, ao contrário, as próprias virtualidades críticas

contidas no conhecimento científico permitem, não só desvelar as potencialidades sombrias

da realidade, como também entrever outras possibilidades. Frente às inúmeras alternativas

futuras contidas no presente, impõe-se pensar estrategicamente maneiras de viver

sustentáveis. Com essa idéia torna-se possível voltar ao problema específico da relação

entre conhecimento científico e sustentabilidade e sua situação no contexto

latinoamericano.

O novo cenário mundial que vem se desenhando a partir do último terço do século

XX, levou a um relativo consenso entre os defensores do desenvolvimento capitalista e seus

críticos, quanto à urgência da adoção de estratégias sócio-político-ambientais sustentáveis.

Há que considerar que a proposta de adoção das estratégias de desenvolvimento sustentável

tem sentidos bastante diferentes para os distintos grupos envolvidos, significando para uns,

tornar mais aceitáveis e menos perigosos os atuais rumos do desenvolvimento capitalista,

inserindo certos mecanismos de controle; enquanto para outros a noção de sustentabilidade

contém um questionamento do próprio núcleo das atuais formas de produção da vida – a

mercadorização geral e a crescente e sistemática exploração depredadora do ambiente e dos

seres que o constituem.

Há, pois, profundas diferenças tanto no que se refere ao tipo de estratégias propostas

para a obtenção de um desenvolvimento sustentável e quem deve arcar com os maiores

custos econômicos e sociais, quanto, com relação à real aplicabilidade dessas estratégias,

mantendo-se as atuais formas de organização econômica e social.

Na sociedade mundializada, que surge em meio à crise geral da última década do

século XX, o debate sobre a noção de desenvolvimento sustentado, e suas possibilidades

científicas e políticas, é condição necessária para embasar uma crítica à perspectiva de

desenvolvimento científico e tecnológico, orientado pela racionalidade instrumental e pela

lógica do mercado, bases da chamada globalização hegemônica de que fala Santos, e que se

caracteriza pela exclusão econômica e social (Santos, 2000).

Uma retrospectiva histórica sobre o tema permite concluir que crescimento

econômico, eqüidade social, e equilíbrio ecológico dificilmente estiveram juntos na

América Latina. O processo de industrialização no Brasil e, também nos países latino-

americanos, teve, entre seus resultados, a exclusão de significativas parcelas da população

desses países, tanto da riqueza social, como da própria condição de cidadãos, a destruição

de riquezas naturais, o comprometimento de inúmeras espécies da fauna e da flora e fortes

níveis de degradação ambiental (Tavares e Fiori, 1993; 1998; Moraes, 1997).

A análise da relação entre desenvolvimento econômico capitalista e sustentabilidade

social e natural, no terço final do século XX, indica enormes contradições, tanto em termos

de diferenças entre o discurso e a prática do Estado, quanto relativamente à própria ação

dos vários atores sociais envolvidos. Os rumos do desenvolvimento capitalista no mundo e,

também na América latina não parecem estar se orientando no sentido de uma nova

consciência planetária e de ações visando a sustentabilidade, e sim, ao contrário, para a

resolução dos problemas imediatos de ajuste da economia e interesses das nações

hegemônicas (Fiori, 2003; Dupas, 2000; Bursztyn, 2000).

O Estado, personagem estratégico, no que se refere ao desenvolvimento sustentável,

tem sido levado a gerir restritivamente a demanda ambiental e social, refletindo seus

compromissos concretos e históricos, e suas crescentes limitações frente aos interesses do

mercado e do capital financeiro internacional; entretanto, não pode abrir mão do discurso

da proteção ambiental, da qualidade de vida e de uma ciência e tecnologia, voltadas para a

resolução dos graves problemas sociais e ambientais do novo século, sob pena de perder

legitimidade (Bernardo, 1996; 2001).

Impõe-se, nesse contexto, refletir sobre as possibilidades do planejamento

estratégico, aqui compreendido como ação coletiva que, em um contexto de incerteza

(múltiplas possibilidades) busca, a partir da análise de situações específicas, caminhos para

“modelar o comportamento humano e as relações sociais”12 em estruturas que assegurem a

dignidade humana e a sustentabilidade social e natural, de forma a não comprometer as

condições de vida das gerações futuras. O planejamento, assim definido, não será uma

12 A idéia, aqui, é que se pode retomar o conceito de Mannheim (1974) sobre técnicas sociais - vistas como aquelas “práticas e operações cujo objetivo é modelar o comportamento humano e as relações sociais” – em uma perspectiva de planificação emancipatória. Tal visão, implícita no conceito de utopia do autor, poderia servir como ponto de partida para um conceito de inovação social, no qual a técnica é tomada como um instrumento de emancipação social.

técnica social neutra e sim orientada ética e politicamente e exercida nos moldes de uma

democracia radical, assumindo a forma de inovação social, de planejamento emancipatório

e assentando-se em bases relacionadas às novas formas de pensar do paradigma da

complexidade (Morin, 1999; Tavares dos Santos, 2001).

O pensar estratégico remete a condições históricas específicas como, por exemplo,

as condições de inserção de países periféricos e semiperiféricos na nova ordem mundial, o

papel das universidades nesse processo; e as potencialidades de uma planificação

emancipatória como instrumento para projetar uma adequada articulação entre produção de

conhecimento e sustentabilidade. A seguir são apresentados alguns elementos para refletir

sobre essa problemática.

2. C&T na periferia: competitividade ou inovação social?

O papel estratégico desempenhado pela ciência e tecnologia no contexto

contemporâneo e a desigual difusão das capacitações para produzir e utilizar a ciência entre

as diferentes nações recoloca, de forma ampliada, as dificuldades de inserção na economia

mundial daqueles países periféricos e dependentes de conhecimento e inovação gerados nos

centros dinâmicos da economia capitalista. Os países pertencentes a esse bloco são

responsáveis por mais de 90% da produção científica mundial e sua população representa

20% da humanidade. Os restantes 80% da população mundial vivem em países que

participam com menos de 10% da produção de C&T (Hassam, 1999).

A incapacidade em produzir conhecimentos que possam ser incorporados como

inovação13 afeta a entrada desses países nos mercados internacionais, impedindo sua

participação com produtos novos ou mais competitivos. Sua competitividade passa, então, a

depender de processos que comprometem as condições de vida de suas populações (baixos

salários, desregulamentação do trabalho) ou que super exploram suas bases de recursos

naturais.

A tendência à concentração da produção de conhecimento nos centros capitalistas

do Norte (Estados Unidos, Europa e Japão, principalmente) decorre de características

13 Apenas 2% das inovações tecnológicas são produzidas pelos países do Sul e 0,02% na América Latina (Nunes & Ferreira, 1999).

históricas desses países no que se refere à geração endógena de ciência e tecnologia; à

existência de sólidos vínculos entre unidades produtoras de C&T, sociedade e Estado; bem

como, à sua capacidade e disposição em atender às exigências crescentes de investimentos

contínuos e de grande vulto.

Ao mesmo tempo, o exponencial aumento na intensidade das interações entre as

coletividades científicas internacionais, facilitado pelas novas tecnologias eletrônicas e de

comunicação, tem levado à formação de redes em torno das atividades de C&T. Tais redes

ultrapassam os contextos institucionais de origem (universidades, institutos de pesquisa,

empresas, governos) obtendo crescente autonomia (Castells, 2000).

A cooperação transnacional entre instituições de ensino e pesquisa e instituições corporativas vem assumindo grande importância, tornando-se norma nos centros desenvolvidos. Em contraste, a colaboração internacional é entorpecida nos países do sul em decorrência da baixa participação da indústria no financiamento da pesquisa e de sua preferência em importar pacotes tecnológicos prontos, o que aumenta o grau de dependência científico-tecnológico desses países (Braun, 1999).

Ao final do século XX, países da América Latina, buscando responder aos desafios

colocados pelo desenvolvimento capitalista, adotam políticas de inovação que obedecem a

uma lógica que se expressa nas agendas para a competitividade. Com essas surge um

discurso segundo o qual, as necessidades do setor privado da economia requerem um novo

papel da investigação acadêmica e das universidades. Um papel muito mais ativo e

compromissado na obtenção da competitividade empresarial. Para tanto são promovidas

mudanças legais e institucionais, financeiras e organizacionais da ciência acadêmica, ao

mesmo tempo em que se fixam novos critérios de destinação de recursos para a

investigação e a avaliação de desempenho dos investigadores.

Como principais conseqüências dessas políticas se desenvolveu uma relação nova

entre produção científica e tecnológica e um outro ethos acadêmico – resultado do processo

de comercialização do conhecimento impulsionado pela lógica da competitividade global.

Originalmente desenvolvidas nos centros dinâmicos do capitalismo, as políticas de

C&T para a competitividade transformaram, gradualmente, o papel da ciência acadêmica e

das universidades na sociedade, fazendo-se acompanhar por um novo discurso sobre a

função da investigação acadêmica na obtenção da competitividade econômica dos países

nos mercados mundiais.

Essas políticas geram um conjunto de problemas que, nos centros capitalistas desenvolvidos

já foram identificados, por diversos pesquisadores, como de difícil solução (Licha, 1997). Nos países

periféricos e semi-periféricos, essas repercussões tendem a ser, ainda mais sérias. Por um

lado, tais políticas trazem benefícios apenas a poucas empresas, àquelas mais dinâmicas,

dotadas de capacidades próprias de pesquisa e desenvolvimento e que detém as funções

mais rentáveis. Em termos de países e de regiões ocorre o mesmo, pois a competitividade

global gera mais disparidades e aprofunda a brecha entre países centrais e periféricos.

Há que considerar, também, que nos países latino-americanos o setor industrial tem

sido sempre um usuário e provedor do sistema de pesquisa bastante passivo. As novas

políticas, mesmo que estimulem os empresários para que atuem no processo econômico e

inovativo, acabam por superestimar a resposta desses, ao mesmo tempo em que perdem de

vista a importância de preservar e de desenvolver a capacidade da pesquisa científica como

suporte para a capacidade inovadora. Principalmente, perdem de vista seu papel na

formação de pesquisadores e na docência em geral. Da mesma forma fica obscurecido, o

significado estratégico da existência de instituições acadêmicas fortes e autônomas, com

capacidade criativa e crítica capaz de contribuir para a compreensão dos graves problemas

sociais e dos principais desafios enfrentados pela sociedade, através daquilo que, aqui, tem

sido chamado de inovação social (Licha, 1997; Guimarães, 2002, Unicamp, 2002).

A crescente importância conferida ao mercado pela perspectiva liberalizante levou à

implementação de novas formas de controle das universidades, da educação e da produção

científica, sintetizadas na avaliação de cunho quantitativista, na idéia da eficiência (em

substituição à eficácia), no controle do desempenho (resultados), bem como, na noção de

falência das estruturas públicas estatais. No Brasil, esse discurso privatista e produtivista

passou a permear as instituições de pesquisa (e toda a sociedade) e infiltrou-se no próprio

discurso da coletividade científica, que o incorpora com base na idéia autonomista da

excelência. Com os recursos para investimento decrescentes e a adoção da idéia de

competitividade, acirraram-se as lutas por recursos para pesquisa dentro de e entre

universidades e, também, órgãos públicos, o que põe em risco aqueles grupos, áreas e

instituições mais frágeis, mais voltados às demandas e necessidades sociais ou menos

permeáveis à lógica produtivista.

A predominância das teses do menor retorno individual e social dos investimentos

na educação superior, em comparação ao dos investimentos em educação básica, bem como

as pressões por eficiência e competitividade, que trazem para o ensino superior a lógica do

mercado, vêm transformando o modelo de universidade e colocando em questão, de forma

radical, as suas possibilidades de autonomia. Como afirma Sguissardi (2004) os

constrangimentos da falta de recursos e a diversificação de fontes de financiamento vêm

transformando uma universidade sem (ou com pouca) autonomia, em outra na qual setores

externos, estatais ou do mercado, com seus interesses e sua lógica, teriam cada vez maior

poder para definir a agenda universitária, em todos os seus âmbitos (administração, ensino,

pesquisa e extensão).

As políticas de redirecionamento e de expansão do ensino superior, conduzidas

através de ações articuladas ao processo de reestruturação do Estado, e orientadas pela

defesa de uma pretensa eficiência e racionalidade da esfera privada em contraposição à

esfera pública, têm resultado, no Brasil, em um “intenso processo de massificação e

privatização da educação superior (...), caracterizado pela precarização e privatização da

agenda científica, negligenciando o papel social da educação superior como espaço de

investigação, discussão e difusão de projetos e modelos de organização da vida

social.(Dourado, 2002).

A universidade estatal pública vem enfrentando, nas últimas décadas, tanto nos

países centrais, quanto na periferia e na semiperiferia mundiais, um mesmo dilema: ser

pensada como bem público e atuar como tal ou como algo privado/mercantil. O modelo de

universidade mundial, resultado da onda ultraliberal, que está em implantação em distintos

países é o de uma “...universidade neoprofissional, heterônoma, operacional e

empresarial/competitiva”(Sguissardi, 2004, p. 30).

Esse conjunto de questões sobre as transformações recentes no sistema de ensino

superior e seus impactos na universidade pública, notadamente no que se refere à sua

capacidade de produzir conhecimento voltados à inovação social, remete à necessidade de

buscar caminhos para uma reforma democrática e emancipatória, que devolva à

universidade pública a capacidade de responder aos desafios colocados pela sociedade. Isso

é o que se propõe a seguir, debatendo o processo de internacionalização da universidade e

as possibilidades dos modelos pluriuniversitários.

Internacionalização do conhecimento e redes: o modelo pluriuniversitário A partir do século XX, notadamente de sua segunda metade, a internacionalização

das universidades encontra-se articulada ao paradigma do desenvolvimento. A mobilidade

se dá na direção sul-norte - estudantes dos países periféricos para os países do centro

capitalista, surgindo também acordos de cooperação institucional no sentido inverso.

Na esteira da globalização, as décadas finais do século XX caracterizaram-se pela

afluência de dinâmicas integradoras de caráter regional e sub regional – União Européia e

seus programas de intercâmbio acadêmico, e, na América Latina, redes como a AUGM

(Associação de Universidades do Grupo Montevideo), que congrega universidades públicas

do Mercosul e como a ReDeTIR (Red del Desarrollo Territorial e Integración Regional).

O impacto crescente da globalização e as características lucrativas das dinâmicas da

tecnociência, se traduzem em uma maior relevância no desenvolvimento da

internacionalização das instituições educativas. A internacionalização passa, cada vez mais

a ser um elemento chave com o qual as instituições acadêmicas buscam responder ao

impacto da globalização. Ao ganhar importância a internacionalização torna-se mais

empresarial e mesclada com processos de comercialização e competitividade, inclusive no

caso das universidades públicas (Guadilla, 2004).

Questões relacionadas à formação de redes na globalização hegemônica:

• Em que intensidade a perspectiva do mercado e do lucro perpassa as redes?

• A noção de propriedade intelectual, aliada ao direito de propriedade exercido

pelas corporações e outras entidades que exigem segredo e que demarcam o

fluxo de informação pode levar a uma restrição da distribuição geral e

apropriação social do conhecimento baseado em redes? Em que grau?

Um dos maiores desafios da universidade pública atual é, portanto, promover o

debate em torno da reivindicação do conceito de conhecimento como bem público, posto

que as atuais estratégias de acumulação centradas no conhecimento e na informação têm

incentivado o uso competitivo desses, crescendo a tendência a considerar-se o

conhecimento como mercadoria, sujeito a regras do mercado e suscetível de apropriação

privada.

À idéia de “uma universidade organizada e gerida nos moldes empresariais,

trabalhando com uma semi-mercadoria no quase-mercado educacional” (Sguissardi, 2004,

pp. 29, 30), cada vez mais presente no discurso e na prática oficiais das políticas públicas

de educação superior, é preciso contrapor o debate em torno dos conhecimentos – ecologia

de saberes, da tecnociência, da educação superior como bem público, restabelecer o

confronto entre o público e o privado/mercantil, e encaminhar a idéia de reforma

democrática e emancipatória da universidade pública.

Boaventura de Sousa Santos (2004) aponta a necessidade de fortalecer a

legitimidade da universidade pública num contexto de globalização neoliberal da educação.

Nessa perspectiva, as possibilidades inscritas na idéia de rede são centrais para uma

reforma institucional da universidade pública, ampliando suas capacidades para uma

globalização alternativa à hegemônica.

A proposta que o bem público da universidade passe a ser produzido em rede,

“...significa que nenhum dos nós da rede possa assegurar por si qualquer das funções em

que se traduz esse bem, seja ele a produção de conhecimento, a formação graduada e pós-

graduada ou a extensão. Isso implica uma revolução institucional e uma revolução nas

mentalidades” (Santos, 2004, p. 93).

Questões a considerar na construção de redes visando o modelo pluriuniversitário:

• Necessidade de programar processos de transição de mentalidade (passagem

inter-geracional);

• Inclusão da idéia de solidariedade e cooperação no interior da rede;

• Integração de universidades estrangeiras nas redes nacionais, buscando

formas de transnacionalização não mercantis;

• Busca de sinergias a partir das contribuições diferenciadas que os diferentes

nós da rede podem proporcionar;

• Utilização conjunta de recursos, de equipamentos e a mobilidade de

docentes e de estudantes no interior da rede;

• Padronização mínima de planos de cursos, de organização do ano escolar e

dos sistemas de avaliação;

• Manutenção e valorização das especificidades das diferentes instituições

que compõem a rede e que correspondem a suas capacidades de responder

aos seus próprios contextos regionais e/ou locais;

• Princípios básicos de orientação do desenvolvimento das redes: densificar,

democratizar, qualificar. Devem promover a multiconectividade entre as

universidades e os centros de pesquisa e de extensão, os programas de

divulgação e publicação do conhecimento.

• Busca da democratização externa: responsabilização social da universidade,

criando vínculos orgânicos entre a universidade e a sociedade (fim ao

isolamento);

• O modelo pluriuniversitário deve assumir a contextualização do

conhecimento e a participação dos cidadãos e comunidades não só como

utilizadores, mas mesmo como co-produtores de conhecimento

(participação)

O relatório síntese do Seminário Mercosul, Ciência, Tecnologia e Inovação,

ocorrido em novembro de 2003, no Brasil, contém uma série de medidas que remetem para

as possibilidades da construção de um modelo pluriuniversitário na América latina.

Na área de cooperação internacional há diversos instrumentos que possibilitam a

integração de redes de pesquisa do Mercosul e América Latina e a formação de redes

acadêmicas nos países onde não existam ou forem incipientes. Projetos e ações importantes

como suporte para uma grande rede de universidades latino-americanas são o Observatório

da Sociedade da Informação; e a Rede Clara (Cooperação Latino Americana de Redes

Avançadas), que objetiva a formação de um bloco de redes latino-americanas para suporte

aos projetos de comunicação e colaboração em ensino e pesquisa na América Latina e no

Caribe, permitindo também a conexão com a União Européia e os EUA.

Entre as propostas contidas no relatório está a de encaminhar aos responsáveis pela

área de Educação do Mercosul as seguintes sugestões: um programa regional de doutorado

com base na complementaridade; o reconhecimento mútuo de diplomas; a

desburocratização de autorização para viagens de pesquisadores, estudante e professores

para o desempenho de atividades acadêmicas e de P&D no âmbito dos países do Mercosul;

buscar aumentar os recursos de cooperação internacional para ações no Mercosul (Brasil-

MCT, 2003).

Em diversos países latino-americanos, há programas de cooperação internacional

com base em acordos bilaterais assinados entre governos locais e fontes externas. Esse é o

caso dos convênios firmados entre Brasil e países da Europa (Portugal, Espanha, França,

entre outros). As agências de fomento brasileiras vêm, também, participando em

organismos internacionais de desenvolvimento regional como MERCOSUL-RECYT,

CYTED, PROSUL, entre outros.

Esses organismos e os convênios e editais de financiamento têm incentivado e

viabilizado a formação de algumas redes. Não obstante o processo de integração das

universidades latino-americanas através de redes é, ainda, bastante incipiente, o que indica

que há grandes desafios a enfrentar nos caminhos da integração dos sistemas educacionais e

de produção de conhecimento na América Latina.

Entre esses desafios estão: a criação de um espaço cultural comum, a circulação

livre de informações, a busca de mediações entre a universidade e a sociedade, através de

um debate democrático que busque contornar a desinformação social sobre C&T, a

perspectiva neocolonialista sobre o conhecimento e a exclusão dos saberes alternativos.

Porto Alegre, outubro de 2004

Referências

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ESTÍMULOS E DESESTÍMULOS À DIVULGAÇÃO DO CONHECIMENTO

CIENTÍFICO

Maria Lucia MACIEL

Introdução

Vivemos numa sociedade em transformação rápida e constante, em que o conhecimento se

tornou fator crucial de desenvolvimento social e econômico. A revolução científico-

tecnológica da segunda metade do século XX, capitaneada pelas novas tecnologias de

informação e comunicação (TICs), atinge todas as esferas da vida humana de forma intensa

e acelerada, principalmente a partir dos anos 70 do século passado, operando

transformações profundas nas formas de produção da vida material e na produção e difusão

do conhecimento (Gibbons, 1994).

Essas transformações afetam profundamente os ambientes de pesquisa científica e

tecnológica — bem como a indústria, as agências governamentais, organizações não-

governamentais e todo o cotidiano da sociedade, desde o lazer e o âmbito doméstico até o

profissional. A inovação (em seu sentido mais amplo: não só tecnológico, mas também

social e político) torna-se objeto-chave – tanto da ciência social quanto das políticas e

estratégias de desenvolvimento.

As mudanças detectadas nos sistemas sócio-econômicos mais avançados indicam a

emergência de um novo paradigma produtivo e societário — ‘sociedade de informação’,

para alguns, e para outros ‘sociedade do conhecimento’ ou ‘do aprendizado’ (Stehr, 1994;

Lastres & Albagli, 1999). O conhecimento é valorizado como fator determinante de

competitividade econômica, de hegemonia política e de mudança social, enquanto as TICs

vão sendo percebidas como a força motriz de dinamismo do novo padrão. Nesse contexto, a

produção/distribuição de informação e de conhecimento e a redução das desigualdades

sociais tornam-se mutuamente indispensáveis. Por isso o conhecimento é valorizado como

agente estratégico, não só para a acumulação econômica, mas também para o

funcionamento do próprio Estado e da sociedade.

Assim, as transformações imateriais que se operam tanto na produção material quanto na

produção imaterial (a dos intangíveis) terminam por trazer no seu bojo a mudança social –

daí a possibilidade de desenvolvimento (Maciel, 2001). O conhecimento – sua produção e

sua distribuição – é crucial ao desenvolvimento de um sistema de inovação (nacional ou

local). Ao mesmo tempo, observa-se que a produção/distribuição do conhecimento e a

redução das desigualdades sociais são aspectos reciprocamente necessários e

indispensáveis.

Neste novo contexto, produz-se uma nova relação entre produção/acumulação/distribuição

de renda, de um lado, e produção/acumulação/distribuição de conhecimento, de outro.

Classicamente, sempre se considerou que a concentração de riqueza significava

concentração de poder e que é a posse ou o controle do capital que garante o exercício do

poder político - e social. De Marx a Poulantzas, para citar apenas os marxistas, mas não só

eles, o poder político sempre esteve nas mãos dos que detinham, direta ou indiretamente, o

poder econômico. Toda a teoria das classes sociais e os trabalhos sobre as correlaçðes (ou

a condensação) de forças no seio do Estado eram baseados nesta premissa fundamental.

Conseqüentemente, todo o pensamento desenvolvido sobre as questðes da justiça social e

da democracia (não só política como também social e econômica) tinham necessariamente

como ponto de partida - moral e intelectual - a distribuição de renda, independentemente do

processo e dos mecanismos considerados para operacionalizá-la.

Ao mesmo tempo, não é nova a idéia de que "saber é poder", o que não contraria, na

prática, o que foi dito acima, já que, historicamente, o acesso ao saber sempre foi privilégio

das classes mais favorecidas que tinham acesso à instruçäo e ao tempo livre necessário e

indispensável para desenvolver o pensamento.

O que é relativamente novo na história da humanidade é que a fonte principal do poder

talvez näo seja mais hierarquicamente definida pela posiçäo social baseada no poder

econômico - ou, mais modernamente, pelo capital (K) - e sim, justamente, pelo saber.

Se ciência e tecnologia väo gradualmente substituindo-se ao capital como principal fator de

produçäo nas teorias sobre transformaçöes na produçäo e sobre o novo paradigma

tecnológico (logo, sobre as relaçöes sociais de produçäo), isto é: se, no limite (do nosso

horizonte), C&T substitui K, entäo há que repensar também as fontes e os limites do

horizonte do poder.

Nas próximas sessões, serão desenvolvidos argumentos que procuram mostrar a relevância

do conhecimento como fator de desenvolvimento social e econômico; a divulgação

científica como vetor desta relação; os entrelaçamentos entre informaçao e formação no

campo do desenvolvimento científico; obstáculos e potenciais da divulgação científica e

ações possíveis.

Conhecimento e Desenvolvimento

Assim como já podemos constatar mudanças no (des)equilíbrio internacional em função do

maior ou menor desenvolvimento e capacidade de aplicaçäo e absorção da ciência e da

tecnologia, também é possível imaginar mudanças correlatas intranacionais, nas correlaçöes

de forças internas às sociedades e nas estratégias e táticas que visam a uma nova

distribuiçäo do exercício de poder.

Dados estatísticos relativos aos países mais avançados demonstram que a capacidade

inovadora de uma empresa ou de uma naçäo näo depende pura e simplesmente de sua

capacidade (econômica) de investir em novas tecnologias (que sejam produtos ou

processos) nem da de seus dirigentes, e sim da capacidade (social, cultural e política) de

aplicar produtivamente e aproveitar socialmente os resultados da pesquisa científica e

tecnológica - os resultados da ampliaçäo do saber.

Assim como as metas pretendidas com o avanço tecnológico expressam necessidades

historicamente construídas e socialmente diversificadas, variam a natureza e o montante do

investimento estatal na medida em que se diferenciam os Estados quanto a dominantes e

dominados: quer quanto às necessidades sociais que expressam, quer quanto à força com

que se manifestam. (Figueiredo,1989)

O poder dos diversos segmentos sociais sobre as decisöes é diferenciado: essas decisöes

näo dependem do capitalista individual, mas do meio social em que ele atua. A capacidade

de os individuos e grupos organizarem-se visando a conquistas sociais e a uma

(re)distribuiçäo do poder depende em grande parte de seu grau de informaçäo (no sentido

lato) e de instruçäo, i.e., da distribuiçäo do saber.

Desta forma, estaríamos pensando aqui em termos de acumulaçäo de conhecimento (em

vez de acumulaçäo de capital) e em distribuiçäo do saber (no lugar de distribuiçäo de

renda). Se seguirmos logicamente o raciocínio feito até aqui, poderíamos ter como

resultado a acumulaçäo de capital e a distribuiçäo de renda.

Inclusão social, econômica e política e o desenvolvimento da cidadania dependem hoje em

dia da educação científica, não só na escola mas também lato sensu.

Independentemente da difusão do saber nos meios fechados das nossas comunidades

acadêmicas, precisamos aprender, portanto, a responder ao interesse e à curiosidade natural

tanto da criança quanto do público adulto, visando a uma divulgação mais ampla do

conhecimento científico e do seu entendimento.

Com relação a este público adulto, aumenta cada dia mais a responsabilidade do cientista

no sentido de esclarecer e explicar os avanços da ciência de forma precisa, evitando a

desinformação e o sensacionalismo que colorem freqüentemente as notícias sobre o mundo

da ciência nos meios de comunicação, visando ao amadurecimento da opinião pública e de

sua participação no debate neste campo. Os casos recentes das discussões sobre

transgênicos e sobre a pesquisa com células-tronco talvez sejam os melhores exemplos de

desinformação nos meios de comunicação de massa e, portanto, da responsabilidade dos

cientistas no sentido de esclarecer sobre o que de fato se está fazendo na ciência, que

avanços foram alcançados, e quais as implicações para a humanidade.

Com relação ao público infantil, além de satisfazer e estimular a curiosidade natural da

criança, a comunidade científica tem uma imensa responsabilidade no sentido de prepará-lo

para entender o mundo em que vive, assim como de incentivar as novas gerações a fazer

ciência, gerando (com autonomia) cada vez mais conhecimento para enfrentar os desafios

daquele mundo.

Embora possa parecer que o desafio é um só [o da divulgação do conhecimento científico

para um número cada vez maior de interessados, de qualquer idade], estamos na verdade

referindo-nos a duas questões diferentes: uma é a da divulgação científica [para públicos de

todas as idades] e outra é a da educação científica [idem]. Ou seja, estamos falando ao

mesmo tempo de informação e de formação.

Formação e Informaçao científicas no Brasil

No caso brasileiro, assim como na maior parte dos países latino-americanos, falta uma

política nacional consistente de longo prazo que tenha o objetivo de disseminar na

sociedade o entendimento do mundo em que vivemos, de despertar novos talentos

científicos e de incentivar a descoberta de novos mundos - sob todos os seus aspectos.

O novo Departamento de Popularização e Divulgação da Ciência do Ministério de Ciência

e Tecnologia é uma excelente iniciativa do governo atual, mas é ainda insuficiente se não

for acompanhado da criação de um círculo virtuoso de estímulo e valorização da atividade

de divulgação científica e, ao mesmo tempo, de combate a iniciativas obscurantistas cada

vez mais presentes na nossa sociedade.

Essa ação deve ser desenvolvida e apoiada pelo Ministério da Educação-MEC e pelo

Ministério de Ciência e Tecnologia-MCT em conjunto, mas não deve limitar-se aí. Não

basta formular uma grande política, porque é no conjunto de ações (e interações) talvez

menos espetaculares que se vai criar o círculo virtuoso...

Propomos aquí apenas alguns exemplos para reflexão e debate.

Entre outras ações, são imediatamente necessárias a formação de novos profissionais para

produção e transmissão da ciência; maior (e melhor) presença da ciência nos meios de

comunicação impressos e audio-visuais e mudanças indispensáveis e urgentes na educação

fundamental. Essas necessidades estratégicas por sua vez colocam em questão: o papel das

universidades, o das agências de fomento, os ministérios implicados (MCT, MEC), os

estados e municípios e a sociedade civil em suas organizações.

Dadas as restrições de tempo e de espaço, vou limitar-me a dois eixos de reflexão que me

parecem particularmente relevantes nesta discussão, ambos exigindo esforços e articulação

de governos e sociedade civil organizada: um que diz mais respeito ao público adulto e

outro que se refere especificamente às novas gerações. Em outras palavras, informação e

formação.

Especificamente, trata-se, na próxima seção, dos problemas e possíveis soluções relativos a

uma maior presença dos cientistas nos meios impressos e audio-visuais de informação e

comunicação (inclusive eletrônicos) em matérias sobre ciência. A seção seguinte tratará de

algumas idéias sobre a educação científica para formação de novas gerações de

pesquisadores.

Os cientistas na divulgação científica

Constata-se no Brasil a existência de algumas barreiras ao fluxo de informação científica de

boa qualidade entre produtores e consumidores (sentido amplo). Isso é devido a, pelo

menos, dois conjuntos de fatores.

O primeiro conjunto é o das barreiras que se situam entre o cientista e a imprensa (geral ou

mais especializada). Há dificuldades de comunicação e entendimento entre cientista e

jornalista, devidas a diferenças de prioridades e de linguagens; há freqüentemente

preconceitos e barreiras psicológicas, de parte a parte; constata-se a falta ou a limitação de

espaço disponível nos meios de comunicação de massa para assuntos relativos à ciência.

Entre outros fatores, a avaliação pelos dirigentes de órgãos de imprensa escrita ou audio-

visual sobre o que seu público deseja ler não costuma privilegiar notícias científicas e,

muito menos, aquelas sobre a ciência feita no Brasil.

O que se pode observar nos (poucos) levantamentos feitos é que aqui, como em outros

lugares do mundo, há sim um interesse pelo assunto que freqüentemente se frustra com

notícias truncadas, sensacionalistas ou maçantes – porque ainda não se desenvolveu no

Brasil nem a cultura do jornalismo científico (representada por alguns pouquíssimos

profissionais competentes) nem o hábito dos cientistas de escreverem para o público leigo.

O que nos leva ao segundo conjunto de barreiras: aquelas que se interpõem entre

organismos governamentais e os cientistas. Neste aspecto o principal problema é a falta de

incentivo (ou estímulo), por parte das agências de fomento à ciência e à tecnologia, com

relação à comunicação científica para um publico ampliado.

As agências governamentais que apóiam financeiramente a pesquisa científica no Brasil

(CNPq, Capes, Finep e as fundações estaduais, que seguem – grosso modo – os

procedimetos das agências federais) têm critérios e mecanismos rigorosos para a avaliação

e apoio aos pesquisadores do país. Há um sistema de pontuação e classificação tanto de

pesquisadores individuais quanto de programas de pós-graduação e pesquisa. O principal

critério é a produção intelectual – ou produção científica. Mas só é levada em conta e bem

avaliada aquela produção dos pesquisadores que seja publicada em periódicos científicos –

publicações altamente especializadas que circulam apenas entre os membros da própria

comunidade científica daquela área do conhecimento.

A boa notícia é que, apesar de todas as dificuldades – materiais e outras – que temos tido

nos sistemas de desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, esses mecanismos têm

resultado em indicadores altamente positivos nos sentidos quantitativo e qualitativo em

termos da posição do Brasil como produtor de ciência no plano internacional e têm

contribuído para o aumento (quantitativo, pelo menos) na formação de novos cientistas.

A má notícia é que, ao mesmo tempo em que aumentou o número de pesquisadores com

produção de qualidade, a disponibilidade de recursos praticamente estagnou. A

conseqüência é um brutal aumento na competição pelas parcas verbas públicas disponíveis

para pesquisa, sempre acompanhada de uma inércia histórica das instituições privadas nesse

sentido.

O aumento da competição pelas verbas públicas significa, inevitavelmente, que cada

pesquisador se atém cuidadosamente aos critérios cada vez mais rigorosos das agências

governamentais, destinados a reduzir o máximo possível a “demanda atendida” apesar do

aumento constante da “demanda qualificada”. Diante da necessidade de obter apoio

financeiro para seu trabalho científico, ao pesquisador não resta outra opção se não dedicar-

se a satisfazer os critérios dominantes.

Do ponto de vista da nossa questão em pauta, a da divulgação científica, esse processo

implica uma corrida cada vez mais intensa em direção à produção mais hermética destinada

a publicações cada vez mais especializadas – e portanto a um público cada vez menor. Os

organismos governamentais (federais e estaduais) não consideram como relevante, e não

pontuam, qualquer trabalho (impresso, audio-visual ou eletrônico) destinado à comunicação

científica no sentido lato – ou seja, destinado ao grande público.

É um caso em que as políticas governamentais contrariam a filosofia (explicitamente

declarada e propalada pelo atual governo federal) da “inclusão social” – pois o que se

obtém é a reprodução ampliada da exclusão social. No contexto atual de transformação e

desenvolvimento pelo conhecimento, produz-se no Brasil uma proporção cada vez maior de

pessoas sem conhecimento científico básico que seja suficiente para entender e avaliar as

interferências da ciência e da tecnologia até mesmo na sua vida quotidiana.

A opinião pública – ou melhor, uma pequena parcela desta – tem acesso apenas às notícias

publicadas pela grande imprensa: nem sempre fidedignas, e sempre incompletas, cortadas

que são pela falta de espaço... Enquanto isso, os esforços de alguns poucos dedicados

divulgadores – que os fazem apenas porque consideram importante, mesmo sem receber

reconhecimento oficial – não têm qualquer conseqüência na sua avaliação como cientistas

por parte das agências governamentais.

Um dos resultados – entre tantos outros – desse estado de coisas é que está cada dia mais

difícil, por exemplo, captar artigos de boa qualidade para uma publicação como a revista

Ciência Hoje14; e mais difícil ainda levar cientistas de bom nível para programas de

televisão ou palestras, debates e entrevistas sobre temas científicos, destinados ao publico

leigo.

Nossos cientistas preferem – e é compreensível – utilizar seu tempo em produção que seja

valorizada pelos sistemas nacionais de avaliação.

E as novas gerações?

A educação científica tem, pelo menos, dois objetivos: trata-se da formação de novas

gerações de cidadãos que tenham aquele conhecimento científico básico suficiente que foi

mencionado na seçao anterior e também de estimular e preparar o surgimento de novas

levas de pesquisadores aptos a ampliar a autonomia do país em produção de ciência e de

tecnologia. Mais uma vez, estamos nos referindo à inclusão social e ao desenvolvimento.

14 Revista de divulgação científica para o grande público, vinculada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC.

Sabemos que a situação da educação no Brasil é altamente preocupante. A posição do país

em índices internacionais divulgados recentemente demonstra que apesar de termos, em

números oficiais, 96% das crianças na escola uma proporção espantosa delas não adquire as

habilidades básicas de leitura e aritmética nem tem conhecimentos elementares de ciências.

O Brasil é o 73º dos 173 países avaliados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e

ocupa a 43ª colocação no Índice de Realização Tecnológica (IRT) composto por 72 países.

Segundo dados da ONU divulgados em 2002, o país está atrás de nações como a Argentina,

o Chile e o Uruguai, respectivamente 35º, 38º e 39º colocados, apesar de possuir um PIB

bem superior.

O IDH situa os países de acordo com fatores como expectativa de vida, nível de

escolaridade e PIB, enquanto o IRT utiliza dados similares, apontando a estreita relação

entre a educação e a produção de ciência e tecnologia e sua presença no cotidiano da

população, procurando medir a incorporação dos avanços tecnológicos ao cotidiano das

populações e o papel da tecnologia na formação do "capital humano" capaz de reduzir a

pobreza e a desigualdade em cada país.

Como no IDH, também em tecnologia o país revela grandes contrastes. Está entre os países

seguidores dinâmicos das novas tendências. Tem dois centros mundiais de inovação

tecnológica, em São Paulo e Campinas. Está entre os 30 maiores exportadores de produtos

de média e alta tecnologias, com vendas anuais de US$ 4 bilhões. Apesar disso, é superado

no ranking por países que não são grandes exportadores de tecnologia nem possuem esses

centros. A explicação é que o país não conseguiu superar problemas básicos - como boa

taxa de escolarização para seus habitantes. O brasileiro com mais de 15 anos passou na

escola 4,9 anos; o argentino, 8,8 anos e o mexicano, 7,2 anos. Estudantes universitários

inscritos em cursos de ciências são apenas 3,4% no Brasil, em comparação a 12% na

Argentina e 13,2% no Chile.

Há quase uma década o poder público do país voltou todas as suas atenções e comprometeu

boa parte do orçamento destinado à educação para o Ensino Fundamental. Entretanto,

apesar de alguns avanços - como o aumento da taxa de matrículas - os resultados desses

investimentos não são perceptíveis quando se avalia a formação global do aluno para o

pleno exercício da vida em sociedade.

Em 2000 o Brasil amargou o último lugar no Programa Internacional de Avaliação de

Alunos (PISA) da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Foram avaliados alunos de escolas públicas e particulares, na faixa etária dos 15 anos, de

32 países, e os estudantes brasileiros tiveram dificuldades para responder questões como

diferenciar a função de médico da de enfermeira.

Essa avaliação internacional só ratifica os números do Sistema de Avaliação do Ensino

Básico (SAEB), que demonstrou que a média dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental

possui apenas conhecimentos como reconhecer valor de cédulas, ler horas em relógios

digitais e resolver problemas simples de adição e subtração com números naturais. Segundo

o próprio relatório, nesse período os alunos deveriam, entre outros, estabelecer relação de

valores entre cédulas e moedas resolvendo situações de pagamento e troco; ser capazes de

multiplicar e dividir, identificando unidades, dezenas e centenas, resolver problemas que

envolvam mais de uma operação, ter conhecimento de números fracionários e interpretar

gráficos simples. A avaliação de ciência foi abandonada após esse ano, com o argumento de

que os mecanismos não geravam condições de avaliação.

Divulgação e alfabetização científica – O Instituto Ciência Hoje

Há uma nítida relação entre a alfabetização cientifica das crianças e a capacidade de

adaptação da população adulta às mudanças constantes nas relações sociais e produtivas

contemporâneas. É neste sentido que a alfabetização científica se torna instrumento de

inclusão social. Mas ela é também instrumento de desenvolvimento sócio-econômico

quando vista como forma de interpretar o mundo e, portanto, como ferramenta de

transformação da realidade, desde que incorporada como algo cotidiano e não permaneça

um “bicho de sete cabeças”.

O Instituto Ciência Hoje, vinculado à SBPC, tem feito esforços nessa direção e, nesse

processo, tem aprendido algumas lições. Acima de tudo, não se trata de substituir e sim de

complementar e enriquecer o ensino escolar formal. A revista Ciência Hoje das Crianças

(CHC) há mais de 10 anos é comprada em grande número pelo Ministério da Educação

para distribuição nas bibliotecas das escolas públicas do país.

Na prática, descobriu-se há alguns anos atrás que esse esforço atingia muito menos crianças

do que se imaginava. Entre outros problemas, percebemos que muitos professores

escondiam ou trancavam as revistas nos armários das escolas para que não fossem vistas

pelas crianças – simplesmente porque tinham medo de enfrentar a curiosidade, as

perguntas, as dúvidas que inevitavelmente a revista geraria ... e que eles (os professores)

não tinham preparo para enfrentar...

Isso demonstrava a imensa lacuna na formação de nossos professores de ensino básico,

fundamental e médio. Mas também indicava um campo de atuação para o Instituto. O

Programa Ciência Hoje de Apoio à Educação foi criado para tentar preencher – dentro de

limites – essa lacuna.

Em parceria com as prefeituras municipais (até agora, são sete no estado de São Paulo, e

está em negociação um programa para a prefeitura do Rio de Janeiro), o Instituto

desenvolve um programa de apoio aos professores com curso de preparação e

acompanhamento para que utilizem as revistas em sala de aula – não para simplesmente

transmitir conhecimento pronto a ser aprendido (decorado) pelos alunos mas sim para

despertar e alimentar a curiosidade, mostrando como o conhecimento vem da criatividade,

da experimentação e da observação.

O programa tem ainda uma outra característica importante: é que cada aluno recebe uma

assinatura da revista – o que significa que aquela revista é sua, não da escola, e ele leva a

revista para casa; como estamos tratando aqui de escolas públicas, é muito comum que este

seja o único material de leitura que entra naqueles lares – e aos poucos os pais e outros

membros da família e vizinhos também começam a tomar conhecimento do mundo da

ciência.

Este é apenas um exemplo de como a sociedade civil e o poder público podem trabalhar

juntos pela inclusão social ... científica.

Referências Bibliográficas

Figueiredo, Vilma. Produção Social da Tecnologia. São Paulo: EPU, 1989.

Gibbons, Michael et al. The New Production of Knowledge. London: Sage,1994.

Lastres, Helena M.M. e Albagli, Sarita. Informação e globalização na era do

conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

Maciel, Maria Lucia. “Knowledge Production as a Factor in World Polarization” in

Dunaway,W. (org.) Crises and Resistance in the 21st Century World System.

Greenwood Press, 2002.

Sobral, Fernanda. “Saber e Poder” Jornal da Ciência/ApqC-DF, Brasília, 1988.

Stehr, Nico. Knowledge Societies. London: Sage, 1994