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CONGREGAÇÃO GERAL 34 da Companhia de Jesus

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CONGREGAÇÃO GERAL 34da Companhia de Jesus

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Introdução

Edição da Cúria Provincial S.J.Estrada da Torre, 261750 LISBOA (PORTUGAL)Tel.: 01-7573523. Fax: 01-7577376

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Introdução

CONGREGAÇÃO GERAL 34

da Companhia de Jesus

Lisboa — 1996

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Introdução

As apresentações dos decretos são da autoria de M. Morujão, S.J.,inspiradas nas da edição espanhola

Tradução de Maria da Graça Sá Coutinho de Lancastrerevista por Manuel Morujão S.J. e Vital Dias Pereira S.J.

Depósito Legal: 102972/96ISBN 972-571-299-4

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Introdução

Introdução

A finalidade desta introdução é apresentar os Documentos da Congregação Geral 34 da Companhia de Jesus aos leitores que possam não estar tão familiarizados com estes assuntos.

“Congregação Geral” é a expressão utilizada na Companhia de Jesus para designar o seu órgão máximo de governo, o topo da estrutura que tem poder para eleger o Geral da Ordem, definir as principais orientações e para legislar. Não é uma assembleia de peritos nem um fórum político, mas a reunião dos representantes, democraticamente eleitos, de toda a Companhia espalhada pelos quatro cantos do mundo, que vive a responsabilidade de um serviço actualizado do Evangelho, segundo o espírito de Inácio de Loiola. Não tem periodicidade fixa para se reunir, e só se reúne necessariamente quando morre o Geral. Nos seus 456 anos de história, a Congregação Geral reuniu-se 34 vezes, e destas só 7 por motivos que não fosse a eleição do Geral, como aconteceu desta vez.

Era necessário reorganizar o direito interno da Companhia e actualizar a nossa forma de estar e de proceder num mundo em profunda e rápida mutação. Eis as razões que levaram o Superior Geral dos jesuítas a convocar os 223 representantes de 93 Províncias/Regiões, para se reunirem em Roma, de 5 de Janeiro a 22 de Março de 1995, em Congregação Geral.

Um dos resultados desta reunião foi a elaboração de 26 decretos, com a sua vertente normativa e o seu lado inspirador, que procuram dar a resposta a esta pergunta: — Como é que os jesuítas, homens da Igreja, se posicionam perante as profundas transformações que se estão a verificar actualmente no mundo, a partir do seu carisma inaciano? Após a tradução destes decretos para as três línguas oficiais (Espanhol, Francês e Inglês), os

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textos foram oficialmente promulgados a 27 de Setembro de 1995.Este livro apresenta 16 desses documentos, precisamente

aqueles que mais poderão interessar aos não jesuítas. Da edição completa, para além dos 10 decretos que mais se relacionam com a vida interna da Companhia, foram retiradas as introduções técnicas, os apêndices e o índice de matérias. Pretendeu-se assim que este livro, pelo seu menor tamanho e aparato técnico, fosse mais legível. No entanto, o livro completo, com as suas 424 páginas, está ao dispor de quem o queira adquirir.

Talvez perguntem porque é que os jesuítas desejam dar a conhecer os seus documentos internos. A questão tem razão de ser e, pela nossa parte, também temos motivos para esta publicação. Muitos daqueles com quem colaboramos em instituições, nossas ou não, manifestam o desejo de nos conhecerem melhor. Nós mesmos, ao contactarmos com outros, sentimos necessidade de lhes comunicar a razão do nosso estilo de vida e da nossa alegria. Por outro lado, esta Congregação Geral abordou temas que também interessam a homens e mulheres para além do nosso “grémio”: a justiça, a cultura, o diálogo entre religiões, o ecumenismo, os leigos, a situação da mulher, a comunicação, etc. Porquê guardar só para nós o que outros gostarão de conhecer? Não partimos do suposto, evidentemente, de termos a última e a melhor palavra sobre cada assunto, mas da convicção de que é através do diálogo sincero e aberto que podemos encontrar as respostas mais oportunas à realidade actual e futura. No mundo plural em que vivemos, todos temos obrigação de contribuir para o debate de ideias e realizações na descoberta dos modelos sócio-culturais que configurem as sociedades do futuro. Eis as razões que nos levaram a esta publicação.

Ao reflectir sobre esta e outras iniciativas que nos expõem perante as realidades do mundo, sinto um certo calafrio pelo risco que estamos a correr. No entanto, estou convencido de uma

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coisa: as nossas vidas enriquecem-se com os riscos que corremos. Cristo não foi calculista. Também neste ponto nos serve de modelo.

Lisboa, 31 de Julho de 1996 – Dia de Santo Inácio de Loiola

José Carlos Belchior, S.J. – Provincial

ABREVIATURAS

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Introdução

AAS Acta Apostolicae SedisAR Acta RomanaBAC Obras Completas de San Ignacio de Loyola, Madrid

1991, BAC 86BCDR Boletim do Conselho Pontifício para o Diálogo

entre as ReligiõesBSNC Boletim do Secretariado para os não cristãosCCEO Código de Cânones das Igrejas OrientaisCG d.n. Congregação Geral, decreto, númeroCIC Código de Direito CanónicoCIS Centrum Ignatianum SpiritualitatisConst. Constituições da Companhia de JesusEE Exercícios Espirituais de Santo InácioEx. Exame GeralFABC Federation of Asian Bishop’s Conference em

Rosales e Arevalo, «For All the Peoples of Asia»Form. Fórmula do InstitutoMHSI Monumenta Historica Societatis IesuPHK Selecção de escritos do P. Peter-Hans Kolvenbach

(1983-1990), Província de Espanha, 1992.

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1. Unidos com Cristo na missão

Decreto 1UNIDOS COM CRISTO NA MISSÃO

Apresentação

É um documento introdutório, que apresenta uma visão panorâmica de todos os decretos desta Congregação Geral. Tendo esta tido também o trabalho da renovação do Direito da Companhia e da actualização das Constituições de Santo Inácio, este decreto dá uma visão unitária de todo o trabalho da Congregação: “consideramos a nossa renovação do Direito e a revisão da nossa vida e trabalho apostólico como uma só realidade”.

O título do decreto “Unidos com Cristo na missão” apresenta o seu resumo: toda a nossa vida está centrada na missão apostólica, que é uma actualização da missão de Cristo, com o qual há que viver em estreita unidade, cultivando a oração e o discernimento. Inácio de Loiola viveu a paixão de “ajudar as almas”, de servir os outros, em todas as situações. “A actualização do nosso Direito e as declarações desta Congregação brotam do desejo de ajudar as pessoas, como Cristo as ajudou”.

A centralidade das Constituições da Companhia de Jesus é reafirmada, ao mesmo tempo que o seu texto é actualizado com notas e com normas complementares.

É sublinhado que o trabalho desta Congregação Geral se situa na linha das últimas Congregações Gerais, que se realizaram a seguir ao Concílio Vaticano II. É uma sua confirmação serena e amadurecida.

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1. Unidos com Cristo na missão10

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1. Unidos com Cristo na missão

1. Tarefa da Congregação Geral 34. A principal tarefa da Con-gregação Geral 34 foi actualizar o nosso direito e orientar a nossa mis-são para os tempos de hoje. O primeiro projecto tinha dois fins: prepa-rar um texto actualizado das Constituições, capaz de influir na vida de cada dia da Companhia e elaborar uma série de Normas Complementa-res às Constituições, tomadas na maior parte das Congregações Gerais, que permitisse aos jesuítas levar à prática de cada dia a identidade e missão da Companhia. A orientação da nossa missão para hoje delineia-se no decreto «Servidores da missão de Cristo» e nos três decretos que o acompanham: «A nossa missão e a justiça», «A nossa missão e a cultura» e «A nossa missão e o diálogo inter-religioso».

2. Embora centrada nesses dois objectivos primordiais, a CG 34 reflectiu tanbém sobre uma série de áreas importantes da vida e missão da Companhia que estão recolhidas em decretos ou recomendações. Outras áreas importantes da vida do jesuíta (vida espiritual, formação, obediência, vida comunitária, superior local), tratadas por Congregações Gerais recentes, foram incorporadas nas Normas Complementares ou encomendadas ao governo ordinário da Companhia.

3. Servidores da missão de Cristo. A Congregação 34 alinha-se no seguimento do espírito e a importância das Congregações Gerais 31, 32 e 33. Como estas Congregações, a Congregação Geral 34 pede à Companhia que mantenha tanto a sua renovação espiritual e comunitá-ria como os seus esforços para enfrentar os desafios e oportunidades do mundo de hoje. Ao rever o estado da Companhia, defrontámo-nos com as nossas limitações e debilidades, luzes e sombras, o nosso pecado. Mas também encontrámos, no entanto, muito de bom e sábio, especial-mente o forte e amplo esforço por continuar a luta pela fé e a luta pela justiça que pede a fé. Revendo as graças destes anos todos, encon-trámo-nos de novo com a «mão omnipotente de Cristo, Deus e Sen-hor»1. Em agradecimento por tanto bem realizado e por tanto perdão recebido, seguimos, em peregrinação e trabalho, a este Cristo crucifi-cado e ressuscitado. Consideramos a nossa renovação do direito e a

1 ? Const. [134].

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nossa revisão de vida e trabalho apostólico como uma só realidade, a confirmação da nossa união como servidores da missão de Cristo.

4. Peregrinação e trabalho. A Congregação convida toda a Companhia a ler e rezar a renovação do nosso direito e a reorientação actualizada da nossa missão. Uma maneira de o fazer, poderia ser à luz das duas imagens inacianas de peregrinação e trabalho.

5. Como Inácio peregrino descobriu que «Deus o tratava como um mestre-escola trata uma criança, ensinando-a»2, assim Inácio, Geral e Mestre espiritual, continuou a sua viagem rumo a um descobrimento mais profundo de Deus. A busca de Inácio como peregrino uniu-o a Cristo e levou-o a escolher a pobreza com Cristo pobre e a submergir-se mais profundamente no mistério da paixão e ressurreição de Cristo. Inácio desenvolveu, partindo da sua busca incessante da presença e da vontade de Deus, um modo de proceder. Este modo de proceder encon-tra-se na peregrinação dos Exercícios Espirituais: de pecador amado e perdoado a discípulo chamado a trabalhar na vinha e a sofrer com Cristo; na peregrinação das Constituições, desde a primeira entrevista sobre a Companhia no Exame Geral, à aceitação madura da responsa-bilidade para com a Companhia, nas Partes V a X; desde o exame pes-soal sobre a própria vida, no qual cada jesuíta encontra o seu caminho próprio rumo a Deus, à história partilhada destes trinta anos de renova-ção e reorientação. Como o de Inácio, o nosso modo de proceder é, ao mesmo tempo, peregrinação e trabalho em Cristo: na sua misericórdia, no seu desejo incansável de levar homens e mulheres a reconciliar-se com o Pai no Espírito de amor, no seu cuidado comprometido pelo po-bre, pelo marginalizado e pelo abandonado.

6. Na Autobiografia, o poder envolvente da graça, converteu Inácio num homem que se abriu às necessidades dos demais. Esta realidade simples, de ajudar os outros, impulsionou Inácio a estudar e formar-se, a reunir companheiros e, finalmente, a fundar a Companhia. Esta mesma realidade simples, ajudar os outros, continua hoje a dar forma à Companhia. A actualização do nosso direito, os decretos e de-

2 ? Autobiografia, nº 27.

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clarações desta Congregação brotam do desejo de ajudar as pessoas como Cristo as ajudou. Os documentos desta Congregação nomeiam grupos concretos — os pobres, os leigos homens e mulheres, as pessoas de outras religiões — e mencionam necessidades específicas, desde colégios a paróquias e centros de investigação. Mas a motivação, que tudo abarca, é o simples desejo inaciano de ajudar as pessoas em Cristo. Ao mesmo tempo, os documentos desta Congregação Geral convidam-nos a aprender a ser ajudados pelo povo: como ser pobre, como enriquecer a Igreja através da liderança dos leigos, como escutar a experiência das mulheres do nosso tempo, como encontrar a Deus nas tradições religiosas das pessoas de outras crenças, como entrar em diálogo respeitoso e como deixar que os jovens nos presenteiem com esperança e sonhos de futuro, como conseguir entrar no universo cultural novo da comunicação.

7. Inácio apresenta um Cristo em movimento, viajando por sina-gogas e vilas, pregando o Reino, indo onde as pessoas vivem e traba-lham. Esta contemplação identificadora de Cristo na sua missão, vai unida à Eleição dos Exercícios. No seu discernimento apostólico em comum que levou à fundação da Companhia, Inácio e os seus compa-nheiros viram esta identificação como vocação única, o seu carisma: escolher estar com Cristo como servidores da sua missão, estar onde as pessoas vivem, trabalham e sofrem, levar o Evangelho aos seus traba-lhos e às suas vidas3.

8. Como peregrinos em missão, estamos dispostos a estar «dispersos em qualquer parte da vinha de Cristo, para trabalhar ali...»4. Esta Congregação Geral dá-se conta das variadas situações culturais e apostólicas da Companhia universal. Nalgumas partes da Companhia somos cada vez menos numerosos e mais velhos. Noutros lugares so-mos jovens, formamos parte de uma consciência nacional nascente e vamos descobrindo a nossa identidade como uma nova influência na Companhia. Alguns de nós vivemos em países que só são cristãos de nome e cada vez mais secularizados. Outros vivemos em países

3 ? Cons MHSJ, I, 1-7. 4 ? Const. [603].

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profundamente religiosos, mas onde há poucos cristãos. Outros ainda trabalhamos em países onde a fé cristã permanece viva nas maiorias, especialmente entre os pobres, mas onde, todavia, se enfrenta com os desafios da injustiça e do secularismo. Alguns estamos a sair de longos anos de governos totalitários e estamos em difíceis negociações sobre a nossa vida e trabalho de jesuítas. No entanto, todos nós somos chama-dos a ser servidores da missão universal de Cristo na Igreja e no mundo de hoje, a adaptar as prioridades apostólicas da Companhia às nossas respectivas situações culturais e ao nosso modo de proceder.

9. Em Jesus Cristo, podemos aceitar a magnitude deste desafio — trabalhar na integração da fé e justiça, compreender como se há-de in-culturar o Evangelho, embarcar com renovado zelo na tarefa do diálogo inter-religioso, continuar a coordenar a nossa capacidade profissional e pastoral com o modo de proceder inaciano. Jesus crucificado recorda-nos que o amor de Deus pode brilhar poderosamente na debilidade e na vulnerabilidade. Jesus ressuscitado recorda-nos que a nossa esperança está posta no seu poder sobre a morte e a sua permanente identificação com os que levam seu nome.

10. Amigos no Senhor. Um bom número de postulados pedia indi-cações novas sobre a vida espiritual e comunitária. Os nossos esforços por realizar estes desejos levaram-nos repetidamente ao decreto 11 da Congregação Geral 32, «A união dos corações na Companhia de Jesus». Este decreto é uma formulação clássica. Como tal, representa mais um exemplo da necessidade da Companhia pôr em prática os decretos que já existem.

11. Além do mais, sob a actualização do nosso direito, há um pro-fundo respeito pelas pessoas, um esforço para que o direito seja um meio de ajudar a experiência dos jesuítas e de cooperar para que as co-munidades na Companhia se encontrem unidas no seu testemunho do Evangelho e na prática do mesmo. Outros documentos — o da castidade, o da pobreza e o da promoção de vocações — sublinham as oportunidades que a vida de comunidade oferece para fazer transparecer como a vida em Cristo pode fazer felizes as pessoas, ao mesmo tempo que as capacita para viver e expressar com maturidade a

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sua fé, dispostos a ajudar-se, apoiar-se e questionar-se uns aos outros. Também aqui fica claro que os jesuítas hão-de estar abertos ao diálogo que leva à escuta do outro, ao discernimento e ao intercâmbio. O decreto sobre a colaboração com os leigos, convida-nos a uma atitude de escuta e intercâmbio com os que serão companheiros imprescindíveis no nosso serviço a Deus e à sua Igreja. Ainda que se tenha usado o termo em muito poucas ocasiões, a Congregação Geral referia-se à virtude cristã da hospitalidade, de fazer da Companhia um símbolo de acolhimento — dos pobres, dos leigos, dos que buscam sentido para a vida, dos que querem falar seriamente de temas religiosos. Não obstante, não há possibilidade de vida comunitária e não há lugar para uma renovação frutuosa, se cada jesuíta não procura «ter diante dos seus olhos primeiro a Deus e a natureza deste Instituto que escolheu e é, de alguma maneira, caminho para Deus» 5. A vocação chama cada jesuíta a buscar um tempo e espaço privilegiados para orar com Cristo, como um amigo fala a outro amigo, para aprender deste encontro como ser servidor na sua missão. Essa amizade pessoal com Cristo, mantida pela nossa comunhão eucarística, faz-nos livres para a união dos corações contemplada na parte VIII de nossas Constituições.

12. Conclusão. No seu discurso aos delegados da Congregação Geral 34, o Papa João Paulo II convidou a Companhia a discernir sobre a sua contribuição específica «à nova evangelização nos umbrais do terceiro milénio»6. Ao apresentar a actualização do nosso direito e a orientação da missão da Companhia para hoje, a Congregação sente-se, em primeiro lugar, cheia de gratidão pelos homens que trabalharam na Companhia no passado, os grandes jesuítas que se esforçaram por fazer seus, de modo eminente, os ideais de amor e serviço de Inácio. Estes homens que viveram e trabalharam silenciosamente e homens que foram notáveis eruditos, pregadores e mestres; homens que deram as suas vidas pelo Evangelho, pela Igreja e pelos pobres; homens que viveram com simplicidade e fidelidade num mundo que nunca entendeu a sua pobreza, castidade e obediência. Tais foram os que trouxeram a Companhia a este momento histórico. Não podemos senão dar graças a

5 ? Form. Inst. [3], [1]. 6 ? Discurso de João Paulo II, 5 de Janeiro de 1995, nº 2.

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Deus por eles.

13. Em segundo lugar, sentimo-nos cheios de confiança pelos nossos irmãos mais jovens que irão levar e dirigir os nossos ministérios no futuro. Agradecemos-lhes pela sua dedicação aos valores inacianos, pela sua capacidade para os ministérios mais variados, pela sua disponibilidade em assumir responsabilidades apostólicas. Pedimos-lhes que procurem considerar a sua formação sob a orientação radical da actualização do nosso direito, ao mesmo tempo que, com a Companhia universal, redescobrem o renovado apreço pelas Constituições, expressão privilegiada do nosso carisma e espiritualidade. Numa palavra: a sua identidade de jesuíta.

14. Por fim, a Companhia de Jesus é obra de Deus que nos chama a viver e a trabalhar na vinha de Cristo Nosso Senhor. Podemos e deve-mos ser instrumentos aptos, renovando e actualizando as nossas vidas e renovando os nossos ministérios7. Mas, em última análise, devemos render-nos à esperança com que Inácio conclui as Constituições, confi-ando que Deus conservará e levará por diante esta Companhia que leva o nome de seu Predilecto8. Louvamos ao Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, pedindo que o seu Espírito nos guie no nosso esforço por viver o que aqui escrevemos, caminhando com confiança e humildade como servidores da missão de Cristo.

7 ? Const. [813].8 ? Const.[ 812].

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2. Servidores da missão de Cristo

A NOSSA MISSÃO

2. Servidores da missão de Cristo3. A nossa missão e a justiça4. A nossa missão e a cultura5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

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2. Servidores da missão de Cristo

Decreto 2SERVIDORES DA MISSÃO DE CRISTO

Apresentação

Este é o primeiro dos quatro decretos que nos falam sobre as linhas mestras da missão da Companhia de Jesus no mundo actual. É um documento que dá as coordenadas de unidade a tudo o que um companheiro de Jesus deve hoje fazer.

Alguns pontos que poderão servir como chave de leitura deste decreto introdutório da missão actual da Companhia:1. Cristo, Crucificado e Ressuscitado, chama-nos para participar da sua missão, através de uma grande diversidade de trabalhos. Cristo continua a querer na sua Igreja servidores da sua própria missão, actualizada no mundo actual “ainda caracterizado pela crueldade e pelo mal”.2. Procurando o Reino de Deus, ao lado dos que sofrem. Sendo amigos de Cristo, temos que ser amigos dos pobres. O serviço da missão de Cristo obriga-nos a tomar partido, solidarizando-nos com os esquecidos e marginalizados.3. É confirmada a nossa missão de serviço da fé e promoção da justiça, como princípio integrador de todos os trabalhos de um companheiro de Jesus. A “justiça do Reino de Deus”, que nos compete promover, ultrapassa toda a forma ideológica de conceber a justiça, bem como a sua absolutização, uma vez que a justiça se tem de conjugar com outros princípios cristãos: verdade, misericórdia, solidariedade, amor...4. Ramos complementares do mesmo tronco de “servidores da missão de Cristo”. Introduzindo os três decretos seguintes, aqui se sublinha a unidade e complementaridade que tem de haver entre proclamação do Evangelho, promoção da justiça, diálogo

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2. Servidores da missão de Cristo

com a cultura e com os crentes de outras tradições religiosas. Estes ramos da mesma árvore, mutuamente se completam e se confirmam. 5. Fonte da nossa missão, da entrega ao maior serviço do próximo tem que ser a nossa união vital com Cristo. Sem esta raiz mística, a missão degenera em simples propaganda. Trata-se de uma missão profética, pois nos compete servir a fé que promove a justiça do reino, num mundo que se conforma “com algo menos que a fé e menos que a justiça”.1. Como Companhia de Jesus, somos servidores da missão de Jesus. Nos trinta anos desde a Congregação Geral 31 e especialmente nos vinte anos desde a Congregação Geral 32, a Companhia sentiu ao mesmo tempo a força de Cristo Crucificado e Ressuscitado e a sua própria fraqueza: foi um tempo de prova para nós, mas também um tempo de graça. Reconhecemos e confessamos as nossas numerosas faltas, mas as graças recebidas são mais importantes, pois vêm de Cristo. Alguns companheiros deixaram-nos para servir o Senhor de outras maneiras; outros, sacudidos pelos acontecimentos desta época, perderam a confiança na qualidade da nossa vocação. Crescemos como comunidade de «amigos no Senhor», de uma maneira mais provada, apoiando-nos uns aos outros com a liberdade que oferece o amor cristão e profunda-mente confirmados pelos mártires jesuítas mortos neste tempo. Durante estes anos, em toda a Companhia, fomos purificados na fé que alimenta a nossa vida e crescemos na compreensão de nossa missão central. O nosso serviço, especialmente entre os mais pobres, aprofundou a nossa vida de fé, tanto individual como colectivamente: a nossa fé fez-se mais pascal, mais compassiva, mais afectuosa, mais evangélica na sua sim-plicidade.

2. A Companhia tornou-se um corpo muito variado, comprometido numa riqueza de trabalhos apostólicos, nas encruzilhadas do conflito cultural, das lutas sociais e económicas, da revitalização do religioso e do aproveitamento das novas oportunidades para levar a Boa Nova a todos os povos da terra.

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2. Servidores da missão de Cristo

— Os jesuítas em África estão comprometidos no desafio de construir uma Igreja verdadeiramente africana, enraizada na riqueza das suas diferentes culturas, criando novos laços de solidariedade entre os povos e lutando por vencer as forças mundiais que tendem a marginalizar todo o Continente.

— Os jesuítas na Ásia, estão comprometidos no diálogo com os pobres e com outras tradições culturais e religiosas, num esforço para pôr o Evangelho em contacto com a vida dos povos da Ásia e por levar a riqueza da cultura asiática ao modo de viver o Evangelho.

— Os jesuítas na América Latina, desafiados por uma sociedade em que há um grande abismo entre a vida dos ricos e a dos pobres, continuam comprometidos com os pobres no seu trabalho pela justiça do Reino. Também fazem o possível para que a voz dos pobres ensine à Igreja aspectos do Evangelho, utilizando a riqueza da fé do povo e as culturas indígenas.

— Nos antigos países comunistas, os jesuítas, depois de muitos anos de perseguição e prisão pela sua fé, ajudam o seu povo na busca de um autêntico modo de vida que integre a recém recuperada liberdade.

— Os jesuítas da Europa ocidental, através de uma variedade de ministérios educativos, espirituais e pastorais, ajudam a manter a vitali-dade da fé e das comunidades cristãs, ante a indiferença religiosa. Também procuram de diversas maneiras acompanhar e ajudar os marginalizados da sociedade.

— Os jesuítas da América do Norte enfrentam o desafio das no-vas formas de carência cultural e económica. Tentam, em estreita cola-boração com muitos outros, influir onde se tomam as decisões e se for-mam os valores.

Todos tentamos realizar a missão da Companhia de maneira apropriada a cada uma das situações em que trabalhamos. Temos uma missão, compartilhada por sacerdotes e irmãos, e muitos ministérios que assumimos como serviço a Cristo e à sua missão de reconciliar o mundo com Deus.

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3. A Igreja, cuja missão compartilhamos, não existe para si mesma, mas para a humanidade, proclamando a mensagem de Deus e derramando a luz do dom interior do seu amor. O seu fim é a realização do Reino de Deus, em toda a sociedade humana, não só como algo para a vida futura, mas também para esta vida. Levamos a cabo a nossa mis-são como jesuítas dentro da missão evangelizadora global da Igreja 9 . Esta missão é «uma realidade única, mas complexa, que se desenvolve numa grande variedade de formas»: através das dimensões integrais do testemunho de vida, proclamação, conversão, inculturação, criação de igrejas locais, diálogo e promoção da justiça querida por Deus10 . De acordo com o nosso carisma e a nossa tradição e com a aprovação e o apoio dos Papas ao longo dos anos, a missão actual da Companhia é o serviço da fé e a promoção, na sociedade, daquela «justiça do Evangelho que é a encarnação do amor e da misericórdia salvífica de Deus»11 .

4. Quando Inácio foi confirmado na sua missão, em La Storta, o Pai Eterno disse a Cristo: «Quero que tomes este homem como teu ser-vidor». Era a vontade do Pai que Cristo, levando a sua cruz como es-tandarte de vitória, tomasse Inácio como servidor da sua missão, para trabalhar com ele sob a mesma cruz até que a tarefa fosse culminada. É uma visão que confirma o chamamento que Cristo, Rei Eterno, faz nos Exercícios Espirituais:

«Quem quiser vir comigo, deverá contentar-se com comer como eu, assim como beber e vestir, etc.; da mesma forma, há-de trabalhar comigo de dia e vigiar de noite, etc., para que depois tenha parte comigo na vitória, assim como a teve nos trabalhos»12

.

Inácio e todos os chamados a este serviço aprendem a ser com-panheiros no sofrimento com Cristo ao seu serviço. Nos Exercícios Es-

9 ? João Paulo II, Alocução à CG 34 (5 de Janeiro de 1995), 2 e 9.10 ? João Paulo II, Redemptoris Missio, nº 41.11 ? CG 33, decr. 1, 32. Em outros lugares do presente documento descreve-se esta justiça como «a justiça querida por Deus», «a justiça do Reino de Deus», «a justiça de Deus no mundo».12 ? EE [93].

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pirituais, contemplamos a missão de Cristo como uma resposta da San-tíssima Trindade às muitas desgraças que afligem a humanidade. Con-templamos o Filho encarnado, nascido em pobreza, esforçando-se por estabelecer o Reino com palavras e acções e, finalmente, sofrendo e morrendo por amor a todos os homens e mulheres. Na pedagogia dos Exercícios, Jesus convida-nos a ver na sua vida terrena o modelo da missão da Companhia: pregar em pobreza, estar livres de laços familia-res, ser obedientes à vontade divina e participar na sua luta contra o pecado, com inteira generosidade de coração. Como Senhor Ressusci-tado, ele está presente em todos os que sofrem, em todos os oprimidos e em todos aqueles cujas vidas estão destruídas pelo pecado. Da mesma maneira como Cristo está presente neles, queremos estar presentes, solidários e compassivos, naqueles lugares em que a família humana está mais maltratada. A missão da Companhia, como serviço ao Senhor Crucificado e Ressuscitado, é sempre uma participação na acção salvífica da cruz, num mundo ainda caracterizado pela crueldade e o mal. Como companheiros de Jesus, a nossa identidade é inseparável da nossa missão. Nadal sublinha que, para Inácio, ainda que o Cristo Ressuscitado esteja agora na sua glória, através da cruz está presente no sofrimento que continua neste mundo pelo qual Ele morreu:

«Cristo, tendo ressuscitado dentre os mortos, já não morrerá (Rom 6,9), ainda sofre nos seus membros e constantemente leva sua cruz, como quando disse a Paulo: “Por que me perse-gues?»13.

5. Para Inácio era muito claro que, assim como a Companhia não fora fundada por meios humanos, os seus ministérios só se conserva-riam e cresceriam pela mão poderosa de Cristo14. Como recebemos a nossa missão de Cristo, toda a sua fecundidade depende completamente da sua graça. É o Cristo Ressuscitado que nos chama e dá forças para o seu serviço sob a bandeira da cruz:

13 ? FN I, p.314.14 ? Const. [812].

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* Cristo Ressuscitado, longe de estar ausente da história do mundo, iniciou uma nova presença no mundo pelo Espírito. Ele está presente a todos os homens e mulheres e atrai a todos para o seu misté-rio pascal. Continua a ser o mediador da acção de Deus que traz a sal-vação, justiça e reconciliação a um mundo ainda destruído, enfraque-cido pelos seus pecados.

* Cristo Ressuscitado que nos chama, é o primogénito dentre os mortos, o primeiro entre muitos irmãos e irmãs que, por meio de seu amor, entrarão no abraço de Deus. É a presença afectuosa e salvífica no meio de nós, garantindo-nos que as cicatrizes da crueldade e da morte não desfigurarão para sempre a nossa história humana. A sua morte na árvore da cruz continua a frutificar «e serve de remédio às nações» (Ap 22,2).

* Cristo Ressuscitado cumpre as promessas que Deus fez ao povo judeu e continua a conduzir os povos a criar uma humanidade no Espírito, unindo-os num só corpo vivo (Ef 2,15-16). Nele ficam supe- rados todos os conflitos humanos.

6. A missão da Companhia tem a sua origem na contínua experi-ência de Cristo Crucificado e Ressuscitado que nos convida a unir-nos a Ele na tarefa de preparar o mundo para a chegada do Reino de Deus. Somos chamados a pregar, em pobreza, o ponto focal da missão de Cristo: a proclamação profética do Evangelho que desafia os povos à conversão em nome do Reino do Pai. Chama-nos a estar no coração mesmo da experiência pela qual o mundo recebe esta promessa e é le-vado a receber o dom de Deus em toda a sua plenitude. Ainda é uma experiência de cruz, com toda a angústia e com todo seu poder, porque os enigmas do pecado e da morte ainda formam parte da realidade do mundo. Chama-nos a «ajudar os homens e mulheres a desprender-se da imagem deformada e confusa que têm de si mesmos para se descobri-rem, à luz de Deus, totalmente semelhantes a Cristo»15 . Desta maneira, entregamo-nos a todos os trabalhos apostólicos com a confiança de que o Senhor nos acolhe, como fez com Inácio, como servidores seus, não porque sejamos fortes, mas porque, como Ele disse a São Paulo:

15 ? Peter-Hans Kolvenbach, Alocução à CG 34 (6 de Janeiro de 1995).

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«Basta-te a minha graça, porque a minha força mostra-se na fraqueza» (2 Cor 12,9).

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A graça que Cristo nos dá

7. O chamamento de Cristo Ressuscitado a unir-nos a Ele no tra-balho pelo Reino está sempre acompanhado pelo Seu poder. Uma graça especial foi concedida à Companhia, quando a Congregação Geral 32 formulou a nossa missão hoje como «o serviço da fé, do qual a promoção da justiça é uma exigência absoluta»16. Esta descrição do ponto central do nosso trabalho e espiritualidade e do seu princípio integrador tem o seu fundamento na Fórmula do Instituto que, depois de falar da finalidade da Companhia — «atender principalmente à defesa e propagação da fé e ao proveito das almas na vida e doutrina cristã» — explicita um conjunto de actividades destinadas a alcançar esta meta: ministérios da palavra e ministérios do espírito, ministérios sacramentais, a catequese das crianças e dos iletrados. Finalmente, ao sublinhar a centralidade das obras de misericórdia na vida cristã, abre um horizonte de ministérios sociais que podem ser levados a cabo pelos jesuítas em favor dos necessitados:

«E também manifestem-se preparados para reconciliar os desavindos, socorrer misericordiosamente e servir os que se encontram nas prisões ou nos hospitais, e a exercitar todas as demais obras de caridade, segundo parecer conveniente para a glória de Deus e o bem comum»17.

8. O compromisso da Companhia com uma vida radical de fé que se expressa na promoção da justiça para todos toma a sua inspiração na Carta Apostólica do Papa Júlio III. Recuperámos, para a nossa mis-são actual, a centralidade de trabalhar em solidariedade com o pobre, própria do nosso carisma inaciano. E, como se fosse com olhos novos, lemos um texto profético para o nosso tempo escrito por Polanco, sob a orientação de Inácio, à comunidade de Pádua, em 1547:

«São tão grandes os pobres na presença divina que princi-palmente para eles foi enviado Cristo à terra: “por causa da

16 ? CG 32, decr. 4, 2.17 ? Form. Inst. [3].

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opressão do miserável e do pobre — diz o Senhor — agora hei- -de levantar-me” (Sl 11,6). E noutro lugar: “enviou-me para evangelizar os pobres” (Lc 4,18), o que recorda Jesus Cristo, fazendo responder a São João: “os pobres são evangelizados' (Mt 11,5), e tanto os preferiu aos ricos que quis Jesus Cristo escolher todo o santíssimo colégio de entre os pobres, e viver e conversar com eles, deixá-los por príncipes de sua Igreja, constituí-los juízes sobre as doze tribos de Israel, isto é, todos os fiéis. Os pobres serão os seus assessores. Tão excelso é o seu estado. A amizade com os pobres faz-nos amigos do Rei eterno»18.

9. Ser «amigos do Senhor» significa, então, ser «amigos do pobre» e não podemos abandonar os nossos amigos quando estão necessitados. Somos uma comunidade em solidariedade com os pobres precisamente pelo amor preferencial de Cristo para com eles. O que começamos a entender é que o pecado do mundo, que Cristo veio tirar, alcança, no nosso tempo, o cúmulo da sua intensidade pelas estruturas que excluem os pobres — a imensa maioria da população mundial — da participação nas bênçãos da criação de Deus. Começamos a ver que a pobreza, consequência de estruturas opressoras, alimenta uma violência sistemática contra a dignidade de homens, mulheres, crianças e dos por nascer, que não se pode tolerar no Reino desejado por Deus. Estes são os sinais dos tempos que nos chamam a cair na conta de que «Deus foi sempre o Deus dos pobres, porque os pobres são a prova visível de um fracasso na obra da criação»19.

10. O Papa João Paulo II fala das devastadoras «estruturas de pe-cado», caracterizadas precisamente pelo «desejo abrasador de benefícios e ambição de poder» em todas as culturas. Posto que a vida do espírito é inseparável das relações sociais, convoca os fiéis e não fiéis a que se tornem conscientes da «urgente necessidade de uma

18 ? Obras completas de Santo Inácio, BAC, 1977, Aos padres e irmãos de Pádua, Roma, 7 de Agosto de 1547.19 ? Peter-Hans Kolvenbach, «A nossa missão, hoje e amanhã» em A fé que pratica a justiça: promovendo a solidariedade nos ministérios jesuítas, 1991, p. 49.

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mudança nas atitudes espirituais que definem as relações de cada indivíduo consigo mesmo, com o próximo, com as comunidades humanas mais longínquas e com a natureza mesma»20. É um chamamento que nós, como jesuítas, comprometidos com a acção do Espírito Santo, tanto no coração das pessoas como no mundo, não podemos rejeitar. Por conseguinte, na nossa vida pessoal e comunitária e em qualquer trabalho apostólico que empreendamos — seja pastoral, académico, intelectual, espiritual ou educacional — viveremos de tal maneira que buscando a plenitude do Reino, no qual a justiça, e não o pecado humano, marque a direcção. Nas palavras do Papa João Paulo II:

«Trabalhar pelo Reino significa reconhecer e promover a ac-tividade de Deus que está presente na história humana e a transforma. Construir o Reino significa trabalhar pela liber-tação do mal em todas as suas formas. Numa palavra, o Reino de Deus é a manifestação e realização do plano de salvação de Deus em toda a sua plenitude»21.

11. O nosso serviço é um serviço da fé e das implicações radicais da fé num mundo onde se torna mais fácil conformar-se com algo me-nos que a fé e menos que a justiça. Reconhecemos, com muitos dos nossos contemporâneos, que sem a fé, sem um olhar de amor, o mundo humano parece demasiado mau para que Deus possa ser bom, para que Deus possa existir. Mas a nossa fé reconhece que Deus continua a ac-tuar, através do amor de Cristo e do poder do Espírito Santo, para des-truir as estruturas de pecado que afligem os corpos e os corações dos seus filhos. A nossa missão como jesuítas toca algo fundamental no coração humano: o desejo de encontrar a Deus num mundo ferido pelo pecado e, então, viver do seu Evangelho com todas as suas consequên-cias. O instinto de viver plenamente no amor de Deus e, por conse-guinte, promover o bem comum partilhado e permanente, é o que bus-camos com a nossa vocação de servir a fé e promover a justiça do Reino de Deus. Cristo convida-nos — e através de nós as pessoas que

20 ? João Paulo II, Sollicitudo Rei Socialis, 36-38.21 ? João Paulo II, Redemptoris Missio, 15.

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servimos — a converter-nos de coração «da solidariedade com o pecado à solidariedade com Ele em favor da humanidade»22 e a promover o Reino em todos os seus aspectos.

12. Esta fé em Deus tem inevitáveis implicações sociais, pois está dirigida à forma como as pessoas se relacionam umas com as outras e como se deve ordenar a sociedade. Em muitas partes do mundo vemos desintegração social e moral. Quando uma sociedade não tem bases morais e espirituais, geram-se conflitos ideológicos e ódios que provocam a violência nacionalista, racial, económica e sexual; multiplicam-se os abusos que alimentam o ressentimento e o conflito; determinados grupos encerram-se em fundamentalismos agressivos que podem desfazer o tecido social desde dentro. A sociedade então converte-se em presa fácil dos poderosos e dos manipuladores, dos demagogos e dos mentirosos; converte-se em lugar de corrupção social e moral.

13. Mas a fé que busca o Reino gera comunidades que equilibram o confronto e a desintegração social. Da fé vem a justiça desejada por Deus, a entrada da família humana na paz com Deus e de uns com os outros. Não é a propaganda exploradora, mas a fé religiosa, como inspiradora do bem comum humano, encontrado no Reino de Deus, que pode levar a família humana a ultrapassar a decadência e o conflito que a destrói. Se as injustiças devem ser reconhecidas e solucionadas, então o afã de possuir, o chauvinismo e a manipulação do poder têm que ser enfrentadas por comunidades fundadas na experiência religiosa do amor, o amor do Servo Sofredor, o amor desinteressado capaz de entregar-se a si mesmo, mostrado pelo Salvador. A comunidade que Cristo funda pela sua entrega até à morte, desafia o mundo a crer, a actuar com justiça, a dialogar mutuamente com respeito sobre as coisas que importam, a transformar as suas estruturas de relações, a escolher os mandamentos de Cristo como base para a sua vida.

As dimensões da nossa missão22 ? Peter-Hans Kolvenbach, «A nossa missão, hoje e amanhã», em A fé que pratica a justiça: promovendo a solidariedade nos trabalhos dos jesuítas, 1991, p. 49.

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14. Reafirmamos o que se disse no decreto 2 da Congregação Geral 32: «O serviço da fé e a promoção da justiça não podem ser para nós um simples ministério a mais entre muitos outros. Devem ser o factor integrador de todos os nossos ministérios; e não só destes, mas da nossa vida interior como indivíduos, como comunidades, como fraternidade estendida a todo o mundo»23. A finalidade da nossa missão recebida de Cristo, como se apresenta na Fórmula do Instituto, é o serviço da fé24. O princípio integrador da nossa missão é o vínculo inseparável entre fé e promoção da justiça do Reino. Nesta Congregação Geral queremos aprofundar e estender, de forma explícita, a consciência que tem a Companhia das dimensões integrais da nossa missão, que o decreto 4 da Congregação Geral 32 nos apontou e que agora estão a amadurecer na nossa experiência e nos nossos ministérios. Demo-nos conta de que, quando os nossos ministérios se desempenham com mais fruto, estes elementos estão sempre presentes.

15. Feita a afirmação central da inseparabilidade do serviço da fé e da promoção da justiça, o decreto 4 fala da «nossa missão de evangeli-zar»25, especialmente através do diálogo com membros de outras tradi-ções religiosas e do compromisso com a cultura, que é essencial para uma apresentação efectiva do Evangelho. Assim, o fim da nossa missão (o serviço da fé) e o seu princípio integrador (a fé dirigida à justiça do Reino) estão dinamicamente relacionados com a proclamação inculturada do Evangelho e o diálogo com outras tradições religiosas, como dimensões integrais da evangelização. O princípio integrador flui para essas dimensões que, como ramos de um tronco comum, formam uma matriz dos traços integrais da nossa única missão do serviço da fé e da promoção da justiça.

16. Na nossa experiência desde a Congregação Geral 32, caímos na conta de que o nosso serviço da fé, dirigido à justiça do Reino de Deus, 23 ? CG 32, decr. 2, 9.24 ? «... fundada antes de mais nada para atender principalmente a defesa e propagação da fé e o aproveitamento das almas na vida e doutrina cristã». Form. Inst. [1].25 ? CG 32, decr. 4, 24.

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não pode prescindir dessas outras dimensões de diálogo e presença den-tro das culturas. A proclamação do Evangelho em cada contexto parti-cular deve sempre assumir as características culturais, religiosas e es-truturais, pois não é uma mensagem que vem de fora, mas antes um princípio que, a partir de dentro, anima, dirige e unifica a cultura, trans-formando-a e refazendo-a de modo a dar origem a “uma nova criatura'26.

17. Na nossa aproximação positiva das religiões e culturas, tomamos consciência que todas elas — incluindo o «Ocidente Cristão» através da sua história — encontraram também formas de se fecharem à verda-deira liberdade oferecida por Deus. A justiça pode florescer somente na transformação da cultura, já que as raízes da injustiça estão incrustadas tanto nas atitudes culturais como nas estruturas sócio-económicas. O diálogo entre o Evangelho e a cultura deve conduzir-se no centro da cultura. Deve levar-se a cabo entre pessoas que se respeitam e buscam juntas a liberdade humana e social para todos. Desta maneira também o Evangelho é visto desde uma nova luz, e assim se enriquece, se renova e se transforma. Através do diálogo, o próprio Evangelho, a Palavra antiga e sempre nova, penetra as mentes e os corações da família humana.

18. Em resumo, não pode haver uma proclamação efectiva do Reino a não ser que o Evangelho, levado ao próprio centro da sociedade, ilumine as suas estruturas, os seus aspectos culturais e religiosos.

— Há diálogo efectivo com outras tradições, quando há um compromisso partilhado, de transformar a vida cultural e social dos povos.

— A transformação das culturas humanas requer um diálogo com as religiões que as inspiram e, por conseguinte, o compromisso correspondente com as condições sociais que as estruturam.

— Se a nossa fé está centrada em Deus e na sua justiça no mundo, esta não pode realizar-se sem que, ao mesmo tempo, se atenda às dimensões culturais da vida social e à maneira em que a cultura se

26 ? Pedro Arrupe, «Carta a toda a Companhia sobre a inculturação», AR 17 (1978) 230.

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situa com respeito à transcendência religiosa.

19. Hoje verificamos com clareza que:

Não pode haver um serviço da fé sempromoção da justiça,penetração das culturas,abertura a outras experiências religiosas.

Não pode haver promoção da justiça semcomunicar a fé,transformar as culturas,colaborar com outras tradições.

Não pode haver inculturação semcomunicar a fé aos outros,dialogar com outras tradições,compromisso com a justiça.

Não pode haver diálogo religioso sempartilhar a fé com outros,avaliar as culturas,compromisso pela justiça.

20. À luz do decreto 4 e da nossa experiência actual, podemos afirmar explicitamente que a nossa missão no serviço da fé e da promoção da justiça se abre para incluir, como dimensões integrais, a proclamação do Evangelho, o diálogo e a evangelização da cultura. Devem ter lugar dentro do nosso serviço da fé — são, «sem confusão, sem separação» — porque surgem de uma obediência solícita ao que Cristo Ressuscitado faz para conduzir o mundo à plenitude do Reino de Deus. Estas dimensões, dentro da nossa única missão, alargam os discernimentos propostos pelas nossas Congregações Gerais mais recentes e a experiência apostólica da Companhia em muitas partes do mundo. Aqui, existe uma profunda instância, inspirada pelo Espírito do sentire cum Ecclesia in missione (sentir com a Igreja na missão), apropriado às formas em que o nosso carisma enriquece a missão

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evangelizadora da Igreja.

21. À luz destas reflexões, podemos agora dizer da nossa missão actual, que a fé que busca a justiça, é, inseparavelmente, a fé que se compromete no diálogo com outras tradições e a fé que evangeliza as culturas.

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3. A nossa missão e a justiça

Decreto 3A NOSSA MISSÃO E A JUSTIÇA

Apresentação

A Congregação Geral 32, em 1975, definiu a missão da Companhia de Jesus no mundo actual como: “o serviço da fé e a promoção da justiça”, no decreto 4, certamente o que mais impacto teve dentro e fora da Companhia. Passados vinte anos, viu-se que era importante fazer o ponto da situação e reafirmar o compromisso da Companhia pela promoção da justiça, em nome da fé em Cristo, inseridos na missão da Igreja.

Eis algumas linhas de força deste documento:1. Orientação prática. Renunciando a fazer especulações e ideologias, procura-se que todo o corpo apostólico da Companhia (pessoas, comunidades e instituições) viva e fomente a justiça, em todos os seus trabalhos e serviços.2. Justiça que brota da fé. A Companhia de Jesus não pode contentar-se com uma justiça qualquer; é condição essencial promover a justiça que brota da fé, que tem raízes no Evangelho de Jesus; a fé, que não dá frutos de justiça, é morta; importa ser contemplativos na transformação do mundo.3. Novas dimensões da justiça e seu carácter progressivo. Para descobrir as novas dimensões da justiça em cada cultura e época, é preciso cultivar a proximidade com os pobres e a análise sócio-cultural.4. Cultivar a sensibilidade para as situações críticas de injustiça, segundo os critérios de Cristo Crucificado e Ressuscitado, particularmente presente nos que sofrem.5. Promoção de comunidades de solidariedade. Sem pretender

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3. A nossa missão e a justiça

utopicamente que a mudança das estruturas sócio-políticas resolva todos os problemas, repetidamente este documento sublinha a necessidade do “desenvolvimento de comunidades de solidariedade, tanto no âmbito das organizações populares e não-governamentais, como a nível político”.

Um texto que fala de situações gritantes que clamam por justiça e que indica pistas de acção exigentes. A votação final do texto, pelos 223 delegados jesuítas, oriundos de situações tão díspares dos quatro cantos do mundo, foi um unânime sim.

1. Respondendo ao Concílio Vaticano II, a Companhia iniciou um processo de fé, ao comprometer-se na promoção da justiça como parte integrante da sua missão. Este compromisso foi um dom extraordinário de Deus para nós; pôs-nos em boa companhia: a do Senhor certamente, mas também a de tantos amigos seus entre os pobres e a de todas as pessoas comprometidas com a justiça. Como peregrinos com eles em direcção ao Reino, sentimo-nos tocados pela sua fé, renovados pela sua esperança, transformados pelo seu amor. Como servidores da missão de Cristo, fomos enormemente enriquecidos ao abrir os nossos corações e as nossas mesmas vidas às «alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens e mulheres do nosso tempo, sobretudo dos pobres e dos que sofrem»27.

2. Temos realizado isto de muitas maneiras. A promoção da justiça tem sido integrada nos nossos ministérios, tanto tradicionais como novos, em trabalhos pastorais e em centros sociais, ao formar «homens e mulheres para os demais» e no contacto directo com os pobres. Devemos também reconhecer as nossas faltas neste processo. Por vezes separámos a acção em favor da justiça, da sua autêntica fonte: a fé. A ideologia ou o dogmatismo levaram-nos, por vezes, a tratar-nos mais como adversários que como companheiros. Faltou-nos coragem para tomar as decisões que a nossa missão de uma fé que busca a justiça exigiam para a mudança de nós mesmos e das nossas instituições.

27 ? Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 1; Cf. CG 33, decr. 1, 41.

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3. A nossa missão e a justiça

3. Queremos, portanto, renovar o nosso compromisso pela promo-ção da justiça como parte integrante de nossa missão, tal como foi for-mulada pelas Congregações Gerais 32 e 33. A nossa experiência diz-nos que a promoção da justiça surge da nossa fé tornando-a ainda mais profunda. Por isso, tentamos caminhar para uma maior integração da promoção da justiça na nossa vida de fé, na companhia do pobre e de tantos outros que vivem e trabalham pela vinda do Reino de Deus.

4. A noção de justiça que nos guia está intimamente unida à nossa fé. Tem as suas raízes na Sagrada Escritura, na tradição da Igreja e na nossa herança inaciana. Transcende as noções de justiça que procedem dos âmbitos da ideologia, da filosofia ou de movimentos políticos particulares. Nenhuma delas poderá ser uma expressão adequada da justiça do Reino pela qual fomos chamados a lutar ao lado do nosso Companheiro e Rei28.

Novas dimensões da justiça

5. A luta pela justiça tem carácter progressivo e histórico, pois deve enfrentar as necessidades, sempre em mutação, de povos, culturas e tempos específicos. As Congregações anteriores impulsionaram-nos a trabalhar pela mudança estrutural nas áreas económica e política 29

como uma dimensão importante na promoção da justiça. Incitaram também a trabalhar pela paz e pela reconciliação, por meio da não-violência; lutar contra todo o tipo de discriminação por causa da raça, religião, género, classe social ou procedência étnica; fazer frente à crescente pobreza e fome existentes no mundo, e ao mesmo tempo, a uma prosperidade material que se concentra, cada vez mais, nuns poucos30. Cada um de nós pode estar mais comprometido numa ou noutra dessas dimensões, mas todas são importantes, na missão global da Companhia, para promover a justiça.

28 ? Cf. João Paulo II, Centesimus Annus nº 2529 ? Cf. CG 32, decr. 4, 20, 40; CG 33, decr. 1, 32, 46.30 ? Cf. CG 32, decr. 4, 20; CG 33, decr. 1, 45s.

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3. A nossa missão e a justiça

6. Recentemente estamos a tomar, cada vez mais, consciência de algumas outras dimensões da luta pela justiça31. O respeito pela digni-dade da pessoa humana, criada à imagem de Deus, apoia-se na cres-cente tomada de consciência internacional dos direitos humanos em toda a sua extensão. Estes incluem direitos económicos e sociais, as necessidades básicas da vida e o bem-estar; direitos individuais, tais como, a liberdade de consciência e de expressão e o direito de praticar e partilhar a fé de cada um; direitos civis e políticos a participar plena e livremente nos processos sociais; direitos ao desenvolvimento, à paz e a um meio ambiente apropriado para o ser humano. Dado que as pessoas e as comunidades se implicam mutuamente32, há importantes analogias entre os direitos das pessoas e o que, às vezes, se denomina «direitos dos povos», tais como a preservação da sua identidade cultural, a autonomia política, a exploração dos próprios recursos naturais. A Companhia, como corpo apostólico internacional, deve trabalhar com comunidades de solidariedade33 em defesa de tais direitos.

7. Hoje em dia, há uma crescente tomada de consciência da inter-dependência de toda a humanidade numa herança comum. A globalização de processos sociais e económicos avança, a passo cada vez mais rápido, devido ao grande desenvolvimento nas áreas da tecnologia, comunicações e negócios. Ainda que comportem benefícios, podem também criar injustiças em grande escala. Podem-se citar como exemplos os programas de acerto económico e a abertura às forças do mercado, sem considerar o seu impacto social, especialmente sobre os pobres; a «modernização» idêntica de culturas por caminhos que levam à destruição de valores e culturas tradicionais; uma crescente desigualdade, em níveis nacionais e mundiais, entre ricos e pobres, poderosos e marginalizados. Em justiça, devemos trabalhar para impedir a injustiça, construindo uma ordem mundial baseada na solidariedade, em que todos possam ocupar o lugar que lhes

31 ? Cf. João Paulo II, Sollicitudo Rei Socialis, 26.32 ? Cf. João Paulo II, Redemptor Hominis 14; Sollicitudo Rei Socialis, 29.33 ? Cf. infra n.10

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corresponde como participantes do banquete do Reino34.

8. A vida humana, dom de Deus, deve ser respeitada desde o seu começo até ao seu fim natural. No entanto, enfrentamo-nos cada vez mais com uma «cultura de morte» que favorece o aborto, o suicídio e a eutanásia; a guerra, o terrorismo, a violência quotidiana e a pena de morte, como meios para atingir fins; o tráfico e consumo de drogas, sem falar no drama humano que significam a SIDA, a fome e a pobreza. Devemos incentivar uma «cultura de vida». Isto significa: promover alternativas reais e moralmente aceitáveis ao aborto e à eutanásia; estudar com cuidado as consequências éticas da experimentação médica e da engenharia genética; lutar contra o desperdício de recursos necessários para os pobres, que implicam as guerras e o tráfico internacional de armamentos; criar possibilidades de sentido e de compromisso como alternativas reais à anomia e ao desespero.

9. A preservação da integridade da criação sustenta o crescente interesse pelo meio ambiente35. O equilíbrio ecológico e um uso sustentável e solidário dos recursos mundiais são elementos importantes de uma justiça que envolve todas as comunidades da nossa «aldeia global». Trata-se também de um assunto de justiça para com as futuras gerações que herdarão o que lhes deixarmos. Uma exploração pouco escrupulosa dos recursos naturais e do meio ambiente produz uma real degradação da qualidade de vida, destrói culturas e deixa os pobres na miséria. Temos que promover atitudes e políticas que nos levem a criar relações responsáveis com o meio ambiente deste mundo partilhado, do qual somos apenas administradores.

10. A nossa experiência, nas décadas recentes, demonstrou que a mudança social não consiste só na transformação das estruturas políti-cas e económicas, dado que essas mesmas estruturas têm raízes em va-lores e atitudes sociais e culturais. A plena libertação humana, para os pobres e para todos nós, baseia-se no desenvolvimento de

34 ? Lc. 14, 13; cf. Lc 16,19-31; cf. Sollicitudo Rei Socialis, 33.35 ? Cf. João Paulo II, Centesimus Annus, 37.

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comunidades de solidariedade, tanto no âmbito das organizações populares e não governamentais, como a nível político. Nelas podemos trabalhar conjuntamente com quem aspira a um verdadeiro desenvolvimento humano para todos36. Tudo isso implica uma inter-relação respeitosa entre os diversos povos e culturas, o meio ambiente e o Deus da vida que habita no meio de nós.

Situações críticas de injustiça

11. Como congregados de diversas partes do mundo, tomamos consciência de situações críticas que afectam centenas de milhões de pessoas e que, por isso, reclamam um particular interesse da parte de toda a Companhia. Não é nosso desejo ter diante de nós uma lista exaustiva nem afastar-nos daquelas situações de injustiça mais próxi-mas de cada um de nós. No entanto, as situações que indicamos são especialmente relevantes hoje, para a Companhia como corpo apostólico internacional e reclamam a nossa atenção urgente.

12. A marginalização de África na «nova ordem mundial» converte todo o continente em símbolo de todos os marginalizados do mundo. Trinta dos países mais pobres do mundo, são africanos. Dois terços dos refugiados no mundo, são africanos. A escravidão, o colonialismo e o neocolonialismo, os problemas internos de rivalidades étnicas e a corrupção fizeram deste continente um «oceano de infortúnios». No entanto, há também vida e coragem nos diversos povos africanos que permitem construir um futuro para os que venham depois. A Con-gregação Geral pede à Companhia universal que faça tudo quanto estiver nas suas mãos para mudar a atitude e a actuação internacional com respeito a África.

13. A recente queda dos sistemas totalitários na Europa do Leste deixou atrás de si ruínas em toda a extensão da vida humana e social. As pessoas lutam ali, com denodo, na difícil tarefa de reconstruir uma ordem social que lhes permita a todos viver numa autêntica comuni-

36 ? Cf. João Paulo II, Sollicitudo Rei Socialis, 27ss; Centesimus Annus, 49.

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dade, enquanto trabalham para o bem comum e são responsáveis pelos seus próprios destinos. No passado, muitas pessoas, entre elas os jesuí-tas, deram um testemunho grandioso de solidariedade, de fidelidade e de resistência. Agora, têm necessidade da solidariedade e da ajuda fraterna da comunidade internacional na sua luta por um futuro de segurança e de paz. A Companhia deverá fazer tudo o que esteja ao seu alcance para apoiá-los.

14. Os povos indígenas em muitas partes do mundo, isolados e mantidos em papéis sociais marginais, vêem ameaçada a sua identidade, o seu legado cultural e o seu ambiente natural próprio. Outros grupos sociais, tais como os «dalits», considerados «intocáveis» no sul da Ásia, sofrem de forte discriminação social, na sociedade civil e até na Igreja. A Congregação Geral apela a toda a Companhia a renovar a sua longa tradição de compromisso com estes povos.

15. Em muitos lugares do mundo, inclusive nos países mais desen-volvidos, o modelo económico e social imposto, produz milhões de ex-cluídos dos benefícios da sociedade. Desempregados permanentes, jo-vens sem possibilidade de conseguir trabalho estável, crianças de rua exploradas e abandonadas à sua sorte, anciãos em solidão e sem protecção social, ex-reclusos, vítimas do abuso de drogas, doentes de SIDA e outros grupos estão condenados à pobreza económica, à marginalização social e à existência cultural instável. Todos eles reclamam de nós a atenção que a tradição bíblica pede para «o órfão, a viúva e o estrangeiro».

16. Neste momento, há no mundo mais de 45 milhões de pessoas refugiadas ou deslocadas, das quais 80% são mulheres e crianças. Re-cebidos frequentemente nos países mais pobres, enfrentam o empobre-cimento crescente, a crise da sua identidade cultural, com o consequente desespero e perda do sentido da vida. O Serviço Jesuíta aos Refugiados acompanha muitos destes nossos irmãos e irmãs, servindo-os como companheiros e advogando a sua causa neste mundo sem piedade. A Congregação Geral apela a todas as Províncias que apoiem o JRS (Jesuit Refugee Service) de todas as maneiras possíveis e

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que juntem os seus esforços ao de outras instituições e organismos internacionais para combater as injustiças que arrancam as pessoas da sua terra natal e das suas famílias.

Pôr em prática

17. A promoção da justiça requer, antes de mais, a nossa própria e permanente conversão para encontrar a Jesus Cristo nas rupturas do nosso mundo, para viver em solidariedade com os pobres e excluídos, de tal modo que possamos assumir a sua causa sob a bandeira da cruz. A nossa sensibilidade para com esta missão estará tanto mais motivada quanto mais frequente e directo for o nosso contacto com estes «amigos do Senhor» cuja fé tem, com frequência, muito a ensinar-nos. Algumas experiências de inserção no mundo dos pobres devem, portanto, ser parte da vida de todo o jesuíta. E, onde seja possível, as nossas comunidades deverão estar localizadas entre os humildes.

18. Durante a formação, os jovens jesuítas deverão estar em contacto com o pobre não só ocasionalmente, mas de modo mais permanente. Tais experiências deveriam ser parte integrante da sua formação académica e espiritual, e ser cuidadosamente avaliadas e integradas na sua preparação para a análise sócio-cultural. O contacto com culturas alheias à própria e um estilo de vida em que «a seu tempo sintam alguns efeitos da pobreza»37 ajudá-los-á a crescer em solidariedade para com os pobres e para com o «outro», num mundo cada vez mais diversificado. A formação permanente de jesuítas de mais idade deveria favorecer também experiências de realidades sociais e culturais diferentes.

19. A criação de comunidades de solidariedade que busquem a jus-tiça deve levar-se a cabo, em todos os nossos diferentes apostolados. Ao trabalhar conjuntamente com os nossos colaboradores, todo o ministério jesuíta pode e deve promover a justiça em uma ou mais das formas seguintes: a) o serviço e acompanhamento directo aos pobres; b) a tomada de consciência das exigências de justiça e a

37 ? Const. [287].

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responsabilidade social de realizá-las; c) a participação na mobilização social em prol da criação de uma ordem social mais justa.

20. A formação de «homens e mulheres para os outros» não é só um objectivo das nossas instituições pedagógicas, mas de todos os ministé-rios da Palavra e dos Exercícios Espirituais, da pastoral e do trabalho da comunicação social. Os centros sociais e a acção social directa com e pelos pobres podem promover a justiça de modo mais eficaz na me-dida em que integrem o serviço da fé em todas as dimensões do seu trabalho. Assim, cada ministério jesuíta, deve esforçar-se por aprofun-dar o seu modo particular de realizar a nossa missão de fé e justiça, enriquecendo-a com as novas dimensões de diálogo e inculturação.

21. As instituições jesuítas podem usar os meios seguintes para ajudar a implementar a nossa missão: a avaliação institucional do papel que elas desempenham na sociedade; examinar a forma como as suas estruturas internas e as suas orientações se reflectem na nossa missão; a colaboração e o intercâmbio com instituições afins de diversos contextos sociais e culturais; a formação contínua do pessoal, no que diz respeito à missão.

22. As Províncias devem avaliar a sua planificação apostólica, usando os critérios das Constituições38, lidos à luz da nossa missão, hoje. À luz da fé que busca a justiça, o critério da «maior necessidade» aponta a lugares ou situações críticas de injustiça; o critério do «maior fruto» no que se refere aos ministérios que possam ser mais eficazes para criar comunidades de solidariedade; e o critério do «bem mais universal» que remete à acção que contribui à mudança estrutural capaz de criar uma sociedade baseada na solidariedade. Realizadas as decisões, é de crucial importância avaliar a realização prática das mesmas. A revisão anual do cumprimento dos objectivos do ano pode ajudar a determinar os do ano seguinte. Uma revisão séria e regular da eficácia na realização prática da nossa missão, dará credibilidade e realismo ao planeamento institucional da Província.

38 ? Const. [622s].

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23. No âmbito internacional e inter-provincial, a Companhia deve continuar a procurar maneiras de colaborar com outros grupos e orga-nizações nacionais e internacionais, sejam organismos não governamentais ou oficiais. É parte da nossa responsabilidade, como corpo apostólico internacional, trabalhar com outros a nível regional e global por uma ordem internacional mais justa. A Companhia deveria examinar, portanto, os seus recursos e tentar criar redes, o mais eficientes possível, para levar a cabo a sua missão também a este nível.

24. Acima de tudo, necessitamos manter a esperança no nosso ca-minhar para o Reino. Como servidores da missão de Cristo, funda-mentamos a nossa esperança em Jesus Cristo Crucificado e Ressusci-tado, para que nos proteja, guie e nos leve por diante no nosso serviço da fé e promoção da justiça39. E assim podemos continuar na procura insistente da justiça.

«A Companhia continua a insistir na promoção da justiça. Porquê? Porque corresponde à nossa própria espiritualidade... A promoção da justiça significa um chamamento para que a Companhia se insira, cada vez mais profundamente, na vida concreta dos povos e das nações, como são realmente e não como nós pensamos que deveriam ser»40.

Assim, a nossa peregrinação hoje, levar-nos-á novamente a partilhar, cada vez mais profundamente, as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias do povo de Deus.

39 ? Const. [134, 812].40 ? R. P. Kolvenbach, «A nossa missão hoje e amanhã», em: Fé que pratica a justiça: Promovendo a solidariedade nas actividades jesuítas, 1991, p. 49.

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Decreto 4A NOSSA MISSÃO E A CULTURA

Apresentação

Pela primeira vez desde a fundação da Companhia de Jesus, em 1540, uma Congregação Geral abordou explicitamente o tema da cultura, dedicando-lhe um extenso documento, demonstrando que a cultura é um ponto de referência obrigatório na nossa missão apostólica.

Podendo entender-se “cultura” de muitas maneiras, o decreto assim a define: “cultura significa a forma como um grupo de pessoas vive, pensa, sente, se organiza, celebra e partilha a vida. Em toda a cultura está subjacente um sistema de valores, de significados, de visões do mundo, que se expressam, exteriormente, na língua, gestos, símbolos, ritos e estilos de vida”.

Alguns pontos que servirão como chave de leitura do decreto:1. Uma realidade dura a enfrentar. “A ruptura entre o Evangelho e a cultura é, sem dúvida alguma, o grande drama do nosso tempo” (EN, 20). A religião torna-se irrelevante e ininteligível numa cultura divorciada do discurso e dos valores religiosos.2. Inculturação do Evangelho. Há que adaptar, traduzir e encarnar o Evangelho em cada cultura. Esta encarnação é um desafio à cultura a transformar-se para melhor com a semente do Evangelho. Por outro lado, também as culturas trazem a sua própria riqueza ao Evangelho. Um diálogo de mútuo respeito e enriquecimento.3. Presença de Deus no mundo. Uma ideia forte deste decreto é a firme convicção de que Deus está presente no mundo e actua na história. Cristo ressuscitado irradia o seu poder a toda a humanidade, de modos mais claros ou mais discretos e imperceptíveis.4. Enfrentar a modernidade crítica. É um problema da cultura ocidental, em que o cristianismo e qualquer outro compromisso religioso, para tantos, deixou de ter significado. Importa desenvolver a dimensão mística, de experiência religiosa, feitos “companheiros que dialogam entre si”, em partilha de valores e de vida, em acções comuns.5. Orientações práticas e propostas. Pensar nos problemas deve levar a conclusões de acção. Aqui se dão umas tantas para toda a Companhia, que em cada contexto se devem aplicar de um modo flexível e criativo.1. A composição desta Congregação Geral 34 — que reuniu jesuí-tas de culturas da Ásia, dos países ex-comunistas da Europa Oriental,

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da Comunidade Europeia, da África, da América do Norte, da Austrália e da América Latina — aumentou a nossa consciência da diversidade de culturas, tanto no mundo como na Companhia, e a necessidade de sublinhar a importância do tema «Evangelho e cultura», para a nossa missão41.

2. Recentemente, a Igreja tem vindo a fazer deste tema um dos pontos fulcrais da sua reflexão. O Papa Paulo VI escreveu que «a rup-tura entre o Evangelho e a cultura é, sem dúvida alguma, o drama de nosso tempo»42. Mais recentemente o Papa João Paulo II apresentou a inculturação como um dos aspectos fundamentais da acção evangeliza-dora total da Igreja, aludindo também à reciprocidade da relação entre o Evangelho e as culturas a que ele chega. A mensagem cristã deve abrir-se a todas as culturas, sem ligação estreita a nenhuma em particular, e pondo-se ao alcance de toda a pessoa humana através de um processo de inculturação pela qual o Evangelho possa introduzir algo de novo na cultura e que, ao mesmo tempo, o Evangelho seja enriquecido por ela:

«Através da inculturação, a Igreja encarna o Evangelho nas diferentes culturas, e ao mesmo tempo, abre as portas para que os povos, com as suas culturas, possam entrar na sua co-munidade. A Igreja transmite-lhes os seus próprios valores, ao mesmo tempo que toma os elementos bons que já existem nelas e as renova a partir de dentro»43.

3. O processo de inculturar o Evangelho na cultura humana é uma forma de encarnar a Palavra de Deus na grande variedade da experi-ência humana, colocando a sua tenda dentro da família humana (cf. Jo 1,14). Quando a Palavra de Deus se submerge no coração de uma cul-tura, é como uma semente que, enterrada, se nutre da terra que a rodeia, e cresce até amadurecer. Também se pode compreender o que é a incul-

41 ? «Cultura» significa a maneira como um grupo de pessoas vive, pensa, sente, se organiza, celebra e partilha a vida. Em toda a cultura está subjacente um sistema de valores, de significados e de visões do mundo que se expressam exteriormente na língua, gestos, símbolos, ritos e estilos de vida.42 ? Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, nº 20.43 ? João Paulo II, Redemptoris Missio, nº 52.

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turação à luz do mistério pascal: as culturas, graças à força libertadora do Evangelho, libertam-se dos seus elementos negativos e entram na liberdade do Reino de Deus. O Evangelho desafia profeticamente toda a cultura para que se desprenda de tudo aquilo que nela impede a justiça do Reino. Inculturar o Evangelho significa permitir que a Palavra de Deus desenvolva a sua força na vida de todos, sem impor, com isso, factores culturais estranhos que dificultam recebê-la em toda a sua ver-dade. «A evangelização não é possível sem a inculturação. A incultura-ção é o diálogo existencial entre pessoas vivas e o Evangelho vivo»44.

4. Este processo formou parte da vida da Igreja: nos primeiros séculos do cristianismo, enquanto ela proclamava a sua fé, em formas que a cultura helenística podia receber, era, ao mesmo tempo, modelada por essa cultura. Intuições que a princípio se originaram, fora do contexto judaico-cristão, vieram a ocupar logo um lugar no coração mesmo do cristianismo. Hoje em dia existe um processo semelhante em muitas partes do mundo, quando membros de culturas indígenas ou de grandes religiões tradicionais ou da modernidade crítica apresentam critérios que a Igreja deve ter em conta como parte do diálogo entre a experiência cristã e a diversidade das outras experiências. Desta maneira, a Igreja vai recuperando, nos nossos dias, a criatividade que mostrou nos tempos primitivos e nos momentos mais acertados da sua tarefa evangelizadora.

5. Hoje em dia, existem desafios especiais que possibilitam um diálogo existencial, como o que descrevemos dentro da multiplicidade das culturas que estão presentes na Igreja:

— A cultura secular contemporânea que, em parte, se desenvol-veu em oposição à Igreja, não inclui com frequência a fé religiosa entre seus valores reconhecidos. Portanto, culturas cujo passado foi modelado pela fé cristã, afastaram-se, em medida diversa, do cristianismo rumo a estilos de vida em que os valores evangélicos são marginalizados. Re-jeita-se com frequência a fé cristã por considerar-se uma fonte de con-frontos sociais que destroem a sociedade e como algo que a família hu-

44 ? Peter-Hans Kolvenbach, Povo vivo, Evangelho vivo, 12 de Outubro de 1993.

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mana já superou. A Igreja, quando fala de assuntos humanos, carece de credibilidade aos olhos de muitos dos nossos contemporâneos.

— As grandes culturas da Ásia, apesar de séculos da actividade missionária, com frequência ainda não percebem a fé cristã como uma presença viva no coração da experiência asiática. Em muitas ocasiões, é vista inseparavelmente vinculada à cultura ocidental, da qual descon-fiam. Muitos cristãos comprometidos da Ásia sentem que há uma rup-tura entre a sua experiência cultural autóctone e o carácter ainda oci-dental da sua experiência de Igreja.

— A crescente urbanização no âmbito mundial gera populações de milhões de pobres nas grandes cidades, que se debatem numa transição cultural dolorosa, ao emigrar das áreas rurais, forçados a abandonar a sua cultura tradicional. No entanto, nessa transição dão-se novas sínteses culturais, nas quais se recolhem elementos da sabedoria tradicional com novas formas de organização e celebração popular.

— Houve um ressurgir dos povos indígenas e das suas variadas culturas, que nos obriga a apoiá-los com a força libertadora do Evange-lho.

— Na África deseja-se com vigor criar um cristianismo verdadeiramente africano, no qual a Igreja e a cultura africana se integrem numa unidade inseparável. Há também um grande desejo de libertar o Evangelho da sua herança colonial a qual desvalorizava a qualidade dos valores indígenas das culturas africanas, e de o levar a um contacto mais profundo com a cultura africana.

A missão do jesuíta e a cultura

6. Como jesuítas vivemos uma fé que busca o Reino para o qual a justiça se converte numa realidade modeladora do mundo. Por isso tra-tamos de conseguir que o mais característico dessa fé entre em diálogo com as religiões e as culturas do mundo contemporâneo. Dissemos em «Servidores da missão de Cristo» que «a fé que faz justiça é a fé que se compromete no diálogo com outras tradições e a fé que evangeliza a

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cultura»45, e insistimos na inter-relação entre justiça, diálogo e evange-lização da cultura.

7. Esta não é uma estratégia apostólica à qual tenhamos chegado de uma forma pragmática: está enraizada no misticismo que é derramado em nós através da sua fonte, a experiência inaciana que nos conduz ao mistério de Deus e à presença activa de Deus na criação. Na nossa vida pessoal de fé e nos nossos trabalhos apostólicos, não se coloca nunca a questão da escolha entre Deus ou o mundo, é sempre Deus no mundo, trabalhando para levá-lo à sua plenitude, e do mundo que avança para estar plenamente em Deus46:

«Inácio proclama que não existe para o homem caminho de autêntica busca de Deus que não passe por uma inserção no mundo criado; e, por outro lado, que toda a solidariedade com o homem e todo o compromisso com o mundo da criação, para serem autênticos, pressupõem a descoberta de Deus»47.

8. A missão da Companhia, como serviço a Cristo Crucificado e Ressuscitado, está dirigida para os caminhos nos quais se faz sentir presente, na diversidade das experiências culturais humanas, a fim de mostrar o Evangelho como a presença libertadora explícita de Cristo. No nosso diálogo, que nasce do respeito pelas pessoas, especialmente pelos pobres, participamos dos seus valores culturais e espirituais e, ao mesmo tempo, oferecemos a nossa própria riqueza cultural e espiritual, com o fim de criar uma comunhão de povos iluminados pela Palavra de Deus e vivificados pelo Espírito como no Pentecostes. O nosso serviço à fé em Cristo não deve ser nem uma negação dos melhores impulsos da cultura em que trabalhamos, nem uma imposição alheia e a partir de fora, mas busca trabalhar de tal maneira que o vector de crescimento de uma cultura a conduza ao Reino.

9. No exercício da nossa missão temos um critério simples tomado da nossa tradição inaciana: na nossa vida pessoal de fé, sabemos que 45 ? CG 34, decr.2, 2046 ? Santo Inácio, Contemplação para alcançar amor, Exercícios Espirituais, [235-237].47 ? Peter-Hans Kolvenbach, Alocução à CG 34, § 2 (6 de Janeiro de 1995).

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estamos em consolação, quando entramos em contacto próximo com o que Deus vai fazendo nos nossos corações; e entramos em desolação, quando nos distanciamos, opondo-nos à sua acção. Assim também o nosso ministério de evangelizar a cultura será um ministério de consolação, se se leva a cabo de forma que ilumine o trabalho que Deus vai fazendo nessas culturas com as quais nos comprometemos e pelas quais se enriquece o nosso sentido do mistério divino. Mas, se trabalhamos contra o gérmen da sua presença nas culturas a que se aproxima a Igreja, ou pretendemos ter direitos de propriedade sobre os assuntos de Deus, andamos desencaminhados nos nossos esforços.

10. Esta intuição levou e guiou muitos jesuítas a adoptar uma atitude muito positiva para com as religiões e culturas com que trabalham. Os primeiros jesuítas nos seus colégios acompanhavam a catequese cristã com as humanidades, a arte e o teatro clássico, para que os seus alunos se tornassem versados tanto na fé como na cultura europeia. Im-pulsionou também jesuítas fora da Europa a expressar um profundo respeito pelas culturas indígenas, a compor dicionários e gramáticas de línguas autóctones e levar a cabo estudos pioneiros sobre os povos com que trabalhavam e a quem tratavam de compreender.

11. Mas muito mais nestes tempos em que a qualidade de vida de tantas culturas indígenas se encontra ameaçada por forças poderosas e preversas, queremos recuperar o respeito por essas culturas que tiveram os nossos melhores antepassados. Em todo o mundo encontramos jesuítas a trabalhar com um grande número de grupos étnicos, tribos e países de cultura tradicional. Todas elas têm um precioso património de cultura, religião e sabedoria ancestral que configurou a identidade desses povos. Agora, enquanto incorporam elementos da cultura moderna global, lutam por afirmar a sua identidade cultural. Deveríamos ajudar a que esta relação entre culturas tradicionais e modernidade, não seja imposta, mas sim um autêntico diálogo intercultural. Será um sinal de libertação para ambas. A nossa intuição é que o Evangelho ressoa em tudo o que há de bom, em qualquer cultura.

12. Ao mesmo tempo, reconhecemos que nem sempre seguimos esta

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intuição. Nem sempre reconhecemos que nem a agressão nem a coerção têm lugar na proclamação do Evangelho da libertação, especialmente em culturas que são vulneráveis à manipulação por forças mais poderosas. Hoje reconhecemos as nossas deficiências:

— Com frequência, contribuímos para a alienação das pessoas a quem desejávamos servir.

— Muitas vezes, os evangelizadores jesuítas não se inseriram no coração da cultura e permaneceram como presença estrangeira.

— Não descobrimos, na nossa missão, os tesouros de humani-dade, de profundidade, de transcendência e os valores de outras culturas que são fruto da acção do Espírito.

— Em certas ocasiões, alinhámos com a «cultura superior» das elites de determinada cultura, desprezando as culturas das comunidades pobres ou indígenas e, ocasionalmente devido à nossa passividade, permitindo que fossem destruídas.

A Companhia reconhece estes erros e procura agora tirar pro-veito da diversidade cultural e da complexidade existente no seu corpo apostólico.

13. Como a maioria de nós trabalha na nossa cultura originária, deveríamos, ao serviço da fé, entrar em diálogo com ela, sendo testemu-nhas do Espírito criativo e profético e fazendo o possível para que o Evangelho enriqueça e seja, por sua vez, enriquecido por uma presença inculturada em diferentes contextos. Tratamos de compreender a reali-dade da experiência das pessoas, porque somente então pode a procla-mação do Evangelho ligar-se às suas vidas. Levamos o Evangelho a um diálogo aberto com os elementos positivos e negativos que oferecem essas culturas. Desta maneira, o Evangelho chega a ser transformado pelo que estas culturas trazem. Pedro Arrupe chamou a atenção sobre a importância da inculturação para a missão do jesuíta actual:

«A inculturação é a encarnação da vida e mensagem cristãs numa área cultural concreta, de tal maneira que essa experi-ência não só chegue a expressar-se com os elementos próprios da cultura em questão (o que não seria mais que uma super-

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ficial adaptação), mas que se converta no princípio inspirador, normativo e unificador que transforme e recrie essa cultura, originando assim, 'uma nova criação»48.

Deveríamos reconhecer que o processo de inculturação é difícil, mas avança.

Diálogo de Deus com o mundo

14. O Evangelho, palavra profética de Deus, continua o diálogo começado por Deus com todos os homens e mulheres que já participam no mistério de unidade, principiado na criação49. Ele leva-os explicitamente ao encontro com o mistério de salvação. Deus abre os seus corações a esse mistério de plenitude — «graças à acção invisível do Espírito de Cristo» — que será o destino da família humana50.

15. Como discípulos do Senhor Ressuscitado, cremos que o seu mistério pascal irradia através da totalidade da história humana, alcan-çando a todos, todas as religiões e todas as culturas, aqueles que não crêem nele e mesmo aqueles que, em consciência, não podem crer. A centralidade do mistério pascal, segundo a Gaudium et Spes,

«Aplica-se não só aos cristãos, mas também a todos os homens (e mulheres) de boa vontade, em cujo coração trabalha a Graça de modo invisível. Cristo morreu por todos e a vocação suprema do ser humano, em realidade, é uma só, isto é, divina. Consequentemente, devemos crer que o Espírito Santo oferece a todos a possibilidade de que, na forma só de Deus conhecida, se

48 ? Pedro Arrupe, «Carta a toda a Companhia sobre a inculturação», 7 (Junho 1978) 9, em Jesuítas para os nossos tempos.49 ? João Paulo II, Alocução em Assis (1986); Insegnamenti di Giovanni Paolo II, vol. IX, 2 (1986), pp. 2019-29.50 ? Diálogo e anúncio: Reflexões e orientações sobre o diálogo inter-religioso e a proclamação do Evangelho de Jesus Cristo (Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso / Congregação para a Evangelização dos Povos, 1991), 29.

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associem a este mistério pascal»51.

16. Como participa cada um nele, só Deus sabe; o facto de que participam nele é o que a Igreja crê, movida por Deus. Cristo Ressusci-tado actua constantemente em todas as dimensões do crescimento do mundo, nas suas diversas culturas e nas suas diferentes espiritualidades. Da mesma maneira como há uma única bondade na obra criadora de Deus, assim também na obra redentora de Cristo a fragmentação causada pelo pecado vai sendo curada por um único fio de graça que atravessa, restaurando, a criação.

17. O diálogo é uma maneira de colaborar com Deus no seu mistério de salvação. É um encontro no Espírito entre iguais que lhes descobre o núcleo da sua própria identidade. Neste diálogo pomo-nos em contacto com o que Deus vai fazendo nas vidas de outros homens e mulheres e aprofundamos a nossa compreensão da acção divina: «Por meio do diálogo, permitimos que Deus se faça presente no meio de nós, dado que, ao abrirmo-nos um ao outro, abrimo-nos a Deus»52. Trata-se de possibilitar que todas as pessoas tomem consciência da presença de Deus na sua cultura e de tentar ajudá-las a que, ao mesmo tempo, se convertam eles mesmos em evangelizadores. O ministério do diálogo é conduzido com a consciência de que a acção de Deus precede a nossa. Não plantamos a semente da Sua presença. Ele já o fez na cultura e está a fazer com que frutifique, abraçando toda a diversidade da criação, e aí temos um papel a desempenhar.

18. Na variada história humana está a acontecer algo que é realmente obra de Deus: descobrimos nela um processo luminoso e longo — ainda incompleto — de crescimento humano que se expressa em formas religiosas, sociais, morais e culturais que levam o selo da obra silenciosa do Espírito. Nas categorias mentais, nos hábitos do coração, nas metáforas-raízes, nos valores de todas as culturas e inclusive no processo mesmo pelo qual os nossos próprios corpos se tornam capazes de uma experiência espiritual intensa, Deus já está a preparar nas suas criaturas

51 ? Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, nº22.52 ? João Paulo II, «Alocução aos líderes de religiões não-cristãs» (Madras, 05-02-1986).

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as condições para um reconhecimento amoroso da sua verdade, dispondo-as para a transformação prometida em Cristo. «Todos são chamados a um destino comum, a plenitude de vida em Deus»53.

A nossa missão e a modernidade crítica

19. Isto torna-se verdade, inclusive para as culturas em que é difícil o diálogo com os que consideram que para eles já está superado o cris-tianismo e qualquer outro compromisso religioso. Devemos prestar atenção especial a essas culturas pela sua influência em todo o mundo. Algumas culturas tendem a isolar, no mundo do privado e do pessoal, toda a crença religiosa. Considerando-a inclusive como algo estranho e excêntrico, a ponto de ser difícil que o Evangelho «anime, dirija e unifique» a cultura secular contemporânea54. Temos que reconhecer que para muitos contemporâneos nossos nem a fé cristã, nem qualquer outra crença religiosa, é boa para a humanidade.

20. Não é preciso desenvolver aqui os problemas que traz consigo o trabalho nestes contextos, porque a fronteira entre o Evangelho e o mundo moderno e pós-moderno passa pelo coração de cada um de nós. Todo o jesuíta encontra, antes de mais em si mesmo, o impulso à não- -crença e só quando nos enfrentamos com essa dimensão podemos falar a outros da realidade de Deus. Não podemos falar a outros, se a linguagem religiosa que usamos é completamente inacessível para eles. A teologia por nós empregada, no nosso serviço de evangelização não pode ignorar o horizonte das questões críticas modernas em cujo âmbito vivemos. Só quando para nós mesmos tem sentido a nossa própria experiência e compreensão de Deus, podemos dizer coisas que tenham sentido para o agnosticismo contemporâneo.

21. Este trabalho apostólico não deveria perder nunca de vista a tradição mística cristã que trata, tantas vezes, da experiência de Deus sem imagens e sem palavras, para além de todo o conceito humano. Si

53 ? Diálogo e Anúncio, op cit.(28)54 ? Pedro Arrupe, «Carta a toda a Companhia sobre inculturação», 9 (7 de Junho de 1978), em Jesuítas para os nossos tempos.

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compreendis, non est Deus, dizia Santo Agostinho55. Pode ser que muitos contemporâneos nossos tomem como ponto de partida a experi-ência de descobrir o silêncio que envolve a natureza de Deus, mas este silêncio é também um traço fundamental da experiência da fé cristã. Na cultura pós-moderna produz-se uma fragmentação da fé cristã em Deus e a espiritualidade humana separa-se de uma expressão religiosa explícita. Não é que tenha morrido a vida espiritual, desenvolve-se simplesmente fora da Igreja. A cultura «pós-cristã» dá testemunho, de modo estranho e implícito, da reverência devida a Deus a quem os seres humanos não podem imaginar sem destruir o seu mistério divino. Isto tem que ver com o que os cristãos querem dizer quando falam do «Pai». Tenta também encontrar o sentido, dentro da verdadeira estrutura humana ligada a um corpo; relaciona-se com a fé cristã de que o «significado» do mundo (o «Logos») se nos dá a conhecer na humanidade de Jesus. E há um profundo desejo expresso, na preocupação pelo meio ambiente, de reverenciar a ordem natural como um lugar em que há uma presença imanente, mas transcendente; relaciona-se com o que os cristãos chamam o «Espírito».

22. Uma evangelização inculturada em contextos «pós-cristãos» aponta, não a secularizar ou diluir o Evangelho, acomodando-o ao horizonte da modernidade, mas a introduzir a possibilidade e a realidade de Deus através do diálogo e de um testemunho em acção. Temos que reconhecer que, hoje em dia, a humanidade pode dar-se a si mesma muitas respostas que em tempos passados, buscava na religião. Num contexto predominantemente secular, a nossa fé e a nossa compreensão da fé libertaram-se de muitas complicações culturais contingentes e, como resultado, purificaram-se e aprofundaram-se. Ao mesmo tempo, a teologia, trabalhada desde um ponto de vista da crítica cultural moderna, pode ajudar as pessoas a descobrir e comprovar os limites da imanência e a necessidade humana de transcendência.

23. O único ponto de partida válido é tentar trabalhar sinceramente, a partir de dentro da experiência partilhada de cristãos e não-crentes,

55 ? Santo Agostinho, Sermo 117, PL 38, 663: «Se compreendes, não é Deus».

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numa cultura secular e crítica, fazendo crescer essa experiência sobre a base do respeito e da amizade. O nosso ministério com ateus e agnósti-cos ou é um encontro de companheiros iguais que dialogam entre si, tratando de problemas comuns, ou não é nada. Este diálogo tem que basear-se num partilhar a vida e num compromisso de colaboração na acção, em favor da libertação e desenvolvimento do ser humano, tra-tando de partilhar valores e experiências56.

24. É preciso reconhecer que o Evangelho provoca sempre resis-tência, porque desafia a pessoa e requer conversão de cabeça, coração e vida. Inácio deixa claro na Meditação das Duas Bandeiras que o cha-mamento de Cristo vai sempre radicalmente contra os valores que rejeitam a transcendência espiritual e que fomentam um tipo de vida centrada em si mesmo. O pecado tem sempre consequências sociais e mostra-se contrário à graça: se a vida cristã não se diferenciar visivel-mente da cultura da modernidade, não terá nada especial a oferecer. Uma das maiores contribuições que podemos fazer ao questionamento cultural moderno é o de mostrar que a injustiça estrutural existente lança raízes no mundo dos valores da poderosa cultura moderna que se vai convertendo em cultura mundial.

Mudança e esperança

25. É típico da nossa tradição inaciana estar comprometidos na transformação, nos momentos de transição de toda a cultura humana, nos quais as pessoas começam a transformar os seus modos de relação social, o seu património cultural, os seus projectos intelectuais, as suas perspectivas críticas sobre a religião, as suas ideias sobre a verdade e moralidade, a sua revolução científica e tecnológica que muda a visão que têm de si mesmos e do mundo em que vivem. Comprometemo-nos a continuar este trabalho e a desenvolver esta dimensão de uma evangelização inculturada dentro da nossa missão de serviço da fé e de promoção da justiça.

56 ? Diálogo e Anúncio, op cit. (42)

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26. «Inácio amou as grandes cidades», porque eram o lugar em que se estava a realizar a transformação da comunidade humana, e queria que os jesuítas estivessem comprometidos nesse processo. A «cidade» pode servir de símbolo do esforço moderno por criar uma cultura hu-mana com sucesso. Ninguém duvida que o projecto, na sua forma ac-tual, tem falhas sérias. Hoje vemos este projecto com mais cepticismo que há trinta anos. É claro para todos que está impregnado de numero-sas perturbações e desigualdades. Ninguém negará que nas experiências totalitárias deste século se mostrou brutal e quase demoníaco na sua intensidade. Em resumo: não anda longe da Babel e Babilónia bíblicas. Mas é também nossa intenção, vaga mas indiscutível, conseguir atingir uma comunidade feliz que, segundo o Apocalipse, Deus levará a comprimento — e levá-la-á à plenitude — na forma da cidade santa, a radiante Nova Jerusalém: «As nações caminharão à sua luz e os reis da terra trarão a ela a sua glória; as suas portas nunca se fecharão de dia — pois ali já não haverá noite —, e lhe trarão a glória e o tesouro das nações» (Ap 21, 24-26). Até àquele dia, a nossa vocação é trabalhar, generosamente, com Cristo Ressuscitado, nessa pobre cidade humana onde há pobreza material e espiritual, domínio e controlo, manipulação de mente e coração, e servir nela ao Senhor até que volte para levar à perfeição o mundo onde morreu.

Orientações práticas

27. — Devemos reconhecer que conseguir uma evangelização completamente inculturada na vida de um povo é algo complexo e que a inculturação do Evangelho pode ser lenta, simplesmente porque as mu-danças culturais são lentas, embora todos os nossos ministérios sejam exercidos na consciência da dimensão cultural de tudo o que fazemos.

— Devemos reconhecer que o nosso mundo está cada vez mais consciente dos direitos e da diversidade das culturas e que os diferentes grupos culturais afirmam, com razão, o valor do seu património. Temos que respeitá-los, acompanhando-os criativamente no seu processo de auto-afirmação.

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— Em todos os nossos trabalhos apostólicos, devemos reconhe-cer que a acção salvífica da revelação de Deus está já presente em todas as culturas e que o próprio Deus levará a sua acção à plenitude.

— É bom recordar que não evangelizamos directamente as culturas: evangelizamos as pessoas na sua cultura. Independentemente de trabalharmos na nossa própria cultura ou noutra, enquanto servidores do Evangelho, não deveremos impor os nossos próprios esquemas culturais, mas antes, ser testemunhas da criatividade do Espírito que trabalha também nos demais. Em última análise, as pessoas de cada cultura são as que enraízam a Igreja e o Evangelho nas suas vidas.

— Deveríamos dar-nos conta de que todas as culturas importan-tes abrangem um conjunto de etnias e de subculturas que, tantas vezes, são ignoradas.

— O chamamento a uma evangelização inculturada não é so-mente para os que trabalham noutros países que não o seu. O nosso trabalho tem sempre um contexto cultural concreto, com traços positi-vos e negativos que devem ser trabalhados pelo Evangelho.

— Devemos escutar cuidadosamente, quando as pessoas nos di-zem que o Evangelho não as interpela, tratando de compreender a expe-riência cultural que se esconde por trás do que dizem. Corresponde o que fazemos e dizemos ao que as pessoas, ao nosso redor, necessitam, real e urgentemente, para se relacionarem com Deus e com os demais? Se a resposta fosse um redondo «não», significaria que não estamos comprometidos, a fundo, com a vida das pessoas a quem servimos.

Propostas

28. Sugerimos as seguintes propostas para que a Companhia se torne mais capaz de avançar pelo caminho da inculturação:

— A nossa opção pelos pobres deve ser também uma opção pelas suas culturas e os seus valores frequentemente enraizados numa

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tradição rica e frutuosa. Isso permitirá um respeito criativo e mútuo entre os grupos de uma sociedade e a promoção de um ambiente religioso e culturalmente rico.

— O estilo de vida nas comunidades jesuítas deverá ser um tes-temunho credível dos valores contraculturais do Evangelho, de maneira que o nosso serviço da fé possa transformar efectivamente os padrões da cultura local.

— O nosso compromisso pela justiça social e pelo desenvolvi-mento humano equilibrado deve concentrar-se em transformar os valo-res culturais que sustentam uma ordem social repressiva e injusta.

— Cada etapa dos nossos programas de formação deve estar en-raizada nas culturas dos povos a quem servimos. Estes programas de-veriam conseguir que se partilhe a vida e a experiência das pessoas, procurando compreender a sua cultura por dentro. Nalgumas situações, um juniorado renovado pode ser orientado para aspectos de inculturação.

— É importante integrar a dinâmica da inculturação na formação dos jovens jesuítas e na renovação apostólica dos jesuítas e dos seus colaboradores. Isso é essencial para conseguir a conversão do nosso coração e para redescobrir a vitalidade do Evangelho no seu diálogo com a cultura.

— Uma experiência numa cultura diferente da nossa ajudará a crescer numa visão mais aberta ao universal e mais objectiva com rela-ção à cultura de origem.

— As nossas obras educacionais, em particular, desempenham um papel importante no diálogo da fé cristã com as mudanças das cul-turas contemporâneas ou tradicionais.

— Comprometemo-nos nos caminhos que levam à criação de verdadeiras Igrejas locais que possam contribuir para a riqueza da co-munhão universal da Igreja de Cristo. Devemos buscar também a ma-neira de criar uma teologia, liturgia e espiritualidade autóctones. Que-

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3. A nossa missão e a justiça

remos promover o direito e a liberdade dos povos, para que possam en-contrar o Evangelho sem se alienarem da sua própria cultura.

— Como corpo apostólico internacional, a Companhia está numa situação única para aproveitar a variedade de experiências culturais que vive nos seus ministérios e para promover um diálogo intercultural que contribua à missão da Igreja, ao serviço do plano divino de unir todas as nações na comunhão do Seu Reino (Ef 1,10; 2 Cor 5,19).

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

Decreto 5A NOSSA MISSÃO E O DIÁLOGO

INTER-RELIGIOSO

Apresentação

O Papa João Paulo II, logo no discurso da audiência introdutória aos participantes nesta Congregação Geral (1995.01.05), convidou a Companhia a ter como prioritária esta vertente nos seus trabalhos apostólicos: o diálogo entre as diversas religiões, tanto as religiões com tradição escrita, como as religiões indígenas.

Pontos mais importantes deste decreto:1. Depois de contemplar o mundo com os olhos de Deus, ao jeito inaciano da contemplação da Encarnação, tendo em conta tanta diversidade humana, encoraja a assumir positivamente o desafio da pluralidade de religiões, ultrapassando preconceitos e mal-entendidos históricos, e enveredando pelos caminhos do diálogo e da colaboração com vista a promover a paz, a justiça, os direitos humanos e o respeito entre todos.2. Expõe-se a doutrina da Igreja face ao diálogo inter-religioso. O Concílio Vaticano II, na Declaração “Nostra Aetate” exortou à promoção do diálogo e da colaboração, na estima dos valores morais e espirituais existentes noutras religiões. Iniciativas e documentos do Papa João Paulo II e do Conselho Pontifício para o diálogo inter-religioso têm encorajado a Igreja a prosseguir na mesma linha.3. Recomendam-se 4 campos no diálogo com as pessoas de outra religião: - “o diálogo da vida” (espírito de abertura e boa vizinhança); - “o diálogo das obras” (colaboração com objectivos comuns); - “o diálogo da experiência religiosa” (comunicação da própria tradição e experiência religiosa); - “o diálogo dos intercâmbios teológicos” (diálogo teológico para especialistas).4. A missão da Companhia de Jesus no mundo actual, resumida na fórmula “serviço da fé e promoção da justiça” é perspectivada segundo o diálogo inter-religioso. Sendo duas coisas diferentes: diálogo e proclamação da fé, mutuamente se reclamam e devem ambas ser parte integrante da nossa missão. Tendo uma dimensão global os problemas de justiça, as diversas religiões têm um campo comum de colaboração com vista à libertação integral do homem, especialmente do pobre.5. Orientações práticas: apesar da diversidade de situações e de culturas, dão-se algumas linhas de acção, partindo da nossa espiritualidade que deve caracterizar-se por um “profundo respeito por tudo o que foi realizado no ser humano pelo Espírito que sopra onde quer”.6. Mencionam-se as 4 religiões mais importantes, como “situações especiais”: o povo judeu, o islão, os hindus e o budismo, aludindo-se também ao fenómeno actual do fundamentalismo.

I. Introdução

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

1. Se imaginarmos, como Inácio, a Trindade contemplando a Terra, nos umbrais do Terceiro Milénio do cristianismo, que vemos? Mais de cinco biliões de seres humanos: uns homens, outros mulheres, uns ricos, outros — muito mais numerosos — pobres; uns amarelos, outros mulatos, outros negros, outros brancos; uns em paz, outros em guerra; uns cristãos (1. 950 milhões), outros muçulmanos (1 bilião), outros hindus (777 milhões), outros budistas (341 milhões), outros fiéis de novos movimentos religiosos (128 milhões), outros crentes de religiões indígenas (99 milhões), outros judeus (14 milhões), outros sem religião nenhuma (1 bilião e 100 milhões)57. Que significado tem para a nossa vida e missão evangelizadoras e que oportunidade lhes oferece esta abundante pluralidade étnica, cultural e religiosa que caracteriza hoje o mundo de Deus? E como havemos de responder ao racismo, aos preconceitos culturais, ao fundamentalismo religioso e à intolerância que tanto mancham o mundo de hoje?

2. A Congregação Geral exorta todos os jesuítas a superar precon-ceitos e mal-entendidos históricos, culturais, sociais ou teológicos e a cooperar em toda a parte com todos os homens e mulheres de boa von-tade empenhados em promover a paz, a justiça, a harmonia, os direitos humanos e o respeito pela integridade da criação de Deus. Isso há-de fazer-se especialmente através do diálogo motivado por considerações religiosas ou partilhando um sentido de transcendência aberto aos valo-res universais.

II. A Igreja e o diálogo inter-religioso

3. O Concílio Vaticano II exortou todos os católicos ao diálogo, para que «reconheçam, guardem e promovam os bens espirituais e mo-rais existentes noutras religiões, assim como os seus valores sócio-cul-turais», de forma a «colaborar com eles na busca de um mundo de paz,

57 ? International Bulletin of Missionary Research, vol. 19, nº 1 (Jan. 1995), p. 25. De acordo com o editor, estas estatísticas estão tomadas de The World Christian Encyclopedia, actualizadas e projectadas, utilizando uma nova análise demográfica proveniente de pesquisas das Nações Unidas. Como todas as estatísticas, devem ser usadas com cuidado.

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

justiça e fraternidade»58. O Santo Padre pediu reiteradamente aos jesuí-tas que assumam o diálogo inter-religioso como prioridade apostólica para o Terceiro Milénio59. Num mundo em que os católicos são apenas uns 20% da população, é imperativo que colaboremos com outros para alcançar objectivos comuns. No contexto do papel de divisão, explora-ção e conflito que as religiões, inclusive a cristã, desempenharam com frequência no decurso da história, o diálogo parece dar luz ao potencial unificador e libertador de toda religião, mostrando assim a importância da religião para o bem-estar humano, a justiça e a paz mundial. Antes de mais nada, necessitamos relacionar-nos positivamente com os fiéis de outras religiões, porque são nossos próximos e porque os elementos comuns da nossa herança religiosa e da busca humana nos forçam a estabelecer com eles vínculos mais estreitos. O diálogo «é uma actividade com motivações, exigências e dignidade próprias»60 e «jamais deveria tomar-se uma estratégia para conseguir conversões»61. Ser religioso hoje equivale a ser inter-religioso no sentido de que a relação positiva com os fiéis de outras religiões é algo exigido num mundo de pluralismo religioso.

4. A Companhia deve promover as quatro vertentes do diálogo re-comendadas pelos Papas recentes e por muitos bispos:

a. «O diálogo da vida, pelo qual as pessoas se esforçam por vi-ver num espírito de abertura e de boa vizinhança, partilhando as suas alegrias e penas, problemas e preocupações humanas».

b. «O diálogo das obras, pelo qual cristãos e outras pessoas co-laboram mutuamente, tendo em vista o desenvolvimento integral e a li-berdade do povo».

c. «O diálogo da experiência religiosa, pelo qual pessoas en-raizadas nas suas próprias tradições religiosas partilham as suas

58 ? Concílio Vaticano II, Nostra Aetate, nº 2,3.59 ? João Paulo II, «Ad quosdam Societatis Jesu sodales», AAS vol. 74, nº 7 (1982) p. 559; Homilia aos membros da Congregação Geral 33 (2 de Setembro de 1983), em: Documentos da Congregação Geral 33; Alocução à Congregação Geral 34 (5 de Janeiro de 1995).60 ? João Paulo II, Redemptoris Missio, nº 56.61 ? Federation of Asian Bishops' Conferences (FABC), 4 de Dezembro de 1983, em: G. Rosales — C. G. Arévalo (ed.), For All the Peoples of Asia, Orbis (New York, 1992), Orbis, p. 167.

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

riquezas espirituais, por exemplo no que se refere à oração e à contemplação, à fé e às vias de buscar a Deus e o Absoluto».

d. «O diálogo dos intercâmbios teológicos, pelo qual especialistas procuram aprofundar a compreensão das suas respectivas heranças religiosas e apreciar reciprocamente os seus valores espirituais pró-prios»62.

Este diálogo dos intercâmbios teológicos pode ser levado mais facilmente com as religiões que possuem tradição escrita. No entanto, é igualmente importante o diálogo com as religiões indígenas. Estas tradições expressam um sentido da divindade e da transcendência a que «é preciso aproximar-se com grande sensibilidade, já que contém valores espirituais e humanos»63; desempenham um papel importante no que diz respeito à harmonia ecológica da criação e à igualdade humana, e desenvolveram uma grande variedade de expressões e vias de comunicação da experiência religiosa através de práticas de devoção, rituais, danças e cantos que são uma autêntica fonte de bênçãos.

III. A Companhia e o diálogo inter-religioso

5. A nossa experiência no serviço da fé e na promoção da justiça, ao longo dos últimos vinte anos, levou muitos de nós a travar contacto mais estreito com fiéis de outras religiões. Eles ajudaram-nos a res-peitar a pluralidade de religiões como reflexo da resposta humana à obra salvífica de Deus na história. Comprovamos que Deus, que quer que todas as pessoas se salvem, guia os fiéis de todas as religiões à harmonia, do Reino de Deus, por caminhos só por ele conhecidos 64. «O diálogo inter-religioso, no seu nível mais profundo, é sempre um diálogo de salvação, porque procura descobrir, aclarar e compreender melhor os sinais do perene diálogo que Deus mantém com a

62 ? Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, Diálogo e anúncio (Vaticano, Pentecostes 1991), nº 42.63 ? Diálogo e anúncio, nº 14.64 ? Cf. Pronunciamento da FABC de 20 de Novembro de 1979 (Rosales — Arévalo, ob. cit., p. 115).

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humanidade»65. Um diálogo inter-religioso aberto e sincero é a nossa cooperação com o diálogo mantido entre Deus e a humanidade. «Pelo diálogo fazemos Deus presente entre nós; quando nos abrimos ao diálogo com outros, abrimo-nos nós mesmos a Deus»66. O diálogo inter-religioso é, portanto, «uma tarefa desejada por Deus», «um elemento integral da missão evangelizadora da Igreja»67, que se expressa no serviço da fé e na promoção da justiça.

6. O nosso serviço da fé incide hoje num mundo que começa a consciencializar-se progressivamente da pluralidade de experiências de fé nas diversas religiões. O diálogo ajuda-nos a reconhecer que essas religiões foram agraciadas com uma autêntica experiência de auto-co-municação da Palavra divina e da presença salvífica do Espírito divino68. Na comunhão eclesial, experimentamos em Jesus Cristo a revelação concreta e singular da Palavra divina e a significativa comunicação universal do Espírito divino. Com amor e convicção partilhamos essa experiência com as nossas irmãs e irmãos de outras religiões, porque «todos somos peregrinos a caminho do encontro com Deus nos corações humanos»69.

7. Diálogo inter-religioso e proclamação do Evangelho não são funções opostas, como se uma substituísse a outra. Ambas são facetas da única missão evangelizadora da Igreja70. «Convém que estes dois elementos mantenham a sua vinculação íntima e, ao mesmo tempo, a

65 ? João Paulo II, «Mensagem ao Conselho Pontifício para o Diálogo entre as Religiões», (Vaticano, 13.11.1992), BCDR 28 (1993), 6.66 ? João Paulo II, «Mensagem aos líderes de religiões não-cristãs», (Madras, 5.2.1986), AAS 78 (1986) 769s. (Ecclesia, 22.2.1986, pp. 32-33).67 ? João Paulo II, «Mensagem ao Pontifício Secretariado para o Diálogo», 28 de Abril de 1987 (Cf. Bulletin do Secretariado, nº 66, 1987, p. 224); Diálogo e anúncio, nº 38.68 ? Cf. Pronunciamento da FABC, Novembro de 1986, em Rosales — Arévalo (ob. cit.), p. 259.69 ? Paulo VI, «Mensagem ao Congresso Eucarístico», Bombaim, 1964, AAS 57 (1965) 124-126.70 ? «Missão evangelizadora, ou mais simplesmente evangelização, refere-se à missão da Igreja na sua totalidade. ... Anúncio ocupa tão importante lugar na evangelização que se tornou muitas vezes sinónimo dela e, no entanto, é apenas um aspecto da evangelização. Diálogo significa todas as relações inter-religiosas positivas e construtivas com indivíduos e comunidades de outras crenças que visam a compreensão e enriquecimento mútuos». Diálogo e anúncio, nº 8-9.

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

sua distinção. Por isso não devem ser confundidos nem instrumentalizados nem ainda menos considerados equivalentes como se fossem intercambiáveis»71. O diálogo estende a mão ao mistério de Deus, activo nos outros. A proclamação testemunha e faz conhecer o mistério de Deus tal como nos foi revelado em Cristo. O nosso encontro espiritual com fiéis de outras religiões ajuda-nos a descobrir dimensões mais profundas da nossa fé cristã e horizontes mais amplos da presença salvífica de Deus no mundo. «O diálogo é uma nova maneira de ser Igreja»72. Mediante a proclamação, outros encontram o Deus compassivo na vida, morte e ressurreição de Cristo Jesus cujo Espírito dá à luz uma nova criação em todos os estados da vida. Sem relativizar de modo algum a nossa fé em Cristo Jesus nem prescindir de uma avaliação crítica das experiências religiosas, somos convidados a compreender mais profundamente a verdade e o significado do mistério de Cristo em relação com a história universal do Deus auto-re-velado. «O mesmo Espírito que actuou na encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus e na Igreja, actuou entre todos os povos antes da encarnação e actua hoje entre as nações, as religiões e povos»73.

8. O nosso compromisso com a promoção da justiça depara-se com um mundo em que os problemas de injustiça, exploração e destruição do meio ambiente adquiriram dimensões globais. Também as religiões foram responsáveis por esses aspectos pecaminosos. Consequentemente, a nossa missão em vista da justiça e da paz, dos direitos humanos e da protecção do meio ambiente deve empreender-se em colaboração com os fiéis de outras religiões. Cremos que essas religiões contam com um potencial libertador que, mediante a colaboração inter-religiosa, poderia criar um mundo mais humano74. Mediante tal colaboração, o Espírito divino vence as estruturas de pecado e recria o rosto do mundo, até que Deus seja tudo em todos. Jesus sempre pôs a pessoa humana como centro de toda a fé e práxis religiosa. Por isso a libertação integral humana, especialmente dos pobres, torna-se ponto crucial das religiões. «Os cristãos unirão suas 71 ? João Paulo II, Redemptoris Missio, nº 55.72 ? Paulo VI, Ecclesiam Suam, nº 63.73 ? Pronunciamento da FABC, de Novembro de 1986, em Rosales — Arévalo (ob. cit.), p. 259.74 ? João Paulo II em Madras, 5 de Fevereiro de 1986.

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mãos às de todos os homens e mulheres de boa vontade e trabalharão juntos para dar à luz uma sociedade mais justa e pacífica em que os pobres sejam os primeiros a ser servidos»75.

IV. Orientações e directrizes

9. Embora o diálogo inter-religioso seja um elemento integral da missão jesuíta, as suas formas práticas dependem das situações concre-tas da nossa vida e trabalho. As religiões indígenas e as grandes reli -giões mundiais, os novos movimentos religiosos e os grupos fundamentalistas convidam-nos a um diálogo mais adequado à perspectiva e ao processo mutável de cada um deles. Por isso não se pode dar uma orientação universalmente válida. O importante é que cresçamos em abertura ao Espírito divino, para ser capazes de caminhar com os demais numa «caminhada fraterna, na qual avançamos, em companhia mútua, rumo à meta para nós estabelecida por Deus»76. As seguintes indicações oferecem orientação para desenvolver-se uma cultura de diálogo na nossa vida e ministério:

9.1 A nossa espiritualidade deve caracterizar-se por um «profundo respeito para com tudo o que foi realizado no ser humano pelo Espírito que sopra onde quer»77. Consequentemente, devemos estar alerta na busca global, para uma experiência contemplativa do divino e da compaixão para com os pobres que anseiam por justiça e liberdade. Es-peramos ser enriquecidos pelas experiências espirituais e pelos valores éticos, pelas perspectivas teológicas e pelas expressões simbólicas de outras religiões.

9.2 O diálogo genuíno com os fiéis de outras religiões requer que nós, jesuítas, aprofundemos a nossa própria fé e missão, dado que o diálogo real só pode realizar-se entre interlocutores enraizados na sua própria identidade. Esta é a razão principal por que necessitamos de uma sólida formação filosófica e teológica, especialmente centrada na 75 ? João Paulo II, Mensagem ao povo da Ásia (Manila, 2.3.1981) BSNC 16 (1981) 14.76 ? João Paulo II, Mensagem por ocasião da oração pela paz mundial, Assis, 1986.77 ? João Paulo II, Redemptoris Missio, nº 56.

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

pessoa e no mistério de Cristo Jesus. A Congregação Geral urge a todo jesuíta o estudo atento dos decretos do Concílio Vaticano II e das orientações das conferências episcopais sobre o valor e a necessidade do diálogo inter-religioso.

9.3 Na nossa formação, poderia oferecer-se maior proximidade às crenças e práticas de outras religiões, mediante cursos especiais e o exercício da inserção em meios pluralistas. Conscientes de que a alma de toda a religião verdadeira reside na sua capacidade de dirigir as pes-soas a uma experiência espiritual autêntica e mais profunda, é importante que na nossa formação cimentemos a dimensão mística da fé cristã e da espiritualidade jesuíta, ao caminhar ao encontro das tradições espirituais dos outros.

9.4 A proclamação do Evangelho deve ser sensível ao pano de fundo religioso e cultural daqueles a quem se dirige, e devemos estar atentos «aos sinais dos tempos, através dos quais o Espírito de Deus fala, instrui e guia»78.

9.5 A reflexão teológica deveria aprofundar «o desígnio de Deus e a experiência de quem encontra nela o seu alimento espiritual» 79. Tem que explorar o significado do acontecimento de Cristo no contexto da evolução espiritual da humanidade, articulada na história das religiões.9.6 O compromisso pela justiça exige que partilhemos a vida e a luta dos pobres e cooperemos com os fiéis de outras religiões, criando comunidades humanas de base, fundamentadas na confiança e no amor80. Na acção social deveríamos colaborar com eles, de bom grado, na denúncia profética das estruturas de injustiça e na criação de um mundo de justiça, paz e harmonia.

9.7 Os nossos centros sociais e culturais deveriam identificar e promover as dinâmicas libertadoras das religiões e culturas locais, e iniciar projectos comuns para a edificação de uma ordem social justa.

78 ? Diálogo e anúncio, nº 78.79 ? Ibid.80 ? Pronunciamento da FABC de Novembro de 1985, em Rosales — Arévalo (ob. cit.), p. 254.

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

9.8 As nossas instituições educacionais deveriam consciencializar os estudantes sobre o valor da colaboração inter-religiosa e inculcar neles uma compreensão básica da visão de fé dos membros das diversas comunidades religiosas locais e respeito por elas e, ao mesmo tempo, aprofundar a resposta pessoal da fé diante de Deus.

9.9 O serviço pastoral deveria preparar as comunidades cristãs para o diálogo. Devemos tomar consciência dos limites da comunidade cristã e ajudar as pessoas a terem a experiência do amor compassivo de Deus, na sua própria vida. «Todos somos filhos de Deus e devemos trabalhar, harmoniosamente, juntos para benefício de todos»81. A Igreja é uma «comunidade em peregrinação, junto com pessoas de outra fé, rumo ao Reino que está para vir»82. Nesta caminhada, ela é chamada a ser voz dos que não têm voz, em particular, dos jovens, das mulheres e dos pobres.

10. Um pequeno grupo de jesuítas está já preparado para abordar as quatro dimensões do diálogo, e comprometidos activamente no diálogo entre especialistas das tradições religiosas. A sua experiência foi gratifi-cante e frutífera. A sua própria fé sentiu-se aprofundada e partilhada com outros. Cresceu o seu respeito pela espiritualidade de outras religiões. Mas fica muito trabalho pela frente. O seu número é insufici-ente.

11. A Congregação Geral anima as diversas Assistências a prepara-rem jesuítas que possam vir a ser especialistas na quarta vertente do diá-logo inter-religioso. Dado que este diálogo se está a iniciar com pro-jecção global, o planeamento deveria fazer-se em termos de intercâmbio interprovincial e internacional de pessoas e em colaboração com outros grupos. Os jesuítas comprometidos nesta vertente do diálogo inter-re-ligioso têm uma responsabilidade bi-direccional: 1) estabelecer um diá-logo honesto e respeitoso com os especialistas de outras tradições religi-osas; 2) comunicar os frutos desse diálogo ao resto da Companhia, 81 ? Paulo VI, «Mensagem a não-cristãos», Roma, 5 de Março de 1967. Cf. Bulletin nº 5 (1968), p. 65.82 ? Pronunciamento da PABC de Agosto de 1987, em Rosales — Arévalo (ob. cit.), p. 300.

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

comprometida nas três primeiras vertentes do diálogo, de forma a ajudá-los a compreender e apreciar a sua urgência. Dado que tudo isto supõe um novo risco de fronteira, surgirão, sem dúvida, mal-entendidos e equívocos. Uma vez mais, somos convidados a fazer nosso o «pressuposto» inaciano do respeito aos outros e da concessão da vanta-gem da dúvida83.

V. Situações especiais

12. Ao diálogo com o povo judeu corresponde um lugar especial. A primeira aliança que é a sua e à qual Jesus, o Messias, veio dar cumprimento, «nunca foi revogada»84. A história comum tanto nos une como nos separa dos nossos irmãos e irmãs mais velhos, o povo judeu, no qual e através do qual Deus continua a actuar, para a salvação do mundo. O diálogo com o povo judeu capacita-nos a chegar a ser mais conscientes da nossa identidade como cristãos. Desde Nostra Aetate85 (1965), a Igreja Católica reencetou radicalmente o diálogo judaico-cristão, abandonado durante séculos de polémica e menosprezo, partilhados também pela Companhia. Entrar no caminho de uma relação sincera e respeitosa com o povo judeu é um dos aspectos dos nossos esforços por «pensar com e na Igreja».

13. O aparecimento do Islão, como força religiosa, política e econó-mica, é um facto no mundo actual, mesmo em países cristãos ocidentais. De facto, o Islão tornou-se uma religião mundial. Embora rivalidades do passado, conflitos e mesmo guerras tenham dificultado o diálogo, nos nossos tempos, mais difícil, tanto a Igreja como a Companhia têm ten-tado construir uma ponte para o diálogo e o entendimento mútuos entre cristãos e muçulmanos. No ConcílioVaticano II, a Igreja expressou a sua estima por eles, reconhecendo os valores positivos do Islão e assinalando o estreito laço que os une com a Igreja86. As relações da Companhia de 83 ? EE[22]84 ? João Paulo II, Mensagem em Mainz, 1980 (cf. Rom 11,29).85 ? Cf. Concílio Vaticano II, Nostra Aetate, 486 ? Concílio Vaticano II, Nostra Aetate, nº 3; Lumen Gentium, nº 16.

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

Jesus com os muçulmanos têm o seu ponto de partida no próprio Inácio, desde o momento em que descobriu, em Manresa, a sua vocação como chamamento para ir a Jerusalém e permanecer entre os muçulmanos. A experiência dos jesuítas que se aproximaram dos muçulmanos, com pre-paração, conhecimento e respeito, demonstrou que um diálogo frutífero é deveras possível. No entanto, em alguns lugares os jesuítas encontraram dificuldades para dialogar com os muçulmanos, especialmente nos estados baseados na lei islâmica. Em tais situações, temem pelos seus direitos religiosos e inclusive pelos seu direitos huma-nos fundamentais. Para enfrentar tais situações, os jesuítas precisam de muita fé, coragem e o apoio do resto da Companhia.

14. Os hindus, em geral, acolhem as iniciativas cristãs de diálogo. A sua tríplice via de crescimento espiritual mediante devoção ardente, meditação profunda e acção pelo bem-estar de todos, oferece uma visão integradora e um modo de vida. As suas indagações filosóficas profundas e as suas percepções místicas, os nobres valores éticos, a tradição do ashram e o rico simbolismo de práticas religiosas populares abrem vias amplas para um diálogo frutífero. A preparação dos jesuítas, no contexto das discriminações sociais, no diálogo entre hindus e cristãos, torna-se obrigatória.

15. O budismo, nas suas muitas formas, é uma religião importante que influencia as vidas de milhões de pessoas por todo o mundo. As Quatro Verdades nobres e o Caminho Óctuplo de Buda propõem uma visão de mundo baseada em que este é essencialmente inadequado e um modo de vida que, através das práticas da disciplina ética, da sabedoria e da meditação, leva a um estado de perfeita libertação e de iluminação espiritual. O budismo conduz os seus seguidores a um serviço desinte-ressado em favor da humanidade e de toda a criação, baseado numa compaixão universal por todas as criaturas vivas. Possui um atractivo especial para os homens e mulheres contemporâneos que buscam uma experiência espiritual verdadeira e pessoal. O diálogo com o budismo permite aos cristãos unir esforços com eles, para superar a frustração básica que muitos sentem hoje, e para considerar juntos os problemas da justiça, do desenvolvimento e da paz. O diálogo convida ainda os cristãos a redescobrirem as riquezas da contemplação próprias da sua tradição.

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

16. O fenómeno do fundamentalismo religioso que se encontra em todas as religiões, inclusive na cristã, apresenta sérias dificuldades. Um empenho apaixonado pelo regresso às fontes de cada religião e a subsequente reacção de oposição radical aos valores da cultura secular moderna originaram movimentos restauracionistas. A história da opressão de uma religião por outra dominante originou animosidades e preconceitos que estimularam tais movimentos. Com frequência, os sentimentos e estruturas religiosos são manipulados por grupos de poder políticos, económicos, culturais ou étnicos, que aspiram salvaguardar os seus próprios interesses. Tudo isto origina fundamentalismos ideológicos e novos movimentos, no seio das comunidades religiosas. A nossa responsabilidade jesuíta consiste em «compreender por que os membros de um movimento restauracionista fizeram essa opção e tratar de descobrir, sem preconceitos, as suas intenções legítimas e os seus sentimentos feridos»87. Isto pode aplanar o caminho para o diálogo e a reconciliação que exige de nós boa vontade, para reconhecer as nossas atitudes passadas de intolerância e as nossas injustiças para com os outros88. Deveríamos empregar o discernimento apostólico para decidir o que temos que fazer em tais situações.

VI. Conclusão

17. Como companheiros de Jesus enviados ao mundo de hoje, um mundo caracterizado pelo pluralismo religioso, temos especial respon-sabilidade na promoção do diálogo inter-religioso. A visão inaciana da realidade proporciona inspiração espiritual e base ministerial para tão urgente tarefa. Abre os nossos olhos ao incompreensível mistério da presença salvífica de Deus («Deus sempre maior») neste mundo. Faz- -nos sensíveis ao espaço sagrado do trato directo de Deus com as pes-soas humanas, ao longo da história. A contemplação de Deus

87 ? Pronunciamento da FABC de 3 de Novembro de 1988, cf. Rosales — Arévalo, ob. cit., p. 309.88 ? Orientações para o diálogo entre muçulmanos e cristãos, Secretariado para os não- -cristãos (Anchora Press, 1971), p. 74-77.

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5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso

«trabalhando em todas as coisas» ajuda-nos a discernir o Espírito de Deus nas religiões e culturas. A Meditação do Reino capacita-nos para entender a história como história de Deus connosco. A herança jesuíta de resposta criativa ao chamamento do Espírito, nas situações concretas da vida, é um incentivo para desenvolver uma cultura de diálogo na nossa aproximação aos fiéis de outras religiões. A cultura do diálogo deveria chegar a ser uma característica distintiva da nossa Companhia, enviada ao mundo inteiro para trabalhar para a maior glória de Deus e a ajuda das pessoas humanas.

Recomendações ao Padre Geral

18. A. A Congregação Geral pede ao Padre Geral que examine a possibilidade de estabelecer um secretariado para o diálogo inter-re-ligioso, para promover e coordenar as iniciativas da Companhia, neste campo. O secretariado poderia ajudar a organizar programas de formação para jesuítas, com vista a ampliar a nossa participação no diálogo. Poderia publicar um boletim para o intercâmbio de experiências e reflexões teológicas, no campo do diálogo na Companhia.

19. B. A Congregação Geral pede ao Padre Geral que examine a possibilidade de estabelecer, na Universidade Gregoriana, um departamento para o estudo das religiões. Este departamento poderia oferecer cursos académicos sobre o judaísmo, o islamismo, o hinduísmo, o budismo e outras religiões, assim como sobre a teologia das religiões. Poderia estabelecer relações com outras universidades e centros de estudos religiosos do mundo.

20. C. A Congregação Geral pede ao Padre Geral que examine a possibilidade de ampliar os objectivos apostólicos da comunidade jesuíta do Pontifício Instituto Bíblico de Jerusalém, para que em diálogo e de acordo com outros centros cristãos de Jerusalém, possa desenvolver programas de diálogo inter-religioso entre judeus, cristãos e muçulmanos, além de continuar o seu trabalho de renovação bíblica e espiritual dos jesuítas de diversas Províncias.

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11. O sentido verdadeiro que devemos ter no serviço da Igreja

NA IGREJA

11. O sentido verdadeiro que devemos ter no serviço da Igreja12. Ecumenismo13. Colaboração com os leigos na missão14. Os jesuítas e a situação da mulher na igreja e na sociedade

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11. O sentido verdadeiro no serviço da Igreja

Decreto 11O SENTIDO VERDADEIRO

QUE DEVEMOS TER NO SERVIÇO DA IGREJA

Apresentação

Um documento surpresa, pois não havia quase nenhum “postulado” ou pedido para que se revisse o tema da fidelidade à Igreja. Com o andar dos trabalhos, viu-se que era oportuno aprofundar o tema, pois não havendo problemas graves, notava-se uma certa falta de afecto positivo para com a Igreja ou uma atitude de certa distância ou superioridade crítica. Documento que acabou por ser uma feliz surpresa, onde se alia a frontalidade realista com decidido sentido eclesial.

Eis as principais linhas de força deste decreto:1. A nota essencial da relação entre a Companhia e a Igreja tem sido e é, presentemente, de serviço leal e dedicado, apesar de alguns casos de conflito. O mundo e a Igreja dos tempos de S. Inácio, são muito diferentes dos actuais. Há que, no entanto, manter vivo o sentido de forte adesão à Igreja, no contexto da actual sociedade relativista e com uma comunicação social que, não raro, deforma a verdadeira imagem da Igreja.2. A fidelidade à Igreja não pode ser entendida como a mera repetição do que diz a Hierarquia, desvinculados da própria consciência e responsabilidade. Supõe a identificação com Cristo que fundou a Igreja com homens e mulheres. Implica atenção aos sinais dos tempos, com coração compassivo e saber arriscar por um bem maior.

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11. O sentido verdadeiro no serviço da Igreja

3. Se há um tempo para falar, pode também haver um tempo para calar, não por simples demissão e facilidade, mas fruto da obediência ou de eleição discernida. A obediência inaciana e a fidelidade à Igreja exigem discernimento e oração.4. É pedido que se fomente o diálogo com a Hierarquia e que se tomem as iniciativas com vista à compreensão mútua. A nossa colaboração com os meios de comunicação deve facilitar o aparecimento da verdadeira imagem da Igreja, inspirada por um verdadeiro afecto para com ela.

I. Introdução

1. Quando a Congregação Geral 33 falou sobre a nossa «vida na Igreja»89, renovou o compromisso da Companhia de «servir a Igreja no seu ensino, na sua vida e no seu culto»90. No seu discurso de encerra-mento da Congregação de Procuradores, a 8 de Setembro de 1987, o P. Geral Peter-Hans Kolvenbach reiterou este compromisso91 . A Congre-gação Geral 34 reafirma a longa e permanente tradição de serviço, pró-prio da Companhia; serviço a que nos dedicamos não só como religio-sos, mas, de maneira especial, em virtude do quarto voto de obediência ao Papa «circa missiones» (acerca das missões).

2. Este serviço é praticado de mil formas, humildes e às vezes es-condidas, por sacerdotes e irmãos jesuítas, em trabalhos de paróquia, missões, pregação, confessionário, editoriais, aulas e laboratórios.

3. Também humilde e oculto é o serviço realizado por teólogos e peritos, consultores de dicastérios da Santa Sé, de conferências episco-pais e bispos diocesanos. Juntamente com o serviço mais público da investigação científica, ensino, conferências e publicações, são traba-lhos intelectuais que requerem liberdade, abertura e coragem no serviço objectivo da verdade.

89 ? CG 33, decr.1,6-890 ? Ibid, 6.91 ? Kolvenbach, Peter-Hans: Alocução à XLVII Congregação de Procuradores, 4 (AR 19 [1987] 1090).

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11. O sentido verdadeiro no serviço da Igreja

4. O nosso serviço de jesuítas é também frequentemente um com-promisso perigoso de testemunho e luta contra as forças da injustiça social e da perseguição religiosa, testemunho que foi, uma vez mais, selado com o sangue dos mártires. Nas últimas décadas, como ao longo da nossa história, o heroísmo de muitos dos nossos irmãos que sofreram e morreram pela sua fidelidade à Igreja, deu testemunho, claro e irrefutável, do compromisso fundacional da Companhia de «servir somente o Senhor e a sua Esposa, a Igreja, sob o Romano Pontífice»92.

II. Igreja e mundo: o novo contexto

5. Os jesuítas hoje prestam este serviço num mundo marcado pelo poder da revolução técnica e sócio-política, alimentada pela luta pela justiça, modernização e desenvolvimento. Esta dialéctica de mudança produz múltiplos problemas a que a Companhia não pode permanecer alheia.

6. Com o Concílio Vaticano II, a Igreja comprometeu-se na sua própria dialéctica de tradição e progresso. Novas tensões e conflitos surgiram, ao tratarmos de responder ao chamamento a uma evangeliza-ção que é sempre antiga e sempre nova. Estas tensões afectam diversos aspectos da vida da Igreja: liturgia, doutrina, ética, disciplina, activi-dade pastoral e a sua inculturação.

7. O Vaticano II foi um evento profético que produziu uma reno-vação do catolicismo, como não se havia visto desde o Concílio de Trento. Este dinamismo e criatividade eclesiais manifestam um Povo de Deus a caminho, esforçando-se, sob a orientação do Espírito Santo, por viver uma eclesiologia redescoberta de corresponsabilidade colegial (ou eclesiologia «sinodal», segundo a terminologia oriental). Os desorienta-dos pelas inevitáveis tensões desencadeadas pela força desta nova pers-pectiva deveriam recordar que os grandes concílios ecuménicos puseram em andamento um amplo processo, em que a reforma e a renovação não

92 ? Form. Inst. [1]

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11. O sentido verdadeiro no serviço da Igreja

alcançaram consenso realmente vivido senão ao cabo de séculos.

8. A eclesiologia renovada no Vaticano II ajudou-nos a redescobrir a Igreja universal como uma koinonia de Igrejas locais sob o colégio episcopal, do qual o Bispo de Roma é a cabeça. Isto, por sua vez, renovou a nossa consciência do papel eclesial distinto e inalienável dos leigos na vida da Igreja. Podemos surpreender-nos de que esta consci-ência mais sentida da corresponsabilidade de todo o Povo de Deus na vida da Igreja tenha feito aflorar um maior número de vozes e que nem todas digam o mesmo? Isto é uma fonte de vitalidade, mas também de tensões.

III. Desafios dos tempos

9. Sensíveis ao chamamento para trabalhar com o Povo de Deus, no espírito do Vaticano II e das Congregações Gerais 32 e 33, e convo-cados pelo Papa para ajudar na implementação do mesmo Concílio, a Companhia renova a sua fidelidade à doutrina da Igreja, ao mesmo tempo que discerne e enfrenta os sinais dos tempos. É que nestes sinais estão os desenvolvimentos contemporâneos que podem apresentar desafios intelectuais, culturais e pastorais a essa fidelidade.

10. O problema da fome, a perseguição religiosa e racial, o desen-volvimento económico e cultural desordenado, a falta de liberdade política e justiça social, a discriminação e exploração sócio-económica amplamente estendida, a exploração e o abuso sexual, especialmente de mulheres e crianças, o frio desprezo do precioso dom da vida, os desafios pastorais da secularização, do anonimato social e da alienação das grandes cidades modernas, a dissolução da família — todos eles confrontam, e frequentemente de forma maciça, a Igreja, e por conseguinte nós próprios, e requerem a nossa resposta.

11. Nem mesmo o desenvolvimento positivo deixa de ter as suas ambiguidades. Progressos nas ciências da vida e os concomitantes pro-blemas da bioética, a necessidade de matizar teorias teológicas aprecia-das à luz da hermenêutica e da historiografia contemporâneas, a nova

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11. O sentido verdadeiro no serviço da Igreja

cultura criada pela explosão dos meios de comunicação, problemas in-ternos de disciplina litúrgica e vida sacramental provocados pela mo-dernização e inculturação. Estas são algumas das «novas situações apresentadas à Companhia, exigindo, em completa fidelidade ao magistério da Igreja, novas respostas a tantas perguntas saudáveis do Povo de Deus», para as quais o P. Geral chama a atenção na sua alocução93. Esta fidelidade assumirá a adesão às normas aceites de aprovacão e o ensino católico sobre a hierarquia das verdades que desenvolve a doutrina da Igreja, nos documentos oficiais do magistério e no ensino ordinário de teólogos católicos aprovados94.

12. O jesuíta, especialmente o estudioso ou o teólogo comprometido na investigação e na criação de opinião pública informada, verão estes desafios como oportunidades para o seu serviço. A sua missão tem que garantir que a tradição cristã mantenha a sua respeitabilidade como uma visão de mundo coerente e válida, em diálogo com o mundo da investigação e da ciência seculares. Só através de um trabalho rigoroso de investigação académica, efectuado com fé e numa atmosfera de liberdade e confiança mútua, pode a Igreja continuar a ser uma força activa para o bem, no mundo contemporâneo do discurso cultural e intelectual. A Congregação Geral 34 manifesta o seu profundo apreço, solidariedade e apoio aos jesuítas comprometidos neste serviço crucial para a Igreja dos nossos dias.

13. Este trabalho supõe coragem e integridade; pode também trazer consigo sofrimento. Como dizia o P. Geral: «Conscientes das fortes tensões dentro da Igreja, das quais a Companhia não pode livrar-se hoje, precisamente pela sua responsabilidade apostólica própria, os jesuítas — queiram ou não — são arrastados para situações eclesiais conflitivas e, às vezes, explosivas»95. A nossa resposta a tais situações pode dar motivo a tensões com algumas autoridades eclesiásticas.

93 ? Kolvenbach, Peter-Hans: Aloc. à XLVII Congregação de Procuradores, 4 (AR 19 [1987] 1081).94 ? Cf. Unitatis Redintegratio 11; Mysterium Ecclesiae 4-§§ 257ss; CIC cânones 750- -754; Catecismo da Igreja Católica §§ 85 ss.95 ? Kolvenbach, Peter-Hans: Aloc. à XLVII Congregação de Procuradores, 4 (AR 19 [1987] 1079).

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11. O sentido verdadeiro no serviço da Igreja

Apesar do nosso sincero desejo — mais ainda, precisamente por isso — de viver em total fidelidade ao magistério e à hierarquia da Igreja, pode haver momentos em que sintamos justificado, e inclusive obrigatório, falar de uma maneira que pode ser que nem sempre nos traga aprovação geral e inclusive nos leve a sanções dolorosas para a Companhia e constituam impedimento para o nosso trabalho.

14. Ao agir assim, o jesuíta não se coloca numa situação de deso-bediência ou rebeldia. A obediência inaciana, em consonância com a tradição da teologia católica, reconheceu sempre que a nossa primeira fidelidade deve ser para com Deus e para com uma consciência bem formada. A obediência não pode excluir o nosso discernimento em ora-ção sobre o plano de acção a seguir. Este, em certas circunstâncias, pode ser diferente do que foi sugerido pelos nossos superiores religiosos e eclesiásticos. Este discernimento e a sua representação respeitosa aos superiores é um elemento autêntico da tradição inaciana, confirmado na Congregação Geral 3196 e clarificado na Congregação Geral 3297.

15. Mas, ao mesmo tempo, a obediência inaciana é uma obediência de fidelidade concreta à Igreja real, visível e hierárquica, não a certo ideal abstracto. Esta Igreja não é algo separado de nós. É a comunidade dos fiéis, de que formamos parte e de cujas virtudes e defeitos, triunfos e tragédias também participamos. Por isso, uma vez que o discerni-mento se levou a cabo e se fizeram as representações, a atitude jesuíta será definitivamente a modelada a partir das «regras para o sentido ver-dadeiro que devemos ter na Igreja»98.

16. Ao dizer isto, estamos bem conscientes de que o contexto em que Inácio escreveu estas Regras já não é significativo hoje. Mas o ser-viço inaciano na Igreja não é uma lição de história. Há um profundo vínculo místico que transcende as particularidades de suas origens his-tóricas na Igreja do século XVI. Arraigados na certeza de que o Espírito Santo é quem guia a Igreja, e nos conduz a buscar o «magis», confiamos serenamente que «Deus coopera em tudo para o bem dos

96 ? CG 31, decr.17,10.97 ? CG 32, decr.11,55.98 ? EE [352-379]

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11. O sentido verdadeiro no serviço da Igreja

que O amam» (Rom 8,28).

17. Por isso, se há um tempo para falar, pode também haver um tempo para calar, fruto de eleição discernida ou imposição da obediên-cia. Pois se há um tempo para a representação, também há um tempo para a abnegação do nosso entendimento e da vontade, que assim se convertem numa nova maneira de chegar, através das nuvens do sofri-mento e da incerteza, a uma verdade e uma sabedoria mais alta, que é a da cruz.

IV. A resposta jesuíta: uma perspectiva contemporânea

18. Uma resposta inaciana actualizada a estes problemas é dada na alocução, acima citada, do P. Geral99. Nela não se pretende propor uma versão actualizada das «regras para o sentido verdadeiro que devemos ter na Igreja militante»100. Menos ainda se pretende abordar um tratamento exaustivo da matéria ou da sua história e interpretação101. Não obstante, nele encontramos uma reflexão profunda sobre a inspira-ção fundacional que leva a Companhia a integrar-se mais plenamente na experiência viva do mistério da Igreja, no espírito do quarto voto «circa missiones» (acerca das missões) que nos une com o Santo Padre, de maneira especial.

19. Esta Congregação faz seu o ensinamento desta alocução e re-comenda insistentemente a toda a Companhia o seu estudo atento, numa atmosfera de oração, exame, reflexão e discernimento individual e comunitário. De acordo com a precedente Congregação Geral, o P. Geral afirma que toda a Companhia tem que «esforçar-se, cada vez mais, numa inserção forte e criativa na vida da Igreja»102 e «aprender na Igreja, com a Igreja e para a Igreja como viver a nossa fé de adultos em

99 ? Kolvenbach, Peter-Hans: Alocução à XLVII Congregação de Procuradores, 8-9 (AR 19 [1987] 1081-84).100 ? Ibid. 8.101 ? Ibid. 9.102 ? CG 33, decr.1,8.

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condições, culturas e linguagens próprias deste fim de século»103.

20. Se o nosso amor a Cristo, inseparável do amor pela sua Esposa a Igreja, nos impulsiona a buscar, em cada situação, a vontade de Deus, pode também obrigar-nos a assumir uma atitude crítica construtiva, baseada na oração e no discernimento. Mas não pode justificar uma falta de solidariedade para com a Igreja, da qual nunca, nem de maneira alguma, nos separamos ou distinguimos. Na elaboração e expressão dos nossos pontos de vista teológicos e na escolha das nossas opções pasto-rais devemos buscar sempre activamente compreender e aceitar a mente da Igreja hierárquica, tendo como meta o fim da Companhia, «ajudar as almas». Ao mesmo tempo, temos também que tentar articular o «sensus fidelium» (sentido dos fiéis) e ajudar o magistério a discernir nele os movimentos do Espírito, de acordo com o ensinamento do Vaticano II104. Formados na experiência dos Exercícios Espirituais e sinceramente desejosos de ser fiéis a essa visão inaciana, rogamos a Deus que nos infunda o espírito que anima estas regras inacianas.

21. Mesmo quando não seja possível evitar todas as observações críticas, na avaliação objectiva de certas situações na vida da Igreja, ou inclusive do comportamento de pessoas que têm postos de responsabili-dade no seu serviço, trataremos sempre de fazê-lo com tal espírito. Como homens íntegros, devemos naturalmente, antes de tudo, ser hones-tos com a nossa consciência. Mas deveríamos falar (ou calar), prudente e humildemente, e com um sentido de genuíno respeito e afecto para com os pastores da Igreja, tanto local como universal105. Deveríamos ter a honestidade de reconhecer com gratidão, a ajuda da sua orientação e direcção, como uma correcção necessária a tudo o que pode estar im-pregnado pela estreiteza ou pelas limitações do que é pessoal e subjec-tivo. Deveríamos ser conscientes de que, como membros da Companhia, estamos ligados a eles de uma maneira especial e que a nossa primeira preocupação deve ser cooperar com eles na construção e, se for neces-sário, na cura tanto da Igreja universal como da Igreja local.103 ? Kolvenbach, Peter-Hans: Aloc. à XLVII Congregação de Procuradores, 17 (AR 19 [1987] 1089).104 ? Cf. Lumen Gentium 12 e 35.105 ? EE [353].

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22. Estaremos também conscientes que a Igreja não pode entender- -se em termos puramente sócio-políticos, mas que está animada por um Espírito transcendente 106 que guia e governa a comunidade cristã, atra-vés da acção colegial do Papa e dos bispos e afirmada pelo «sensus fi-delium» (sentido dos fiéis)107 .

V. A resposta jesuíta: modalidades concretas

23. Deveremos reconhecer que, particularmente nas delicadas questões do magistério doutrinal e moral, com frequência, é difícil para a Igreja explicitar, exaustiva e definitivamente, todos os aspectos de uma questão. Em vez de cair numa crítica selectiva e superficial, deve-ríamos considerar a mensagem central e, através de uma reflexão teo-lógica animada pelo discernimento, procurar uma compreensão em profundidade e explicá-la positiva, respeitosa e claramente.

24. Deveremos manter a perspectiva diante das dificuldades e não isolá-las do seu contexto. Igualmente não deveremos subestimar a pos-sibilidade de escandalizar, nem esquecer que entre os extremos de uma crítica pública, prematura e mal interpretada, e um silêncio servil, existe a alternativa de uma expressão moderada e respeitosa dos nossos pontos de vista108. Temos que evitar interesses particulares e ter presente o maior bem de toda a Igreja. Quando seja possível, trataremos de recorrer aos canais oficiais109, permanecendo em diálogo activo e em discernimento com os nossos superiores da Companhia, e promover consultas e diálogo com outras autoridades eclesiásticas competentes, num espírito de mútuo respeito e entendimento. Com este fim, sempre que seja possível, estaremos dispostos a fomentar contactos pessoais informais de amizade cordial com os bispos locais, nas áreas em que prestamos o nosso serviço e trataremos de limitar e minimizar as possíveis fontes de

106 ? Cf. EE [365].107 ? Cf. Lumen Gentium 12 e 35.108 ? Cf. Discurso de Sua Santidade o Papa João Paulo II ao delegados no começo da CG 34, 5 de Janeiro de 1995, nº 6.109 ? EE [362].

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11. O sentido verdadeiro no serviço da Igreja

conflito, antes que se tornem maiores.

25. Se a Igreja é atacada ou difamada pelos meios de comunicação, não devemos limitar-nos a uma condenação genérica de tais abusos. Devemos tratar de entrar neste mundo da comunicação social e defender a verdade, enquanto, ao mesmo tempo, reconheceremos honestamente os conflitos e polarizações dentro da Igreja. Ainda que devamos fazê-lo, sem exacerbar as tensões nem debilitar a autoridade, não podemos evitar que haja assuntos que, enquanto notícias de primeira página, os meios de comunicação acabarão por apresentar em qualquer caso.

26. Tentaremos colaborar com os meios de comunicação, de tal maneira que a verdadeira imagem da Igreja possa aparecer e o Evange-lho ser inculturado nesta nova cultura de massas. Deveríamos esforçar-nos para que tudo o que nos leve para o bem atraia a atenção efectiva dos meios de comunicação social. Embora a nossa primeira lealdade seja para a verdade, a nossa sensibilidade inaciana ao «sentire cum ec-clesia» (sentir com a Igreja) levar-nos-á a apresentar «o que é digno de louvor na Igreja»110 (cf. EE 353 ss), manifestando os vínculos de afecto que nos levam a amar a Igreja e a aderirmos a ela como fonte de vida, consolação e salvação, enquanto tem autoridade interna para uma ex-periência religiosa autêntica e é a fonte de que se alimentam os nossos valores mais profundos.

VI. Conclusão: fidelidade ao nosso carisma de serviço

27. Se no mundo de hoje a Companhia tem que comprometer-se «nos campos mais difíceis e de primeira linha, nas encruzilhadas das ideologias, nas trincheiras sociais», como nos dizia o actual Santo Pa-dre, o Papa João Paulo II, no discurso de abertura desta Congregação 111

(nº 8), assumindo as palavras do Papa Paulo VI na abertura da Congre-gação Geral 32112, estamos ali como homens que Cristo «envia por todo

110 ? EE [353-363].111 ? Cf. Alocução do Papa João Paulo II na CG 34, 5 de Janeiro de 1995, 8. 112 ? Cf. Alocução do Papa Paulo VI no começo da CG 32, 3 de Dezembro de 1974.

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11. O sentido verdadeiro no serviço da Igreja

o mundo, espalhando a sua sagrada doutrina por todos os estados e condições de pessoas» (EE 145)113.

28. Com esse mesmo espírito114, às portas do terceiro milénio, uma vez mais, nos comprometemos com o carisma de serviço generoso a todos os seres humanos, nossos irmãos e irmãs. Este serviço será cristão somente quando estiver ancorado na fidelidade Àquele que faz novas todas as coisas. Será jesuítico, somente se estiver em união com o sucessor de Pedro, porque essa união sempre nos deu a segurança — mais ainda: é o sinal visível — «da nossa comunhão com Cristo, primeiro e supremo chefe da Companhia que é sua, a Companhia de Jesus»115.

113 ? Cf. ibid.114 ? EE [145]; cf. [525].115 ? Cf. Alocução de Paulo VI na CG 32, , 3 de Dezembro de 1974, 2.

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12. Ecumenismo

Decreto 12ECUMENISMO

Apresentação

É dos documentos mais breves de toda a Congregação Geral. De facto, não havia nada de particularmente novo a dizer, sentindo-se, por outro lado, a necessidade de relançar a sensibilidade para com o ecumenismo e de renovar o compromisso da Companhia com este serviço à causa da unidade dos cristãos.

Insiste-se na relação entre diálogo ecuménico e a promoção da paz e da justiça, inspirados pela mesma fé em Cristo. A Companhia de Jesus, dada a sua tradição e a sua implantação nos mais diversos países do mundo, tem particulares responsabilidades nesta missão.

Sublinha-se que o ecumenismo não é um assunto para especialistas ou profissionais de teologia, É, antes de mais, um novo modo de ser cristão.

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12. Ecumenismo

1. Os sinais dos tempos demonstram inequivocamente como uma fé que promove a justiça tem necessariamente que comprometer-se no diálogo e na cooperação ecuménica e inter-religiosa. Em muitas partes do mundo são precisamente as divisões religiosas o maior contributo para a injustiça, violência e inclusive para a guerra. Em situações de conflito, alimentadas com frequência, por hostilidades confessionais históricas, o ecumenismo chama-nos ao perdão e ao amor, como parte essencial da luta evangélica pela justiça e pela reconciliação. Quando os povos evoluem para uma maior proximidade e unidade política, económica, social e cultural, e as nações, outrora divididas por séculos de oposições e conflictos, chegam a novas estruturas supra-nacionais, políticas e económicas, a divisão histórica dos cristãos representa um flagrante anti-testemunho da mensagem do Evangelho «ut omnes unum sint» (que todos sejam um) (Jo 17,21).

2. Assim, a Congregação Geral 34 reafirma, nos termos mais enérgicos e explícitos, o compromisso da Companhia com o ecume-nismo, um apostolado que não só necessita revitalização, no actual mo-mento de crise, mas que é um apostolado tal que se acomoda, de ma-neira especial, à Companhia pela sua universalidade e pelas numerosas instituições dedicadas à formação do espírito cristão.

3. Este ecumenismo não é só um trabalho específico, para o qual os jesuítas têm que ser formados e enviados. O ecumenismo é uma nova forma de ser cristão. Pretende ser muito mais que mera honestidade, sinceridade e elegância. Pretende trabalhar desinteressadamente no ser-viço da verdade. Trata de ver as coisas desde o ponto de vista do outro, tomando, com seriedade a crítica que o outro faz da nossa própria co-munhão, seus erros e faltas históricas. Como o preâmbulo inaciano dos Exercícios Espirituais116 , trata de interpretar da melhor maneira possí-vel, o que o outro diz e faz. Resumindo, o ecumenismo busca o que nos une mais que o que nos separa; busca mais o entendimento que a confrontação; busca conhecer, compreender e amar os outros, como eles desejam ser conhecidos e compreendidos, com pleno respeito pelas suas diferenças, através de um diálogo fundado na verdade, na

116 ? EE 22

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justiça e no amor117.

4. Ao escolher o caminho do ecumenismo, a Companhia corrres-ponde não só ao seu discernimento dos sinais dos tempos, mas ao apelo constante da Igreja118 e das precedentes Congregações Gerais119 (196). Responde também, inclusive com maior urgência hoje, às exigências da missão de promover a fé e a justiça. Assim, a necessidade não é de nova legislação, mas de cumprir mais efectivamente a já existente.

5. Consequentemente, a Congregação Geral:

a) Recomenda uma maior atenção à formação ecuménica inicial e permanente na Companhia, de acordo com as normas da Congregação Geral 31, decreto 26, 4-8 e do Directório Ecuménico de 1993, secção II, nº 55-91 e especialmente nº 79120.

b) Chama a atenção para as recentes normas da Congregação para a Educação Católica que pede se promovam cursos de ecumenismo e se façam estudos sobre as Igrejas Orientais121.

c) Recomenda que se promova atentamente a sensibilidade ecuménica, em todos os nossos ministérios.

d) Reafirma as recomendações concretas da Congregação Geral 31, decreto 26, 9-14, referentes à prática do ecumenismo.

117 ? Cf. CG 32, decr. 4, nº 37.118 ? Cf. especialmente as constituições do Vaticano II: Unitatis Redintegratio, Lumen Gentium, Orientalium Ecclesiarum e Dignitatis Humanae; a Carta Apostólica de João Paulo II Tertio millennio adveniente, nº 16, assim como os seus discursos no começo da CG 33, a 2 de Setembro de 1983, nº 6, e no começo da CG 34, 5 de Janeiro de 1995, nº 5; o Directório Ecuménico de 1993 do Conselho Pontifício para Promover a Unidade dos Cristãos.119 ? CG 31, decr. 26; CG 33, decr. 1,37 e as Normas Complementares às Constituições 253,4º e 294 §§2-3.120 ? Poder-se-ia consultar com proveito o documento de 20 de Maio de 1993 Formação Ecuménica; Reflexões e sugestões ecuménicas. Um documento estudo do grupo das trabalho conjunto entre a Igreja Católica Romana e o Conselho Mundial de Igrejas (Edítrice Vaticana 1993).121 ? Congregatio Pro Institutione Catholica, carta de 6 de Janeiro de 1987, prot. N. 340/86.

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13. Colaboração com os leigos na missão

Decreto 13COLABORAÇÃO COM OS LEIGOS

NA MISSÃO

Apresentação

Este tema foi dos que, sem dúvida, despertou mais interesse antes e durante a Congregação Geral. Baste ver que houve cerca de cem “postulados” ou pedidos para que este assunto fosse tratado com vista a tomar decisões práticas. Em geral, o que se diz no documento acerca dos leigos, é aplicável também à colaboração com outros: sacerdotes, religiosos e religiosas.

Assinalamos as principais linhas de força deste documento original, pois nunca tal tema tinha sido tratado, explícita e detidamente, pelo órgão máximo de governo da Companhia, nos seus 455 anos de história, que o aprovou por unanimidade:1. Atentos aos “sinais dos tempos”, podemos ver que a Igreja do próximo milénio será a “Igreja dos leigos”. Na realidade, os leigos têm tido, progressivamente, um protagonismo apostólico nas obras da Companhia. Os jesuítas põem-se ao serviço desta Igreja, em que os leigos têm o seu particular papel. Incentivar esta cooperação e colaboração não é fruto de razões pragmáticas, dada a falta de jesuítas, mas inspira-se numa nova concepção de Igreja: a Igreja comunhão e participação, segundo a doutrina do Concílio Vaticano II. Os jesuítas comprometem-se a potenciar a “Igreja do laicado”.2. Uma nova definição de Jesuíta: “homem com os demais” (não somente, “homem para os demais”, que poderia ser interpretado

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13. Colaboração com os leigos na missão

de um modo paternalista). Foi sublinhado que esta dimensão aprofunda o estilo próprio da Companhia e que é um “aspecto central do nosso carisma” e uma “característica essencial do nosso actual modo de proceder”. Importa saber colaborar ao mesmo nível, responsabilizando a todos. 3. A Congregação Geral 34 promove uma “cultura de cooperação” entre os leigos e os jesuítas, não como uma cedência inevitável, mas antes como um desafio e uma graça: “companheirismo criativo”. É preciso formar a todos para esta relação de colaboração, segundo os vários modelos possíveis: obras da Companhia, cuja identidade se deve manter sem equívocos; obras que não são da Companhia...4. Há 4 associações de leigos que a Companhia promove oficialmente: Comunidade de Vida Cristã - CVX; Apostolado da Oração - AO; Antigos Alunos - AA; e Voluntariado Jesuíta. Há também muitas pessoas e organizações que partilham a mesma espiritualidade e o mesmo ideal apostólico, nas mais variadas partes do mundo. A Congregação Geral lança o desafio de “trabalhar, mais decididamente, em fortalecer os laços entre todas estas pessoas e grupos para desenvolver o que poderíamos chamar “uma rede apostólica inaciana”, como contribuição da Companhia à nova evangelização.5. Uma clara inovação na legislação jesuíta foi o reconhecimento oficial da possibilidade da vinculação de leigos à Companhia de uma forma mais estreita. Sem perderem o próprio estatuto laical, são inseridos na vida apostólica da Companhia. Foram recomendadas experiências neste sentido nos próximos anos. Um porta original se abre para novos horizontes de colaboração com os leigos...

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13. Colaboração com os leigos na missão

1. Uma leitura dos sinais dos tempos a partir do Concílio Vaticano II mostra, sem lugar a dúvidas, que a Igreja do próximo milénio será chamada a «Igreja dos leigos». Ao longo destes trinta anos, eles deram uma resposta crescente ao chamamento para servir que brota da sua graça baptismal122. A actualização da sua vocação em tantas e variadas situações, tornou-se a forma mais significativa pela qual o Povo de Deus serve o mundo na promoção do Reino. Este crescimento do ministério dos leigos promete que seguirá em expansão no próximo milénio. A Companhia de Jesus reconhece, como uma graça dos nossos tempos e uma esperança para o futuro, que os leigos «tomem parte activa, consciente e responsável, na missão da Igreja neste momento decisivo da história»123. Procuramos responder a esta graça, pondo-nos ao serviço da plena realização da missão dos leigos 124. A tanto nos comprometemos por meio da cooperação com os leigos na missão.

2. Descobrimos uma graça similar, se lermos os sinais dos tempos do trabalho apostólico da Companhia de Jesus, durante os últimos trinta anos. Impulsionada pelo Concílio, a Congregação Geral 31 urgia-nos a «promover a colaboração com os leigos nas nossas próprias obras apostólicas»125. Desde então uma colaboração crescente dos leigos expandiu a nossa missão e transformou a forma como a realizamos numa união estreita com outros. Enriqueceu o nosso trabalho e ajudou-nos a compreender o nosso papel na missão. As obras dos jesuítas, nalgumas partes do mundo, dependem fundamentalmente de leigos para a realização da missão da Companhia. Prevemos a expansão da liderança apostólica dos leigos nas obras da Companhia nos próximos anos, e comprometemo-nos a apoiar este crescimento.

3. Também colaboramos com muitos outros: sacerdotes, religiosos e

122 ? Lumen Gentium nº 31.123 ? Christifideles Laici nº 3.124 ? CG 31, decr. 33, 34; Peter-Hans Kolvenbach, Congregatio Provincialium, «De Statu Societatis», AR XX, nº 19, p. 451. Kolvenbach, «Aos amigos e colaboradores da Companhia de Jesus», AR XX, p. 601-607.125 ? CG 31, decr. 33,6.

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13. Colaboração com os leigos na missão

religiosas de diversos carismas, como também com pessoas de todas as crenças que procuram construir um mundo de verdade, justiça, liberdade, paz e amor. Agradecemos esta colaboração que nos enriquece.

4. Nós os jesuítas somos, ao mesmo tempo, «homens para os outros»126 e «homens com os outros»127. Esta característica essencial do nosso modo de proceder pede uma atitude de prontidão para cooperar, escutar, aprender dos outros e partilhar a nossa herança espiritual e apostólica. Ser «homens com os outros» é um aspecto central do nosso carisma e aprofunda a nossa identidade.

5. A experiência do passado recente levou muitas Províncias e muitos leigos a urgir esta Congregação Geral a dar um novo passo para a colaboração. Em resposta a estes pedidos, oferecemos as seguintes orientações que dizem respeito (a) ao serviço da Companhia aos leigos na sua missão, (b) à formação dos leigos e dos jesuítas para esta cooperação, (c) à colaboração dos jesuítas com os leigos em obras da Companhia e noutras obras e associações e (d) as oportunidades para o futuro.

A. Serviço aos leigos na sua missão

6. A expansão e variedade dos ministérios leigos, no nosso tempo, é de dimensões notáveis. Muitos leigos reconhecem a sua acção cristã como ministério e desejam ser treinados e enviados para este serviço. Outros comprometem-se num serviço apostólico de uma maneira mais informal e implícita. Outros ainda participam em associações de leigos para diversos fins apostólicos. Em todas estas formas, homens e mulheres dão testemunho do Evangelho. Os leigos estão a assumir uma responsabilidade maior para o serviço da Igreja, na vida ordinária, no culto e no trabalho. Chamados a ser santos e interessando-se pela fé, pela justiça e pelos pobres, eles evangelizam as estruturas da sociedade.7. A Companhia de Jesus coloca-se a si mesma ao serviço desta 126 ? Pedro Arrupe, «Homens para os outros». Discurso ao X Congresso Internacional de Ex-alunos Jesuítas da Europa, 1973.127 ? Peter-Hans Kolvenbach, «Aos amigos e colaboradores...», op.cit, p. 602.

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13. Colaboração com os leigos na missão

missão dos leigos, oferecendo o que somos e recebemos: a nossa herança espiritual e apostólica, os nossos recursos educacionais e a nossa amizade. Oferecemos a espiritualidade inaciana, como um dom específico, para a animação do ministério dos leigos. Esta espiritualidade apostólica respeita a espiritualidade própria do indivíduo e adapta-se às necessidades presentes. Ajuda as pessoas a discernir a sua vocação e «a amar e servir a divina Majestade em todas as coisas»128. Oferecemos aos leigos a sabedoria prática que aprendemos, a partir de mais de quatro séculos de experiência apostólica. Por meio das nossas escolas, universidades e outros programas educacionais, pomos à sua disposição uma formação pastoral e teológica. O que é talvez mais significativo: unimo-nos a eles para ser companheiros, servir juntos, aprender uns dos outros, responder às preocupações mútuas e às iniciativas e dialogar sobre os objectivos apostólicos.

B. Formação de leigos e jesuítas

8. Pormo-nos ao serviço do apostolado laical constitui um desafio para nós. Devemos responder ao seu desejo de formação, de forma a que sejam capazes de servir da maneira mais plena, de acordo com a sua vocação e com os dons recebidos. Esta formação deveria aproveitar os recursos abundantes e a experiência da Companhia. Quando o solicitam, não deveríamos duvidar em oferecer a experiência dos Exercícios Espirituais e da direcção espiritual. Igualmente, animá-los a assumir a prioridade apostólica do serviço da fé e da promoção da justiça com um amor preferencial pelos pobres. Respondendo desta forma, oferecemos o que somos. Como pessoas, cujas vidas estão dedicadas a amar e servir a Deus em todas as coisas, deveríamos ajudar os outros a reconhecer e discernir as possibilidades apostólicas da sua vida e trabalho. Os leigos que colaboram em apostolados jesuítas podem esperar de nós uma formação específica nos valores inacianos e uma ajuda no discernimento dos objectivos e prioridades apostólicas e das estratégias práticas para a sua realização.

128 ? EE [233].

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13. Colaboração com os leigos na missão

9. A cooperação com os leigos em missão exige formação e renovação de todos os jesuítas. A formação inicial deveria desenvolver a nossa capacidade para a colaboração com os leigos e com os nossos companheiros jesuítas, por meio da educação e das experiências de serviço em cooperação com outros. A formação contínua no trabalho apostólico — se escutamos a outros, aprendemos da sua espiritualidade e enfrentamos juntos as dificuldades de uma genuína colaboração — aprofundará esta capacidade. Tanto na nossa formação inicial como na permanente, os leigos podem ajudar-nos a compreender e respeitar a sua própria vocação, assim como a apreciar a nossa.

C. Colaboração dos jesuítas com os leigos

10. A experiência recente ajuda-nos a ver de que maneira deveríamos colaborar com outros em três dimensões da nossa missão: (I) colaboração com os leigos no apostolado jesuíta, (II) cooperação de jesuítas noutras obras, e (III) o nosso apoio e contribuição a associações apostólicas laicais relacionadas com a Companhia e com a sua missão.

a) Colaboração em obras da Companhia

11. Colaboramos com os leigos em obras da Companhia. Uma obra da Companhia contribui substancialmente a realizar a missão da Companhia, manifesta os valores inacianos e leva o nome de «jesuíta» com a aprovação da mesma Companhia que assume a «responsabilidade última» pela obra129. Como exemplos, podem citar-se as instituições educacionais jesuítas, paróquias, centros sociais, casas de Exercícios, o Serviço Jesuíta de Refugiados.

12. Estas obras deveriam guiar-se por uma declaração clara da missão que sublinhe os seus objectivos e sirva como base para colaborar nela. Esta declaração da missão deveria ser apresentada e 129 ? CG 31, decr. 33,6. As leis civis, que variam de país para país, afectam o modo pelo qual a Companhia exerce a sua responsabilidade e devem ser respeitadas.

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13. Colaboração com os leigos na missão

explicada claramente às pessoas com quem colaboramos. Da mesma forma, deveriam ser oferecidos cursos de capacitação e apoiá-los (inclusive financeiramente), com o propósito de fomentar um maior conhecimento da tradição e espiritualidade inacianas, e promover o crescimento na vocação pessoal própria.

13. Todos os que trabalham na obra deveriam exercer a corresponsabilidade e comprometer-se no processo de discernimento e na tomada de decisões compartilhada, quando seja oportuno. Os leigos, segundo as suas capacidades e compromisso, deveriam ter acesso a cargos de responsabilidade e ser preparados para tanto. Um leigo pode ser director de uma obra jesuíta130. Neste caso, os jesuítas recebem do Provincial a missão de trabalhar na instituição e cumprem a sua missão sob a direcção do director leigo131. Nas instituições onde os jesuítas são uma pequena minoria, deve prestar-se atenção especial ao papel de governo que exercem os colegas leigos, e do mesmo modo aos meios que a Companhia considera apropriados para garantir a identidade jesuíta da obra.

b) Colaboração em obras não jesuítas132

14. A nossa missão hoje, pede-nos também que colaboremos mais estritamente com instituições, organizações e actividades não sustentadas pela Companhia. Entre elas contam-se centros de desenvolvimento e bem-estar social, instituições educacionais e de investigação, seminários e institutos religiosos, organizações internacionais, sindicatos, comunidades eclesiais e movimentos de base. Esta cooperação é uma maneira de dar testemunho do Evangelho e da espiritualidade inaciana, e permite-nos entrar em ambientes onde a Igreja deseja estar presente. Este tipo de colaboração permite-nos expressar a nossa solidariedade com os demais e, ao mesmo tempo, aprender deles de um modo enriquecedor para a Companhia e para a

130 ? Peter-Hans Kolvenbach, Congregatio Provincialium. «Adnotationes ad modum conclusionis». AR XX, p. 508-509.131 ? Esta direcção é a autoridade sobre a instituição e a sua missão mais que a autoridade religiosa que é o objecto dos nossos votos.132 ? CG 31, decr. 33,3.

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13. Colaboração com os leigos na missão

Igreja.

15. A colaboração nestas obras deveria estar de acordo com os critérios da Companhia para a selecção de ministérios, especialmente com o serviço da fé e a promoção da justiça. Os jesuítas deveriam ser enviados em missão, com objectivos apostólicos claros, e manter-se num discernimento contínuo com o seu Superior e a sua comunidade apostólica.

c) Colaboração com associações

16. Muitos leigos desejam unir-se a nós, participando em associações apostólicas leigas133. A Companhia olha com bons olhos esse florescer de associações de fiéis. Elas testemunham o carisma inaciano no mundo, permitem-nos empreender juntos obras de maior envergadura e ajudam os seus membros a viver a fé com maior plenitude. Queremos animar os jesuítas a estudá-las e conhecê-las mediante um contacto pessoal, e a interessar-se genuinamente por elas.

17. Como um meio privilegiado de formar leigos na espiritualidade inaciana e com vista a participar na missão comum, a Companhia promove as associações seguintes134:

— A Comunidade de Vida Cristã dirige-se a pessoas formadas nos Exercícios Espirituais que se sentem chamadas a seguir a Jesus Cristo mais de perto e a comprometer-se por toda a vida a trabalhar com outros mediante o seu testemunho e serviço apostólicos. O aspecto comunitário é ajuda para viver esta entrega ao apostolado. Como jesuítas, comprometemo-nos a partilhar com eles a espiritualidade inaciana e a acompanhá-los na sua missão.

— As Associações de Voluntários Jesuítas oferecem experiências de serviço caracterizadas pelo sentido do pobre e pelo trabalho pela justiça, a vida em comum, o estilo austero de vida e a espiritualidade inaciana. Incentivam-se as Províncias a apoiar estas 133 ? Peter-Hans Kolvenbach, «Aos amigos e colaboradores...», pp. 601-607.134 ? Esta lista de modo algum exclui outras comunidades e movimentos com os que a Companhia tem laços muito privilegiados e fecundos em diversos países.

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13. Colaboração com os leigos na missão

associações de voluntários, a desenvolver entre elas melhores redes nacionais e internacionais e a reconhecê-las como obras da Companhia, quando as pessoas em questão assim o desejem e parecer apropriado.

— As Associações de Antigos Alunos/as, da Companhia ajudam os antigos estudantes a «fazer frutificar, nas suas vidas e no mundo, a formação que receberam»135. Deveriam destinar-se jesuítas qualificados para os ajudar na sua formação permanente, tanto espiritual como ética e social, assim como também a identificar necessidades apostólicas.

— O Apostolado da Oração busca formar cristãos plasmados pela Eucaristia, consagrados ao Coração de Cristo, mediante o oferecimento do dia, a oração pelas intenções da Igreja e o trabalho apostólico. A Companhia apoia e promove este serviço pastoral que a Santa Sé lhe confiou, como também o Movimento Eucarístico Juvenil.

Esta lista não exclui de modo nenhum outras comunidades ou movimentos com que a Companhia, em diversos países, tem laços muito privilegiados e fecundos.

D. Oportunidades para o futuro

18. O presente é um momento de graça. À medida que o laicado vai crescendo no seu serviço ao mundo, abrir-se-ão à Companhia de Jesus oportunidades de colaboração que irão muito além da nossa experiência actual. Para servi-los no seu ministério, deveremos ampliar a nossa criatividade e a nossa energia. Seremos chamados a apoiá-los mais na sua responsabilidade dentro dos nossos próprios apostolados. Seremos desafiados a viver a nossa identidade mais plenamente, como «homens para e com os demais». Ao olhar para este futuro, sugerimos algumas possibilidades sobre o modo como podemos responder a esta oportunidade e graça.

135 ? Peter-Hans Kolvenbach, Alocução ao IV Congresso da União Mundial de Alunos/as Jesuítas, AR XIX, p. 595.

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13. Colaboração com os leigos na missão

a)Potenciar a «Igreja do laicado»

19. Leigos — homens e mulheres — assumirão responsabilidades, cada vez com mais frequência, em ministérios da Igreja dentro de paróquias, organizações diocesanas, escolas, instituições teológicas, missões e obras de justiça e caridade. Deveríamos esperar um florescimento de ministérios especializados, de movimentos eclesiais e de associações apostólicas de leigos com os fins e carismas mais variados. Com a nossa experiência e o nosso carisma, poderemos fazer uma contribuição necessária e específica a tais empresas apostólicas. Para tal necessitamos cada vez mais, de mudar o nosso centro de atenção do exercício do nosso próprio apostolado directo para a capacitação do laicado na sua missão. Isto irá requerer da nossa parte destreza para aproveitar as qualidades dos leigos e dar-lhes animação e inspiração. A nossa vontade de realizar este desafio dependerá da consistência do nosso companheirismo jesuíta e da renovação da nossa resposta ao chamamento que o Rei nos faz para servir a sua missão.

b) Liderança de leigos em obras da Companhia

20. A emergente «Igreja do laicado» terá repercussão também sobre o nosso apostolado jesuíta. Esta transformação pode enriquecer as nossas obras e ampliar o seu carácter inaciano, se aprendermos a cooperar com a graça que supõe o surgir do laicado. Quando falamos dos «nossos apostolados», teremos que dar à expressão «nosso» um significado diferente. Significará um genuíno companheirismo inaciano de leigos e jesuítas, cada um actuando de acordo com a sua própria vocação. Pessoas leigas assumirão justamente um papel de maior responsabilidade e liderança dentro dessas obras. Aos jesuítas exigir-se-á que os apoiem na sua iniciativa mediante uma formação inaciana, a transmissão dos valores apostólicos jesuítas e o testemunho da nossa vida sacerdotal e religiosa. Se o nosso serviço se faz mais modesto, também será mais motivador e criativo e estará mais em consonância com a graça que recebemos. Esta actualização da vocação do laicado pode mostrar, com mais clareza a graça da nossa própria vocação.

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c) Criação de uma rede apostólica inaciana

21. O desafio para a futura cooperação com o laicado na missão está no número de indivíduos, colaboradores, ex-jesuítas, associações e comunidades, tanto de leigos como de religiosos, que encontram, na experiência dos Exercícios Espirituais, uma base comum de espiritualidade e de motivação apostólica. A existência de tantas pessoas de inspiração inaciana atesta a permanente vitalidade dos Exercícios e o seu poder de animar o apostolado. A graça da nova era da Igreja e o movimento rumo à solidariedade impulsionam-nos a trabalhar, mais decididamente, em fortalecer os laços entre todas estas pessoas e grupos para desenvolver o que poderíamos chamar «uma rede apostólica inaciana».

22. Uma rede assim fomentará uma melhor comunicação e proporcionará apoio pessoal e espiritual entre estas pessoas e grupos. Tornará mais eficiente a missão das pessoas de inspiração inaciana na sua tarefa de evangelização do mundo. Deste modo a Companhia de Jesus poderia fazer uma contribuição específica à nova evangelização. Pôr em marcha esta rede apostólica inaciana requererá amplas consultas, discernimento cuidadoso e um planificar passo a passo. A Congregação Geral pede ao P. Geral que, com a ajuda de jesuítas qualificados e de outras pessoas, estude esta possibilidade.

d) União à Companhia por um laço mais estreito

23. A Congregação Geral 31 reconheceu oficialmente a possibilidade da vinculação de leigos à Companhia de uma forma mais estreita. Confiou ao P. Geral «o estudo de como se pode alcançar esta vinculação e colaboração mais estável e íntima»136. Desde então fizeram-se algumas experiências nesse sentido. A Congregação Geral 34 vê isto como uma de entre várias outras formas possíveis de colaboração. Recomenda que, durante dez anos, se realizem experiências de «vinculação jurídica» de indivíduos leigos com a Companhia. Oferece alguns elementos de orientação para que se continue a experimentar e pede que a próxima

136 ? CG 31, decr. 34.

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13. Colaboração com os leigos na missão

Congregação Geral faça uma avaliação do que se tiver feito.

24. A finalidade destas experiências de vínculo mais estreito é apostólica: estender a acção missionária da Companhia a leigos que acompanhem e sejam acompanhados pelos jesuítas no discernimento e trabalhos apostólicos. O vínculo jurídico é uma forma de acordo contratual da Companhia com determinados leigos. Eles podem ou não formar uma associação que lhes proporcione acompanhamento, mútuo apoio e força apostólica. Não formam parte do corpo da Companhia. Mantêm a nota específica da sua vocação laical, sem converter-se em semi-religiosos.

25. Entre os elementos que se hão-de considerar nos programas experimentais, incluam-se os seguintes:

a. procedimentos para a selecção dos associados;b. formação adequada e apropriada;c. termos do acordo sobre direitos, responsabilidades, duração,

avaliação;d. discernimento com o Provincial ou seu delegado sobre a

missão;e. normas de uma possível vida comum dos associados;f. normas de relações informais com as comunidades de jesuítas;g. preparação e destino de jesuítas para acompanhar os

associados;h. financiamento e outros assuntos práticos.

E. Uma chamada à renovação

26. A colaboração com o laicado é, ao mesmo tempo, um elemento constitutivo do nosso modo de proceder e uma graça que pede renovação pessoal, comunitária e institucional. Convida-nos a servir os leigos no seu ministério, a buscar maneiras de participar com eles na missão e a estar abertos a formas criativas de cooperação futura. O Espírito nos está chamando, enquanto «homens para e com os outros», a partilhar com os leigos o que cremos, o que somos e o que temos, em

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atitude de companheirismo criativo, para «ajuda das almas e maior glória de Deus».

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14. Os jesuítas e a situação da mulher na Igreja e na sociedade

Decreto 14OS JESUÍTAS

E A SITUAÇÃO DA MULHER NA IGREJA E NA SOCIEDADE

Apresentação

Um documento inesperado e o que causou mais surpresa. Nunca tal tema foi debatido e, mais ainda, aprovado por uma Congregação Geral dos jesuítas. Não se faz um tratado sobre a mulher, mas dirigindo-se primordialmente a jesuítas, apontam-se problemas e indicam-se caminhos de solução.

Estas são as principais razões deste decreto original:1. A solicitude da Igreja, e particularmente do Papa João Paulo II, na defesa dos direitos da mulher, e a necessidade de enfrentar a situação da mulher na Igreja.2. A urgência de promover a justiça em muitas culturas e países do mundo, no que diz respeito à mulher, tendo em conta a “feminização da pobreza” e o “rosto feminino da opressão”.3. O agradecimento que a Companhia deseja manifestar a tantas mulheres, leigas e religiosas, que colaboram connosco e partilham a mesma espiritualidade inaciana e a mesma missão apostólica.4. A necessidade de conversão de atitudes menos respeitosas por parte dos homens, a começar pelos jesuítas, já que o decreto a eles é dirigido particularmente: saber ouvir a mulher; ensino explícito sobre a igualdade essencial entre mulher e homem; presença e participação das mulheres nas obras da Companhia; defesa da mulher contra a violência, a exploração e a discriminação; colaboração respeitosa; linguagem inclusiva...

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Introdução

1. A Congregação Geral 33137 fez uma breve alusão ao «tratamento injusto» e à «exploração da mulher» como uma das injustiças que formavam o novo contexto de necessidades e situações que a Companhia devia enfrentar no cumprimento de sua missão. Agora que-remos considerar esta questão mais em concreto e em profundidade, principalmente porque, ao generalizar-se a atenção a este problema, também nós nos tornamos mais conscientes de que deve figurar no centro da nossa missão, se desejamos integrar fé e justiça. A sua dimensão é universal enquanto afecta homens e mulheres de todas as partes, se estende, cada vez mais através de classes e culturas e preocupa pessoalmente os nossos colaboradores, especialmente mulheres leigas e religiosas.

A situação

2. O domínio do homem na sua relação com a mulher encontrou expressão de diversas formas. Incluiu discriminação nas oportunidades educacionais, carga desproporcionada na vida de família, pagamento menor pelo mesmo trabalho, acesso limitado a postos de influência na vida pública e, infelizmente e com frequência excessiva, verdadeira vio-lência contra a pessoa da mulher. Esta violência inclui mesmo, em al-gumas partes do mundo, a excisão feminina, mortes por causa do dote e o assassinato de meninas rejeitadas. A mulher é vulgarmente tratada como objecto na publicidade e nos meios de comunicação. Em casos extremos, como artigo de comércio na promoção turística do sexo.

3. No entanto, esta situação começou a mudar, sobretudo porque começaram a surgir críticas e corajosos protestos das próprias mulhe-res. Mas são também muitos os homens que se juntaram para rejeitar comportamentos que ofendem a dignidade tanto do homem como da mulher. Não obstante, ainda fica o legado de uma discriminação siste-mática contra a mulher. Está enquistado nas estruturas económicas,

137 ? CG 33, decr.1,48.

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sociais, políticas, religiosas e até linguísticas das nossas sociedades. Faz parte, com muita frequência, de um preconceito e estereotipo cultural mais profundo. Muitas mulheres pensam que os homens têm sido lentos em reconhecer a sua plena humanidade. As mulheres têm sentido frequentemente uma reacção defensiva por parte dos homens, quando denunciam esta cegueira.

4. Evidentemente, o preconceito adquire formas diferentes, nas diferentes culturas. É preciso sensibilidade para não aplicar uma mesma medida para o que se considera discriminação. Contudo, não deixa de ser uma realidade universal. Além disso, em muitas partes do mundo, as mulheres que já sofrem as cruéis consequências da guerra, da pobreza, da migração ou da raça, sofrem frequentemente com dupla desvantagem, precisamente por serem mulheres. Há uma «feminização da pobreza» e um «rosto feminino da opressão».

A Igreja enfrenta a situação

5. A doutrina social da Igreja, sobretudo nestes últimos dez anos, reagiu com energia contra esta discriminação e preconceito persistentes. O Papa João Paulo II, em particular, fez um apelo aos homens e mulheres de boa vontade, especialmente católicos, a fazer da igualdade essencial da mulher uma realidade vivida. Este é um autêntico «sinal dos tempos»138. Devemos colaborar com os membros de outras Igrejas e religiões para promover esta transformação social.

6. A doutrina social da Igreja favorece a função da mulher dentro da família, mas acentua também a necessidade do seu contributo na Igreja e na vida pública. Baseia-se no texto do Génesis, que fala do ho-mem e da mulher criados à imagem de Deus (Gen 1,27), e na prática profética de Jesus na sua relação com as mulheres. Estas fontes urgem-nos a mudar de atitude e a trabalhar para uma mudança das estruturas. O plano original de Deus era de uma carinhosa relação de respeito, re-ciprocidade e igualdade entre homem e mulher. É o que estamos 138 ? João Paulo II, Mulieris Dignitatem, 1988; Christifideles Laici, 1988; Mensagem do Papa João Paulo II no dia mundial da paz, 1º de Janeiro de 1995.

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chamados a realizar. Do tom desta reflexão eclesial sobre a Escritura, se depreende claramente que urge traduzir a teoria em prática, e não só fora, mas também dentro da Igreja.

Função e responsabilidade do jesuíta

7. A Companhia de Jesus acolhe este desafio e a nossa responsa-bilidade para fazer o que estiver ao nosso alcance, como homens e como Ordem religiosa masculina. Não pretendemos falar em nome da mulher. Mas sim damos voz ao que aprendemos das mulheres sobre nós mesmos e sobre a nossa relação com elas.

8. Ao dar esta resposta, somos fiéis à missão na nova visão do nosso tempo: o serviço da fé, do qual a promoção da justiça é requisito absoluto. Também nos impulsiona a influência, limitada mas significa-tiva, que temos, como jesuítas e como Ordem religiosa masculina, den-tro da Igreja. Estamos conscientes do dano que causou ao Povo de Deus a alienação da mulher que, nalgumas culturas, já não se sente em casa na Igreja e não pode, por isso, transmitir integramente os valores católicos aos seus familiares, amigos e colegas.

Conversão

9. Em resposta, nós jesuítas pedimos primeiro a Deus a graça da conversão. Temos tomado parte duma tradição civil e eclesial que tem ofendido a mulher. E, tal como muitos outros homens, temos tendência a convencer-nos de que o problema não existe. No entanto, sem dar-nos conta, temos sido frequentemente cúmplices de uma forma clerical, que tem reforçado o domínio convencional do homem com uma sanção pressupostamente divina. Com esta declaração queremos reagir, pessoal e colectivamente, e fazer o que esteja ao nosso alcance para mudar esta situação lamentável.

Agradecimento

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10. Sabemos que o alimento da nossa própria fé e boa parte do nosso apostolado diminuiriam consideravelmente sem a dedicação, ge-nerosidade e alegria que as mulheres trazem às escolas, paróquias e ou-tros campos nos quais trabalhamos juntos. Isto ocorre especialmente no trabalho de leigas e religiosas entre os pobres do campo e da cidade, frequentemente em situação de desafio e dificuldade. Além disso, muitas congregações religiosas femininas adoptaram os Exercícios Espirituais e as Constituições como base da sua espiritualidade e governo e formam parte de uma ampla família inaciana. Nestes últimos anos, religiosas e leigas tornaram-se especialistas nos Exercícios Espirituais. Como directoras de Exercícios, especialmente segundo a Anotação 19, enriqueceram a tradição inaciana e a nossa visão de nós mesmos e do nosso apostolado. Muitas mulheres contribuíram para dar uma nova forma à nossa tradição teológica, de uma maneira que libertou tanto homens como mulheres. Desejamos expressar os nossos agradecimentos por esta grande contribuição e esperamos que a reciprocidade no apostolado continue e floresça.

Caminhos de progresso

11. Queremos especificar mais concretamente pelos menos alguns caminhos pelos quais nós jesuítas podemos responder melhor a este desafio, nas nossas vidas e missões. Não pressupomos que haja uma forma determinada de relação homem/mulher que se possa recomendar e muito menos impor em todo o mundo, nem mesmo dentro de uma dada cultura. Sublinhamos antes a necessidade de delicadeza na nossa resposta. Devemos ter cuidado de não interferir de maneira contrária à cultura e antes procurar facilitar uma mudança orgânica. Deveríamos ser particularmente sensíveis à adopção de uma pedagogia que não in-troduza mais uma fissura entre homem e mulher, quando já se encontra esta, em determinadas circunstâncias, pressionada por outras forças culturais ou sócio-económicas que causam divisão.

12. Em primeiro lugar, convidamos todos os jesuítas a escutarem cuidadosa e corajosamente a experiência da mulher. Muitas mulheres

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sentem que os homens simplesmente não as escutam. O escutar não tem substitutivo. Será o factor principal para a mudança. Sem escutar, qualquer iniciativa neste campo, por bem intencionada que seja, corre o perigo de ocultar os interesses reais da mulher, confirmar a condescendência do homem e reforçar o seu domínio. Escutar, com espírito de participação e igualdade, é a resposta mais prática que podemos dar e a base para a nossa participação mútua na reforma de estruturas injustas.

13. Em segundo lugar, convidamos a todos os jesuítas, individual-mente e através das suas instituições, a aliar-se em solidariedade com a mulher. A maneira prática de fazê-lo variará de um lugar para outro e de uma cultura para outra, mas não faltam exemplos:

13.1 — ensino explícito sobre a igualdade essencial entre mulher e homem, em todos os nossos apostolados, especialmente em colégios e universidades;

13.2 — apoiar os movimentos de libertação da mulher que se opõem à sua exploração e promovem a sua participação na vida pública;

13.3 — atenção especial ao fenómeno da violência contra a mulher;

13.4 — a devida presença de mulheres nas actividades e instituições da Companhia, inclusive na formação;

13.5 — que tenham parte real na consulta e tomada de decisões dos nossos apostolados;13.6 — colaboração respeitosa com as nossas colegas em projectos comuns;

13.7 — uso da linguagem inclusiva, quando falamos ou escrevemos;

13.8 — promoção da educação da mulher e, em particular, a elimina-ção de toda a forma de discriminação injustificada entre rapazes e ra-parigas no processo educacional.

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Felizmente muitas destas coisas já se praticam em muitas partes do mundo. Confirmamos o seu valor e recomendamos uma implementação mais universal, quando seja o caso.

14. Seria inútil pretender que se encontraram ou que são satisfatórias todas as respostas aos problemas relativos a uma relação nova e mais justa entre mulher e homem. Pode-se adiantar que algumas outras questões relativas ao papel da mulher na sociedade civil e eclesial ama-durecerão com o tempo. Um estudo perseverante e comprometido, o contacto com culturas diferentes e a reflexão sobre a experiência alcan-çada servirão para esclarecer estas questões e sublinhar os problemas de justiça subjacentes. A mudança de sensibilidade que isto comporta, refletir-se-á inevitavelmente no ensino e na prática da Igreja. Neste contexto pedimos aos jesuítas que vivam, como sempre, com a tensão que se dá entre a fidelidade aos ensinamentos da Igreja e os sinais dos tempos.

Conclusão

16. A Companhia agradece tudo quanto já se realizou por meio de um esforço, muitas vezes custoso, para criar relações mais justas entre mulher e homem. Agradecemos às mulheres a sua liderança passada e presente. Estamos especialmente agradecidos às religiosas com quem temos um vínculo particular e que têm sido pioneiras, de tantas formas na sua contribuição única à missão de fé e justiça. Estamos também agradecidos por quanto a Companhia e os seus membros contribuíram para essas novas relações que são uma fonte de enriquecimento tanto para o homem como para a mulher.

17. Acima de tudo, queremos que a Companhia se comprometa de maneira mais formal e explícita, a considerar esta solidariedade com a mulher como parte integrante da nossa missão. Esperamos que, desta forma, toda a Companhia considere este trabalho de reconciliação entre mulher e homem, em todas as suas formas, como parte integrante da sua interpretação do decreto 4 da Congregação Geral 32 para os nossos tempos. Sabemos que um compromisso consciente e perseverante, para

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efectuar esta reconciliação, só pode provir do Deus do amor e da justiça que reconcilia a todos e promete um mundo em que «não haverá já distinção entre judeu e grego, escravo e livre, homem e mulher» (Gal 3,28).

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11. O sentido verdadeiro que devemos ter no serviço da igreja

ALGUMAS OBRAS DA NOSSA MISSÃO E A SUA DIMENSÃO

15. Comunicação: uma nova cultura16. Dimensão intelectual do apostolado do jesuíta17. Os jesuítas e a vida universitária18. Educação secundária, primária e popular19. O serviço paroquial20. Ecologia (recomendação ao P. Geral)

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11. O sentido verdadeiro que devemos ter no serviço da igreja 115

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15. Comunicação: uma nova cultura

Decreto 15COMUNICAÇÃO: UMA NOVA CULTURA

Apresentação

Apesar deste tema ter sido já abordado em Congregações Gerais anteriores, o presente breve documento é inovador, pois se refere à comunicação não como mais um trabalho apostólico reservado a especialistas, mas como uma dimensão fundamental de todos os nossos apostolados.

Para entrarmos neste novo mundo cultural, há que ter em conta o seguinte:1. Estudo da comunicação nas diversas etapas da formação; familiarização de todos com os temas da ética da comunicação e educação do sentido crítico; destino de jesuítas jovens para estudos especializados neste campo.2. Uso dos meios de comunicação de massa e de grupo, para o serviço da fé, aprendendo a comunicar numa linguagem inteligível aos nossos contemporâneos.3. Aproveitar o campo da comunicação para a promoção da justiça, unidos a outras pessoas de boa vontade, promovendo também a liberdade de informação.4. Educação dos utentes da comunicação social, tanto no que toca à criatividade como ao consumo dos produtos da comunicação, evitando o fenómeno tão frequente da manipulação.

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15. Comunicação: uma nova cultura

Um caminho, um apelo

1. O nosso Pai, S. Inácio, soube descobrir a mudança cultural da sua época: a passagem da Idade Média ao Renascimento. Ao reconhecer os valores da cultura emergente, com a sua preocupação pela pessoa e o seu crescimento espiritual, Inácio orientou a Companhia de Jesus para o futuro. Foi capaz de integrar os valores evangélicos e os valores culturais tradicionais com esta nova cultura. Nós jesuítas somos chamados hoje a entender as mudanças que estão a ocorrer neste final do século XX: a proliferação dos meios electrónicos e a chamada revolução informática produzem novos modos de aprendizagem e conhecimento. Este mundo da comunicação desenvolveu o que foi amplamente identificado como uma nova cultura, cultura não linear, orientada à imagem, intuitiva e afectiva na sua compreensão do mundo.

Ambiguidade

2. Este novo mundo, caracterizado pelo desenvolvimento expo-nencial dos instrumentos de comunicação, com todas as suas maravi-lhas, está cheio de ambiguidades. Com frequência, os seus meios de comunicação social e linguagem própria são manipulados e usados de maneira não democrática, para fins negativos e efémeros. Da mesma forma, não poucas vezes se propaga uma mentalidade materialista ou consumista que não promove o crescimento humano autêntico nem o melhor acolhimento da mensagem evangélica. Estes falsos valores in-clusive ameaçam às vezes a nossa vida de jesuíta. Por isso, é necessário que adquiramos sentido crítico não só ao consumir a comunicação social, mas sobretudo ao utilizá-la.

Sector ou dimensão

3. A comunicação tem sido várias vezes considerada na Compa-nhia como um sector da actividade apostólica, um campo para alguns

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especialistas que, com frequência, se sentiram isolados ou à margem do corpo apostólico. A Companhia precisa de reconhecer que a comunicação não é um domínio restrito a uns poucos profissionais jesuítas, mas uma dimensão apostólica fundamental de todos os nossos ministérios. Embora seja evidente que nem todos os jesuítas devam dedicar-se a estes meios, no entanto, para ter maior eficácia, todos deveriam estar capacitados para compreender a linguagem e os símbolos da cultura moderna da comunicação e os aspectos fortes e fracos que ela apresenta. Esta maneira de pensar significa «fazer a viragem», dar-nos conta de que o novo ambiente da comunicação é um meio propício para chegar e enriquecer um grande número de pessoas, promovendo a alfabetização, o conhecimento e a solidariedade.

O serviço da fé

4. Esta proposta de renovação cultural permitirá aos jesuítas parti-lhar melhor a fé a que estão chamados a servir. Às vezes, isto suporá a proclamação directa do Evangelho e os seus valores, a grupos numerosos através da comunicação de massa ou a grupos mais reduzi-dos, utilizando os meios de grupo. Noutras ocasiões, será preciso prati-car uma aproximação mais indirecta para suscitar nos indivíduos uma apresentação mais pessoal da mensagem cristã. Em todos os casos será necessário que falemos uma linguagem que possam entender tanto os profissionais da comunicação como os habitantes da aldeia global. Jesus que comunicou a mensagem de seu Pai através de parábolas, milagres e obras de misericórdia, deve ser o nosso modelo.

A justiça na comunicação

5. A comunicação é um instrumento poderoso que deve ser usado para a promoção da justiça no nosso mundo. Mas é também um campo que exige que consideremos, com sentido, crítico os métodos e estruturas autoritárias das organizações de comunicação e informação. A promoção da justiça na comunicação requer a acção coordenada dos cristãos e de outras pessoas de boa vontade em diversas áreas. Deve ser

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promovida a liberdade de imprensa e informação naqueles países onde não existe ou está ameaçada pelo controlo estatal ou a manipulação ideológica. É necessário estabelecer um fluxo equitativo da informação entre os países industrializados e os que estão em vias de desenvolvimento. Na actualidade, os países ricos dominam o mundo com a sua informação, filmes e programas televisivos. As vozes e as imagens das culturas e dos países menos poderosos estão notavelmente ausentes na aldeia global. Todos os jesuítas, especialmente os filósofos, os teólogos, os especialistas em ciências sociais e os comprometidos na acção apostólica, como também os dedicados à produção de obras criativas deveriam estar familiarizados com a ética da comunicação.

Educação nos meios de comunicação

6. Na nova cultura dos meios, é importante educar os utentes para que entendam e façam uso criativo das técnicas e da linguagem da co-municação, não só como indivíduos, mas também como participantes no diálogo social. A educação nestes meios tem a finalidade de alcançar uma compreensão crítica tal que capacite as pessoas para descobrir, nos próprios meios, as mensagens distorcidas e subjacentes, e lhes permita como utentes fazer uma boa escolha ao consumi-los. Esta compreensão devolve o poder ao consumidor e liberta-o da manipulação e do domínio dos meios. Com o propósito de participar nesta ampla tarefa educacional, os educadores jesuítas deveriam contar-se entre «as pessoas mais bem educadas nos meios de comunicação».

Meios orientados para o povo

7. A linguagem da nova cultura dos meios de comunicação pode ser falada, usando instrumentos simples e de baixo custo. A rádio — e especialmente a «rádio de educação popular» — é com frequência um meio importante.

Num sentido mais geral, todos os jesuítas deveriam aprender a

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usar no seu apostolado meios grupais, tais como cartazes, vídeo e au-dio-cassetes, discos compactos, etc. Nalgumas circunstâncias, as narra-ções populares (folk media), as representações de rua, as marionetas, as imagens na liturgia podem ser meios de comunicação adequados para a evangelização.

Rádio Vaticana

8. Acolhendo o convite feito pelo Papa no começo da nossa Con-gregação Geral139, a Companhia compromete-se a prosseguir no seu serviço à Igreja universal na Rádio Vaticana como meio concreto de realizar a sua missão de serviço da fé e da justiça no campo da comunicação.

Entender e falar a linguagem

9. Devemos oferecer cursos de comunicação bem organizados para todos os jesuítas em formação e programas de formação permanente. Em muitos lugares, a Companhia iniciou esta adequada preparação, integrando-a nas distintas etapas da formação. Estes esforços devem manter-se e, onde não se faz nada, devem dar-se os passos corres-pondentes para garantir esta preparação. As metas importantes para esta preparação são as seguintes: garantir o conhecimento crítico da retórica dessa nova cultura, apreciar a sua dimensão estética, desenvol-ver as aptidões necessárias para o trabalho em equipa e aprender a usar efectivamente no apostolado os meios e a tecnologia da informação. Desde as primeiras etapas da formação, os jovens jesuítas que mostrem talento criativo para o trabalho na comunicação devem ser animados a continuar com uma preparação especializada. Deve-se ter o cuidado de ajudar os jesuítas durante estes estudos a integrar as suas necessidades profissionais e bem fundado conhecimento teológico, com as exigências da vida religiosa. Entre as suas tarefas, o Secretariado para a Comunicação Social da Companhia (JESCOM) deveria participar na

139 ? Alocução do Papa João Paulo II na CG 34, 5 de Janeiro de 1995, 5.

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15. Comunicação: uma nova cultura

criação e promoção de programas de comunicação para a formação dos jesuítas.

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16. Dimensão intelectual do apostolado do jesuíta

Decreto 16DIMENSÃO INTELECTUAL

DO APOSTOLADO DO JESUÍTA

Apresentação

Desde a sua fundação, a Companhia teve grande estima pelo trabalho intelectual. A Congregação Geral reafirma o valor e a actualidade dos apostolados mais directamente intelectuais, ao mesmo tempo que afirma que o trabalho intelectual é uma dimensão própria de todo o trabalho dos jesuítas.

Explicitamos as seguintes linhas mestras deste decreto:1. Nos tempos de hoje, em que o piedosismo e o fundamentalismo pretendem ignorar a razão humana ou, pelo contrário, a razão tenta sobrepor-se à fé até lhe tirar todo o espaço próprio, mais importante é para a missão da Igreja a dimensão intelectual de toda a actividade evangelizadora.2. É de capital importância, mais ainda hoje, uma formação intelectual sólida, tanto dos jesuítas em formação como de todos os outros em formação permanente. Particular atenção deve ser dada à formação de um espírito crítico e da capacidade de análise e diálogo.3. É importante aprender a respeitar a legítima autonomia da ciência e da liberdade responsável. Os que se dedicam ao mundo da ciência devem saber dar um testemunho inequívoco do seu compromisso com Deus e a Igreja.4. É feita menção particular da investigação e reflexão teológica, que orientará não só os nossos trabalhos apostólicos como a nossa vivência de fé, dentro da grande corrente da

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teologia católica, atenta à diversidade de pessoas, tempos e culturas.

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16. Dimensão intelectual do apostolado do jesuíta

1. A Companhia tem, desde as suas origens, a tradição de considerar o trabalho intelectual como uma contribuição significativa à obra criadora de Deus e ao reconhecimento da autonomia da actividade hu-mana. Esta tradição da Companhia é particularmente importante, hoje em dia, face às urgentes perguntas que se apresentam na nossa missão. De acordo com ela, a Congregação Geral 34 deseja reafirmar a impor-tância particular da qualidade intelectual do nosso apostolado. Esta di-mensão do nosso apostolado adquire valor fundamental no momento actual, caracterizado como está por transformações tão rápidas e radi-cais.

2. A razão humana continua a ser ignorada ou pouco considerada, quando o pietismo e o fundamentalismo unem esforços para menospre-zar as capacidades do homem. A inteligência e a liberdade que possui, fazem-no imagem de Deus. Para muitos dos nossos contemporâneos, especialmente nos países marcados pelo secularismo ou para as nações que saem do ateísmo marxista, a fé é equiparada, muito frequentemente, com as superstições que um progresso cada vez mais rápido irá eliminando. Por todo o mundo, esta grande tradição intelectual da Companhia continua a ser fundamental para a vitalidade da Igreja e a compreensão das culturas que marcam em profundidade a mentalidade e atitude das pessoas. Todos nós experimentamos a necessidade de «dar a razão da nossa esperança» (Ped 3,15) .e a preocupação em reconhecer «tudo que há de verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, louvável, tudo o que é virtude e digno de elogio» (Fil 4,8).

3. A Congregação Geral 34 deseja, por isso, estimular uma vigo-rosa formação espiritual e intelectual dos jovens e sublinhar a necessi-dade da formação permanente para os menos jovens. Trata-se de sen-sibilizar-nos diante das necessidades e desafios actuais e de contribuir não somente à aquisição de saber, mas também ao desenvolvimento da capacidade pessoal de analisar e avaliar de maneira contínua a missão recebida no contexto de mudanças rápidas do nosso mundo. Uma for-mação assim supõe um trabalho pessoal assíduo — e, com muita fre-quência, solitário, — imprescindível. Estas atitudes são indispensáveis, quando se quer integrar a promoção da justiça com a proclamação da

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fé e mostrar-se consequente na acção pela paz, no cuidado por proteger a vida e o ambiente, na defesa dos direitos dos homens, mulheres e povos inteiros. A evangelização integral não pode prescindir de uma percepção cabal dos universos mentais e de um conhecimento mínimo das estruturas económicas, sociais e políticas em que estão submergidos os nossos contemporâneos. Não pode ignorar a evolução das culturas tradicionais e modernas e os efeitos da cultura dos meios de comunicação que está a nascer. Neste campo devem ir a par o rigor nos conhecimentos, o respeito aos demais no diálogo e a exigência crítica.

4. A formação e competência profissionais nos apostolados mais directamente intelectuais devem ir acompanhados pela autonomia e li-berdade responsáveis que são indispensáveis para progredir no trabalho e investigação, porque na nossa época, mais que noutras, é urgente re-conhecer a especificidade da ciência e da técnica. Temos que ajudar os nossos contemporâneos a «respeitar tudo isto»140. Rejeitar a legítima au-tonomia da ciência pode levar os fiéis a dramas com que a história dos últimos séculos nos familiarizou. Os que aprendemos a orar diante do «Eterno Senhor de todas as coisas»141, temos que preocupar-nos, de ma-neira especial, por evitar que tais erros se repitam sob formas diferentes.

5. A dimensão intelectual de todo o apostolado supõe, além disso, que o jesuíta saiba permanecer em verdadeira comunhão com os seus companheiros, porque a vida intelectual pode levar os que a vivem, a momentos delicados de exaltação e de dúvida, de reconhecimento e rejeição, de intensa satisfação e dura prova. Mais que nenhuma outra, a missão intelectual obriga a receber louvores, mas também a submeter-se a oposições e polémicas, porque está exposta ao juízo alheio por pa-lavras e por escrito. Aceitar sem tergiversações a verdade destas situa-ções é uma maneira de ser «servo da missão de Cristo» que continua a viver, em nós o seu mistério pascal.6. Estes desafios que marcam a nossa história pessoal, exigem a aquisição da capacidade de viver as tensões criadoras entre a inserção

140 ? Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 36.141 ? EE [98].

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profunda no seu lugar de trabalho e a atitude aberta e crítica a outros pontos de vista e outras correntes de base cultural ou confessional. Aceitar viver tais tensões não deve, no entanto, falsear, em nenhum caso, o testemunho do compromisso pessoal ao serviço da Igreja na sua caminhada rumo ao Reino de Deus.

7. No coração de todos os itinerários bem precisos em que se rea-liza esta dimensão de todo trabalho da Companhia a serviço do Reino de Deus, a investigação e reflexão teológicas têm um lugar específico e exigem um comentário privilegiado. O P. Arrupe punha a reflexão teo-lógica entre as quatro prioridades apostólicas da Companhia de Jesus142. Enumerava entre os temas contemporâneos urgentes para a reflexão teológica o humanismo, a liberdade, a cultura de massas, o desenvolvi-mento económico e a violência. A Congregação Geral 32, decreto 4, citou e confirmou o ênfase do P. Arrupe sobre a reflexão teológica, pe-dindo também que se fizesse uma análise social das causas estruturais das injustiças contemporâneas e um discernimento inaciano no que se refere à resposta apostólica apropriada a essas injustiças143 . A Congregação Geral 34 torna a confirmar a necessidade desta reflexão teológica e acrescenta aos temas que deve tratar a necessidade de justiça, a inculturação e o diálogo inter-religioso.

A reflexão teológica, a análise social e o discernimento são fases de um processo que o Papa João XXIII e o Vaticano II chamavam «ler os sinais dos tempos»144. É o esforço por discernir a presença e actuação de Deus nos acontecimentos da história contemporânea para decidir o que devemos fazer como servidores da Palavra. Esta reflexão incorpora as fontes inesgotáveis da teologia católica, as experiência vividas — individuais e colectivas — dos membros da comunidade de fé que é a Igreja — especialmente a sua experiência de pobreza e opressão, as disciplinas profanas — muito particularmente a filosofia, a análise social e as ciências naturais. O objectivo é discernir, esclarecer e interpretar estas actualíssimas questões.142 ? Arrupe, Pedro: Alocução à LXV Congregação de Procuradores, (5.10.1970), Información S.J., 2 (1970) 289; cf. AR 15 (1970) 908s.143 ? CG 32, decr.4,59s; cf. também 44.71-74.144 ? Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, 4.11.44.

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8. Esta reflexão pode guiar não só os nossos trabalhos, mas também o nosso modo de viver e de julgar situações pessoais, sociais, culturais e políticas, sem esquecer a nossa vida espiritual. Será muito mais fecunda se lança raízes na experiência de uma fé pessoal, vivida e expressa na comunidade cristã. Deve estar atenta às questões que a rea-lidade põe ao fiel, seja homem ou mulher. E o jesuíta que se dedica a esta reflexão deve saber juntar estas questões concretas com a escuta directa da voz de Deus na sua oração pessoal.

9. Quando tudo isto tiver lugar e se desenvolver com uma investi-gação séria e a criatividade de imaginação que merece, dentro da grande corrente da teologia católica e no meio das diversas circunstâncias nas quais os jesuítas trabalham e vivem, pode dar lugar a teologias específicas que encarnam a diversidade de situações, da mensagem evangélica de que devemos ser servidores. Nesse caso, a investigação e reflexão teológicas podem ajudar a responder às questões mais agudas do espírito e às aspirações mais profundas do coração.

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17. Os jesuítas e a vida universitária

Decreto 17OS JESUÍTAS E A VIDA UNIVERSITÁRIA

Apresentação

A Companhia de Jesus nasceu no ambiente de uma universidade, a de Paris, e sempre esteve ligada ao ensino universitário, à investigação e publicações científicas. Hoje em dia, tem sob a sua responsabilidade cerca de duzentas instituições de ensino superior, onde trabalham uns três mil jesuítas, para além de muitos jesuítas ligados a outras instituições universitárias. É reafirmada a validade da intuição inaciana de trabalhar apostolicamente a este nível.

São apresentados 2 grandes desafios:1. O desafio da mudança de estruturas, fortalecendo, com imaginação e fé, o carácter específico das nossas instituições enquanto jesuítas e enquanto universidades.2. O desafio da fé que pratica a justiça, pois sendo uma instituição da Companhia tem de manter a sua identidade eclesial e jesuíta, na linha da promoção da justiça em nome do evangelho.

Ao mesmo tempo que se estimulam os jesuítas a trabalhar neste campo tão importante para a Igreja, é-lhes pedido um compromisso para encontrar resposta a estes desafios, quer a nível pessoal quer comunitário, apontando-se algumas pistas: colaboração entre instituições da Companhia, interdisciplinaridade, trabalho directo com os alunos...

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17. Os jesuítas e a vida universitária

1. Quase desde os nossos primórdios, os jesuítas temos estado ocupados com o ensino universitário, a investigação e as publicações científicas. Da astronomia à dança clássica, das humanidades à teolo-gia, os jesuítas tentam penetrar o idioma e o significado das culturas herdadas e das novas culturas que surgem. Tentam descobrir, configu-rar, renovar ou fomentar o conhecimento humano. Ao mesmo tempo que respeitam a integridade própria da especialidade enquanto submetida às suas próprias regras, pretendem também acompanhar na fé os homens e mulheres moldados pela poderosa força inerente à universidade enquanto forma institucional. Inácio intuíu este amplo impacto cultural das universidades, quando decidiu enviar jesuítas para elas como a lugares onde se podia conseguir um bem mais universal. Durante toda a nossa história, continuamos a afirmar esta fundamental intuição inaciana.

2. Hoje cerca de três mil jesuítas trabalham em quase duzentas instituições de ensino superior jesuítas. Outros exercem a sua missão em universidades não jesuítas. A acção apostólica de uns e outros não só afecta as vidas de muitos estudantes, como também transcende o meio universitário imediato. Os jesuítas reconhecem que as universida-des continuam a ser, desde um ponto de vista sociológico, quadros institucionais de suma importância. Servem de canal especial das classes mais pobres para conseguir o progresso social. Nelas e através delas têm lugar importantes debates que contribuem à configuração das culturas no referente à ética, às futuras direcções da economia e da política, e ao sentido mais fundamental da existência humana. Nem a universidade como forma institucional e valor humano, nem o sempre urgente imperativo de um compromisso incansável por parte da Companhia com a nossa tradição de fomentar a vida universitária, precisam de uma nova defesa.

3. Mais ainda: actualmente já existem muitos e excelentes docu-mentos que tratam da função e do futuro das universidades da Compa-nhia145. A Congregação Geral 34 quer principalmente animar os jesuítas

145 ? Vejam-se Pedro Arrupe: «O apostolado intelectual na missão da Companhia hoje». AR XVI (1973-1976) e também Peter-Hans Kolvenbach: «No segundo centenário do ensino jesuíta nos Estados Unidos da América», Georgetown, 8 de Junho de 1989.

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nesta importante e tradicional actividade jesuítas e oferecer à consideração dois desafios relativamente novos, com que se deparam as universidades da Companhia.

O desafio da estrutura das universidades

4. Nos últimos trinta anos, a educação superior da Companhia conheceu um desenvolvimento muito rápido em quantidade e complexidade, com tendência a produzir estruturas de governo mais participativas. Isto aconteceu ao mesmo tempo em que o número absoluto de jesuítas ocupados na universidade ou a sua proporção em relação com o conjunto de uma faculdade, muitas vezes diminuiu, enquanto leigos e colegas de outras ordens religiosas acudiram a tomar parte connosco no empreendimento comum. Em alguns lugares, os jesuítas já não são realmente «os donos» da universidade. Noutros, as regulamentações dos governos fizeram com que nós já não as «controlemos» totalmente. E ainda noutros lugares, alguns superiores eclesiásticos podem desconfiar da liberdade tão necessária para que uma universidade funcione verdadeiramente de acordo com os seus fins próprios.

5. Como resposta, nós jesuítas devemos continuar a trabalhar muito duramente, com frequência em circunstâncias muito difíceis, com imaginação e com fé, para manter e fortalecer o carácter específico das nossas instituições enquanto jesuítas e enquanto universidades. Olhando o futuro, precisaremos de vigiar conscientemente para que tanto o substantivo universidade, como o adjectivo jesuíta, sejam fiéis ao seu significado original.

6. O substantivo dá garantia ao compromisso com a autonomia fundamental, integridade e sinceridade próprias de uma universidade enquanto universidade, como lugar de busca tranquila e aberta e de discussão da verdade. O substantivo assinala as missões próprias de toda a universidade que se dedica à investigação, ao ensino e várias

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formas de serviços correspondentes à sua missão cultural146, como horizonte e contexto indispensáveis para a autêntica conservação, renovação e comunicação do conhecimento e dos valores humanos. Enquanto jesuítas, buscamos o conhecimento por si mesmo e, não obstante, devemos regularmente perguntar-nos: «conhecimento para quê?»

Fé e justiça como desafio às universidades

7. Não menos vigorosamente devemos afirmar o adjectivo jesuíta. Isto significa a participação genuína de toda a universidade que se de-nomine jesuíta ou que funcione sob a nossa última responsabilidade, na identidade e missão fundamentais da Companhia. Ainda que queiramos evitar toda a instrumentalização simplista da universidade ou a redução da sua missão a uma única meta legítima, o adjectivo jesuíta, contudo, leva essencialmente consigo uma harmonia com as exigências de fé e justiça, tal como se encontra no decreto 4 da Congregação Geral 32. A universidade jesuíta pode e deve descobrir nas suas próprias formas institucionais e nos seus fins autênticos um campo de luta em que se alcance o encontro com a fé que pratica a justiça.

8. Elogiamos as muitas modalidades com que as universidades jesuítas tentaram aplicar o decreto 4 à vida dos estudantes, por meio de programas de aproximação e contacto mútuos e do serviço aos pobres, bem como no seu ensino (mesmo básico), nas investigações e nas publicações, metas principais de toda universidade. Se, de alguma maneira, a maioria das universidades da Companhia se devem prodigalizar ainda mais em encarnar melhor essa missão de serviço da fé e sua concomitante promoção da justiça, isto, em parte, reflecte o desafio que todos nós, como jesuítas, temos que encarar para encontrar — mais além da mera retórica — metodologias melhoradas por meio das quais instituições grandes e complexas possam ser verdadeiramente guiadas por e para aquela justiça pela qual Deus anseia

146 ? João Paulo II, Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, 2.1.

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com tanta insistência e que Ele mesmo faz possível. Esta tarefa de unir fé e justiça na universidade é uma tarefa possível e tem já os seus mártires que conseguiram que «uma instituição universitária de ensino e investigação pudesse chegar a ser instrumento da justiça em nome do Evangelho»147.

9. A complexidade da universidade jesuíta pode exigir novas es-truturas de governo e de controlo por parte da Companhia que permitam preservar a sua identidade e facilitar a prestação de contas ante o mundo universitário e a sociedade de que faz parte, a Companhia de Jesus e a Igreja. Em concreto, para chamar-se instituição jesuíta, deverá avaliar e responder periodicamente perante a Companhia para comprovar se a sua dinâmica se desenvolve alinhada com a missão jesuíta. Os jesuítas que trabalham nelas, enquanto comunidade e como pessoas concretas, deverão comprometer-se activamente dentro da instituição, orientando-a para alcançar os fins que a Companhia deseja dela.

10. A nossa universidade deveria promover o trabalho interdisci-plinar o qual implica um espírito de colaboração e diálogo entre espe-cialistas e com outras universidades. Deste modo, servindo a fé e a promoção da justiça, descobrirão horizontes e novos campos de investigação, ensino e outros serviços universitários, por meio dos quais possam contribuir para a transformação da sociedade para um grau mais profundo de justiça e liberdade. Deste modo é oferecida uma clara oportunidade às nossas universidades de promover uma cola-boração interuniversitária e tomar a seu cargo projectos comuns entre as universidades do primeiro e terceiro mundo.

11. Uma universidade jesuíta há-de distinguir-se também pela sua oferta de formação humana e social, espiritual e moral, e pela atenção pastoral aos seus estudantes e aos diversos grupos de pessoas que nelas trabalham ou com ela se relacionam.12. É importante recordar quão crucial é para toda a Igreja contar com um quadro de jesuítas consagrados ao trabalho universitário. Eles 147 ? Peter-Hans Kolvenbach: Relação De statu Societatis na Primeira Congregação de Provinciais, 20 de Setembro de 1990.

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estão comprometidos, no sentido mais profundo e livre, com a busca da plenitude da verdade. Estamos persuadidos de que a verdade que buscamos será sempre, apesar de quaisquer aparências temporais, definitivamente una. Tal verdade, enraizada como está em Deus, far-nos-á livres. Enviamos uma calorosa palavra de saudação e de alento a todos os jesuítas que lutam por fazer autêntico e surpreendentemente novo esse antigo compromisso da Companhia, com o apostulado universitário.

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18. Educação secundária, primária e popular

Decreto 18EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA,

PRIMÁRIA E POPULAR

Apresentação

Nos últimos anos, publicaram-se dois documentos de grande interesse para a educação primária e secundária nas escolas da Companhia: “Características da Educação da Companhia de Jesus” (1987) e “Paradigma da Educação Inaciana” (1993). Assim, embora sendo este sector de grande importância na actividade da Companhia, a Congregação Geral 34 achou por bem aprovar um breve decreto, em que anima a todos a prosseguir no caminho da renovação. Sublinha-se que para manter a identidade dos nossos colégios é preciso uma rigorosa selecção dos seus directores, jesuítas e não jesuítas, e uma adequada formação de todo o pessoal, especialmente dos que ocupam cargos de responsabilidade.

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18. Educação secundária, primária e popular

1. Nos últimos vinte anos, a maior parte dos jesuítas e leigos que trabalham no apostolado da educação secundária iniciaram e levaram a cabo uma importante renovação apostólica, em resposta às Congregações Gerais recentes. As nossas instituições pedagógicas abriram-se a um número cada vez maior de estudantes de grupos economicamente marginalizados. A qualidade da educação melhorou de acordo com os princípios enunciados nos documentos educativos da Companhia148. A cooperação entre jesuítas e leigos aumentou consideravelmente com a contribuição das características de ambas as partes à formação integral dos alunos. Os nossos colégios converteram-se em plataformas de entendimento não só na comunidade dos pais de família, amigos, antigos alunos e alunas, mas também entre os pobres e marginalizados que residem nas proximidades. Mais ainda: comunicámos com muito gosto, a nossa herança educacional às pessoas que nos pedem.

2. A Congregação Geral reconhece com gratidão estes avanços e urge a que continuem. As ideias e práticas (experiência, reflexão e ac-ção) resultantes dos documentos acima mencionados deveriam inspirar, com o devido respeito, as diferentes situações dos nossos colégios em todo o mundo, nas declarações de princípios dos nossos colégios, nas orientações, nos programas e em toda a cultura do âmbito educacional. A identidade jesuíta dos nossos colégios e a colaboração entre jesuítas e leigos só será garantida com uma cuidadosa selecção dos directores e dos professores, jesuítas e não jesuítas, e a adequada formação no carisma e na pedagogia inacianas, particularmente daqueles que ocuparão postos de maior responsabilidade. Em algumas regiões da Companhia já se estão a proporcionar aos directores e aos professores, jesuítas e leigos, programas muito bem estruturados. O Secretariado Central para a Educação deveria fomentar este tipo de programas também noutras partes, porque produzirão frutos abundantes para o fim que pretendemos149.3. Em resposta a diferentes situações locais e por razões apostólicas,

148 ? «Características da Educação da Companhia de Jesus» (1987) e «Paradigmas de Pedagogia Inaciana»: Uma abordagem prática (1993).149 ? Cf. Pedro Arrupe: «Os nossos colégios de educação secundária, hoje e amanhã» (13 de Setembro de 1980), nº 21.

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18. Educação secundária, primária e popular

os jesuítas empreenderam em muitos lugares o ministério apostólico da educação primária e infantil. A Congregação Geral não só confirma que tais escolas «são muito importantes e de nenhuma maneira contrárias ao nosso Instituto»150, mas também declara que, enquanto po-dem proporcionar um sólido fundamento académico e religioso durante os primeiros anos da formação, estas escolas constituem o serviço mais efectivo que podemos oferecer, especialmente aos pobres.

4. O apostolado educativo da Companhia viu-se notavelmente en-riquecido com a contribuição das instituições de educação popular, muitos deles inspirados pelo decreto 4 da Congregação Geral 32. Estas instituições, localizados em países em desenvolvimento, organizam programas de erradicação do analfabetismo e oferecem programas de educação não escolarizada ou não formal a jovens e adultos pobres, em áreas rurais e suburbanas. Mediante uma pedagogia participativa, colaboram na capacitação técnica e social dos seus educandos e na sua formação ética e religiosa, orientada à análise e transformação da sociedade em que vivem. Formam os seus beneficiários como homens e mulheres para os outros e para que exerçam funções de liderança nas suas comunidades e organizações. O número de pessoas a que servimos por meio desses centros é muito significativo. Ao promover a equidade e justiça, este ministério de educação popular responde plenamente à nossa missão actual. Especialmente à luz de «Servidores da missão de Cristo», a Congregação Geral 34 anima a todos os jesuítas, religiosos e leigos a que continuem a trabalhar neste importante e difícil apostolado e recomenda a colaboração entre a educação popular dirigida pelos jesuítas e os nossos colégios, universidades e centros sociais.

150 ? CG 31, decr. 28,16.

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18. Educação secundária, primária e popular 139

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19. O serviço paroquial

Decreto 19O SERVIÇO PAROQUIAL

Apresentação

Pela primeira vez na história da Companhia de Jesus, uma Congregação Geral dedicou um decreto ao trabalho paroquial. S. Inácio, nas Constituições, precavia os jesuítas contra assumir trabalhos que dificultassem a disponibilidade apostólica e a correspondente mobilidade. Durante séculos, o trabalho paroquial, tendo em conta os condicionalismos em que era realizado, foi considerado como geralmente impeditivo do cumprimento dessa disponibilidade apostólica, tão característica da Companhia.

Os tempos mudaram e agora não se vê, como regra geral, tal incompatibilidade. A prová-lo estão os cerca de 3.200 jesuítas que trabalham actualmente em 2.000 paróquias do mundo inteiro.

O presente decreto reafirma que “o apostolado paroquial não é contrário às nossas Constituições” e insiste-se nos seguintes pontos:1. Nas paróquias há amplas possibilidades para o cumprimento da nossa missão apostólica, para servir a fé e promover a justiça.2. Importa seguir tanto os planos de pastoral das Dioceses, como os projectos apostólicos da Companhia e das Províncias.3. As nossas paróquias devem ser centros de irradiação da espiritualidade da Companhia, segundo o nosso carisma próprio ao serviço da Igreja.

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19. O serviço paroquial

I. O ministério paroquial hoje

1. Cerca de 3.200 jesuítas trabalham actualmente em 2.000 paróquias do mundo inteiro. Ao mesmo tempo que reconhecemos o importante serviço à Igreja que representa este investimento de pessoal, não só afirmamos que «o apostolado paroquial não é contrário às nossas Constituições»151, mas acrescentamos que, em certas circunstâncias, constitui um apostolado apropriado para realizar a nossa missão de serviço da fé e promoção da justiça.

2. Mais ainda, oferece um contexto favorável para viver com os pobres e solidarizar-nos com eles.

II. Objetivos e características de uma paróquia «jesuíta»

3. Uma paróquia é «jesuíta» se, dentro do seu compromisso com os objectivos e orientações da Igreja local, «assume as prioridades apostólicas da Companhia»152 e o projecto apostólico da Província, consoante o «nosso modo de proceder»153. É central na sua vida, que a paróquia se reúna como comunidade para celebrar as suas alegrias, lutas e esperanças na eucaristia, na Palavra e nos outros sacramentos, tudo de forma bem planificada, criativa e inculturada. Transforma-se numa comunidade evangelizada e evangelizadora, comprometida com «a justiça e a reconciliação»154 e procura que as devoções populares tenham algo a dizer às necessidades contemporâneas.

4. A paróquia «jesuíta» recebe energia da espiritualidade inaciana, especialmente por meio dos Exercícios Espirituais e do discernimento individual e comunitário. Procura organizar programas de catequese e formação pessoal e familiar bem elaborados e facilita oportunidades de direcção espiritual e aconselhamento pastoral. Segundo o modelo dos

151 ? CG 31, decr.27,10.152 ? Peter-Hans Kolvenbach, Criatividade no ministério pastoral. Aos párocos jesuítas da Ásia Meridional (JEPASA), 1993.153 ? Pedro Arrupe, «Orientações para o Apostolado Paroquial», AR 1979, p. 893.154 ? Cf. CG 32, decr. 4,17-18.

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Exercícios Espirituais, ajuda a pessoa a discernir a sua vocação na vida.

5. A paróquia «jesuíta» abre-se progressivamente ao diálogo ecuménico e inter-religioso e trata de chegar aos cristãos afastados, bem como aos não crentes. Vai-se fazendo uma Igreja participativa, empregando meios como as comunidades humanas e eclesiais de base e promove oportunidades para a participação e a liderança dos leigos.

6. A paróquia «jesuíta» está chamada a desenvolver estratégias para promover a justiça local e global, tanto por meio da conversão pessoal como da mudança estrutural, já que estas são uma exigência da fé. Associando-se com outras obras apostólicas da Companhia e organizações eclesiais e civis, luta contra todas as formas de discriminação e contribui para uma autêntica cultura da solidariedade que transcenda os limites paroquiais.

III. O jesuíta de paróquia

7. O jesuíta é enviado a uma paróquia, seja ou não da Companhia, para fazer uma contribuição relevante à vida dela. Deveria ser escolhido pela espiritualidade que vive e pela sua competência pastoral. Deve ter a capacidade de relacionar-se positivamente com os grupos de diversas idades e deveria ter as qualidades necessárias para trabalhar colegialmente com o laicado e os outros membros da paróquia.

8. Os jesuítas que trabalham em paróquias deveriam estar em contacto permanente com outros jesuítas, párocos diocesanos e os outros religiosos que trabalham na região. Deveriam dedicar tempo à reflexão colectiva e à acção comum.

9. Para ser pároco, o jesuíta deverá estar familiarizado em homilética, liturgia, catequese, análise sócio-cultural, comunicações sociais e gestão de situações conflitantes. Não lhe devem faltar também oportunidades de contacto com paróquias modelo e centros de formação pastoral para sua formação permanente. Recomendam-se

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experiências apostólicas desde o princípio da informação.

IV. Actualização das normas

10. Encarregamos o P. Geral de avaliar e actualizar as normas existentes para aceitar e deixar paróquias155 e de comunicar os resultados desta análise a toda a Companhia. Dada a grande variedade de tipos de paróquia no mundo, os Provinciais terão que adaptar estas normas à sua situação local.

155 ? Cf. CG 31, decr. 27,10.

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Decreto 20RECOMENDAÇÃO AO PADRE GERAL

SOBRE O PROBLEMA ECOLÓGICO

Apresentação

Dada a importância do problema ecológico, manifestada nos muitos “postulados” que chegaram à Congregação Geral; tendo em conta a sua relação estreita com a nossa missão de promotores da justiça; e assumindo responsabilidades perante as gerações futuras de mantermos a integridade da criação; mas tendo em conta que o assunto ainda não estava suficientemente maduro, nem a Congregação Geral dispunha de meios para elaborar um decreto de suficiente qualidade, achou-se por bem fazer uma recomendação ao Padre Geral. Foi pedido, pois, ao Padre Geral que realize um estudo sobre alguns pontos ligados com a ecologia, que depois oportunamente comunicará a toda a Companhia.

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1. O debate contemporâneo entre desenvolvimento e ecologia pode ser colocado, com frequência, como uma oposição entre os desejos do Primeiro Mundo e as necessidades do Terceiro Mundo. De facto, estes conceitos referem-se a muitos problemas inter-relacionados através do mundo. A Companhia de Jesus pode contribuir para superar alguns destes dilemas, estimulando tanto a consciência internacional como a acção local. Os muitos postulados recebidos oferecem sugestões ricas sobre o tema.

2. A Congregação Geral 34 recomenda ao P. Geral que se faça um estudo sobre as seguintes questões:

2.1 — como a nossa espiritualidade inaciana nos proporciona uma fundamentação para uma resposta universal;

2.2 — como os nossos apostolados podem contribuir nos seus modos específicos e promover uma colaboração efectiva;

2.3 — como esta iniciativa afecta o nosso estilo de vida e as decisões que tomemos nas nossas instituições.

Os resultados deste estudo poderiam ser comunicados a toda a Companhia para orientação do nosso modo de proceder.

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26. Características do nosso modo de proceder

CONCLUSÃO

26. Características do nosso modo de proceder

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26. Características do nosso modo de proceder

Decreto 26CARACTERÍSTICAS DO NOSSO MODO

DE PROCEDER

Apresentação

Trata-se de um documento síntese dos pontos mais importantes que devem definir, nos tempos actuais, um seguidor de Santo Inácio. É uma enumeração linear, sem segredos nem subentendidos, do que hoje S. Inácio pediria a um jesuíta actual e, em geral, a todos os que desejam sintonizar com a sua espiritualidade e com o correspondente “modo de proceder”.1. O Concílio indicou que “a adequada renovação da vida religiosa compreende um regresso constante às fontes de toda a vida cristã e à primitiva inspiração dos Institutos”. Por isso, este documento, ao introduzir cada uma das 8 características do jesuíta actual, cita um texto das fontes inacianas. Não se inventa um estilo de vida, mas actualiza-se o modo de viver inspirado em Santo Inácio.2. Este decreto é eminentemente prático. Não se define o “modo de ser”, mas sim o “modo de proceder”: oração, vida e obras. É um documento na linha da missão, em que se apontam os fundamentais denominadores comuns de uma família que vive o pluralismo de continentes, raças, culturas e modos de ser tão diferentes.3. Com realismo se fala do “hoje” em que Deus se revela e nos pede para sermos suas testemunhas, segundo o estilo de Inácio de Loiola. Isto exige um sério esforço de conversão, pois sem esta de nada valerão normas, leis e decretos.

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1. Algumas atitudes, valores e padrões de conduta conjugam-se para ser o que se chamou o modo jesuíta de proceder. As característi-cas do nosso modo de proceder nasceram na vida de Inácio e dos seus primeiros companheiros. Jerónimo Nadal escreve que «a forma da Companhia está na vida de S. Inácio»156 . «Deus pô-lo como um exemplo vivo do nosso modo de proceder»157.

2. Em quais dessas características devemos inspirar-nos hoje? Que forma adoptam nas novas situações e nos ministérios em mudança em que trabalhamos hoje?

I. Profundo amor pessoal a Jesus Cristo

3. Será aqui pedir conhecimento interno do Senhor que por mim se fez homem, para que mais O ame e O siga158.

4. Com remorso, gratidão e assombro, mas sobretudo com amor apaixonado, S. Inácio primeiro e logo cada jesuíta depois dele, orou diante de Cristo Nosso Senhor posto na cruz e perguntou-se: «que fiz, que faço, que farei por Cristo?»159. Estas perguntas brotam do íntimo de um coração comovido por profundo agradecimento e amor. Esta é a graça fundacional que une os jesuítas a Jesus e entre si. «Que significa ser jesuíta? Reconhecer que, embora pecador, é chamado a ser compa-nheiro de Jesus, como o foi S.Inácio»160. E a missão do pecador recon-ciliado é a missão de reconciliação: o trabalho da fé que realiza justiça. O jesuíta dá de graça o que de graça recebeu: o dom do amor redentor de Cristo.5. Hoje levamos este dom contra-cultural a um mundo seduzido pela realização humana centrada em si mesmo, na extravagância e na vida cómoda. É um mundo que aprecia o prestígio, o poder e a auto-sufi-ciência. Quando pregamos a este mundo Cristo pobre e humilde, com 156 ? MHSI Nadal V-I, pp.268 [II] e 287[52a].157 ? MSHI Nadal V-I,p. 262 [33].158 ? EE 104159 ? EE 53160 ? CG 32, d. 2, 1

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fidelidade e valor, podemos esperar humilhações, perseguição e até a morte. Vimos ocorrer isso a irmãos nossos em anos recentes. Mas, ainda assim, seguimos adiante com resolução por «desejar parecer e imitar de alguma maneira ao nosso Criador e Senhor Jesus Cristo... por ser Ele o caminho que leva os homens à vida»161. Hoje como ontem, é a profunda identificação pessoal com Jesus que é Ele mesmo o Caminho, o que caracteriza principalmente o modo jesuíta de proceder.

II. Contemplativos na acção

6. Não deixarei de recordar aquela graça que tinha em todas as circunstâncias, enquanto trabalhava ou conversava, de sentir a presença de Deus e de saborear as coisas espirituais, de ser contemplativo mesmo na acção; costumava interpretar isto dizendo: encontrar a Deus em todas as coisas162.

7. O Deus de S. Inácio é um Deus que trabalha em todas as coisas: seja a trabalhar pela salvação de todos, como na Contemplação para alcançar amor, seja a trabalhar imediata e directamente com o exercitante, segundo as Anotações 15 e 16; ou como Cristo, o Rei Eterno, que trabalha para libertar o mundo, ou dando início, preser-vando, dirigindo e fazendo avançar a Companhia de Jesus, como no começo e no fim das Constituições.

8. Para os jesuítas, portanto, nem toda a resposta às necessidades da humanidade seriam adequadas. A iniciativa deve vir do Senhor que está trabalhar nos eventos e nas pessoas, fazendo tudo chegar a seu termo, aqui e agora. Deus convida-nos a unir-nos a ele em seus traba-lhos, com as suas condições e à sua maneira. A maneira de encontrar e de nos unirmos ao Senhor que trabalha é por isso a chave do modo je-suíta de proceder. É o método inaciano de discernimento orante que pode ser descrito como «experiência, reflexão, opções, acção: tudo

161 ? Exame, 101162 ? Mon. Nadal MHSJ IV, 651.

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numa constante inter-relação segundo o ideal do “contemplativo na acção”»163. Através do discernimento apostólico, individualmente e em comum, vivido em obediência, os jesuítas assumem a responsabilidade das suas decisões apostólicas no mundo de hoje. Tal discernimento abre-se para abarcar também a ampla comunidade de companheiros com quem trabalhamos na missão.

III. Um corpo apostólico na Igreja

9. Finalmente decidimos afirmativamente, a saber, que... não deveríamos quebrar esta unidade e companhia constituída tão divinamente, mas antes fortalecê-la e consolidá-la ainda mais, constituindo-nos num só corpo...164

10. Os primeiros jesuítas seriam enviados para longe, em grupos de pelo menos dois165, seguindo o exemplo de Jesus. No entanto, os laços de união entre os membros permaneciam fortes através de uma cons-tante comunicação e das cartas que S. Inácio requeria e, de uma ma-neira muito especial, através da conta de consciência. Xavier, traba-lhando longe de Roma, nas Índias, dizia-o com simplicidade: «Companhia de amor»166 .

11. Os jesuítas unem-se hoje, porque cada um de nós escutou o chamamento de Cristo, o Rei Eterno. Desta união com Cristo flui necessariamente o amor fraterno. Não somos meramente companheiros trabalhadores, mas amigos no Senhor. A comunidade a que pertencemos é todo o corpo da Companhia, embora dispersa sobre a face da terra. Apesar de vir de muitas nações e culturas e falar línguas diferentes, a nossa união não fica ameaçada, mas enriquecida pela diversidade. Na oração partilhada, na conversação e na celebração da Eucaristia, cada um de nós encontra os recursos espirituais necessários

163 ? CG 32, d. 4, 73.164 ? Primeira conclusão da deliberação dos primeiros Padres em 1539, MHSJ, vol. 63, p. 3.165 ? Const. 624166 ? Ao Padre Inácio de Loiola (Cochin, 12.1.1549), em «Cartas e escritos de S. Francisco Xavier», BAC, n.101, p. 280, 5.

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para uma comunidade apostólica. E no nosso serviço ao Senhor e a sua Esposa, a Igreja, Povo de Deus, estamos especialmente unidos ao Romano Pontífice para ser enviados às missões por ele confiadas 167. Como homens da Igreja, não podemos deixar de pensar com a Igreja guiada pelo Espírito do Senhor Ressuscitado168.

IV. Em solidariedade com os mais necessitados

12. Para maior glória de Deus, nosso Senhor, o que principalmente nesta jornada de Trento se espera de nós... é pregar, confessar e ler, ensinando aos jovens, dando Exercícios, visitando pobres em hospitais e exortando os próximos, segundo cada um se achar com este ou com aquele talento para mover as pessoas que pudermos à devoção e oração...169

13. Inácio e os seus seguidores começaram a pregar em pobreza. Trabalharam com os poderosos e os sem poder, com príncipes, reis e bispos, mas também com as mulheres da rua e com as vítimas da peste. Ligavam o ministério com os poderosos, às necessidades dos sem poder.

14. Hoje em dia, seja qual for o nosso ministério, nós os jesuítas tornamo-nos solidários com os pobres, os marginalizados e os sem voz, para torná-los capazes de participar nos processos que modelam a sociedade em que todos vivemos e trabalhamos. Eles, por sua vez, ensinam-nos sobre a nossa pobreza como nenhum documento poderia fazê-lo. Ajudam-nos a entender o sentido da gratuidade dos nossos ministérios, a dar de graça o que de graça recebemos, a dar nossas próprias vidas. Eles mostram-nos o modo de inculturar os valores do Evangelho em situações onde Deus está esquecido. Através desta solidariedade chegamos a ser «agentes de inculturação»170.

167 ? cf. Fórmula do Instituto 1.168 ? EE 365169 ? Instrução de S. Inácio aos Padres enviados ao Concílio de Trento (1546) (BAC 784s).170 ? Pedro Arrupe: Carta e Documento sobre a Inculturação AR 17(1978)236.

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V. Companheirismo com outros

15. ... pela mesma razão de o bem ser mais universal, deve-se preferir também a ajuda que se fizesse a grandes povos como as Índias ou a cidades importantes ou a universidades, onde costumam acorrer mais pessoas que, ajudadas, poderão ser operários para ajudar a outros171.

16. O companheirismo e a cooperação com outros no ministério não é uma estratégia pragmática motivada pela diminuição de efectivos, mas uma dimensão essencial do modo jesuíta actual de proceder. Encontra a sua raiz na consciência de que, para dispor o nosso mundo dividido para o Reino vindouro, se requer uma pluralidade de dons, perspectivas e experiências, tanto internacionais como multiculturais.

17. Desta maneira, cooperamos com leigos e leigas na Igreja, com religiosos, sacerdotes e bispos da Igreja local onde servimos, com os membros de outras religiões e com todos os homens e mulheres de boa vontade. Na medida em que estamos a desenvolver uma ampla rede de relações respeitosas e eficazes, nessa medida estamos já a cumprir a oração sacerdotal de Cristo: «que todos sejam um»(Jo 17,20) .

VI. Chamados a um ministério instruído

18. Depois que o dito peregrino entendeu que era vontade de Deus que não estivesse em Jerusalém, sempre veio pensando consigo mesmo o que faria, e no final se inclinava mais a estudar algum tempo para poder ajudar as almas, e se determinava ir a Barcelona...172.

19. S. Inácio compreendeu muito cedo a necessidade de instrução

171 ? Const. 622.172 ? Autobiografia, 85 (BAC 157).

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para o serviço da fé e o ministério da Palavra. Na Fórmula 173 escreve: «Este Instituto pede homens totalmente humildes e prudentes em Cristo e assinalados na pureza da vida cristã e nas letras». Desde então foi ca-racterístico dos jesuítas manter numa tensão criativa este requisito ina-ciano: usar todos os meios humanos, ciência, arte, instrução, virtude natural, enquanto ao mesmo tempo se confia totalmente na graça divina.

20. Ao actuar assim hoje em dia, respeitamos e apreciamos o bem que está presente na cultura contemporânea e, no entanto, propomos criticamente alternativas para os aspectos negativos desta cultura. Para fazê-lo bem, perante os desafios complexos e as oportunidades do nosso mundo contemporâneo, requer-se toda a instrução e inteligência, toda a imaginação e perspicácia, todos os estudos sólidos e análises rigorosas que possamos acumular. Superar a ignorância e os preconceitos através do estudo e do ensino, fazer do Evangelho verdadeiramente uma Boa Nova num mundo confundido e turbulento, através da reflexão teoló-gica, é característica tipicamente jesuíta do nosso modo de proceder.

VII. Homens enviados, sempre disponíveis para novas missões

21. ... e se não conseguissem licença para ficar em Jerusalém, voltar a Roma e apresentar-se ao Vigário de Cristo, para que os empregasse no que julgasse ser de mais glória de Deus e utilidade das almas174 .

22. Nadal, ao promulgar as Constituições, pergunta: Por que razão há jesuítas? E responde simplesmente que o nosso carisma, a nossa ra-zão de existir, é podermos ir onde as necessidades não estão a ser aten-didas. O nosso modo de proceder facilita esta mobilidade175 .

23. O jesuíta é essencialmente um homem com uma missão, uma missão que recebe do Santo Padre e do seu próprio superior religioso,

173 ? Form. 5174 ? Autobiografia, 85 (BAC 157)175 ? MHSI Nadal V-II, p. 113 281

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mas, em última análise, de Jesus Cristo, o Enviado do Pai. «As pessoas desta Companhia devem estar a toda a hora preparadas para percorrer por qualquer parte do mundo, onde forem enviadas pelo Sumo Pontífice ou pelos seus superiores»176.

24. E assim, hoje em dia, vivemos tipicamente com uma liberdade operativa, abertos, adaptáveis e até desejosos de qualquer missão que se nos possa encomendar. Com efeito, no modo jesuíta de proceder, o ideal é uma consagração incondicional à missão, livre de todo o interesse mundano e livres para todos. A nossa missão também se estende a promover este mesmo espírito de missão nos outros.

VIII. Sempre em busca do «Magis»

25. Os que quiserem mostrar maior afeição e distinguir-se em tudo no serviço de seu Rei Eterno e Senhor universal, não só se oferecerão inteiramente ao trabalho, mas também ... farão oblações de maior valor e maior importância177 .

26. O «magis» não é simplesmente mais uma característica do modo de proceder do jesuíta, mas algo que engloba todas as outras. A vida inteira de S. Inácio foi a busca, como peregrino, do «magis», a sempre maior glória de Deus, o serviço sempre mais completo do nosso pró-ximo, o bem mais universal, os meios apostólicos mais efectivos. «A mediocridade não encontrava lugar na cosmovisão de Inácio»178.

27. É típico que os jesuítas nunca estejam satisfeitos com o estabe-lecido, o conhecido, o já provado ou o já existente. Somos levados constantemente a descobrir, redefinir e alcançar o «magis». Para nós, as fronteiras e os limites não são obstáculos ou ponto de chegada, mas novos desafios a serem encarados, novas oportunidades a serem bem-vindas. Com efeito, mostramos uma santa audácia. «Uma certa 176 ? Const. 588177 ? EE [97].178 ? P.-H. Kolvenbach: Aos amigos e colaboradores da Companhia de Jesus, AR 20 (1991) 606.

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agressividade apostólica»179, típica do nosso modo de proceder.

Conclusão

28. O nosso modo de proceder é uma espécie de desafio. É acicate para que «o filho da Companhia actue sempre e reaja diante das circunstâncias mais imprevistas de um modo coerentemente inaciano e jesuíta»180.

29. Para que possamos viver sempre com mais fidelidade este ca-minho de Cristo, que Inácio modelou para nós, rezamos a oração do P. Arrupe:

Senhor: meditando o nosso modo de proceder, descobri que o ideal do nosso modo de proceder é o teu modo de proceder.

Dá-me, sobretudo, o «sensus Christi» (sentido de Cristo)...: que eu possa sentir com os teus sentimentos, os sentimentos do teu Coração, com que amavas o Pai e os homens.

Ensina-me a ser compassivo com os que sofrem: com os po-bres, com os leprosos, com os cegos, com os paralíticos.Ensina-nos o teu «modo» para que seja o nosso modo no dia de hoje e possamos realizar o ideal de S. Inácio: ser compa-nheiros teus, «alter Christus» (outro Cristo), colaboradores teus na obra da redenção181.

179 ? Pedro Arrupe, 12: O nosso modo de proceder, 12, AR 17 (1979) 660.180 ? Pedro Arrupe: O nosso modo de proceder, 55, AR 17 (1979) 686.181 ? Pedro Arrupe: O nosso modo de proceder, 56, AR 17 (1979) 687-690.

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ÍNDICE

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ÍNDICE

Introdução.............................................................................................5Abreviaturas...........................................................................................8

Decreto introdutório 1. Unidos com Cristo na missão...........................................................9

A nossa missão 2. Servidores da missão de Cristo......................................................19 3. A nossa missão e a justiça..............................................................33 4. A nossa missão e a cultura.............................................................43 5. A nossa missão e o diálogo inter-religioso.....................................59

Na Igreja 11. O sentido verdadeiro no serviço na Igreja......................................7512. Ecumenismo...................................................................................8713. Colaboração com os leigos na missão............................................9114. Os jesuítas e a situação da mulher na Igreja e na sociedade.......105

Algumas obras da nossa missão e a sua dimensão 15. Comunicação: uma nova cultura..................................................11516. Dimensão intelectual do apostolado do jesuíta............................12117. Os jesuítas e a vida universitária..................................................12718. Educação secundária, primária e popular.....................................13319. O serviço paroquial......................................................................13720. Ecologia (recomendação ao P. Geral)..........................................141

Conclusão

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26. Características do nosso modo de proceder.................................145

ESTE LIVRO

«CONGREGAÇÃO GERAL 34 DA COMPANHIA DE JESUS»

FOI IMPRESSO NA TIPOGRAFIA BARBOSA E XAVIER, EM BRAGA,

NO MÊS DE SETEMBRO DO ANO DA GRAÇA DE 1996,

PARA A CÚRIA PROVINCIAL

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DA PROVÍNCIA PORTUGUESA DA COMPANHIA DE JESUS,

ESTRADA DA TORRE, 26 – 1750 LISBOA (PORTUGAL).

A.M.D.G.

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