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CONFERÊNCIA DE ABERTURA PROFERIDA POR MARIA DAS DORES SARAIVA DE LORETO
FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE: ESTUDOS E INTERVENÇÃO SOCIAL1/
Maria das Dores Saraiva de Loreto2
1. INTRODUÇÃO
Ao abordar a temática “Família na contemporaneidade: Estudos e Intervenção Social” buscou-se,
inicialmente, caracterizar o cenário contemporâneo e suas implicações na família, para, em seguida,
comentar acerca da família como objeto de estudo; e, finalmente, discutir o processo de intervenção social,
fazendo um recorte para uma atuação da autoridade legal, por meio das políticas sociais e seu processo de
gestão.
Além disso, procurou-se inserir a Economia Doméstica no contexto da temática em questão,
salientando seus principais estudos e trabalhos de intervenção com famílias, diante da realidade brasileira.
2. CENÁRIO CONTEMPORÂNEO
Muitas são as denominações utilizadas para designar a contemporaneidade, como: pós-
modernismo, modernidade tardia, sociedade do conhecimento e da informação entre outras. Entretanto,
segundo Harvey (1994), é possível identificar certo consenso para suas transformações, cujas origens estão
pautadas na expansão do capitalismo globalizado, no desenvolvimento científico-tecnológico e no
acirramento das desigualdades sociais. O referido autor ressalta que essas transformações têm suas raízes
na própria modernidade, como um processo marcado pela fragmentação, insegurança, de
desenvolvimento desigual e efêmero no espaço global unificado, em função da saturação de imagens,
“compressão do tempo-espaço”, em meio ao fluxo intenso de informações surgidas tanto pelas inovações
quanto por pseudonecessidades, impostas pela lógica capitalista (HARVEY, 1994: 267).
Segundo Petrini (2005), essas mudanças significativas, tanto no campo da economia, quanto da
política e cultura, com repercussões em todos os aspectos da existência humana e da vida social, assumem,
1/ Palestra apresentada no XX Congresso Brasileiro de Economia Doméstica, VIII Encontro Latino-Americano de
Economia Doméstica, I Encontro Internacional de Economia Doméstica, Fortaleza-CE. 2/ Pós-Doctor em Família e Meio Ambiente, Prof
a Associada do DED, UFV, Viçosa/MG. E-mail: [email protected]
no Brasil, um ritmo intenso, principalmente depois da 2a Guerra Mundial, criando-se um novo cenário
sociocultural, principalmente nos centros urbanos. Trata-se de modificações associadas à atividade
produtiva, organização do trabalho, processos educativos e de comunicação, socialização das novas
gerações; alcançando, inclusive, o universo de valores e critérios, que orientam o comportamento, as
atitudes e a organização da vida cotidiana das famílias.
O referido autor destaca os elementos da crise da modernidade, para caracterizar o cenário da
sociedade contemporânea, à luz da história social e da sociologia, salientando os seguintes aspectos:
implosão do tempo; crise da razão; primazia do individualismo, fragmentação e pluralismo; colonização do
mundo da vida pelo mercado; reorganização do capitalismo globalizado; situação de mutação
antropológica.
2.1. IMPLOSÃO DO TEMPO
O centro da gravidade da cultura foi consolidando a desvalorização do passado, considerado
contrário à razão e à liberdade, e, em seguida, desconstruindo a credibilidade do futuro, pela primazia do
“aqui e agora”, em uma temporalidade dominada pelo precário e pelo efêmero (LIPOVETSKY, 2004); com
repercussões sobre as possibilidades de vida, valorização de modelos consumistas, concentrados no
presente e na satisfação imediata; isto é, incentivo para que cada indivíduo viva mais para si próprio.
2. 2. CRISE DA RAZÃO.
A sociedade moderna entra em crise por uma carência de razão, uma vez que, apesar de contribuir
para o avanço das ciências e da técnica, não é mais capaz de adequar seus produtos às exigências
elementares do ser humano (liberdade, justiça, verdade, felicidade, dentre outras), mas às exigências do
mercado, isto é, do lucro e do poder.
2.3. INDIVIDUALISMO, FRAGMENTAÇÃO E PLURALISMO.
As primazias do presente e das satisfações oferecidas pelo mercado acentuaram o individualismo,
com abandono dos valores tradicionais ou de qualquer sistema que exigisse disciplina, para perseguir um
estilo de vida independente e autônomo. Como visualizado por Sarti (1995), a sociedade atual apresenta-se
como fragmentada e com tendência à individualidade. Ou seja, em todos os níveis de convivência social,
verifica-se a fragmentação, com predomínio de um indivíduo instável de convicções voláteis e
compromissos fluídos.
A cultura contemporânea procura assimilar esses fragmentos contraditórios e heterogêneos,
valorizando os aspectos positivos do pluralismo cultura, ético e religioso (PETRINI, 2005).
2.4. O MERCADO COLONIZA O MUNDO DA VIDA
No contexto sociocultural contemporâneo, o poder de mercado coloniza o mundo da vida, ao
calcular tudo em função da conveniência e da utilidade, em busca da produção do lucro e do poder.
Condiciona, não somente os cidadãos, introduzindo nas relações humanas os critérios e métodos que lhe
são inerentes; mas também os próprios Estados, que têm que adaptar seus objetivos de política econômica
e social ao poder impessoal do mercado.
Siqueira (2006) salienta que, paradoxalmente, o século dos extraordinários avanços tecnológicos e
da expressão acentuada das liberdades individuais convive com elementos de manifestação de
vulnerabilidade humana. O ser humano contemporâneo se tornou peça ínfima e descartável do mercado,
manipulado por grandes conglomerados financeiros, que promovem contínuas desregulamentações das
estruturas e organizações sociais, que buscam no consumismo, dentro da lógica individualista, amenizar
suas angústias e inseguranças. Ou seja, interesses particulares e egoístas, regidos pela ótica do mercado e
pelo intercâmbio de equivalentes, superam os interesses coletivos, desencadeando relações desiguais e
desumanizadas.
2.5. REORGANIZAÇÃO DO CAPITALISMO GLOBALIZADO
A reorganização pela qual vem passando o capitalismo globalizado e multifacetado, envolvendo
crises, incertezas e múltiplos conflitos, tem reflexo na vida social e política. Como discute o historiador Eric
Hobsbawm, apud Glass (2009), nos últimos quarenta anos, a globalização esteve combinada com a
hegemonia de políticas neoliberais, favorecendo um mercado global irrestrito para o capital em busca de
lucros, principalmente no setor financeiro. A tendência de declínio das taxas de lucro e a
desregulamentação do setor financeiro têm induzido aos operadores financeiros a manter os investimentos
especulativos, inseguros e de alto risco, a exemplo dos financiamentos imobiliários subprime nos Estados
Unidos (EUA), epicentro da atual crise mundial. Os dados mostram a forma mais avançada do capitalismo,
resumida no mote "lucrar sem produzir", considerando que o PIB mundial alcançou quase US$ 55 trilhões,
em 2007, enquanto que o volume dos direitos negociados no sistema financeiro mundial chegou a
aproximadamente US$ 600 trilhões (OLVEIRA, 2009). Este fato mostra o deslocamento do capital do setor
produtivo para o financiamento e a globalização financeira, bem como menor dinamismo do setor real.
Essa reorganização leva à reestruturação do modo de produção, com intensificação das inovações e
da competitividade; desorganização do trabalho, com flexibilização do trabalho e do trabalhador,
precarização das relações de trabalho (trabalho temporário, terceirizado e subcontratado), crescimento do
desemprego e do trabalho informal, bem como redução do poder das organizações sindicais; além de
reformulação das funções e responsabilidades do Estado, com redução do seu tamanho e reorientação dos
modos de gestão da política econômica e social, em função da nossa fragilidade e dependência do mercado
global. Ocorre também um agravamento do quadro social, com acentuação das desigualdades e exclusão
social de parcela significativa da população, que possui acesso limitado às condições mínimas de cidadania,
com reflexos na dinâmica e estrutura das unidades familiares (CARVALHO e ALMEIDA, 2003; GOMES e
PEREIRA, 2003).
2.5. UMA MUTAÇÃO ANTROPOLÓGICA
De acordo com Petrini (2003), a mutação antropológica indica a intensidade e a extensão das
mudanças, que alteram os significados atribuídos aos aspectos relevantes da existência pessoal e da
convivência humana.
Na sua visão, as tendências contemporâneas exprimem uma nova organização da vida familiar,
mudando o modo de conceber e viver a sexualidade, a maternidade, a paternidade, a procriação dos filhos
e toda esfera da vida privada. Reduzem-se, cada vez mais, o entrelaçamento entre o amor, sexualidade e
fecundidade, uma vez que as tecnologias contraceptivas e de fecundação artificial, clonagem e
manipulação genética possibilitam viver a sexualidade sem a fecundidade, a sexualidade sem o amor e a
fecundidade sem a sexualidade. Ou seja, cada um desses três elementos se distanciou, percorrendo um
itinerário próprio, em função da revolução sexual, influência dos meios de comunicação social e acesso às
tecnologias modernas; além da decisão individual, inclusive com avaliação dos custos e benefícios.
Como reportado por Carvalho Filho (2000), em seu livro “Marcas de Família, Travessias no Tempo”,
é como a família, instituição transdisciplinar por excelência, sempre em mudança, “carregasse elementos
de positividade (a idéia de refúgio) e negatividade (fábrica de ideologias), numa tensão constante onde está
inserida”. Ou seja, a subjetividade, os valores, as crenças e os costumes mudam, transmudam-se e
desaparecem, à proporção que se alteram as bases que lhe dão sustentação e, em seu lugar, surge um
novo ethos, uma nova forma de viver e sentir o mundo.
Assim, considera-se que todas as mudanças retratadas no cenário contemporâneo atingem as
famílias, uma vez que estas participam dos dinamismos próprios das relações sociais e sofrem as influências
do contexto político, econômico e sociocultural, no tempo e no espaço.
3. A FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE
Robert Castel (2003), em seu livro “As metamorfoses da questão social”, salienta que a situação da
família na sociedade contemporânea adquire características associadas ao contexto social, marcado pelo
desemprego, precarização do trabalho, desigualdades sociais e inadequação dos sistemas de proteção
social, dentre outros.
Assim, as famílias contemporâneas vivem contínuas transformações, tanto em sua estrutura
quanto na dinâmica e em seu funcionamento. Os modelos de comportamento, que regulamentavam, no
contexto da família patriarcal, as relações intergeracionais e de intimidade foram abandonados,
acontecendo o mesmo com o modelo da família nuclear urbana, que não parece mais adequado para os
tempos atuais. Os novos padrões familiares constituem um sistema complexo de relações, com novos
valores de comportamentos e concepções, traduzindo novos significados e diferentes arranjos familiares.
Nesse sentido, as famílias na sociedade contemporânea caracterizam-se por serem plurais e
multifacetadas, integrando diversas configurações, em seu espaço de liberdade, que conjuga a falta de um
passado vinculante a um futuro indeterminado e inseguro, levando a que a família procure viver o
presente, com certa fluidez, por meio de tentativas de acerto/erro. Essa exigência de satisfação no
presente limita o ideal do sacrifício individual para o bem-estar familiar, com possibilidades de que seja
alcançado o ponto de saturação no relacionamento conjugal e a ruptura do vínculo familiar.
Segundo Abeche e Rodrigues (2009), todo esse funcionamento das unidades familiares é reflexo de
uma cultura da instantaneidade, efemeridade, sem história e sem possibilidades de projetos contínuos, que
faz com que a família deixe de ser uma instituição transmissora dos deveres para se transformar em uma
instituição emocional e flexível ao serviço do indivíduo e de sua realização pessoal.
Dal Bello e Silva (2009) corroboram esse pensamento ao afirmarem que as transformações na
sociedade contemporânea têm implicado em mudanças no comportamento das pessoas, favorecendo ao
individualismo, uma vez que desencadeiam novos modos de pensar, sentir e agir, calcados na volatilidade e
efemeridade das ideologias, valores e estilos de vida.
Entretanto, conforme Cynthia Sarti (1996), ao universo cultural dos pobres, não são dadas as
condições para a realização de seus projetos individuais, que têm que buscar sua sobrevivência na lógica de
reciprocidade, de solidariedade dos laços de parentesco e de vizinhança. A autora, em sua pesquisa com
famílias de classes populares, chama a atenção para a especificidade, entre “pobres e trabalhadores”, do
paradigma cultural da família como valor moral, centrado nos princípios da reciprocidade: dar, receber e
retribuir entre a parentela. Ou seja, considera que a percepção do código relacional precede o código
individualista, em torno de um território simbólico, constituído de valor moral.
Por outro lado, segundo Gilberto Velho (1981), essa primazia por um determinado código de
relacionamento estaria na dependência da posição social do indivíduo/grupo; ou seja, caberia tanto às
classes populares quanto às classes altas serem depositárias dos valores mais relacionais. Para os pobres,
como já relatado, pelo fato do valor da família ser instituidor de uma moralidade, estabelecida por um
conjunto de regras de reciprocidade, obrigações e dádivas; enquanto que, para as classes altas, o valor da
família é visto como o princípio instituidor de prestígio e poder. Nesse sentido, o valor do individualismo
prevaleceria nas camadas médias, que percebem as relações familiares e de parentesco como resultado da
vontade ou do interesse do indivíduo.
Essa mesma questão é reafirmada por Machado (2001), quando considera a coexistência na
sociedade brasileira de dois códigos - o relacional e o individualista - sendo que as diferentes modalidades
de articulação e de preeminência de um e de outro variam em função das posições e situações de classe,
nas diferentes temporalidades. Vivencia-se, portanto, na sociedade contemporânea, tanto o
desenvolvimento do individualismo quanto a lógica da solidariedade, diante da perda gradativa da
eficiência do estado na provisão dos mecanismos de proteção social.
Na perspectiva de Donati apud Petrini (2007), o limiar entre estas duas lógicas encontra-se em
estado fluido, sujeito à decisão subjetiva. Assim, um dos desafios da família contemporânea consiste em
como equacionar o ideal da autonomia, percebido como indispensável para a realização individual, com as
exigências da integração e da coesão familiar.
Outras características da família contemporânea, associadas ao universo dos valores, crenças e
critérios do processo decisório, dizem respeito à igualdade entre os sexos, formação de vínculos,
convivência, socialização e construção de identidades.
O valor da igualdade entre os eixos foi absorvido gradativamente no cotidiano da convivência
familiar, permitindo formas mais igualitária de partilha de tarefas e responsabilidades, que contribuem
para a inserção da mulher no mercado laboral. A perspectiva de realização pessoal e profissional da mulher
cria, por sua vez, um espaço de autonomia, com o exercício do trabalho remunerado.
Entretanto, a participação feminina crescente no mercado de trabalho aproximou a mulher de
modelos “vistos como masculinos”, mas alterou muito pouco o envolvimento do homem nas tarefas
domésticas e papéis tradicionalmente femininos, levando à sobrecarga do trabalho feminino, além de
propiciar conflitos constantes, quanto à conciliação da realização pessoal e o cuidado da família.
Na busca do “eu” e da realização profissional, o contato entre os pais e filhos reduz. Esse
distanciamento, pelas próprias exigências do mundo do trabalho, fragiliza a internalização de modelos
identificatórios ou referenciais, ficando a transmissão de valores, direta ou indiretamente, conferida às
escolas e à mídia.
Há, portanto, um “adoecimento do contato”, citada por Adorno (1986), levando a que a relação
social seja mais efêmera e os vínculos mais tênues, principalmente quando o posicionamento individualista
sobrepõe aos vínculos recíprocos de pertença, que constituem um polo de atração na convivência familiar.
Ou seja, no novo contexto sociocultural efêmero, os vínculos familiares podem se tornar mais frágeis,
sendo menos importantes as relações de parentesco vivenciadas no âmbito familiar.
Existe, assim, uma maior facilidade para que o vínculo familiar seja desfeito, quando deixa de ser
fonte de prazer e satisfação, o que pode ser demonstrado pelo aumento do número de separações e
divórcios, da ordem de 44%, no período de 1993 a 2003 (IBGE, 2006). Outros dados que evidenciam a
fragilidade dos vínculos e, consequentemente, uma maior mobilidade das configurações familiares,
gerando novas formas de convívio, são: redução significativa do número de casamentos, aumento do
número de famílias reconstituídas, das uniões de fato, das famílias monoparentais e as chefiadas por
mulheres, das famílias adotivas e homossexuais, entre outras.
O pluralismo ético, cultural e religioso leva a uma multiplicidade de formas de relações entre os
sexos, especialmente ocasionais, além de um enfraquecimento das relações intergeracionais. Pesquisa
nacional do Ministério da Saúde, divulgada por Pinho (2009), revela que os brasileiros estão tendo mais
relacionamentos casuais (relações sexuais com “paqueras, ficantes, etc.”), incorporando a internet como
uma forma de encontrar parceiros sexuais. O percentual de pessoas aumentou de 4,0% para 9,3%, nos anos
de 2003 e 2008, respectivamente, que afirmou ter tido mais de cinco parceiros eventuais no ano. Em torno
de 10% dos entrevistados, entre 15 e 24 anos, conheceram alguém pela internet com quem, no último ano,
praticaram sexo. A pesquisa também aponta que 10% dos homens e 5% das mulheres sexualmente ativas
tiveram relações homossexuais. Vive-se, portanto, uma nova onda de liberação, em que os
relacionamentos, a geração dos filhos e, especialmente, a maternidade, passam a ser vividos como escolha
subjetiva. Ou seja, todo o processo de convivência familiar é condicionado por aspectos subjetivos, mais
instáveis e flutuantes, em decorrência do dinamismo das relações familiares.
Assim, como ressalta Petrini (2007), a família, na sociedade contemporânea, prevalece como uma
realidade privada, isto é, como um grupo social expressivo de afetos, emoções e sentimentos, cujo
significado diz respeito somente àqueles que a integra. Nesse contexto, o processo de socialização e
construção de identidades sofre modificações, porque tanto o sistema de referências pessoais quanto os
vínculos, tornam-se mais frágeis. Entretanto, como salienta Petrini (2003), apesar dessas mudanças, a
família tem sido o lugar fundamental da socialização e da educação das novas gerações, pois transmite não
apenas a vida, mas seu significado, além de um conjunto de valores e critérios orientadores da conduta e
da formação da identidade.
Segundo Zillmer et al. (2009), apesar das crises vivenciadas pelas famílias, desde os tempos mais
antigos até a contemporaneidade, a família tem representado um lugar de cuidados recíprocos e de
relações afetivas para as pessoas que mantêm vínculos de afinidade, amor e respeito, uma vez que é no
sistema familiar que os valores e princípios são consolidados, as emoções são compartilhadas e a nossa
identidade, como ser social, é construída.
Em situações em que a família encontra dificuldades para o atendimento da socialização primária e
cuidado de seus membros abre-se espaço para a intervenção social, tanto preventiva quanto emergencial.
Ou seja, caberia ao Estado regulamentar, sustentar e estimular as intervenções em favor da família, visando
torná-la mais capaz autônoma na gestão de suas necessidades e protagonista de sua existência,
preservando sua identidade e valorizando seus talentos e potencialidades.
4. ESTUDOS SOBRE FAMÍLIA
A família tem sido foco de estudos por pesquisadores de diferentes áreas, constituindo um desafio
às pesquisas das Ciências Humanas e Sociais.
4.1. RUMOS DA PESQUISA
Petrini et al. (2008), no artigo “Desafios ao estudo da família contemporânea”, apresentam os
principais rumos tomados pelos estudos sobre família, em contexto de mudança social, salientando as
seguintes fases:
- A partir dos anos 60, a mentalidade era dominada pelo indivíduo (trabalhador, desempregado,
criança, mulher, adolescente idoso, etc.), como se existisse fora de uma concreta rede de relações
familiares, consideradas como irrelevantes.
- No cenário moderno, surge o indivíduo instável, de convicções voláteis e compromissos fluidos,
em função da cultura do efêmero, que percebe os vínculos familiares como amarras à livre expressão, do
que como recursos essenciais à realização humana. Com a desvalorização do passado e sem esperanças
com respeito ao futuro, restam aos indivíduos das novas gerações satisfações efêmeras e emoções
momentâneas.
- Assim, somente a partir dos anos 80, iniciam-se na Europa e nos Estados Unidos e, em seguida, no
resto do mundo, os estudos sobre a família, quando redescobriram sua importância e funcionalidade para o
bem-estar das pessoas, socialização e educação das novas gerações. Nesse sentido, as pesquisas centraram
na análise das funções da família para o desenvolvimento dos indivíduos nas diversas etapas e
circunstâncias de vida. Tais estudos, por falta de instrumentos adequados de análise, não investigaram a
família como uma relação social plena, isto é, com caráter suprafuncional.
Além disso, com o crescimento da sociedade e menor disponibilidade de tempo dos pais
profissionais, muitas funções, anteriormente das famílias, passaram a ser desenvolvidas por outras
instituições (públicas ou privadas) e, nesse cenário, o pesquisador fica sem seu objeto de estudo; ou
melhor, com uma leitura parcial da realidade familiar, pela pluralidade de aspectos envolvidos e
complexidade do tema.
No Brasil, segundo Petrini (2003), houve um aumento do número de pesquisadores, das mais
diversas disciplinas científicas, que investigam o tema família, como, por exemplo, sob o ponto de vista
jurídico, pelos aspectos contratuais do matrimônio e suas relações; sob o ponto de vista psicológico, para
análise das interferências das relações familiares na constituição e no desenvolvimento psíquico de seus
membros; na abordagem pedagógica, como fonte de educação nas diversas etapas dos ciclos de vida; na
perspectiva da sociologia, examinando os processos de socialização e os reflexos dos condicionantes sociais
na realidade familiar; além de muitas outras disciplinas, como: antropologia, arquitetura, política,
economia, sexologia, etc.
Entretanto, na percepção de Donati (2008), apesar dessa variedade de estudos, as diversas
disciplinas não conseguem dar conta da totalidade de fatores que interferem nessa temática; tendo-se,
portanto, uma leitura redutiva da família. Alguns estudos apresentam limitações metodológicas, outros
partem para pesquisas empíricas, de nível local ou regional, sem buscar uma teoria da família que supere a
fragmentação atual. Mesmo a pesquisa interdisciplinar, que tenta superar essas limitações, tem um longo
caminho a percorrer, considerando o ritmo intenso das mudanças sociais e culturais, que interferem na
organização e na convivência familiar, dando origem a novas situações e aspectos para os quais faltam
categorias analíticas adequadas que apreendam a realidade familiar.
De acordo com Machado (2001), existem duas linhagens dominantes nos estudos de família no
Brasil: uma que enfatiza a estrutura e a organização, enfocando sua diversidade de mudanças; enquanto a
outra focaliza a família como valor que ocupa em uma dada sociedade ou segmento social.
4.2. TEMAS RELEVANTES DE PESQUISA
Petrini et al. (2008), ao discutirem acerca a família como objeto de investigação, ressaltaram os
seguintes temas relevantes de pesquisa em família:
4.2.1 O Casal como assunto de Pesquisa.
Nos anos 80, o casal foi um dos temas mais relevantes para o incremento das pesquisas,
principalmente pela elevação das taxas de separações e divórcios e suas implicações na saúde mental e
física dos cônjuges e dos filhos, incluindo a depressão, dificuldades de conduta, baixo desempenho
acadêmico e outros problemas de saúde (GOTTMAN, 1998).
As questões específicas de investigação estavam associadas à análise das variáveis determinantes
da estabilidade marital e eventual felicidade do casal, bem como ao que é disfuncional em casamentos
fragilizados ou em lares desarmoniosos.
No Brasil, pesquisas feitas por Feres-Carneiro, apud Petrini et al. (2008), tratam do recasamento e
suas implicações, incorporação de novos membros de relações afetivas prévias, bem como expectativas
quanto aos papéis de marido e mulher, comparativamente ao primeiro casamento.
4.2.2 Apreender a Vida Familiar
Os estudos sobre a vida familiar residem em apreender o seu significado, considerando a
pluralidade de situações vivenciadas pela família.
Na perspectiva do contexto histórico-cultural familiar, a atenção dos historiadores se dirige para a
análise da tensão entre as constrições institucionais e históricas sob as quais os indivíduos/ famílias agem,
bem como para o conjunto de recursos pessoais, culturais e sociais que as unidades familiares fazem uso
para decidir como adaptar-se ou resistir às referidas constrições; além de analisar o conjunto de interações
resultantes das decisões e escolhas das famílias.
Mais recentemente, grupos de pesquisadores apontam para a relevância de estudos do “propium”
da família e suas redes, por meio da observação e análise do cotidiano familiar. Pressupõem que o
surgimento de novos estilos de vida e de novos arranjos familiares mostra que a sociedade contemporânea
passa por um processo de rediferenciação e de redefinição da família com respeito a outras relações,
principalmente quanto às redes de íntimos. As famílias, no seu cotidiano, redefinem seus limites,
distinguindo-se de outras relações, por suas características específicas e por comportar um vínculo entre os
sexos e entre gerações (PETRINI, et. al., 2009)
4.2.3 Abordagem Relacional para o Estudo da Família
Na visão de Petrini et al. (2008), a mutação antropológica repercute nas mudanças familiares,
exigindo mais rigor dos estudos sobre família em contexto de mudança social, buscando captar suas
dimensões relacionais e simbólicas.
Para essa nova perspectiva de estudo, o sociólogo Donati (2008), em seu livro “Família no Século
XXI: abordagem relacional” propõe tanto para o estudo de famílias quanto da intervenção social, a
abordagem relacional, que já se revelou adequada à investigação de diferentes subsistemas da sociedade
complexa e mutante, como é o caso da contemporânea. Na sua visão, a análise relacional não centra nos
indivíduos, nos mecanismos, nas instituições e nas estruturas, mas nas relações sociais, que são feitas de
referenciais simbólicos e de vínculos estruturais, estabelecidos entre sujeitos humanos, ao interagir nas
diversas circunstâncias da vida. Considera a relação social, na sua contingência e variabilidade, isto é, em
sua capacidade de estabelecer vínculos, construí-los ou dissolvê-los, implicando na ação de um em relação
a outro, para realizar algum tipo de intercâmbio, para cooperar ou para conflitar-se. Discute a família como
entrelaçamento de público e privado, como relação de mediação social; identificando, na plena
reciprocidade entre gêneros e entre gerações, o fator caracterizante das relações familiares.
De acordo com Petrini et al. (2008), a perspectiva relacional é um modo de reconhecer a família nas
suas características e nos seus fatores constitutivos; de refletir sobre os aspectos invisíveis, mas reais, da
convivência social, que induzem à cooperação entre sexos e entre gerações ou ao conflito e até violências.
Consideram que a abordagem relacional abre uma nova perspectiva de estudo, por sua natureza teórica e
utilidade operativa para planejar e realizar intervenções no cenário familiar quer no nível micro ou macro
de análise.
Os supracitados autores salientam que pesquisadores latino-americanos já fizeram uso dessa
abordagem em questões que vão desde a preocupação com a superação do assistencialismo até a
valorização das relações familiares, como fonte de bem estar e de rede de solidariedade; desde a
percepção da família como recurso para o indivíduo e para a sociedade até sua relevância na constituição
de ambientes de solidariedade, no contexto da sociedade contemporânea; que, em muitos casos, tem
exigido a intervenção social.
4.3. ESTUDOS DE FAMÍLIA, NA PERSPECTIVA DA ECONOMIA DOMÉSTICA.
Sem pretender esgotar o assunto, o objetivo foi de fornecer indicações sobre os estudos, na
perspectiva da Economia Doméstica, a partir da leitura e análise do conteúdo dos resumos das dissertações
do Programa de Pós-graduação em Economia Doméstica (PPGED), da Universidade Federal de Viçosa/MG
(UFV), no período de 1995 a 2008, em sua linha de pesquisa “Estudo da Família e Economia de Consumo
Familiar”, que abrange estudos relacionados à construção de gênero e reprodução social, envolvendo as
relações intra e interfamiliares, bem como a interdependência da família com seu ambiente cultural,
político e econômico; visando, inclusive, analisar as relações da família/indivíduo com o mercado e seu
comportamento enquanto unidade consumidora de bens e serviços.
A análise de conteúdo evidenciou que as produções da linha de pesquisa “Estudo da Família”
integram configurações plurais de temas e questões de pesquisa, pautadas em diversos marcos teóricos e
metodológicos; embora tenha prevalecido a temática referente à construção social de gênero e análise da
imagem corporal, em diversas esferas (crianças/adolescentes, mulheres, homens) e âmbitos de atuação
(doméstico, educacional, setor de confecções, militar e de serviços), na perspectiva da teórica das
representações sociais e das relações de gênero.
Outros temas relevantes também pesquisados pela Economia Doméstica são: papéis ou
posicionamentos dos membros da família (trabalho feminino, trabalho doméstico, idoso, paternidade em
situações de conflito e enfermidade, dentre outros); organização e relações familiares, em situação de
estresse, de separações e divórcio, em situações de sobrevivência, com membros portadores de
necessidades especiais ou dependentes de cuidados, maternidade tardia, dentre outros.
Enfim, constituem estudos, predominantemente qualitativos, com diferentes olhares acerca dos
problemas da vida cotidiana, tanto na perspectiva pessoal quanto familiar.
5. INTERVENÇÃO SOCIAL
O desenvolvimento do ser humano é um processo contínuo, derivado das interações entre
indivíduos/famílias e seu ambiente; visando a integração individual ou a formação de identidade (ser- eu –
mesmo, no sentido existencial), bem como a integração social, mediante inserção em contextos
determinados e inter-relacionados (lar, escola, comunidade, etc.), com permanência do sentimento de
identidade ao longo do ciclo vital (AROLA, 2000).
Naquelas situações em que um determinado contexto não contribui para a socialização e
construção/manutenção de identidades, ou o faz de forma insatisfatória, pode ocorrer à intervenção social.
Segundo Arola (2002), o termo “intervenção” pode significar tomar parte, estar presente, assistir ou
interposição da autoridade. Nesse sentido, a intervenção pode ser entendida, conforme Furtado e Vale
(2009), como “uma ação que se interpõe a um processo espontâneo de algum grupo social”, podendo
implicar em duas estratégias de atuação: atuação com base no modelo assistencialista e a intervenção com
base no modelo construtivo e emancipador, que favorece o desenvolvimento do ser humano, ajudando-o a
desenvolver seus pontos fortes, em vez de centrar-se em suas debilidades.
Pressupõe-se que a intervenção implica em transformação da realidade, quando parte da realidade
do indivíduo/família, com seus diferentes arranjos, universos culturais, valores e estratégias de
sobrevivência; enfim, das suas histórias de vida e significações, mediante práticas construtivas e
emancipadoras, que resultem em autonomia e empoderamento.
Reconhece-se que, para que a intervenção seja contextualizada e integrada, é necessária a busca da
autonomia com respeito, por meio da preservação dos valores e da identidade, o que exige um
conhecimento ou uma leitura dos fenômenos da questão social, que condicionam o processo de
emancipação do ser humano.
5.1. FENÔMENOS DA QUESTÃO SOCIAL
A eficácia e a eficiência do processo de intervenção social estão diretamente associadas ao que
queremos alcançar no enfrentamento dos fenômenos da questão social. É nesse debate que as categorias
analíticas pobreza, desigualdade social, exclusão social, vulnerabilidade social e risco social, fenômenos
dinâmicos e simultâneos, que olham a justiça social sob diferentes perspectivas, se apresentam mostrando
os desafios das políticas sociais.
Como argumenta Jaccoud apud Sales et al. (2009:15):
“as políticas sociais orientam-se, desde seus primórdios, não apenas para evitar as
situações de pobreza, mas, também, para promover a segurança social em face de
vulnerabilidade da situação assalariada, promover igualdade máxima – sob a qual se
organizam as democracias modernas – e ampliar as oportunidades.”
Reconhece-se, que a dimensão sócio-econômica das questões sociais é bastante contundente,
embora a dimensão política seja também muito relevante, tendo como expressão, não somente as
interferências do estilo de desenvolvimento, mas também a precariedade da participação popular em
processos de decisão política, que possibilitam a sua autodeterminação enquanto sujeitos (CUNHA, 2004).
Assim, considera-se importante compreender e refletir sobre as diferentes questões sociais presentes no
universo familiar, para que as intervenções sociais sejam contextualizadas e integradas.
5.1.1. Pobreza
A compreensão da pobreza varia no tempo e no espaço, porque suas causas e efeitos têm caráter
multidimensional e complexo, envolvendo aspectos materiais e não materiais. Em sua concepção restrita é
vista como a falta de acesso do indivíduo/família aos recursos financeiros, incapacitando-o para manter um
nível de vida aceitável e ter acesso a serviços e direitos estabelecidos para o alcance da cidadania. Esse
estado de privação material ou de insuficiência de renda apresenta-se como elemento justificador da
função social do estado, muito embora “ser pobre” envolve outros aspectos não materiais e menos
tangíveis ligados às atitudes, aos valores e conceitos, ou mesmo, à negação ou à ausência de possibilidades
de projetos de vida.
De acordo com Carneiro e Costa (2003), quando se adota uma concepção mais ampliada de
pobreza, considerando uma multiplicidade de dimensões, que se sobrepõem na produção, manutenção e
transmissão intergeracional desse fenômeno, maiores serão as possibilidades das alternativas de
intervenção. Ou seja, uma estratégia consistente de combate à pobreza deve considerar não apenas suas
dimensões materiais, mas as diversas maneiras como os diversos vetores de destituição se relacionam e se
interpenetram, em diferentes situações e contextos. Exemplificando: escolaridade da mãe, inserção
precária no trabalho, gênero e monoparentalidade são dimensões que se sobrepõem, favorecendo o ciclo
de reprodução da pobreza.
5.1.2. Desigualdade Social
A desigualdade social, diferentemente da pobreza (medida absoluta), é uma medida relativa, que
trata das alocações dos recursos entre diferentes classes sociais; remetendo, assim, à análise das diferenças
sociais. Historicamente, tem sido dimensionada por aspectos materiais, muito embora Fraser (2002) chama
atenção para um outro tipo de injustiça social, de natureza cultural/simbólica, que seria a desigualdade de
reconhecimento e desrespeito.
Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA, apud SCOLOSE, 2008)
mostra, no caso brasileiro, uma persistência de fortes desigualdades de renda, haja vista a manutenção
num patamar elevado do coeficiente de Gini (da ordem de 0,505, no primeiro trimestre de 2008), associado
às condições da velha e nova pobreza, esta última fruto do modelo de ajuste estrutural adotado pelas
políticas econômicas, em face à globalização da economia.O estudo aponta que a distribuição de renda no
Brasil só vai melhorar em 2016, quando o índice ficasse abaixo de 0,453.
Segundo Pinho e Vasconcellos (2003), comparativamente com outros países, o Brasil disputa a
liderança da pior distribuição de renda do mundo com a República Centro-Africana, África do Sul, Colômbia,
Guatemala, Chile e Zimbábue. Nos países desenvolvidos, em média, os 20% mais ricos detêm uma renda,
que é de 8 a 10 vezes superior àquela dos 20% mais pobres, enquanto que, no Brasil, a diferença entre a
média salarial dos mais pobres e dos mais ricos é, hoje, equivalente a 23,5 vezes. Assim, percebe-se que
muito tem de ser feito para uma distribuição mais eqüitativa da renda, principalmente no que diz respeito
3O índice de Gini varia de 0,0 a 1,0, sendo que, quanto mais próximo de 1,0, maior será a concentração de renda.
ao aumento do nível de escolaridade, qualificação da mão de obra, redução do desemprego e menor
precarização dos postos de trabalho.
5.1.3. Exclusão Social
Segundo Leal (2004), o termo exclusão social se difundiu a partir da década de 1980, sendo possível
identificarmos, em linhas gerais, três conjuntos de significados sobre esse tema, combináveis entre si, que
são:
- na acepção integracionista, a exclusão social é vista como um processo de rupturas sucessivas de
laços sociais, que caracterizam situações de precariedade e vulnerabilidade social, que podem pode chegar
à ruptura total, com potencial fonte de ameaças de violência contra os segmentos mais vulneráveis, como
crianças e mulheres. De acordo com alguns autores, como Zaluar (1997), a razão para tal situação deriva-se
de uma crise da organização da sociedade, que vai desde uma mudança de valores até uma alteração nos
próprios fundamentos dessa organização, gerando os apartados, vistos como não semelhantes por grande
parte dos incluídos.
- na visão da contradição, pensa-se a exclusão social como inserção precária no mundo do trabalho,
e, ou, consumo, em decorrência do funcionamento da organização social. É um processo que envolve o
homem e suas relações com os outros, uma vez que compreendem uma configuração de dimensões
materiais, políticas, relacionais e subjetivas. Nesse sentido, a exclusão resultaria da dinâmica e das
contradições do capitalismo que, com suas políticas neoliberais, busca o que é mais conveniente e
necessário para a reprodução do capital e para o funcionamento da ordem política, em favor da classe
dominante (MARTINS, 1997).
- do ponto de vista dos direitos, a exclusão social é vista como não cidadania. Soares (2009)
comenta que a cidadania ou a qualidade de ser cidadão possui características próprias que se diferenciam
conforme o tempo, o lugar e, sobretudo, conforme as condições socioeconômicas existentes. Na sua visão,
no contexto social terceiro-mundistas, a cidadania jamais pode ser pensada fora de uma totalidade, que
envolve as questões da autonomia, da democracia e do desenvolvimento, que se relacionando entre si
define a cidadania. Assim, a visão da exclusão social como não cidadania não concorre com as concepções
anteriores, sendo mais bem um complemento de cada uma delas. Diz respeito, como comenta Sposati
(2009), à forma de distribuição de acessos e a um mínimo de bem-estar econômico e sociocultural, com
direito à liberdade individual e à participação política, levando-se em conta quatro aspectos fundamentais:
autonomia, qualidade de vida, desenvolvimento humano e equidade.
De acordo com Carneiro e Costa (2003), a exclusão é produto da sociedade contemporânea, pós-
industrial e globalizada, que potencializa situações de risco e vulnerabilidade. Enfim, consiste na
incapacidade de se ter acessos aos mecanismos de desenvolvimento pessoal, inserção sócio-comunitária e
sistemas de proteção.
5.1.4. Riscos e Vulnerabilidades Sociais
Segundo Filgueiras (2004), constituem “riscos” os eventos ou as situações que prejudicam o bem-
estar, relacionando-se às desagregações na sociedade e ameaças à fratura social, que exigem proteção
social especial. Gerir riscos sociais implicaria em programar ações em duas direções: a primeira consistiria
em prevenir ou reduzir vulnerabilidades, isto é, a maior sensibilidade e exposição dos indivíduos/famílias a
certos riscos; por outro lado, a segunda direção no manejo dos riscos envolveria a redução do risco em si
mesmo.
A abordagem analítica da vulnerabilidade social nos estudos sociais data dos últimos anos, quando
houve maior reflexão sobre a limitação dos estudos de pobreza, considerando que os mesmos não davam
conta de explicar as complexas raízes desse fenômeno.
Como sustenta Adorno (2001), ser vulnerável é diferente de ser carente. O termo carente expressa
o lugar ou status que é dado à pessoa na sociedade, como se aderisse ou fizesse parte de sua identidade;
enquanto que o termo vulnerabilidade está associado à capacidade de respostas diante das situações de
risco ou perdas, relacionadas tanto com os choques externos (não previsíveis) quanto com os elementos
estressores (pressões contínuas, acumulativas e previsíveis).
Um dos consensos sobre o conceito de vulnerabilidade social é de que o mesmo apresenta um
caráter multifacetado, abrangendo várias dimensões, como ressalta Busso, apud Salej et al. (2009), do tipo:
“habitat” (condições habitacionais e riscos ambientais); de capital humano (escolaridade, alfabetização,
saúde, experiências de trabalho, etc.); econômica (trabalho e renda); proteção social (seguro, sistema de
aposentadoria, etc.); capital social (participação, associativismo, redes de apoio). Mas, a questão básica da
vulnerabilidade é a debilidade ou a força dos ativos que os indivíduos dispõem para enfrentar os riscos
existentes no ambiente circundante, que implicam em perdas do bem-estar (DE LEON, 2006).
Segundo Birkmann e Wisner (2006), existem várias extensões do conceito vulnerabilidade, em
função da escala, do tema, do foco disciplinar e do propósito da definição. Inicia-se com a definição de que
a vulnerabilidade é uma característica intrínseca do sistema, significando suscetibilidade. Posteriormente,
segundo os autores, a definição de vulnerabilidade foi ampliada para uma abordagem dualística, em
termos de suscetibilidade e capacidade para lidar; e, em seguida, para uma múltipla estrutura, que envolve
suscetibilidade, capacidade de lidar, exposição e capacidade adaptativa; e, finalmente, para uma
vulnerabilidade multidimensional, incorporando todas as dimensões, em termos das características físicas,
sociais, econômicas, ambientais e institucionais.
5.1.4.1. A Proteção Social Brasileira para Situações de Riscos e Vulnerabilidades
De acordo com a diversidade e complexidade de situações, estabelecidas pela Política Nacional de
Assistência Social (PNAS, 2004), na perspectiva do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e das Normas
de Operação Básica do SUAS (NOB/SUAS, 2005), existem dois níveis de proteção, sob a hierarquia de Básica
(PSB) e Especial (PSE) e, ainda, por níveis de complexidade, em termos de: Proteção Social Especial de
Média Complexidade e Proteção Social Especial de Alta Complexidade.
Esse Sistemas de Proteção Social, Básico, Média Complexidade e Alta complexidade, trabalham em
seus territórios de forma interligada (FIG. 01), operando através da Rede Socioassistencial, que são os
serviços, programas e projetos, além dos benefícios ou transferências monetárias, como é caso do
Beneficio Prestação Continuada (BPC), o Programa Bolsa Família (BBF), bem como outros benefícios
eventuais definidos na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS, 1983).
24
ALTA
ALTA
COMPLEXIDADE
COMPLEXIDADE
MMÉÉDIA
DIA
COMPLEXIDADE
COMPLEXIDADE
abrigosabrigos alberguesalbergues
Casas de PassagemCasas de Passagem
Cuidado no Cuidado no domicdomicííliolio
LiberdadeLiberdadeassistidaassistida Plantão SocialPlantão Social
OrientaOrientaçção e apoioão e apoioSSóóciocio--familiarfamiliar
Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS)
Centrais de Acolhimento
Centros de Referênciada Assistência Social
(CRAS)
Território 1
AAçções de ões de socializasocializaççãoão
Unidades de GeraUnidades de Geraçção de Rendaão de Renda
CRASTerritório 3CRAS
Território 2
AAçções de Transferência de ões de Transferência de rendarenda
BBÁÁSICO
SICO
SUASSUAS
Fonte: Brasil (2005).
Figura 01- Formas de Proteção Social para atendimento às Famílias em Situação de Riscos e
Vulnerabilidades Sociais
O modelo socioassistencial, de responsabilidade do Estado e com centralidade na família, visa
atender cidadãos e grupos em situações de vulnerabilidade e riscos para assegurar cinco tipos de
segurança: de acolhida, de renda, de convívio, de autonomia, além de apoio e auxílio de caráter transitório,
quando sob riscos circunstanciais.
No caso da Proteção Básica, as ações são de caráter preventivo, tendo por objetivo prevenir
situações de risco, por meio do desenvolvimento de potencialidades e fortalecimento dos laços familiares e
comunitários; destinando-se às pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social decorrente de:
pobreza, privação ou ausência de renda, acesso precário ou nulo aos serviços públicos, vínculos afetivo-
relacionais e de pertencimento social fragilizado e situações de discriminação (RIBEIRO, 2009).
A Proteção Social Básica opera por meio do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), do
Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF), rede e serviços socioeducativos e de convivência,
benefícios de transferência de renda (BPC, PBF) e eventuais, além de projetos de enfrentamento à pobreza.
Por outro lado, a Proteção Social Especial é hierarquizada em média e alta complexidade, em
função da situação vivenciada por famílias e indivíduos (Quadro 01), em decorrência de risco pessoal e
social ou violações de direitos, por ocorrência de abandono, violência física ou psicológica, abuso ou
exploração sexual, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, trabalho infantil, dentre
outros; além da situação de contingência, por deficiência ou processo de envelhecimento.
Quadro 01 – Situação das Famílias e dos Indivíduos em Proteção Social Especial de Média e Alta
Complexidade, segundo especialização exigida na Intervenção Social.
Famílias e Indivíduos em Situação de:
Média Complexidade Alta Complexidade
• Inseridos no núcleo familiar. • Risco, com atendimento fora do núcleo
familiar.
• De contingência. • Abandono, sem referência familiar.
• Com direitos violados. • Afastados do convívio com o núcleo
familiar.
Fonte: Ribeiro (2009).
De acordo com Ribeiro (2009), o pólo de referência da Proteção Social Especial – Média
Complexidade é o Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), cujos principais
procedimentos são: busca ativa para identificar situações de riscos e violação de direitos; acolhida;
diagnóstico da situação, a partir da escuta da família; plano de atendimento; acompanhamento
psicossocial, com ações de orientação, proteção e juridicossociais; além da articulação intersetorial com os
demais serviços da rede socioassistencial.
Segundo a supracitada autora, no caso da Proteção Especial de Alta Complexidade, que oferece
atendimento a indivíduos afastados do convívio familiar, os serviços de acolhimento são: Abrigo
Institucional, para pequenos grupos, como crianças/adolescentes e mulheres vitimadas, mulheres com
crianças, etc.; Casa-lar, com cuidador, para crianças/adolescentes, idosos e adultos com deficiência; Casa
de Passagem, para pessoas em situações de rua, abandono, risco ou violação de direitos, entre outros;
Família Acolhedora, para acolhimento de indivíduos em situação de abandono ou risco pessoal/social;
República, para proteção, apoio e condições de moradia subsidiada a jovens, adultos e idosos com
deficiência; Albergue, para adultos, idosos e pessoas com deficiência, migrantes e refugiados, em situação
de rua ou abandono; Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), para acolhimento de pessoas
idosas.
Enfim, de acordo com a realidade vivenciada pelo grupo familiar, estão previstos mecanismos de
atendimento, em função da sua capacidade de respostas diante das situações de risco ou perdas, que
direcionam os pressupostos e princípios da Intervenção Social.
5.1.5. Pressupostos e Princípios da Intervenção Social
No atual contexto da sociedade contemporânea e das políticas sociais, entendidas como ações e
intervenções que um sistema social (público, privado ou misto) planeja e adota para o enfrentamento das
questões sociais e melhoria do bem-estar dos indivíduos/famílias, é preciso ter clareza sobre os
pressupostos e princípios, que embasam as intervenções sociais, que, segundo Furtado e Vale (2009), são:
Especificidade e Diversidade Familiar, Inclusão Social e Intersetorialidade, Território e Territorialização;
Diagnóstico; Comunidade e Participação; Redes de Serviços e Redes Sociais.
- Especificidade e Diversidade Familiar
Segundo Carvalho e Almeida (2003), mesmo diante das crises perpassadas, a família é apontada
como elemento-chave no intercâmbio simbólico entre gêneros e gerações; como instância mediadora entre
o indivíduo e a sociedade; como mediação entre cultura e natureza, na transmissão do capital cultural e
econômico; e como organização responsável pela existência cotidiana de seus integrantes. Ou seja, tem
ocorrido uma valorização da família, como ponto de partida de práticas sociais, para a melhoria da
qualidade vida e humanização das intervenções sociais.
Existe um consenso, em níveis nacionais e internacionais, de se optar pela abordagem familiar,
considerando a família como parceira e geradora de soluções, enfatizando suas redes sociais e
desenvolvendo uma melhor integração entre as famílias e os serviços públicos, as agências não
governamentais e iniciativas do setor informal (SERAPIONI, 2005).
Mas, como ressalta Brasil apud Furtado e Vale (2009), nesse trabalho social com famílias, deve-se
partir do reconhecimento da pluralidade de arranjos familiares presentes na sociedade contemporânea;
dos fenômenos sócio-históricos com os quais interage; da organização do seu cotidiano; das relações de
geração, gênero, autoridade e afeto; dos valores, representações e práticas de cuidado e socialização de
seus membros; bem como da convivência e participação na comunidade. Ou seja, devem-se respeitar as
diversidades, especificidades e características socioculturais das famílias e seus territórios.
- Inclusão Social e Intersetorialidade
Uma das condições para que as intervenções junto às famílias contribuam para a inclusão social
seria por meio da perspectiva da intersetorialidade. Como discutem Carneiro e Costa (2003), intervenções
setorializadas e residuais são ineficazes no rompimento dos mecanismos de reprodução da pobreza,
gerando uma situação de dependência constante em relação à provisão pública, com impacto negativo do
ponto de vista de uma política emancipadora, por sua insustentabilidade tanto social quanto fiscal.
É importante ressaltar que a abordagem da intersetorialidade se expressa, não somente na cultura
organizacional como também nos mecanismos de alocação dos recursos. Enfim, é necessário superar a
especialização e a verticalidade, trabalhando a partir de redes de atores, em torno de problemáticas,
valores e objetivos comuns.
- Território e Territorialização
Considerando que cada família habita um território, com o qual mantém relações tanto geográficas
quanto simbólicas, considera-se que as intervenções devem se pautar em uma delimitação territorial.
O território é um espaço vivo em permanente construção, que comporta diferentes comunidades,
contextualizadas em razão de identidades comuns, sejam elas culturais, sociais, políticas, dentre outras. Por
outro lado, territorialização consiste na definição de territórios vivos, com suas margens de
responsabilização, possibilitando modos de integração e a orientação da proteção social, para aquelas
áreas mais precárias e segregadas, que se configuram como territórios de exclusão socioespacial.
- Comunidades e Participação
O processo de intervenção parte do pressuposto que as famílias vivem em permanente interação
com as comunidades, com as quais estabelecem vínculos de pertencimento e identidade. Por tal razão, é
importante estabelecer um vínculo de confiança com a comunidade, para que haja uma maior participação
e, assim, uma valorização do protagonismo familiar. Como comenta Barreto (2005), somente conhecendo a
história da família e a comunidade será possível construir uma teia de relações e participações, com
possibilidades de controle social.
- Diagnóstico
O diagnóstico, o planejamento, a execução e a avaliação são momentos não lineares do processo
de intervenção. O termo diagnóstico vem do grego “diagnosis”, significando percepção verdadeira (sempre
provisória), que permite, por meio de uma “escuta ativa”, conhecer a população e sua comunidade.
Existem diferentes modalidades para realizar o diagnóstico, desde aquele socioeconômico feito com cada
família até o diagnóstico comunitário participativo, como por exemplo, o DRP (Diagnóstico Rápido
Participativo) ou a cartografia territorial; o importante é saber ouvir, tentar criar um vínculo de empatia,
por meio da valorização do saber e ser da família, do reconhecimento de suas dificuldades, mas confiando
no seu poder como agente transformador (FURTADO e VALE, 2008).
- Redes de Serviços e Redes Sociais
Considerando os problemas sociais da sociedade contemporânea, bem como as suas demandas,
em termos de não fragmentação, articulação, construção, flexibilidade, singularidade, agilidade e, em
especial, inovação, ressalta-se o trabalho em rede, visto como um procedimento de intervenção social
inovador, porque pressupõe ações articuladas, construídas coletivamente por diferentes atores sociais.
Segundo Carneiro e Costa (2003), o trabalho em redes é a maneira mais eficiente de viabilizar a
flexibilização dos programas e projetos às diferentes situações e contextos concretos de pobreza e exclusão
social, porque possibilita a mobilização e articulação dos recursos e serviços necessários à proteção dos
segmentos vulneráveis ou em situação de risco.
Furtado e Vale (2009) discutem a esse respeito, ressaltando que, na perspectiva de
intersetorialidade e territorialização, todos os recursos e serviços são dispostos nas redes socioassistenciais,
que representam um conjunto integrado de ações (públicas e da sociedade), que ofertam e operam
benefícios, serviços, programas e projetos para a provisão da proteção social, que precisam estar
interligados. Além disso, como ressalta Portugal (2009), as redes sociais das famílias, tanto de íntimos
quanto de troca e interação, precisam ser ativadas, uma vez que estas permitem um melhor uso e
potencialização dos recursos, além de fortalecer a participação das famílias e comunidades.
As referidas autoras concluem que, no processo de intervenção, a rede social é construída por meio
do conhecimento das famílias e seus contextos (comunidade e território), suas aspirações, seus problemas
e suas expectativas, bem como por meio do convívio (viver com, estar em sintonia, saber perceber e
entender), respeitando e validando crenças, saberes e o querer da família e da comunidade. É um processo
capaz de oportunizar a ajuda mútua, a co-construção, ou seja, uma vivência de cooperação entre
indivíduos, famílias e comunidade, para o enfrentamento dos limites e desafios da intervenção social.
5.1.6. Desafios e Limites da Intervenção Social
Toda a diversidade do cenário contemporâneo, plural e fragmentado, além de precário em termos
sociais, refletindo em uma configuração familiar plural e em movimento (incerta), leva a que a intervenção
social enfrente desafios e limites, que podem ser expressos em: Reconhecimento e acolhimento das
especificidades familiares; Atenção às dimensões não tangíveis da pobreza; Superação da dicotomia
compensatória e redistributivo; Recursos e financiamento condizente com os modelos da política social;
Forma de gestão da proteção social, na perspectiva da intersetorialidade e em redes; além da conexão
necessária entre desenvolvimento econômico e social.
Diante da necessidade de recorte do objeto de análise, optou-se por refletir sobre o processo de
intervenção mais vinculado à assistência social, visando examinar os principais desafios e constrangimentos
de ação governamental para o enfrentamento das questões sociais.
- Reconhecimento e Acolhimento das Famílias
A família ganhou um lugar de centralidade, como unidade de análise e de intervenção na gestão
social, por ser considerada como fundamento básico e universal da sociedade e como espaço primeiro da
socialização dos indivíduos, o que representa um desafio no processo de intervenção social, por sua
natureza heterogênea e efêmera, com uma variedade de formas e arranjos.
Segundo Pereira et al. (2009), a partir dos anos de 1960, surgem os novos modelos familiares,
denominados por famílias contemporâneas, representadas por dois indivíduos que, em busca de relações
íntimas ou realização sexual, se unem, ao longo de uma duração relativa. Com a valorização da
individualidade e debilitação da autoridade, as relações familiares se tornam cada vez mais complexas,
como também mais problemáticas, à medida que o número de divórcios, separações e recomposições
conjugais se incrementa.
O permanente processo de mudança e transformação das famílias, em resposta à complexidade e
instabilidade do cenário histórico, econômico e sócio-cultural, faz com que estas tenham que ser
reconhecidas e acolhidas, no processo de intervenção social, em sua singularidade sócio-histórica e
particular, como uma configuração, que possui uma composição subjetiva e instável, cujos relacionamentos
são construídos, negociados e repensados continuamente; entretanto, não como uma configuração
desestruturada, mas reinventada, como expressão da “política da vida”, isto é, dos “estilos de vida”
(FRIDMAN, apud PEREIRA et al., 2009).
Pesquisa realizada por Fracoli e Zoboli (2004), a respeito do acolhimento das famílias, ao nível do
Programa Saúde da Família (PSF), mostra que o acolhimento, quase sempre, não tem se constituído em um
instrumento para autonomizar o usuário, uma vez que se resume em uma escuta clínica e focalizada na
queixa, gerando uma intervenção pontual, pouco resolutiva e não construtora de vínculos. Além disso,
constata-se que o acolhimento apresenta dificuldades no estabelecimento de escutas ampliadas, porque os
problemas aflorados não podem ser totalmente resolvidos no âmbito do PSF; reconhecendo-se a
necessidade de que seja incorporada às práticas do Programa uma articulação intersetorial, em resposta às
mudanças do contexto social e cultural.
Assim, em uma situação de mudanças e reestruturações, qualquer intervenção ou trabalho social
com famílias deve procurar perceber em que sentido sua configuração e dinâmica de organização
possibilitam práticas cotidianas de socialização, de reconhecimento e de cuidado com os filhos e espaço
doméstico; visando, ao mesmo tempo, respeitar a individualidade e identidade familiar, enaltecer suas
possibilidades, reconhecer suas estratégias de sobrevivência e, sobretudo, valorizar seus talentos.
- Atenção à Situação de Pobreza em suas Múltiplas Dimensões
A persistência das situações de pobreza e de indigência no Brasil ainda é expressiva. Segundo
Jaccoud (2006), um em cada dez brasileiros pode ser considerado indigente e três de cada nove estão
abaixo da linha de pobreza. Reconhece-se que esses valores seriam bem maiores, se não fossem as
políticas e os programas de transferência de renda monetária à população, como é o caso da Bolsa Família
e do Benefício de Prestação Continuada, dentre outros, da previdência e assistência social.
Entretanto, cabe destacar que a busca por melhores condições de vida para as famílias mais pobres
ultrapassa o escopo das ações de alocação direta de renda; sendo necessário, como enfatiza Cardoso
(2004), melhorar a auto-estima, contribuir para uma maior capacidade de comunicação e aumento da
confiança nos próprios saberes e em suas condições de aprendizagem.
Carneiro e Costa (2003) abordam essa questão, recomendando que os programas de combate à
pobreza tenham ações de intervenção sobre as condições não tangíveis da pobreza, visando identificar
experiências, iniciativas, idéias e capacidades existentes, bem como potencializar “ativos” ainda não
aproveitados, que contribuem para a melhoria da autoestima, das expectativas, da autonomia dos grupos
vulneráveis e para a construção de relações sociais mais cooperativas e solidárias, com criação e
consolidação do capital social.
- Superação da Dicotomia Compensatória e Redistributiva
Anete Brito Leal Ivo (2004), em sua discussão sobre os dilemas da redistribuição no tratamento
focalizado da política social brasileira, explicita as fragilidades e os efeitos desse modelo na segmentação da
exclusão. Considera que a perspectiva focalizada abandona a dimensão da universalidade inclusiva e faz a
opção pela gestão estratégica da pobreza, por meio de um tratamento compensatório dos seus efeitos (o
controle parcial e mitigador da miséria); institucionalizando-se, assim, à margem do campo da proteção
social.
Sen (2000) discute a esse respeito, ressaltando que não é possível combater a pobreza com
políticas focalizadas no componente compensatório, isto é, com apenas transferência de renda,
desconsiderando as capacidades humanas, entendidas como base das liberdades, para o acesso, uso e
exercício dos direitos civis, sociais e políticos. Para tanto, na perspectiva do autor, é necessário conciliar
oportunidades econômicas com oportunidades sociais, que são as disposições que a sociedade estabelece
nas áreas de educação, saúde etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo ter uma vida
melhor.
Carneiro e Costa (2003) ressaltam que essa dicotomia está condicionada à cultura assistencialista
ou tuteladora; que, como afirma Yasbec (2007), não favorece a emancipação ou o protagonismo dos
usuários das políticas sociais, ao privilegiar o caráter compensatório do suprimento imediato de carências
materiais mais extremas. Os referidos autores recomendam intervenções de diferentes naturezas,
combinando iniciativas de diversos setores, que sejam, ao mesmo tempo, compensatória, redistributivas,
emergenciais e estratégicas, por meio de: prevenção ou redução do risco da entrada em uma situação de
exclusão; promoção da saída ou da transmissão de uma situação de exclusão para inclusiva; proteção
diante de determinados eventos, para que a situação de transição não se deteriore, tornando-se mais
consolidada de exclusão; propulsão no percurso da saída da exclusão, permitindo que as trajetórias
estejam direcionadas para um estado de inclusão.
Considera-se, nesse contexto, que o dilema entre a redistribuição da riqueza e o tratamento
compensatório, por meio de programas mitigadores, setorializados e focalizados da pobreza, constituem
um desafio no processo de intervenção social, porque está condicionado à tese da eficiência dos gastos
sociais, isto é, às condições das políticas econômicas e seus planos de estabilização.
- Dotação de Recursos para Rede de Proteção Social
A formulação constitucional que determinou o tripé da Seguridade Social Brasileira, integrado pelas
Políticas de Assistência Social, Saúde e Previdência Social, apesar dos seus avanços no campo da Proteção
Social, ainda apresenta limitações, principalmente quanto à dotação de recursos, para a estruturação de
toda rede de proteção e promoção social.
Segundo Ananias (2009), o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), criado
em fevereiro de 2004, para prestar atendimento à população pobre, com atuação em todos os 5.563
municípios e o Distrito Federal, atendendo em torno de 68 milhões de pessoas (37% da população
brasileira), necessita de recursos que aprimore os mecanismos de gestão social. Ou seja, necessita-se de
recursos, tanto materiais quanto humanos, para que se tenha um público-alvo bem definido; bem como
para que sejam aprimorados mecanismos de fiscalização, controle, monitoramento e avaliação; que, por
sua vez, gerariam indicadores confiáveis e coerentes com a realidade nacional.
- Gestão da Proteção Social: Intersetorialidade e Trabalho em Redes
Evidências empíricas revelam que, de maneira quase generalizada, existe uma preferência da
gestão social por ações pontuais, setorializadas e pouco abrangentes, que atendem a um público
relativamente específico, não considerando a superposição das diferentes situações de vulnerabilidade e
riscos sociais.
Esse caráter sobreposto das vulnerabilidades e riscos sociais demanda ações amplas e integradas,
que possam contemplar a multidimensionalidade do fenômeno da exclusão social. Ou seja, para enfrentar
fenômenos multicausais, por meio da articulação de ações focadas no desenvolvimento integral das
pessoas, em diversos âmbitos, é necessário um pool de medidas diferenciadas, o que acaba por exigir a
execução de ações, na perspectiva da intersetorialidade, que busca superar a desarticulação entre as
diversas políticas.
Entretanto, a utilização da intersetorialidade representa um desafio, uma vez que envolve uma
nova institucionalidade na gestão das políticas sociais, isto é, toda uma mudança na cultura e estrutura
organizacional, bem como no mecanismo da destinação dos recursos.
As redes, tanto de serviços como sociais, disponíveis no território, devem ser identificadas, no
momento do diagnóstico, para verificar a perspectiva de uma complementaridade e fortalecimento das
ações, em um determinado setor ou segmento a ser atendido.
- Conexão entre Desenvolvimento Econômico e Social
Outra limitação e, ao mesmo tempo, um desafio importante da intervenção social no combate à
pobreza, em suas múltiplas dimensões, diz respeito à necessidade de inverter a posição subalterna das
políticas sociais em relação às políticas econômicas, criando-se incentivos para a criação de empregos e
incremento da capacidade produtiva dos setores mais pobres (CARNEIRO e COSTA, 2003).
Na opinião de Mercadante (2002), a pobreza é resultante de um padrão de organização da
produção e de acumulação de capital, de caráter dependente e excludente, cuja dinâmica deriva-se de uma
estrutura social polarizada, marcada pela concentração da renda e da riqueza em mãos de uma minoria
privilegiada, que multiplica os processos de exclusão social. Nesse sentido, para reverter essa situação é
preciso reduzir a dependência e a vulnerabilidade externa do país, incentivando os investimentos em infra-
estrutura e produção interna. Outro elemento fundamental é que não basta crescer, é essencial mudar o
padrão de crescimento, tomando como eixo fundamental, nas prioridades da política econômica, a inclusão
social, isto é, o atendimento das necessidades básicas da população pobre, bem como a extensão a todos
do direito do trabalho e à proteção social.
Esse posicionamento é compartilhado por Tavares (2002), ao afirmar que a prioridade social tem
que ser a essência do desenvolvimento econômico, caso se objetive incluir 56 milhões de subcidadãos, que
sobrevivem em condições de extrema precariedade; preservar o direito ao trabalho e à seguridade social a
milhões de assalariados, pequenos e médios produtores rurais e urbanos; além de universalizar os serviços
sociais básicos. Entretanto, como ressalta a autora, a transformação do social no eixo do desenvolvimento
implica, não somente, revalorizar os aspectos sociais, mas conceber programas integrados de
investimentos, que sejam vetores do crescimento, da distribuição de renda e do emprego.
5.1.7. O processo de Intervenção Social na Perspectiva da Economia Doméstica
Dentro da concepção, defendida por Engberg (1993), de que a Economia Doméstica é a única
profissão e campo de estudo que é centrado no dia a dia das famílias e no desenvolvimento de
conhecimentos e habilidades, que podem dar suporte ao funcionamento das mesmas, considero que o
processo de intervenção social, na perspectiva da Economia Doméstica, nos remete à análise do cotidiano,
quando é possível conhecer quais e de que forma os diversos problemas atingem os indivíduos/famílias no
seu dia a dia, bem como as mesmas resistem ou se adaptam.
Segundo Zandella (2003), nos estudos e pesquisas com o cotidiano, o ponto de partida é a “prática
humana”, em um determinado espaço-tempo; considerando que esta não é algo isolado, individual,
fragmentado e totalmente objetivo. Ou seja, a prática humana é complexa, possuindo uma tríplice
dimensão: Práticas Produtivas, associadas ao trabalho e à sua capacidade de prover meios de existência
material dos homens; Práticas Sociais, que se constroem a partir das relações estabelecidas entre os
homens, caracterizadas por um determinado coeficiente de poder; Prática Simbolizadora, que representa a
dimensão subjetiva das relações produtivas e sociais, simbolizadas em níveis de representação e de
apreciação valorativa, visando à significação e legitimação da realidade socioeconômica vivenciada pelos
indivíduos/famílias.
A pesquisa no cotidiano envolve sujeitos em interação. O outro é um participante da pesquisa e
não apenas um informante. Sendo assim, reflete-se sobre os discursos e falas, que devem ser confrontados,
negociados e transformados, isto é, não somente aceitos ou mimetizados. Por tal razão,
metodologicamente recomenda-se a triangulação, no âmbito da pesquisa qualitativa, para se ter um
conhecimento mais estreitamento associado às experiências do dia a dia, que pode ser apreendido por
meio de observações, registro e reflexões sobre fatos acontecidos e vividos, relatos de experiência,
histórias orais de vida.
Assim, compreender o cotidiano da família implica um movimento de ir e vir, abrindo possibilidades
de “entre lugares”, em função dos híbridos contextos e articuladas redes de significações. O cotidiano da
família envolve uma complexa rede de interações, onde se estabelecem intercâmbios e interações e onde
está presente diversos saberes, aptidões, valores, atitudes e comportamentos, cada componente com sua
própria característica de vida, linguagem e imaginários; enfim, sistemas específicos de produção e formas
híbridas de gestão de símbolos.
Souza (2003), ao discutir as fronteiras do cotidiano de famílias, em situações de vulnerabilidade,
comenta sobre a “cultura da sobrevivência”, sugerindo que esta deveria substituir a tão comentada
“cultura da pobreza”, que está associada à falta, à carência e à negatividade; ignorando-se que a pobreza é
uma condição histórica, social e política. Assim, em sua discussão sobre a cultura da sobrevivência, destaca:
“Traz a idéia de ação, de intervenção, da criatividade, de coragem, de cooperação e
solidariedade, de enfrentamento de situações impulsionadoras da existência humana,
para produzir a continuidade da vida”... A cultura da subsistência parece-me produzir
uma outra idéia e percepção de tempo, espaço, relações, saberes, desejos,
imaginários, dentro de uma existência plena de mobilidade, de continuadas mutações
e pelas incertezas do futuro. (SOUZA, 2003, p. 253-254)
Nesse contexto, trabalhar o cotidiano das famílias vulneráveis socialmente, na cultura de
sobrevivência, implica em aprender o que são e o que sabem, quais são suas redes de relações e suas
experiências de solidariedade e de reciprocidade, visando possibilitar-lhes novos conhecimentos de si
mesmas, de suas existências sociais e culturais, bem como das práticas que se encontram envolvidas, para
abrir possibilidades de desenvolvimento e transformação.
Outro aspecto importante, destacado por Engberg (1993), é que os problemas que os
indivíduos/famílias enfrentam em sua vida diária, não são somente técnicos (“como fazer”), envolvem,
também, problemas de interpretação, de reflexão, de comunicação e de negociação. Isto implica que o
Economista Doméstico, em seu trabalho de intervenção, deveria, em primeiro lugar, reconhecer as
diferentes e dinâmicas formas assumidas pelas unidades familiares; incorporando o paradigma contextual
da observação da situação e do reconhecimento e conceituação dos problemas, valorizando o contexto
local, as relações entre os membros familiares, bem como mapeando suas redes sociais.
Esse trabalho com as famílias, na perspectiva de redes sociais, envolve, segundo Giongo (2001), três
categorias articuladas entre si, que são: relação, solidariedade e autonomia. Falar de Relação implica
considerar sempre mais de um elemento, ou seja, os membros familiares ligados entre si, vinculados a
outros grupos significativos. A realização de intercâmbios entre os indivíduos/famílias e outros sistemas
significativos de suas redes sociais, por sua vez, está associadas à Solidariedade, que significa ver no outro a
possibilidade de ser, de congregar e ser mais, por meio da reciprocidade ou da troca contínua de favores,
ou seja, da ajuda mútua.
Além disso, espera-se que o trabalho com a família, numa perspectiva de rede, siga um percurso
para a autonomia, quando existiria liberdade para que as pessoas refletissem sobre seus próprios projetos
de vida, com vistas ao desenvolvimento ou empoderamento, palavra derivada do termo em inglês
empowerment, que se refere à expansão da liberdade, de escolhas e ações para modificar sua própria vida,
o que implica em desenvolvimento de potencialidades, valorização dos talentos, aumento de informações,
aprimoramento e participação, mobilização e controle dos recursos, enfim, estado de inclusão social.
Essa orientação prático-reflexiva, por meio da integração do conhecimento, convivência e a busca
de ações, visando identificar soluções para o empoderamento, exigem que o Economista Doméstico seja
capaz de proporcionar uma orientação e uma estrutura (em termos de conhecimento e ação) para que os
indivíduos/família possam desenvolver autonomia e senso crítico em suas ações; encorajando-os a que
façam escolhas reflexivas para sua autodeterminação, após examinarem normas, ideologias e alternativas;
como também trabalhar para que possam enfrentar situações novas, por meio de uma clara visualização de
seus recursos, valorização dos seus saberes e uma tomada de consciência dos avanços, que podem obter
através da participação ativa na organização social.
Considera-se que esse processo de intervenção do Economista Doméstico junto às famílias, na
perspectiva da análise do cotidiano, por meio do conhecimento tanto do contexto ou cenário de inserção
quanto das atividades cotidianas, envolve examinar como se dá a integração dos indivíduos com a vida
familiar e com os ambientes circundantes, com vistas ao alcance do bem estar social, ou seja, da melhoria
da qualidade de vida, por meio da construção de uma cidadania individual e coletiva (FIG. 02). Ou seja,
como os indivíduos, com suas crenças e valores, sua personalidade, interesses, capacidades, sentimentos e
habilidades, se interagem com o ambiente e com a vida familiar, considerando suas necessidades
prioritárias, a quantidade e o tipo de recursos disponíveis, o processo de interação e de tomada de decisões
entre os membros familiares, o ciclo de vida da unidade familiar e suas redes sociais.
Além disso, como comenta Vaines (1993), essa compreensão crítica e interpretativa da vida
cotidiana familiar deve integrar três sistemas de ação: técnica ou instrumental; comunicação intra e
interfamiliar, em sua contextual idade; além de emancipação, para uma maior autonomia do
indivíduo/família, concentrando-se em seus pontos fortes e suas potencialidades.
Figura 02 – Abordagem da Economia Doméstica numa Perspectiva do Cotidiano.
Considera-se, portanto, que a análise do cotidiano envolve uma conjugação da teoria e prática, por
meio da pesquisa-ação, que busca a transformação da realidade, por meio das seguintes estratégias de
intervenção: Contextualização e problematização do Território, Vivência e reflexão da realidade cotidiana,
Planejamento das ações na perspectiva das Redes, Monitoramento, Avaliação das ações e Replanejamento.
- Contextualização e Problematização do Território
A contextualização e problematização do território a ser trabalhado (cenários e pessoas), por meio
de observações e leituras do contexto e das regras institucionais, envolvem um trabalho de sensibilização,
mobilização e de acolhimento das pessoas envolvidas, através da construção não só de espaços de
informação, mas também de escuta e de participação da população, visando identificar as diferentes visões
sobre o trabalho a ser desenvolvido é, ao mesmo tempo, a construção de sujeitos ativos.
Segundo Sampaio (2003:24), essa leitura e interpretação da realidade, complexa, múltipla e
mutante, é uma construção sócio-histórica, que visa articular leitura teórica com a prática cotidiana. Assim,
a articulação prática-teoria-prática é um processo vivido dialogicamente, em seus aspectos de objetividade
e com as diversas subjetividades em interação (pais, crianças/adolescentes, idosos, lideranças
comunitárias, dentre outras), uma vez que envolve um processo de confronto com as diferentes leituras do
real, entendido como uma situação em movimento e mudança.
- Vivência e Reflexão sobre a Realidade Cotidiana
A vivência e reflexão sobre a realidade cotidiana, por meio de uma equipe interdisciplinar,
permitem uma troca de saberes, a vivência de novas experiências e um maior contato com novos valores e
formas de pensar e agir; enfim, observar e vivenciar o processo de integração da família com seus próprios
membros e com suas redes sociais, visando prover suas necessidades básicas. A convivência com o grupo
familiar possibilita estabelecer um clima de confiança entre as partes, o que torna mais eficiente o processo
de intervenção, uma vez que existe a participação e o envolvimento dos indivíduos/famílias em torno de
um projeto/ação específico.
- Planejamento das Ações na Perspectiva das Redes
Após a fase de contextualização e da vivência, segue o processo de negociação e convergência das
diferentes percepções e interesses, objetivando chegar a um consenso ou acordo sobre o Planejamento das
Ações de Intervenção, essenciais à resolução dos problemas, por meio de alianças público-privadas.
Segundo Ghezan et al. (2005), essa diversidade de relações ou de acordos podem se concretizar por
meio de redes de proximidade, mercantis e de cooperação, via projetos múltiplos. Essa criação de sinergias,
através da interação com atores heterogêneos, a aprendizagem e acumulação de conhecimentos são vistos
como os principais aspectos do processo de inovação em redes.
Como afirma Rodrigues (2005:1), ter consciência do trabalho em rede “é um passo em direção à
cidadania inquieta, à possibilidade de escolha entre contribuir mais ativamente para o desenvolvimento da
comunidade ou não, entre ter um comportamento responsável ou irresponsável diante da coletividade e da
perspectiva das diversas sustentabilidades”.
- Monitoramento, Avaliação das ações e Replanejamento.
O monitoramento ou acompanhamento das famílias possibilita verificar “in loco” a situação das
ações planejadas e, ao mesmo tempo, sua avaliação. A avaliação das ações implica tanto na verificação das
mudanças nas situações vigentes, em função dos objetivos discutidos e negociados, quanto do acesso ao
conhecimento da equipe e do público envolvido. Compreende um meio de problematizar e melhorar
sistematicamente a prática, para reorientá-la, a partir da compreensão de seus contextos e condicionantes,
replanejando nova ações.
6. À GUISA DE CONCLUSÕES
Ao refletir sobre as características do contexto contemporâneo e suas implicações na família, bem
como os estudos e tipos de intervenção junto às unidades familiares, pode-se concluir que o cenário da
sociedade contemporânea é plural, híbrido, miscigenado e complexo, com reflexos sobre a configuração e
organização familiar, cuja dinâmica se constrói das relações cotidianas, a partir da sua história e das
negociações entre seus membros e com o ambiente de inserção, que afetam a construção da identidade
individual e a reprodução de uma identidade social. Assim, a família é, ao mesmo tempo, um lugar de
construção de vida e constituição de identidade, bem como um cenário de vida social, subjetiva e instável,
em resposta às condições históricas, econômicas e sócio-culturais.
Essas características refletem diretamente nas pesquisas sobre família, preferencialmente de
natureza qualitativa, por ela atuar como protagonista; como também no processo de intervenção social,
visto como pontual, individualizado, setorializado, pouco abrangente e compensatório, que possui uma
leitura fragmentada e reduzida de família, não considera as multidimensionalidades da pobreza e as
superposições das diferentes situações de vulnerabilidades e riscos sociais; institucionalizando-se à
margem do campo da proteção social, por meio de ações atomizadas, que não têm como base de
referência a unidade familiar para o desenho das políticas e programas sociais.
Nesse sentido, a atuação do Economista Doméstico é mais do que adequada por trabalhar, na
perspectiva do e com o cotidiano, as situações impulsionadas da existência humana e continuidade da vida,
dentro de um contexto de mutações e incertezas.
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