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ISSN 1982 - 0283 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO Ano XXIII - Boletim 8 - MAIO 2013

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ISSN 1982 - 0283

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO

NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO

Ano XXIII - Boletim 8 - MAIO 2013

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CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO

SUMÁRIO

Apresentação .......................................................................................................................... 3

Rosa Helena Mendonça

Introdução .............................................................................................................................. 4

Claudia de Oliveira Fernandes

Texto 1 - Avaliação da aprendizagem não é medida. Reprovação não garante qualidade ..... 10

Claudia de Oliveira Fernandes

Texto 2 - Quando a avaliação precisa dar certo: os desafios da não reprovação ...................20

Andréa Rosana Fetzner

Texto 3: Avaliação na escola em ciclos ..................................................................................24

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

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ApresentAção

ConCepções e prátiCAs de AvAliAção no CiClo de AlfAbetizAção

1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).

A publicação Salto para o Futuro comple-

menta as edições televisivas do programa

de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este

aspecto não significa, no entanto, uma sim-

ples dependência entre as duas versões. Ao

contrário, os leitores e os telespectadores

– professores e gestores da Educação Bási-

ca, em sua maioria, além de estudantes de

cursos de formação de professores, de Fa-

culdades de Pedagogia e de diferentes licen-

ciaturas – poderão perceber que existe uma

interlocução entre textos e programas, pre-

servadas as especificidades dessas formas

distintas de apresentar e debater temáticas

variadas no campo da educação. Na página

eletrônica do programa, encontrarão ainda

outras funcionalidades que compõem uma

rede de conhecimentos e significados que se

efetiva nos diversos usos desses recursos nas

escolas e nas instituições de formação. Os

textos que integram cada edição temática,

além de constituírem material de pesquisa e

estudo para professores, servem também de

base para a produção dos programas.

A edição 8 de 2013 traz como tema Concep-

ções e práticas de avaliação no ciclo de al-

fabetização e conta com a consultoria de

Claudia de Oliveira Fernandes, professora da

Escola de Educação e do Programa de Pós-

graduação em Educação da Universidade

Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO.

Os textos que integram essa publicação são:

1. Avaliação da aprendizagem não é me-

dida. Reprovação não garante quali-

dade

2. Quando a avaliação precisa dar certo:

os desafios da não reprovação

3. Avaliação na escola em ciclos

Boa Leitura!

Rosa Helena Mendonça1

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Debater avaliação e alfabetização impli-

ca, inicialmente, pensar no papel social da

educação. Alfabetizar e avaliar estão estrei-

tamente implicados com a visão de mundo

que cada um de nós tem. Essa maneira de

ver o mundo, que está imbricada na ação

do/a professor/a, traz para nossas práticas

reflexos de nossa cultura, de nossas vivên-

cias, que ainda estão muito impregnadas

pela lógica da classificação e da seleção, no

que tange à avaliação escolar. Para que va-

mos à escola? Por que aprendemos isso ou

aquilo? Por que avaliamos isso e não aquilo?

O pano de fundo do debate é, em primeira e

última instância, que projeto de sociedade

nós temos? De que educação nós estamos

falando? De que escola nós estamos falan-

do? De que professor/a estamos falando?

Essas questões são centrais para um debate

em relação à avaliação.

Pois bem, posto dessa forma, iniciaremos

conversando acerca da função que a avalia-

ção pode ter no processo das aprendizagens

realizadas pelas crianças. Depois disso, cui-

daremos, então, de procurar entender sobre

como essa avaliação pode ser praticada no

cotidiano do ciclo de alfabetização de forma

a ser coerente com sua função.

É importante, também, pontuar que a ava-

liação deve ser compreendida como mais

um ingrediente dos processos de aprendiza-

gem e não como uma etapa final de um per-

curso. Avaliar é parte integrante do ensinar

e do aprender.

Alguns princípios estão intimamente rela-

cionados. Para que se possa ter autonomia,

postura tão necessária de ser construída por

uma criança em processo de alfabetização, é

preciso ter espírito crítico. Como fazer isso

com crianças de 6 a 8 anos? Uma prática

cotidiana de autoavaliação possibilita sobre-

maneira tal construção. Há experiências in-

teressantes acontecendo nas escolas.

É necessário, ainda, problematizar e debater

1 Professora da Escola de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO. Consultora da edição temática.

ConCepções e prátiCAs de AvAliAção no CiClo de AlfAbetizAção INTRODUÇÃO

Claudia de Oliveira Fernandes1

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acerca do Ciclo de Alfabetização. Conceitos

amplos como alfabetização e ciclo precisam

ser mais bem detalhados.

Os ciclos não são um método de ensino,

nem tampouco um sistema de ensino. Os ci-

clos dizem respeito à forma de distribuição/

organização/partição dos anos que os alu-

nos passam na escola. Podemos organizar

esse tempo dividindo ano a ano (séries/orga-

nização seriada), como podemos organizar/

dividir esse tempo de dois em dois anos, três

em três anos, quatro em quatro anos (ciclos/

organização em ciclos). Entretanto, tal dis-

tribuição diferenciada (por ciclos) traz impli-

cações profundas não só na forma de ava-

liar, como também na forma de se organizar

o conhecimento escolar ao longo do tempo,

na relação professor-aluno, nas relações fa-

mília/escola, na cultura escolar.

A construção dos ciclos data das décadas de

1960/1970 no Brasil e tem um crescimento

nos anos 1980 nas séries iniciais do Ensino

Fundamental (os Ciclos Básicos de Alfabeti-

zação), tendo se ampliado para as demais sé-

ries ao longo dos anos 1990. Essa construção

histórica foi tecida por educadores especia-

listas, professores que participaram de con-

gressos, fóruns e não somente por técnicos

de secretarias de educação. A forma como

a experiência aconteceu em cada região do

país foi diferenciada e fez parte da constru-

ção histórica e das condições de produção

de cada comunidade educativa.

Ainda em 1983, na rede estadual de São Pau-

lo, instituiu-se o Ciclo Básico de Alfabetiza-

ção para todas as escolas, com o objetivo de

reorganizar gradativamente a escola pública

de 1° grau, tendo como marca principal al-

terar o sistema de seriação: as duas séries

iniciais foram transformadas em um ciclo de

dois anos e o aluno não poderia ser repro-

vado no primeiro ano de escolarização. Em

Minas Gerais, o Ciclo Básico de Alfabetiza-

ção foi implantado em toda a rede estadual

a partir de 1985 em caráter experimental e

em 1990 tomou caráter oficial. No Rio de Ja-

neiro, implantou-se nas escolas públicas de

1º grau, ainda ao final da década de 1970 e

início dos anos 1980, o Bloco Único, dois pri-

meiros anos da alfabetização como um úni-

co ciclo e sem reprovação. Santa Catarina

teve experiência semelhante também ainda

na década de 1980. No Paraná, o Ciclo Básico

foi implantado em 1988-1989, e em 1990 atin-

giu todas as escolas estaduais.

No Estado do Rio de Janeiro, em mapeamen-

to realizado em 2007 e em 2011, mais de 50%

dos municípios já possuíam ciclos de alfa-

betização antes da recomendação do CNE e

das Diretrizes Curriculares Nacionais (FER-

NANDES, 2012).

O histórico da implantação dos ciclos bá-

sicos de alfabetização no país nos permite

compreender a recomendação existente nas

Novas Diretrizes Curriculares Nacionais so-

bre a adoção do Ciclo de Alfabetização para

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os três primeiros anos do Ensino Fundamen-

tal em todas as escolas, a partir da imple-

mentação do Ensino Fundamental de nove

anos no país.

[...] mesmo quando o sistema de ensino

ou a escola fizerem opção pelo regime

seriado, será necessário considerar os

três anos iniciais do ensino fundamental

como um bloco pedagógico ou um ciclo

sequencial não passível de interrupção,

voltado para ampliar a todos os alunos

as oportunidades de sistematização

e aprofundamento das aprendizagens

básicas. Pesquisas já detectaram que a

repetência durante esse período escolar

não garante a alfabetização e pode pre-

judicar o rendimento escolar da criança

no ensino fundamental como um todo

e, particularmente, na passagem do pri-

meiro para o segundo ano de escolarida-

de e deste para o terceiro2.

Por fim, a questão que se coloca polêmica

em relação à avaliação no Ciclo de Alfabeti-

zação é a não reprovação ao longo do ciclo.

Tal ação é recomendada em diversos docu-

mentos oficiais e não oficiais (PARECER CNE/

CEB nº 200.208; LDB nº 9.394/96; MEC, 2007;

Diretrizes Curriculares Nacionais).

A estreita relação entre ciclos e não reprova-

ção existe, uma vez que a implantação dos

ciclos acaba, em princípio, com a reprova-

ção, na medida em que um ciclo pressupõe

a ruptura com a ideia de uma programação

ou planejamento de atividades curriculares

anuais, sob a qual todos os estudantes deve-

riam “dar conta” ao final de um único ano e

de forma mais ou menos homogênea. Prin-

cípios como o da diferença, da heterogenei-

dade, da autonomia, dos diferentes tempos

e ritmos de aprendizagem, do trabalho em

equipe, do conhecimento construído e parti-

lhado e da verdade provisória sustentam te-

oricamente essa nova lógica de se pensar e

organizar a escola. Tal lógica pressupõe, por-

tanto, um alargamento desse tempo anual,

levando em consideração as diferenças de

ritmo dos estudantes e, da mesma forma,

perseguindo ou não um ponto de chegada

comum àquela geração escolar.

A adoção de um regime de promoção conti-

nuada dos alunos no ciclo, sem reprovação,

traz mudanças profundas para a dinâmica,

a organização escolar e as relações que fa-

zem parte da cultura escolar, posto que a

nossa escola vive a “cultura da repetência”,

como se a reprovação fosse a redentora dos

problemas que não foram resolvidos ao lon-

go de um ano letivo acerca dos processos

de ensinar e aprender. A reprovação passa

a ser, em nossa escola, uma estratégia pe-

dagógica tão poderosa de solução para as

não aprendizagens, que outras possibilida-

2 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16166>

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des ficam ofuscadas e sem legitimidade nos

projetos e planejamentos escolares. A ava-

liação no meio escolar é um processo que

envolve muito mais do que somente apro-

vação ou reprovação. Não se avalia apenas

para aprovar ou reprovar os alunos. A ado-

ção de um ciclo e a conseqüente promoção

dos alunos dentro dele traz, como princípio,

a ideia de que todos os alunos são capazes

de aprender e que os processos de aprender

não devem ser interrompidos ano a ano, da

mesma forma que uma criança não é repro-

vada pelo simples fato de não ter aprendido

a andar aos 12 meses de idade. Portanto, a

promoção continuada mantém uma coerên-

cia com os princípios teóricos dos ciclos, em

especial, dos ciclos de alfabetização.

Um equívoco importante de ser desvelado é

o entendimento comum de que se os alunos

não serão aprovados ou reprovados, então,

não serão avaliados. Confundir avaliação

com medida e com uma concepção classi-

ficatória faz parte mesmo do senso comum.

Mas, afinal para que avaliamos os alunos

que têm direito constitucional de frequen-

tar o Ensino Fundamental e de se alfabeti-

zarem?

TEXTOS DA EDIÇÃO TEMÁTICA CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NO

CICLO DE ALFABETIZAÇÃO3

Avaliação no ciclo de alfabetização: concepção, instrumentos, procedimentos e registros. O papel

social da escola; a questão da qualidade na educação; a autoavaliação favorecendo os princípios da

autonomia, da criticidade, da criatividade e da autoria; o ciclo na perspectiva de garantia de promo-

ção continuada, considerando diferentes tempos e formas de aprendizagem.

TEXTO 1: AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NÃO É MEDIDA. REPROVAÇÃO

NÃO GARANTE QUALIDADE

O primeiro texto da edição temática destaca que “Avaliar é um processo que acontece ao longo

de todo o percurso de aprendizagem dos estudantes. Sem avaliar não há construção de conhe-

cimentos, não há aprendizagens. A prova é apenas uma atividade que pode e deve ser utilizada

nesse processo”. A autora ressalta, ainda, que: “Falar da avaliação da aprendizagem implica,

2 Os textos desta publicação eletrônica são referenciais para o desenvolvimento dos assuntos abordados na edição temática Concepções e práticas de avaliação no ciclo de alfabetização, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola nos dias 27 e 29 de maio de 2013.

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em primeiro lugar, entender que o professor avalia a aprendizagem do aluno e não o aluno.

Isso é um ponto de partida importante para se entender que a avaliação faz parte do processo

de ensinar e aprender.”

TEXTO 2: QUANDO A AVALIAÇÃO PRECISA DAR CERTO: OS DESAFIOS DA

NÃO REPROVAÇÃO

O segundo texto da edição temática discute o conceito de avaliação no âmbito escolar, dirigin-

do o debate mais especificamente para os três primeiros anos do Ensino Fundamental, a partir

das orientações sobre a organização do Ensino Fundamental neste período da escolaridade,

indicadas pelas Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental de Nove Anos.

TEXTO 3: AVALIAÇÃO NA ESCOLA EM CICLOS

O terceiro texto da edição temática comenta aspectos relevantes do trabalho escolar desenvol-

vido por meio de ciclos, como a importância de projetos interventivos, o papel da progressão

continuada em escolas não seriadas, a avaliação formativa, entre outros. A autora destaca que

esses são temas obrigatórios em disciplinas e atividades dos cursos de licenciatura, incluído

o de Pedagogia e questiona: “Estarão os cursos de formação de educadores preparados para

enfrentar as atuais necessidades das escolas de educação básica?”

2 Os textos desta publicação eletrônica são referenciais para o desenvolvimento dos assuntos abordados na edição temática Concepções e práticas de avaliação no ciclo de alfabetização, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola nos dias 27 e 29 de maio de 2013.

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texto 1

AvAliAção dA AprendizAgem não é medidA. reprovAção não gArAnte QuAlidAde

Claudia de Oliveira Fernandes2

Quando se pensa em avaliação em educa-

ção, pensa-se logo em provas. Acontece que

avaliação é algo muito mais amplo do que

fazer, aplicar, corrigir provas e atribuir no-

tas ou conceitos. Avaliar é um processo que

acontece ao longo de todo o percurso de

aprendizagem dos estudantes. Sem avaliar

não há construção de conhecimentos, não

há aprendizagens. A prova é apenas uma

atividade que pode e deve ser utilizada nes-

se processo. O processo de avaliar envolve

fazer um diagnóstico de uma situação, seja

ela a aprendizagem de um aluno, o desen-

volvimento de um projeto, a saúde de um

paciente; envolve, ainda, estabelecer formas

de atuar para melhorar a situação, no que

for necessário e, depois de diagnosticada

essa situação, tomar decisões a partir da

ação implementada.

Pense em sua vida cotidiana: para que você

aprenda com as coisas da vida, você preci-

sa analisar, refletir, mudar percursos, tomar

decisões, ir em frente, voltar atrás... Não é

assim? Pois bem, isso é avaliação. Ela está

presente cotidianamente em nossas vidas.

Na maioria das vezes, não nos damos conta

dela, mas desde a hora em que acordamos

até a hora em que dormimos avaliamos si-

tuações, desde as mais corriqueiras até as

mais sérias: em casa, no trabalho, na escola

etc.

Em situações formais de aprendizagem, ou

seja, na escola, no trabalho, os processos

de avaliação precisam ser planejados, or-

ganizados, formalizados a partir de planos

e instrumentos. Os instrumentos de avalia-

ção, ou prefiro chamá-los de atividades de

avaliação, são as provas, os testes, os tra-

balhos, os relatórios. Essas atividades não

podem e não devem ser confundidas com a

própria avaliação. Por exemplo, quando um

professor diz – “Hoje vamos fazer uma ava-

liação!” – essa fala tem um grande equívoco:

avaliação é um processo que envolve muitas

etapas. A fala adequada seria: “Hoje vamos

fazer uma prova!” Entretanto, na maioria

1 Professora da Escola de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO. Consultora da edição temática.

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das vezes, a realização da prova ainda é en-

tendida como a avaliação.

Avaliação em educação envolve três níveis

que se inter-relacionam: (1) um nível micro,

ou seja, da sala de aula, pois pode referir-se

à avaliação da aprendizagem dos estudan-

tes ou à avaliação dos projetos desenvolvi-

dos pelos professores com suas turmas; (2)

um nível meso, ou seja, da escola, pois pode

referir-se à avaliação da instituição, a partir

da avaliação do projeto político pedagógico

e, por fim; (3) um nível macro, ou seja, das

redes de ensino, seja em nível municipal, es-

tadual ou federal. Trata-se das avaliações de

sistemas educacionais, como, por exemplo,

a Prova Brasil, Provinha Brasil, SAEB, ENEM,

SINAES, etc.

Nesse texto, focamos a avaliação em seu ní-

vel micro – as concepções e as crenças em

relação à avaliação na escola.

Falar da avaliação da aprendizagem implica,

em primeiro lugar, entender que o professor

avalia a aprendizagem do aluno e não o alu-

no. Isso é um ponto de partida importante

para se entender que a avaliação faz parte do

processo de ensinar e aprender. Porém, mui-

tas vezes, os processos de avaliação deixam

marcas nas trajetórias escolares dos estu-

dantes, pois ao contrário de serem bússolas

reguladoras das aprendizagens, tornam-se

apenas instrumentos classificatórios e sele-

tivos, com o único propósito de aprovar ou

reprovar os estudantes. E essa concepção

seletiva de avaliação não considera as dife-

renças e as infinitas possibilidades e formas

de aprender das pessoas.

Mudanças na avaliação escolar criam gran-

de confusão no cotidiano da escola entre

professores, estudantes e responsáveis. Mas

por quê?

Muitas podem ser as respostas que expli-

quem esse questionamento, dada a com-

plexidade das tramas desenvolvidas nas

práticas cotidianas das escolas ao longo dos

tempos. Nesse texto, entretanto, procurare-

mos responder a essa questão considerando

que a avaliação da aprendizagem é algo que

se inscreve tanto na cultura escolar quanto

na cultura da escola. Consideramos a cul-

tura como sendo um elemento fundante do

cotidiano de um grupo social, expressando

seu modo de agir, de relacionar-se, seus há-

bitos, crenças, valores etc. Sacristán enten-

de que a cultura escolar se revela a partir da

“cultura vivida” nas salas de aula, confun-

dindo-se com o currículo real. Para o autor,

a “cultura escolar é uma caracterização, ou

melhor, uma reconstrução da cultura feita

em razão das próprias condições nas quais

a escolarização reflete suas pautas de com-

portamento e organização” (1995, p. 34).

Forquin (1993, p. 167) faz uma distinção en-

tre cultura escolar e cultura da escola. Esta

se define no âmbito da escola, compreendi-

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da como “um ‘mundo social’, que tem suas

características e vida próprias, seus ritmos

e seus ritos, sua linguagem, seu imaginá-

rio. Seus modos próprios de regulação e de

transgressão, seu regime próprio de produ-

ção e de gestão de símbolos”. Já a cultura

escolar, para Forquin (Ibid., p. 167) represen-

ta o “conjunto de conteúdos cognitivos e

simbólicos que, selecionados, organizados,

‘normalizados’, ‘rotinizados’, sob o efeito

dos imperativos da didatização, constituem

habitualmente o objeto de uma transmissão

deliberada no contexto das escolas”.

Pois bem, considerando que a avaliação faz

parte da cultura escolar ou cultura da esco-

la, ela está, portanto, estreitamente relacio-

nada não só às crenças e valores que atribu-

ímos à educação escolar das crianças e dos

jovens, como também às rotinas que orga-

nizam a didática, os programas, o tempo e o

espaço escolares.

Podemos considerar, então, que mudar a

avaliação na escola é de fato muito difícil,

uma vez que quando atribuímos um deter-

minado valor a alguma coisa, é porque acre-

ditamos nela, e a essa crença relacionamos

um forte sentimento de legitimidade.

Não é uma tarefa simples mudar esse con-

junto de crenças e valores e conseguir legi-

timidade para uma nova lógica de organiza-

ção dos conteúdos, dos tempos e espaços e,

inserida nessa lógica, compreender a avalia-

ção como mais um elemento do processo de

aprender e ensinar. Esse processo constitui

um desafio para professores, estudantes e

a sociedade em geral. Não mudaremos nas

escolas, apenas. É preciso que a sociedade

compreenda tais mudanças como possíveis

e necessárias.

Vejamos algumas crenças que nos habitam,

pois fazem parte de nossa cultura escolar ou

da cultura vivida em nossas escolas.

“A progressão automática desestimula o es-

tudante, uma vez que ele é aprovado inde-

pendentemente do seu desempenho.” Essa

frase é dita por muitos pais, professores e

educadores. Pois bem, manter os alunos

motivados é sempre o maior desafio profis-

sional para um professor. Da mesma forma,

para um jornalista, o maior desafio é fazer

uma matéria bem escrita e que seja lida por

muitos, e para um médico, é ser bem sucedi-

do na condução de um caso de doença, por

exemplo. Ocorre que a avaliação é entendida

apenas como instrumento de certificação,

coerção e disciplinador e não como mais um

elemento do processo de ensinar e aprender.

Dessa forma, é utilizada como instrumento

de poder pelas escolas e professores, para

que seja mantida a ordem em classe e na es-

cola. Assim, todos ficam felizes. Entretanto,

isso não é responsabilidade dos professores

nem dos responsáveis ou gestores. Nossa es-

cola seriada, de massa, foi pensada assim. A

relação com o conhecimento é pragmática:

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vai-se à escola para passar de ano, fazer pro-

va e obter um diploma. Mas se cada um de

nós buscarmos nas nossas memórias, boas

ou ruins, o que foi a escola para nós vere-

mos que ela foi e é muito mais do que isso.

Manter alunos motivados é ter uma boa re-

lação com eles, de confiança, alegre, curio-

sa. É ter turmas menores para que o traba-

lho em sala seja menos impessoal. É ter uma

escola bonita, bem

cuidada, com mobiliá-

rio adequado, com um

clima alto-astral.

“Se não há reprova-

ção, não há avaliação.

A adoção do sistema

de ciclos faz com que

os estudantes não

aprendam e cheguem

aos anos finais do En-

sino Fundamental sem

aprender a ler escrever”. Debater a avaliação

escolar oportuniza desvelar alguns mitos do

que seja uma educação de qualidade para

a opinião pública. À aprovação automática

imputa-se a não alfabetização das crianças

e jovens, o alto grau de analfabetismo fun-

cional e uma série de deficiências das redes

públicas de Ensino Fundamental que adota-

ram essa política.

Os ciclos não são um método de ensino. À

primeira vista, os ciclos dizem respeito à for-

ma de distribuição dos anos que os alunos

passam na escola. Podemos organizar esse

tempo dividido ano a ano (séries), ou de dois

em dois anos, três em três anos, quatro em

quatro anos, o que caracteriza a concepção

da organização em ciclos. Mas os ciclos não

se restringem simplesmente à organização,

partição do tempo escolar. A adoção dos ci-

clos traz implicações profundas não só na

forma de avaliar como também na forma de

organizar o conhe-

cimento escolar ao

longo do tempo, na

relação professor-

aluno, nas relações

família/escola, na

cultura escolar. A

concepção de tra-

balho com os ciclos

traz princípios fun-

dantes como a he-

terogeneidade, a di-

ferença, a inclusão,

a promoção, a complexidade do cotidiano

escolar.

Confunde-se muito a progressão continua-

da com ciclos. Aquela diz respeito à forma

como os alunos serão promovidos (apro-

vados/reprovados) e traz como princípio a

ideia de que todos os alunos são capazes de

aprender, que cada pessoa tem seu ritmo

próprio de aprendizagem e que seu proces-

so de aprendizagem não deve ser interrom-

pido ano a ano, da mesma forma que uma

A adoção dos ciclos traz

implicações profundas

não só na forma de avaliar

como também na forma de

organizar o conhecimento

escolar ao longo do tempo,

na relação professor-aluno,

nas relações família/escola,

na cultura escolar.

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criança não é reprovada pelo simples fato de

não ter aprendido a andar aos 12 meses de

idade, como já dissemos na Introdução des-

ta edição temática. Portanto, a progressão

continuada mantém uma coerência com os

princípios teóricos dos ciclos.

Já a aprovação automática é outro conceito

distinto da progressão ou do ciclo. A apro-

vação automática pode acontecer em um

sistema seriado ou em um sistema de ciclos.

A única e simples adoção da aprovação au-

tomática, sem que outras medidas pedagó-

gicas sejam implementadas ao mesmo tem-

po, demonstrou, em nossa recente história,

que ela não resolve o grave problema do

baixo índice de alfabetização em nosso país.

Apesar de a aprovação automática ser ime-

diatamente rechaçada pela sociedade, há,

entretanto, experiências interessantes já re-

latadas em pesquisa: a adoção da aprovação

automática estimula os membros do corpo

docente das escolas a desenvolver práticas

mais inclusivas para os alunos no lugar das

simples reprovações.

Não podemos negar que as experiências de

progressão continuada em diferentes redes

de ensino no Brasil têm melhorado bastante

a taxa de evasão escolar, ou seja, a população

está mais na escola. Do ponto de vista social,

essa questão parece-nos importante para ser

considerada. Porém, do ponto de vista peda-

gógico, encontramos outro ponto: os alunos

estão aprendendo? Diz o senso comum que

“Estão saindo sem aprender! Porque não são

avaliados e não são reprovados”! Eis aí um

grande equívoco que podemos cometer, pois

ele nos remete à máxima, que já faz parte de

nossa cultura escolar, de que a reprovação é

garantidora de uma maior qualidade do en-

sino. Outro equívoco na frase acima é enten-

der que, se os alunos não serão aprovados

ou reprovados, então não serão avaliados.

Entender avaliação como tendo uma função

classificatória, como medida pura e simples

e não como elemento do processo de ensino

e aprendizagem, faz parte mesmo do senso

comum. Mas, afinal, para que avaliamos os

alunos que têm direito constitucional de fre-

quentar o Ensino Fundamental e a educação

básica? Qual o papel social de nossa escola?

Estas são perguntas que precisam ser feitas.

A avaliação não pode ser colocada no lugar

de bode expiatório, como ocorre há déca-

das. Se deixarmos que novamente o centro

do debate se resuma a ser ‘contra’ ou ‘a fa-

vor’ da aprovação automática, dos ciclos ou

da progressão continuada contribuiremos

para um retorno à ideia de que é reprovando

que se obtém qualidade em educação, con-

tribuindo para o acirramento da concepção

classificatória, excludente, da avaliação e da

escola, e assistiremos novamente, daqui a

uns dez anos, ao mesmo debate, só que com

nova roupagem, novos nomes etc.

Pensemos, agora, na avaliação da aprendi-

zagem no cotidiano da sala de aula: qual o

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papel da avaliação senão contribuir nos pro-

cessos de aprendizagem? Poderia a avalia-

ção preocupada apenas em classificar e sele-

cionar, sem estar voltada para os processos

contínuos de aprendizagem, contribuir efe-

tivamente para a finalidade da educação?

A avaliação cotidiana, entendida como uma

regulação contínua, orienta os processos

das aprendizagens e reorienta constante-

mente as mediações do professor. A avalia-

ção formativa, portanto, deve ser entendi-

da como uma avaliação que corrige rumos,

que regula o processo, que não objetiva dar

notas ou quantificar acertos e erros. Mas,

como passar do discurso do que deve ser à

ação efetiva?

Alguns pontos podem ser destacados no

sentido de ajudar a se pensar em possibili-

dades, pois em educação não há receitas.

1. Autoavaliação

Ainda não incorporamos em nossa prática

cotidiana a autoavaliação. Na maioria das

vezes, quando é realizada, aparece de forma

assistemática ou apenas em determinados

momentos do ano letivo, quase que sepa-

rada do processo. A autoavaliação ainda

não se tornou um hábito em nossas salas

de aula. Se, no discurso, propalamos uma

educação para sujeitos autônomos, críticos,

como fazê-lo sem incorporar a prática da

autoavaliação ao cotidiano da escola e sala

de aula? Por que ainda insistimos numa ava-

liação que não favorece o aprendizado e que

não está coerente com nosso discurso atu-

al? Fica a questão para a reflexão.

2. Atividades de avaliação: elabora-

ção e propósitos

A elaboração das atividades de avaliação –

exercícios, provas, testes, trabalhos de pes-

quisa, portfólios, relatórios etc. – deve ser

feita a partir dos objetivos que se deseja

analisar, levando em conta se os estudan-

tes estão conseguindo alcançá-los, e não a

partir de atividades ou conteúdos. Tais ati-

vidades deveriam incluir outras linguagens

que não apenas a linguagem escrita, como

normalmente acontece na escola.

3. Correção das tarefas

Como corrigir? Assinalando erros e dando

certos, meio certos? Uma avaliação que tem

por princípio regular os processos de apren-

dizagem deveria ter uma prática de correção

das tarefas que fosse procurando os indícios

das aprendizagens deixados pelos estudan-

tes em seus cadernos, papéis etc. A partir

dessas pistas, professor e alunos, ao longo

do processo, poderiam se autoavaliar e re-

gular seus percursos de ensinar e aprender.

4. Registro

Por fim, é importante que o registro do

professor espelhe o processo. Apenas a

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anotação de uma nota ou conceito não é

suficiente para que os percursos, avanços

e dificuldades sejam acompanhados pelo

professor. E para sermos coerentes, os regis-

tros não deveriam ser apenas do professor,

mas os alunos também necessitariam de

um caderno, ou agenda, ou portfólio, onde

as aprendizagens realizadas, as dúvidas e re-

flexões fossem anotadas e guardadas. Dessa

forma, autonomia, capacidade de reflexão,

criatividade, criticidade seriam princípios

que sairiam do discurso e povoariam as prá-

ticas cotidianas nas escolas.

Não existem fórmulas, receitas; cada pro-

fessor pode/deve inventar/criar seus instru-

mentos, seus registros...

As mudanças nas práticas avaliativas mu-

dam as relações com o espaço escolar, com

o saber, com a profissão docente, com o ofí-

cio de aluno, com o tempo escolar; muda-se

a didática, muda-se a proposta curricular.

A avaliação formativa, concebida como par-

te natural do processo de ensinar e apren-

der, ainda é uma prática pouco conhecida.

As mudanças desejadas para a avaliação dos

processos de aprendizagem na escola não

devem vir desacompanhadas de outras mu-

danças na estrutura organizacional da ins-

tituição escolar e do trabalho pedagógico.

Finalmente, pensar mudanças para

a avaliação é pensar em uma reflexão pro-

funda acerca da concepção da função social

da escola, dos nossos valores e crenças, e

refletir se as práticas estão coerentes com

os princípios da autonomia, criatividade, in-

ventividade, educabilidade, criticidade, par-

ticipação.

REFERÊNCIAS

FORQUIN, J. C. Escola e Cultura. Porto Ale-

gre: Ed. Artes Médicas, 1993.

SACRISTÁN, J. G. Currículo e Diversidade

Cultural. In: SILVA, T. T. e MOREIRA, A. F. Ter-

ritórios Contestados. Petrópolis: Ed. Vozes,

1995.

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texto 2 QuAndo A AvAliAção preCisA dAr Certo: os desA-fios dA não reprovAção

Andréa Rosana Fetzner1

Partindo do entendimento de que a re-

provação é a avaliação que não deu certo,

este texto argumenta que a avaliação deve

contribuir na compreensão do processo de

educação escolar como um conjunto de es-

forços institucionais para que os sujeitos

eduquem-se e, neste contexto, deve ser-

vir como instrumento para acompanhar e

oportunizar o melhor processo possível.

Com esta intenção, o trabalho apresenta a

concepção de educação enquanto proces-

so de compreensão do mundo e discute as

consequências curriculares e didáticas das

Diretrizes Curriculares para o Ensino Funda-

mental de 9 (nove) anos (BRASIL, Resolução

n. 7/2010), que indicam os ciclos como for-

ma de organização dos três primeiros anos

do Ensino Fundamental. Por fim, destaca-se

a relação entre a alfabetização e a avaliação.

POR QUE NÃO REPROVAR?

A avaliação, para produzir um bom proces-

so, precisa contribuir para a correção do

processo no processo. Quando bem realiza-

da, oportuniza que a escola colabore com

o desenvolvimento pleno da capacidade dos

sujeitos de melhor compreenderem o mun-

do, ou, como dizia Freire (1975), na realidade

vivida perceber coisas que antes não perce-

bia e, com esta percepção aprofundada de

si e do mundo, conceber outras realidades

possíveis (da concepção de outra realidade,

nasce o poder de objetivamente transfor-

mar a si e ao mundo).

Este entendimento de que educação é um

processo (e da avaliação como instrumento

de oportunizar o melhor processo possível)

baseia-se na percepção de que o ser huma-

no não tem sua capacidade de aprender pre-

definida ao nascer, e de que também não

nasce uma tabula rasa (a ser preenchida ex-

clusivamente por suas experiências). Somos

possuidores de uma base que é biossocial,

isto é, nossa base biológica e social neces

sita de um grupo social para que, por meio

de atividades (sociais), possamos aprender

constantemente.

1 Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO.

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A escola é um espaço social de aprendiza-

gens específicas, que deveriam nos possibi-

litar entender o mundo para além das expli-

cações religiosas ou circunscritas à cultura

familiar. É também ambiente tenso, no qual

várias culturas e explicações de mundo se

embatem, não apenas entre os estudan-

tes, mas também entre os professores. Daí

decorre que a escola não poderia ser um

ambiente dedicado a que seus estudantes

interiorizassem um conhecimento tomado

como único (porque é múltiplo), muito me-

nos como universal (sempre forjado em um

conhecimento particular a uma cultura e to-

mado arbitrariamente como universal), mas

aprendessem que existem várias formas de

conceber o mundo e muitos conhecimentos

a serem compreendidos e, principalmente, a

serem produzidos.

Esta escola de que falamos, embora pareça

estar razoavelmente presente em nossos

discursos, ainda está distante de ser hege-

mônica na realidade brasileira. Também é

preciso considerar que, embora não de for-

ma hegemônica, também coexistem, nas es-

colas, a diversidade de propostas e, dentro

de cada escola, fazeres docentes que afir-

mam a possibilidade de trabalhar com um

conhecimento relevante, engajado no mun-

do atual, em suas questões desafiadoras (ge-

nética, ecologia, entre outras ).

No campo da avaliação, ao tomarmos como

orientação as perspectivas dialéticas, cons-

trutivistas ou interacionistas sobre a apren-

dizagem, passamos a considerar que todos

os seres humanos aprendem, e este primei-

ro entendimento já nos possibilita trabalhar

com a ideia de que a avaliação não é para

dizer (julgar) quem aprendeu ou não apren-

deu2. Livre desta tarefa (julgar quem apren-

deu ou não), sobra à avaliação mais tempo

para dedicar-se a questões do tipo: como

temos aprendido? Quais atividades atendem

melhor ao desenvolvimento dos estudantes?

O que sabem os que ainda não sabem o que

é proposto na escola3? Como os estudantes

resolvem suas questões? O que já sabem?

Partindo destas e de outras questões decor-

rentes da avaliação como instrumento de

promoção da aprendizagem, avaliar torna-se

ato importante para a promoção da aprendi-

zagem e dos sujeitos da aprendizagem (estu-

dantes e professores)4.

2 Vasconcellos (2012) refere-se à sina classificatória que se manifesta nos docentes como uma necessidade de classificar e reprovar, baseada na convicção de que a retenção [reprovação] “é uma coisa boa (ou, no mínimo, um mal necessário)” (p.97).

3 Esteban (2002) mostra as dificuldades docentes em perceber os saberes dos alunos no processo de aprendizagem.

4 Hoffmann (2001) indica as dificuldades e também as possibilidades de a avaliação ser utilizada para promoção humana em Avaliar para promover, publicado pela Editora Mediação.

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18

A AVALIAÇÃO NOS TRÊS

PRIMEIROS ANOS DO ENSINO

FUNDAMENTAL

O que nos faz dirigir a discussão da avalia-

ção especificamente para os três primeiros

anos do Ensino Fundamental são as orienta-

ções recentes sobre a organização do Ensino

Fundamental neste período da escolaridade,

indicadas pelas Diretrizes Curriculares do

Ensino Fundamental de Nove Anos (BRASIL,

CNE, Resolução nº 7/2010).

Em dezembro de 2010, o Conselho Nacional

de Educação emitiu a Resolução nº 7, que

fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para

o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Estas

Diretrizes preveem a continuidade de estu-

dos, sem interrupções, para as crianças du-

rante os três primeiros anos do Ensino Fun-

damental. Segundo a Resolução, as escolas

brasileiras devem assegurar, entre outros

aspectos:

[…] a continuidade da aprendizagem,

tendo em conta a complexidade do pro-

cesso de alfabetização e os prejuízos que

a repetência pode causar no Ensino Fun-

damental como um todo e, particular-

mente, na passagem do primeiro para

o segundo ano de escolaridade e deste

para o terceiro (Inciso III do Art. 30).

Detalhando a orientação, o parágrafo 1º

complementa:

Mesmo quando o sistema de ensino ou

a escola, no uso de sua autonomia, fize-

rem opção pelo regime seriado, será ne-

cessário considerar os três anos iniciais

do Ensino Fundamental como um bloco

pedagógico ou um ciclo sequencial não

passível de interrupção, voltado para

ampliar a todos os alunos as oportuni-

dades de sistematização e aprofunda-

mento das suas necessidades básicas,

imprescindíveis para o prosseguimento

dos estudos (BRASIL, CNE, Resolução n.

7/2010).

Diante de tal legislação, encontra-se o con-

junto das escolas brasileiras desafiadas a

oferecer o Ensino Fundamental, nos seus

primeiros três anos de escolaridade, sem a

prática da reprovação escolar.

A Diretriz incorpora estudos que indicam

que a reprovação escolar prejudica a apren-

dizagem das crianças, criando mais obstá-

culos do que benefícios ao seu desenvolvi-

mento pleno. Ao incorporar estes estudos,

entende que é possível promover boas e ne-

cessárias aprendizagens escolares sem que a

avaliação seja utilizada como julgamento de

quem aprendeu ou não aprendeu e, portan-

to, sem a prática da reprovação ou aprova-

ção na escola, mas com o acompanhamento

documentado das aprendizagens realizadas.

No que se refere aos três primeiros anos

do Ensino Fundamental, não esquecendo

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as questões anteriormente citadas sobre o

processo da educação, seus sentidos e desa-

fios, há um entendimento de que a criança

de seis a oito anos deveria ser alfabetizada.

Do ponto de vista da utilização da avaliação

(para mediar, promover, melhorar o que se

faz), a Resolução está incorporando o que

hoje sabemos sobre avaliação escolar, mas

é necessário muito cuidado com a organi-

zação do trabalho pedagógico durante estes

três anos. Vasconcellos (1998) já alertava:

Superar o problema da Reprovação não é cair

na mera Aprovação. Trata-se de superar a não

aprendizagem (p. 96).

Para superar a não aprendizagem na escola,

é necessário atentar para questões políticas,

curriculares e didáticas, envolvidas na esco-

lha dos conteúdos a serem trabalhados, nas

atividades a serem desenvolvidas e na ca-

pacidade destas atividades em mobilizar as

experiências e desejos das crianças. A ideia

é que o processo de aprendizagem, além

de ser reconhecido (como processo e como

aprendizagem), possa ser significativo para

as crianças.

Dizendo de outro modo, além de uma ava-

liação voltada para a qualificação do proces-

so de ensino-aprendizagem, as atividades

escolares precisarão ser pensadas de forma

a romper com a educação do tipo bancária

(FREIRE, 1975): de transmissão de um conte-

údo do professor para o conjunto das crian-

ças ao mesmo tempo, por meio das aulas

expositivas ou das extensas cópias. A edu-

cação precisa ser promovida com atividades

dinâmicas, que estimulem a capacidade das

crianças de pensar, de explicar, de encontrar

limites em suas explicações, de reexplica-

rem seus entendimentos considerando no-

vos elementos percebidos.

Em um estudo realizado com professoras do

Ensino Fundamental (FETZNER, 2010), foram

indicadas como atividades que possibilitam

aos docentes chegarem aos seus objetivos

escolares:

[…] trabalhos em grupo; jogos e desa-

fios lógicos; passeios; trabalhos com

filmes; trabalhos com músicas; confec-

ção de cartazes; atividades com artes;

realização de pesquisas e experiências;

trabalho diversificado, focado nos inte-

resses e nos tempos diferenciados entre

os alunos; assembleias de avaliação do

trabalho com a turma; autoavaliação

diária; atividades escolares realizadas

em duplas; produção de textos coletivos

(p. 111).

Estas atividades não foram sugestões dos

professores, mas indicações de atividades

que, já realizadas em aula, demonstraram-

se, segundo os docentes, mais eficazes na

promoção da aprendizagem. A avaliação

dos professores sobre as atividades que ob-

têm mais sucesso na promoção da apren-

dizagem indica que, mesmo de forma não

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20

hegemônica, muitas de nossas práticas já

contemplam uma educação que rompe com

a aula na perspectiva da educação bancária.

Crianças da faixa etária de 6 a 8 anos trazem

uma bagagem de conhecimentos do seu co-

tidiano que precisa ser (re)conhecida pela

escola e considerada pelas/os professoras/es,

ao proporem o trabalho com o novo conhe-

cimento a ser provo-

cado na escola.

Quando pensamos

em três anos con-

secutivos na escola

(sem reprovação), é

importante obser-

var que os objetivos

a serem propostos

para o final deste

ciclo precisam ser

trabalhados desde o

primeiro ano esco-

lar, ou seja, quando

não temos a reprovação, não podemos ter

objetivos seriados, em três anos escolares.

Quando os objetivos são seriados, cada pro-

fessor, em cada um dos anos da escolarida-

de, de forma individual e fragmentada, é

responsável por trabalhar com os objetivos

que considera ser do seu ano, independen-

temente de como estejam as crianças com

as quais ele trabalha, em relação a estes ob-

jetivos.

O trabalho isolado do professor, referencia-

do em objetivos anuais que não consideram

o processo de escolarização nos três anos e

o lugar onde as crianças se encontram nes-

tes processos, resulta que, embora as crian-

ças saibam coisas diferentes em diferentes

anos, estas diferenças não sejam conside-

radas. O trabalho série a série (ano a ano),

visto de forma fragmentada, não possibilita

aos professores do

ciclo uma visão da

formação proposta

para os três anos,

oportunizando cen-

trar o trabalho na-

quilo que é realmen-

te importante.

A concepção orien-

tada pelas Diretrizes

Curriculares para os

três primeiros anos

do Ensino Funda-

mental exige, por-

tanto, vários cuidados:

• considerar que a avaliação é instrumento

de promoção da aprendizagem, respon-

sável por indicar os processos que estão

acontecendo e como melhorá-los;

• buscar um conteúdo escolar relevante

para as crianças nesta faixa etária, por

conseguinte, reconhecer as característi-

cas biossociais das crianças e seu meio

Crianças da faixa etária

de 6 a 8 anos trazem uma

bagagem de conhecimentos

do seu cotidiano que

precisa ser (re)conhecida

pela escola e considerada

pelas/os professoras/es, ao

proporem o trabalho com

o novo conhecimento a ser

provocado na escola.

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cultural, para que os estudos escolares

possam mobilizá-las a aprender;

• organizar o trabalho pedagógico conside-

rando-se a continuidade da turma em três

anos de escolarização:

• estabelecer, junto com as crianças, os ob-

jetivos do que se quer aprender e formas

de acompanhamento destes objetivos;

• ampliar o tempo de trocas de conheci-

mentos entre as crianças, incentivando

atividades em grupo;

• promover as melhores atividades possí-

veis (envolventes, instigantes, provocado-

ras do desejo de aprender);

• investir em registros diários sobre os tra-

balhos que acontecem na escola, realiza-

dos pelas crianças e professores, assim

como registrar a avaliação do que se faz

em aula (ora coletivamente, ora individu-

almente);

• quando possível, um mesmo professor

deve acompanhar a turma por três anos,

aproveitando o conhecimento que este

professor pode ter sobre sua turma.

Embora este trabalho tenha como foco as

condições da aprendizagem no que diz res-

peito à organização do trabalho pedagógico

pelo próprio professor, não é possível des-

considerar as condições de trabalho e estu-

do do professor com sua turma: a sala de

aula agradável, com boa iluminação, espaço

para os trabalhos em grupo e individuais;

prédios com boa acústica e possibilidade de

trabalho em silêncio nas salas de aula, quan-

do necessário; climatização adequada; espa-

ços para prática de esporte e para ampliação

curricular (línguas estrangeiras, artes, ofici-

nas específicas); materiais didáticos varia-

dos, livros; tudo isto interfere e precisa ser

considerado em um processo educacional

que pretende oportunizar a aprendizagem

na escola. Outras condições a serem consi-

deradas referem-se à formação permanente,

ao salário atrativo, aos apoios ao trabalho

pedagógico, entre outros.

Por fim, destaca-se que não basta deixar

de reprovar na escola para que o processo

educacional melhore. É necessário deixar de

reprovar para que o processo melhore, mas

isto não é suficiente. Colaborar para que as

crianças aprendam também na escola exige

um bom uso da avaliação e, como diz Paro

(2001), levar o aluno a querer aprender (p. 163)

parece ser um dos maiores desafios da didá-

tica e da nossa profissão de professor.

A AVALIAÇÃO E A ALFABETIZAÇÃO

A alfabetização perpassa as propostas curri-

culares e didáticas dos três primeiros anos

do Ensino Fundamental e é igualmente uma

questão que pode ser compreendida con-

siderando-se os princípios gerais anterior-

mente abordados. A construção da leitura e

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da escrita pela criança dá-se imersa em seu

contexto social e cultural e, na escola, o tra-

tamento dado ao processo de aprendizagem

é questão política e pedagógica. Como diz

Smolka (2003):

A escrita está inserida em diversos con-

textos. Tem vários tipos, formas, ta-

manhos e cores. Estes “detalhes” ou

configurações constituem importantes

elementos de leitura, para os quais as

crianças atentam e procuram organizar

(mas, nesse contexto, o que as crian-

ças percebem como comunicando uma

mensagem? A escrita está onde e para

quê?) (p. 23).

A pesquisadora indica a importância do re-

conhecimento do uso e do significado que

as crianças fazem da linguagem, para que

possamos entender as construções que elas

elaboram ao lerem e escreverem.

Outra questão igualmente relevante, apon-

tada por Smolka (2003), é a imagem que fa-

zemos das crianças (e na qual nos apoiamos

para sua avaliação), muitas vezes referencia-

da em uma imagem (equivocada) do que é o

ensino:

[...] da forma como tem sido vista na

escola, a tarefa de ensinar adquire al-

gumas características (é linear, unila-

teral, estática) porque, do lugar em que

o professor se coloca (e é colocado), ele

se apodera (não se apropria) do conhe-

cimento; pensa que o possui e que sua

tarefa é precisamente dar o conheci-

mento à criança. Aparentemente, então,

o aprendizado da criança fica condicio-

nado à transmissão do conhecimento do

professor (p. 31).

Esta forma de se ver – detentor/a do conhe-

cimento – pode atrapalhar muito o exercício

de nossa profissão que requer, desde uma

perspectiva já apontada por Freire (1975), a

humildade de perceber que temos alguns co-

nhecimentos e que todos para os quais tra-

balhamos também têm algum conhecimen-

to. Neste sentido, o processo da educação

requer o reconhecimento destes conheci-

mentos e, ainda, a mobilização de diferentes

formas de conhecer postas em diálogo.

Para contribuir no processo de alfabetiza-

ção, a leitura e a escrita da criança precisam

ser consideradas em seu contexto de prati-

cantes. Para que possamos compreender os

processos, precisamos reconhecer as bases

sociais e culturais em que estes se forjam.

Decorrente destas concepções, a avaliação

que serve ao processo (seu acompanha-

mento e melhoria) dispõe de instrumentos

preocupados em registrá-los, como dossiês

(FETZNER e ROCHA, 2012), portfólios (HOFF-

MANN, 2001), cadernos de registro do pro-

fessor sobre o desenvolvimento dos alunos,

mapas da turma sobre suas aprendizagens,

entre outros.

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23

Finalizando, a alfabetização, embora seja

evidente enquanto objetivo dos três primei-

ros anos do Ensino Fundamental, não pode

ser tomada como um fim em si mesma (al-

fabetizar por alfabetizar), mas com o senti-

do social que representa em nosso grupo de

convivência e no uso que fazemos da leitu-

ra e da escrita hoje. Isto significa que, para

alfabetizar, nos preocuparíamos primeiro

com o que as crianças querem saber sobre

si e o mundo, para então pensarmos qual

o uso da leitura e da escrita na construção

destes conhecimentos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Educação.

Resolução nº 7/2012. Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Fundamental de 9

(nove) anos.

ESTEBAN, Maria Teresa. O que sabe quem

erra? Reflexões sobre avaliação e fracasso

escolar. 3ª. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

FETZNER, Andréa R. e ROCHA, Silvio. A pro-

gressão continuada nos ciclos de formação:

contribuições do plano didático de apoio

pedagógico. In: FETZNER, Andréa R. (org.)

Como romper com as maneiras tradicionais

de ensinar? Reflexões didático-metodológi-

cas. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2012. (Co-

leção Ciclos em Revista. v. 6).

FETZNER, Andréa R. Projetos e planejamen-

tos escolares: entre a regulação e a transfor-

mação das práticas educativas. In: FETZNER,

A. R. (org.) Gestão escolar & ciclos: políticas

e práticas. Rio de Janeiro: WAK Ed., 2010. p.

103-118. (Coleção Ciclos em Revista. v. 5).

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 2ª. ed.

Textos 5. Porto: Afrontamento, 1975.

HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover:

as setas do caminho. Porto Alegre: Media-

ção, 2001.

PARO, Vitor Henrique. Reprovação escolar:

renúncia à educação. São Paulo: Xamã, 2001.

SMOLKA, Ana Luiza B. A criança na fase ini-

cial da escrita: a alfabetização como pro-

cesso discursivo. 11ª ed. São Paulo: Cortez,

Campinas: Editora da Universidade Estadu-

al de Campinas, 2003. (Coleção Passando a

Limpo).

VASCONCELLOS, Celso dos S. Superação da

lógica classificatória e excludente da avalia-

ção: do “é proibido reprovar” ao é preciso

garantir a aprendizagem. São Paulo: Liber-

tad, 1998. (Coleção Cadernos Pedagógicos

do Libertad. v. 5).

VASCONCELLOS, Celso. Sociedade, políticas

para a educação e a produção da subjeti-

vidade avaliativa. In: FETZNER, Andréa R.

e MENEZES, Janaina S. da S. (orgs.) A quem

interessa a democratização da escola? Refle-

xões sobre a formação de gestores. Rio de

Janeiro: Outras Letras Ed., 2012. p. 93-111.

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24

texto 3

AvAliAção nA esColA em CiClos

Benigna Maria de Freitas Villas Boas1

Coordeno um grupo2 que está desenvolven-

do uma pesquisa que tem como objetivos

analisar as percepções de estudantes de

cursos de licenciatura sobre o processo ava-

liativo ao qual vêm sendo submetidos e ve-

rificar o que eles têm aprendido sobre esse

tema. Nossa intenção é dar voz aos estu-

dantes, porque constatamos que, em outras

investigações, eles compõem o grupo de in-

terlocutores, mas não são os principais. Le-

vando em conta que eles estão em processo

de construção profissional, ouvi-los sobre o

que aprendem sobre avaliação e como per-

cebem o processo avaliativo ao qual se sub-

metem parece-nos de suma importância.

“O PROFESSOR PRECISA REVER

SEU JEITO DE AVALIAR”

A frase acima, escrita por um estudante de

um curso de licenciatura, traduz o conjun-

to dos resultados obtidos na primeira fase

da pesquisa. Por meio da aplicação de qua-

tro questionários a estudantes de cursos

de licenciatura (incluído o Curso de Peda-

gogia) de duas universidades federais e do

desenvolvimento de grupo focal, em 2011

e 2012, percebemos que eles passavam por

um processo avaliativo permeado de fragi-

lidades e pouco aprendiam sobre avaliação.

Eles estavam nos três últimos semestres do

curso, portanto, com um corpo de percep-

ções sobre o tema já bem desenvolvido. Re-

feriram-se, com uma única exceção, apenas

à avaliação das aprendizagens. Enquanto a

avaliação recebe esse tipo de tratamento

nos cursos de formação inicial de professo-

res e demais educadores, o seu campo vem

se ampliando: antes restrito à avaliação do

desempenho do estudante em sala de aula

e somente pelo professor, nos últimos anos,

dois outros níveis vêm ganhando destaque:

a avaliação institucional e a avaliação em

larga escala.

1 Pesquisadora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Educação da UnB. Coordenadora do grupo de pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico - GEPA.

2 VILLAS BOAS, Benigna M de F. (coord.); SOUZA, Maria Emília G.; COSTA, Magda S. P. Avaliação em cursos de licenciatura: com a palavra os estudantes. Projeto de pesquisa, Grupo de pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico - GEPA, 2012.

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25

Freitas et al. (2009, p. 9) entendem que

[...] a desarticulação ou o desconheci-

mento da existência dos demais níveis e

a desconsideração da semelhança entre

suas lógicas e suas formas de manifesta-

ção acabam por dificultar a superação

dos problemas atribuídos à avaliação

da aprendizagem. Os resultados desta

precisam ser articulados com os outros

níveis que compõem o campo da avalia-

ção, sob pena de não darmos conta da

complexidade que envolve a questão e

reduzirmos a possibilidade de constru-

ção de processos decisórios mais cir-

cunstanciados e menos ingênuos (FREI-

TAS et al., 2009, p. 9).

Os autores acima mencionados acreditam

que, cada vez mais, esses três níveis tendem

a interagir. Assim sendo, os futuros profes-

sores e demais profissionais da educação

devem analisar em seu processo formativo

não apenas a avaliação das aprendizagens

porque, como estudantes, convivem com os

três níveis e, como educadores profissionais,

praticarão a avaliação das aprendizagens e a

institucional e, também, utilizarão dados da

avaliação em larga escala. A Provinha Brasil,

que é um exame em larga escala, destina-se

às crianças que frequentam o segundo ano

de escolaridade. Tem a seguinte particulari-

dade: é aplicada e corrigida pelos professo-

res da escola, que reúnem informações im-

portantes para a reorganização do trabalho

pedagógico.

Três outros aspectos foram evidenciados

pelos resultados da pesquisa: desconheci-

mento da avaliação formativa, intenção de

reprodução das práticas avaliativas dos seus

mestres no curso e inexistência de vincula-

ção da aprendizagem da avaliação ao traba-

lho da escola de educação básica.

Quanto ao primeiro aspecto, percebeu-se

que as respostas aos questionários e a con-

versa desenvolvida durante o grupo focal

demonstraram a forte presença da avalia-

ção classificatória. Em nenhum momento.

foi mencionada a expressão “avaliação for-

mativa”. O procedimento de avaliação mais

utilizado era o seminário, ao qual os estu-

dantes atribuíam mais aspectos negativos

do que positivos. Eles revelaram desconhe-

cer os seus critérios de avaliação. Um deles

afirmou que “o professor dá a sua nota sem

que explique e rediscuta sua posição”. Os

futuros professores poderão ter a avaliação

classificatória como referência para suas

práticas em escolas de educação básica.

Chamou-nos a atenção a decisão de um gru-

po significativo de estudantes de reprodu-

zir as práticas avaliativas dos seus mestres.

Este é o segundo aspecto. Um conjunto de

respostas reforça o entendimento de que se

aprende a avaliar com os professores do cur-

so: “é mais provável que utilize experiências

vividas como exemplo”; “tomo como exemplo

meus professores específicos do curso e seus

métodos de avaliação já experientes”. Estas

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afirmações parecem indicar que faltaram

estudos sobre avaliação no currículo dos

cursos desses estudantes. É oportuna a re-

flexão de autoria de Arroyo:

Aprendemos o mestre que somos na

escola, mas onde? Nos livros, nos

manuais?Através de lições, discursos

e conselhos? Aprendemos convivendo,

experimentando, sentindo e padecendo

a com-vivência desse ofício. Como se

cada professora, professor que tivemos

nos tivesse repetido em cada gesto: Se

um dia você for professora, professor,

é assim que se é. Elas e eles também

eram, não representavam um papel.

Convivemos por anos com nosso ofício

personalizado, vivido. Fomos aprenden-

do essa específica forma de ser, de dever,

vendo os outros sendo. Se um dia você

for professor(a), é assim que deverá ser

(ARROYO, 2000, p.124).

Vendo, sentindo e padecendo o ofício de

mestre com os professores do curso de li-

cenciatura, os futuros profissionais da edu-

cação aprendem a avaliar. Contudo, essa

convivência não tomou como referência o

trabalho pedagógico da escola de educa-

ção básica, o que seria de se esperar. Foram

poucas as menções à atuação dos futuros

professores. Todos os estudantes pareciam

estar voltados para a avaliação das suas ati-

vidades durante o curso. Apenas elementos

técnicos foram lembrados. Este é o terceiro

aspecto que se destaca. Quando solicitados

a apresentar os temas relacionados à avalia-

ção discutidos em seu curso de licenciatura,

os estudantes não incluíram os que compu-

nham atividades em desenvolvimento pela

Secretaria de Educação da cidade ou do

município onde estava inserida a sua uni-

versidade. Por exemplo: a avaliação na or-

ganização da escolaridade em ciclos. Os re-

sultados até agora organizados revelam que

os universitários participantes da pesquisa

não concluem seus cursos de licenciatura

com a formação necessária para praticarem

a avaliação comprometida com as aprendi-

zagens dos estudantes da educação básica.

Em outra etapa, a pesquisa dará continuida-

de a este tema.

Os aspectos da pesquisa acima expostos me-

recem reflexão por parte dos cursos de li-

cenciatura por serem responsáveis, em par-

te, pela qualidade do trabalho das escolas de

educação básica.

DA AVALIAÇÃO DESENVOLVIDA

EM CURSOS DE LICENCIATURA

À AVALIAÇÃO NA ESCOLA

ORGANIZADA EM CICLOS

Os depoimentos dos estudantes dos cursos

de licenciatura das duas universidades reve-

lam que a função classificatória da avalia-

ção era a que conheciam e à qual se subme-

tiam. Nenhum deles discordou porque não

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conhecia a outra face da avaliação. Ela não

lhes foi apresentada. Contudo, espera-se

que principalmente os que forem atuar em

anos iniciais do Ensino Fundamental abram

mão da avaliação excludente, autoritária,

seletiva e punitiva.

Durante o grupo focal, os estudantes tive-

ram a oportunidade de expressar seu enten-

dimento sobre o processo avaliativo: “a ava-

liação depende muito do professor”; “é muito

triste você olhar para um resumo, uma rese-

nha entregue para a professora e ela te entre-

ga de volta e não tem um rabisco, uma obser-

vação, não tem nada. Será que ela leu? Avaliou

meu desempenho na produção desse texto?”;

“a avaliação do professor, a maneira com que

cada um vai avaliar o aluno, ele não é igual,

eles são diferentes”; “eu acredito muito é no

modo com que os professores vão avaliar. Deve

se avaliar com um olhar diferente daquilo que

a gente viu aqui dentro, um olhar mais dinâ-

mico não aquela avaliação-zinha”; “os pro-

fessores têm que saber que cada um pensa de

maneira diferente e que todos não são iguais

[...] que o professor tem que avaliar de acordo

com o que o aluno aprendeu durante a aula e

não ficar pedindo datas, páginas, destacar isso

ou aquilo”. Estes depoimentos têm o tom de

desabafo.

Embora os estudantes não tivessem tido a

oportunidade de desenvolver estudos e dis-

cussões sobre a avaliação que faz diferença

no trabalho escolar, pelo menos parte deles

manifestou concordância quanto ao forma-

to avaliativo favorecedor das aprendizagens.

De modo geral, os estudantes universitários

se acostumam com a lógica competitiva da

avaliação a que são submetidos e com ela

concordam adotando como justificativa que

a sociedade é competitiva e, portanto, a es-

cola também precisa ser. Não aprendem que

o compromisso da escola é com as aprendi-

zagens de todos os estudantes, não lhe ca-

bendo ter estudantes que se destacam, des-

conhecer as necessidades de cada estudante

nem deixar de atendê-las.

A escola organizada em ciclos requer forma-

to avaliativo próprio. Dela fazem parte pro-

jetos interventivos, a progressão continuada

e a avaliação formativa. São três elementos

que se entrelaçam e se articulam.

O projeto interventivo é um recurso peda-

gógico, político e social composto por ativi-

dades destinadas a atender às necessidades

de aprendizagem de cada criança. Tem o

sentido emancipatório de garantir que to-

dos os estudantes aprendam e não fiquem

retidos em nenhum momento do processo.

A avaliação o acompanha sempre: dá início

ao processo, por meio do levantamento das

necessidades de aprendizagem de cada estu-

dante (avaliação diagnóstica), está presente

para apontar o que está dando certo e o que

precisa melhorar e conclui o trabalho de in-

tervenção, indicando os seus resultados e o

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que reorganizar para o atendimento a ou-

tros estudantes. Esta é a avaliação formati-

va em ação, comprometida com o processo

e os seus resultados em benefício de todos

os estudantes. Nesse sentido, a avaliação

formativa, diferentemente da classificató-

ria, gera ação, isto é, não fica indiferente ao

processo de aprendizagem de cada estudan-

te: analisa o que ele aprendeu, o que AINDA

não aprendeu para que se providenciem os

meios para que aprenda.

O projeto interventivo apresenta as seguin-

tes características:

• cria situações de aprendizagem para os

estudantes que apresentam necessidades

específicas;

• é elaborado pela escola, isto é, não é de

responsabilidade de um professor em par-

ticular;

• sendo interventivo, é investigativo por-

que se buscam as melhores estratégias de

aprendizagem para cada estudante;

• a intervenção e a investigação conduzem

à inovação. Desta forma, o trabalho esco-

lar está sempre se atualizando;

• tem caráter coletivo e integrador porque

envolve a participação de vários professo-

res;

• é contínuo em relação à escola, que o ofe-

rece constantemente, e temporário por-

que não tem estudantes fixos. Estes nele

permanecem até terem suas necessidades

atendidas, retirando-se para que outros

tenham a sua vez;

• não é padronizado, mas constantemente

atualizado;

• todos os estudantes têm nele algum tipo

de atuação. Para que os estudantes a ele

encaminhados não sejam rotulados como

incapazes por colegas, professores e fami-

liares, até mesmo os que não precisem de

intervenção específica poderão ter algum

tipo de participação, como atuar como

monitores. É uma iniciativa que valoriza

o envolvimento de todos;

• os professores são devidamente prepara-

dos para nele atuarem. Atividades já reali-

zadas em sala de aula talvez precisem ser

substituídas e o atendimento ao estudan-

te talvez precise ser personalizado. Em al-

gumas situações pode ser mais adequado

que o estudante seja atendido por outro

professor, com outro tipo de habilidade.

Acompanho as atividades do Bloco Inicial de

Alfabetização no Distrito Federal-BIA desde

a sua implantação em 2005, o que me faz

perceber que o projeto interventivo é elabo-

rado no início do ano letivo e traça as dire-

trizes gerais do trabalho. Porém, um desafio

permanece: como registrar a rica dinâmi-

ca das atividades de intervenção? (VILLAS

BOAS, 2010, p. 52). As escolas preenchem

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formulários padronizados para toda a rede

de ensino. Contudo, os itens são predetermi-

nados, os espaços para escrita são limitados

e parece haver mais interesse pelos resulta-

dos numéricos do que pela compreensão do

processo desenvolvido. Em 2010, lancei o se-

guinte desafio às escolas públicas do Distrito

Federal: a construção do portfólio do projeto

interventivo. Quatorze escolas de Samam-

baia, uma das cidades do Distrito Federal,

aceitaram o desafio

e o construíram ao

longo do ano. Du-

rante esse processo,

foram observadas

as seguintes vanta-

gens do portfólio do

projeto interventivo

(VILLAS BOAS, 2010,

p. 53):

• permite a visuali-

zação de todo o trabalho;

• evidencia a autenticidade do trabalho pe-

dagógico desenvolvido, porque todas as

etapas são expostas e analisadas;

• consiste em uma forma dinâmica de ava-

liação, porque apresenta as mudanças

ocorridas ao longo do processo;

• possibilita a integração de professores;

• favorece a avaliação do próprio projeto;

• possibilita o acompanhamento do traba-

lho pelos pais. O portfólio pode ser por

eles analisado em reuniões e em outros

momentos. Para isso, eles devem ser pre-

parados para compreender a importância

do portfólio e do projeto interventivo.

Além disso, devem ser convidados a regis-

trar suas impressões para serem incluídas

no portfólio. Esta pode ser uma estratégia

para fortalecer seu envolvimento no tra-

balho escolar;

• o trabalho dos

educadores e dos

estudantes é valori-

zado;

• possibilita aos

professores que in-

gressam durante o

ano letivo se intei-

rarem das atividades

em andamento.

O portfólio dá vigor e atualidade ao projeto

interventivo, porque tudo o que se produz

fica à disposição para apreciação e retomada

do trabalho pedagógico. A iniciativa de cons-

trução do portfólio do projeto interventivo é

inovadora. Ele utiliza contribuições do por-

tfólio dos estudantes e do portfólio docente,

mas o seu âmbito é maior, porque engloba

o trabalho desenvolvido pela equipe de uma

escola. Nesse contexto, vale a recomenda-

ção de Cano (2005, p. 58) de que o portfólio

não se ajuste a padrões previamente fixados

O portfólio dá vigor e

atualidade ao projeto

interventivo, porque tudo

o que se produz fica à

disposição para apreciação

e retomada do trabalho

pedagógico.

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nem se adeque ao formato definido por al-

guém. Cada autor

[...] seguirá um itinerário ou um proces-

so de aprendizagem diferente, pode se-

lecionar os elementos que documentem

esse processo segundo seu juízo, refle-

tindo sobre as aprendizagens que cada

passo do processo lhe traz e sobre os ele-

mentos positivos e negativos de cada ex-

periência de aprendizagem. A responsa-

bilidade da própria formação recai sobre

cada um, característica determinante

do desenvolvimento profissional (CANO,

2005, p. 59).

A autora acima mencionada considera o

portfólio docente uma possibilidade de de-

senvolvimento profissional, o que diz respei-

to também ao portfólio do projeto interven-

tivo. Assim concebido, esse procedimento

pode ser usado pela escola como um dos re-

cursos para avaliação do seu trabalho. Esta

é outra das contribuições que ele pode dar.

O projeto interventivo abre caminho para

a adoção da progressão continuada, como

será descrito a seguir.

A progressão continuada dá formato próprio

à educação de cada estudante. É um prin-

cípio do trabalho da escola organizada em

ciclos que propicia o avanço do estudante

desde o início do seu processo de aprendiza-

gem até a conclusão do curso. Não significa

promoção automática. Insere-se no traba-

lho da escola não seriada, de modo que cada

estudante desenvolva o que lhe é adequado:

aprendizagem contínua; não repetição do

que já sabe; prosseguimento dos estudos

sem lacunas. Nessa organização escolar não

cabem aprovação e reprovação: a palavra-

chave é aprendizagem. São providencia-

dos todos os meios para que os estudantes

aprendam: nada fica para depois.

O trabalho pedagógico do BIA, no Distrito

Federal, prevê dois recursos facilitadores da

prática da progressão continuada: o reagru-

pamento de estudantes e o Projeto Interven-

tivo. Este último já foi apresentado. Quanto

aos reagrupamentos, são admitidas duas

possibilidades: intraclasse e interclasses. O

reagrupamento intraclasse, como o nome

indica, possibilita a realização de trabalho

em pequenos grupos de estudantes da mes-

ma turma, durante o horário das aulas. Em

determinados momentos, as atividades po-

dem ser as mesmas para todos os grupos,

isto é, todos têm o mesmo desafio a desen-

volver. Em outros, as atividades podem ser

diferentes, quando cada grupo receberá de-

safio específico. O que determina a organi-

zação dos grupos de uma forma ou de outra

é o diagnóstico das necessidades de apren-

dizagem realizado pelo professor. O reagru-

pamento permite que os estudantes tenham

a oportunidade de interagir com diferentes

colegas, porque os grupos são reorganizados

quando o professor percebe essa necessida-

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de. Grupos fixos ao longo do ano letivo não

costumam oferecer aos estudantes oportu-

nidades ampliadas de aprendizagens.

O reagrupamento interclasses é feito quando

se organizam grupos com a participação de

estudantes de diferentes anos e/ou turmas,

a partir de necessidades diagnosticadas. Os

professores dessas turmas distribuem-se na

coordenação e acompanhamento do traba-

lho de cada grupo, considerando as capaci-

dades de cada um. Assim como não há gru-

po fixo de estudantes, também o professor

não permanece o tempo todo com o mesmo

grupo. A organização se mantém enquanto

for produtiva.

Como componente importante da escola

não seriada, a progressão continuada não

espera o final do ano letivo para acontecer.

Como o nome indica, ocorre a qualquer

tempo, permitindo o avanço do estudante

sempre que forem evidenciadas aprendiza-

gens. Cabe à escola organizar-se para que os

reagrupamentos dos estudantes sejam cons-

tantes, em atendimento às suas necessida-

des. Isso requer outro formato de escola,

diferente do que tivemos até agora.

A avaliação formativa é a que se coadu-

na com a progressão continuada. Elas se

complementam. Ao comprometer-se com

as aprendizagens de todos os estudantes, a

avaliação formativa possibilita a adoção da

progressão continuada de modo que o per-

curso escolar se realize sem atropelos e sem

adiamentos, em atendimento ao tempo, ao

ritmo e às necessidades de cada um. Os es-

tudantes não ficam esperando a sua turma

para passar às atividades seguintes. O dese-

jável é que a escola tenha condições de se

organizar para que as aprendizagens ocor-

ram sem os traumas causados pela avalia-

ção classificatória.

ESTÃO OS CURSOS DE FORMAÇÃO

DE EDUCADORES PREPARADOS

PARA ENFRENTAR AS

NECESSIDADES DAS ESCOLAS DE

EDUCAÇÃO BÁSICA?

Os depoimentos dos estudantes apresenta-

dos neste texto e os resultados das pesquisas

de Batista (2008) e Mendes (2006) apontam

que há cursos de formação de educadores

bem distantes das necessidades das escolas

de educação básica, principalmente das que

trabalham com os anos iniciais do Ensino

Fundamental.

O trabalho escolar desenvolvido por meio

de ciclos, a importância de projetos inter-

ventivos, o papel da progressão continuada

em escolas não seriadas, tudo isso ancorado

pela avaliação formativa, são temas obriga-

tórios em disciplinas e atividades dos cursos

de licenciatura, incluído o de Pedagogia. De

modo geral, os professores desses cursos

não têm familiaridade com as atividades

da educação básica, principalmente com as

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dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Não possuem formação pedagógica nem vi-

vência do trabalho em escolas de educação

básica. Mesmo assim, formam professores e

demais educadores para esse nível de ensi-

no. É uma situação que merece reflexão pe-

los cursos de licenciatura.

Os temas abordados neste texto sinalizam a

necessidade de os sistemas de ensino defini-

rem: escola organizada em ciclos ou ciclos

na escola? Até agora temos presenciado ci-

clos na escola, na maioria das vezes. Assim

funcionando, a escola trabalha com ciclo

como se fosse um apêndice, algo que lhe é

agregado, não lhe conferindo a importân-

cia merecida. Por que projeto interventivo e

progressão continuada somente no trabalho

desenvolvido por meios de ciclos? Os ciclos

e a avaliação que lhes corresponde podem

contribuir para a desconstrução da organi-

zação tradicional da escola, de modo que

deixe de ser burocrática e assuma compro-

misso com as reais necessidades de estudan-

tes e professores. Para construir essa lógica,

a escola de educação básica precisa da par-

ceria com a universidade pelo fato de esta

ser responsável, em parte, pela qualidade do

seu trabalho. Estarão os cursos de formação

de educadores preparados para enfrentar as

atuais necessidades das escolas de educação

básica? Remeto a resposta a esta pergunta a

eles próprios.

REFERÊNCIAS

BATISTA, Carmyra Oliveira. Avaliação e comu-

nicação em cursos de Pedagogia do DF. Tese de

Doutorado. Faculdade de Educação da UnB,

2008.

CANO, Elena. El portafolios del profesorado

universitario: un instrumento para la evalu-

atión y para el desarrollo profesional. Barce-

lona: Ediciones Octaedro, L. S., 2005.

MENDES, Olenir Maria. Formação de profes-

sores e avaliação educacional: o que apren-

dem os estudantes das licenciaturas durante

sua formação. Tese de Doutorado. São Paulo:

USP, 2006.

VILLAS BOAS, Benigna M. de F. Projeto de in-

tervenção na escola: mantendo as aprendiza-

gens em dia. Campinas, SP: Papirus, 2010.

Page 33: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO · 3 ApresentAção ConCepções e prátiCAs de AvAliAção no CiClo de AlfAbetizAção 1 Supervisora Pedagógica

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Presidência da República

Ministério da Educação

Secretaria de Educação Básica

TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTUROSupervisão Pedagógica

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Acompanhamento pedagógico

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Coordenação de Utilização e Avaliação

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Copidesque e Revisão

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Diagramação e Editoração

Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil Gerência de Criação e Produção de Arte

Consultora especialmente convidada

Claudia de Oliveira Fernandes

E-mail: [email protected] page: www.tvbrasil.org.br/saltoRua da Relação, 18, 4o andar – Centro.CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)Maio 2013