CONCEPÇÕES DE LICENCIANDOS EM CIÊNCIAS ... segundo o qual quanto mais produção científica,...
-
Upload
truongthien -
Category
Documents
-
view
214 -
download
0
Transcript of CONCEPÇÕES DE LICENCIANDOS EM CIÊNCIAS ... segundo o qual quanto mais produção científica,...
CONCEPÇÕES DE LICENCIANDOS EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS SOBRE
BIOTECNOLOGIA EM UMA PERSPECTIVA CTS
RAQUEL DA SILVA CORRÊA1
TATIANA GALIETA2
Resumo: Estudos situados na interface entre movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade
(CTS) e Educação em Ciências têm mostrado que a formação de professores de Ciências
Naturais seria incompatível com a interdisciplinaridade pressuposta por este movimento, já
que o ensino de Ciências ainda contempla temas tradicionais. Estes educadores não seriam,
portanto, preparados para elaborarem aulas em contextos diversificados, contemporâneos e
contextualizados, voltadas à formação crítica dos estudantes. Como campo composto por
esses contextos, ressaltamos a Biotecnologia, beneficiadora de setores como Pecuária e
Agricultura, porém na qual ainda incidem questões sobre impactos socioambientais. Neste
trabalho objetivamos pesquisar as concepções sobre Biotecnologia, segundo a perspectiva
CTS, de licenciandos em Ciências Biológicas de uma universidade pública brasileira.
Aplicamos um questionário semiestruturado e obtivemos respostas de 137 graduandos do 1°
ao 7° período. A análise quantiqualitativa não demonstrou aumento contínuo da apropriação
das interrelações CTS pelos discentes durante a graduação, sendo enfática nos períodos
intermediários. Ademais, 39,86% apresentaram uma visão reducionista sobre os processos em
Biotecnologia, além de exporem poucos temas relacionados à Biotecnologia, com raciocínio
favorável à lógica capitalista. Concluímos que a formação inicial de professores de Ciências
inclua temas que favoreçam discussões CTS a fim de renovar práticas pedagógicas e revisar
conteúdos curriculares estáveis.
Palavras-chave: CTS; Ensino de Biologia; Biotecnologia.
INTRODUÇÃO
As atividades científica e tecnológica têm assumido, tradicionalmente, um caráter
racionalista e sido pautadas em critérios de demarcação apenas internos excluindo os fatores
externos (sociais, políticos, culturais e econômicos). A ideia de que os conhecimentos
científicos devem ser produzidos por um método científico rigoroso (baseado na lógica e no
empirismo) e a partir de uma postura neutra dos cientistas tem sido questionada por
epistemólogos críticos desde o início do século XX. Esta visão sobre Ciência e Tecnologia
(CT) encontra-se alinhada ao que Cerezo (2004) denomina modelo linear de desenvolvimento
1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professores, Especialização em
Educação Básica – Ensino de Biologia, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professores, Departamento de Ciências,
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Ambiente e Sociedade, Brasil. E-mail:
2
segundo o qual quanto mais produção científica, maior a produção tecnológica, aumentando a
geração de riquezas para o país e, assim, acarretando o bem estar social.
Entretanto, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mais precisamente no final
da década de 1960 diante das crescentes preocupações de agravamento dos problemas
ambientais e do desenvolvimento de armas químicas e nucleares advindas dos avanços
científico-tecnológicos, surge o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) cujos
estudos começaram a questionar o modelo linear de desenvolvimento e a neutralidade da CT.
Essas reflexões críticas não ocorreram somente na América do Norte como também em todo o
continente europeu (CUTCLIFFE, 1990; Von LINSINGEN, 2007).
A gênese do movimento CTS repercutiu, inclusive, na Educação Científica e
Tecnológica, sobretudo na elaboração de currículos que permitissem a implantação de debates
nas escolas sobre questões científicas e tecnológicas prementes na sociedade. Isto
desencadeou em uma proposta de uma reformulação curricular no ensino de ciências
inserindo a abordagem CTS (SANTOS, 2007). Nestes currículos destaca-se a importância de
discutir com os alunos os avanços da CT, contextualizando-as histórica e socialmente, com o
intuito de levá-los a compreender as origens das motivações sociais, políticas e/ou
econômicas que modulam as inovações científico-tecnológicas, além das questões éticas,
ambientais e culturais envolvidas (PALÁCIOS; OTÉRO; GARCIA, 1996).
No Brasil, as proposições de currículos de ciências com ênfase em CTS iniciaram
somente na década de 1990 com a elaboração de trabalhos de conclusão dos cursos de pós-
graduação e a publicação de artigos e livros sobre o assunto (FRACALANZA, 2006). Nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental e do Ensino Médio
(BRASIL, 1998; 2000) encontram-se menções ao enfoque CTS. Wildson Santos, um dos
autores mais atuantes neste enfoque atualmente, reforça que o intuito central do ensino com
foco CTS na educação básica consiste em:
Promover a educação científica e tecnológica dos cidadãos, auxiliando o aluno a
construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões
responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia na sociedade e atuar na solução
de tais questões (SANTOS, 2007, p.2).
No entanto, apesar da abordagem CTS constar nos PCN, Santos (2007) pontua que, na
maioria das escolas, os conteúdos ainda são trabalhados com os estudantes de maneira
descontextualizada do seu cotidiano e, por isso, o ensino de ciências é reduzido à
memorização de nomenclaturas, classificação de fenômenos e resolução de problemas. Desta
3
maneira, este autor confirma a relevância da abordagem CTS não apenas no nível da educação
básica, como também no ensino superior em cursos de formação de professores.
Trabalhos anteriores com professores do ensino de ciências (AULER, 2007; AULER;
DELIZOICOV, 2006; SOUZA; PEDROSA, 2011) verificaram que a formação disciplinar dos
docentes é incompatível com a perspectiva interdisciplinar presente no movimento CTS, por
contemplar temas tradicionais do currículo de ciências. Como a formação de professores nem
sempre atende às novas exigências da educação científica pautadas na abordagem CTS, os
educadores acabam por não se tornarem capazes de elaborar suas aulas em contextos
diversificados, contemporâneos e contextualizados, voltados para a formação crítica dos
alunos (FONTES; SILVA, 2004).
Como exemplo de campo de conhecimento composto por diversos desses contextos,
ressaltamos a Biotecnologia. Na Antiguidade, antes do homem utilizar a denominação
Biotecnologia3, ele já a realizava em processos de fermentação como a produção de pães,
bebidas alcoólicas e derivados lácteos, ou de compostagem, utilizada para aumentar a
fertilidade do solo. Desde então, os avanços biotecnológicos têm beneficiado diversos setores
da sociedade, tais como, a Medicina, a Pecuária e a Agricultura. Por outro lado, questões
pertinentes são levantadas a respeito de seus impactos na sociedade e no ambiente, tal como a
perda de biodiversidade em consequência do uso indiscriminado de herbicidas (GARCIA,
2006). Por este motivo, debater com os alunos em sala de aula sobre assuntos como vacina,
fertilização in vitro, clonagem, biocombustível e alimentos transgênicos é essencial. O
desenvolvimento destes conhecimentos científicos e tecnológicos representa um avanço para
a sociedade. Entretanto, a discussão deveria focar na forma como estes conhecimentos estão
sendo usados. Temas de Biotecnologia envolvem questões éticas: a produção e o consumo de
determinados produtos científicos e tecnológicos não devem ultrapassar os limites dos
princípios éticos, de maneira a comprometer o bem-estar social. Portanto, além de serem
assuntos da área biológica, esses debates podem auxiliar os alunos que como cidadãos
necessitam de informações consistentes para fazer suas escolhas com consciência e
responsabilidade sobre questões relativas à manipulação da vida (TIZIOTO; ARAÚJO, 2007).
3 O termo “Biotecnologia” foi utilizado, pela primeira vez em 1919, pelo engenheiro húngaro Karl Ereky,
referindo-se às atividades cujos produtos provinham da ação de organismos vivos em matérias brutas.
(AMÂNCIO; CALDAS, 2010).
4
Considerando, então, a importância da discussão sobre as relações CTS na formação
de professores de Ciências e Biologia, desenvolvemos uma pesquisa4 cujo objetivo central
consistiu em investigar as compreensões dos licenciandos do Curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas da Faculdade de Formação de Professores, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (FFP/UERJ), localizada na cidade de São Gonçalo – RJ, Brasil. No presente
trabalho apresentamos um recorte desta pesquisa que diz respeito a dois objetivos específicos,
a saber: i) Conhecer os significados que os licenciandos atribuem aos conceitos de Ciência e
Tecnologia, relacionados ou não à sociedade, no campo da Biotecnologia; ii) identificar que
conhecimentos (científicos e/ou tecnológicos) os licenciandos entendem como sendo próprios
ao campo da Biotecnologia. A seguir descrevemos brevemente a metodologia da pesquisa.
METODOLOGIA
A pesquisa de caráter quantiqualitativo foi realizada com sujeitos de turmas do 1° ao
7° período do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da FFP/UERJ. O curso é
composto por 8 (oito) semestres, porém, por não se encontrarem realizando disciplinas
obrigatórias no último período os alunos do 8º período não foram considerados.
O período da coleta dos dados ocorreu entre o dia 16 de setembro a 09 de outubro de
2014. Por fim, a pesquisa teve a participação voluntária de 161 licenciandos, do total exato de
302 estudantes matriculados regularmente nesse curso no segundo semestre de 2014, de
acordo com a secretaria do Departamento de Ciências da FFP/UERJ. A coleta de dados foi
realizada através de um questionário semiestruturado composto por três perguntas fechadas e
três abertas; das seis questões, duas fechadas foram elaboradas a partir de assuntos inseridos
na temática de Biotecnologia presente em reportagens divulgadas na mídia televisiva e em
jornais eletrônicos. Do total de 161 questionários coletados, 137 foram analisados e seus
dados computados. Os demais 24 questionários desconsiderados foram preenchidos por
alunos que não se enquadravam como sendo do 1° ao 7° período.
No presente trabalho, focaremos nos resultados de três questões que estão relacionadas
aos dois objetivos específicos anteriormente enunciados. Na apresentação dos resultados, as
três perguntas serão mencionadas conforme a numeração identificada na pesquisa original, ou
seja, questões 1, 2 e 6.
4 Esta pesquisa foi desenvolvida como trabalho de conclusão do curso de Especialização Lato sensu em
Educação Básica no Ensino de Biologia (FFP/UERJ).
5
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Do total de 137 questionários analisados, a maioria dos licenciandos que constituíram
nosso grupo de estudo foi do sexo feminino com 78,10% (n = 107), enquanto que o percentual
do sexo masculino foi de 21,90% (n = 30). A faixa etária dos estudantes, incluindo ambos os
sexos, variou de 17 a 49 anos e a média etária dessas idades correspondeu a 20,96 anos.
Buscando alcançar o primeiro objetivo específico da pesquisa, os significados que os
licenciandos atribuem aos conceitos de Ciência e Tecnologia, relacionados ou não à
sociedade, no campo da Biotecnologia, desenvolvemos as questões 1 e 6 do questionário.
A Biotecnologia tem sido concebida por pesquisadores e instituições a partir de
concepções diversificadas. De acordo com a Organização das Nações Unidas (1992, Art. 2):
“Biotecnologia significa, qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos,
organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para
utilização específica”. A partir desse conceito, elaboramos outras duas definições sobre
Biotecnologia para compor a Questão 1: como mostrado em ordem, segue uma alternativa que
relacionava CTS (A), uma somente de cunho tecnológico (B) e outra de cunho científico (C).
1) Qual das seguintes frases, na sua opinião, melhor define Biotecnologia? Marque com um X a frase de sua
escolha.
(A) “Procedimentos de manipulação de materiais biológicos voltados a atender tanto às necessidades do
campo científico quanto da sociedade, a qual deve ser esclarecida desses impactos e ter poder na tomada de
decisão a respeito.”
(B) “Qualquer aplicação tecnológica que use sistemas biológicos, organismos vivos ou derivados destes, para
fazer ou modificar produtos ou processos para utilização específica.”
(C) “Técnicas de manipulação de amostras biológicas destinadas ao aperfeiçoamento e aos avanços
tecnológicos do campo científico.”
Averiguamos se havia diferença significativa entre as alternativas de conceituação em
Biotecnologia em pelo menos algum dos períodos (Gráfico 1). Compartilhamos a ideia de
Alonso et al. (2011) de que o aprendizado e a proximidade adquiridos ao longo da graduação
com as temáticas de CT deveriam contribuir para melhorar a compreensão das inter-relações
entre CTS. Estaria implícita nesta ideia a hipótese de que os estudantes recém-ingressos no
ensino superior, do 1° e 2° períodos, deveriam ser o grupo a apresentar uma visão linear de
CTS, enquanto os estudantes veteranos deveriam revelar uma compreensão integrada de CTS.
6
Contudo, ao analisarmos os resultados das alternativas dentro de cada período, notamos que
não houve diferença significativa entre as respostas nas opções A, B e C (Gráfico 1).
Gráfico 1: Análise quantitativa das alternativas assinaladas para a definição de
Biotecnologia em cada período do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da
FFP/UERJ5
Ao compararmos as alternativas entre os períodos, podemos observar que a opção A
não sofreu aumento contínuo ao longo do avanço dos períodos da graduação. Pelo contrário,
no meio do curso houve um acréscimo acentuado e ao final, um declínio notório, a ponto do
7° período possuir a menor quantificação. Este resultado se mostra preocupante, uma vez que
se opõe à nossa hipótese mencionada acima. Em relação ao nosso grupo de estudo, temos uma
explicação para os licenciandos do 4º e 5º períodos possuírem percentuais mais elevados
nesses resultados em relação aos períodos extremos, 1º e 7º. Os alunos do 5º período já
cursaram Laboratório de Ensino I e Metodologia do Ensino de Ciências e Biologia,
disciplinas obrigatórias oferecidas no 1° e 5° período, respectivamente, nas quais a professora
responsável desde o segundo semestre de 2012 tem incluído discussões CTS, o que pode ter
interferido nesses dados. Todavia, devido à professora ter iniciado sua prática docente no ano
letivo de 2012, os estudantes do 7º período não foram seus alunos e os do 1º período ainda
não tinham concluído a disciplina. Além disso, existem duas disciplinas eletivas que também
possuem enfoque CTS. Uma delas é a Princípios de Biotecnologia, cujo objetivo na ementa é
5 No eixo y, o percentual de alternativas assinaladas com X, e no eixo x, as alternativas, A, B e C correspondente
a cada período, do 1° ao 7°. Em uma análise estatística comparativa entre as três alternativas, em seus
respectivos períodos e entre eles, não houve diferença significativa. Todos os valores de p foram > 0,05.
Programa GraphPad Prism, versão 5; Kruskal-Wallis: teste estatístico utilizado para a análise entre três ou mais
grupo de dados (HOLLANDER; WOLFE; CHICKEN, 2013).
7
compreender a importância e o impacto da Biotecnologia no dia-a-dia. A outra disciplina
eletiva é Ciência, Tecnologia e Sociedade (ministrada também pela docente acima
mencionada) que passou a compor a grade curricular e ser oferecida aos licenciandos a partir
do segundo semestre de 2014, não possuindo pré-requisito e podendo ser cursada por
licenciandos de qualquer período. Ou seja, existem disciplinas no currículo deste curso que
favorecem a construção de uma visão crítica das relações CTS sem necessariamente estarem
atreladas a um período específico.
Com a Questão 6 pretendíamos saber se os licenciandos consideram que as atividades
em Biotecnologia melhoraram e/ou pioraram a condição de vida da sociedade contemporânea
e o porquê dessas opiniões. Para melhor análise dos dados, dividimos esses resultados em
duas etapas. Na primeira, identificamos cinco perfis de respostas: Melhoraram; Melhoraram
na maioria; Melhoraram e pioraram; Pioraram e Não pensou a respeito. Analisamos esses
perfis gerais em todos os períodos, no Gráfico 2 são apresentados os perfis de respostas
separados por cada período. Na segunda etapa, averiguamos as justificativas da escolha para
estes perfis de respostas.
Gráfico 2: Apresentação dos cinco perfis de respostas identificados sobre a interferência das
atividades em Biotecnologia na condição de vida da sociedade contemporânea6
Ao analisar os dados, no geral, observamos que apesar de muitos licenciandos
opinarem que só houve melhorias (36,24%), mais da metade deles reafirmaram a melhoria e a
piora (54,35%) expondo os pontos positivos e negativos dessas atividades para a sociedade.
6 No eixo y está o percentual, e no x os perfis de respostas correspondentes em cada período, do 1° ao 7°. P >
0,05 (não significativo) entre os perfis de respostas em cada período. Programa GraphPad Prism, versão 5;
Kruskal-Wallis: teste estatístico utilizado para a análise entre três ou mais grupo de dados (HOLLANDER;
WOLFE; CHICKEN, 2013).
8
Aqueles que afirmaram que as atividades em Biotecnologia somente Pioraram na condição de
vida da sociedade compreendem 5,07%, os que consideram que elas Melhoraram na maioria
das vezes, 3,62% e 0,72% dos graduandos não pensaram a respeito sobre os benefícios e/ou
malefícios das atividades em Biotecnologia para a sociedade.
Ao observarmos o Gráfico 2, que ilustra os perfis de respostas separadamente em cada
período da graduação, notamos que os licenciandos do 3° ao 5° período foram os que menos
responderam Melhoraram e os que mais criticaram as atividades CT com o perfil de resposta
Melhoram e Pioraram. Tal perfil de dados condiz à discussão do Gráfico 1, pois estes foram
os períodos que recentemente tiveram disciplinas com a abordagem CTS, diferente dos
períodos extremos (1º e 7° períodos).
Por fim, na segunda etapa de análise das respostas à Questão 6, focamos nas
justificativas das respostas anteriormente mencionadas. Alguns alunos não justificaram seus
perfis de respostas. Dentre os graduandos que tiveram o perfil de resposta Pioraram (5,07%),
foram utilizadas basicamente duas justificativas, as quais diziam que “a Biotecnologia procura
beneficiar um grupo restrito e a população pobre não se beneficia” e que “houve aumento dos
problemas de saúde da sociedade e ambientais através dos transgênicos e da monocultura”.
Um dos respondentes mencionou que “Não há interferência (nem positiva e nem negativa),
pois a população não possui conhecimento sobre a Biotecnologia”. Na visão deste
licenciando, os impactos das atividades da CT na sociedade só interferem quando a população
tem compreensão do desenvolvimento das mesmas.
Em adição, dos licenciandos que apresentaram os perfis de respostas Melhoraram e
Melhoraram na maioria, justificaram-nas alegando que há melhoria na condição de vida da
sociedade devido às atividades da ciência e da tecnologia: “avançaram em pesquisas na
melhoria da saúde, aumentando a expectativa de vida da população”; “ajudam os mais
pobres”; “sempre procuraram contribuir para o bem-estar da sociedade”; “desenvolvem
fármacos através de produtos naturais”; “reduzem os danos ao meio ambiente”; “aumentam a
produção de alimentos auxiliando a redução da fome populacional”; “são desenvolvidas com
consciência e transparência para os leigos”; “desenvolveram a biorremediação para a
resolução de derrame de óleo no mar, os biocombustíveis, controle de pragas”; “aumentam o
conhecimento da sociedade sobre Biotecnologia quando as notícias são transmitidas pela
mídia” e que “resolvem problemas naturais e/ou criados pelo homem”.
9
Por estes resultados, concluímos que os licenciandos relacionam a Ciência e a
Tecnologia com a Sociedade, porém grande parte deles (um total de 39,86% quando
consideramos as respostas Melhoraram (36,24%) e Melhoraram na maioria (3,62%))
possuem dentro da visão reducionista, uma perspectiva salvacionista da CT que se refere à
crença de que todos os problemas da sociedade podem ser resolvidos pelo desenvolvimento
científico e tecnológico (AULER; DELIZOICOV, 2001).
O segundo objetivo específico consistiu em identificar que conhecimentos
(científicos, técnicos e/ou tecnológicos) os licenciandos entendem como sendo próprios ao
campo da Biotecnologia. Para obtenção dos resultados deste objetivo, desenvolvemos a
Questão 2 na qual foram elencados quatro temas (tópicos) da Biotecnologia e solicitamos aos
licenciandos que numerassem, por ordem de relevância, aqueles que achavam mais
relacionados a este campo de conhecimento.
2) Em relação aos tópicos em Biotecnologia citados abaixo, quais lhe parecem mais adequados a este campo de
conhecimento? Em sua opinião, numere de 1 a 4, sendo 1 atribuído para o assunto de maior relevância e 4 para
o de menor relevância.
( ) Agricultura familiar baseada em espécies vegetais não transgênicas (ex.: arroz, feijão, milho).
( ) Aumento da produtividade de alimentos (ex.: soja transgênica).
( ) Clonagem de animais com genética considerada privilegiada (ex.: gado com alta produção de leite).
( ) Extensas produções agrícolas, como as de cana-de-açúcar e de soja, voltadas para biocombustíveis (ex.:
etanol, biodiesel).
Para classificarmos os resultados obtidos nesta questão foram contabilizadas quantas
vezes cada alternativa aparecia em 1°, 2°, 3° e em 4° lugar. Assim obtivemos a colocação
predominante dentro de cada uma das opções. Por exemplo, a opção “Extensas produções
agrícolas voltadas para biocombustíveis” obteve o maior número de votos (33, do total de
118: representando 27,96%). Esta opção também recebeu a maior votação na colocação em
segundo lugar, vimos que essa também ganhou a maioria dos votos (36, do total de 115:
representando 31,30%). Na terceira posição foi o “Aumento da produtividade de alimentos
através de alimentos transgênicos”. Em 4° lugar foi encontrada “Agricultura familiar
baseada em espécies vegetais não transgênicas”. Enquanto que a opção “Clonagem de
animais com genética considerada privilegiada” foi citada, porém não liderou em nenhuma
das quatro colocações solicitadas pelo enunciado. Entendemos que devido aos estudantes
relacionarem a opção do plantio familiar à Biotecnologia com menos frequência, eles não
reconhecem a importância da manutenção da agricultura familiar, no que concerne não apenas
a sua produção, mas também o complexo de indústrias, serviços e comércios existentes no
10
entorno de pequenas propriedades, enfim, uma atividade que não se concentra apenas nela,
mas também no que depende dela (GUILHOTO et al, 2007).
De acordo com estes dados, podemos concluir que os licenciandos priorizam,
respectivamente, as “Extensas produções agrícolas voltadas para biocombustíveis”, e o
“Aumento da produtividade através de alimentos transgênicos”, ambas as alternativas sendo
inovações tecnológicas voltadas para a produção em larga escala favorecendo o lucro
econômico. Tais opções se contrapõem à agricultura familiar e aos malefícios que a
transgenia pode causar às espécies animais e vegetais, a curto ou longo prazo, como a perda
da biodiversidade e o oligopólio de sementes (ALVES, 2004). Este resultado remete-se à
concepção de modelo produtivo de base capitalista.
Podemos dizer que as duas primeiras opções obtiveram grande importância para os
licenciandos por estes pensarem-nas promovendo um melhoramento ambiental, em relação
aos biocombustíveis, e social, em relação ao aumento da produtividade de alimentos.
Entretanto, como salienta Lima Junior (2014), ao analisarmos as relações pertinentes entre
CTS, faz-se necessário instrumentalizar-se de conceitos pertinentes ao mundo capitalista,
como o conceito de mais-valia. Cabe novamente salientar o mito salvacionista da CT
(AULER; DELIZOICOV, 2001), onde o aumento do bem-estar social, oriundo de inovações
científico-tecnológicas, é noticiado sem nunca questionar que a produção de mercadorias para
este bem-estar não é um objetivo em si, mas sim um meio de acumulação.
Por fim, apenas uma visão ingênua pode levar a acreditar que o aumento na produção
de alimentos reverte-se na redução da fome populacional e que o dano ambiental é o único ou
principal prejuízo dessas extensas produções agrícolas. A fome em larga escala não resulta da
falta de alimentos, mas da irregular distribuição dos alimentos produzidos (LIMA JUNIOR et
al, 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na presente pesquisa, constatamos que a maioria dos licenciandos apresenta uma
concepção de relações CTS ainda apoiado em ideias ingênuas de que os avanços do
conhecimento científico e tecnológico são suficientes para gerar novos padrões de produção e
utilização dos recursos naturais. Estes resultados que vão ao encontro de estudos anteriores
que verificaram que professores da área de Ciências da Natureza podem estar incentivando
essa visão enaltecida da CT na educação básica (FIRME; AMARAL, 2008; RICARDO;
CUSTÓDIO; REZENDE JÚNIOR, 2007).
11
Auler e Delizoicov (2001) enfatizam que tais mitos precisam ser criticados sob uma
abordagem CTS a fim de auxiliar o estudante na construção de conhecimentos, habilidades e
valores imprescindíveis para tomar decisões responsáveis sobre questões de CT na sociedade
e atuar na solução dessas questões. Por isso, faz-se necessário essa discussão nos cursos de
formação de professores que pensem em uma educação científica e tecnológica voltada para a
complexidade desta sociedade, com aspectos críticos e reflexivos, a fim de minimizar as
percepções fragmentadas e concepções restritas e equivocadas causadas pelos currículos
disciplinares. Dessa forma, defendemos que discussões de temas de Biotecnologia em uma
perspectiva CTS também devem ser levadas para a formação inicial dos professores de
Ciências Biológicas para que sejam preparados e capazes de estimular tais (des)construções
sobre a natureza da CT e de suas relações com a sociedade junto aos seus futuros alunos da
educação básica.
REFERÊNCIAS
ALONSO, A. V.; MACIEL, M. D.; CHRISPINO, A.; MAS, M. A. M. A compreensão de ciência, tecnologia e
sociedade no Brasil: análise comparativa com outros países do PIEARCTS. In: SANTOS, W. L. P dos; AULER,
D. (Orgs.) CTS e educação científica: desafios, tendências e resultados de pesquisas. Brasília: Editora UnB,
2011. p. 211-239.
ALVES, G. S. A biotecnologia dos transgênicos: precaução é a palavra de ordem. Holos, v. 2, p. 1-10. 2004.
AMÂNCIO, M. C.; CALDAS, R. A. Biotecnologia no contexto da Convenção de Diversidade Biológica: análise
da implementação do Art. 19 deste Acordo. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 22, p. 125–140, 2010.
AULER, D. Enfoque ciência-tecnologia-sociedade: pressupostos para o contexto brasileiro. Ciência & Ensino,
v. 1, n. esp, p. 1-20. 2007.
AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê? Ensaio Pesquisa em Educação
em Ciências, v. 3, n. 1, p. 105-115, 2001.
______. Ciência – Tecnologia – Sociedade: relações estabelecidas por professores de ciências. Revista
Electrónica de Enseñanza de las Ciências, v. 5, n. 2, p. 337-355, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura, MEC, Secretaria de Educação Fundamental (SEF). Parâmetros
curriculares nacionais: ciências naturais. Brasília: MEC/SEF, 1998.
______. Ministério da Educação, MEC, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC/Semtec, 2000.
CEREZO, J. A. L. Ciência, Tecnologia e Sociedade: O estado da Arte na Europa e nos Estados Unidos. In:
SANTOS, L. W. et al. Ciência, Tecnologia e Sociedade: o desafio da interação. Londrina: IAPAR, 2004. p.11-
46.
12
CUTCLIFFE, S. CTS: un campo interdisciplinar. In: MEDINA, M.; SANMARTÍN, J. Ciencia, tecnología y
sociedade: estudios interdisciplinares en la universidad, en la educación y en la gestión pública. Barcelona:
Anthropos. 1990. p. 20-41.
FIRME, R. D. N.; AMARAL, E. M. R. D. Concepções de professores de química sobre ciência, tecnologia,
sociedade e suas inter-relações: um estudo preliminar para o desenvolvimento de abordagens CTS em sala de
aula. Ciência & Educação, v. 14, n. 2, p. 251-269, 2008.
FONTES, A.; SILVA, I. Uma nova forma de aprender Ciências: a educação em
Ciência/Tecnologia/Sociedade (CTS). 1 ed. Porto: ASA, 2004.
FRACALANZA, H. O ensino de ciências no Brasil. In: FRACALANZA, H.; MEGID NETO, J. O livro
didático de ciências no Brasil. Campinas: Komedi, 2006. p.126-152.
GARCIA, J. L. Biotecnologia e biocapitalismo global. Análise Social, v. 181, p. 981-1009, 2006.
GUILHOTO, J. J. M.; ICHIHARA, S. M.; SILVEIRA, F. G.; DINIZ, B. P. C.; AZZONI, C. R.; MOREIRA, G.
R. C. A importância da agricultura familiar no Brasil e em seus estados. In: ENCONTRO NACIONAL DA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS, 5, 2007, Recife. Anais...Recife:
ABER, 2007. p. 1-18.
HOLLANDER, M.; WOLFE, D. A.; CHICKEN, E. Nonparametric Statistical Methods. 3 ed. New York: John
Wiley & Sons, 2013.
LIMA JUNIOR, P.; DECONTO, D. C. S.; ANDRELLA NETO, R.; CAVALCANTI, C. J. H.; OSTERMANN,
F. Marx como referencial para análise de relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Ciência & Educação, v.
20, n. 1, p. 175-194, 2014.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, ONU. Convenção de Biodiversidade, Artigo 2, 1992.
PALÁCIOS, F. A.; OTÉRO, G. F.; GARCIA, T. R. Ciencia, Tecnología y Sociedad. 1 ed. Madrid: Ediciones
Del Laberinto, 1996.
RICARDO, E. C.; CUSTÓDIO, J. F.; REZENDE JÚNIOR, M. F. A tecnologia como referência dos saberes
escolares: perspectivas teóricas e concepções dos professores. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 29, p.
135-147, 2007.
SANTOS, W. L. P. dos. Contextualização no ensino de ciências por meio de temas CTS em uma perspectiva
crítica. Ciência & Ensino, v. 1, número especial, p. 1-12, 2007.
SOUZA, F. L.; PEDROSA, E. M. P. O enfoque CTS e a pesquisa colaborativa na formação de professores em
ciências. Revista Amazônica de Ensino de Ciências. v. 4, n. 7, p. 24-33, 2011.
TIZIOTO, P. C.; ARAÚJO, E. S. N. N. de. Biotecnologia e bioética nos livros didáticos. In: ENCONTRO
NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 6, 2007, Belo Horizonte. Anais...Belo
Horizonte: ABRAPEC, 2007. p. 1-11.
Von LINSINGEN, I. Perspectiva educacional CTS: aspectos de um campo em consolidação na América Latina.
Ciência & Educação, v. 1, número especial, p. 1-16, 2007.