Conceitualizacao e Mapeamento Dos Processos Texteis Na Regiao Metropolitana de Porto Alegre

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CONCEITUALIZAÇÃO E MAPEAMENTO DOS PROCESSOS ARTESANAIS TÊXTEIS NA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE Anne Anicet (Doutoranda em Design, Universidade de Aveiro, e Design de Moda, Centro Universitário Ritter dos Reis) Tatiana Laschuk (Design de Moda, Centro Universitário Ritter dos Reis) Camila Konradt Pereira (Design de Moda, Centro Universitário Ritter dos Reis) Resumo: O presente artigo mostra alguns conceitos inicialmente trabalhados relacionados a artesanato e processos têxteis, que servirão de guias para a pesquisa sobre processos têxteis manuais ou semi-industriais que estejam relacionados à produção cultural local e à memória coletiva, e que sejam desenvolvidos e produzidos na região metropolitana de Porto Alegre no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Palavras chave: processos têxteis, artesanato, sustentabilidade e produção cultural. Abstract: This paper shows some concepts initially worked related to handcrafts and textiles processes, which serves as a guides for research on textile processes, manual or semi-industrial production, that are related to local cultural production and collective memory, which are developed and produced in the metropolitan region of Porto Alegre in Rio Grande do Sul, Brazil. Keywords: textiles processes, handcrafts, sustainability e cultural production. 1. Introdução O presente artigo apresenta a fase inicial da pesquisa docente do Centro Universitário Ritter dos Reis, intitulado “Produção Cultural e Processos Têxteis”, que está sendo realizado no Estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente na região metropolitana de Porto Alegre. Trataremos da definição de alguns conceitos fundamentais para o início da pesquisa, e mostraremos a primeira fase da pesquisa de coleta de dados, através do mapeamento de processos têxteis artesanais na regiăo metropolitana de Porto Alegre. Ressaltamos a importância do tema da pesquisa aqui apresentada, apresentando alguns números relacionados aos processos artesanais no Brasil. Os trabalhos manuais hoje, são uma opção de renda, que vem crescendo de forma gradual, e respondem a 2.8% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. É uma atividade que emprega cerca de 8,5 milhões de pessoas e fatura R$ 28 bilhões por ano (MINC/IBGE, 2006). Também na área acadêmica, este tema passou a ser objeto de estudo frequente nos últimos tempos, debate que contribuiu para o aprofundamento de alguns aspectos conceituais relativos ao artesanato. Através destes números expressivos dos trabalhos artesanais no Brasil, consideramos relevante a pesquisa aqui apresentada, que tem como objetivo o registro dos processos têxteis artesanais através da observação simbólica feita com registro fotográfico e descritivo, investigando os aspetos que envolvem o processo de produçăo artesanal e semi-industrial têxtil sob o olhar das relações socioculturais percebidas nas

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  • CONCEITUALIZAO E MAPEAMENTO DOS PROCESSOS ARTESANAIS TXTEIS

    NA REGIO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE

    Anne Anicet (Doutoranda em Design, Universidade de Aveiro, e Design de Moda, Centro Universitrio Ritter dos Reis)

    Tatiana Laschuk (Design de Moda, Centro Universitrio Ritter dos Reis)

    Camila Konradt Pereira (Design de Moda, Centro Universitrio Ritter dos Reis)

    Resumo: O presente artigo mostra alguns conceitos inicialmente trabalhados relacionados a artesanato e processos txteis, que serviro de guias para a pesquisa sobre processos txteis manuais ou semi-industriais que estejam relacionados produo cultural local e memria coletiva, e que sejam desenvolvidos e produzidos na regio metropolitana de Porto Alegre no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

    Palavras chave: processos txteis, artesanato, sustentabilidade e produo cultural.

    Abstract: This paper shows some concepts initially worked related to handcrafts and textiles processes, which serves as a guides for research on textile processes, manual or semi-industrial production, that are related to local cultural production and collective memory, which are developed and produced in the metropolitan region of Porto Alegre in Rio Grande do Sul, Brazil.

    Keywords: textiles processes, handcrafts, sustainability e cultural production.

    1. Introduo

    O presente artigo apresenta a fase inicial da pesquisa docente do Centro Universitrio Ritter dos Reis, intitulado Produo Cultural e Processos Txteis, que est sendo realizado no Estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente na regio metropolitana de Porto Alegre. Trataremos da definio de alguns conceitos fundamentais para o incio da pesquisa, e mostraremos a primeira fase da pesquisa de coleta de dados, atravs do mapeamento de processos txteis artesanais na regio metropolitana de Porto Alegre.

    Ressaltamos a importncia do tema da pesquisa aqui apresentada, apresentando alguns nmeros relacionados aos processos artesanais no Brasil. Os trabalhos manuais hoje, so uma opo de renda, que vem crescendo de forma gradual, e respondem a 2.8% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. uma atividade que emprega cerca de 8,5 milhes de pessoas e fatura R$ 28 bilhes por ano (MINC/IBGE, 2006). Tambm na rea acadmica, este tema passou a ser objeto de estudo frequente nos ltimos tempos, debate que contribuiu para o aprofundamento de alguns aspectos conceituais relativos ao artesanato.

    Atravs destes nmeros expressivos dos trabalhos artesanais no Brasil, consideramos relevante a pesquisa aqui apresentada, que tem como objetivo o registro dos processos txteis artesanais atravs da observao simblica feita com registro fotogrfico e descritivo, investigando os aspetos que envolvem o processo de produo artesanal e semi-industrial txtil sob o olhar das relaes socioculturais percebidas nas

  • localidades o objeto de pesquisa deste estudo. Como delimitao do locus de pesquisa, o recorte apresenta a regio Metropolitana de Porto Alegre.

    2. O Artesanato

    Segundo conceito adotado pelo Simpsio Internacional UNESCO/CCI, o artesanato se caracteriza pela produo manual de trabalhos produzidos por um arteso, que compe a origem da palavra artesanato (arteso + ato). Tais produtos so feitos totalmente a mo ou com a ajuda de ferramentas manuais ou, ainda, com a utilizao de meios mecnicos, desde que o manuseio direto do arteso seja o componente mais importante do produto acabado (MANILLA, 1997).

    Quanto classificao dos artesos, os mesmos podem ser classificados de acordo com forma de trabalho: o arteso artista, aquele produz peas que provocam sentimento de admirao. O arteso-arteso, aquele que muitas vezes se utiliza de ferramentas e mecanismos rudimentares, centrado no aspecto utilitrio das peas. O arteso semi-industrial, aquele que produz a partir de moldes ou de processos semi-industriais e reproduz dezenas de peas iguais (MATOS, 2007).

    Como atividades artesanais, podemos observar diversos tipos de trabalhos: cermica, cestaria, tapearia e outros. Entre estes, esto os trabalhos manuais relacionados rea txtil, faceta do artesanato de que se trata este projeto de pesquisa: os processos txteis. Entende-se como processos txteis fiao, beneficiamento, tecelagem, enobrecimento e confeco (BASTIAN, 2009). O presente projeto de pesquisa ter seu foco nos processos de fiao, tecelagem e enobrecimento txteis.

    A fiao, primeiro processo txtil que dar origem aos processos de tecelagem e beneficiamento, pode ser feita atravs dos processos de extruso para fibras qumicas tanto artificiais quanto sintticas, e para fibras naturais, o processo pode ser por filatrio de anis para fios penteados, ou open-end e jet spinner para fios cardados. Quanto aos processos de tecelagem, relacionados construo de substratos txteis, temos a tecelagem plana, o tricot ou malharia, e a feltragem, processos estes que podem ser desenvolvidos de forma manual ou industrial (figura 1). Estes processos utilizam fibras txteis naturais, de origem vegetal, animal ou mineral, ou fibras qumicas, de origem sinttica ou artificial (LASCHUK, 2009). Na figura 1, podemos identificar os produtos provenientes destes processos. Com o substrato txtil pronto, segue o processo de enobrecimento, que engloba etapas de preparao, tingimento, estamparia e acabamento de tecidos, malhas ou artigos confeccionados (BASTIAN, 2009).

  • Fig. 1 Tecido, malha e feltro.

    2.1. Projetos Txteis com Orientao para o Design

    O processo de desenvolvimento de produtos artesanais apresenta em suas caractersticas muitas similaridades ao processo projetual atribudo ao design. As diferenas, no entanto, aparecem na forma como surgem estas tcnicas, intimamente relacionadas aos aspectos culturais de um grupo ou comunidade, normalmente passadas de gerao a gerao e, em poucos casos, aprendidas em cursos ou escolas. Quanto orientao para o design, grande parte dos projetos existentes busca o que se pode chamar de revitalizao do artesanato (BORGES, 2011), sendo uma forma de tornar os produtos artesanais mais comerciais, tendo a orientao de um designer na elaborao dos produtos. Um destaque no impulsionamento do artesanato atravs do design o Projeto Talentos do Brasil, que tem a iniciativa do Ministrio da Cultura e Desenvolvimento Agrrio (MDA), com o objetivo de estimular a troca de conhecimentos entre designers e cooperativas e grupos de artess de todas as regies do pas.

    O Estado do Rio Grande do Sul possui uma diversidade de culturas com influncias que vo desde as Indgenas, as de imigrao Europia e as de origem Africana. As tcnicas surgidas atravs das imigraes foram ao longo do tempo sendo desenvolvidas e se transformando e adaptando s necessidades locais. Atualmente alguns projetos gachos buscam resgatar estas tcnicas: A Ladril tem como objetivo o resgate cultural, trazendo como referncia e inspirao os ladrilhos hidrulicos encontrados no patrimnio arquitetnico histrico da regio de Pelotas e tem como matria prima principal a l natural, que sob o olhar da Ladril, esta matria-prima pode adquirir as mais diversas formas estticas, transformando-se em verdadeiras peas de arte. A Ladril tem orientao de designers e artesos de Jaguaro, Pedras Altas e Pelotas, que desenvolvem colees especiais para marcas como Tok&Stok (LADRIL, 2012).

    A Cooperativa L Pura, instalada nas cidades gachas de So Borja, Uruguaiana e Livramento, que inicialmente foi uma ideia de um grupo de artess, em 2005, , hoje, referncia no mercado nacional e exterior. Em 2009, a Cooperativa lanou o projeto L Pura, atendido pelo projeto Desenvolvimento Turstico do Pampa Gacho - ao impulsionada pelo Sebrae/RS -, integra o Projeto Talentos do Brasil, que busca valorizar a identidade cultural do Pas por meio da manufatura. O grupo utiliza a cultura regional, os hbitos e os costumes locais para agregar valor aos produtos artesanais e conta com a coolaborao de designers como Liana Bloise, Lui Lo Pumo, Tina Azevedo Moura e Renato Imbroisi, sendo o ltimo alm de designer, o coordenador geral. O resultado dos produtos so acessrios em feltro e tecidos em l, como a faixa Guaiaca e o cachecol Boleadeira (figura 2) (L PURA, 2012).

  • Fig. 2 Faixa Guaiaca e Cachecol Boleadeira.

    Outro exemplo situado na regio metropolitana de Porto Alegre, a Cooparigs que tem origem na SADI, Sociedade dos Amigos das Ilhas do Guaba, criada em 1972. Ao longo destes anos, tem estimulado a gerao de trabalho e renda, difundindo a cultura atravs do artesanato. O programa "Mo Gacha" da Cooparigs possui expressivo desempenho e reconhecimento atravs do trabalho de artess, que produzem diversos tipos de produtos atravs do reaproveitamento de resduos da indstria txtil e caladista. O grupo de artess produzem tapetes de algodo, a partir de resduos da indstria caladista, antes considerado material no reaproveitvel. Assim, alm da gerao de trabalho e renda, colabora com o meio ambiente alm de produzir um produto final de qualidade.

    3. A Produo Cultural, Memria e Processos Txteis

    O desenvolvimento de trabalhos manuais txteis recorrente em todo pas, adquirindo caractersticas especficas de acordo com as variaes culturais locais e de grupo. Na regio metropolitana de Porto Alegre, a complexidade do contexto social constitudo por diferentes culturas e etnias, propicia a produo e reproduo de diversas tcnicas artesanais e semi-industriais de desenvolvimento de materiais txteis. Por um lado, poucas so as pesquisas realizadas que tenham como problema de investigao os processos de desenvolvimento txtil e suas relaes com cultura, identificaes e memria; por outro, latente a necessidade de registro destes processos de forma aprofundada, com base em inferncias, anlise e documentao in loco das relaes socioculturais e atividades que envolvem a produo. Consideramos que o conceito de cultura pressupe um modo de vida global em que conhecimentos so gerados atravs de prticas sociais e suas significaes, portanto, observado no mbito de todas as atividades sociais, como podemos perceber na linguagem, estilos de arte ou determinados trabalhos intelectuais, assim como as relaes que envolvam os meios de produo (WILLIAMS, 1992). O pensamento de Williams se aproxima do conceito que Geertz ao estudo da cultura, de observao interpretativa das teias e significados construdos atravs das relaes sociais (GEERTZ, 2008).

    Os processos txteis adquirem valor cultural, tramados e transformados atravs das relaes sociais e de produo. Para Holbwachs (2004), esses objetos e prticas so incorporados memria coletiva de um grupo, que est sempre relacionada construo de significados e se apresenta como um dos fatores que influenciam o processo de socializao. Neste sentido, os significados atribudos aos processos de produo e produtos txteis artesanais relacionam-se ao sentimento de pertencimento grupos, localidades, culturas. Este projeto prope o resgate destes referenciais, objetivando que este material cultural no se extinga. Todo o processo que resgata a memria e possui um grau determinado de afetividade coletiva desta em relao ao produto, pode promover o aumento do ciclo de vida deste produto. A conjuno design para inovao social (MANZINI, 2008) e objeto txtil como memria, possibilita, desta forma, uma reflexo sobre sustentabilidade relacionada aos processos produtivos, de significao e uso de bens, assim como, das prticas sociais de consumo de materiais txteis que tenham, por seu valor simblico, prazo de validade mais longo em relao ao que se pode observar na indstria txtil contempornea.

  • 4. A Sustentabilidade

    A sustentabilidade na presente pesquisa pode ser observada enquanto design de sistemas para a sustentabilidade (VEZZOLI, 2010), enquanto resgate dos processos txeis atravs do trabalho das artess. Segundo o autor (ibid.), o design de sistemas para a sustentabilidade pode ser definido como o design de sistemas de produtos e servios ecoeficientes, socialmente coesos e equnimes, que sejam capazes de satisfazer a uma demanda especfica (de clientes/usurios), bem como o design de interao dos atores envolvidos no sistema de produo de valor.

    O design de sistemas para a sustentabilidade uma evoluo do ciclo de vida do produto porque ressalta a relao do sistema produto-servio atravs da interao entre os atores envolvidos no sistema atravs de parcerias, abordando a sustentabilidade alm dos aspectos ambientais, mas tambm sob os aspectos scio-ticos e econmicos.

    Neste sentido, pretende-se analisar como as comunidades de artess esto se estruturando sob aspecto scio-tico; que tipos de trabalhos manuais esto desenvolvendo e se o artesanato auxilia, ou no, de forma sustentvel as pessoas que delas fazem parte, seja em termos de complementao de renda (aspecto econmico), seja atravs do reaproveitamento de resduos provenientes das indstrias txteis (aspecto ambiental). Os Bancos de Vesturios da FIERGS e de Caxias do Sul so alguns exemplos de locais que recebem o excedente dessas empresas txteis e de confeco e redistribuem para as comunidades carentes.

    O artesanato possui grande valia para inmeras familias como complementao de renda, pois muitas artess no conseguem trabalhar fora de suas residncias devido a necessidade de cuidar de seus filhos e pais que esto com idade mais avanada. Assim, o artesanato pode permitir a essas mulheres, e por que tambm no homens, desenvolverem trabalhos manuais em suas casas, sem retir-los dos seus contextos sociais de moradia.

    5. Objetivos da Pesquisa

    A pesquisa tem como objetivo geral o registro dos processos txteis artesanais atravs de material descritivo e fotogrfico, bem como a observao de questes simblicas surgidas atravs de relaes sociais mediadas pela produo de substratos txteis desenvolvidos em cada localidade da regio metropolitana de Porto Alegre.

    Dentre os objetivos especficos da pesquisa esto as definies de conceitos de processos txteis artesanais, design, sustentabilidade e incluso social. Alm disto, objetiva-se a identificao de possveis localidades de referncia de produo de processos txteis artesanais; registro das relaes sociais e processos txteis gerados nas localidades pesquisadas; e anlise, organizao e documentao dos dados coletados com vistas a gerar um acervo de dados para pesquisas futuras na rea de processos txteis.

    6. Metodologia

    No que se refere ao escopo terico-metodolgico, possvel notar a influncia da fenomenologia weberiana tanto na antropologia cultural, como nas teorias de Douglas (2009) e Geertz (2004), quanto nos estudos culturais. A partir desta concepo, a cultura constri-se com base em significados gerados atravs das relaes sociais. O conhecimento considerado um empreendimento de formulao conjunta por

  • indivduos que interagem na construo contnua do que conhecem como realidade. O processo de significao dos elementos da cultura podem passar pelos rituais e objetos na criao de significados durveis ou memria (DOUGLAS, 2009). A observao das prticas culturais, processos de produo e relao com os objetos torna-se essencial no estudo de determinada cultura. No caso especfico dos processos e produtos txteis, como bens durveis, estes possuem um significado em construo, ou seja, transforma-se ao longo do processo de produo, troca ou consumo, e uso (BARNARD, 2003).

    Desta forma, define-se a metodologia de pesquisa priorizando a inferncia de cunho etnogrfico, tendo como base a observao participante. Busca-se aqui uma descrio densa das observaes in loco com auxlio de cadernos de campo (GEERTZ, 2004; BECKER, 1994). O mtodo de observao participante visa aproximao com o objeto de pesquisa de forma a incorporar elementos das relaes sociais e culturais que seriam dificilmente constatados atravs de entrevistas. Assim, tambm, em relao aos processos de produo e manuseio dos produtos txteis, que podem ser registrados atravs de fotografias e vdeos. Esta etapa prioriza identificar as categorias previamente estabelecidas de acordo com os tipos e classificaes de processos txteis. Por outro lado, a utilizao de entrevistas narrativas (BAUER & GASKELL, 2008) aparece como uma ferramenta importante para a leitura do conjunto de dados. As entrevistas qualitativas se propem a contemplar aspectos da relao do arteso com a cultura como as formas de aprendizagem, os processos de produo e reproduo, memria incorporada, influncia destes processos nas relaes sociais de grupo, formas de significao, uso e comercializao. Neste sentido, os grupos de dados so complementares, sendo o discurso um guia para a leitura da observao e a observao uma forma de contextualizar a fala dos entrevistados de acordo com o momento e condies em que foi dita. Busca-se, assim, uma interpretao que parta dos preceitos e significados da prpria cultura pesquisada. Podemos definir, portanto, como corpora de dados a serem coletados, os relatos de observaes participantes e cadernos de campo, transcries de entrevistas narrativas com pessoas envolvidas nos processos de produo dos materiais txteis, fotografias dos processos e relaes estabelecidas com os objetos txteis.

    7. O artesanato na regio metropolitana de Porto Alegre

    O mapeamento do artesanato na regio metropolitana de Porto Alegre est sendo realizado atravs da escolha de entidades que se relacionam direta e indiretamente com o artesanato, atravs do desenvolvimento de prticas artesanais e pela promoo de aes vinculadas a estes processos, e que podem contribuir com informaes relacionadas a entidades e organizaes que produzam o artesanato manual ou semi-industrial. Foram escolhidas cinco entidades que atuam na regio metrolitana e que esto apontadas na figura 3.

  • Fig. 3- Processos Txeis

    A Casa do Arteso faz parte do PGA, Programa Gacho do Artesanato, que tem por misso incentivar a profissionalizao dos trabalhadores que produzem artesanato e fomentar a atividade artesanal com polticas de formao, qualificao e orientao ao arteso, buscando a qualidade da produo, a ps produo e a comercializao (FGTAS, 2012).

    A Rede Arte Social, vinculada a Parceiros Voluntrios, composta basicamente por 20 organizaes sociais, que produzem artesanato de forma sustentvel, ao passo que agregam valor aos seus produtos para dar visibilidade s organizaes participantes e suas causas, despertando assim, uma viso empreendedora e de cooperao entre os artesos, podendo atender inclusive a pedidos volumosos de produtos (Parceiros Voluntrios, 2012).

    O Bancos do Vesturio, parte integrante do Projeto dos Bancos Sociais, da FIERGS, Federao das Indstrias do Rio Grande do Sul, tem o propsito de recolher os resduos industriais txteis de empresas de tecelagem e confeco, e repassar associaes e comunidades que possuem servios de corte e costura, e desevolvem cursos em parceria com o SENAI, fazendo com que estas aproveitem os resduos e possam suprir a falta de vesturio e roupas de cama, e que muitas vezes acabam transformando os resduos txteis em objetos de artesanato (www.bancossociaisrs.org.br).

    O SIVERGS, Sindicato das Indstrias do Vesturio do Estado do Rio Grande do Sul, que desenvolve projetos de interesse coletivo e representa os industriais junto aos mais diversos rgos da administrao pblica (SIVERGS, 2012), e a SMIC, Secretaria Municipal da Produo, Indstria e Comrcio, que possui competncia para atuar nas reas de desenvolvimento agropecurio, industrial e comercial em Porto Alegre serviro como fonte de pesquisa no que concerne ao reconhecimento de indstrias de confeco, que trabalham com tcnicas artesanais txteis realizados na zona metropolitana de Porto Alegre (SMIC, 2012).

    As inferncias iniciais consistiram em um levantamento de dados juntamente s instituies citadas, com o intuito de mapear os processos txteis artesanais. J no incio da coleta de dados, foi possvel identificar a dificuldade de anlise das informaes da SMIC e do SIVERGS, em funo da grande quantidade de cadastros e diferentes nomenclaturas. O mapeamento dos processos artesanais, neste caso, necessitaria uma grande equipe de pesquisa e um espao de tempo muito maior para a verificao. Outro aspecto que direciona a pesquisa delimitao do objeto em um estudo de cunho qualitativo com foco apenas nos processos artesanais. Sendo assim, dos dados coletados at ento sero aproveitados na gerao das categorias e anlises somente aqueles provenientes das pesquisas junto Casa do Arteso, instituio Parceiros Voluntrios e aos Bancos do Vesturio vinculados FIERGS.

    8. Concluso

    Apresentamos at o presente momento neste artigo, alguns conceitos referentes s prticas manuais e semi-industriais do artesanato, bem como nmeros sobre a atividade no Brasil, que mostra a relevncia desta pesquisa como fonte de

  • investigao, indo alm do aspecto de catalogao dos processos, mas tambm revelando as relaes socioculturais nas localidades a serem pesquisadas com os processos manuais desenvolvidos. Quanto ao mapeamento do artesanato na regio metropolitana de Porto Alegre, fica clara a relevncia de algumas entidades como a Casa do Arteso, Bancos do Vesturio e a Rede Arte Social, entidades diretamente ligadas ao artesanato, pois estas possuem informaes que nos levam ao contato direto com os artesos.

    O movimento de mapeamento dos processos txteis artesanais nos auxilia, desta forma, a delinear o objeto e locus de pesquisa, assim como, a definio prvia de algumas categorias ou possveis divises nos tipos de processos encontrados, reduzindo o recorte de inferncia e facilitando o processo de anlise dos dados. Esta reduo considera ainda as especificidades da pesquisa etnogrfica, observaes e registros, tornando necessria a imerso no campo de pesquisa de forma aprofundada, etapa que se demostra mais demorada e com limitaes externas ao grupo de pesquisa, dependendo muitas vezes da disponibilidade dos informantes, no caso os artesos. Este momento de pesquisa, portanto, consiste na articulao das informaes coletadas, procurando observar as semelhanas e diferenas encontradas entre os diversos casos, desde tipologia do produto txtil, processo de produo e relao com aspectos da cultura, com finalidade de formular categorias que indicaro a amostragem para inferncia etnogrfica. Por fim, para o grupo de pesquisa, parece claro o fato de que as investigaes no somente traro esclarecimentos, mas tambm novas questes a serem exploradas e discutidas em artigos futuros no que diz respeito aos processos txteis artesanais.

    9. Bibliografia

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