Comunicação e Expressão - MATEMATICANDO · O que achei esquisito foi que ela não me dissesse...

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Capítulo 3 Professor: Edson Comunicação e Expressão

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Capítulo 3

Professor: Edson

Comunicação e Expressão

Capítulo 3

Professor: Edson

TEXTOS TEMÁTICOS E TEXTOS FIGURATIVOS:

DUAS FORMAS DE CONSTRUIR MEU TEXTO

Caro aluno,

Se fossem solicitadas duas palavras que pudessem simbolizar o amor, quais

palavras você escolheria?

Talvez você tenha pensado em várias, mas podemos destacar duas: coração

e paixão.

Qual dessas duas palavras é a mais concreta para você, ou seja, você

consegue visualizar a forma, a cor? Tenho certeza de que respondeu a palavra

coração. E você está certo. Já da palavra paixão nós podemos ter uma noção do

que seja, mas nós não conseguimos visualizar sua aparência, ou seja, concretizá-

la.

É isso o que acontece também com o texto. Existem textos que são mais

concretos, que são chamados figurativos e há textos que são mais abstratos,

como ocorre com a palavra paixão, que são nomeados temáticos.

A seguir temos três textos. O primeiro é um editorial, o segundo é um conto e

o terceiro é uma fotografia. Leia-os atentamente.

Texto 1

Remuneração de trabalhadores brancos é 90,7% maior que de pretos

A remuneração média de trabalhadores brancos foi 90,7% maior que a de pretos e pardos em setembro, último dado disponível, aponta estudo do economista Marcelo Paixão baseado na Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, que reúne dados sobre as seis maiores regiões metropolitanas do País. Desde o início da crise econômica global, o auge da desigualdade entre os dois grupos no mercado de trabalho tinha sido registrado em fevereiro, quando a renda dos brancos era 102% superior.

"Acho que qualquer queda de desigualdade é para ser comemorada. O que não se pode é ser exagerado no grau de otimismo, porque não vejo nos indicadores motivos para supor que esse ritmo de redução da desigualdade vá se manter nos próximos meses", diz Paixão, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde coordena o Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER).

Formado em economia e doutor em sociologia, o professor tem algumas hipóteses para a redução registrada até setembro, um ano após o início da crise

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(em setembro de 2008, os brancos ganhavam 101% a mais). Uma delas é a retomada de investimentos na construção civil, que recebeu incentivos do governo. A participação dos pretos e pardos no setor é majoritária (59,9%). Outra explicação seria a maior presença deste grupo em setores informais, em tese menos afetados pela crise. Dados da PME mostram que o peso do setor formal era de 65% entre os brancos do sexo masculino, e de 60% entre os pretos e pardos - já entre as mulheres, era de 58% (brancas) e 47% (pretas e pardas).

"No momento em que a crise atingiu o seu momento mais complicado, as desigualdades aumentaram. Ao longo do ano, à medida que o País foi conseguindo resistir de maneira mais forte do que se supunha, houve um declínio nas desigualdades, que ainda são muito profundas e dificilmente vão ser superadas apenas com medidas de características mais gerais", avalia o professor.

Em setembro deste ano, a maior desigualdade foi registrada na região metropolitana de Salvador, onde a remuneração dos brancos era 136% maior que a de pretos e pardos, seguido por Recife (96,5% maior), Rio (96,1%), Belo Horizonte (95,3%), São Paulo (91,5%) e Porto Alegre (51,9%). No conjunto das seis regiões metropolitanas, a taxa de desemprego das mulheres pretas e pardas foi de 11,2%, mais que o dobro da taxa dos homens brancos (5,3%).

Para Paixão, há "forte persistência da preservação de abismos" no Brasil. "Uma política de expansão do crédito e mais frouxa do ponto de vista fiscal não tem por objetivo combater desigualdades sociais nem raciais", diz ele. "Elas podem até ter esse efeito indireto, mas o ideal seria que fossem combinadas com ações afirmativas e políticas de valorização de grupos que estão historicamente numa situação de muita desvantagem. Na medida em que forem alvo de uma política positiva, essas desigualdades poderão cair de forma mais consistente." A publicação lançada hoje será mensal, acompanhando a PME. (Felipe Werneck - AE)

(http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=77&id=239893)

Texto 2

AA SS MM ÃÃ OO SS DD OO SS PP RR EE TT OO SS

Já nem sei a que propósito é que isso vinha, mas o Senhor Professor disse um dia que as palmas das mãos dos pretos são mais claras do que o resto do corpo porque ainda há poucos séculos os avós deles andavam com elas apoiadas ao chão, como os bichos do mato, sem as exporem ao sol, que lhes ia escurecendo o resto do corpo. Lembrei-me disso quando o Senhor Padre, depois de dizer na catequese que nós não prestávamos mesmo para nada e que até os pretos eram melhores do que nós, voltou a falar nisso de as mãos deles serem mais claras, dizendo que isso era assim porque eles, às escondidas, andavam sempre de mãos postas, a rezar.

Eu achei um piadão tal a essa coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agora é ver-me a não largar seja quem for enquanto não me disser porque é que eles têm as palmas das mãos assim tão claras. A Dona Dores, por exemplo, disse-me que Deus fez-lhes as mãos assim mais claras para não sujarem

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a comida que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que lhes mandem fazer e que não deva ficar senão limpa.

O Senhor Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em quando, quando as coca-colas das cantinas já tenham sido todas vendidas, disse-me que tudo o que me tinham contado era aldrabice. Claro que não sei se realmente era, mas ele garantiu-me que era. Depois de eu lhe dizer que sim, que era aldrabice, ele contou então o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim:

“Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria São Pedro, muitos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que tinham morrido e ido para o céu, fizeram uma reunião e decidiram fazer pretos. Sabes como? Pegaram em barro, enfiaram-no em moldes usados e para cozer o barro das criaturas levaram-nas para os fornos celestes; como tinham pressa e não houvesse lugar nenhum, ao pé do brasido, penduraram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu agora queres saber porque é que as mãos deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de se agarrar enquanto o barro deles cozia?!”.

Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos.

Nesse mesmo dia, o Senhor Frias chamou-me, depois de o Senhor Antunes se ter ido embora, e disse-me que tudo o que eu tinha estado para ali a ouvir de boca aberta era uma grandessíssima pêta. Coisa certa e certinha sobre isso das mãos dos pretos era o que ele sabia: que Deus acabava de fazer os homens e mandava-os tomar banho num lago do céu. Depois do banho as pessoas estavam branquinhas. Os pretos, como foram feitos de madrugada e a essa hora a água do lago estivesse muito fria, só tinham molhado as palmas das mãos e as plantas dos pés, antes de se vestirem e virem para o mundo.

Mas eu li num livro que por acaso falava nisso, que os pretos têm as mãos assim mais claras por viverem encurvados, sempre a apanhar o algodão branco de Vírginia e de mais não sei aonde. Já se vê que a Dona Estefânia não concordou quando eu lhe disse isso. Para ela é só por as mãos desbotarem à força de tão lavadas.

Bem, eu não sei o que vá pensar disso tudo, mas a verdade é que ainda que calosas e gretadas, as mãos dum preto são sempre mais claras que todo o resto dele. Essa é que é essa!

A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão de as mãos de um preto serem mais claras do que o resto do corpo. No dia em que falamos disso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de se rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e mesmo assim a chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela me disse foi mais ou menos isto: “Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver... Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles

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ficassem exatamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra dos homens... Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos”.

Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.

Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.

Luis Bernardo Honwana (autor moçambicano)

Texto 3

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Se perguntássemos: “Qual é o assunto dos três textos?” Qual seria a sua

resposta? Podemos dizer que os três textos têm o mesmo tema?

No texto 1, o editorialista discute a respeito da desigualdade racial. Para

tratar dessa questão, ele usa dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística), que fez uma pesquisa nas seis maiores regiões metropolitanas do

Brasil, e constatou que a remuneração média de trabalhadores brancos foi 90,7%

maior que a de negros e pardos.

No texto 2, temos um conto que narra à busca de sanar a curiosidade de um

garoto que fora provocada por opiniões completamente diferentes, do Senhor

Professor e do Senhor Padre, ao tentarem definir o motivo que levou as palmas das

mãos dos negros serem mais claras do que o resto do corpo. Diante dessa

curiosidade, o garoto começa a perguntar para algumas pessoas as suas opiniões

sobre o assunto, buscando sempre uma resposta que lhe satisfizesse. Ao buscar a

explicação desse fenômeno, o narrador se depara com diversas opiniões, as quais

são frutos de uma justificativa ideológica. Deparamo-nos com as explicações de

Dona Dores, do Senhor Antunes da Coca-Cola, do Senhor Frias, da mãe etc. Todas

elas procuram justificar a desigualdade social e colocam o negro como um ser

inferior ao branco.

As imagens, mostradas no texto 3, remetem a uma mão maior de tonalidade

branca e uma mão menor de tonalidade negra. Nessa fotografia também temos a

discussão da desigualdade social, caracterizando o branco como uma condição de

superioridade ao negro, como se isso fosse uma verdade.

Apesar de discutirem sobre o mesmo assunto, os três textos são muito

distintos um do outro. O primeiro é construído predominantemente por elementos

abstratos, que chamaremos de temas. O segundo foi composto basicamente por

termos concretos, que chamaremos de figuras. O terceiro foi construído somente

com imagens, portanto, elementos concretos, designados também de figuras.

Provavelmente, você esteja pensando: Mas,

afinal... o que são estes tais elementos concretos

e abstratos?

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Platão e Fiorin, em seus livros “Lições de texto: leitura e redação” e “Para

entender o texto: leitura e redação”, discutem de forma muito clara essas questões,

por isso, nós nos pautaremos neles, quase que integralmente, para explicá-las.

Desde os primeiros anos de escola, aprendemos que os substantivos

classificam-se em concretos e abstratos e assim criou-se a seguinte definição:

• Concreto

o É todo termo que indica algo presente no mundo natural,

material ou espiritual, real ou fictício: casa, cor, Deus,

fada, saci, amigo etc.

o É aquilo que está na realidade, ou seja, no mundo visível

e palpável. É o que pode ser visto ou tocado pelos olhos,

sentimentos e mãos humanas.

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Essas definições têm algumas deficiências. A primeira que podemos

destacar é que elementos concretos e abstratos não são categorias da realidade,

mas da linguagem. Por conseguinte, a expressão mundo natural não é somente a

realidade exterior, visível, sensível, mas as realidades criadas pelo discurso. Assim,

não há o menor propósito em perguntar se Deus, fada ou saci são concretos ou não

e em responder que isso depende da crença que se tenha neles. Eles são

concretos, porque Deus é um ser efetivamente presente no universo criado pelo

discurso religioso, fada tem existência na realidade criada pelo conto maravilhoso,

saci ganha o estatuto de ser nas narrativas folclóricas.

Diante dessas definições, nós ampliamos aquele conceito ao pensarmos que

somente os substantivos são classificados em concreto e abstrato, mas todos os

termos podem ter essa classificação. Assim, temos substantivos, adjetivos e verbos

concretos e abstratos. Por exemplo, noite remete a algo efetivamente existente no

mundo natural, enquanto raiva não, embora possamos concretizar esse sentimento

dizendo: ficar vermelho, dar murro na mesa, gritar etc.; azul é um adjetivo concreto,

pois expressa uma qualidade imediatamente perceptível do mundo natural,

enquanto inteligente é abstrato, pois é o termo que designa uma série de elementos

concretos (aprender rapidamente, compreender tudo o que é explicado etc.); plantar

é um verbo concreto, enquanto envergonhar-se é abstrato, pois o que é concreto

são as manifestações da vergonha, por exemplo, ficar vermelho, corar etc.

• Abstrato

o É toda palavra que não indica algo presente no mundo

natural, mas é uma categoria que ordena o que está nele

manifesto - é o pensamento, a reflexão humana ou

filosófica -, o existir, a consciência e o conhecimento.

o Demonstra ideias, conceitos, ações, estados e qualidades

que não possuem uma imagem/figura previamente

concebida: amor, saudade, trabalho, tristeza, alegria - é

possível ver uma imagem de uma pessoa triste ou alegre,

mas não é possível desenhar a tristeza e a alegria.

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Como já dissemos no início, há duas formas básicas de texto: os

predominantemente concretos e os predominantemente abstratos. Os primeiros são

chamados figurativos e os segundos, temáticos. Falamos que são

predominantemente, por que um texto não é normalmente construído somente com

temas ou apenas com figuras, mas que é composto predominantemente com temas

ou figuras.

Por que é importante sabermos dessas duas formas básicas de construção

de textos? Porque cada um dos tipos tem uma função distinta.

Os textos figurativos produzem um efeito de realidade e, por isso,

representam o mundo, criam uma imagem do mundo, com seus seres e seus

acontecimentos. Os temáticos explicam as coisas do mundo, ordenam-nas,

classificam-nas, interpretam-nas, estabelecem relações e dependências entre elas,

fazem comentários sobre suas propriedades. Interessante, não??

Portanto, tematização e figurativização são dois níveis de concretização do

sentido. Isso significa que o texto temático não apresenta predominantemente

aspectos figurativos, mas todo texto figurativo tem um nível temático implícito, ou

seja, todo texto está apoiado sobre um tema. Como exemplo leia este conto

popular:

Mas por que estamos falando dessas categorias:

concreto e abstrato? Por que preciso saber isto? Parece tão

difícil e complexo!!!!

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Era uma vez um escorpião que estava na beira de um rio, quando a vegetação da margem começou a queimar. Ele ficou desesperado, pois, se pulasse na água, morreria afogado e, se permanecesse onde estava, morreria queimado. Nisso, viu um sapo que estava se preparando para saltar no rio e, assim, livrar-se do fogo. Pediu-lhe, então, que o transportasse nas costas para o outro lado. O sapo respondeu-lhe que não faria de jeito nenhum o que ele estava solicitando, porque ele poderia dar-lhe uma ferroada, levando-o à morte por envenenamento. O escorpião retrucou que o sapo precisaria guiar-se pela lógica; ele não poderia dar-lhe uma ferroada, pois, se o sapo morresse, ele também morreria, porque se afogaria. O sapo disse que o escorpião estava certo e concordou em levá-lo até a outra margem. No meio do rio, o escorpião pica o sapo. Este, sentindo a ação do veneno, vira-se para aquele e diz que só gostaria de entender os motivos que fizeram que ele o picasse, já que o ato era prejudicial também ao escorpião. Este, então, responde que simplesmente não podia negar a sua natureza.

Esse texto não narra simplesmente a história de um escorpião que

conseguiu enganar um sapo. Essa narrativa está apoiada sobre um tema, que

poderíamos apontar como: a imutabilidade do caráter humano, ou seja, ele procura

retratar que o ser humano tem uma índole e uma propensão natural que não muda.

Esse caráter, muitas vezes, manifesta-se nas circunstâncias da vida, até

mesmo quando essa manifestação contraria o bom senso. Esse texto foi construído

na linguagem figurativa, utilizando-se de termos concretos como: escorpião, sapo,

margem, rio, fogo, água etc., para desenvolver um assunto, produzindo um efeito

de realidade para criar uma imagem do mundo.

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Um leitor ingênuo permanece apenas no nível figurativo e não é capaz de

perceber os significados mais abstratos que estão sob os termos concretos.

Portanto, a sua leitura ficaria apenas na narrativa da história do sapo e do

escorpião. Já um leitor mais avisado procuraria logo um significado mais amplo

para o texto, que fossem além desses fatos concretos.

Qual é o tipo de leitura que você fez: de um leitor ingênuo ou de um leitor

mais avisado?

Buscar essa leitura mais profunda do texto é fundamental para que você

desenvolva o senso crítico, que será fundamental para o seu desenvolvimento

profissional.

Como já dissemos, todo texto se constrói pautado em um assunto. Portanto,

podemos dizer que um texto figurativo sempre trabalha com elementos concretos

para, por meio deles, revelar significados mais abstratos. Por isso, o nosso próximo

passo é entender como depreender um tema do texto figurativo e também do texto

temático.

O encadeamento de figuras

Quando estamos diante de um texto figurativo, como achar o tema que está

implícito nas figuras espalhadas ao longo do texto?

Antes de responder essa questão, é preciso, primeiramente, dizer que uma

figura não tem significado em si mesma. Isoladamente, ela pode sugerir ideias

muito variadas e noções muito imprecisas. Seu sentido só nasce do encadeamento

com outras figuras.

Você está lembrado da propaganda que usamos no Capítulo 1, que alertava

contra o uso de bebida alcoólica antes de dirigir?

Conforme já dissemos nessa primeira aula, um texto é uma unidade de

sentido, portanto, todos os elementos nele presentes têm que ter relações para

estabelecer o sentido. Assim sendo, num texto figurativo, o que dá sentido às

figuras é um tema. Por isso, encontrar o sentido de um conjunto de figuras

encadeadas é achar o tema que está subjacente a elas.

Imagine uma equipe de publicitários que tenha como meta produzir uma

propaganda que associe o produto ao tema saúde e juventude. As figuras que

poderiam mostrar esse tema são: alguém praticando esporte; uma jovem bonita,

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saudável, com vestes impecavelmente

brancas consumindo o produto; o céu

muito azul, o sol brilhando e o produto

sendo mostrado nesse clima etc.

Como se nota, todas as figuras se

articulam de maneira coerente e dessa

associação se depreende o tema

proposto.

Agora, imagine se aparecesse

nessa propaganda uma pessoa em um

leito do hospital, toda apática adquirindo o

produto, é claro que quebraria a coerência

da temática proposta.

Logo, as figuras, apesar da

oscilação possível dos seus significados,

deverão estar articuladas no interior de

um texto bem estruturado. Desse modo,

podemos afirmar que as múltiplas

significações possíveis de uma figura

isolada estão sobre controle de um

contexto, no qual se encaixam com adequação apenas algumas possibilidades

significativas.

Assim, a compreensão dos temas que estão presentes em um texto

figurativo só é possível a partir do confronto cuidadoso das figuras que se articulam

e se encadeiam no interior dele, formando uma rede de significado.

Um mesmo tema pode ser manifestado por redes figurativas diferentes, isto

é, dois escritores podem usar figuras distintas para expressar o mesmo tema. Veja

o exemplo:

Capítulo 3

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A Galinha

Todo ovo

Que eu choco

Me toco

De novo

Todo ovo

É a cara

É a clara

Do vovô

Mas fiquei

Bloqueada

E agora

De noite

Só sonho

Gemada

A escassa produção

Alarma o patrão

As galinhas sérias

Jamais tiram férias

“Estás velha, te perdôo

Tu ficas na granja

Em forma de canja''

Ah!!! é esse o meu troco

Por anos de choco???

Dei-lhe bicada

E fugi, chocada

Quero cantar

Na ronda

Na crista

Da onda

O Lobo e o Cordeiro

Um cordeiro estava bebendo água num

riacho. O terreno era inclinado e por isso havia

uma correnteza forte. Quando ele levantou a

cabeça, avistou um lobo, também bebendo da

água.

- Como é que você tem a coragem de sujar a

água que eu bebo - disse o lobo, que estava

alguns dias sem comer e procurava algum animal

apetitoso para matar a fome.

- Senhor - respondeu o cordeiro - não precisa

ficar com raiva porque eu não estou sujando nada.

Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é

impossível acontecer o que o senhor está falando.

- Você agita a água - continuou o lobo

ameaçador - e sei que você andou falando mal de

mim no ano passado.

- Não pode - respondeu o cordeiro - no ano

passado eu ainda não tinha nascido.

O lobo pensou um pouco e disse:

- Se não foi você foi seu irmão, o que dá no

mesmo.

- Eu não tenho irmão - disse o cordeiro - sou

filho único.

- Alguém que você conhece, algum outro

cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do

rebanho, e é preciso que eu me vingue.

Então ali, dentro do riacho, no fundo da

floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o

com os dentes e o levou para comer num lugar

mais sossegado.

Fábula de La Fontaine

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Pois um bico a mais

Só faz mais feliz

A grande gaiola

Do meu país

(Enriquez - Bardotti -

Chico Buarque)

Os textos “A Galinha” de Chico Buarque e a fábula “O Lobo e o Cordeiro” de

La Fontaine são textos figurativos. Eles utilizam elementos concretos diferentes

para desenvolver o mesmo tema. Qual é o tema? Lembra que o desafio é que você

faça a leitura do texto como um leitor mais avisado e não como um leitor ingênuo.

No texto “A Galinha”, os elementos concretos permitem-nos fazer a seguinte

rede figurativa. Ele fala do animal galinha que choca ovos satisfazendo ao seu

patrão, mas por estar velha a sua produção não é mais a mesma, por isso, ela sabe

que o seu destino será virar canja. A sua única salvação é dar uma bicada no

patrão e fugir para poder cantar. Ao observarmos essas ações e os elementos

figurativos apreendemos a temática de um ser que trabalha sob a pressão e que

deseja a liberdade.

Quando nas duas últimas estrofes nos deparamos com a figura gaiola e

país, esses elementos ampliam ainda mais essa temática, remetendo a uma

opressão estatal. Assim podemos dizer que a temática desse texto é a opressão

daquele que tem o poder para com aquele que o serve.

Já na fábula “O Lobo e o Cordeiro” são trabalhadas as figuras do lobo e do

cordeiro que estão num riacho bebendo água. O lobo, que é tido como animal feroz,

busca algumas razões sem fundamento para atribuir culpa ao cordeiro, que é tido

como indefeso, para devorá-lo, o que acaba ocorrendo na história. Vemos, portanto,

que aquele que é detentor da força sobrepõe-se ao mais fraco. Desta forma dois

textos com elementos concretos diferentes expressam a mesma temática: a

utilização do poder e da força na subjugação do mais fraco.

O grande desafio foi analisar como esses textos figurativos trabalham com

elementos concretos para, por meio deles, revelar significados mais abstratos, que

nesse caso seriam a opressão e a liberdade.

Capítulo 3

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O encadeamento de temas

Assim como num texto predominantemente figurativo em que as figuras se

encadeiam de modo coerente, num texto temático os temas também o fazem. Da

mesma forma que ocorre um encadeamento de elementos concretos num texto

figurativo, num texto temático ocorrerá um encadeamento de temas. Para

compreender o tema mais geral que organiza o texto, é necessário confrontar os

subtemas que estão num texto e depreender a unidade subjacente a essa aparente

diversidade.

Talvez você esteja se perguntando: como assim? Vamos ver um exemplo de

como isso funciona.

Platão e Fiorin (1994, p. 88-89) nos traz um bom exemplo. O texto a seguir é

temático, porque em sua estrutura há uma predominância de elementos abstratos,

ou seja, ele procura discutir sobre um assunto mediante alguns conceitos e não

mediante figuras. Leia-o atentamente e procure retirar qual é a sua temática.

A linguagem – a fala humana – é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador. Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam à nossa volta, prontas para envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento e nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as mais humildes ocupações da vida quotidiana aos momentos mais sublimes e mais íntimos dos quais a vida de todos os dias retira, graças às lembranças encarnadas pela linguagem, força e calor. A linguagem não é um simples acompanhante, mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento; para o indivíduo, ela é o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de pai para filho. HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perpesctiva, 1975. p. 1.

Será que nos textos abstratos isso

se torna mais fácil? Vejamos.

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Talvez a temática que você tenha dito seja: o texto fala sobre a linguagem.

Observe que essa temática é muito abrangente, pois existem diversas abordagens

sobre a linguagem. Qual é a abordagem que o texto faz sobre a linguagem, ou seja,

qual é o tema principal?

Para chegar a esse tema geral do texto, é preciso ver o encadeamento dos

diferentes temas disseminados ao longo do texto: a linguagem modela os

pensamentos, sentimentos, emoções, esforços, vontade e atos do ser humano; com

ela, o homem influencia e é influenciado; com ela o homem reflete quando está

sozinho e constrói as obras literárias, filosóficas e científicas; a linguagem modela a

consciência do homem; as lembranças são constituídas linguisticamente.

Todos esses subtemas mostram que o indivíduo pensa e age a partir da

linguagem que incorporou. É com a linguagem que convencemos os outros a fazer

determinadas coisas, a agir de certa maneira. É com ela também que os outros nos

fazem mudar de atitude, nos fazem

alterar nossa maneira de pensar. Dessa

forma, podemos dizer que o tema

central do texto é: a linguagem tem um

papel ativo na formação do indivíduo.

Portanto, o entendimento de um

texto dessa natureza requer do leitor a

capacidade de enquadrar todos os

temas disseminados ao longo do texto e

englobá-los dentro de um tema geral

que sintetize de maneira ampla todo o

conjunto.

Os temas se encadeiam em

percursos, formando um conjunto organizado. Quando há quebra nesse percurso

significa que o texto foi construído de forma incoerente ou houve alteração no tema

geral.

Por exemplo, um texto temático que faz apologia ao regime democrático

necessita discutir as oportunidades que o povo teve na escolha daqueles que os

governam, os sucessivos erros históricos do povo na escolha de seus governantes.

Caso haja uma afirmação nesse texto de que o povo não sabe votar e escolher os

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seus governantes ela não estará coerente com a temática, pois esse modo de

pensar ressalta o regime autoritário e não democrático. É muito comum ocorrer

esses tipos de desvios em produções textuais, pois os alunos acabam se

contradizendo em suas próprias afirmações ao discutir os subtemas.

Há outro exemplo colocado por Platão e Fiorin: suponhamos que estejamos

discorrendo sobre a função que tem o Estado moderno de proteger as pessoas

mais indefesas. O tema geral seria: a proteção do Estado aos indefesos.

Poderíamos enunciar subtemas relativos à educação das crianças, aos cuidados

com sua saúde, aos investimentos em habitação para a população de baixa renda.

No entanto, se, num dado ponto do texto, disséssemos que um sistema de

aposentadoria seria dispensável, pois o Estado não precisaria ocupar-se dos velhos

pobres, o texto seria incoerente, uma vez que a lógica do percurso temático foi

violada.

Portanto, quando construímos um texto, partimos sempre de uma temática,

por isso, devemos buscar ideias ou figuras que sustentam essa temática. O mesmo

ocorre quando lemos um texto. Precisamos ligar os conceitos e as figuras usadas

pelo autor para entendermos o sentido e o assunto que o texto está tratando.