Como o público vê a ciência

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Pesquisa FAPESP = Ed. 95

Transcript of Como o público vê a ciência

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• Pesqq)!i8 Ciência e Tecnologia no Brasil

SEÇÕES

CARTAS ........................... 5

CARTA DO EDITOR ................... 7

MEMÓRIA ......................... 8 Há cem anos, surgiam os primeiros filtros embutidos em talhas cerâmicas

ESTRATÉGIAS A ciência do Iraque volta a respirar ....... 10 Vergonha no navio de pesquisa .......... 10 Polêmica adiada para 2004 ............. 11 Bolsas de mestrado no Canadá ........... 11 Desafios que salvam os pobres ........... 12

Duelo a caminho da Lua ............... 12 Ciência na web ...................... 12 Pesquisas de primeiríssima linha ......... 13 Comissão avaliará pedido de mestrado ..... 13 A partilha do conhecimento ............. 13 A multiplicação dos parques ............ 14 Em defesa da Mata Atlântica ........... 14

A gênese da aguardente ............... 14 Radiografia de corpo inteiro ............ 15 Para remover os gargalos .............. 15 A cerâmica vai à escola ............... 15

REPORTAGENS

CAPA Estudo avalia percepção pública da ciência em países ibero-americanos. Otavio Frias Filho diz que espaço para ciência nos jornais vai crescer ..... 32

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

SAÚDE Fleury, Sírio-Libanês e Einstein criam institutos de pesquisa ....... 28

EMPRESAS Seminário analisa estratégias para negócios de alta tecnologia .......... 30

CIÊNCIA

OCEANOGRAFIA

Biólogos planejam repovoamento dos recifes de corais ameaçados pela pesca excessiva ........ 36

www. revistapesq uisa. fapesp. br

ECOLOGIA

Extrativismo ameaça sobrevivência dos castanhais da Amazônia ..... 42

BOTÂNICA Feita a primeira descrição detalhada do pólen do pau-brasil ............. 44

PALEOBOTÂNICA Vestígios de tundra, com 300 milhões de anos, são encontrados em São Paulo ............. 46

FARMACOLOGIA Estudos em laboratório criam a possibilidade de tratar a leishmaniose por via oral .............. 51

PESQUISA FAPESP 95 • JANEIRO DE 2004 • 3

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.. SEÇÕES

LABORATÓRIO Portas abertas para os mosquitos ......... 32 Miniímãs feitos de grafita ultrapura ....... 32 Rachaduras supersôn icas ............... 33 Quando 1)3% faz a diferença ..•..•.. . . 33 Contando moedas e filhotes ............. 33 Venenosas, rápidas e de longas pernas ..... 34 Genoma contra a lagarta da soja ......... 34 Alimentos fora da lei .................. 35

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Novas espécies de árvores na Bocaina .. ... 35 Gen es ativos em células-tronco ..... .. . .. 35

SCIELO NOTÍCIAS ........ . .. . ...... 60

LINHA DE PRODUÇÃO M icroagulhas sem dor ...........•..... 62 Indústria atua em nanotecnologia ........ 62 Nanoguitarra abre novos caminhos ........ 62 Teste para detectar substância tóxica ...... 63 Visão artificial ...................... 63 Álcool a partir do bagaço da cana ........ 64

Prog rama analisa turbinas a gás ......... 64 Gastos de energia controlados ... . ....... 65 Patentes ...... .. ........... .. ..... 65

RESENHA ......................... 94 O tupi e o alaúde, de Gilda de Mel lo e Souza

LANÇAMENTOS .................... 95

CLASSIFICADOS ................... 96

ARTE FINAL ....................... 98 Santiago

4 • JANEIRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 95

REPORTAGENS

PSIQUIATRIA

Movimentos migratórios e urbanização ampliam o risco de esquizofrenia ..... . 52

BIOINFORMÁTICA Equipes brasileiras criam programas de análise de genomas ......... 56

TECNOLOGIA

ENGENHARIA DE MATERIAIS

Pesquisadores desenvolvem aços avançados com melhores propriedades elétricas e mais resistentes à corrosão ....... 66

AGRICULTURA Sistema permite controlar a podridão floral dos citros com menos pulverizações de fungicidas ............. 72

AQÜICULTURA Estudo desenvolve sistema de análise de ração para peixes e camarões ...... 74

QUÍMICA Quimlab é a empresa do ano em incubadoras pela produção de produtos inéditos no país ........... 75

INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

Indústria adquire da UFMG o direito de produzir anti-hipertensivo ...... ... . . 76

HUMANIDADES

HISTÓRIA

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Livros mostram como elites implementaram civilização no Rio de Janeiro e em São Paulo ....... .. .. 82

CULTURA A influência que um grupo de intelectuais lusos legou ao Brasil . .. .. .. ..... 88

ARTES CÊNICAS Ator, diretor, encenador e empresário, Oduvaldo Vianna ressurge em tese .......... 90

Capa e foto da capa: Hélio de Al meida Tratamento de imagem: Tânia Maria Fotos das páginas 2 e 99: Miguel Boyayan

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Evolução

No artigo "As teias da inteligência" (edição no 93), o seguinte trecho: "As­sim, criam a possibilidade de adotar o comportamento como uma ferra­menta auxiliar na classificação e na reconstrução da história evolutiva de outros grupos de animais, como as aves e até mesmo os mamíferos -uma tarefa científica complexa, que começou no século 18 com o botâni­co sueco Lineu, a partir do estudo das formas e das estruturas biológicas, e na última década ganhou o reforço da genética': sugere que Lineu teria sido um pioneiro na área de recons­trução filogenética. Lineu era cria­cionista, e sua meta ao classificar os organismos era desvendar os planos da criação. No mesmo número de Pesquisa FAPESP há uma artigo sobre Lineu e seu trabalho, que nunca teve nada a ver com evolução. O primeiro a sugerir claramente uma classifica­ção baseada na história evolutiva foi Darwin no livro Origem das espécies (1859) e o método empregado hoje pela maioria dos sistematas, chamado de cladístico, tem origem no trabalho de Willi Hennig. Do ponto de vista do método cladístico, não existe distinção entre caracteres morfológicos, com­portamentais ou moleculares (e não "genética"). São apenas conjuntos dife­rentes de caracteres, cada um com suas vantagens, desvantagens e dificuldades. Os caracteres morfológicos são mais usados apenas porque são facilmente preservados em espécimes de coleções, a partir dos quais é possível obter uma base comparativa. O uso de caracteres comportamentais nesse tipo de abor­dagem não é novidade. A dificuldade está em obter os dados, já que é neces­sário observar representantes vivos de todos os táxons envolvidos no estudo, o que é inviável na maioria dos casos.

R EGINALDO CONSTANTINO

Depto. de Zoologia/Universidade de Brasília

Brasília, DF

Civilização na selva

Sobre a reportagem "A luz que o homem branco apagou" (edição no 92), acho que são valiosas as descobertas que permitem conhecer melhor as realizações culturais de maior porte ocorridas em socieda­des indígenas que habitavam o ter­ritório brasileiro em séculos passa­dos. No entanto, a reportagem deixa transparecer várias vezes uma su­posta ligação entre a complexidade cultural e a existência de grandes e "esplendorosas" construções como índice de desenvolvimento. A come­çar pela Carta do Editor, que em­prega termos como "vasto império" e "riqueza e esplendor" associados a civilizações pré-colombianas em con­traposição ao "primitivismo" até en­tão reputado aos índios que habita­vam o território brasileiro. Seguem duas questões fundamentais: 1) Até que ponto sociedades precisam es­banjar opulência para serem consi­deradas complexas ou desenvolvidas? 2) "Primitivo" aos olhos de quem? Uma sociedade não demonstra seu desenvolvimento apenas em obras de engenharia, na confecção de ferra­mentas tecnicamente mais sofisti­cadas, ou pelo número elevado de indivíduos, mas pode exibir suas complexidades mediante a qualida­de de suas relações éticas e sociais, ou pelo grau de abstração de sua

cultura. Muitas nações indígenas em território brasileiro apresentavam um quadro sociopolítico tão eficien­te que poderia ser considerado utó­pico para muitos modelos socio­lógicos ocidentais. Esse sofisticado meio de preservação das relações éti­cas foi totalmente perdido no am­biente dos grandes centros urbanos, pólos da chamada "civilização mo­derna". Quanto aos monumentos, não é preciso que sejam gigantescos ou perenes para que sejam comple­xos. Um bom exemplo está no ri­tual fúnebre do Quarup. Um tronco de pouco mais de 1 metro de altura condensa um símbolo monumental e profundamente complexo, numa atitude viva e atualizável de consa­gração. Depois de algum tempo, o tronco é lançado rio abaixo, cele­brando-se o fato de que nenhuma matéria é eterna. Portanto, o signi­ficado metafísico do Quarup é com­parável, ou mesmo superior, ao de qualquer pirâmide que se encontre no Egito ou no Peru. Não há espaço para me estender a outros tantos argumentos importantes, mas, como se vê, mesmo que não ocorressem es­sas importantes descobertas arqueo­lógicas citadas na reportagem não teríamos motivo algum para invejar índios de qualquer outra cultura. Cabe, antes, aprender a respeitar me­lhor os da nossa.

Revista

FÁBIO L EÃO FIGUEIREDO

São Paulo, SP

A revista Pesquisa FAPESP, nú­mero após número, surpreende-nos pela atualidade e relevância das in­formações e, sobretudo, pela sua qualidade editorial e gráfica. Eu a tenho utilizado nos cursos de Jorna­lismo Científico, Jornalismo em Saú­de e Jornalismo em Agribusiness e Meio Ambiente, que ministro na Es­cola de Comunicações e Artes da Uni­versidade de São Paulo (ECA/USP),

PESQUISA FAPESP 95 • JAN EIRO DE 2004 • 5

p Ciência e Tecnologia e no Brasil

esqqPE,a O que a ciência brasileira produz, você encontra aqui.

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~~~~~~WWL_J_~~~~~~~~ As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução sem perder nenhum movimento.

• Números atrasados

Preço atual de capa da revista acrescido do valor de pastagem. Tel. (11) 3038-1438

• Assinaturas, renovação e mudança de endereço Ligue : (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: fapesp@te letarget.com .br

• Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, S P 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

• Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

• Para anunciar Ligue para: Nominal Propaganda e Representação: tel. 5573-3095

6 • JANEIRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 95

e também em minha atividade aca­dêmica e profissional, de maneira geral. Não tenho dúvida de que ela se constitui, hoje, ao lado da tradi­cional Ciência Hoje e da jovem Com­Ciência, nas maiores e melhores re­ferências no campo da divulgação da pesquisa brasileira. O jornalismo científico nacional ganhou enorme vitalidade com a Pesquisa FAPESP. Vida longa para ela e parabéns a to­da a equipe.

WILSON DA C OSTA B UENO

São Paulo, SP

Gostaria de parabenizar toda a equipe responsável pela revista Pes­quisa FAPESP, publicação que apre­senta uma qualidade excelente, tanto do ponto de vista das reportagens quanto em relação à linguagem uti­li zada. Um fator que me chamou a atenção desde o primeiro número recebido diz respeito ao cuidado apresentado com a língua portu­guesa. Não encontrei sequer um erro de digitação, falha essa infeliz­mente bastante comum nas publi­cações hoje em dia. Por meio das reportagens apresentadas na revis­ta Pesquisa FAPESP é possível nos mantermos sempre em sintonia com o que há de mais atual no meio científico, não somente no Estado de São Paulo, mas também no Bra­sil e em outros países do mt.Mldo. Outro ponto positivo refere-se à variedade das reportagens, englo­bando todas as áreas do conheci­mento humano. Mais uma vez, parabéns a todos pelo excelente tra­balho que vem sendo desenvolvido pela publicação.

F ÁBIO B. PINHO

Faculdade de Engenharia Mecânica/Unicamp

Campinas, SP

Não sei se é muita pretensão mi­nha achar que a opinião de um jo­vem pesquisador, bolsista de ini­ciação científica da FAPESP, tem direito a exprimir suas críticas na se­ção Cartas desta magnífica revista. Entretanto acredito muito que a Pesquisa FAPESP cederá este espaço para mostrar a outros jovens pesqui-

sadores o quão justa e responsável é esta revista. Estou escrevendo para dizer que, quando recebi e obser­vei o conteúdo contido na Pesquisa FAPESP pela primeira vez, fiquei ad­mirado pela enorme quantidade de informações que ela continha. No entanto, o que mais me chamou a atenção foi a forma clara, bem ilus­trada e agradável de ler e assimilar os textos. Fiquei muito entusiasma­do ao notar que esta é uma revista extremamente democrática e justa, uma vez que traz informações das mais diversas áreas sem discriminar nenhuma outra. Fiquei muito grato por continuar recebendo a Pesquisa FAPESP gratuitamente, como bol­sista da Fundação, e a cada edição fico mais orgulhoso do nosso Brasil. Em especial pela FAPESP mostrar­nos que somos um país de potencial para produção científica e que esta­mos avançando a passos curtos, mas todos os dias, em direção a uma na­ção sólida, composta por pesqui­sadores ousados, desafiadores, que acreditam em seus talentos. Esta re­vista me surpreende a cada edição e está me incentivando a investir em pesquisa. Obrigado à FAPESP pela porta que me abriu e obrigado à revista pelo excelente trabalho de divulgação científica. Precisávamos muito disso.

A LEX RAFACHO

Faculdade de Ciências/Unesp Bauru, SP

A Escola Projeto Pescar Sultepa, em nome de seus professores, pales­trantes e colaboradores, agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo envio de sua publicação mensal, Pes­quisa FAPESP, que muito nos auxilia em aula. Agradecemos a colabora­ção e a participação, colocando-nos à disposição.

EQUIPE P ROJETO PESCAR - SULTEPA

Porto Alegre, RS

Cartas para esta revista devem ser enviadas para

o e-mail [email protected], pelo fax (ll) 3838-41 81

ou para a Rua Pio XI, 1.500, São Pau lo, SP,

CEP 05468-901. As cartas poderão ser

resumidas por motivo de espaço e clareza.

Pesquisa FAPESP

CARLOSVOGT PRESIDENTE

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS HENRIQUE DE BRITO

CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, MARCOS MACARI,

NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO, RICARDO RENZO

BRENTANI,VAHANAGOPYAN,YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO), EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA

COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ,

LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO,WALTERCOLLI

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-LINE)

EDITOR ESPECIAL MARCOS PiVETTA

EDITORES-ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÀQ JOSÉ ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI

FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORES ALESSANDRO GRECO, CARLOS HAAG, CLAUDIUS, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), FABRÍCIO MARQUES, GIL PINHEIRO,

LAURABEATRIZ, LILIANE NOGUEIRA, MARGÔ NEGRO, NEGREIROS, RENATA SARAIVA, SAMUEL ANTENOR,

SÍRIO J. B. CANÇADO,TÂNIA MARQUES,THIAGO ROMERO (ON-LINE), VERÔNICA FALCÃO, YURI VASCONCELOS

ASSINATURAS TELETARGET

TEL. (11) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: [email protected]

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NÚMEROS ATRASADOS

TEL. (11) 3038-1438

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL

DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA,TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ETURISMO

é m GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

CARTA DO EDITOR

Um ângulo diferente de visão da ciência

Pesquisas de opinião pública so- bre a ciência, suas produções e, não raro, os dilemas que ela cria

para a sociedade são freqüentes nos paí- ses mais industrializados há muitos anos. Em geral elas valem-se de uma base me- todológica comum, desenvolvida pela National Science Foundation (NSF) a partir da década de 1970, e procuram obter respostas para uma infinidade de questões, sempre relacionadas, contudo, a três eixos básicos de indagação: atitude do público em relação a ciência e tecno- logia, interesse e conhecimento de seus variadíssimos temas. No Brasil, até re- centemente tínhamos notícia de uma única pesquisa dessa natureza, ainda que mais concisa do que suas congêneres internacionais, realizada entre janeiro e fevereiro de 1987, pelo Instituto Gal- lup, por encomenda do Conselho Na- cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), via Museu de As- tronomia e Ciências Afins (Mast). Foram ouvidas na ocasião 2.892 pessoas que formavam uma amostra estatistica- mente representativa e por meio dela concluiu-se, por exemplo, que 71% dos brasileiros tinham muito ou algum in- teresse por notícias sobre descobertas científicas, enquanto 52% classificavam o país como atrasado em pesquisa cien- tífica e tecnológica.

Desde então, o sistema brasileiro de ciência e tecnologia cresceu de forma extraordinária e, para ficar num só in- dicador dessa evolução, basta lembrar que a participação nacional na produção científica mundial, verificada pela pu- blicação de artigos científicos em revis- tas indexadas na base de dados do Ins- titute for Scientific Information (ISI), passou de 0,6% no período 1988-92 para 1,44% em 2000. Mas praticamente na- da sabíamos, entretanto, sobre como a população brasileira acompanhava es- sas mudanças, se é que acompanhava.

E não o sabemos com certeza, ainda. Não temos por ora informações nesse sentido que sejam estatisticamente re- presentativas da população brasileira. Mas temos, primeiro, a certeza de que elas logo estarão disponíveis e, enquan- to isso, já contamos com preciosas indi-

cações, ainda que provisórias, sobre a imagem que os brasileiros têm da ciência e da tecnologia; sobre seu grau de com- preensão a respeito de temas de conhe- cimento científico; sobre os processos de comunicação social da ciência e sobre sua participação como cidadãos nas ques- tões relativas a esse campo. E não temos essas indicações apenas dos brasileiros, mas também dos argentinos, uruguaios e espanhóis. Isso graças ao Projeto Ibero- Americano de Indicadores de Percepção Pública, Cultura Científica e Participação Cidadã, iniciado em 2001, e que dá ago- ra seus primeiros frutos. É ele o objeto da reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, a partir da página 16.

Das visões do público sobre a ciência, vale saltar para os êxitos palpáveis da prática científica. E um deles foi a re- produção em cativeiro de três espécies ameaçadas de corais encontradas no Nor- deste brasileiro que pesquisadores do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco conse- guiram em escala de laboratório, como relata a reportagem do editor-assistente de ciência, Ricardo Zorzetto, com apoio da repórter Verônica Falcão, em Recife, a partir da página 36. Agora vem o de- safio maior: fazer isso funcionar em mar aberto. Até o final do ano, de acordo com o cronograma do projeto Coral Vivo, devem ser implantadas em Porto Seguro, sul da Bahia, as primeiras colônias de co- rais criadas em laboratório, o que abre novas perspectivas para recuperar ao longo da costa brasileira um dos mais belos e frágeis ambientes do planeta.

No mês em que se comemoram os 450 anos de fundação da cidade de São Paulo, merece destaque especial nesta edição a reportagem de Carlos Haag (pá- gina 82), que mostra, a partir de três livros recentemente publicados, como, apesar das enormes diferenças nas tra- jetórias de formação da capital paulista e do Rio de Janeiro, as duas cidades ten- taram inserir a modernidade na marra, numa tentativa de renegar o passado e sufocar o que nelas havia de "inciviliza- do", ou seja, a massa popular.

Boa leitura. E, claro, um feliz 2004.

MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAçãO

PESOUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 7

E MORIA

Água de beber Há cem anos, surgiam os primeiras filtros embutidos em talhas cerâmicas

NELDSON MARCOLIN

Conseguir água limpa para beber sempre foi um problema para as populações

em todo o mundo. No Brasil, durante o período colonial e imperial não existiam sistemas eficientes de distribuição e tratamento de água que atendessem às residências. As pessoas se serviam da água de rios canalizada para chafarizes e bicas, distribuídas em alguns pontos das cidades. Na zona rural, a captação era feita em poços, riachos ou em cisternas. As talhas de argila com a vela filtrante embutida dentro, presença obrigatória nas residências brasileiras até os anos 1980, surgiram apenas no começo do século 20. Até o final do século 19, observar a cor, o cheiro ou a presença visível de partículas era uma das poucas maneiras de o consumidor decidir se a água era boa para beber. Um dos métodos mais comuns era decantá-la, isto é, deixá- la "descansando" em recipientes para que as impurezas se depositassem no fundo, por gravidade. Assim, bastava usar uma concha para tirar a parte "limpa" por cima. A outra prática, mais eficaz, mas pouco usada, era

8 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

O veráo em breve será uma

realidade e, com elle o cortejo sinistro

de moléstias infeccio- sas transmiüidas

pelas águas impuras qua bebemos,

no entretanta V. s. ainda não se

preveniu com os meios necessários para

evital-as. Cumpra prevenir do

que remediar, portanto adquira im-

mediatamente o atamado

Filtro Piei Peça já mu catalogo íl- ltistr ado e mais informa- ções sem compromisso

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s--pnuLO 0 Eétado de S. Paulo, 22/09/1918, p. 14.

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5 As águas, potáveis ou f não, contém myriades de | seres invisíveis, chama

jazidos MICRÓBIOS, que são I-^ESÊss»"'a causa de todas as fe- f> &^f^v , bres e moléstias infec-

v- ■ " -' tivas. Muitas famílias não """"^f,^:' terião de usar o luto, se

^ todos purificassem as S águas que bebem por

meio do

FILTRO PâSTEUR o único que, esterilizando a água, sem tirar-lhe absolutamente nenhum dos seus princípios constituitivos, impede a transmissão desses pe- quenos seres, tão perigosos para a saúde.

üoloo« njrentca o depoultm-lo» nó Grnzll

Da Societé des Filtres Cban^berland Systérae Pastcur

ÉMANUELE CRESTA & C. Giio de Janeiro

II. W. PRITCHARD & COMP. Rua cio Si. JBento n. 41-A.

S. SPAllI.O

ferver a água. Em algumas residências, usava-se uma pedra porosa de 10 centímetros de espessura em formato de cuba. Jogava-se a água dentro da cuba que era absorvida por ela e pingava numa talha de argila. Também no início do século 20 começaram a chegar ao país os filtros Berkfeld e Pasteur. Feitos de velas ocas de porcelana porosa dentro de recipientes de metal, produzidas na Alemanha e na Inglaterra, eram instalados no ponto de entrada da água na casa. A grande inovação na filtragem da água ocorreu nas duas primeiras décadas do século passado. "Empresas de cerâmica de São Paulo passaram a equipar com elementos filtrantes as talhas que produziam", conta o pesquisador de história econômica Júlio César Bellingieri, da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Araraquara. A talha de argila apenas armazenava a água e a mantinha fresca para o consumo. A partir do momento em que se acoplou um filtro, o recipiente foi dividido em duas partes: a de cima, com o filtro, e a de

Anúncios de filtros do começo do século e a talha recortada, com a vela

baixo, onde cai a água que passa pela vela. "Apesar de o princípio do processo de fabricação de filtros já ser conhecido em outros países e a talha cerâmica como recipiente de água ser uma prática que remonta ao inicio da civilização, esses dois elementos só passariam a ser combinados no início do século 20, e apenas no Brasil, dando origem a um novo produto", explica Bellingieri. Esses primeiros filtros eram apenas uma massa achatada de argila, areia fina e carvão, levada ao forno para queima e colada no fundo do recipiente superior da talha. Depois se criou outro, em formato de vela, composto, em alguns casos, de uma mistura de caulim (argila branca) e filito (um tipo de mineral). A partir dos anos 1930, a talha com filtro difundiu-se pelo Brasil e ganhou um lugar nobre em todas as cozinhas. Nos últimos 20 anos surgiram filtros mais modernos com microfiltragem e elementos antibactericidas.

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 9

POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

ESTRATÉGIAS MUNDO

A ciência do Iraque volta a respirar Um pequeno grupo de pes- quisadores do Iraque reuniu- se com dirigentes da Real So- ciedade em Londres, no final de novembro, para lançar as bases da nova Academia Ira- quiana de Ciências (Nature, 4 de dezembro). Eles querem que a organização ajude a montar uma estratégia de

ciência e tecnologia vincula- da à reconstrução do país. Embora vários dos partici- pantes trabalhem no Iraque, a reunião aconteceu em Lon- dres por razões de segurança. Coube ao engenheiro quí- mico Hussain Al-Shahristani, que hoje vive no Reino Unido, a honra de abrir a reunião.

Ele ressaltou que a academia será independente das forças de ocupação, mas deixou cla- ro que espera a ajuda ociden- tal para a formação do corpo acadêmico. A primeira reu- nião plenária foi marcada para novembro de 2004, em Bagdá. Ex-integrante da Co- missão de Energia Nuclear

Iraquiana, Al-Shahristani foi preso e torturado nas mas- morras de Saddam Hussein, depois de recusar-se a traba- lhar em um programa de de- senvolvimento de armas nu- cleares. Mas conseguiu fugir do país em 1991, após a der- rota na Guerra do Golfo. Atualmente, leciona na Uni-

■ Vergonha no navio de pesquisa

O Joides Resolution, um dos grandes navios científicos do mundo, não navega sob a bandeira de nenhuma das 20 nações que patrocinam suas expedições oceânicas. Está oficialmente baseado na Li- béria, país da África Ociden- tal, acusado de usar as fortu- nas que arrecada vendendo registros navais para patroci- nar o comércio de armas e alimentar conflitos regionais que usam crianças como sol- dados {Nature, 4 de dezem- bro). Com a base na Libéria, os donos de navios aprovei- tam uma legislação menos exigente em relação à segu- rança e aos direitos traba- lhistas. Como as denúncias

já levaram operadores a tro- car a bandeira de suas embar- cações, cresce na comunida- de científica um movimento para forçar o Resolution a se- guir esse caminho. As expedi- ções científicas do navio são administradas pelas Institui- ções Oceanográficas Unidas (JOI, na sigla em inglês), um consórcio de 18 entidades

públicas patrocinadas pela Fundação Nacional de Ciên- cias (NSF, em inglês), dos Es- tados Unidos. A JOI conhece os problemas envolvendo o registro do navio. Há dois anos, um ex-tripulante do Resolution escreveu uma car- ta a senadores americanos denunciando abusos na ex- ploração da mão-de-obra do

navio, sob os auspícios da Libéria. Por meio de seu re- presentante, Steven Bohlen, a JOI limitou-se a desqualificar o denunciante como um "des- contente" demitido por in- competência. A NSF e o Con- gresso americano ficaram em silêncio. Novas pressões sur- giram em dezembro, às vés- peras da partida do Resolu- tion para a próxima etapa do Programa Internacional de Perfuração Oceanográfica (IODP, em inglês) - o maior projeto internacional de son- dagem oceânica atualmente em curso, que envolve um contrato de US$ 625 milhões por dez anos com a NSF. Pesquisadores engajados na iniciativa mostraram-se in- comodados com a vinculação do projeto com um país dis-

10 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

versidade de Surrey. Já existia uma Academia de Ciências patrocinada por Saddam, que se destacou por apoiar o desenvolvimento de armas químicas e biológicas. Daí a importância de uma questão ética levantada em Londres: seria aceitável admitir cientis- tas que participaram desses programas na nova acade- mia? Al-Shahristani recomen- da evitar julgamentos pre-

cipitados. "As pessoas eram forçadas a participar dos programas. Era quase uma questão de vida ou morte", pondera. "Seria apropriado examinar caso a caso." Quanto às preocupações científicas da instituição, Al-Shahrista- ni sugeriu que se dê priori- dade aos estudos ambientais, particularmente da poluição biológica, química e radioló- gica provocada pelos testes

com armamentos. O objetivo é descobrir se elas têm liga- ções com o aumento dos ca- sos de câncer registrados no país. A confiança dos cientis- tas no futuro vai até certo ponto. Perguntados se retor- nariam ao país, vários cien- tistas exilados no Ocidente mostraram-se recalcitrantes. "Pessoas eram presas e mor- tas e a insegurança era geral no Iraque", lembra Farhan

Bakir, físico que deixou o Ira- que em 1981, depois de uma aposentadoria forçada. Bakir leciona na Universidade de Ciências da Saúde de Po- mona, na Califórnia. "Estou com 70 anos e, nessa idade, aprende-se a ser prudente", brinca. Mesmo após a prisão de Saddam, será difícil con- vencer os cientistas a voltar, enquanto persistirem os ata- ques terroristas no país. •

soluto. Steven Bohlen afirma que sua organização está ocupada demais cuidando da organização da expedi- ção para preocupar-se com o assunto. Mas Guy Cantwell, porta-voz da Transocean, empresa especialista em per- furações oceânicas, com sede em Houston, no Texas, e co- proprietária do Resolution, admitiu o constrangimento: "Estamos cientes da preocu- pação da comunidade cientí- fica." Cantwell disse à revis- ta Nature que a Transocean considera a possibilidade de mudar o registro do navio para um país que oferece benéficos semelhantes aos da Libéria, mas seja politica- mente mais palatável, como as Ilhas Marshall, no Pacífico, por exemplo. •

■ Polêmica adiada para 2004

A Assembléia Geral das Na- ções Unidas decidiu, no iní- cio de dezembro, adiar por um ano a votação da propos- ta que proibiria todas as for- mas de clonagem huma- na. Os 191 países-membros concordam que a clonagem reprodutiva, aquela em que se busca "copiar" genetica- mente um ser humano, deve ser banida. Além de todas as controvérsias éticas envolvi- das - com as promessas de reproduzir pessoas mortas feitas por médicos inescrupu- losas e seitas -, também há um problema prático. A re- plicação de animais produ- ziu clones doentes ou vítimas de envelhecimento precoce e

não há nenhuma garantia de que tais defeitos não surgi- riam em cópias humanas. A proibição pura e simples da pesquisa, contudo, fecharia as portas para um ramo pro- missor da medicina. É a clo- nagem terapêutica, que en- volve a obtenção de células de embriões humanos para cul- tivar tecidos com potencial para curar moléstias degene- rativas. A proposta de proi- bição total, formulada pela Costa Rica, é apoiada pelos Estados Unidos e por mais 60 países. Outras 30 nações, como o Reino Unido, o Japão e a África do Sul, recusam-se a abrir mão das promessas da clonagem terapêutica. Sem acordo possível, a ONU em- purrou o debate para o ano que vem. •

■ Bolsas de mestrado no Canadá

Estão abertas as inscrições para o Programa de Bolsas de Estudo da Agência Canaden- se para o Desenvolvimento Internacional (ACDI/CIDA) na área marítima. As bolsas para cursos de mestrado são oferecidas pela Dalhousie University, em Halifax. O programa de cooperação busca treinar brasileiros nas áreas de gerenciamento cos- teiro e recursos marítimos. Há mais informações no por- tal www.dal.ca e na página www. cal.ca/~map. Os candi- datos interessados em receber apoio da ACDI/CIDA deve- rão obter formulário específi- co no endereço www.acdicida. gc.ca/forms.htm. •

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 11

ESTRATÉGIAS MUNDO

■ Desafios que salvam os pobres

Uma fundação ligada aos Institutos Nacionais de Saú- de dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) selecio- nou 14 grandes desafios científicos e tecnológicos que gostaria de ver cumpri- dos nos próximos cinco anos. Entre esses desejos, todos na área de saúde pública, está o desenvolvimento de vacinas que combatam várias doen- ças numa única dose, pos- sam ser armazenadas sem re- frigeração e ministradas sem o uso de seringas. Também há desafios estabelecidos no controle de transmissão de doenças e na busca de drogas que não criem resistência no organismo. As idéias foram selecionadas por um comitê científico, com base em mais de mil sugestões enviadas por 75 países. Para estimular as pesquisas, a NIH vai con- ceder bolsas de até US$ 20 milhões por cinco anos. Os interessados deverão apre- sentar à NIH carta com pro- postas de pesquisas até 9 de janeiro de 2004. Os projetos mais inovadores serão convi- dados a apresentar um plano formal. A Fundação Bill &

Melinda Gates, mantida pelo homem mais rico do mun- do, o famoso dono da Mi- crosoft, deu US$ 200 milhões ao programa. •

■ Duelo a caminho da Lua

A China e a índia disputam a primazia de enviar uma mis- são tripulada à Lua. A índia promete chegar primeiro, an- tes de 2015, diz Rakesh Shar- ma, da Organização de Pes- quisas Espaciais da índia, que já participou de uma missão espacial da extinta União Soviética, em 1984. "Até 2020, chegaremos lá", garante Luan Enjie, diretor da Agência Ae- roespacial da China. A pri- meira tentativa chinesa só ocorrerá depois do sucesso de uma nova missão tripulada à órbita da Terra até 2007 e de uma sonda não tripulada à Lua até 2010.0 programa es- pacial chinês ganhou noto- riedade em outubro, quando o taiconauta (adaptação da palavra chinesa para astronau- ta) Yang Liwei transformou-se no primeiro chinês a entrar em órbita. "Nosso objetivo é a exploração do espaço pro- fundo", diz Enjie. "A Lua é o primeiro alvo." •

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para

[email protected]

ri i. Sctence Codoooro

,.., .-,,-,..

www.asci.org/ Site que divulga o trabalho de artistas e cientistas que usam a C&T para explorar formas de expressão.

■ 1 HMma PU61 tCACOFS DO GFOPE

www.prod.eesc.usp.br/producao/geope/ Textos sobre aspectos organizacionais da pequena empresa, incluindo trabalhos para download.

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www.fao.org/waicent/faoinfo/agricult/agl/aglw/aquastat/ main/index.stm Informações da FAO sobre sistemas de uso e gerenciamento de água na agricultura.

12 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESHUISA FAPESP 95

ESTRATÉGIAS BRASIL

Pesquisas de primeiríssima linha

A bióloga Mayana Zatz, diretora do Centro de Es- tudos do Genoma Huma- no da Universidade de São Paulo (USP), foi agraciada com o Prêmio da Acade- mia de Ciências do Terceiro Mundo, na categoria Ciên- cias Médicas Básicas. O prêmio é oferecido todos os anos para cientistas que se destacaram nos países em desenvolvimento. Ma- yana, de 56 anos, desen- volve pesquisas genéticas voltadas para o combate da distrofia muscular, a degeneração progressiva da musculatura esqueléti- ca. "Esse prêmio é muito importante pois mostra que os países em desenvol- vimento podem contri- buir fazendo uma ciência de boa qualidade, apesar de todas as dificuldades", afir- ma a pesquisadora. Maya- na é uma defensora da criação de bancos públi- cos de células de cordão umbilical, que, espera, po- derão ajudar a curar doen- ças. Também defende a liberdade de utilizarem-se células-tronco embrioná-

rias (obtidas, por exemplo, de embriões descartados em clínicas de fertiliza- ção) para fins terapêuticos. Mayana e sua equipe loca- lizaram seis genes ligados a doenças neuromuscula- res. Na década de 1970, ela montou na USP um servi- ço de aconselhamento ge- nético para essas doenças, que já atendeu 20 mil pes- soas. Na década de 1980, fundou a Associação Bra- sileira de Distrofia Mus- cular, cujo objetivo é lu- tar para melhorar a vida dos afetados pela molés- tia Esse é o terceiro prê- mio que Mayana recebe em sua carreira. Em 1986, foi agraciada com o Prêmio de Apoio a Pesquisa da Associação de Distrofia

Mayana identificou genes ligados a doenças neuromusculares

Muscular dos Estados Uni- dos. E, em 2001, recebeu em Paris o Prêmio L'Oreal - Unesco para Mulheres na Ciência. "É fundamen- tal chamar a atenção para a importância de investir em ciência e tecnologia e de garantir não só as ver- bas necessárias mas a li- berdade para pesquisar", diz ela. Outro brasileiro também foi premiado pe- la; academia, na categoria Matemática. Welington Celso de Melo é pesquisa- dor do Instituto de Mate- mática Pura e Aplicada, do Rio de Janeiro. Os vence- dores nas oito categorias vão receber US$ 10 mil cada um. Os prêmios se- rão entregues no segundo semestre de 2004. •

■ Comissão avaliará pedido de mestrado

A FAPESP vai alterar, a partir de 2004, a sistemática de ava- liação dos pedidos de bolsas de mestrado. Já neste primei- ro semestre, e em caráter ex- perimental, todo o processo de análise será conduzido, no âmbito de cada coordenação de área, por uma comissão de

assessores ad hoc, constituída segundo o perfil da demanda. Esse novo modelo substitui procedimento adotado desde 2002 quando, pressionada pela demanda, a Fundação passou a submeter todos os pedidos de bolsa de mestrado com parecer favorável da as- sessoria ad hoc a uma análise comparativa, realizada pelas coordenações, duas vezes por

ano. Em razão do volume de solicitações, esse modelo exi- gia que as coordenações se- lecionassem propostas entre um grande número de pedi- dos, já avaliados pelos asses- sores e com graus distintos de minúcia e rigor, assumindo assim uma parcela de respon- sabilidade pelos resultados e contrariando o princípio da avaliação externa adotado

pela Fundação. Com o novo procedimento, a FAPESP pretende restabelecer esse padrão. "O modelo de análi- se já é utilizado com sucesso em programas especiais, co- mo os de Infra-estrutura", diz o diretor científico, José Fer- nando Perez. •

■ A partilha do conhecimento

Dois importantes bancos de dados científicos terão seu al- cance ampliado. Um deles é o Sistema Brasileiro de In- formações em Recursos Ge- néticos (Sibrargen). Vincula- do à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Em- brapa), este sistema armaze- na dados sobre recursos ge- néticos vegetais, animais e microorganismos mantidos pela Embrapa em Brasília. O Sibrargen vem sendo desen- volvido desde 1996 e uma parte dele já está disponível no site da Embrapa na In- ternet. A partir de 2004, vai aglutinar informações dos bancos de germoplasma das unidades descentralizadas da empresa. "Aos poucos, todo o acervo da Embrapa estará integrado", afirma Eduardo Cajueiro, responsável pelo Sibrargen. Outro banco de dados que será compartilha- do é o do Centro Franco- Brasileiro de Documentação Técnica e Científica (Cen- DoTec). Um acordo de coo- peração, assinado com a Se- cretaria Estadual de Ciência e Tecnologia e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, vai disponibi- lizar os 25 milhões de refe- rências técnico-científicas do CenDoTec para empresas e pesquisadores mineiros. •

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 13

ESTRATÉGIAS BRASIL

A multiplicação dos parques Rende frutos uma iniciati- va do Ministério da Ciên- cia e Tecnologia para criar parques de empresas tec- nológicas Brasil afora. Nos últimos meses, dezenas de projetos começaram a sair do papel, como resultado de um edital de 2002 vin- culado ao Fundo Verde- Amarelo. Há parques de empresas surgindo ao redor de universidades em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e

em Viçosa (MG), só para ci- tar alguns exemplos. "Foi o primeiro investimento ar- ticulado em parques tecno- lógicos. Antes, os editais só estimulavam incubadoras de empresas", diz Carlos Amé- rico Pacheco, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ex- secretário executivo do Mi- nistério da Ciência e Tecno- logia. Em São Paulo, Carlos

Pacheco está ajudando a articular a criação de par- ques nas cidades de Campi- nas, São José dos Campos, São Carlos e na própria ca- pital paulista. Nesses muni- cípios, existem pólos de empresas há mais de uma década, mas a nova propos- ta, encampada pelo governo paulista, é mais ambiciosa. O dinheiro para criação dos parques viria de fundos imobiliários e operações

urbanas. Grandes glebas abrigariam megaempreen- dimentos urbanísticos. A iniciativa privada ergueria edifícios residenciais e co- merciais. E patrocinaria a construção do pólo de em- presas na mesma área. "Em outros países, há vários par- ques com esse formato. O caráter moderno e não po- luente das empresas tecno- lógicas valoriza a região", diz Pacheco. •

■ Em defesa da Mata Atlântica

Projetos de pesquisa que pro- tejam espécies ameaçadas da Mata Atlântica poderão dis- putar três editais num total de R$ 1,2 milhão nos próximos três anos. O programa é uma iniciativa de duas entidades conservacionistas, a Funda- ção Biodiversitas e o Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste. "Vamos selecionar

os projetos bem estruturados do ponto de vista científico. Há idéias ótimas, que não vão adiante por falta de recursos", diz a coordenadora do pro- grama, Gláucia Drummond, da Fundação Biodiversitas. Os projetos devem estar vincula- dos às quase duas centenas de espécies ameaçadas de extin- ção. Engloba aves, como o te- sourão-grande, do Espírito Santo, cobras, como a jara- raca-ilhoa, de uma ilha no

litoral sul de São Paulo, e pri- matas, como o macaco-pre- go-de-peito-amarelo, da Ba- hia. Está preservada apenas 8% da extensão original da Mata Atlântica - mas ela ainda abriga 20 mil espécies de plantas e 2 mil de animais. E 40% desses seres vivos não existem em nenhum outro lugar do planeta. Os editais estarão disponíveis nos sites www.biodiversitas.org.br e www.cepan.org.br. •

■ A gênese da aguardente

A Fundação de Estudos Agrá- rios Luiz de Queiroz (Fealq) acaba de publicar um livro que mostra, passo a passo, o processo de produção de ca- chaça - da extração do caldo e a fermentação à destilação e ao envelhecimento. A obra Aguardente - fabricação em pequenas destilarias, de auto- ria do professor Urgel de Al-

14 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

meida Lima, é acompanhada de um vídeo sobre a técnica de fabricação e custa R$ 95. O livro pode ser adquirido diretamente na Fealq, ou pela Internet, no site www. fealq.org.br/loja/livraria.asp. Mais informações pelo tele- fone (19) 3417-6600. •

■ Radiografia de corpo inteiro

Um abrangente panorama sobre investimentos em pes- quisa, produtividade acadê- mica e desenvolvimento tec- nológico no Brasil acaba de ser publicado pela Editora Uni- camp. O livro Indicadores de ciência, tecnologia e inovação no Brasil é um cartapácio de 614 páginas, escrito por 23 autores. Tem o mérito de compilar coleções de estatís- ticas já conhecidas e também apresenta informações iné- ditas, como o capítulo que dimensiona os recursos hu- manos em ciência e tecno- logia no país. Comprova-se, nesse capítulo, a percepção de que o país avançou na formação de graduados, mes- tres e doutores, mas as opor- tunidades de trabalho para a elite acadêmica cresceram em velocidade bem mais len- ta que em outros países, ge- rando desperdício de talentos. "Com esse trabalho, preten- demos fazer um balanço do esforço para a constituição de um sistema de indicado- res em ciência e tecnologia. Além de reunir as informa- ções disponíveis, apresenta- mos propostas para aper- feiçoar o sistema", disse ao Jornal da Unicamp o econo- mista Eduardo Baumgratz Viotti, da Universidade de Brasília, que organizou o vo- lume em parceria com o também economista Mariano de Matos Macedo, da Uni- versidade Federal do Paraná.

0 livro reúne estatísticas de ciência

e tecnologia e propõe mudanças

de rumo

Há estatísticas auspiciosas e outras preocupantes a com- por o panorama do livro. Se é certo que a produção cien- tífica cresceu (o número de artigos científicos aumentou 400% nas duas últimas déca- das), o número de patentes brasileiras registradas nos Estados Unidos permanece tímido (98 registros no ano 2000, contra 3,3 mil da Co- réia do Sul). O crescimento das exportações está sendo fundamental para equilibrar as contas do Brasil, mas a participação no comércio exterior de produtos que agregam conhecimentos tec- nológicos ainda é pequena. A exceção são os aviões da Embraer. E é nessa seara que as oportunidades mais au- mentam, deixando o país em

desvantagem. Enquanto a demanda por produtos agrí- colas cresce 0,5% ao ano, a de produtos tecnológicos che- ga a avançar 20%. •

■ Para remover os gargalos

A Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi contratada para fa- zer uma avaliação da estrutu- ra do Ministério da Ciência e Tecnologia e de suas 19 uni- dades. O objetivo é propor mudanças que aumentem a eficiência administrativa. O trabalho vai diagnosticar pon- tos críticos nos órgãos vincu- lados ao ministério e montar uma estratégia capaz de re- forçar as atividades ligadas à inovação. "Para que o sistema seja mais eficaz, temos que

A cartilha orienta artesãos e estudantes a modelar peças de argila

acabar com a Síndrome de Lampedusa, aquela história de que 'podem mexer em tudo, desde que não seja comigo'", disse o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, ao assinar em Brasília o con- trato com a FGV. •

■ A cerâmica vai à escola

Uma iniciativa do Centro Multidisciplinar para o De- senvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC) está distribuindo em escolas pú- blicas uma cartilha inédita. Ela reúne informações sobre as técnicas de preparação e mo- delagem de peças cerâmicas, seus diversos tipos de maté- ria-prima, além de dicas para prevenir imperfeições na hora de levar a argila ao for- no. Escrito em linguagem lei- ga e fartamente ilustrado, o manual Técnica e arte em ce- râmica: Artesão busca desper- tar o interesse dos jovens e ajudar artesãos profissionais a se atualizar. Com tiragem inicial de 5 mil exemplares, a cartilha é obra de uma equipe de pesquisadores de peso. O CMDMC é um dos dez cen- tros de Pesquisa, Inovação e Difusão criados pela FAPESP há três anos. É formado por pesquisadores da Universida- de Federal de São Carlos, da Universidade de São Paulo, da Universidade Estadual Pau- lista, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares e do Centro Cerâmico Brasileiro. O manual está sendo encami- nhado a professores de esco- las públicas de 11 municípios paulistas, como um estímulo para propagar as técnicas nas salas de aula e laboratórios. Também estará disponível para artesãos de vários esta- dos, com distribuição organi- zada pelo Centro Cerâmico Brasileiro. ' •

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 15

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CAPA

Imagens da ciência Rede ibero-americana de pesquisadores desenvolve índices para avaliar percepção pública do conhecimento científico

CLAUDIA IZIQUE E MARILUCE MOURA

Seria temerário estender para o conjunto das populações da Argentina, do Brasil, da Espanha e do Uruguai as recentes conclu- sões de uma pesquisa inovadora sobre percepção pública da ciência, realizada

nesses países entre fins de 2002 e começo de 2003, porque, em termos estatísticos, as amostras utiliza- das para o trabalho são pouco representativas des- se universo. Mas elas oferecem certamente indica- ções preciosas sobre o imaginário social a respeito de ciência e tecnologia nesses países ibero-america- nos. E mais: dá pistas importantes sobre o grau de compreensão relativamente a determinados tópi- cos do conhecimento científico e tecnológico, so- bre o consumo de informação científica nessas so- ciedades e sobre a efetiva participação de seus cidadãos nos movimentos e debates em torno de temas controversos de ciência e tecnologia.

Dessa forma, mantendo-se a ressalva de que a informação apresentada tem "um caráter indicati- vo provisório", como o fazem explicitamente, aliás, os coordenadores da pesquisa, pode-se dizer, por exemplo, que no imaginário social dos países estu- dados prevalece uma imagem tríplice da ciência como epopéia de "grandes descobertas", como con- dição de "avanço técnico" e como fonte de "melho- ria da vida humana". E num outro exemplo, relativo à informação sobre ciência e tecnologia, é interes- sante constatar que, repetindo o que se registra na prática internacional dessas pesquisas, a grande maioria das pessoas ouvidas considera-se "pouco informada" ou "nada informada", o que de resto é coerente com sua revelação de que só ocasional- mente consome informação científica em televisão, jornais ou revistas especializadas. Aliás, considera- dos os resultados da pesquisa, há uma confiança muito grande por parte do público nos cientistas como fonte de determinadas informações (sobre

energia nuclear e biotecnologia), enquanto os jor- nalistas gozam nesse campo de credibilidade extre- mamente escassa.

Estratégias de análise - Todos esses dados e mui- tos outros, cuidadosamente quantificados, estão no livro Percepção pública da ciência, organizado por Carlos Vogt, coordenador da pesquisa no Brasil, e Carmelo Polino, coordenador na Argentina, publi- cado pela Editora Unicamp e FAPESP. Lançado em novembro e tomado como documento básico de um workshop sobre o tema realizado pela Funda- ção, nos primeiros dias de dezembro, o livro é, a ri- gor, uma espécie de primeiro relatório científico do Projeto Ibero-Americano de Indicadores de Percep- ção Pública, Cultura Científica e Participação Ci- dadã, iniciado em meados de 2001 pela Organiza- ção dos Estados Ibero-Americanos (OEI) e pela Rede Ibero-Americana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (Ricyt/Cyted). As pesquisas de percepção pública da ciência são parte e, ao mesmo tempo, ferramentas para o desenvolvimento desse projeto, que tem objetivos mais ambiciosos. "As pesquisas são exercícios de caráter metodológico, uma vez que se priorizou a experiência empírica para o desen- volvimento de conceitos e a verificação de indicado- res e estratégias de análise", explica-se no livro.

É justamente aí - nos conceitos e indicadores adequados - que se concentra uma das maiores di- ficuldades para auscultar a repercussão, em seus vários sentidos, das produções da ciência e da tec- nologia na sociedade, em países que não estão no centro do sistema econômico. Porque, como dito no livro, "ainda que se possa postular a universali- zação do conhecimento científico e tecnológico, é indubitável que sua recepção, apropriação e em- prego são processos localizados socialmente e su- jeitos tanto às especificidades culturais de cada so-

16 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

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ciedade quanto à situa- ção social histórica e concreta destas".

Isso significa que o projeto enfren- ta o desafio de construir a mé- dio prazo uma

bateria de indicadores regionais baseados num conceito complexo de cultura científica, que dêem conta das carac- terísticas dos países da região e, ao mesmo tem- po, possam ser utilizados em comparações inter- nacionais mais amplas. Vale observar que nos Estados Unidos, nos países da União Européia, na Grã-Bre- tanha, no Canadá, na Austrália, na China e no Japão, entre outros, a base metodológica que em geral se aplica nas pesquisas de percepção e cultura cientí- fica foi desenvolvida pela instituição norte-americana National Science Foun- dation (NSF), a partir de 1972. Esses modelos de análise avaliam o nível de informação, atitudes e interesses dos in- divíduos em relação à ciência, mas não revelam, por exemplo, seu grau de en- volvimento com o avanço da pesquisa. Essa é uma das limitações que, na ava- liação dos pesquisadores ligados à Ricyt, tornam a metodologia da NSF inade- quada à realidade das nações em desen- volvimento. O argumento é que, nesses países, a ciência e tecnologia desempe- nham papel preponderante para o cres- cimento econômico, e a compreensão do público sobre os rumos e os benefí- cios sociais do avanço do conhecimen- to é condição indispensável para uma efetiva participação democrática dos cidadãos nas políticas públicas do se- tor. "Os conceitos devem ser discutidos num marco teórico mais amplo", ob- serva Polino, diretor do Centro de Es- tudos sobre Ciência, Desenvolvimento e Educação Superior da Argentina.

Em termos práticos, os integrantes do projeto já vêm realizando uma série alentada de estudos, que incluem a re- visão teórica dos conceitos ligados à cultura científica e ao desenvolvimento dos indicadores de percepção, ao mes- mo tempo que procuram adensar a rede de grupos de pesquisa e instituições

Primeira amostra do Brasil

Faixa etária Casos Porcentagem

18 a 24 31 19,1

25 a 39 58 35,8

40 a 59 50 30,9

Mais de 60 23 14,2

Total 162 100

Nível máximo de escolaridade

Pós-graduados 12 7,4

Superior completo 90 55,6

Superior incompleto 38 23,5

Colegial completo 22 13,6

Total 162 100

para intercâmbio e discussão teórico- metodológica nos países ibero-ameri- canos. Hoje, 50 instituições já integram a Rycit.

Pesquisa pioneira - Realizada no Brasil pela equipe do Laboratório de Jornalis- mo da Unicamp (Labjor), coordenado por Vogt, que é também presidente da FAPESP, a pesquisa de percepção pú- blica da ciência tem caráter pioneiro no país, em especial se se considera sua metodologia, seu embasamento teórico e seus objetivos. Houve, é verdade, em 1987, uma ampla pesquisa de opinião - "O que o brasileiro pensa da ciência" - sobre a imagem que a população urba- na do país tinha da ciência, concebida pelo Conselho Nacional de Desenvolvi- mento Científico e Tecnológico (CNPq) junto com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e realizada pelo

Instituto Gallup. A par- tir das respostas de 2.892 pessoas (1.409 homens e 1.483 mulheres), com mais de 18 anos e de to- das as classes sociais, a 27 questões, a sonda- gem mostrou, entre ou- tros dados, que 52% das pessoas ouvidas achavam o país atrasa- do em pesquisa e que 71% delas manifesta- vam algum ou muito interesse por descober- tas científicas. Revelou também que os cientistas ocupavam, em sua visão, o quinto lugar entre os profissionais que mais contribuíam para o de-

senvolvimento do país, atrás de agricul- tores, industriais, professores e médicos.

Bem diferente, a pesquisa da Rycit foi mais profunda, com um total de 90 questões, e eminentemente qualitativa. Tanto que, no Brasil, foram consultadas na primeira amostra - a que aparece no livro - apenas 162 pessoas em Campi- nas, entre fevereiro e março de 2003. Posteriormente ela foi estendida a São Paulo, onde foram aplicados 776 ques- tionários, e a Ribeirão Preto, onde foram consultadas 125 pessoas. Vale ressaltar que, tabuladas as respostas da segunda etapa, as diferenças em relação à pri- meira amostra foram insignificantes, o que permitiu à equipe do Labjor apre- sentar durante o seminário na FAPESP os resultados unificados relativos ao to- tal de 1.063 pessoas, sem contradições com os resultados que aparecem no li- vro. Na Argentina, a amostra envolveu 300 pessoas, todas ouvidas em dezem- bro de 2002 na Grande Buenos Aires. No Uruguai, sob a coordenação de Rodrigo Arocena, da Universidade da República Oriental do Uruguai, 150 questionários foram aplicados em Mon- tevidéu e, na Espanha, 150 pessoas fo- ram consultadas em Salamanca e Valla- dolid, num trabalho coordenado por Miguel Ángel Quintanilla, da Universi- dade de Salamanca. Nesses dois países a pesquisa foi realizada entre fevereiro e março de 2003.

Em todos os casos, a magnitude da amostra foi determinada por critérios de consistência para a análise dos in- dicadores empregados. Dos quatro nú-

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Imagem da Ciência

uais das seguintes frases você acha que melhor expressam a idéia de ciência? (%)

I

Grandes descobertas

Avanço técnico

Melhoria da vida humana

Compreensão do mundo natural

Domínio da natureza

Transformação acelerada

Perigo de descontrole

Concentração de poder

Idéias que poucos entendem

Outras

70

Argentina Brasil Espanha Uruguai

: Uma vez que os entrevistados podiam escolher duas frases da lista apresentada, a soma das porcentagens supera os 100%.

cleos de questões - imaginário social, compreensão de conteúdos de conheci- mento científico, processos de comuni- cação social da ciência e Participação Cidadã em questões de ciência e tecno- logia -, o primeiro foi o mais extenso. E o conjunto de indicadores aí incluídos pretende refletir, além das imagens que se têm da ciência, as idéias sobre sua utilidade, a valoração do conhecimento científico, a representação da ciência em sua relação com a sociedade e a vida cotidiana, os riscos que se associam à produção científica, a imagem dos pró- prios cientistas e a visão sobre o desen- volvimento da ciência local.

Na questão específica sobre o que melhor expressa a idéia de ciência (ver gráfico acima), embora, como dito an- tes, nos quatro países investigados três associações predominem (grandes des- cobertas, avanço tecnológico e melho- ria da vida humana), no Brasil, espe- cificamente, é a visão da ciência como fonte de benefícios para a vida do ser humano que conquista a maior adesão (46,9% dos entrevistados). Um outro indicador da imagem positiva da ciên- cia é a elevada concordância dos entre-

vistados nos quatro países (77% na mé- dia e, no Brasil, 76,5%) com a afirma- ção de que a principal causa da melhoria da qualidade de vida da humanidade é o avanço da ciência e da tecnologia. Mas seguramente não se toma a ciência como uma espécie de panacéia univer- sal, tanto que a grande maioria dos en- trevistados discorda da afirmação de que a ciência e a tecnologia podem re- solver todos os problemas (82,7% no Brasil, 85,4% na Argentina, 82% na Es- panha e 93,3% no Uruguai).

Entre as indagações voltadas para a representação da ciên- cia como fonte de conheci- mento ou lugar da verdade, procura-se compará-la, por

exemplo, com a religião. O problema é apresentado por uma afirmação, "atri- buímos excessiva verdade à ciência e pouca à fé religiosa", com a qual os entrevistados devem concordar ou dis- cordar. A concordância das pessoas ou- vidas no Brasil é da ordem de 70,4%, no Uruguai, de 57,3% e na Argenti- na, de 53,3%, enquanto na Espanha é maior o percentual dos que discordam

(46,7%) e alto, em relação aos demais países, o per- centual dos que não sa- bem responder à questão (11,3%).

Nas questões que ten- tam captar a representação da ciência em relação com a sociedade e a vida coti- diana, chama a atenção a indicação de que ela não é considerada um domínio exclusivo de mentes ilumi- nadas. A maior parte dos brasileiros (64,8%), uru- guaios (56%) e espanhóis (54%) entrevistados dis- corda da afirmação de que "o mundo da ciência não pode ser compreendido pelas pessoas comuns". Já os argentinos, em sua maioria (60,5%), consideram o dis- curso da ciência inacessí- vel. Ainda no mesmo cam- po de questões, 67% dos entrevistados pensam que a ciência e a tecnologia se preocupam com os proble- mas da população e 60% deles, em média, avaliaram

a ciência como um fator de racionalida- de da cultura humana, considerando que, se descuidarmos dela, "nossa socie- dade será cada vez mais irracional". Em, síntese, conclui a pesquisa, embora haja uma boa parcela que vê a ciência como um conhecimento de difícil acesso para as pessoas comuns, a atividade científi- ca está integrada na sociedade, "como componente da cultura, como fonte de conhecimento útil ou como produção de saber orientado para os problemas da população".

Quando convidados a refletir sobre os riscos decorrentes da pesquisa cien- tífica, os entrevistados demonstram graus bem variados de preocupação com o tema. Entre os brasileiros, 42,6% entendem que o desenvolvimento da ciência traz problemas para a socieda- de, proporção que se eleva para 47% entre os argentinos. Mas a preocupa- ção nesse sentido é muito mais forte entre os espanhóis (56% da amostra) e os uruguaios (58%). Para quem vê pro- blemas, os mais citados são a "utiliza- ção do conhecimento para a guerra", seguido da "maior concentração de po- der e riqueza". Nos quatro países, no en-

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tanto, poucos são os que têm dúvidas de que os be- nefícios da ciência e da tecnologia são maiores do que seus efeitos negativos. Na média, 74,3% acham o inverso.

Informação Científica

Ape

A ■ . ... .:...;:■ ;;:"-;- " /, ■ M

Confiança para receber informações sobre biotecnologia? (%)

percepção do público sobre ciência e tec- nologia, des- taca a pes-

quisa, não necessariamente está em consonância com a imagem dos cientistas e tecnológos. A idéia da ciên- cia como fonte de racio- nalidade pode se articular com uma visão de cientis- tas movidos por interesses particulares e irracionais. Do mesmo modo, a visão da ciência como fonte de riscos pode se combinar com uma boa imagem dos cientistas, que seriam orien- tados por valores positivos. Assim, a "vocação para o conhecimento" foi aponta- da - com larga margem de diferença em relação às outras alterna- tivas - como o principal fator que os motiva a se dedicarem à pesquisa. Uma eventual disposição humanitária - "re- solver os problemas da população" - aparece em segundo lugar e a "conquis- ta do poder", "dinheiro" ou "prestígio" foram consideradas motivações menos relevantes.

Ainda assim, uma fração importan- te dos entrevistados não pensa que es- sas qualidades lhes garanta idoneidade para orientar a ciência como instru- mento do desenvolvimento. E mais: apesar de apoiar a autonomia na inves- tigação, para os entrevistados, a função política de decidir o que investigar ul- trapassa a competência dos pesquisa- dores. A pesquisa, tampouco, deve ser controlada pelas empresas, na opinião da maioria dos entrevistados. Apenas no Brasil, a amostra está dividida em relação a esta questão: 48,2% não vêem qualquer problema na apropriação pri- vada no conhecimento.

Otimismo brasileiro - A idéia predomi- nante a respeito da existência de ciência e tecnologia em cada um dos países pes-

Cientista universitário 1 33,1 39,5

1 42,3

i 28,0

Organizações de defesa do meio ambiente 1 14,8 1 31,3

48,7

_.14,6

Engenheiro c ,7

■17 ■ 17

Jornalista

|0,9 |2,0 10,7

0 Outros ,9

| 8,6 27,4

Argentina Brasil Espanhal Uruguai

Nota: Os dados são calculados sobre o total de respostas para cada categoria.

quisados é de que há "um pouco de ciência e tecnologia em algumas áreas" {ver gráfico na página 21). O Uruguai, aliás, foi o país em que esta afirmação obteve o maior percentual de respostas: 80%. "No Uruguai, ciência e tecnolo- gia têm pouco peso na economia", diz Arocena. Merece destaque, sem dúvi- da, o otimismo da amostra brasileira em relação ao conhecimento produzido no país: as alternativas que identificam a ciência nacional como "bastante de- senvolvidas" e "muito desenvolvidas" obtiveram, respectivamente, 25% e 18% das respostas.

Os pesquisadores também trataram de avaliar a visão do público sobre o fi- nanciamento estatal à ciência e tecno- logia. E a opinião predominante veri- ficada foi de que é insuficiente o apoio oficial, o que se configura como um dos principais fatores de inibição de um "maior desenvolvimento científico e tecnológico" em cada um dos países. No entanto, nesse item, outra vez a per- cepção dos brasileiros é mais otimista: 27,8% dos entrevistados pensam que o financiamento estatal é "razoavelmente suficiente", contra 3,3% dos argentinos

que o classificaram assim, 13,3% dos espanhóis e 9,3% dos uruguaios. E mais: enquanto a falta de interesse dos empresários aparece quase marginal- mente entre os fatores que impedem um maior desenvolvimento científico e tecnológico para argentinos e espa- nhóis (os uruguaios não tiveram essa questão), para 17,3% dos brasileiros essa é uma causa que se deve conside- rar. Para finalizar nessa tecla do otimis- mo nacional, enquanto 66% dos uru- guaios, 59,4% dos argentinos e 43,2% dos espanhóis ressaltam a carência da difusão social dos resultados das práti- cas científicas, nada menos que 54,9% dos brasileiros, na contramão, enfati- zam exatamente a aplicação prática do conhecimento como um traço positivo do sistema científico do país.

Acerto surpreendente - No conjunto de questões relativas à compreensão de conteúdos de conhecimento científico - em que os entrevistados deveriam as- sinalar se as afirmações eram verdadei- ras, falsas ou declarar ignorância sobre o assunto - em geral o índice de acerto foi bastante alto, certamente em função

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Produção Local

Você acredita que existe ciência e tecnologia no país? (%)

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Um pouco de ciência e tecnologia em algumas áreas

HBBBBBBI

■H Rastante desenvolvidas |

i

^B _. ... ... bim, muito aesenvoivmas f

L

Não existem ~"'

Argentina Brasil Espanha Uruguai

do nível de escolaridade dos entrevista- dos. Registraram-se, contudo, variações consideráveis desse índice na dependên- cia do campo de conhecimento tratado. Assim, ele foi de 82,5% nas perguntas relativas a geologia e a astronomia, en- quanto em física ficou em 61%. Foi re- lativamente baixo nas questões ligadas a bioquímica e a engenharia genética (62,8%) e mais alto nas perguntas ligadas à evolução biológica (74%). Observou- se também que questões que costu- mam mobilizar ações coletivas, como transgênicos, clonagem ou radioativi- dade, não apresentam níveis de com- preensão maiores do que outros temas.

No núcleo de questões relativas a processos de comunicação social da ciência, a maioria dos entrevistados na Argentina (80%), Brasil (71%) e Espa- nha (67%) se considerou "pouco infor- mada" e "nada informada". Só entre os uruguaios uma alta porcentagem (50%) se considerou "bastante informada". O consumo de informações científicas, seja por meio da televisão, de jornais ou de revistas de divulgação científica, é majoritariamente ocasional na Argen- tina, no Brasil e na Espanha. No Uru- guai, as respostas sobre freqüência do consumo em jornais contemplaram,

equilibradamente, as opções "regular" e "nunca". Na Argentina, chama a aten- ção a resposta de 41% dos consultados, que afirmaram nunca ter tido qualquer contato com revistas de divulgação cien- tífica, contra 23,5% dos brasileiros que escolheram essa opção, 20,7% dos espa- nhóis e 28,7% dos uruguaios.

O questionário também procurou identificar os valores que os entrevistados atribuem a cientistas e jornalistas, en- quanto agentes relevantes da comuni- cação pública da ciência. A respeito da clareza da divulgação, por exemplo, a grande maioria das respostas conside-

rou que apenas em algumas situações os cientistas "usam uma linguagem complicada e de difícil compreensão" (a opção foi escolhida por 74,1% dos argentinos, 56,8% dos brasileiros, 79,1% dos espanhóis e 58,7% dos uru- guaios). No entanto, quando o assunto é biotecnologia e energia nuclear, a confiança na fonte de informação se divide entre cientistas uni- versitários e organizações não-governamentais (ONGs) de defesa do meio ambien- te. Os brasileiros, aliás, con- fiam mais nas ONGs am- bientalistas. Questão para pensar é a credibilidade muito secundária dos jor- nalistas: só 5,2% dos brasi- leiros os escolheram entre as fontes em que confiam para receber informação sobre energia nuclear. Pior é sua credibilidade entre os argentinos (só 1,9% os esco- lheu), espanhóis (1,3%) e

uruguaios (2% da amostra). A confian- ça nos jornalistas é ainda mais baixa quando a informação é relativa a bio- tecnologia: só 0,9% dos argentinos, 2% dos brasileiros, 0,7% dos espanhóis e 2,7% dos uruguaios os consideraram dignos de confiança.

A pesquisa elegeu situações de controvérsia - como a questão dos resíduos nucleares, organismos gene- ticamente modificados, contaminação industrial, entre outros - para identifi- car experiências de participação efetiva do público. Constatou-se que a maioria absoluta dos entrevistados não tem dú- vidas de que é "importante" participar desses debates, preferencialmente em grupos. Mas grande parte revelou ter participado apenas de manifestações pú- blicas em relação a esses temas ou de coleta de assinaturas.

O projeto da OEI e da Rycit entra agora em nova etapa, com o aprofun- damento da avaliação dos resultados da pesquisa e dos instrumentos de coleta de informações. A rede ibero-america- na também será reforçada com a incor- poração de novos grupos ao projeto dos indicadores e de novas investigações que vão se valer de distintas estratégias, adiantam Carlos Vogt e Polino. •

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■ POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

ENTREVISTA: OTÁVIO FRIAS FILHO

Uma porta de entrada para novos leitores de jornal

O diretor de redação da Folha de S.Paulo explica por que o interesse jornalístico pela ciência tende a aumentar

MARILUCE MOURA

Otávio Frias Filho, 46 anos, jornalis- ta desde os 17, é formado em Di- reito e tem pós-graduação em Ciências Sociais pela Universida- de de São Paulo (USP). Declara-se

com modéstia um autor bissexto, mas, além das peças de teatro que publicou, algumas já encena- das, e de um livro reunindo artigos originalmen- te feitos para jornal, lançado há dois anos, faz parte agora dessa produção literária que ele mini- miza um livro de reportagens ensaísticas, Queda livre - ensaios de risco, lançado recentemente e, aliás, festejado pela crítica especializada.

Mas Frias Filho, o Otavinho, como o chamam, até para diferenciá-lo do pai, Octávio Frias de Oliveira, o empresário que comprou a Folha de S.Paulo em 1962, é, acima de tudo, um dirigente de jornal, mais precisamente do maior jornal do país. E foi nesta condição que lhe solicitei uma entrevista, em julho de 2003, de grande interesse para minha tese de doutorado sobre o lugar que ocupam a ciência e a tecnologia no pensamento e nas atividades práticas das elites brasüeiras - que se tornaria visível, entre outras fontes, pelos dis- cursos da mídia. Poucos meses antes, com o mes- mo objetivo, eu entrevistara Octávio Frias, o pai.

Quando foi decidido que uma pesquisa sobre percepção pública da ciência seria objeto da re- portagem de capa da presente edição de Pesquisa

FAPESP, entendemos que as entrevistas dos dois Frias poderiam enriquecê-la bastante, ao mostrar as visões sobre jornalismo & ciência de pessoas que, de formas diferentes, contribuíram e contri- buem para a difusão dos assuntos científicos no país. Não havia espaço para as duas entrevistas e, por isso, publicamos, por ora, trechos da entre- vista de Otávio Frias Filho, naturalmente com sua autorização, para usá-la com objetivo diverso daquele que foi declarado no tempo em que foi concedida. No texto a seguir, ele fala de jornalis- mo científico, mas dá também suas visões sobre o jornalismo em geral, o que nos parece informa- ção relevante para o leitor da revista.

■ No nosso mundo contemporâneo, tão marcado pelos fluxos de informação em escala global e pelo predomínio da imagem na formação da opinião pública, que lugar resta para o jornalismo im- presso? — A premissa é essa mesma da sua pergunta e acho que isso coloca um problema para as pes- soas que lidam profissionalmente com o texto. Esta é uma civilização em que a imagem predo- mina cada vez mais, e todas as pesquisas mos- tram, de uma forma ou de outra, num ritmo ou em outro, uma certa decadência do hábito de lei- tura ou, pelo menos, da leitura convencional, de livros e periódicos. Esse problema existe. E penso

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que os jornais não devem voltar as costas para a imagem, como alguns chegaram a fazer durante um tempo. Um exemplo que me vem a mente é o do Le Monde, que durante tantos anos se recusou a ter fotos, e mesmo a utilizar impressão em co- res, e acabou cedendo.

■ Se rendendo, não? — Pois é. Acho que é correto até este se render, porque não podemos ignorar a realidade da pre- sença preponderante da imagem, mas, ao mesmo tempo, creio que os jornais devem fortalecer o seu conteúdo em termos de texto. Eles são veícu- los eminentemente textuais - esta vocação conti- nuará a existir. E há também certas contradições, certas ambigüidades, na idéia de que as imagens tenham avançado sobre o texto. Tomemos, por exemplo o fenômeno da Internet, tão discutido hoje em dia: muitos analistas consideram que a Internet está patrocinando um renascimento do hábito de leitura, que as pessoas voltam a escre-

ver e a ler com uma freqüência que não ocorria anterior- mente. Mas concor- do que a tendência geral é de preponde- rância da imagem, que não vai ser re- vertida, portanto os

jornais têm que, em parte, se adaptar a essa reali- dade, e, em parte, se contrapor a ela, se afirman- do como veículo com uma certa densidade tex- tual, com uma certa capacidade de elaboração. Embora a superficialidade dos jornais de infor- mação geral seja notória, acho que eles respon- dem por uma certa tradição de elaboração de narrativa textual que é importante e deve conti- nuar viva.

■ Em relação a esse debatido papel da Internet no renascimento do hábito da leitura e da escrita, não se trata aí de um outro tipo de leitura, longe do que pensamos ao usar essa palavra em termos mais tra- dicionais? O texto na Internet é muito telegráfico, muito pouco argumentativo. — Concordo, embora eu faça uma ressalva, a sa- ber: que a Internet propicia um sem-número de leituras, de tipos e modalidades de leituras. Por exemplo, se você quiser pesquisar sobre [o filóso- fo] Martin Heidegger na Internet, poderá fazê-lo

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durante semanas, talvez meses, vai ler uma quantidade monumental de tex- tos. Então, ela permite também esse tipo de aprofundamento de uma ma- neira que talvez nenhuma outra mídia permita, dado o acúmulo virtualmente infinito de dados que possibilita. Mas, de modo geral, o tipo de leitura e de re- dação que a Internet, um meio intera- tivo, estimula é fragmentário, passageiro, superficial, incompleto, muito desa- tento em relação à norma culta. Hoje está ficando cada vez mais claro que a linguagem dos boletins on line, por exemplo, saudados como um passo im- portante de modernização das comu- nicações, se assemelha muito à lingua- gem de um veículo bastante tradicional em termos de mídia, que é o rádio.

■ Então haveria ainda um papel a ser cumprido pelo jornal diário entre as ins- tâncias de articulação social e política da sociedade. Como é a sua visão disso? — Vou comentar esse ponto, mas antes vou fazer uma consideração sobre um ponto paralelo, que é o seguinte: na Fo- lha fazemos uma análise de que, por parte de um contingente grande de pessoas, continua e continuará haven- do a demanda por um panorama no- ticioso que reflita o que aconteceu de essencial nas últimas 24 horas. Enten- demos que é esse ritmo de 24 horas e não o suporte - que pode ser tanto o papel quanto a tela - que define o jor- nal. Consideramos que essa necessida- de até se acentua, na medida em que existe uma oferta muito grande, inassi- milável de informação, com níveis de credibilidade muito díspares. Temos na Internet desde sites muito autorizados do ponto de vista conceituai, intelectual etc. até aqueles extremamente irres- ponsáveis. Então, a idéia de que os jor- nais tradicionais, seja no velho ou no novo suporte, sirvam como uma espé- cie de âncora, de referência informativa no meio dessa balbúrdia, dessa cacofo- nia noticiosa, é até uma oportunidade interessante a ser explorada pelos jor- nais. Quanto ao outro aspecto, do pon- to de vista político me parece que o jor- nalismo já teve uma influência muito maior do que tem hoje. Os jornais já foram entes muito mais políticos, in- clusive muito mais partidarizados, mas acho que ele continua a desempenhar um certo papel, em termos de articula- ção da política, articulação da econo-

mia etc. Continuam sendo não só um centro de debate público que envolve todas as elites da sociedade, quer dizer, a elite empresarial, a elite intelectual, a elite sindical, a elite política etc, mas um veículo que forma e desfaz certos consensos.

■ Ao falar do envolvimento das elites chegamos à questão de a quem se desti- na o jornal. Essa questão não é ela pró- pria definidora da diferença do jornal em relação a outros meios? Quero dizer, o jornal segue como um meio que visa essas elites, enquanto o papel de grande veículo de massas já teria sido deixado há 50 anos para a televisão e o rádio. — Concordo totalmente. Acho que é isso mesmo que define cada vez mais a vocação dos jornais. Isso ocorre nos países desenvolvidos e, de uma manei- ra muito mais acentuada, muito mais excludente, em países pobres como o nosso, onde essas elites representam um percentual muito menor do conjunto da população. Mas, num caso ou nou- tro, o consumidor da mercadoria jor- nal é um indivíduo que tem certas expectativas e certas exigências em ter- mos intelectuais, que estão num pa- tamar um pouco acima da sociedade como um todo. É um fato, não há o que discutir, que já se cristalizou há 50 anos essa distinção entre aquele que é o veí- culo de informação de massa, a televi- são e o veículo de informação do con- junto das elites, que é o jornal.

■ Sobre o suporte do jornal, sua expecta- tiva é de que o papel seja totalmente des- cartado mais adiante? — Não sei responder a essa pergunta. Acho difícil que alguém saiba respon- dê-la de maneira categórica, porque as coisas ainda estão ocorrendo e não existe ainda uma perspectiva nítida que permita fazer uma previsão. A minha impressão pessoal é de que os dois su- portes provavelmente vão conviver por alguns anos, talvez por muitos anos, e não excluo a possibilidade de que o su- porte papel venha a existir para sempre.

■ O jornalismo impresso, hoje, sobretudo se o pensarmos a partir das reportagens, de cidade, ciência, polícia etc, não se configuraria ainda e de uma certa ma- neira como uma das narrativas mais im- portantes da cultura contemporânea? Afinal, mais que a Internet, ele nos traz

histórias e enredos que vão se desdobran- do, cheios de antes e depois, com clímax e finais felizes ou dramáticos e, nessa me- dida, vai apresentando o mundo, dia após dia, de uma maneira que lhe é muito própria. — É, existe uma grande discussão so- bre o jornalismo no ambiente jorna- lístico brasileiro hoje. Existe também dentro da Folha discussões sobre os pa- drões de texto jornalístico, noticioso. À semelhança da grande maioria dos jor- nais noticiosos da tradição brasileira, que é uma tradição que sofreu muita influência da imprensa norte-america- na, a Folha adota um texto que se pro- põe a ser objetivo. Quer dizer, sabemos que não existe objetividade em termos absolutos, neutralidade e tal, mas esses jornais se propõem a ter um texto que se aproxime tanto quanto possível do modelo de um relato objetivo dos fatos. Então, há uma série de normas que cir- cunscrevem a liberdade estilística do autor, há uma série de perguntas a que o texto jornalístico necessariamente deve responder, enfim, há todo um ar- cabouço que limita a latitude de esco- lhas do autor do texto, com base na idéia de que essa limitação garantirá um padrão mais objetivo de relato. A Folha preza muito esse padrão. Eu diria que ela o reacentuou nos anos 1980, e o vem abrandando um pouco nos últi- mos 10 ou 15 anos. A minha visão pes- soal sobre isso é de que existe um certo movimento pendular na tradição de um jornal. Certos veículos engessam de tal maneira o seu texto, que é saudável que haja um movimento para flexibili- zá-lo, para permitir um pouco mais de liberdade pessoal porque esse engessa- mento excessivo acaba matando a pró- pria criatividade. Por outro lado, acho que não se deve perder um certo pa- drão objetivo de texto como referência, porque devido à influência que os jor- nais exercem hoje, atingindo públicos que são muito numerosos e muito he- terogêneos, seria um erro que adotas- sem uma liberdade que acabasse desfi- gurando um certo discurso unitário do jornal, pelo menos do ponto de vista noticioso. Penso que estamos transi- tando para um texto mais flexível, mui- tas pessoas advogam a idéia de que os jornais, até para fazer frente aos veícu- los de informação em tempo real e à te- levisão - por vezes esquecemos, mas a televisão é um veículo de informação

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em tempo real -, deviam adotar um pa- drão de texto mais flexível.

■ Quase literário? — Quase literário, há quem advogue que permitisse um certo aprofunda- mento, uma diferenciação em relação ao que a televisão e os boletins on line já fazem. Admito essa idéia em parte, porque eu acho muito importante que os jornais não percam um padrão de referência textual básico, que contenha normas que visem contribuir para a objetividade do relato. A minha posi- ção seria, digamos, intermediária. Exis- tem nichos de grande liberdade esti- lística na Folha, nos textos assinados e sobretudo nas colunas. Exemplo mais notório, talvez, nesses últimos anos, seja o do Zé Simão, que criou um esti- lo de humorismo. Eu costumo às vezes associá-lo ao Juó Bananere, o cronista da imprensa paulistana no começo do século. Vejo certas semelhanças no uso do humor, no coloquialismo etc. Então existem, sim, nichos de grande vitalida- de, eu diria, de criatividade estilística. Mas eu sou muito cético em relação a algumas experiências formais radicais da imprensa brasileira, porque acho que um texto resultará tanto mais bem escrito quanto maiores forem os obstá- culos e as adversidades que tenha que enfrentar.

■ Do ponto de vista do estilo mesmo? — Sim, mesmo do ponto vista do esti- lo. Imagine a quantidade de condicio- namentos, de imposições e até de re- gras íntimas, digamos, que um escritor como Flaubert impunha ao seu texto. E talvez seja consenso hoje que ninguém escrevia com tal requinte, com tal per- feição literária quanto Flaubert. Mas não estou exigindo que nós jornalistas sejamos cada um um Gustave Flaubert, é óbvio. É apenas um exemplo de que, às vezes, o melhor dos textos tem a ver justamente com disciplina e sujeição a uma série de regras, normas e cons- trangimentos. Aliás, eu me referi ante- riormente à imprensa norte-ameri- cana, dizendo que ela vem exercendo uma influência hegemônica na im- prensa brasileira, pelo menos dos anos 1950 pra cá, e esqueci de mencionar que a tradição da imprensa européia natu- ralmente é outra, de muito mais liber- dade não só na escolha dos temas pau- tados, como também e sobretudo no

tratamento estilístico das reportagens. Existem de fato esses dois modelos.

■ Sua participação nesse processo de de- finições da política editorial da Folha vem desde os anos 1980? — Com responsabilidades executivas, desde 1984. Como participante das dis- cussões desde 1976,1977. Nos anos 1990 houve uma correção de rumos e nós, eu próprio, acabamos concluindo que, embora verdadeiras, as idéias do jorna- lismo como uma profissão normatizá- vel, e do jornal como um produto in- dustrial, comportam limites. Ou seja, é importante normatizar, porque isso corresponde a um desenvolvimento técnico da profissão e do saber jornalís- tico, é importante ter o jornal como um produto industrial de mercado, mas eu relativizaria isso, no sentido de que esse produto associa aspectos da fábrica com aspectos do ateliê, e estes são inerradi- cáveis em nossa atividade.

■ Isso porque está ligado a um fazer inte- lectual humano? — Porque está ligado a um fazer inte- lectual humano e porque não se trata de uma ciência exata. Então os limites da normatização aparecem mais cedo ou mais tarde. Ela acaba burocrati- zando, como aconteceu na Folha, acaba fossilizando o texto, como também aconteceu aqui, acaba matando a cria-

tividade e a inventividade, sobretudo de pessoas mais novas, de gerações mais novas, que chegam ao jornal. Os limites dessa política ficaram claros e ela sofreu correções importantes.

■ Existe alguma relação entre o projeto editorial apresentado aos leitores e o de- sempenho comercial do jornal? — No caso da Folha houve uma traje- tória de crescimento da circulação ao longo dos anos 1980, num padrão as- cendente mais ou menos constante. Nos anos 1990, houve um crescimento já em escala geométrica da circulação, a partir de 1993, 1994, quando a Folha e outros jornais passaram a adotar uma política de promoção, ou seja, de vin- cular outros produtos à compra do exemplar: brindes, enciclopédias, vo- lume disso, atlas daquilo, e tal. Com isso houve realmente um boom na cir- culação de jornais, e o apogeu se deu aí por 1995, 1996, e a partir de 1997 co- meçou a haver uma queda, a meu ver porque a política de promoções se es- gotou, se exauriu, mas também porque a economia está crescendo muito pou- co nos últimos anos e as pessoas estão sem dinheiro. Além disso, os jornais estão passando por uma crise muito forte na condição de empresas de mí- dia, e essa crise está determinando que cortem investimentos, devastem seus orçamentos, apliquem uma política fe- roz de contenção de despesas etc. Então os veículos perdem capacidade de agressão, de presença no mercado. Isso vale para a Folha e vale também para os outros jornais de informação geral de grande porte, como O Globo ou O Esta- do de S.Paulo. Nos últimos 30 anos não há registro de uma crise tão forte como a atual, atingindo o setor de mídia no mundo e no Brasil.

■ Quais são os números de circulação dos grandes jornais brasileiros hoje? — A Folha continua sendo, em julho de 2003, o jornal diário com mais circula- ção no Brasil. Temos uma superiorida- de média em termos de circulação de cerca de 30% sobre O Estado de S.Pau- lo, e de cerca de 25% sobre o jornal O Globo. Em números aproximados, esta- mos hoje num patamar de circulação média próximo àquele em que estáva- mos no começo dos anos 1990, ou seja, por volta de 350 mil exemplares diá- rios. No boom da política de promo-

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ções e fascículos, a circulação média do jornal chegou a 1 milhão de exempla- res, havendo domingos em que se atin- giram cifras recordes de 1,5 milhão de exemplares. Quer dizer, a curva de cir- culação da Folha e dos grandes jornais em geral, porque todos passaram por processos semelhantes, descreve uma parábola ao longo dos anos 1990. Mas sobre circulação tem um aspecto que eu acho importante mencionar, nesse contexto, que é o seguinte: normal- mente as pessoas tendem a vincular cir- culação ao conteúdo editorial. A minha experiência tem demonstrado à sacie- dade que o conteúdo editorial é um dos aspectos de peso na formação do fenô- meno da circulação dos jornais, mas não é necessariamente o mais impor- tante. Há outros aspectos: preço, qua- lidade de serviço, atendimento que o assinante recebe, presença na mídia, marketing. E há um quinto aspecto, quase metafísico, que é algo como a imagem que o jornal projeta, a identifi- cação com alguma trajetória de tradi- ção que ele representa. E há um detalhe que acho importante mencionar: num jornal como a Folha, de cada dez leito- res, cerca de nove são assinantes. Então, nos grandes jornais, basicamente de as- sinantes, não é preciso fazer pirotec- nias na primeira página para suposta- mente vender mais. Porque o vínculo com a grande massa de leitores é outro, é um vínculo que implica credibilida- de, implica confiabilidade.

■ A crise da atual da imprensa é econô- mica, e profunda. Quais as suas razões? — Houve nos anos 1990 um primeiro ciclo, com um ambiente de expansão da economia mundial, os anos doura- dos do Clinton etc. E um segundo ci- clo, com um ambiente de retração na economia mundial. No primeiro ciclo havia a idéia de que estava em curso uma revolução tecnológica que afetaria muito profundamente a sociedade em geral, mas especificamente o setor de mídia. Então as empresas embarcaram nessa revolução porque não queriam perder o bonde da história. Investiram muito, diversificaram suas atividades, tomaram empréstimos. Para fazer o quê? A Internet, que antes não existia e hoje reúne 15 milhões de internautas no Brasil. Para fazer a TV a cabo, para criar novos títulos, jornais populares no estilo do Extra, no Rio, revistas co-

mo a Época, jornais econômicos, como o Valor. Com a desvalorização cambial, os preços em dólar foram multiplica- dos, o que implicou um ônus financei- ro gigantesco sobre as empresas.

■ Vamos falar um pouco de ciência? Qual é a sua visão da ciência como objeto da cobertura jornalística? — A Folha tem tradição na cobertura de ciência, não é mesmo? O jornal teve a sorte, ao meu ver, de nos anos 1950 e no começo dos 1960 ter tido José Reis como o responsável pela redação. Ela estava no jornal antes, desde o final dos anos 1940, mas foi diretor de Redação depois. E ele exerceu uma enorme in- fluência, seja no ambiente científico brasileiro, como você sabe muito bem, seja no sentido de constituir no Brasil esse gênero jornalístico, o jornalismo científico, e trazê-lo, de maneira pio- neira, para as páginas da Folha. Então nós procuramos sempre manter o jor- nal pelo menos à altura dessa tradição inaugurada por José Reis, que foi, além de um jornalista muito respeitado, um pesquisador de méritos, sobretudo no começo da carreira, antes de se dedicar mais integralmente ao jornalismo cien- tífico. De uma forma mais geral, eu te- nho a impressão de que em nossos dias o interesse jornalístico pela ciência tem aumentado e só tenderá a aumentar.

■ Por quê? — Primeiro, porque a ciência exerce uma influência, ainda que indireta, muito grande na vida das pessoas, e não vejo nenhuma razão por que essa influência venha a decrescer. Ao con- trário, acho que ela só vai aumentar, vi- vemos numa civilização técnico-cientí- fica. Segundo, porque a ciência passou a ser vista como uma das portas de in- gresso do público mais jovem ao hábi- to de ler jornais. E esse público é um pouco o enfantgatê dos jornais hoje em dia, porque estão todos muito preocu- pados sobre como garantir novos leito- res, como continuar formando leitores. Então, tem esse aspecto de estratégia etária, ou geracional. E em terceiro lu- gar, eu diria, porque a comunidade científica passou a dar mais importân- cia à divulgação midiática dos seus re- sultados. E isso passou a funcionar até, numa expressão um pouco dura, tal- vez, como uma espécie de moeda so- nante. Sabemos que recursos e investi-

mentos em determinadas áreas de pes- quisa dependem do tipo de repercussão que se tem na mídia. O caso todo do enfrentamento médico da epidemia de Aids é um bom exemplo de como lob- bies bem organizados fazem um assun- to aparecer com grande visibilidade na mídia, e de como essa visibilidade, por sua vez, justifica também o carreamen- to de recursos vultosos para o enfrenta- mento daquela moléstia. Evidentemen- te não estou criticando que se destinem recursos para o enfrentamento da Aids, ou para a descoberta de uma possível vacina contra ela, mas só assinalando o fato de que moléstias, tão graves quan- to ou tão epidêmicas quanto, ou endê- micas, têm muito menos visibilidade.

■ Malária, por exemplo? — Por exemplo. E talvez por essa razão têm menos recursos para pesquisa. En- fim, você conhece bem, melhor do que eu aliás, todo esse problema da política científica e de como a divulgação mi- diática joga um papel nessa questão de política científica. Mas é um terceiro as- pecto pelo qual eu acho que o jornalis- mo científico tem ganhado presença e mais visibilidade.

■ Há, entre os jornalistas, muita diver- gência sobre as áreas de afinidades da co- bertura de ciência, que normalmente se encontra nas chamadas páginas de Ge- ral. Alguns defendem que ela deveria es- tar mais ligada à economia e há quem ache que deveria estar ligada à cultura. Qual é a sua opinião? — Acho que ela é uma cobertura mui- to sui generis. Por quê? Porque desper- ta, sobretudo em alguns momentos - e é emblemático o caso da ovelha Dolly, por exemplo -, uma curiosidade quase universal. Ao mesmo tempo, ela requer um instrumental de trabalho bastante exigente: exercer a atividade de jorna- lista como repórter que está cobrindo eventos na cidade exige um tipo de qualificação profissional menor do que aquela exigida para uma pessoa que vai desempenhar seu trabalho como jorna- lista de ciência, que vai fazer jornalismo científico.

■ Isso até para tentar traduzir o jargão da área para uma linguagem do senso comum, não é? — Exato. E esta é uma área onde deve haver muito cuidado, a meu ver, em

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duas direções: primeiro, há que se evi- tar tanto quanto possível que o jorna- lismo seja manipulado pelo jogo dos grandes laboratórios, das grandes em- presas que sabem que a visibilidade em mídia se traduz em receita. E, ao mes- mo tempo, há que se tomar cuidado para que essa cautela não leve o jorna- lista a "brigar com a notícia", como di- zemos em nosso jargão. Por exemplo, no caso do Viagra, eu sei que toda essa enxurrada de noticiário ajuda muito o fabricante. Agora, é um fato extraordi- nário que não pode ser ignorado pelos jornais. Mas há esse aspecto de tomar cuidado para separar o joio do trigo, ou seja, utilizar os métodos e critérios e jurisprudências da nossa profissão para tentar identificar o que é notícia, ou em que medida um fato é, de fato, notícia, em que medida está sendo manipulado por um fabricante, por um laboratório etc. Essa cautela deve ser permanente no jornalismo cientí- fico. E, claro, a cautela também de evi- tar ceder à tentação de um certo sen- sacionalismo, porque o jornalismo científico dá ampla margem para todo tipo de sensacionalismo.

■ Como se diz, é possível fazer uma des- coberta por dia no jornalismo científico, não na ciência. — Isso, isso. Eu já nem falo, sei lá, das fraudes paleontológicas, ou do mons- tro do lago Ness, mas sabemos que o sensacionalismo é um elemento que está sempre à espreita nesse tipo de co- bertura, e nosso editor de ciência é muito preocupado justamente com esse aspecto de evitar passar a falsa imagem de que por trás de um fato científico de proporções mais ou menos limitadas possa estar um evento extraordinário, sensacional.

■ A minha indagação sobre em que pá- ginas se deve abrigar a cobertura de ciên- cia está ligada à seguinte questão: quase sempre, a tradução do conhecimento cien- tífico em tecnologia é que determina as mudanças no nosso cotidiano. Acontece que dificilmente a tecnologia tem o apelo, o charme que a ciência com freqüência apresenta. As notícias de tecnologia em geral estão na economia, longe da ciên- cia. Se as duas estivessem juntas, com o charme da ciência contaminando a tecno- logia, o jornalismo não prestaria um me- lhor serviço de informação para o leitor?

A cautela deve ser permanente no jornalismo científico

— Bem, eu tenho a impressão de que a cobertura de ciência é muito alheia aos aspectos econômicos da ciência e não sei muito explicar por que isso ocorre. Provavelmente porque os aspectos que despertam aquela curiosidade univer- sal a que me referi antes são mais pro- priamente científicos.

■ Que talvez estejam mais ligadas ao prazer de conhecer, de descobrir? — Exato. E ligadas muito ao maravi- lhoso, ao misterioso, ao inesperado. Ao passo que uma cobertura, digamos, mais tecnológica, mais atenta à realida- de econômica, ao substrato econômico da ciência, tende a interessar a um pú- blico mais restrito.

■ Mas não é um problema, do ponto de vista da organização das notícias no jor- nal, que a ciência esteja num lugar e a tecnologia esteja noutro? Não seria possí- vel reuni-las? — É verdade, e é uma boa questão. Tal- vez se devesse pensar em reuni-las.

■ Pensando não só em termos nacionais, mas também internacionalmente, o jor- nalismo científico tende a ocupar um es- paço maior do que já ocupa dentro da mídia? — Não tenho muita condição de jul- gar, porque eu sou um editor um tanto caipira, como diria o Fernando Henri-

que Cardoso. Eu viajo pouco, acompa- nho a imprensa internacional muito menos do que seria desejável, por falta de tempo e porque, enfim, o Brasil é um país continental, a realidade nacio- nal pesa muito no nosso cardápio jor- nalístico.

■ Ainda bem. — Pois é. Eu acompanho muito pouco imprensa internacional, nunca tive a ocasião de morar no exterior, então não saberia opinar com base em obser- vação. Mas em termos intuitivos diria que o jornalismo científico só vai cres- cer em termos de espaço e presença dentro do jornalismo. Porque acho que os temas mais tradicionais do jornalis- mo, a saber, os temas institucionais, no- tadamente política e economia, vêm perdendo importância relativa na com- posição temática dos jornais.

■ Isso é perceptível? — Sem dúvida. Se você pegar um jor- nal dos anos 1950, comparar o peso re- lativo dos diversos tipos de noticiário, verá que há muito noticiário político, aquelas longas reportagens mostran- do como tinha sido a sessão do Senado na véspera, em detalhes, como tinha transcorrido a sessão da Câmara em detalhes, os despachos do presidente, do ministro etc. Então era muita co- bertura política, muito pouca cobertu- ra de economia, ela nem estava orga- nizada enquanto tal, assuntos como educação apareciam de uma maneira muito esporádica, muito desorganiza- da, mesmo ciência era um noticiário muito incipiente. O cardápio principal dos jornais nos anos 1950 era, portan- to, muita política, muito despacho in- ternacional aproveitado das agências, e um certo noticiário desorganizado de comunidade local. Com o tempo, nos anos 1960,1970 e tal, foram se organi- zando outros gêneros, o próprio jorna- lismo cultural cresceu muito nos anos 1960, o jornalismo de economia cres- ceu muito nos anos 1970, o jornalismo de serviços, assim chamado, surgiu, pelo menos no Brasil, nos anos 1970. Então, na composição relativa, política e mesmo economia a meu ver têm per- dido espaço para acomodar outros sub- gêneros que existem, que têm presença hoje na pauta de qualquer jornal. Eu acho que ciência vai crescer pelas ra- zões que já mencionei. •

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I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

SAÚDE

Novos investimentos Fleury, Sírio-Libanês e Einstein criam institutos de pesquisa

TâNIA MARQUES

Hospitais e laboratórios de análises clínicas privados têm investido na criação de institutos de ensino e pesquisa para o desenvolvimento de projetos na área médica. No

início de dezembro, o Fleury Centro de Medicina Diagnostica e o Hospital Sírio Libanês passaram a integrar esse grupo que já tinha como integran- te pioneiro o Hospital Israelita Albert Einstein.

O Instituto Fleury foi criado com o objetivo de ampliar a pesquisa, ações educacionais e res- ponsabilidade social. Com 250 médicos em seu quadro funcional, o Fleury trabalha com 23 pes- quisadores em medicina. A cargo de apenas 15 deles havia, no final de 2003, 19 projetos inter- nos, 26 em cooperação com universidades e 19

teses sendo preparadas total ou parcialmente na área técnica do laboratório.

O instituto pretende fortalecer as parcerias já existentes entre o laboratório e diversos cen- tros de pesquisa, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), e estabelecer novos acordos. A expecta- tiva é também aumentar o raio de ação dos pro- gramas de educação continuada, aperfeiçoamen- to e especialização que o laboratório mantém há anos, prioritariamente para seu pessoal de nível superior. "Pretendemos oferecer, também, cursos de pós-graduação, que, pelo menos em um pri- meiro momento, serão realizados nas universida- des parceiras", conta Rendrik Franco, um dos di- retores do instituto.

Segundo Franco, o laboratório investirá R$ 3 milhões por ano no instituto, sem considerar a verba que já há alguns anos destina à pesquisa. "Es- ses recursos serão dirigidos principalmente para as áreas de educação e responsabilidade social", observa ele. Com a iniciativa, o Fleury pretende, também, aumentar seus investimentos na publi- cação de textos científicos. "Já lançamos diversos manuais e queremos, agora, editar periódicos e livros", comenta Franco. Ele afirma que as inicia- tivas do Fleury no desenvolvimento de produtos

Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês: investimentos de R$ 20 milhões

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A meta é ampliar parcerias com universidades e aumentar oferta de cursos de graduação e pós-graduação

e processos e em inovação tecnológica cresceram muito nos últimos dez anos. "Recentemente, per- cebemos que muitos desses conhecimentos acu- mulados e já aplicados são passíveis de registro de propriedade intelectual", diz.

Massa crítica - O Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, inaugurou, no início de dezembro, um Instituto de Ensino e Pesquisa, com investimentos de R$ 20 milhões. O instituto aguarda autorização do Ministério da Educação para atuar como ins- tituição de ensino superior e, em breve, oferecerá cursos de pós-graduação lato sensu, com progra- mas de residência médica, especialização, apri- moramento e estágios em diversas especialidades, como estudos da dor, oncologia e videocirurgia. "A idéia é formar massa crítica em pesquisa expe- rimental e clínica para depois oferecer, também, mestrados stricto sensu", diz Roberto de Queiroz Padilha, diretor-executivo do instituto.

O Instituto do Hospital Sírio-Libanês conta com seis centros de treinamento com infra-es- trutura para pesquisa, ensino e prática de video- cirurgia, microcirurgia, artroscopia, simulação de situações críticas, braquiterapia da próstata e emergências cardiovasculares. Também dará continuidade ao trabalho do Centro de Estudos e

Pesquisas do Sírio-Libanês, que desde 1978 pro- move a educação continuada para médicos e ou- tros profissionais de saúde, realizando jornadas, simpósios, congressos e reuniões científicas sobre os mais variados temas, com destaque para a área de terapia intensiva. "Agora, será possível acom- panhar, a partir dos nossos anfiteatros, qualquer procedimento do centro cirúrgico do hospital e dos centros de treinamento", observa Padilha.

Pioneiro, o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, que nasceu formal- mente em 1998, já oferece cursos de graduação em enfermagem e pós-graduação lato sensu em diversas áreas da medicina. "À parte os progra- mas regulares, oferecemos hoje mais de 80 cur- sos de atualização", diz Carlos Alberto Moreira Filho, coordenador do instituto. "A pesquisa é uma atividade estratégica para o hospital", co- menta. O Instituto do Albert Einstein mantém acordos de colaboração com diversas univer- sidades no Brasil e no exterior - USP, Escola Paulista de Medicina e a Cleveland Clinic são al- guns exemplos de parceiros. Com um investi- mento inicial de cerca de R$ 10 milhões, gerou receita de R$ 12 milhões em 2003 e projeta um crescimento de 25% em 2004. Atraiu quase 6 mil alunos em 2003. •

Instituto Fleury: ampliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 29

I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

EMPRESAS

Receita para empreendedor Seminário analisa estratégias para o sucesso de negócios de alta tecnologia

O sucesso de uma empresa de base tecnológica de- pende da capacidade empreendedora de seus organizadores e da for-

mação da equipe, que deve contar com um líder carismático e ter pessoas com diferentes tipos de vínculos com a uni- versidade - de professores com dedi- cação exclusiva a adjuntos -, além de profissionais ligados ao mundo dos negócios. Essa é a receita do empreen- dedorismo bem-sucedido defendida por Tina Seelig, diretora-executiva do Stanford Technology Ventures Program e da Stanford Entrepre- neurship Network. Tina participou da primeira mesa-redonda que debateu o tema Formação em Empreendedorismo para Cientis- tas e Engenheiros na América Latina, promovida pelo Centro Minerva de Empreendedoris- mo, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, em dezembro. O evento já havia sido realizado na Europa e na índia.

No que se refere aos aspectos estratégicos do empreendedoris- mo, Valério Veloso, diretor-execu- tivo do Porto Digital, destacou a importância de reunir, nos pólos de negócios, empresas de diferen- tes portes. E César Simões Salim, que coordena o primeiro centro de empreendedorismo brasileiro, instalado na Pontifícia Universi- dade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) desde 1995, frisou a necessidade da criação de ban- cos de estudos de casos brasileiros que reflitam a realidade nacional. Também comentou que, diferen- temente do que ocorre nos Esta- dos Unidos, no Brasil os alunos tendem a valorizar pouco a marca

da universidade em que se graduaram. "Na PUC, criamos o Gávea Angels no final de 2002, para estimular os investi- mentos de pessoas físicas na criação de empresas inovadoras", contou Salim. "Infelizmente, os resultados não são dignos de comemoração."

Obstáculos legais - No Brasil, o concei- to de empreendedorismo ainda é pou- co conhecido. Fernando Reinach, dire- tor executivo da Votorantim Ventures, que patrocinou o seminário, e presi- dente da Allelyx, empresa de biotecno-

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logia, apontou uma dificuldade de prospecção de empreendimentos de alta carga tecnológica com bom poten- cial para o capital de risco: "Uma em- presa que financie um projeto de pes- quisa não terá prioridade de direito de uso dos resultados, porque a proprie- dade intelectual de qualquer tecnologia desenvolvida dentro da universidade é da própria universidade e sua transfe- rência, ao menos em tese, está condicio- nada a processos licitatórios, o que tor- na os convênios juridicamente frágeis",

disse. Se uma companhia farma- cêutica, por exemplo, investir em uma pesquisa realizada na univer- sidade que resulte na cura do cân- cer e desenvolver produtos com base nela, talvez tenha de enfren- tar os advogados dos grandes la- boratórios internacionais. A nova versão da Lei de Inovação, que tramita no Congresso, aborda es- pecificamente essa questão e po- deria eliminar essa dificuldade apontada por Fernando Reinach.

Ele também comentou o fato de os cientistas ligados a universi- dades e institutos não terem direi- to de propriedade intelectual so- bre suas invenções e descobertas. "Por isso, em vez de tirar idéias da universidade, temos de tirar pessoas da universidade, o que cria certa tensão no relacionamento", diz Reinach. A Votorantim Ventures tem um modelo de investimento de risco compatível com os prazos de retorno e a baixa atividade do mercado de ações no Brasil.

Apesar de todos esses proble- mas, a indicação de que o setor tem um bom potencial de cresci- mento são os investimentos em programas de inovação tecnológi- ca da FAPESP. •

30 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

I CIÊNCIA

LABORATÓRIO UNDO

Desmatamento: se aumenta 1%, população de insetos transmissores da malária cresce 8%

Portas abertas para os mosquitos Para cada 1% de aumento de área desflorestada, cresce 8% a população dos mos- quitos transmissores da ma- lária na Amazônia. Foi um achado da equipe de Jona- than Patz, da Universida- de Johns Hopkins, Estados Unidos, que coletou cerca de 15 mil exemplares de mosquitos em uma estrada na selva peruana para con- tar quantos deles perten-

ciam à espécie Anopheles darlingi, principal transmis- sor da malária na região. Pa- ra chegar a esses números, publicados na Nature de 28 de novembro, os pesquisa- dores utilizaram imagens de satélites e compararam o número de mosquitos da malária com o nível dos desmatamento causado pe- lo crescimento de núcleos urbanos e de propriedades

rurais. "O Anopheles darlingi tende a prevalecer sobre os outros mosquitos porque se multiplica em lugares aber- tos e ensolarados e em água parada", diz Patz. Segundo ele, pode se tornar mais fá- cil prevenir as doenças à medida que se conhecem as relações entre os danos ambientais e a saúde de se- res humanos e animais. Phil Lounibos, da Universidade

da Flórida, Estados Unidos, concorda que o desmata- mento deve levar ao au- mento da população do A. darlingi, mas lembra que ele só começou a aparecer na década de 1990, depois do início da criação de peixes na região. "O problema hoje não seria tão grave se essas espécies não tivessem sido trazidas de outros lugares", pondera Lounibos. •

■ Miniímãs feitos de grafita ultrapura

Poucos metais são dotados de magnetismo permanente, a propriedade de atrair minica- lendários e telefones de piz- zaria para as portas das gela- deiras. Depois da descoberta de materiais compostos, mas destituídos de metal, capazes de transformar-se em ímãs a temperaturas próximas de ze- ro, pesquisadores da Univer- sidade de Leipzig, Alemanha,

relataram na Physical Review Letters de 28 de novembro a descoberta de magnetismo na grafita comum, condi- mentada com uma pitada de hidrogênio, e em temperatu- ra ambiente. Se vencer a des- confiança dos céticos, a nova técnica pode levar à obtenção dos menores ímãs já produzi- dos, com possíveis aplicações em nanoeletrônica e no trata- mento do câncer. Os físicos de Leipzig irradiaram grafita ultrapura com um feixe de

prótons, que se alojaram na grafita, distorceram sua es- trutura e formaram ligações novas entre carbono e hidro- gênio. A grafita irradiada tor- nou-se magnética em relação a um campo específico e man- teve parte desse magnetismo quando o campo foi desmag- netizado. Quanto mais prótons eram acrescentados, maior era o efeito magnético, mas, depois de determinado limi- te, a imantação diminuía. O efeito é claro, embora ainda

não esteja muito bem expli- cado. Segundo teorias recen- tes, o hidrogênio ligado ao carbono pode distorcer a dis- tribuição dos átomos na me- dida exata para gerar ferro- magnetismo. A perda de magnetismo mediante a apli- cação de maiores doses de prótons deve a princípio re- sultar da danificação da es- trutura atômica a tal ponto que ficaria difícil obter um alinhamento ordenado dos ímãs atômicos. •

32 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

Vidro trincado: a fratura depende das áreas de tensão

■ Rachaduras supersônicas

Alguns materiais enrijecem sob forte tensão, outros amo- lecem. Físicos do Instituto Max Planck de Pesquisa de Metais em Stuttgart, na Ale- manha, e do Centro de Pes- quisa Almaden, da IBM, nos Estados Unidos, entenderam esses mecanismos um pouco melhor. Por meio de simula- ções moleculares em com- putador, descobriram que as rachaduras se propagam su- personicamente quando a hi- perelasticidade - a elastici- dade de máximas tensões - predomina em uma área de alta energia próxima à extre- midade da rachadura, uma conclusão que ajuda a enten- der, por exemplo, a dinâmica dos terremotos e o espalha- mento de rachaduras nos cascos das aeronaves. Com esse trabalho, apresentado na Nature de 13 de novembro, os físicos encontraram uma la- cuna nas teorias sobre a dinâ- mica das fraturas. Agora se vê a elasticidade dos sólidos co- mo algo dependente de seu estado de deformação. Por- tanto, os metais enfraquecem ou amolecem e os polímeros enrijecem à medida que se aproximam do estado de fa- lência, quando surgem as fra- turas. Ao que parece, a hipe-

relasticidade tem um papel predominante em materiais como os nanofilmes ou sob condições de alto impacto, quando ocorrem tensões maiores. •

■ Quando 1,23% faz a diferença

Somos 98,77% chimpanzés ou os chimpanzés é que são 98,77% humanos? Uma das notícias derradeiras de 2003 foi o anúncio de que o geno- ma do Pan troglodytes encon- tra-se agora alinhado com o do Homo sapiens - e aberto pa- ra consulta pública, nos ban- cos internacionais de genes. Financiado pelo Instituto Na- cional de Pesquisa do Geno- ma Humano (NHGRI), esse trabalho começou em janeiro de 2003, com o material co- lhido de seis chimpanzés não aparentados, e confirma a es- timativa prévia de alta simila- ridade: as duas espécies têm

98,77% do DNA em comum. As diferenças encontradas no 1,23% restante poderiam ex- plicar por que doenças como Aids, Alzheimer e malária afetam pessoas e chimpanzés de modo diferente. Estudos preliminares feitos com chips de DNA indicam que foram principalmente os genes do cérebro das duas espécies que se diferenciaram: não se nota- ram diferenças na expressão gênica de outras partes do cor- po, como fígado e células bran- cas do sangue. Os genes do cérebro humano também ex- perimentaram mais mudan- ças durante a história evoluti- va quando comparados com os genes do cérebro de outro mamífero, o camundongo. •

Contando moedas e filhotes

As mulheres levam vanta- gem sobre os homens no raciocínio matemático ins- tantâneo, de acordo com um estudo com 20 mil vo- luntários organizado na Inglaterra pela University College e pelo centro At- Bristol. Para Brian But- terworth, do College, o resultado mostra que o cérebro tem dois mecanis- mos de processar a mate- mática: "O primeiro é o ra- ciocínio instantâneo, que ocorre quando vemos três moedas em cima da mesa e tomamos consciência dis- so sem precisar contá-las, uma habilidade com que todos nascemos. O segundo é a matemática ensinada nas escolas, com operações como soma, subtração e a multiplicação". A experiên- cia consistiu em mostrar aos participantes um nú- mero variável de bolinhas e pedir que respondessem

Poder feminino: notáve

quantas podiam ver. A res- posta das mulheres era sig- nificativamente mais rápida diante de uma a três boli- nhas. De quatro a dez, ho- mens e mulheres empata- vam. Pode se tratar de uma habilidade bastante dis- seminada. Já se constatou que abelhas, ratos e leões percebem números e fazem associações do tipo instan- tâneo. Muitos animais fa-

riam uso dos números tam- bém em outras situações, como vigiar filhotes e fu- gir de predadores. O estu- do explica o fato de as me- ninas serem melhores que os meninos em aritmética nos primeiros anos de es- cola: os meninos estariam mais sujeitos a uma defi- ciência denominada discal- culia, equivalente à dislexia no caso da linguagem. •

PESQUISA FAPESP 95 • JANEIRO DE 2004 ■ 33

LABORATORI BRASIL

Venenosas, rápidas e de longas pernas

Nem os guias nem os visi- tantes ligavam para a ara- nha-marrom (Loxosceles adelaida) das cavernas do Parque Estadual e Turístico do Alto Ribeira (Petar), no sul do Estado de São Paulo - até porque não sabiam de que se tratava de aranhas- marrom. Pequenas - não mais de 2 centímetros -, de pernas longas e finas, ágeis e avessas à luz, pareciam inofensivas. Mas uma equi- pe do Instituto Butantan descobriu que na entrada, nas fendas, nas paredes in- ternas ou mesmo nas pro- fundezas das cavernas do Petar há, sim, representan- tes dessa espécie, à qual se deve dar importância por- que solta um veneno bas- tante tóxico, que pode cau-

Aranha-marrom: agora também nas cavernas do Petar

sar sérias complicações. Pior: a picada é indolor, nem sempre se vê a aranha, que foge com rapidez, e a lesão que causa surge dias depois e pode confundir-se com uma infecção de ori- gem bacteriana, dificultan- do o tratamento imediato.

Com apoio do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT) do Butantan, uma equipe coordenada por Denise Vi- larinho Tambourgi e Rute Maria Gonçalves-de- Andra- de elaborou um folheto de orientação, que começou a ser distribuído no dia 17 em

Iporanga, um dos municí- pios que formam o Petar, visitado anualmente por cerca de 15 mil pessoas. Re- comenda-se, por exemplo, mais atenção ao pôr a mão nas rochas ou ao repor a mochila nas costas. Outra espécie do mesmo gênero, a Loxosceles intermedia é bas- tante comum na região Sul e pode ser encontrada até mesmo em apartamentos. Estima-se que essas aranhas causem 3 mil acidentes com picadas por ano só no Paraná. Por sorte, outra descoberta importante é que o soro antiaracnídico do Butantan consegue tam- bém neutralizar o efeito do veneno da Loxosceles adelai- da encontrada nas caver- nas do Petar. •

■ Genoma contra a lagarta da soja

Deve terminar este mês o se- qüenciamento do genoma do Baculovirus anticarsia, vírus utilizado como substituto dos pesticidas químicos no con- trole biológico da lagarta-da- soja {Anticarsia gemmatalis), a principal praga das lavouras de soja. Estudado em conjun- to por equipes da Universi- dade de São Paulo (USP), da Empresa Brasileira de Pesqui- sa Agropecuária (Embrapa) e das Universidades de Brasí- lia (UnB), Mogi das Cruzes (UMC) e da Flórida, Estados Unidos, o baculovírus é for- mado por cerca de 110 genes, que integram um genoma

com cerca de 133 mil pares de bases, dez vezes maior que o de outros vírus, como os agentes da hepatite C, dengue e Aids (ainda assim, dez vezes me- nor que um genoma bacteria-

no típico). A essas informa- ções devem-se somar as con- clusões da comparação entre as variedades de baculovírus encontradas nas diversas re- giões brasileiras, que constitui

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Contra a lagarta-da-soja, baculovírus mais eficazes: alternativa aos agrotóxicos

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a próxima etapa do trabalho. "Pretendemos entender e con- trolar a diversidade genética dos baculovírus, em função da resposta de campo, com a maior ou menor mortalida- de das lagartas", diz Paolo Za- notto, virologista da USP e coordenador do trabalho. "O baculovírus constitui o maior programa de controle bioló- gico do mundo e uma alterna- tiva importante aos agrotóxi- cos, sem impacto ambiental." Em paralelo, esse mesmo gru- po de pesquisa desenvolveu um vírus recombinante que pode servir de hospedeiro para expressar genes de outros ví- rus, como o da meningite, para a produção de vacinas ou no- vas formas de diagnóstico. •

34 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

■ Alimentos fora da lei

Convém redobrar a atenção na hora de abastecer o carrinho no supermercado. Um estu- do realizado pelo laboratório do Instituto Adolfo Lutz em Campinas avaliou 143 amos- tras de doze tipos de alimen- tos - palmito em conserva, sorvete em massa, paçoca de amendoim, queijo-de-minas frescal, entre outros - coleta- das entre março e julho de 2002 em supermercados de Campinas, Piracicaba e São João da Boa Vista, no interior de São Paulo. O palmito foi o alimento com maior número de amostras em desacordo com a lei. Das 14 embalagens examinadas, cinco não cum- priam as exigências da Agên- cia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou do Mi- nistério da Agricultura. Das cinco amostras com proble- mas, duas estavam em solu- ções menos ácidas do que o estabelecido por lei, condição favorável à proliferação da bactéria Clostridium botuli- num, causadora do botulis- mo, infecção que pode levar à morte. Em outras duas amos- tras, o palmito apresentava uma aparência diferente da exigida para venda (cilindros inteiros, rodelas ou picado) ou os dados do produtor não apareciam descritos na vrm- balagem. De acordo com a pesquisa, recém-publicada no Boletim do Instituto Adolfo Lutz, foi elevada a taxa de ir- regularidades entre as amos- tras de sorvete. Das 15 amos- tras examinadas, quatro não declaravam no rótulo todos os componentes químicos e uma relatava na embalagem teores de gordura superiores aos que continha na realida- de. Quatro das 15 embala- gens de paçoquinha conti- nham níveis superiores ao

Sorvetes e palmito: composição indefinida ou malconservados

permitido de uma substância chamada aflatoxina, associa- da a alergias e intoxicações. Somente as amostras de ovos de galinha, fubá e salsicha foram aprovadas sem pro- blemas. •

■ Novas espécies de árvores na Bocaina

A família das Rubiaceae, um grupo de plantas lenhosas de clima tropical com mais de 6 mil espécies descritas, entre elas o cafeeiro, ficou ainda maior. Coletas feitas pelo bo- tânico Mario Gomes, na Serra

do Parati, situada no Parque Nacional da Serra da Bocai- na, na divisa dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, resultaram na identificação de quatro novas espécies de árvores ou arbustos dessa fa- mília: Coussarea bocainae, Faramea hymenocalyx, Fa- ramea paratiensis e Faramea picinguabae. De porte arbó- reo, podendo atingir 7 a 10 metros de altura, a C. bocai- nae é a maior das novas Ru- biaceae, descritas em detalhes por Gomes na edição de ju- lho/setembro da revista Acta Botânica Brasilica. •

Células mesenquimais: uso potencial no reparo do coração

■ Genes ativos em células-tronco

Um grupo de pesquisadores do Centro de Terapia Celular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Univer- sidade de São Paulo (USP), caracterizou o perfil de ex- pressão dos genes humanos num tipo de células-tronco retiradas da medula de adul- tos, as chamadas células-tron- co mesenquimais. Entre os grupos de genes mais ativos, destacaram-se os envolvidos nos processos de adesão e desenvolvimento celulares. O resultado do trabalho pa- rece compatível com o papel tradicionalmente associado às células-tronco mesenqui- mais. Sabe-se que elas têm a capacidade de se diferen- ciar em alguns tipos de célu- las maduras, com funções especializadas, que vão dar origem a uma série de dis- tintos tecidos, como ossos, cartilagem, tendões, múscu- los e gordura. A identificação do padrão de expressão de genes nessas células primor- diais extraídas da medula de adultos - sem a necessidade, portanto, de se retirar célu- las-tronco de embriões - pode aprimorar as formas de seu cultivo in vitro. O traba- lho também deve ajudar a entender por que as células- tronco mesenquimais con- seguem se transformar em algumas formas de células maduras, mas não em todas. Uma das possíveis aplicações terapêuticas das células-tron- co mesenquimais é na rege- neração do músculo cardíaco, que forma o coração. Coor- denado por Marco Antônio Zago, da USP de Ribeirão Preto, o estudo dos pesquisa- dores paulistas foi publicado na edição da novembro da revista Stem Cells, com direi- to a chamada de capa. •

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 35

CIÊNCIA

I Doratono, espera se aue )or tuna boca com tcntac ulos e upo de ui is trocas gasosas .diges

io) c cia Dama a ar em aorii a re produção em tanques ue três das lo espécies

ontradas nas águas rasas e quentes do Nordes Até o final do ano. de acordo com o cronogra

Na ( losta dos ( .orais, a siiperfíc ic dos rei ifes ainda habi a por invertebrados marinhos varia de 5% a 25% de iro modo, três quartos da superfície das colinas de calca

is primeiras colônias cie corais doras cios corais. A exnh r aigas, i radieaonais compeli ia da paisagem, porém, pode

)ianiacias na região cie engai do coral es!rei

ricos e Ira géis ; QO planeta, eme se e

dos stellata), um globo de até iam ral de fogo galhado(MilL

isileiro (Siderastrea ámetro, e as do co si, aue lembram ar

s lardins snhi de mostarda, assim chamados por provoc

as em quem ousa tocar seus ramos. Nas ágil, mais profundas, encontram se as o

OCEANOGRAFIA tastrea cavernosa), a espécie m da na foto ao lado, cuia sup

Oásis marinhos em perigo Biólogos planejam repovoamento dos recifes de corais, um dos mais ricos ambientes do mundo, ameaçado pela pesca excessiva

estranho p

Espécies únicas - Mesmo nos I res mais preservados como o B; dos AProlhos, rei ciue lica o

de mesmo nome no sul corais nao

passa de 35% em alguns poucos pontos níveis semelhantes aos das

■ e a Austrália. I

RICARDO ZORZETTO

), DE RECIFE

cresçam no litoral brasileiro apenas 15 cias 650 espécies conhecidas cie corais, a taxa de espécies exclusivas do país é elevada: sete delas sc'> sao encontradas por aqui, concentradas em uma área restrita correspondente a 0,4% dos recifes do mundo, de acordo com uma pesquisa concluída recentemente por Rodrigo Leão de

no, leque, g

espécies no mundo, inferior apenas i Ambientes de extraordinária impoi

('aravelas, Bahia. Estudos publicados na revista

> e mar Siivnceáe 15 de agosto de 2003 detalham a gravidade da si- O, os re Inação internacional dos recifes de corais, protegidos desde dade de 1975 pela Convenção sobre o Comércio Internacional de opicais. Espécies Ameaçadas da Flora e da Fauna Silvestres, da qual vida no o Brasil ésignatário. Em um dos artigos,o biólogo marinho

cional most

/ida no o israsil e signatário, l.m um dos artigos,o DlOlOgO marinho lerence I lughes, da Universidade james Cook, na Austrália,

o esla- estima que 30% dos recifes já estejam seriamente danifica os úni- dos e outros 60% devam se perder até 2030, por causa de

tegidas s (lorais, uma longa seq idas por coc pesca excessiva, a pc

no ultimo século com a ricultura, a devastação de

asneira, ciue se e: metros, desde o buco, até Pari) colinas de calca

íhaisque despertaram a de pesquisadores para

ale de Alagoas. Os recifes sao çao dos corais foi as por milhões a bilhões de ani- Io, facilmenle idei mamente simples - os corais , Observado em rec

chamado hranciuea

esbotarem. loes distante

36 • JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

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Entre uma faxina e outra: o peixe limpador góbio-néon passeia sobre o coral-estrela-grande

lômetros umas das outras, como na costa da Austrália e no oceano Índico, o branqueamento é um indício da in- fluência das mudanças no clima e do aumento da temperatura dos oceanos sobre os corais. Há evidências de que, em alguns casos, a elevação de apenas 1 grau na temperatura da água já cause a morte ou a expulsão de algas micros- cópicas (zooxantelas) que vivem no interior dos corais num sistema de in- teração com benefícios recíprocos: os corais abrigam as zooxantelas e, em tro- ca, essa algas lhes fornecem nutrien- tes, oxigênio e auxiliam na formação do esqueleto calcário. Mas, quando o ambiente se altera além de um limite, as substâncias produzidas pelas zoo- xantelas parecem se tornar tóxicas para os corais, que então eliminam as algas

responsáveis por suas cores típicas. Em con- seqüência, des- botam e podem morrer, depen- dendo da quan- tidade de algas que perderem. Os especialistas alertam para o risco de os co-

rais desaparecerem nas próximas déca- das caso nada seja feito para conter o aumento da temperatura do planeta, decorrente, em boa parte, da emissão de gás carbônico e de outros poluentes na atmosfera.

Na costa brasileira, já se identificou o branqueamento em pontos da costa distantes até 2 mil quilômetros um do outro. A situação mais grave ocorreu em Maracajaú, Rio Grande do Norte, onde 12% das colônias apresentavam manchas brancas, de acordo com esse primeiro levantamento nacional, coor- denado por Beatrice Padovani Ferreira, oceanógrafa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com financia- mento do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio), do Minis- tério do Meio Ambiente. O desbota- mento dos corais também surgiu, em menor grau, em Abrolhos, no Atol das Rocas, em Fernando de Noronha e na Costa dos Corais - um forte indício de que seja realmente parte de um fenô- meno de escala mundial, segundo Bea- trice. Apesar dessa suspeita, ainda não

se conhece ao certo a causa do proble- ma no Brasil. "O branqueamento de corais observado em Abrolhos em 2003 pode estar ligado ao excesso de luz so- lar", cogita Clovis Barreira e Castro, es- pecialista em corais do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Ja- neiro (UFRJ) e um dos participantes desse estudo, apresentado em setembro ao Ministério do Meio Ambiente. Cas- tro levanta essa suspeita porque choveu pouco e as águas estavam muito claras a maior parte do tempo durante o ano em que se observou esse episódio de branqueamento dos corais.

Peixes desaparecidos - Os efeitos dos danos aos recifes não aparecem somente ao olhar dos especialistas. Surgem tam- bém no dia-a-dia, principalmente de quem vive no litoral ou aproveita as fé- rias à beira-mar. Mesmo nos mais refi- nados restaurantes da praia de Boa Vi- agem, a mais badalada do Recife, quase não se encontram mais as saborosas postas de garoupa (Epinephelus spp) ou de badejo (Mycteroperca spp). Tra- dicionais habitantes dos recifes bra- sileiros, esses peixes e também o mero (Epinephelus itajara) - um peixão cas- tanho com manchas negras, de até 3 me- tros e 400 quilos, cuja pesca está proi- bida no país - podem indicar como anda a saúde dos corais. Quando começaram a escassear esses peixes carnívoros co- mo a garoupa, os pescadores passaram a apanhar variedades menores e, mais recentemente, os herbívoros como os budiões (Scarus trispinosus), que não passam de 20 quilos. Vorazes comedo- res de algas, os budiões começam a substituir tanto a garoupa quanto o mero no cardápio de restaurantes bra- sileiros, além de serem exportados para a Europa e os Estados Unidos. Com a pesca dos budiões, as algas de que se alimentavam passaram a proliferar li- vremente sobre os recifes e a ocupar o espaço dos corais. "Essa mudança de espécies preferenciais de pesca come- çou há cinco anos no litoral baiano e vem se disseminando por todo o Nor- deste", afirma Beatrice, uma especialista em dinâmica de populações de peixes.

Ela conseguiu mobilizar dez pes- quisadores biólogos e oceanógrafos de quatro Estados - Pernambuco, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará - que ganharam tempo e fôlego por contarem com o trabalho voluntário de 30 pescadores e

mergulhadores, treinados para ajudar na coleta dos dados, seguindo a meto- dologia de análise do Reef Check, orga- nização internacional que monitora a saúde dos recifes em 150 países. Foi as- sim que, durante um tempo relativa- mente curto - de março de 2002 a mar- ço de 2003 -, avaliaram cinco das sete maiores formações de recifes brasileiras, todas na região Nordeste, a única do país com águas rasas e quentes, próprias para o crescimento dos corais. Em grupos de dois ou três mergulhadores, munidos de lápis e pranchetas para escrever embai- xo d'água, tomaram nota das espécies de corais, peixes e outros animais mari- nhos que vivem em 52 áreas amostrais de 400 metros quadrados em Abrolhos, na Bahia; na Costa dos Corais, entre Alagoas e Pernambuco; em Fernando de Noronha, Pernambuco; no Atol das Rocas e em Maracajaú, ambos no Rio Grande do Norte.

A situ A situação mais grave é a dos recifes situados a menos de

1 quilômetro da costa, co- mo na região de Porto de Galinhas, no sul de Per-

nambuco. "Ali, o estado dos corais nos recifes mais próximos à praia é péssi- mo", observa o oceanógrafo Jacques La- borei, da Universidade de Marselha, na França, autor de uma das mais comple- tas descrições dos recifes brasileiros, feita no fim dos anos 1960. Em outubro de 2002, Laborei retornou ao Brasil para participar da comemoração do cinqüen- tenário do Departamento de Oceano- grafia, que ajudou a criar na UFPE. Não resistiu e, aos 68 anos, mergulhou novamente no mar que percorrera qua- se quatro décadas atrás. Laborei estimou que próximo às praias ocorreu uma re- dução de 80% na cobertura de coral dos recifes em relação ao que havia obser- vado 40 anos antes.

"Quando os danos são graves, os recifes não são capazes de se recuperar sem ajuda", comenta Castro. É ele quem coordena o projeto de repovoa- mento dos recifes de corais, em par- ceria com Débora Pires, também do Museu Nacional, Mauro Maida e Bea- trice Ferreira, ambos da UFPE, além de integrantes do Projeto Amiga Tar- taruga e do Tamar, destinados à pre- servação da tartaruga e de ambientes marinhos brasileiros. Na etapa inicial desse projeto, que conta com um fi-

38 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

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Branqueamento do estrela-grande: com águas mais quentes, coral expulsa algas, desbota e morre

De predador a presa: um piraúna, que começa a

desaparecer dos recifes

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Recuperação de peixes é rápida em áreas sem pesca

nanciamento de R$ 350 mil do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), os pesquisadores trabalharão com as principais espécies responsáveis pela formação dos recifes, como os corais- cérebro do gênero Mussismilia, encon- trados apenas no Brasil, o coral-estre- la-grande e o coral-cérebro-pequeno (Favia grávida), um globo de cerca de 10 centímetros cuja aparência lembra um cérebro humano. Tanto os corais cérebro quanto o estrela-grande são de fecundação externa: em uma deter- minada época do ano, liberam game- tas masculinos e femininos na água, onde ocorre a fecundação. Os ovos se desenvolvem em larvas microscópicas - as plânulas - que nadam por algum tempo antes de se fixarem nas rochas do fundo do mar e originarem novas

colônias. Já o cérebro-peque- no é uma espé- cie com fecun- dação interna. Uma vez por mês, os machos lançam na água suas células re- produtivas, que penetram no corpo das fê-

meas e as fertilizam. Em seguida, os corais fêmeas liberam as larvas, que nadam por dois ou três dias antes de se fixarem em rochas e formarem no- vas colônias.

Recrutas ao mar - Ao mesmo tempo, Castro e Débora, que desde 1996 publi- cam juntos artigos científicos descre- vendo a reprodução das espécies da costa brasileira, pretendem desenvolver em um laboratório em Porto Seguro, Bahia, uma técnica de fertilização arti- ficial, destinada a reproduzir em cati- veiro corais de fecundação externa, a exemplo do Mussismilia braziliensis, formador de colônias com aspecto de cogumelo gigante, de até 1 metro, en- contradas apenas em Abrolhos. "Em um ano, pretendemos levar os primei- ros recrutas, os indivíduos formadores das colônias, para os recifes de Porto Seguro", calcula Débora. Se der certo em Porto Seguro, onde os recifes estão mais preservados, os pesquisadores de- vem partir para o repovoamento de recifes mais danificados, como os da Costa dos Corais. "Cuidar da saúde dos

corais é uma tarefa dos governos, como prevê a Convenção da Biodiversidade, assinada na Rio-92", comenta Castro. "Como sabemos que o governo tem li- mitações, tentaremos suprir parte des- sa necessidade de outra forma."

M as essa nao e a única maneira de evitar o desaparecimento dos recifes. Medidas aparentemente mais

simples, como a criação de zonas de proibição de pesca, turismo e extração de outros seres vivos, contribuem, ain- da que de modo indireto, para a recu- peração dos recifes. É o que revelam estudos do Projeto Recifes Costeiros, programa de preservação dos recifes da Costa dos Corais, coordenado por Mauro Maida, da UFPE. No ramo ex- perimental desse projeto, que conta com a participação do Ibama, dos órgãos estaduais do meio ambiente de Per- nambuco e Alagoas, e financiamento de US$ 1,75 milhão do Banco Intera- mericano de Desenvolvimento (BID), a equipe de Maida avalia a evolução de duas áreas de 5 quilômetros quadrados cada - uma em Tamandaré e outra em Paripueira -, classificadas por uma por- taria do Ibama como zonas de interdi- ção de turismo e pesca.

Ao longo de um ano, os pesquisa- doras realizaram 43 contagens das es-

OS PROJETOS

Monitoramento dos Recifes de Coral do Brasil

COORDENADORA BEATRICE PADOVANI FERREIRA - UFPE

INVESTIMENTO R$ 99.907,00 (Probio)

Projeto Coral Vivo

COORDENADOR CLOVIS BARREIRA E CASTRO - UFRJ

INVESTIMENTO R$348.167,00 (FNMA)

Projeto Recifes Costeiros

COORDENADOR MAURO MAIDA- UFPE

INVESTIMENTO

US$1,75 milhão (BID)

pécies de animais marinhos e do nú- mero de indivíduos encontrados nas áreas de acesso restrito e compararam com o resultado de 52 levantamentos feitos em duas áreas de recifes nas quais a pesca era permitida. A densidade de peixes, polvos e lagostas no setor de- marcado tornou-se quatro vezes supe- rior à observada na área aberta, revela a análise feita por Maida, Beatrice e a ocenógrafa Fabiana Cava. A concentra- ção de peixes, por exemplo, foi de um indivíduo por metro quadrado nas re- giões interditadas, enquanto nas zonas abertas havia um peixe em cada 4 me- tros quadrados. Até espécies raramente vistas em Tamandaré, como os meros, passaram a freqüentar a área sem pes- cadores. "Notamos ainda uma modifi- cação no comportamento dos peixes, que nesse setor se tornaram menos arredios à nossa presença", diz Fabiana. Os pes- quisadores brasileiros não são os úni- cos a defender essa alternativa para evi- tar a destruição dos corais.

A necessidade de estabelecer zonas de proibição de pesca e extração de se- res vivos próximas aos recifes parece ser um consenso internacional, já que a pesca em níveis superiores aos suporta- dos pela natureza é a principal causa da perda dos recifes - estima-se que são extraídas 3,5 toneladas de pescado por quilômetro quadrado de recife por ano no Brasil. "Apesar da severidade da crescente ameaça de poluição, de doen- ças e de branqueamento dos corais", comenta John Pandolfi, na Science de agosto, "nossos resultados mostram que os ecossistemas dos recifes de corais não sobreviverão mais que umas poucas dé- cadas se não forem imediatamente pro- tegidos da exploração humana."

Na mesma edição da revista, Teren- ce Hughes, da Austrália, fez uma proje- ção para os próximos 50 anos do au- mento da temperatura dos oceanos e da elevação da taxa de gás carbônico dissolvido na água do mar, que torna frágil o esqueleto dos corais. Ele con- cluiu que, se esses problemas continua- rem a progredir na taxa atual, os recifes de corais enfrentarão nas próximas cin- co décadas uma mudança no ambiente marinho tão rápida quanto a por que passaram nos últimos 500 mil anos. Assim, podem até mesmo desaparecer, caso a taxa de mudança ambiental su- pere a capacidade de os corais se adap- tarem ao novo ambiente. •

40 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PES0.UISA FAPESP 95

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Estudo pioneiro: mergulhadores voluntários avaliam a saúde dos recifes

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Beleza ardente: exemplares do coral-de-fogo-galhado, com ramos

que provocam queimaduras

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CIÊNCIA

ECOLOGIA

Frutos incertos Extrativismo excessivo ameaça sobrevivência dos castanhais da Amazônia

Há décadas a agricultura, a pecuária e as hidrelétricas avançam sobre o es- paço das castanheiras, árvores de tronco fino e vasta copa arredondada que podem chegar a 50 metros de al-

tura. Mesmo quando sobrevivem, isoladas, em meio às plantações ou ao pasto, não conseguem mais re- produzir-se e acabam morrendo. Agora, toma forma outro perigo: a superexploração, até mesmo das plantas mais jovens, que ameaça a sobrevivência da espécie e a exploração da castanha-do-pará.

"A retirada de quase todas as sementes das casta- nheiras reduz a probabilidade de surgirem plantas adultas, por si só já bastante pequena", diz a bióloga Cláudia Baider, uma das autoras de um artigo publi- cado em dezembro na Science com essas conclusões. "A situação é bastante grave", reitera o coordenador do estudo, Carlos Peres, que há oito anos deixou o Insti- tuto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) para se instalar na Universidade de East An- glia, na Inglaterra. "Mas ainda há tempo para rever- ter as ameaças por causa da longevidade reprodutiva da castanheira, que pode viver mais de 500 anos."

Feito a partir dos levantamentos de três casta- nhais que Cláudia acompanhou em seu doutorado, conduzido sob a orientação de Peres, esse trabalho reuniu equipes da Bolívia, da Holanda, dos Estados Unidos e do Peru - do Brasil, participaram especia- listas de duas unidades da Embrapa, do Acre e do Pará, e do Instituto Nacional de Pesquisas da Ama- zônia (Inpa), do Amazonas. Após compararem 23 populações de castanheiras (Bertholletia excelsa) da Amazônia brasileira, boliviana e peruana, os pes- quisadores concluíram que o extrativismo - normal- mente visto como uma atividade econômica de pou- co ou nenhum impacto ambiental - alterou a estrutura de idade das árvores: a coleta de castanha foi tão intensa no último século que a reposição das árvores mais antigas pelas jovens não ocorre mais no ritmo desejado, dificultando a sucessão das gerações de castanheiras.

Um dos riscos apontados nesse estudo é o fenô- meno conhecido como colapso demográfico, quan- do a maioria dos indivíduos de uma população (de plantas ou animais) é velha e não gera mais descen- dentes. Se o número de jovens diminui de modo cons- tante, a espécie tende a desaparecer pouco a pouco, ao menos na região que ocupa. A maioria das árvores exploradas hoje, lembra Cláudia, é a mesma de mui- tas décadas atrás. "A maior parte dos castanhais se- gue para o colapso", diz ela. "Se não fizermos nada e continuar a retirada anual de quase todas as casta- nhas, ainda haverá o que coletar nos próximos 50 ou cem anos, mas o volume será cada vez menor, o que reduzirá o interesse econômico dessa atividade", aler- ta. Atualmente, são coletadas 45 mil toneladas de castanhas por ano só na Amazônia brasileira, com uma receita próxima a US$ 30 milhões.

Os berçários e a cotia - Segundo Peres, existem alter- nativas para reverter a situação, como o plantio de mudas cultivadas em berçários nos próprios casta- nhais, a definição de quotas de sementes a serem co- lhidas por área, a interrupção temporária da cole- ta em um castanhal ou o revezamento entre as áreas produtivas. Algo já está sendo feito? "Quase nada", diz ele. "A maioria dos castanhais nativos não é ma- nejada e não há critérios de certificação florestal pa- ra estabelecer o que é uma população explorada de modo sustentável."

Para assegurar a continuidade da produção e da própria espécie, também é preciso olhar com mais atenção para a cotia {Dasyprocta spp.), que rói a cas- ca dura do fruto da castanheira. Após pelo menos meia hora de esforço, a cotia abre o fruto, come algu- mas sementes e enterra outras, garantindo alimento no futuro. "Algumas sementes são esquecidas, germi- nam e crescem", observa Cláudia, que desde agosto de 2003 trabalha no herbário nacional da Ilha Mau- rício, no meio do oceano Índico. "Mas, como a pres- são de coleta de sementes é alta, não sobra muito para as cotias enterrarem." •

42 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

Castanheira em um pasto no Acre: risco de colapso demográfico

CIÊNCIA

Grãos da fertilidade

leira

descrição detalhada do pólen do pau-brasi

I

m suprema delicadeza, a botâ-

LU-brasil - paf- lareladas, com

rante quase seis meses. Comparou amostras colhidas no Ceará, Distrito Federal, Rio de Ja- neiro e Rio Cirande do Norte, guardadas no herbário do Instituto de Botânica de São Pau- lo, onde é pesquisadora, e fez a primeira des- crição detalhada do pólen da Caesalpinia echinata, árvore nativa da Mata Atlântica que ajudou a dar nome ao país. As informações colhidas, além de auxiliar na identificação

estudo comparativo das árvores distribuídas

ambientes urbanos. Visto no microscópio óptico, o pólen do

pau-brasil exibe-se como uma esfera leve- mente achatada, com três aberturas, por onde germina o chamado tubo polínico, que

conduz as células masculinas até as células reprodutivas femininas da flor. "As aberturas do pólen do pau-brasil sao estruturas com-

outras espécies", diz Angela, autora do estudo publicado na Revista Brasileira de Botânica. A camada externa do pólen apresenta-se em forma de rede, cuja estrutura se torna mais clara no microscópio eletrônico de varredu- ra. Ao redor das aberturas, há uma trama ainda mais fina.

O pólen, que contém as células reprodu- toras masculinas, encontra-se nas anteras, uma das estruturas de reprodução da flor. Quando conduzido por insetos, pode encon- trar outra flor e unir-se às células femininas - é quando ocorre a fertilização. Seu estudo faz parte de um projeto amplo coordenado por Rita de Cássia Figueiredo Ribeiro, do Institu- to de Botânica, com financiamento da FA- PESP, voltado à conservação dessa árvore, ex-

Polén em detalhes

Uma abertura, ampliada 96 vezes

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A camada externa (160 vezes)

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A rede da cobertura (5 mil vezes)

Ao lado da abertura (8.250 vezes)

PESQUISA FAPESP 95 • JANEIRO DE 2004

I CIÊNCIA

PALEOBOTANICA

A flora que veio do frio Interior paulista abriga fósseis de plantas que, há 300 milhões de anos, cresceram ao lado de geleiras

MARCOS PIVETTA

Numa tarde de setem- bro de 1999, a chile- na Fresia Ricardi Bran- co encontrou uma pedra e tanto no meio

de seu caminho. Era sábado, dia de folga de suas aulas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a especialista em plantas fósseis, mo- radora da cidade de São Paulo, re- solvera fazer uma incursão num território bastante familiar: a rodo- via dos Bandeirantes, que liga a capi- tal paulista a Campinas, por onde pas- sava três vezes por semana. Ao lado do marido, Fábio Branco, geólogo de profissão, pegara o carro da família e rumara para o trecho em ampliação da Bandeirantes. Por volta das 17h30, esta- va diante do afloramento acinzentado que, alguns dias antes, avistara rapida- mente, mas não tivera tempo de explo- rar: uma formação rochosa de uns 50 metros de largura por 20 metros de al- tura que brotara das obras em curso no quilômetro 96 da rodovia.

Formado por mais de 20 camadas de siltito, rocha sedimentar de fina granu- lação, o afloramento abrigava fartos ves- tígios de pequenos vegetais que se acu- mularam cerca de 310 milhões de anos atrás, talvez até antes. "Os fósseis eram tantos que não dava para não vê-los", relembra Fresia. "Eram de uma vegeta- ção rasteira, de um ambiente próximo a um glacial, semelhante à atual tundra do norte do Canadá e da Sibéria." Foram

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provavelmente parte de um tapete ver- de, composto por musgos (briófitas) e licófitas de porte arbustivo (plantas ere- tas, de folhas sempre verdes dispostas de forma helicoidal sobre o caule), que re- vestia as porções de terra do interior paulista situadas entre as geleiras e o braço de mar que penetrava continente adentro. Sim, havia glaciares a leste do Estado de São Paulo e um mar interior a oeste ou sudoeste. A tundra primitiva diferia da atual em pelo menos um as- pecto importante: não tinha grama. As angiospermas, plantas com flores, entre as quais se incluem as gramíneas, ainda não haviam surgido na Terra.

Nesse momento da história do pla- neta, por volta de 300 milhões de anos atrás, entre o final do período Carboní- fero e início do Permiano, a geografia e o clima da Terra - e não, obviamente, apenas o de São Paulo - eram muito di-

ferentes das condições atuais. A América do Sul, a África, a Antártica, a índia e a Austrália estavam unidas num supercon- tinente austral, o Gondwana, e suas por- ções mais meridionais, tomadas por ge- leiras em grande medida, roçavam as latitudes polares. Enquanto a América do Norte e a Europa estavam mais próximas do Equador e apresentavam um clima mais quente, o Hemisfério Sul vivia, entre 330 e 285 milhões de anos atrás, a sua penúltima grande Era do Gelo. A mais recente glaciação de grande porte, cujos efeitos mais diretos se concentraram no Hemisfério Norte, começou há 2 milhões de anos e terminou há apenas 10 ou 15 mil anos. Mas isso já é outra história.

A descoberta de remanescentes de um bioma semelhante à tundra con- temporânea às margens do quilômetro 96 da Bandeirantes, em Campinas, ilus- tra bem os esforços feitos (e os resulta-

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dos obtidos) por um grupo de pesquisadores de São Paulo que, durante quatro anos, saiu a campo em busca de fósseis de vegetais aprisionados em sedimentos oriundos da der- radeira megaglaciação ocorri- da em terras do Gondwana. Em sua procura por mais es- pécimes de plantas primitivas, os cientistas revisitaram locali- dades do interior paulista em que já haviam sido exumados fósseis do período glacial, como Monte Mor, Itapeva e Cerquilho, e também identi- ficaram novos afloramentos rochosos com vestígios de plantas da Idade do Gelo em outras cidades - casos de Sal- to, Tietê e Campinas.

O trabalho tinha como objetivo reconstituir a sucessão de floras, de formações vegetais, que prosperaram no Estado

de São Paulo em meio às temperaturas freqüentemente negativas vigentes há aproximadamente 300 milhões de anos. "Além de fornecer informações sobre os tipos de plantas que um dia existiram, os fósseis de vegetais ajudam a entender as mudanças climáticas do passado", diz a paleobotânica Mary Elizabeth C. Bernardes de Oliveira, da Universida- de de São Paulo (USP) e da Universida- de Guarulhos (UnG), coordenadora do projeto, que contou com financiamen- to da FAPESP. Por que realizar o levan- tamento, do qual a chilena Fresia foi uma das executoras, apenas em São Paulo? A principal razão é de ordem científica. Em solo nacional, essa unidade da fede- ração é a que possui o mais espesso - e temporalmente extenso - registro de sedimentos e fósseis da antiga Era do Gelo austral. Com idade estimada entre 310 e 285 milhões de anos, essas cama- das de origem glacial pertencem à bacia do Paraná e receberam o nome de Sub- grupo Itararé (veja mapa à página 50 com os sítios estudados no projeto).

Dentro desse intervalo de tempo, a antiga tundra campineira parece repre- sentar a forma de vegetação mais anti- ga conservada pelos sedimentos glaciais do Itararé. Em outras três cidades, Mon- te Mor, Itapeva e Buri - cujos sítios pa- leobotânicos, conhecidos há décadas,

foram novamente estudados -, os fós- seis encontrados pela equipe de Mary Elizabeth indicam a existência de uma flora diferente e ligeiramente mais nova que a de Campinas. Sua idade é esti- mada entre 315 e 305 milhões de anos. Entre os vestígios petrificados recupe- rados pelos pesquisadores, havia se- mentes e frondes de pteridospermas (vegetais extintos aparentados das atuais samambaias), alguns pinheiros primiti- vos, folhas e ramos de licófitas e de es- fenófitas (plantas que lembram bambus finos) e algumas pro-gimnospermas. Quase tudo de porte arbustivo.

Essas plantas fósseis devem ter cons- tituído a flora de um clima mais para o frio ou temperado do que propriamen- te glacial, típica de uma fase em que as geleiras recuaram um pouco devido à elevação das temperaturas. "Nessas lo- calidades, o Itararé fornece indícios de que houve uma fase interglacial", co- menta Mary Elizabeth. Interglacial é o breve momento de clima mais quente

que interrompe o frio quase polar rei- nante durante uma glaciação. É o fugaz "verão" de uma Idade do Gelo. Pode durar muitos milhares de anos, ou uns poucos milhões. Já a glaciação se pro- longa por dezenas de milhões de anos, às vezes até mais de uma centena, sen- do de tempos em tempos amenizada por fases interglaciais. Em Monte Mor, Itapeva e Buri, os sedimentos do Itara- ré incluem finas camadas de carvão re- sultantes de turfeiras - áreas pantano- sas, de transbordamento de rios ou lagos, caracterizadas por intenso acú- mulo de restos de vegetais em decom- posição. Essa paisagem sedimentar e seus fósseis vegetais são compatíveis com a ocorrência de um interglacial.

De acordo com as evidências levan- tadas pelo projeto, depois da vegetação temperada aprisionada na turfa, res- surge uma formação similar à tundra - um indício de que o frio deve ter se tor- nado agudo novamente e as geleiras vol- taram a avançar sobre o continente. Era

48 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

o retorno da Idade do Gelo. Esse tipo de registro foi encontrado no municí- pio de Salto, num afloramento que, a exemplo do sítio descoberto em Cam- pinas, também veio à tona durante obras em uma estrada. Aliás em duas: no en- troncamento da rodovias SP 75 e SP 308. Nesse lugar, a hipótese de que ali um dia prosperou uma vegetação quase polar, composta fundamentalmente de musgos, ganhou mais força depois que os pesquisadores encontraram seixos de origem glacial associados aos finos sedimentos fossilíferos, acumulados num provável lago ou mar glacial. Os seixos foram liberados por icebergs, originados de geleiras, que flutuaram e

se derreteram nesse corpo d'água. "A existência dos seixos junto aos finos se- dimentos sugere que as briófitas não vi- veram muito longe das geleiras", explica a paleobotânica Rosemarie Rohn Davies, do departamento de Geologia Aplica- da da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, que descobriu o afloramento saltense com a aluna Márcia E. Longhim.

São raros os registros fósseis de ve- getação do tipo tundra e os resgatados em Campinas e Salto estão, possivelmen- te, entre os mais antigos do Gondwana. Sem árvores e com seu subsolo perma- nentemente congelado, a monótona paisagem horizontal da tundra é o bio- ma mais frio que existe na Terra. Sua frágil vegetação, em geral musgos, com menos de 10 centímetros de altura e escassos caules anões lenhosos, rara- mente se conserva nas camadas de ro- cha. Isso explica a grande dificuldade em localizar musgos primitivos preser- vados em sedimentos glaciais. A iden-

tificação dos afloramentos nessas duas cidades, que pos- sibilitou o resgate e o estudo científico das ocorrências de tundras primitivas, só aconte- ceu porque havia as pessoas certas nos lugares certos.

Explica-se: as obras nas ro- dovias fizeram aparecer ape- nas durante um breve período, algumas semanas, as rochas sedimentares com os vegetais fósseis. Se os pesquisadores não as tivessem visto, os restos de plantas do passado estariam, agora, de novo, soterrados. Os afloramentos acabaram sendo gramados ao término dos tra- balhos de engenharia nas es- tradas. Rosemarie lembra que sua terceira e última visita ao

sítio no entroncamento das rodovias SP 75 e SP 308 não foi uma experiên- cia agradável. Eis o seu relato: "Eu e meus alunos vimos que um trator es- tava entulhando o afloramento com terra. Coletamos, então, amostras o mais rápido possível, enquanto o veículo se aproximava gradativamente de nós. Não adiantou pedir ao encarregado da obra que o serviço fosse adiado. A empresa tinha um cronograma rígido. As últimas amostras foram coletadas quando o trator estava jogando terra praticamente sobre nós".

Se a primitiva tundra fóssil de Salto lembra a de Campinas, até porque os sedimentos de ambos os locais parecem ser provenientes de períodos cla-

ramente glaciais, pelo menos uma das formas de plantas encontradas em Cer- quilho e Tietê é bem diferente dos ve- getais descobertos em outros sítios do Subgrupo Itararé. Nesses dois lugares, em meio a esfenófitas e pro-gimnosper- mas similares às de Monte Mor e Itape- va, aparecem restos de Glossopteridales, uma ordem extinta de plantas de porte arbóreo, com folhas em formato de es- pátula, que surgiu no início do período Permiano em terras do Gondwana. A presença dessa forma de vegetal, que se desenvolve em climas mais quentes, permite algumas ilações. Os sedimentos de Cerquilho e Tietê devem ser oriun- dos de uma fase em que as temperatu- ras se elevaram de novo. "Nesse mo- mento, possivelmente houve um outro

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 49

A faixa dos fósseis Sítios paleobotânicos do chamado subgrupo Itararé - um pacote de sedimentos de origem glacial, com idade entre 310 e 285 milhões de anos (em amarelo) - preservam plantas fósseis da Idade do Gelo ocorrida no antigo supercontinente austral, o Gondwana

interglacial", afirma Mary Elizabeth. Os pesquisadores estimam que as rochas desses afloramentos tenham uma idade aproximada de 290 milhões de anos.

Para Rosemarie, da Unesp, os exem- plares de Glossopteridales resgatados às margens do rio Capivari, em Tietê, po- dem ser os mais antigos de todo o Gond- wana. "Suas folhas apresentam indícios de serem mais primitivas do que as ocor- rências desse tipo de vegetação desco- bertas no exterior e mesmo em Cerqui- lho", diz Rosemarie. Sua teoria se apoia numa característica dos veios foliares das Glossopteridales achadas em Tietê. As folhas não têm um feixe vascular me- diano muito desenvolvido, traço nor- malmente presente em espécimes mais "avançados" desse tipo de vegetal. As Glossopteridales são alvo de intenso de- bate científico porque seus descenden- tes, plantas do gênero Glossopteris, for- maram a flora dominante em todo o Gondwana por 40 milhões de anos.

Tundra em Campinas há 310 mi- lhões de anos. Depois, turfeiras (pânta- nos) em Monte Mor e Itapeva. Em se- guida, tundra, de novo, em Salto. E, por fim, Glossopteridales em Tietê e Cer- quilho, 290 milhões de anos atrás. Fa- lando assim, parece que foi simples de- terminar a sucessão de floras ocorridas no Estado de São Paulo durante a Era do Gelo gonduânica. Na verdade, essa ordem é esquemática, didática, e não tem a pretensão de ser um retrato abso- lutamente fiel do passado. Algumas des- sas floras podem ter coexistido no tem-

po. A tundra campineira, por exemplo, parece ser mais velha do que o pântano de Monte Mor. Mas isso não que dizer, necessariamente, que a segunda forma de vegetação é a sucessora direta da pri- meira. "Pode ter havido outros tipos de flora que não ficaram preservados nos sedimentos estudados ou que simples- mente ainda não conseguimos encon- trar", pondera Mary Elizabeth.

Para determinar, ainda que de for- ma relativamente incerta, a idade de cada afloramento do Itararé e enriquecer as informações sobre a sua respectiva flo- ra, os cientistas se valeram muitas ve-

0 PROJETO

Levantamento de Composição e Sucessão Paleoflorísticas do Neocarbonífero-Eopermiano (Grupo Tubarão) no Estado de São Paulo

MODALIDADE Projeto Temático

COORDENADORA MARY ELIZABETH BERNARDES DE OLIVEIRA - Instituto de Geociências/USP

INVESTIMENTO R$ 238.779,51

zes da palinologia. Trata-se do estudo de fósseis de grãos de pólen, esporos e microalgas preservados nos sedimentos rochosos. Às vezes, tudo o que sobra num sítio paleontológico são esses três elementos, visto que, não raro, as partes maiores dos vegetais não resistem à ação do tempo. Seu tamanho é ínfimo: varia de 10 a 250 micra (0,01 a 0,25 milíme- tros). "Com os chamados fósseis-índices, que estão associados a períodos geoló- gicos específicos, conseguimos estimar a idade de um pacote de sedimentos", afirma o pesquisador Paulo Alves de Sou- za, que coordenou os estudos palinoló- gicos do projeto e hoje leciona na Uni- versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Uma das contribuições mais importantes das análises de Souza foi descobrir que a maior parte das cama- das rochosas do subgrupo Itararé era mais velha do que se pensava. "Antes do projeto, pensávamos que a maioria de seus sedimentos era do período Permi- ano, com uma participação pequena de rochas do Carbonífero. Mas vimos que é justamente o contrário", diz Souza. Isso quer dizer que a flora fóssil preser- vada em São Paulo no Itararé é mais ve- lha do que se acreditava, sendo uma das mais antigas do Gondwana, o paleo- continente austral. •

50 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PES0.UISA FAPESP 95

CIÊNCIA

FARMACOLOGIA

De carona no açúcar Associação de compostos químicos cria a possibilidade de tratar a leishmaniose com comprimidos em vez de injeções

E difícil saber se foi um golpe de sorte ou uma indicação de que a aposta no impro- vável às vezes vale a pena. O biofísico Frédéric Frézard,

da Universidade Federal de Minas Ge- rais (UFMG), investiu na intuição e chegou a uma formulação oral do anti- monial pentavalente, o medicamento mais utilizado para tratar a leishmanio- se, infecção provocada pelos protozoá- rios do gênero Leishmania que, na for- ma amena, produz feridas na pele e em cartilagens como as do nariz e da orelha, e, nos casos mais graves, afeta o fígado e o baço. Os testes com camundongos mostram que, se tudo correr bem, cáp- sulas de antimonial poderão substituir as injeções doloridas, aplicadas só com supervisão médica em tratamentos lon- gos, de até um mês.

"Uma formulação de uso oral do antimonial facilitaria o tratamento porque em geral as pessoas com leishmaniose moram no campo e têm de se des- locar até a cidade para tomar as injeções", afir- ma Frézard. Em busca de uma solução, o biofísico que há dez anos trocou a França pelo Brasil teve a idéia de associar o anti- monial a uma molécula de açúcar - a ciclodextri- na - já usada para faci- litar a absorção de me- dicamentos que repelem água. De modo geral, usa-se a ciclodextrina por-

que sua estrutura, em formato de um cone oco, atrai moléculas que não se misturam com a água, como o antiin- flamatório piroxicam. Assim, como uma bola de sorvete dentro de uma casquinha, o piroxicam torna-se solú- vel em água, atravessa as paredes do intestino e cai na corrente sangüínea.

Com o antimonial, não é tão fácil assim. Se ingerido puro, não é absorvi- do pelo intestino. Quando aplicado por meio de injeções, atua por doze horas antes de ser filtrado pelos rins e elimi- nado na urina por causa de sua capaci- dade de se ligar às moléculas de água.

Açúcar versátil - Frézard decidiu usar a ciclodextrina de modo oposto ao habi- tual, unida a uma molécula que atrai a água, em vez de a repelir. A estratégia funcionou. Frézard deu a mistura de antimonial e ciclodextrina por via oral

Leishmania amazonensis: combatida agora por via oral

a 25 camundongos, enquanto outros 25 receberam o medicamento puro, também por via oral. Menos de uma hora depois, os níveis de antimonial no sangue dos roedores do primeiro grupo eram três vezes superiores aos apre- sentados pelos outros animais, con- forme atesta um artigo publicado este mês na revista Antimicrobial Agents and Chemotherapy.

Para saber se essa formulação com- bateria os parasitas da leishmaniose, Frézard contou com a ajuda de uma equipe da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os pesquisadores conta- minaram a orelha de 20 camundon- gos com a Leishmania amazonensis, a espécie de protozoário geralmente associada à leishmaniose cutânea no Brasil. Cinco animais receberam anti- moninal e ciclodextrina por via oral, cinco só antimonial via oral, cinco re-

ceberam injeções de an- timonial e cinco, usados como controle, uma mis- tura de água e sal. Resul- tado: o medicamento as- sociado à ciclodextrina foi tão eficaz quanto o dobro das doses de an- timonial administradas por meio de injeções. Atualmente, a equipe de Frézard testa a associação de ciclodextrina e anti- monial na terapia contra a leishmaniose visceral, uma forma mais grave da infecção, que afeta o baço e o fígado e pode ser fatal quando não tratada. •

PESOUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 51

CIÊNCIA

Há um século, imigrantes recém-chegados da Europa formavam longas filas no porto de Santos à espera de um destino. Agora, bolivianos e peruanos atravessam as fronteiras do Brasil, brasileiros tentam entrar nos Estados Unidos, africanos em barcos lotados tentam alcançar a Europa. Mudar de país ou trocar o campo pela cidade, ainda que represente a busca de melhores condições de vida, amplia o risco de surgimento da esquizofrenia

do mundo Píi B os unimos anos,amadureceu uma serie

de estudos realizados por médicos in- gleses, dinamarqueses, alemães, norte- americanos e brasileiros relacionando

■» causas externas, de ordem social ou am- biental ao afloramento da esquizofrenia, distúrbio men- tal até agora associado apenas à genética ou a anomalias no cérebro. A urbanização, movimentos migratórios, a discriminação racial ou traumas como abusos sexuais na infância são vistos hoje como fatores capazes de in- fluenciar o surgimento dessa desordem mental carac-

contínua, sem razão aparente, deságua lentamente no isolamento social, no desinteresse pela aparência, no pensamento incoerente e nas falas desordenadas. Nos casos extremos se manifesta por meio das falsas con- vicções, a exemplo dos delírios de perseguição, ou das falsas percepções, as alucinações, quando não segue para o extremo oposto, o mutismo c a imobilidade qua- se total, a chamada catatonia.

Até mesmo uma simples infecção pode acionar os mecanismos biológicos que levam à esquizofrenia, problema que atinge cerca de 25 milhões de pessoas no

mundo e, só no Brasil, em torno de 1 milhão. Nos anos 70, quando era ainda estudante de medicina, Wagner Farid Gattaz ficou impressionado ao ler os estudos que relacionavam o aumento de casos de esquizofrenia em crianças cujas mães foram atingidas pelo vírus da gripe durante uma epidemia ocorri- da na Europa em 1957.

A lguns anos depois, como es- í^k tagiário num hospital pe- LJ^ diátrico de São Paulo, ele i ^L examinou crianças que

JÊLm J^m. chegavam com vômitos e fortes dores de cabeça, atingidas pela meningite durante a epidemia que sur- giu no Estado de São Paulo nos anos 70. Causada normalmente por bactérias, a meningite é uma inflamação das mem- branas chamadas meninges, que cobrem o cérebro e a medula espinhal, e pode levar à morte em poucas horas.

"Passei 30 anos me perguntando quais poderiam ser as conseqüências da meningite naquelas crianças que sobre- viveram depois que se tornassem adul- tas", diz Gattaz. Foi há poucos anos, como pesquisador do Instituto de Psi- quiatria da Universidade de São Pau- lo (USP), que ele encontrou a resposta. Com seu aluno de pós-graduação An- dré Abrahão, Gattaz avaliou o estado de saúde mental de 173 pessoas (77 ho- mens e 96 mulheres) com idade média de 30 anos que tiveram meningite en- tre o nascimento e os 4 anos de idade. Comparou com o de irmãos que não passaram pela infecção e constatou que a ocorrência de meningite na primeira infância aumenta em cinco vezes o ris- co de surgimento da esquizofrenia na idade adulta.

Seu estudo, que está sendo publica- do no European Archives of Psychiatry and Clinicai Neuroscience, reforça a hi- pótese de que fatores infecciosos podem interagir com o organismo de cada in- divíduo, de modo distinto, e aumentar o risco para a doença. "Nossa tarefa, agora, é desvendar como essa interação ocorre", comenta. "Conhecendo os fa- tores de risco biológicos e ambientais, aumentaremos a chance de detectar a doença mais precocemente e assim ini- ciar o seu tratamento mais cedo." Hoje, a esquizofrenia é tratada por meio de medicamentos antipsicóticos, associa- dos a estratégias de reabilitação e rein- tegração social e profissional.

Cidades - A delimitação de fatores de risco ambientais da esquizofrenia, de- batidos num encontro que reuniu os principais especialistas mundiais dessa área em abril de 2003 no Guarujá, lito- ral paulista, amplia o olhar sobre um problema mental que tende a ser defi- nido unicamente com base nas obser- vações clínicas dos pacientes. "É preo- cupante notar que a urbanização e a fragmentação social estão estimulando o avanço rápido da esquizofrenia", co- menta o psiquiatra Glynn Harrison, da Universidade de Bristol, Inglaterra, em um estudo apresentado no congresso do Guarujá. "Para os médicos de todo o mundo", diz ele, "o desafio é abrir a cai- xa preta da cultura e encontrar novas formas de lidar com esse problema."

Estudos recentes confirmam a im- pressão de que não é mesmo muito saudável viver em metrópoles. O risco de problemas mentais cresce com os

níveis de urbanização, definidos de acordo com a densidade de domicílios por quilômetro quadrado, numa escala com cinco categorias (de menos de 500 casas até mais de 2.500 numa mesma área), segundo um estudo coordenado por Jim van Os, da Universidade de Ma- astricht, Holanda, com 7.076 pessoas de 18 a 64 anos. Esse mesmo estudo dei- xa claro a alta incidência de doenças mentais em indivíduos com traumas, como abusos sexuais ou perda prema- tura dos pais, especialmente da mãe, ou em imigrantes, provavelmente por cau- sa da discriminação que sofreram nos países para onde se mudaram.

Em um levantamento feito com 2,1 milhões de suecos nascidos entre 1954 e 1983, Elizabeth Cantor-Graee, da Universidade de Lund, demonstrou que os que emigraram para a Dinamarca apresentam uma probabilidade 2,5 ve- zes maior de desenvolver esquizofrenia

54 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESUUISA FAPESP 95

do que os suecos que permaneceram no país. Segundo esse estudo, publicado em 2003 no British Journal ofPsychia- try, dinamarqueses que viveram fora do país e retornaram têm quase duas vezes mais risco de desenvolver esse dis- túrbio mental do que seus irmãos que permaneceram na terra natal.

Em outro estudo, publicado em 2001 na mesma revista, Carsten Bocker Pedersen e Preben Bo Mortensen rela- taram: os moradores de Copenhague, capital da Dinamarca, estão sujeitos a um risco duas vezes maior de se torna- rem esquizofrênicas do que seus con- terrâneos que moram no campo. Os re- sultados preliminares de um estudo conduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 19 nações mos- tram que a taxa de casos graves é maior nos países classificados como desenvol- vidos (40%) do que nos países em de- senvolvimento (24%).

0 PROJETO

Metabolismo dos Fosfolípides na Esquizofrenia e na Doença de Alzheimer

MODALIDADE Projeto Temático

COORDENADOR WAGNER FARID GATTAZ - Faculdade de Medicina da USP

INVESTIMENTO

R$ 1.590.193,43

Fragilidades - Por enquanto, só há re- lações um tanto vagas sobre as formas como os episódios de vida desfazem o equilíbrio mental das pessoas. "A urba- nização interage com as vulnerabilida- des de cada indivíduo e com os riscos familiares para as doenças mentais", diz Van Os, da Holanda. Os fatores ambien-

tais devem influenciar diretamente o fun- cionamento dos neurônios (células ner- vosas) do cérebro, alterando as ligações - ou sinapses - entre eles. Essas modifi- cações na comunicação entre os neurô- nios abalariam o funcionamento do cé- rebro, aumentando a probabilidade para os desequilíbrios mentais severos.

As causas externas podem também atuar de outra forma, num plano mais profundo, como um gatilho que aciona um ou mais dos cerca de 30 genes de algum modo já relacionados a esse pro- blema. Ativados, os genes podem agir sobre os neurônios cerebrais direta ou indiretamente, por meio de alterações metabólicas que danificam as conexões entre as células nervosas. Mas apenas a predisposição genética à esquizofrenia não parece ser suficiente para explicar a alteração das sinapses. Há décadas des- cobriu-se algo importante em estudos com gêmeos idênticos: se um deles se torna esquizofrênico, o outro tem 50% de risco de também desenvolver a doença. Pode ser muito, diante da probabilidade de 1% de a esquizofrenia surgir em uma pessoa sem nenhum caso da doença na família. Mas, se a causa da esquizofrenia fosse puramen- te genética, seria de esperar que esse risco fosse de 100%, uma vez que os gêmeos idênticos portam genes iguais. Mesmo assim, entre genes compartilha- dos e ambientes compartilhados, os ge- nes pesam mais.

De dez anos para cá, psiquiatras e neurologistas descobriram algumas pe- culiaridades do cérebro dos esquizofrê- nicos que refletem essa teia de reações entre ambiente, genes e processos bio- químicos. Há, por exemplo, alterações de dopamina e glutamato, moléculas de comunicação entre neurônios, e uma circulação menor de sangue em algu- mas áreas, em comparação com o cére- bro das pessoas mentalmente saudá- veis. Nos esquizofrênicos, as cavidades do meio do cérebro chamadas ventrí- culos são maiores e o hipocampo, cha- ve para a memória e aprendizagem, é menor - e os neurônios do hipocam- po ficam mais excitados do que em outras pessoas. Além disso, acrescenta o psiquiatra Stephan Heckers, do Hos- pital Geral de Massachusetts, Estados Unidos, "falta um tipo de célula ner- vosa chamada interneurônio, que con- trola a atividade de outros neurônios do hipocampo". •

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 55

■ CIÊNCIA

BIOINFORMATICA

Bits, bytes

genes Brasileiros criam programas que simplificam a tarefa de montar e analisar genomas

ESTweb, ZERG e Sabiá: programas nascidos dos

projetos de seqüenciamento

Em setembro, duas equipes de pesquisadores brasileiros publicaram artigos cientí- ficos em revistas interna- cionais sobre o genoma (con-

junto de genes) de dois organismos, o parasita Schistosoma mansoni, causa- dor da esquistossomose no Brasil, e a bactéria Chromobacterium violaceum, abundante no rio Negro e com poten- cial de uso biotecnológico. Embora te- nham trabalhado de forma indepen- dente, com organismos e metodologias distintos, ambos os times desenvolve- ram programas de computador que or- ganizaram e facilitaram a obtenção dos dados divulgados em seus escritos.

Do laboratório de Bioinformática do Instituto de Química da Universida- de de São Paulo (IQ-USP), que parti- cipou do projeto sobre o verme da es- quistossomose, saíram dois programas, o ESTweb e o ZERG, já disponíveis para download gratuito no endereço eletrô-

56 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

nico http://verjol9.iq.usp.br/tools.php. Uma terceira ferramenta, o Sabiá, foi concebida no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), de Petrópolis, onde funcionou o coração da bioinformática da iniciativa que estudou os genes da C. violaceum. Por ora, o uso do sistema se restringe aos 25 laboratórios da rede nacional que seqüenciou o genoma da bactéria. Mas, em breve, sua utilização deverá ser aberta a todos os interessados.

Seqüências limpas - Cada um desses programas executa tarefas bastante es- pecíficas e servem a propósitos particu- lares. O ESTweb, que rendeu um artigo científico em 12 de agosto de 2003 na revista Bioinformatics, recebe e proces- sa os fragmentos de genes ativos gera- dos a partir de tecidos de um organis- mo e os aloca num banco de dados. Esses pedaços de genes são chamados ESTs, sigla de etiquetas de seqüências

expressas, que serviram de inspiração para batizar o programa. O ESTweb re- tira dos fragmentos de genes todos os elementos desnecessários para a análi- se da seqüência e, dessa forma, obtêm- se ESTs mais limpas. "O programa gera em tempo real gráficos que mostram a qualidade e o grau de redundância das seqüências produzidas pelos laborató- rios", comenta Sérgio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da USP, coor- denador da iniciativa financiada pela FAPESP, que identificou 92% dos genes expressos do S. mansoni.

A segunda criação da equipe pau- lista é uma ferramenta de caráter mais analítico. "O ZERG interpreta a saída do BLAST", diz o biólogo Eduardo Reis, um dos inventores do software, recor- rendo ao jargão da bioinformática. O BLAST é um programa de domínio público, popular entre biólogos mo- leculares e outros profissionais que trabalham com genes e proteínas. Sua

função é comparar qualquer EST com as seqüências genéticas depositadas nos bancos de dados públicos. Assim, o pesquisador descobre se suas ESTs são iguais ou semelhantes a outras já co- nhecidas e, em muitos casos, consegue associar essas seqüências a genes com funções definidas. Embora muito útil, o BLAST tem um probleminha: em gran- des empreitadas, como no projeto do S. mansoni, gera um relatório quilométri- co, de difícil compreensão, com muitos dados a serem checados.

Destrinchar esse balanço não é uma tarefa para seres humanos, mas para outro software. "Existem programas co- merciais que lêem a resposta do BLAST, mas não com a mesma precisão e velo- cidade do ZERG", diz o programador Apua Paquola, do Laboratório de Bio- informática do IQ/USP. Num artigo publicado em 22 de maio de 2003 na Bioinformatics, os autores do ZERG, cujo nome foi emprestado de um jogo

para computador, mostraram que seu invento é até 250 vezes mais rápido do que seus concorrentes.

Apesar do nome brasileiríssimo, o terceiro programa é um acrônimo de uma expressão em inglês: Sabiá quer dizer System for Automated Bacterial In- tegrated Annotation. O programa, que serve para montar e anotar apenas ge- nomas de bactérias, foi concebido no LNCC e usado pela primeira vez du- rante o trabalho de seqüenciamento da C. violaceum, projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimen- to Científico e Tecnológico (CNPq).

É preciso alguma noção de certos procedimentos básicos do mundo da genômica para ter uma idéia do que faz o programa. Seqüenciar um genoma é determinar a ordem em que aparecem os seus pares de bases nitrogenadas, as unidades químicas primordiais que formam a molécula de ácido desoxirri- bonucléico, o DNA, e costumam ser re-

presentadas pela letras A (adenina), C (citosina), G (guanina) e T (timina). Co- mo o genoma de um organismo pode ser muito grande para ser seqüenciado de uma única vez - o da C. violaceum tem, por exemplo, 4,7 milhões de pares de bases -, os pesquisadores têm de quebrá-lo em pedaços pequenos. A exemplo do que se faz com as peças de um quebra-cabeça, sua montagem consiste em juntar, de forma correta, essas partes menores, devidamente seqüenciadas. "Durante o processo de montagem, o Sabiá aponta as regiões do genoma em que os dados gerados pelo seqüenciamento são de boa ou má qualidade", diz Ana Tereza Vasconcelos, do LNNC, coordenadora do projeto com a C. violaceum e uma das autoras do software.

Macacos e homens - Concluído o que- bra-cabeça da montagem, o dispositivo inventado pela equipe de pesquisadores que trabalhou com o material genéti- co da C. violaceum inicia a anotação do genoma. Em linhas gerais, essa tarefa eqüivale a descobrir que proteínas são produzidas a partir das receitas quími- cas contidas nos genes de um genoma. Dessa forma, chega-se à função (ou funções) de um gene. Grande parte dos dados de anotação deriva de compara- ções. Com o auxílio de programas, co- mo o Sabiá e outros de uso gratuito ou pago, os cientistas confrontam o mate- rial genético recém-identificado num organismo com seqüências já conheci- das, com função definida, que se en- contram arquivadas em bancos de da- dos públicos. Se, no macaco, uma dada seqüência leva à produção de uma pro- teína qualquer, chamada, digamos, X, é provável que uma seqüência parecida, se presente no homem, também leve à síntese dessa mesma proteína X.

Claro que as coisas não são tão sim- ples assim, mas esse é o espírito da ano- tação. "O Sabiá funciona num ambien- te computacional que permite cruzar as informações de oito bancos de dados públicos", diz Ana Tereza. "Dá até para comparar genomas inteiros." Para au- mentar sua autonomia de vôo, o Sabiá, que deverá ser alvo de um artigo cientí- fico neste ano, será aprimorado. A idéia é produzir uma versão do sistema que sirva também para a montagem e ano- tação de genomas de outros organis- mos, além das bactérias. •

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 57

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org

■ Cerâmica

Qualidade das argilas nacionais

Colaborar para a solução de um sério problema que existe na indústria de cerâmica branca do Brasil motivou quatro pesquisadores do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de Campina Grande a desenvolver o artigo Caracteriza- ção de argilas plásticas do tipo bali clay do litoral parai- bano. A pesquisa faz uma análise físico-mecânica da jazida explorada de forma industrial no município de Alhandra, Paraíba. A falta de argilas plásticas para ce- râmica branca (bali clays) na natureza brasileira é con- siderada um obstáculo para o desenvolvimento do setor cerâmico. Os grandes depósitos, com alta quali- dade, são encontrados normalmente em países como Estados Unidos, Reino Unido e República Checa. A indústria cerâmica valoriza as argilas plásticas para cerâmica branca porque elas oferecem ao produtor alta plasticidade e alta resistência a seco. A pesquisa reali- zada no Nordeste brasileiro mostrou que as proprie- dades das argilas nacionais da Paraíba não diferem muito, em qualidade, das importadas. A caracteriza- ção mostrou que a cerâmica nacional, extraída em Alhandra, está dentro dos parâmetros de qualidade citados pela bibliografia internacional.

CERâMICA ■ 2003

VOL. 49 - N° 311 - SãO PAULO - JUL./SET.

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0366- 69132003031100003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Pediatria

Medicamentos perigosos

O estudo Identificação de medicamentos "não apro- priados para crianças" em prescrições de unidade de tratamento intensivo pediátrica procurou avaliar a ex- tensão do uso de medicamentos inadequados para crianças, em uma Unidade de Tratamento Intensivo Pe- diátrica (UTIP), do Hospital de Clínicas de Porto Ale- gre. A pesquisa, que seguiu os padrões estabelecidos pela Agência de Controle de Medicamentos e Alimentos (FDA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, baseou- se na avaliação das prescrições de todos os pacientes admitidos no período de seis semanas consecutivas, entre julho e agosto de 2002. Foram considerados ain- da variáveis como idade, sexo e peso. A investigação,

que considerou 51 pacientes, constatou a prevalência de 10,5% de casos de medicamentos "não aprovados" e 49,5% para medicamentos "não padronizados". Os autores do artigo chegaram a uma conclusão preocu- pante: os medicamentos usados na faixa pediátrica, com uma alta freqüência, são apenas modificações de formulações aplicadas em adultos. A diferença que existe entre os dois grupos é normalmente ignorada.

JORNAL DE PEDIATRIA - VOL. 79 - SET./OUT. 2003

N° 5 - PORTO ALEGRE -

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021- 75572003000500006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Cibercultura

0 advento da web

O artigo Dimensões da cibercultura no Bra- sil, do pesquisador Fabián Echegaray, da Market Analysis Brasil, empresa especializa- da no levantamento de dados em diversas áreas, reflete sobre os efeitos do uso da Internet sobre os aspectos compor- tamentais do usuário brasileiro, universo que repre- senta mais de 40% dos usuários da América Latina. A justificativa para o estudo é a rápida expansão da In- ternet no Brasil, um dos maiores fenômenos econô- micos dos últimos tempos. Entre dezembro de 1999 e dezembro de 2000, segundo a pesquisa, o número de não informados sobre a Internet despencou de quase um terço da população urbana adulta do país para apenas 6%. Essa evolução significa que a web se tor- nou familiar para pessoas de todas as classes, idades e regiões do Brasil. A mídia é apontada pelo pesqui- sador como uma das responsáveis pela transforma- ção. A freqüência das notícias sobre a rede mundial de computadores é a mesma, hoje, que as veiculadas sobre qualquer empreendimento econômico ou fe- nômeno social.

OPINIãO PúBLICA

2003 VOL. 9 - N° 2 - CAMPINAS - oux

www.scielo.br/scielo.php?script=scLarttext&pid=S0104- 62762003000200002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

60 ■ JANEIRO DE 2004 • PES0.UISA FAPESP 95

Mulheres

Amamentação garantida

Em 1975, uma em cada duas mulheres amamenta- va apenas até o segundo ou terceiro mês de vida da criança no Brasil. Em 1999, uma em cada duas mu- lheres amamenta até o décimo mês após o nascimen- to. Será que esse aumento pode ser apresentado como um sucesso? O artigo Reflexões sobre a amamentação no Brasil: de como passamos a dez meses de duração, da pesquisadora Marina Ferreira Rea, da Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, tem como propósito responder a pergunta, além de rever a trajetória do Programa Na- cional de Incentivo ao Aleitamento Materno no Bra- sil (PNIAM). O estudo divide o processo de amamen- tação em quatro períodos. O primeiro, de 1975 a 1981, foi marcado pela pouca mobilização. O início das campanhas da mídia marcou a segunda fase, que foi de 1981 a 1986. O surgimento das políticas de ama- mentação marca o terceiro período, de 1986 a 1996. A última fase analisada, que já engloba as políticas de proteção às mulheres, foi de 1996 a 2002. Apoiada também em políticas públicas internacionais rela- cionadas ao tema amamentação, a autora do artigo descreve um dos desafios que precisa ser enfrentado: "O desafio que se coloca para o futuro é a necessida- de de continuar a promover a amamentação exclusi- va até o sexto mês, e buscar formas de promover a alimentação complementar adequada sem interrom- per a amamentação até pelo menos o segundo ano de vida".

CADERNOS DE SAúDE PúBLICA

JANEIRO - 2003 -VOL. 19SUPL.1 -Rio DE

www.scielo.br/scielo.php?script=scLarttext&pid=S0102- 311 X2003000700005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Logística

Sucesso empresarial

A melhoria contínua da produção em indústrias de autopeças é o principal tema abordado no estudo Com- petências essenciais para melhoria contínua da pro- dução: estudo de caso em empresas da indústria de autopeças, de Melissa Mesquita, da Arvin Meritor, fa- bricante de componentes e sistemas para a indústria automotiva, e Dário Henrique Alliprandini, do De- partamento de Engenharia de Produção da Universi- dade Federal de São Carlos. Os autores fizeram uma pesquisa descritiva em três empresas do setor, todas certificadas com ISSO 9000 e QS 9000. "O cuidado com as competências existentes na organização, se utilizadas na prática da melhoria contínua, leva ao aperfeiçoamento auto-sustentado e continuado dos processos da produção", segundo o estudo. As inves- tigações feitas no campo prático identificaram uma importante contradição que está ocorrendo nas em-

presas de autopeças. Apesar de as companhias estarem estruturando uma sistemática de melhoramento e, ainda, desenvolvendo o treinamento de técnicas e fer- ramentas necessárias para uma produção mais eficaz, elas não estão fazendo isso com o objetivo de aumen- tar o nível de maturidade. O foco não está no desen- volvimento de competências.

GESTãO & PRODUçãO

ABRIL - 2003 ■ VOL. 10 - N° 1 - SãO CARLOS -

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 530X2003000100003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Química

Preferência internacional

O objetivo do arti- go Um olhar holístico sobre a química de produtos naturais bra- sileiro é avaliar o que vem sendo divulgado nas publicações na- cionais Journal of the Brazilian Chemical Society (JBCS) e Quí- mica Nova (QN) na área de produtos na- turais (PN), uma das áreas da química mais antigas e consolidadas no país. Essa avaliação tem a finalidade de incentivar a comunidade de PN a disponibilizar os resultados de suas pesquisas em publicações científi- cas brasileiras. Segundo o estudo, a maioria dos cien- tistas brasileiros prefere publicar suas investigações em revistas especializadas internacionais. A pesquisa, de autoria de Ângelo Pinto e Claudia Rezende, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fernanda Garcez, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e de Rosângela Epifanio, da Universidade Federal Fluminense, selecionou 12 periódicos do banco de dados ISI Web of Knowledge, que concentra grande parte da produção científica da comunidade química brasileira da área de produtos naturais. Os trabalhos publicados foram comparados com os textos dispo- níveis no Journal ofthe Brazilian Chemical Society e na revista Química Nova. O estudo revela que, de acordo com a história da ciência brasileira, as revistas cientí- ficas nacionais têm vida efêmera. Uma das principais razões, segundo os autores, é a falta de compromisso da comunidade científica brasileira com suas revistas, talvez porque não acredite na sua qualidade ou pre- fira ver seus artigos científicos veiculados em perió- dicos estrangeiros.

QUíMICA NOVA

NOV./DEZ. 2003 VOL. 26 - N° 6 - SãO PAULO -

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100- 40422003000600033&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 61

■ TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

Microagulhas sem dor A chata picada das agulhas pode estar com os dias con- tados. Pesquisadores do Ins- tituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados Uni- dos, conseguiram fabricar conjuntos de microagulhas ocas e sólidas em materiais de vários tipos e tamanhos como metais, polímeros biodegradáveis, silício e vidro. A novidade foi pu- blicada pela revista Procee- dings of the National Aca- demy of Sciences, em novembro, e descreve pro- gressos no desenvolvimen- to de microagulhas que podem ser aplicadas na pele para administrar dro- gas e vacinas no organismo humano de maneira indo- lor. O estudo relata ainda bem-sucedidos testes feitos na pele de cadáveres e ani- mais, que revelaram a ca- pacidade das agulhas mi- crométricas de transpor a pele e levar proteínas, na- nopartículas e moléculas, pequenas ou grandes, para o organismo. "Abrimos o caminho para a fabricação em massa das microagu-

Agulhas protegidas por polímeros

lhas", diz Mark Prausnitz, professor da Escola de Quí- mica e Engenharia Bio- molecular do Instituto de Tecnologia da Geórgia e principal pesquisador do projeto. "O uso clínico das microagulhas vai permitir ministrar no corpo huma- no moléculas de significa- tivo interesse terapêutico, como a insulina, proteínas produzidas pela indústria

biotecnológica e nanopar- tículas que podem encapsu- lar drogas ou levar vacinas para combater vírus espe- cíficos." As microagulhas poderão ser usadas tam- bém para remover líqui- dos do corpo para análi- se de laboratório - como exames de sangue - e, de- pois, para suprir o orga- nismo dos medicamentos necessários.

■ Indústria atua em nanotecnologia

Na edição de 28 de novembro da revista Science, um grupo de pesquisadores da DuPont - conglomerado industrial que opera em mais 70 países - publicou artigo relatando uma descoberta que pode abrir caminho para avanços em nanoeletrônica: o uso de

nanotubos de carbono orde- nados por meio de DNA. Os nanotubos de carbono têm excelentes propriedades elé- tricas que os transformam em material ideal para a utili- zação em um amplo leque de aplicações eletrônicas rela- cionadas à nanotecnologia - incluindo aparelhos de alta sensibilidade para diagnósti- co médico e minitransistores

mais de cem vezes menores que os utilizados nos micro- chips atualmente. Quando são fabricados, os nanotubos de carbono eletrônicos de diversos tipos agrupam-se aleatoriamente, prejudicando a condutividade, que necessi- taria de um eficiente proces- so de ordenação e distribuição para ser uniforme. Os cientis- tas da Central de Pesquisa &

Desenvolvimento da DuPont descobriram também que uma cadeia simples de DNA inte- rage fortemente com os na- notubos de carbono propor- cionando uma condutividade uniforme. •

■ Microguitarra abre novos caminhos

Seis anos atrás, uma equipe de pesquisadores da Univer- sidade de Cornell, nos Esta- dos Unidos, conseguiu cons- truir a menor guitarra do mundo. O problema é que ela não tocava uma nota sequer. Agora, outros pesquisadores da mesma universidade cons- truíram uma outra guitarra e conseguiram tirar "sons" do microinstrumento. O inven- to, segundo comunicado da universidade, serviu para in- dicar a possibilidade de fa- bricar minúsculos aparelhos mecânicos utilizando técni- cas projetadas para produzir microcircuitos eletrônicos. Com os sons produzidos na nova versão, os físicos da Cornell conseguem provar que é possível projetar nano- aparelhos capazes de substi- tuir componentes dos circui- tos eletrônicos para produzir circuitos ainda menores, mais baratos e mais eficientes do ponto de vista da utiliza- ção da energia. A nova gui- tarra é cerca de cinco vezes maior que a original, embora ainda seja tão pequena que sua forma só pode ser identi- ficada no microscópio. Suas cordas são feitas de barras de silício, medindo algo en- tre 150 e 200 nanômetros de comprimento por 6 a 12 na- nômetros de largura (1 nanô- metro eqüivale a 1 bilionési-

62 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

BRASIL

Nanoguitarras: acordes com feixes de laser

mo de metro, ou à largura de três átomos de silício perfila- dos), mas vibram a freqüências equivalentes a 130 mil vezes mais altas que uma guitarra comum, mas sem som audí- vel. Para fazê-las vibrar, os pesquisadores usam feixes de laser. E, ao vibrar, elas criam padrões de interferência na luz refletida, que podem ser detectados e convertidos ele- tronicamente em notas audí- veis. O aparelho toca apenas tons simples, apesar de ser possível "dedilhar" mais de uma corda de cada vez. É que os tons são determinados pela extensão das cordas, e não por sua tensão, como em uma gui- tarra normal. •

■ Teste para detectar substância tóxica

Um kit portátil capaz de de- tectar uma ampla variedade de substâncias tóxicas foi lançado no mercado por uma recém-formada companhia britânica e já atrai grande in- teresse comercial. O sistema chamado de Batt (sigla em in- glês para Bioamostra para Tes-

te de Toxicidade) foi desen- volvido pelo biólogo Russell Grant e pode ser levado a campo para testar a toxicidade de produtos químicos e de- terminar os efeitos nocivos de composições químicas. O aparelho foi testado por um grande número de instituições, como o Instituto Ambiental do Reino Unido, indústrias têxteis, estações de tratamento de água e companhias de diag- nóstico envolvidas com a me- dição de pesticidas. Grant teve a idéia do kit ainda na gradua- ção na Universidade de York. Ele e os coordenadores de uma outra pesquisa, em que estava envolvido, examinavam a to- xicidade de pesticidas ou, mais especificamente, loções desinfetantes para carneiros, quando descobriram que te- riam de esperar um mês pe- los resultados por meio dos métodos convencionais de la- boratório. Foi assim que nas- ceu a idéia que resultou no Batt. Um programa da pró- pria universidade que admi- nistra verbas governamentais para a inovação está finan- ciando o projeto. •

Visão artificial A união de câmaras de vídeo e softwares especí- ficos está resultando na Universidade Federal de Viçosa (UFV) na abertura de várias linhas de estudo para a aplicação de visão artificial na agricultura e na indústria madeireira. "Com uma câmara insta- lada num pulverizador, por exemplo, é possível identificar plantas dani- nhas na plantação e só aí, de forma automática, o equipamento recebe o co- mando para fazer a pul- verização do herbicida", explica Francisco de Assis de Carvalho Pinto, pro- fessor do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV. "Queremos que o produto caia apenas na planta invasora e na quan- tidade correta." Para isso, os pesquisadores elabo- ram softwares para dife- renciar as espécies de ervas daninhas, além de identi- ficar plantas com sinto- mas de doenças e ataque

de pragas, como o da la- garta elasmo do milho. "Nós vamos colocar o aparelho em um pivô central (equipamento que faz a irrigação), para que ele mapeie as doenças e envie as informações para um computador cen- tral." Os pesquisadores preparam equipamen- tos que, além de "enxer- gar" o problema, façam também a quantificação. Outro uso da visão artifi- cial que está prestes a ter o seu primeiro protótipo é um sistema de análise de tábuas de madeira. Sob a coordenação do profes- sor Francisco Pinto e em parceria com o professor Ricardo Marius Delia Lúcia, do Departamen- to de Engenharia Flores- tal da UFV, os pesquisa- dores desenvolvem um equipamento que faz a classificação e a seleção das tábuas com base no número de defeitos co- mo trincas e nós. •

Imagem digital da planta, (acima), e com manchas vermelhas nas folhas: sintomas do ataque da lagarta elasmo

PESOUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 63

BRASIL

Nanoguitarras: acordes com feixes de laser

mo de metro, ou à largura de três átomos de silício perfila- dos), mas vibram a freqüências equivalentes a 130 mil vezes mais altas que uma guitarra comum, mas sem som audí- vel. Para fazê-las vibrar, os pesquisadores usam feixes de laser. E, ao vibrar, elas criam padrões de interferência na luz refletida, que podem ser detectados e convertidos ele- tronicamente em notas audí- veis. O aparelho toca apenas tons simples, apesar de ser possível "dedilhar" mais de uma corda de cada vez. É que os tons são determinados pela extensão das cordas, e não por sua tensão, como em uma gui- tarra normal. •

■ Teste para detectar substância tóxica

Um kit portátil capaz de de- tectar uma ampla variedade de substâncias tóxicas foi lançado no mercado por uma recém-formada companhia britânica e já atrai grande in- teresse comercial. O sistema chamado de Batt (sigla em in- glês para Bioamostra para Tes-

te de Toxicidade) foi desen- volvido pelo biólogo Russell Grant e pode ser levado a campo para testar a toxicidade de produtos químicos e de- terminar os efeitos nocivos de composições químicas. O aparelho foi testado por um grande número de instituições, como o Instituto Ambiental do Reino Unido, indústrias têxteis, estações de tratamento de água e companhias de diag- nóstico envolvidas com a me- dição de pesticidas. Grant teve a idéia do kit ainda na gradua- ção na Universidade de York. Ele e os coordenadores de uma outra pesquisa, em que estava envolvido, examinavam a to- xicidade de pesticidas ou, mais especificamente, loções desinfetantes para carneiros, quando descobriram que te- riam de esperar um mês pe- los resultados por meio dos métodos convencionais de la- boratório. Foi assim que nas- ceu a idéia que resultou no Batt. Um programa da pró- pria universidade que admi- nistra verbas governamentais para a inovação está finan- ciando o projeto. •

Visão artificial A união de câmaras de vídeo e softwares especí- ficos está resultando na Universidade Federal de Viçosa (UFV) na abertura de várias linhas de estudo para a aplicação de visão artificial na agricultura e na indústria madeireira. "Com uma câmara insta- lada num pulverizador, por exemplo, é possível identificar plantas dani- nhas na plantação e só aí, de forma automática, o equipamento recebe o co- mando para fazer a pul- verização do herbicida", explica Francisco de Assis de Carvalho Pinto, pro- fessor do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV. "Queremos que o produto caia apenas na planta invasora e na quan- tidade correta." Para isso, os pesquisadores elabo- ram softwares para dife- renciar as espécies de ervas daninhas, além de identi- ficar plantas com sinto- mas de doenças e ataque

de pragas, como o da la- garta elasmo do milho. "Nós vamos colocar o aparelho em um pivô central (equipamento que faz a irrigação), para que ele mapeie as doenças e envie as informações para um computador cen- tral." Os pesquisadores preparam equipamen- tos que, além de "enxer- gar" o problema, façam também a quantificação. Outro uso da visão artifi- cial que está prestes a ter o seu primeiro protótipo é um sistema de análise de tábuas de madeira. Sob a coordenação do profes- sor Francisco Pinto e em parceria com o professor Ricardo Marius Delia Lúcia, do Departamen- to de Engenharia Flores- tal da UFV, os pesquisa- dores desenvolvem um equipamento que faz a classificação e a seleção das tábuas com base no número de defeitos co- mo trincas e nós. •

Imagem digital da planta, (acima), e com manchas vermelhas nas folhas: sintomas do ataque da lagarta elasmo

PESOUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 63

LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL

O uso do bagaço de cana- de-açúcar para a produção de álcool (etanol) está perto

Ide se transformar em reali- dade. A nova tecnologia, que poderá elevar em 30% a produção do combustível no Brasil sem a necessidade de

(expansão da cultura, encon- tra-se em fase final de de- senvolvimento pelo Grupo Dedini, um dos maiores fa- bricantes de máquinas e equipamentos para o setor sucroalcooleiro. Em no-

Ivembro, a empresa deu um grande passo ao inaugurar uma Unidade de Demons- tração do Processo (UDP) na Usina São Luiz, em Pi- rassununga (SP), com capa- cidade para produzir 5 mil litros de álcool por dia. As plantas em escala industrial serão dimensionadas para uma produção diária de 60 mil litros. Dentro de seis meses deve ficar pronta a primeira dessas unidades capaz de fabricar etanol a partir do bagaço, combustí- vel produzido, atualmente, a partir do caldo da cana. "A UDP está sendo útil para a definição de parâmetros de

_______ _____^g__^______

Álcool a partir do bagaço da can

engenharia que ajudarão a elaborar o projeto e o dimen- sionamento da primeira uni- dade em escala industrial", explica José Luiz Olivério, vice-presidente de Tecnolo- gia e Operações da Dedini, que tem sede em Piracicaba (SP). Segundo o executivo, quando estiver pronta, a tecnologia será repassada para usineiros interessados

Teste finais para o aproveitamento do bagaço: produção de álcool poderá aumentar em 30% no país

em converter o bagaço em etanol. O preço da unidade industrial ainda não está de- finido, mas, de acordo com Olivério, "exigirá o mesmo investimento dos processos tradicionais de fabricação de álcool, a partir do caldo da cana". Os estudos para de- senvolvimento da tecnologia contaram com a participa- ção do Centro de Tecnologia

da Cooperativa de Produto- res de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Co- persucar) num projeto que recebeu financiamento da FAPESP por meio do Pro- grama Parceria para Inova- ção Tecnológica (PITE) (veja Pesquisa FAPESP n° 77). Ba- tizado de Dedini Hidrólise Rápida (DHR), o processo transforma o bagaço e a palha em álcool em poucos minutos por meio de um processo de hidrólise (rea- ção química com água). Ele já está patenteado no Brasil, Estados Unidos, União Eu- ropéia, Rússia e vários paí- ses da América Latina. •

■ Programa analisa turbinas a gás

Um software capaz de simu- lar o desempenho de turbinas a gás, para ser utilizado prin- cipalmente na área de energia elétrica, foi desenvolvido pelo pesquisador Marco Aurélio da Cunha Garcia, do Centro Tec- nológico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP).

Batizado de Destur, Desem- penho de Turbinas, o progra- ma analisa a atuação ener- gética de qualquer tipo de turbina a gás. "O que aciona a turbina é o gás que provém da combustão tanto do gás natural quanto da gasolina e do querosene", explica Gar- cia. Nas termelétricas, o gás natural é o mais utilizado pa- ra gerar energia elétrica. No

mercado internacional, exis- tem programas semelhantes ao desenvolvido pelo pesqui- sador, mas todos são fecha- dos e não podem ser modifi- cados. Neles, por exemplo, é impossível avaliar o uso de gás de lixo, um combustível não convencional e renovável nas turbinas. Já o Destur con- templa a possibilidade de uso de combustíveis alternativos.

"Testamos o programa com o aproveitamento do gás de lixo, experiência que está sen- do conduzida em Barueri (SP) pela Companhia de Tecnolo- gia de Saneamento Ambien- tal (Cetesb)", relata Garcia. No momento, o pesquisador está à procura de um parceiro que o ajude na criação de uma versão interativa do progra- ma para facilitar o acesso dos

64 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

usuários. Assim o software poderá ser utilizado por em- presas de projetos e consulto- ria, órgãos governamentais e instituições de pesquisa. •

■ Gastos de energia controlados

Redes de supermercados, de lanchonetes, cadeias de lojas, bancos e grandes corporações recebem mensalmente gran- de quantidade de faturas de concessionárias de energia elétrica, o que dificulta o mo- nitoramento dos gastos. Para integrar e contabilizar o con- sumo de eletricidade e os cus- tos associados de diversas fa- turas, o Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elé- tricas (Gepea) da Escola Poli- técnica da Universidade de São Paulo (USP) criou o Con- taluzWeb. "É um software ali- mentado pelas informações que recebemos nas faturas de energia", conta o professor Marco Antônio Saidel, res- ponsável pelo projeto, utiliza- do desde 2000 pela USP. Além de cadastrar dados das faturas, o programa também pode ser alimentado com in- formações como área cons- truída e outras. Os indicado- res energéticos são obtidos pelo cruzamento dos dados. Saidel exemplifica: "Coloco a área construída e o número de alunos, e ele fornece o consu- mo por metro quadrado e por número de alunos". Segundo o professor, o sistema foi de- senvolvido para uso interno da USP, que tem cerca de 300 fa- turas mensais, como parte de um programa institucional para o uso eficiente de energia. "Mas percebemos que exis- tem diversos interesses seme- lhantes aos da universidade, por isso estamos abertos a for- matar sistemas de acordo com possíveis interessados." •

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Estrutura de madeira com conectores de aço

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento

de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: [email protected]

se ligam aos receptores BI, um grupo de proteínas do sistema chamado calicreí- nas-cininas, e que podem ser úteis no tratamento do diabetes e da obesidade, as- sim como no controle de distúrbios da fome e de ou- tras doenças associadas à ativação ou bloqueio desses receptores. As cininas são uma família de peptídeos gerados no sangue e nos tecidos celulares. Sua pro- dução está relacionada à ação da enzima calicreína. Há evidências de que esse sistema atua sobre uma sé- rie de parâmetros clínicos, como os processos infla- matórios, a pressão arterial e o desejo de ingerir alimen- tos. Um dos experimentos realizados na Universida- de Federal de São Paulo (Unifesp) que serviu de base para o pedido de pa- tente consistiu na criação de um tipo de camundon- go transgênico. O gene re- lacionado aos receptores BI desses animais foi "desliga- do", o que, aparentemente, fez os roedores engordarem em excesso.

Título: Mecanismos e Drogas Utilizados no Tratamento de Diabetes e Obesidade e Con- trole dos Distúrbios da Fome Inventores: João Bosco Pes- quem, Jorge Luiz Pesquem, Ronaldo de Carvalho Araújo, Marcelo Alves da Silva Mori, Antônio Cecchelli de Mattos Paiva e Michael Stephan Bader Titularidade: Unifesp/FA- PESP

■ Sistema para construção modular

Novo sistema construtivo leve e transportável, ba- seado nos princípios da produção modular. São módulos com estrutura composta por vigas e pila- res de madeira ligados por conectores de aço. Ele foi idealizado pelo professor Alessandro Ventura, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universi- dade de São Paulo, para fabricação e montagem de salas de aula de forma rá- pida e a custo baixo. Cada módulo concentra uma função básica como, por exemplo, sala de aula, ba- nheiro ou depósito. As vi- gas e os pilares de madeira são produzidos com lâ- minas de 10 milímetros (mm) de espessura a par- tir da prensagem de outras lâminas finas de madeira, com 0,5 mm. A finalização dos módulos é feita com as vigas e pilares monta-

dos em forma de triângu- lo e ocas por dentro, per- mitindo a passagem de tubulações. O fechamento lateral dos módulos está em fase final de estudo e será produzido a partir da composição de vários ma- teriais como lã de vidro e madeira. O sistema pro- posto, embora idealizado para montagem de esco- las, pode ter outras aplica- ções em situações que exi- jam rapidez de construção ou necessidade de rápida remodelação do conjunto modular construído.

Título: Sistema de Conexão e Interface em Aço para Estru- turas Compostas por Vigas e Pilares Fabricados a Partir de Lâminas Finas de Madeira Imentor.Alessandro Ventura Titularidade: USP/FAPESP

■ Ação de drogas no diabetes e na obesidade

A patente cobre o mecanis- mo de ação de drogas que

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 65

TECNOLOGIA

MATERIAIS

Inovações nos

I Pesquisadores desenvolvem materiais avançados com melhores propriedades elétricas e mais resistentes à corrosão

aço está ganhando inovações que vão dei- . xá-lo mais eficiente. As novidades tecno-

lógicas propostas para essa tradicional fa- mília de materiais, fundamental para a fabricação de um amplo leque de produ-

tos industriais - de facas e garfos até motores e próteses

de pesquisadores paulistas que se dedica à pesquisa e ao aperfeiçoamento da microestrutura e das propriedades desses materiais.

A equipe, formada por pesquisadores da Escola Poli- técnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), conseguiu, por exemplo, produzir em laboratório aços inoxidáveis 15 a 20 vezes mais resisten- tes á cavitaçâo (surgimento de pequenos furos na super- fície do material) que os atuais. Também desenvolveu chapas mais finas e mais adequadas ao processo de es- tampagem ia conformação, por meio de prensagem, para a obtenção de carrocerias de automóveis, eletrodo-

-!EIR0 DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

Motor elétrico: aço mais eficiente para evitar dissipação de energia

mestiços etc), além de aços elétricos mais eficazes, próprios para uso em motores de geladeiras, em aparelhos de ar-condicionado e nos transformadores de televisão e de computadores. "Nós melhoramos a qualidade desses aços, modificando a textura cristalográfica (distribuição de orientações dos grãos que formam a microestrutura do mate- rial) de forma a elevar as propriedades mecânicas, elétricas, magnéticas e de re- sistência ao desgaste e à corrosão", ex- plica o engenheiro de materiais Ângelo Fernando Padilha, da Poli-USP, coor- denador do estudo que é financiado pela FAPESP por meio de um projeto temático iniciado em maio de 2000.

Um dos principais avan- ços obtidos pela equipe relaciona-se aos aços inoxidáveis, um grupo de ligas de ferro e cromo

que atinge a produção mundial de 12 milhões de toneladas por ano. Eles têm como característica principal a resis- tência a agentes corrosivos e oxidantes e são usados nos utensílios domésti- cos, em equipamentos hospitalares e até em turbinas de usinas hidrelétri- cas. Os estudos apresentaram soluções para o combate à cavitação, um des- gaste comum aos inoxidáveis, especial- mente danoso para equipamentos sub- mersos e que sofrem grandes variações de pressão nesse ambiente, como as hé- lices de navios e turbinas de hidrelétri- cas. "Para evitar esse problema, desen- volvemos um aço inoxidável especial com uma determinada quantidade de nitrogênio - entre 0,5 e 0,6% da massa - na superfície do metal. Com a adição de nitrogênio, o metal fica mais duro e altamente resistente à cavitação", afir- ma o engenheiro André Paulo Tschipts- chin, da Poli-USP, que coordena essa li- nha de pesquisa.

Para receber o nitrogênio, a peça de aço é colocada em um reator sob alta temperatura, acima de 1.000° Celsius, onde existe uma atmosfera gasosa de nitrogênio que penetra na estrutura cristalina do material. "Em testes de la- boratório, esses novos aços são de 8 a 25 vezes mais duráveis do que os atuais. Já estamos preparando uma patente so- bre o uso dessa nova liga em turbinas submetidas a grandes variações de pressão da água", diz o pesquisador. Se- gundo Tschiptschin, os estudos com-

provaram que a textura do material é muito importante para elevar a resis- tência à cavitação. "Por isso, também estamos mexendo na distribuição das orientações dos grãos da superfície do metal tentando criar texturas mais efi- cientes. Observamos que a cavitação ocorre preferencialmente em certos ti- pos de contornos de grão e utilizamos a estratégia de processar o material evi- tando essas formações."

Aços biocompatíveis - O grupo tam- bém trabalha na melhoria dos aços inoxidáveis visando sua utilização na fabricação de próteses ósseas perma- nentes. Esse material ainda é usado apenas em próteses temporárias, como pinos, placas e parafusos. Seu uso em próteses permanentes, como as de qua- dril, não é recomendável por não serem suficientemente biocompatíveis e nem

resistentes a alguns tipos de corrosão. Os materiais mais empregados em pró- teses permanentes são as ligas de titâ- nio e de cromo-cobalto-molibdênio, que apresentam a desvantagem de se- rem caras. No Brasil, elas custam cerca de US$ 4,5 mil, enquanto as de aço ino- xidável saem por US$ 600. "Estamos pesquisando como melhorar a prótese de aço inoxidável adicionando altos teores de nitrogênio, na faixa de 0,2% a 1,2% de sua massa", conta Tschiptschin. "Com isso, os problemas de biocom- patibilidade e corrosão são considera- velmente reduzidos. Já melhoramos a composição química das próteses e fi- zemos todos os ensaios especificados em normas para sua aceitação. Agora estamos aprimorando a textura do aço, porque a deterioração do material também está relacionada a ela", diz o pesquisador.

68 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

Chapas de aço na empresa Brasmetal: repasse de resultados da pesquisa

arante melhor processo de produção

A inda relacionado aos inoxidá- i^L veis, o grupo tem avançado L^^ no estudo dos aços ferríti- r % cos-austeníticos, também

^L. i^^. chamados de dúplex. Criado na década de 1970, esse mate- rial é muito usado em ambientes que exigem alta resistência à corrosão, como centrífugas para produção de sabonetes em indústrias químicas e bombas hi- dráulicas que trabalham na indústria petrolífera e de mineração, em contato com meios lamacentos. "Estudamos, entre outros aspectos, as relações de orien- tação entre as duas fases (ferrítica e aus- tenítica) desses aços. Quando esse ma- terial precisa ser conformado (o mesmo que estampado) para que adquira a sua forma final, a textura é um fator funda- mental no comportamento da estam- pagem. Por isso, precisamos selecionar os processos termomecânicos que vão

induzir à textura adequada para a con- formação do material", explica o físico Nelson Batista de Lima, do Laboratório de Difração de Raio X do Ipen.

Motores elétricos - Além dos avanços na área de inoxidáveis, os pesquisado-

0 PROJETO

Otimização da Microestrutura, da Mícrotextura e da Mesotextura de Materiais Ferrosos Avançados

MODALIDADE Projeto Temático

COORDENADOR ÂNGELO FERNANDO PADILHA- USP

INVESTIMENTO R$ 345.075,08 e US$ 447.946,00

res têm feito progressos no aperfeiçoa- mento das características dos aços elé- tricos ao silício usados em motores elétricos e transformadores de vários equipamentos eletrônicos. Esses aços, que contêm em sua composição cerca de 2% de silício, possuem um papel crucial na matriz energética do mun- do, porque aproximadamente 50% da energia elétrica produzida é consumida pelos motores elétricos. "Nosso traba- lho tem um único objetivo: desenvolver aços para fins eletromagnéticos que te- nham uma menor dissipação de ener- gia quando em operação. Isso significa que é preciso reduzir o aquecimento desses motores", explica o engenheiro metalurgista Fernando Landgraf, pes- quisador do IPT e um dos subcoorde- nadores do projeto.

A função do aço em um motor elé- trico é amplificar o campo magnético. Dessa forma, ampliam-se as forças de magnetização e, conseqüentemente, a potência do motor. Como o motor é magnetizado e desmagnetizado 60 vezes por segundo, o aço se aquece e a ener- gia é dissipada. Esse é um efeito colateral indesejado do funcionamento dos mo- tores elétricos, chamado de perda histe- rética. "É ela que tem de ser diminuída. Nosso grande desafio é produzir aços de melhor qualidade e assim reduzir esse tipo de perda", diz o pesquisador.

A qualidade dos aços elétricos, por sua vez, está relacionada a cinco fatores: o tamanho médio dos cristais que com- põem a liga, o número de defeitos cris- talinos, o número e o tamanho de mi- crocristais de impureza (chamadas de inclusões) e a textura cristalográfica, ou seja, a orientação dos cristais no espa- ço. "Os fabricantes de aço já têm boas receitas para controlar as três primeiras variáveis e reduzir as perdas histeréti- cas. O problema reside em controlar a textura", diz Landgraf. "Pelo menos 30 grupos mundiais tentam descobrir um método que permita fabricar a textura ideal para minimizar essas perdas."

Em um aço com textura perfeita, os cristais em forma de cubo devem estar distribuídos de tal maneira que todos tenham uma de suas faces paralela à su- perfície da chapa. Além disso, devem estar espalhados ao acaso de forma que ao se aplicar um campo magnético de qualquer direção sempre prevaleça uma grande quantidade de cristais com uma aresta paralela à direção desse cam-

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 69

po. "Estamos perseguindo esse sonho por dois diferentes caminhos: um ba- seado numa nova tecnologia de fabri- cação de aços chamada lingotamento contínuo de tiras, e o outro na tecno- logia convencional de lingotamento contínuo", conta Landgraf. Segundo o pesquisador do IPT, o novo método apresenta uma grande vantagem eco- nômica, porque a partir do aço líquido é possível produzir chapas de 2 milíme- tros (mm) de espessura, em compara- ção com os 250 mm do processo tradi- cional. As chapas para fabricação de aços elétricos devem ter 0,5 milímetro de espessura. "A nova tecnologia pro- porciona uma grande economia de re- cursos no processo de laminação e, além disso, produz aços elétricos com a tex- tura ideal. Só que, quando o aço passa por uma nova laminação para reduzir a espessura de 2 para 0,5 milímetro, a textura que era perfeita sofre uma drás- tica deterioração", afirma Landgraf. "Nossos esforços são no sentido de re- cuperar a textura ideal, igual à existen- te ao final do processo de lingotamento contínuo de tiras, controlando a lami- nação e o aquecimento."

A boi

A boa notícia é que o grupo do

IPT conseguiu, há um ano, resultados animadores.

Depois de muita pes- quisa, conseguimos fa-

zer com que 20% dos cristais fiquem com a face do cubo paralela à superfí- cie. Ao longo de 2003, repetimos e con- firmamos o processo quatro vezes. Foi uma descoberta importante que deverá ter impacto em nível mundial. Por isso, estamos num momento de finalizar o depósito de patente dessa nova técnica", conta o pesquisador. Para se ter uma noção do avanço que isso representa, basta saber que os aços elétricos produ- zidos hoje têm apenas 5% dos cristais orientados adequadamente. Com o or- denamento de 20% dos grãos, os pes- quisadores reduziram em 20% as perdas com a dissipação de energia. Com isso, os motores ficam 3% mais eficientes.

O outro caminho trilhado pela equi- pe consiste em um aprimoramento do processo convencional de lingotamen- to contínuo. Nele, o aço é laminado a quente até atingir 2 milímetros de es- pessura e, em seguida, sofre uma lami- nação a frio que o deixa com 0,54 milí- metro. Numa fase posterior, o aço é

aquecido e novamente laminado a frio para atingir a espessura ideal de 0,5 milímetro. Depois, é reaquecido para aumentar o tamanho dos cristais, eli- minar alguns defeitos e desenvolver textura. "Nessa tecnologia, estudamos alterações para que, ao final do proces- samento do aço, exista um maior nú- mero de cristais ordenados de maneira ideal", explica o pesquisador.

Aços carbono - Outra linha de pesqui- sa do projeto está ligada a um melhor desempenho dos aços de ultrabaixo carbono (porcentagem de carbono me- nor que 0,005) também usados em processos de estampagem. Esses aços são formados, quase na totalidade, de ferro, porque a concentração de carbo- no é muito reduzida. Eles são empre- gados na fabricação de capas de ferro elétrico, tampa de grill, fechaduras, dobradiças, paralamas, carroceria de automóveis etc. A obtenção de uma textura mais avançada que a atual é importante porque ocasionará menos perdas na produção e melhor aprovei- tamento do material. As informações produzidas pelo grupo estão sendo re- passadas para a relaminadora Brasme- tal-Waelzholz, uma joint-venture com- posta por 51% do grupo brasileiro Vidigal e 49% da matriz alemã. A em-

presa, instalada em Diadema (SP), rea- liza há mais de dez anos trabalhos em parceria com a Poli-USP.

"Graças à pesquisa, conseguimos melhorar o processo de fabricação de alguns de nossos produtos, como capas de ferro elétrico e carcaças de filtros de ar e de óleo de automóveis, elevando consideravelmente o índice de acerto. A produção desses materiais é comple- xa porque sua conformação, ou seja, a moldagem, é muito difícil, o que pre- judica o sucesso da estampagem. Com os conhecimentos gerados pelo proje- to, o índice de acerto agora é de 100%", afirma o engenheiro metalurgista An- tenor Ferreira Filho, diretor indus- trial da Brasmetal-Waelzholz. A em- presa não divulga qual era o índice de acerto anteriormente e ainda não con- tabilizou os ganhos econômicos advin- dos do uso do processo otimizado. Se- gundo Ferreira Filho, a otimização do processo só foi possível em função da melhor compreensão dos aspectos en- volvendo a textura dos aços de baixo carbono. Para isso, os pesquisadores contaram com o auxílio de modernos equipamentos, como um microscópio eletrônico de varredura, instalado na Escola Politécnica, que permite a exe- cução de análises de microtextura por meio de uma sofisticada técnica cha-

70 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

mada difração de elétrons retroespa- lhados (Electron Back Scattered Dif- fraction - EBSD).

O quarto objeto de estudo do grupo são os aluminetos de ferro formados entre átomos que correspondem a ligas de ferro e de alumínio que apresentam uma composição química bem defi- nida e possuem como característica o fato de serem duros e, ao mesmo tempo, frágeis. "Os materiais baseados nesses compostos recebem o nome de mate- riais intermetálicos ordenados", define o físico Cláudio Geraldo Schõn, da Es- cola Politécnica da USP, que também integra o projeto temático.

Novos compostos - As pesquisas visan- do o desenvolvimento desses compos- tos têm avançado em várias partes do mundo porque os materiais intermetá- licos baseados em aluminetos de ferro, de níquel e de titânio apresentam uma série de vantagens quando usados para aplicações estruturais, como palhetas de turbina utilizadas na geração de ener- gia termoelétrica. "Como os alumine- tos de ferro têm teores elevados de alu- mínio, são mais leves do que os aços e sua resistência à corrosão e à oxidação é muito alta. Além disso, esses materiais caracterizam-se por uma estrutura or- denada, que lhes confere uma ótima es-

tabilidade estrutural e, conseqüente- mente, boa resistência mecânica a altas temperaturas", explica Schõn.

O problema ainda não so- lucionado pelos pesqui- sadores é a fragilidade mecânica deste compos- to em temperatura am-

biente, induzida pela introdução de grande quantidade de alumínio. "Esses novos materiais têm baixa resistência a impacto e perda de maleabilidade. En- quanto em testes de tração o aço pode alongar até 40% do seu tamanho origi- nal, os compostos intermetálicos chegam somente a 4%", conta o pesquisador da Escola Politécnica. Para controlar essa limitação, podem ser adotadas duas abordagens. A primeira, baseada numa rota química, prevê a adição de cromo e boro entre outros elementos à liga pa- ra aumentar sua ductilidade, ou seja, sua capacidade de se deformar sem quebrar. O segundo caminho consiste em sub- meter o material a um processamento termomecânico por meio de laminação controlada. Os pesquisadores acreditam que o aumento da ductilidade tenha cor- relação com uma textura especial de- senvolvida durante a laminação.

Um grupo de cientistas da Universi- dade de Ciência e Tecnologia de Bei-

jing, na China, conseguiu com esse mé- todo aumentar o alongamento para 17%. A equipe coordenada por Schõn está investigando as causas desse fenô- meno. "Nosso grupo de pesquisa traba- lha na caracterização dessas texturas, durante todas as etapas do processa- mento termomecânico, para permitir a compreensão dos mecanismos que causam a melhoria das propriedades dos aluminetos de ferro", afirma Schõn. "Fazemos pesquisa básica, mas existe um grande potencial para aplicação tecnológica a médio prazo, por exem- plo, na indústria automobilística, na fabricação de peças de motores de combustão interna que trabalham em contato com gases de exaustão em altas temperaturas", diz o pesquisador.

Workshop de peso - O sucesso do pro- jeto, que já originou um livro e um CD sobre textura cristalográfica, pode ser medido pela produção científica do grupo, que inclui a publicação de 35 ar- tigos em periódicos estrangeiros, a di- vulgação de 71 trabalhos em anais de eventos nacionais e internacionais e a produção de nove dissertações de mes- trado e três teses de doutorado. Em quase quatro anos de trabalho, partici- param do projeto cerca de 60 pessoas entre pesquisadores, alunos de pós-gra- duação e iniciação científica e técnicos de nível médio e superior, além dos coordenadores e mais sete subcoorde- nadores do temático. "Pelo menos uma dezena de jovens pesquisadores foi trei- nada e recebeu sólidos conhecimentos e independência para conduzir pes- quisas na área de cristalografia e textu- ra, conhecida como Engenharia de Con- tornos de Grãos", afirma o engenheiro Ângelo Padilha.

Além disso, a equipe que coordena o temático organizou, no início de de- zembro, o 2o Workshop sobre Textura e Relações de Orientação, realizado no Ipen, que contou com a presença de mais de cem participantes, entre pes- quisadores dos principais grupos de pesquisa na área e engenheiros de em- presas produtoras e processadoras de materiais metálicos planos, onde o controle de textura é particularmente importante. "Não é qualquer país que pode reunir mais de cem pessoas in- teressadas em discutir assuntos tão elaborados tecnicamente", conclui o pesquisador. •

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 ■ 71

«AIKI ^

Sistema permite controlar

doença dos citros com menos pulverizações de fungicidas

citros, uma doença que provoca a queda dos fru-

tos e a perda de ale 80% da produção quando atinge os pomares de laranja.

ma de controle que calcula as condi- ções favoráveis á ocorrência da doença, como chuva, estágio de desenvolvimen- to da florada, e indica a época certa para pulverização de fungicidas. O soft- ware foi desenvolvido na faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp),em Botucatu, sob a coordenação do professor Nilton Luiz de Souza, pela engenheira agrôno- ma Natália Aparecida Rodrigues feres, autora de lese de doutorado sobre o novo sistema.

versidade da Flórida, dos Estados Uni- dos, e da Citrovita, empresa do grupo Votorantim que possui 3 milhões de

pés de laranja na região de Itapetininga (SP). Os resultados mostram que aoado-

ores eco- nomizam cerca de R$ 2()(),()() por

tores br; em, gratuitamente,

ço http: //infotech.ifas.ufl.edu/disc/pfd/. "O trabalho começou em 1997" diz

o professor Souza, que há 30 anos pes- gos causs

Mantas, loi quando ren

licitar a colaboração na solução dessa doença que ameaçava a produção de laranjas em Itapetininga." A podridão floral é um problema que atinge várias regiões do Brasil, maior produtor mun- dial com mais de 1 milhão de hectares de árvores plantadas e uma colheita que somou 371,3 milhões de caixas de laranja na safra 2002/2003. O funso

aluiu) age em to- orasde laranja, in-

anta Catarina, Rio Grande do

Sul, Goiás, Rio de [aneiro, Bahia e São Paulo, estado responsável por 70% da produção brasileira de citros.

No inicio dos estudos, Natália (cr- ava seu mestrado em horticu

sobre do ior furtgos do gênero Colleto- ■m frutos como abacate, ba-

nana, goiana, manga, m; cuja e morango. Com o mestrado, ela se voltou pai

o mesmo 1997 e 1998, Souza

e iMatali;-

dar o ciclo da doença para saber a ir estratégia de controle. Para rea- i pesquisa, foi instalada, então, .'stação meteorológica para cole- dados climáticos de chuva, tem- ira e molhamento foliar, que en-

tar os dados climatu peratura e molhame

a radio pan

computadorizada. No período de ju- nho de 1999 a julho de 2002, Natália dedicou-se á pesquisa que resultou no Sistema de Previsão e Controle da Po- dridão floral dos Citros. Em 1999, ela

72 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

viajou para os Estados Unidos, onde fez estágio de um mês na Universidade da Flórida, na cidade de Lakc Alíred, com o professor Lavem Wayne "Pele" Tim- mer, um c alistas em

De volta ao Brasil, Natália fez os ex

laçòes de [tapetininga e nos po- mares da flórida. No trabalho,

a doença era fundamental fazer

certo. A presença da podridão varia de ano para ano, de acordo com a coincidência ou não tias chuvas durante o

das plantas. 0 fungo pre

tias flores paia se reproduzir.

servados entre quatro e cinco dias após a infeçção. "As fontes

.ulaçao sao as células re oras produzidas nas peta

s doentes, disseminadas para as flores sadias poi va. No período en oradas, o

nas tomas e nos cálices (a parle tia flor que vai

dincuitand

di/ a pesquisadora. "A po )voca lesões de coloração

rosco aiaraniai

aos ramos. conhecido

Evolução na análise -

iies no combate a podridão

o fungicidí

à doença. is pulverizações de

Mas nem sempre essa

sso, em alguns anos, iiuaniio i disseminação do fungo, as pulveriza- ções podem ser exiladas."

O sistema de controle ile Natália baseou-se

Flórida que indica a necessidade e ó momento ideal de aplicação de fungici- das. Esse modelo norte-americano leva em consideração o número de flores infectadas em 20 árvores, a quantidade total de chuva nos últimos cinco dias e o número de horas de molhamenlo lo-

Flor de laranjeira: fungo provoca lesões nas pétalas e queda dos frutos

liar após zado por >s produtores ua ru

ri/açao", diz a pesquisadora. O novo sistema desenvolvido p

Natália, em parceria com os pesquis dores Lavem Timmcr, I loward Becl- Soonho Kim, ila Universidade da II

.Ido /'<>>'//>

s nos Morai

0 PROJETO

Epidemiologia e Controle de Colletotricjwm acutatum, Agente Causai da Queda Prematura de Frutos Jovens em Citros

MODALIDADE

ar de Auxilio a Posei

COORDENADOR Sou/A Unesrj

INVESTIMENTO

R$ 21.538,25 o US$ 8.710,00

e Fungicide App

te leva em consideração

ano, mas

estagio e a o e a intensidade das iiorauas, o icó da doença no pomar, a varie- dade dos citros, além de fatores

ora ile época e favorecem

go. Após a seleção de todos os parâmetros, por meio de jane- las de múltipla escolha, o siste- ma calcula o valor de risco de ocorrência da doença e gera uma recomendação para pulve-

Umidade controlada - O siste ma ia foi testado nos último:

o-se com o modelo onda c com outros tipos

se período, se lundo a

foi indicada

recursos para os produtores. V.

/as na epidemiologia d.

doença, "fi prei chuva e tio nu

ou ainda, dependendo d.

ações climáticas dos

um simples

ou.ir pode ser estimado

íos-doutorado no Mis o de Xio rauio, onde es-

nas ilos citros que nos Estados Uni

e da 1'iorn

ide, onde prestou concurso ile 2003 e foi escolhida, entre

0 i.mdidalos, par. raneo e lecionar na

PESQUISA FAPESP 95 ■ JANEIRO DE 2004 • 73

ITECNOLOGIA

Ingredientes de ração: análise garante criação de novas espécies Ração sob medida

Estudo desenvolve sistema de análise de alimentos para peixes e camarões

Com o propósito de deter- minar o potencial para a criação comercial de espé- cies aquáticas a partir da capacidade de digestão de

alimentos industrializados de cada ani- mal, o Instituto Oceanografia) da Uni- versidade de São Paulo (IO-USP) de- senvolveu um sistema de análise para controlar a qualidade das rações e seus ingredientes, baseando-se em aspectos fisiológicos e bioenergéticos de peixes e de camarões. Com o estudo pronto, o professor Daniel Eduardo Lemos, co- ordenador da pesquisa, busca transferir a tecnologia em parcerias com criado- res, que poderão ter a identificação mais apropriada das rações, e fabrican- tes, para incrementar alternativas de formulação e controle de qualidade. Na aquicultura, a ração representa até 60% dos custos variáveis.

A técnica empregada para determi- nar a alimentação mais apropriada consiste em analisar, por meio de uma reação bioquímica, a digestibilidade das proteínas, componentes mais im- portantes da dieta de crustáceos e de peixes marinhos. Por meio de uma rea-

ção in vitro, simula-se a digestão da proteína pelas enzimas coletadas do animal. Esse processo provoca ruptu- ras nas ligações entre os aminoácidos. Quanto mais rupturas, maior a diges- tão do alimento. "Também medimos a quantidade de nutrientes expelidos nas fezes, porque quanto mais alimento perdido menos digerível e apropriada é a ração", diz Lemos. Com isso, determi- nam-se a qualidade do produto e a ab- sorção do alimento pelo animal.

0 PROJETO

Bioenergética, Fisiologia Digestiva e índices de Condição Durante a Ontogênese do Camarão-rosa Farfantepenaeus paulensis e do robalo-peba CCentropomus parallelus.)

MODALIDADE Programa Jovem Pesquisador

COORDENADOR DANIEL EDUARDO DE LEMOS - IO-USP

INVESTIMENTO R$ 239.585,20 e US$ 23.342,00

O estudo que resultou nesse sistema começou com um projeto do Progra- ma Jovem Pesquisador, da FAPESP, para dar novos subsídios à criação do camarão-rosa (Farfantepenaeus pau- lensis), espécie comum em grande par- te do litoral brasileiro e que foi criada em cativeiro principalmente nas déca- das de 1980 e 1990. Segundo Lemos, as criações desse camarão foram preteri- das essencialmente pela dificuldade em alimentar o animal de forma adequada. Nesse período, o camarão-branco do Pacífico (Litopenaeus vannamei) ga- nhou mercado por engordar mais com as rações comerciais. Hoje, ele é cultiva- do em larga escala no Brasil {veja Pes- quisa FAPESP n° 92).

A chave para viabilizar a produção industrial do camarão-rosa pode estar no fato de essa espécie ser mais carní- vora, necessitando de um índice maior de componentes de origem animal em sua alimentação. Ocorre que, em razão do custo, os produtores de rações estão substituindo a farinha de peixe, um dos principais ingredientes desse tipo de alimento. "A substituição é por farinhas vegetais que podem ser importantes para o desenvolvimento sustentado da produção, embora seu uso dependa das necessidades nutricionais das espécies", diz Lemos. Outro aspecto abordado pe- lo pesquisador é a capacidade de libera- ção de nitrogênio pelo processo diges- tivo do camarão. A proteína das rações, caso não seja absorvida, acaba despeja- da no ambiente, liberando nitrogênio, que pode alterar negativamente o am- biente marinho. "Ao utilizar alimentos de baixa qualidade, o criador pode ter como resultado, além do menor cresci- mento das espécies, maior poluição re- sultante do processo de cultivo."

A metodologia desenvolvida e os conhecimentos obtidos no IO-USP são aplicados a qualquer espécie de ca- marão e também de peixes. Por isso, Lemos realiza estudos com grupos do México, envolvendo camarões, e da Espanha, com peixes. "Com isso, espe- ramos uma expansão da produtivida- de da aquicultura", finaliza o pesquisa- dor, que já iniciou também estudos para a criação em cativeiro do robalo- peba (Centropomus parallelus), outra espécie brasileira. •

74 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQ.UISA FAPESP 95

ITECNOLOGIA

QUÍMICA

Padrão mundial Quimlab é a empresa do ano em incubadoras pela produção de produtos químicos inéditos no país

Uma pequena empresa, com 17 funcionários, que fatura R$ 1 milhão por ano, fornecendo pro- dutos químicos para em-

presas como Rhodia, Petrobras, Ko- dak, Mercedes-Benz, General Motors e Votorantim, além da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e da Companhia de Saneamen- to Básico do Estado de São Paulo (Sa- besp). Esse é o perfil comercial da Quim- lab, empresa instalada na Incubadora Tecnológica da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), de São José dos Cam- pos, que ganhou o prêmio de Empresa Incubada do Ano de 2003, em eleição promovida pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendi- mentos de Tecnologias Avançadas (An- protec), entidade que reúne incubado- ras e parques tecnológicos no país.

Por trás desse sucesso está o reco- nhecimento à inovação de uma empre- sa que desenvolveu e produz, de forma inédita no país, padrões químicos ela- borados sobre critérios metrológicos. São substâncias de uso industrial em- pregadas para calibração de instrumen- tos que medem parâmetros como pH, condutividade iônica ou concentração de metais, por exemplo, em análises nas quais se verifica a presença de chumbo ou ferro em um alimento. Nesse último caso, os padrões servem para calibrar os equipamentos que realizam análises por espectrofotometria, ou análise de ele- mentos químicos em um material atra- vés da emissão ou absorção de luz. As- sim, a Sabesp, por exemplo, usa um produto da Quimlab para verificar a acidez da água. A Petrobras investiga a presença de chumbo e enxofre na gaso- lina e as montadoras de veículos fazem o controle de qualidade do aço utilizado

Soluções: calibrar equipamentos de análise

por elas, verificando, por exemplo, a pre- sença de cobre, zinco ou ferro nas cha- pas que compram das siderúrgicas. Por sua vez, a Kodak analisa a qualidade das matérias-primas que usa para fabricar filmes de raios X e papel fotográfico.

0 PROJETO

Laboratório de Metrologia Química

MODALIDADE Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR NíLTON PEREIRA ALVES - Quimlab

INVESTIMENTO R$ 71.716,00 e US$ 149.878,00

"Essa preocupação com a qualidade está presente nas em- presas certificadas pela norma ISO 9000, que contempla a neces- sidade de as medições realizadas no processo produtivo estarem rastreadas a padrões reconheci- dos internacionalmente", afirma o químico Nilton Pereira Alves, diretor da Quimlab. A monta- gem da empresa, mostrada em Pesquisa FAPESP n° 55, iniciada em 1997, exigiu a importação de grande quantidade de padrões químicos do National Institute of Standards and Technology (Nist), referência nessa área em todo o mundo que atua de for- ma semelhante ao Instituto Na- cional de Metrologia, Normati- zação e Qualidade Industrial (Inmetro) no Brasil. "Trouxemos os protótipos que serviram pa- ra desenvolver e avaliar a nossa produção de acordo com as ne-

cessidades da indústria brasileira", diz Alves. "Se não fosse o investimento da FAPESP, não teríamos conseguido mon- tar a empresa e nem ganho o prêmio." A Quimlab deve mudar para uma sede definitiva, numa fase pós-incubação, quando estiverem terminadas, no final de 2004, as instalações do Parque Tec- nológico Univap.

Ao lado da Quimlab, no prêmio da Anprotec, estiveram a Incubadora Mu- nicipal de Empresas de Santa Rita do Sapucaí (MG) como a Incubadora de Base Tecnológica do Ano, pelo traba- lho realizado nas áreas de tecnologia da informação, e a Polymar, de Fortale- za (CE), eleita a Empresa Graduada (que deixou a incubadora), pelo desenvolvi- mento e produção de alimentos funcio- nais e suplementos alimentares. •

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[TECNOLOGIA

INDUSTRIA FARMACÊUTICA

Dose semanal

Empresa adquire da UFMG o direito de produzir anti-hipertensivo com técnica de liberação controlada de fármaco

O sonho de todo hipertenso - manter a pressão arterial sob controle com pouco remédio - está próximo de se tornar realidade. A novi-

dade é a ingestão de apenas uma dose de medicamento anti-hipertensivo por se- mana para se livrar dos males da hiperten- são, doença que causa sérias deficiências funcionais no sistema cardiovascular e atinge cerca de 20% da população mundial. A composição do fármaco, desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), está na fase de testes pré-clíni- cos que dentro de seis a oito meses darão lugar a testes clínicos, quando centenas de voluntários, sob severa supervisão médi- ca, testarão o novo medicamento. Se apro- vada, a droga vai se transformar em uma novidade mundial. A boa expectativa mé- dica e comercial está no caminho da futu- ra fabricante, a Biolab-Sanus, empresa de capital nacional que adquiriu o direito de produzir e comercializar o medicamento sob proteção de patentes nacional e inter- nacional e agora financia os testes pré-clí- nicos e clínicos. Para a UFMG, esse é o primeiro contrato de transferência tecno-

lógica para a indústria farmacêutica base- ada em patentes e royalties.

Tanto um dos coordenadores do pro- jeto na UFMG, professor Rubén Sinister- ra, do departamento de Química, quanto o diretor técnico-científico da Biolab-Sa- nus, Dante Alário Júnior, acreditam que o medicamento estará na prateleira das far- mácias dentro de três anos. O rápido tem- po de aprovação, normalmente maior nesses casos, está no fato de o medicamen- to não conter um novo principio ativo ou molécula inédita, e sim o uso de tecnolo- gias modernas de encapsulamento mole- cular. A novidade está na composição do invólucro do principio ativo, esse um ve- lho conhecido de médicos e pacientes que ainda não pode ter o nome revelado.

A fórmula desse novo medicamento foi obtida por meio da tecnologia de en- capsulamento molecular, um sistema de liberação controlada do fármaco no orga- nismo, que, no caso deste anti-hipertensi- vo, permite que a mesma quantidade da dose diária do medicamento tradicional atue no organismo por até uma semana, reduzindo a ingestão para apenas um comprimido a cada sete dias. Para os hi-

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pertensos, além do conforto de não to- mar remédio diariamente, a menor quantidade de droga no organismo re- duz os eventuais efeitos colaterais.

O encapsulamento do fármaco é feito com uma substância formada por moléculas de glicose, chamada de ciclo- dextrina, que apresentam em seu inte- rior uma cavidade hidrofóbica (que re- pele a água) capaz de conter o princípio ativo. Uma das possibilidades dos pes- quisadores é concluir o medicamento com um composto de inclusão (ciclo- dextrina mais o fármaco) microen- capsulado em um suporte formado por polímeros biodegradáveis de última ge- ração derivados dos ácidos glicólico e lático, que se dissolvem aos poucos no organismo. Segundo Sinisterra, o en- capsulamento altera as propriedades fí- sico-químicas e biológicas do princípio ativo, proporcionando a proteção ne- cessária para manter a estabilidade do fármaco e permitindo a lenta absorção da droga pelo organismo.

Uma das funções das ci- clodextrinas é levar o fármaco até o cólon (in- testino grosso), onde ele interage e atravessa aos

poucos a membrana gastrointestinal pa- ra, depois, cair na circulação sangüínea. A diferença da nova formulação com os fármacos tradicionais está na liberação lenta e constante durante a passagem pe- lo intestino. A pouca absorção e a rápida eliminação é um dos principais proble- mas nas formulações convencionais. No sistema de liberação controlada, o apro- veitamento do fármaco é muito melhor.

A inovação foi desenvolvida em conjunto pelos pesquisadores Rubén Dario Sinisterra e seu aluno de douto- rado Washington Xavier de Paula, do Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas (ICEx), e Robson Augusto Souza dos Santos e Fredéric Frézard, professores do Departamento de Fisiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). Para a universidade, o processo de transferência de tecnologia foi também inovador. Segundo Sinis- terra, este contrato é um marco nas re- lações entre a universidade e a indústria farmacêutica brasileira. "Em termos de negociação, talvez essa não seja a me- lhor ou a mais vantajosa, mas é a mais importante porque foi a primeira. É uma novidade no Brasil", afirma o pro-

fessor. O diretor técnico-científico do Biolab-Sanus, Dante Alário Júnior, dis- se que se "surpreendeu positivamen- te" com a agilidade e a maturidade da UFMG nessa negociação. E, para ele, o fato deve ser comemorado também pela indústria. "Que eu saiba, será a pri- meira vez que um medicamento com tecnologia desenvolvida por uma uni- versidade brasileira e produzido pela indústria farmacêutica nacional chega- rá como inovação no mercado externo. Nós exportamos sim, mas concorre- mos apenas pelo preço e nunca pelo di- ferencial tecnológico", revela.

Universidade e empresa guardam si- gilo sobre detalhes da tecnologia desen- volvida e da negociação. Os envolvidos evitam falar em valor porque acreditam que isso ajuda a preservar o sucesso deste contrato pioneiro. A pesquisa foi custeada pela própria UFMG, por meio da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep). O contrato com a Biolab prevê, entre outros itens, o reem- bolso do que foi gasto pela universidade e o pagamento de royalties sobre o fatu- ramento líquido das vendas do medica- mento. Os recursos serão distribuídos em três partes iguais, sendo uma para a instituição, outra dividida entre as duas unidades que participaram da pesqui-

sa, ICB e Icex, e a terceira rateada entre os quatro pesquisadores envolvidos no projeto. O acordo foi realizado por meio da Coordenadoria de Transferên- cia e Inovação Tecnológica da UFMG.

Robson Santos, coordenador do la- boratório de Hipertensão do ICB, fala com entusiasmo sobre a experiência. "Foi uma união muito feliz," diz. No La- boratório de Química dos Compostos de Inclusão e Biomateriais, coordenado pelo professor Sinisterra, foi desenvolvi- do o sistema de liberação controlada do fármaco, e no de Laboratório de Hiper- tensão, onde se estudaram os mecanis- mos neurais e hormonais envolvidos no desenvolvimento e na manutenção da elevação da pressão arterial foram rea- lizados os testes pré-clínicos (em ratos) utilizando a telemetria. Esse sistema de controle é realizado por meio de um ca- teter implantado no rato para a trans- ferência dos sinais da pressão arterial pa- ra um computador, sem a manipulação e o conseqüente estresse do animal. "Até então, nós nem nos conhecíamos", diz o médico fisiologista. Santos é presi- dente da Sociedade Brasileira de Fisio- logia, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão e membro do corpo editorial da revista Hypertension, da American Heart Association.

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O Colombiano Rubén Dario Sinis- terra chegou ao Brasil em 1989 para fa- zer doutorado no Instituto de Química da USP. Depois, se transferiu para Belo Horizonte e, desde 1993, é professor na universidade mineira.

A apr< A do A-

aproximação dos pesquisa- dores da UFMG com a em- presa se deu com a inter- mediação do Centro de Toxinologia Aplicada

(CAT), um dos dez Centros de Pesqui- sa, Inovação e Difusão (Cepids) finan- ciados pela FAPESP. A apresentação do sistema de microencapsulamento foi feita no ano passado em um seminário promovido pelo CAT em São Paulo. "Fizemos a ponte entre os colegas de Minas e a empresa que já conhecía- mos", afirma o professor Antônio Car- los Martins de Camargo, do Instituto Butantan e coordenador do CAT. A Bio- lab, junto com outra empresa do mes- mo grupo, a União Química, e a Bio- sintética, que formam o consórcio Farmacêutico Nacional (Coinfar), fi- nanciam o desenvolvimento de outro anti-hipertensivo, também com a par- ticipação dos pesquisadores da UFMG, que tem como princípio ativo uma subs- tância chamada de Evasin, extraída do

veneno da jararaca e identificada pelo CAT. "Essa é uma nova molécula que exige um maior número de testes até se transformar em medicamento. Come- çaremos os testes clínicos em meados deste ano com boas perspectivas por- que todos os experimentos feitos até aqui foram muito positivos."

No trabalho realizado pelos pesqui- sadores na UFMG, o novo medicamen- to foi testado em ratos hipertensos, convencionais e transgênicos. O pes- quisador Robson explica que é impor- tante testar os dois modelos porque a doença nos ratos naturalmente hiper- tensos e nos transgênicos, desenvolvi- dos para estudo de doenças cardiovas- culares, tem mecanismos diferentes. Todas as ações do fármaco no orga-

0 PROJETO

Encapsulamento Molecular de Fármacos Anti-hipertensivos

COORDENADORES RUBéN DARIO SINISTERRA

ROBSON AUGUSTO SOUZA DOS SANTOS

e FRéDERIC FREZARD - UFMG

INVESTIMENTO Não divulgado

nismo foram testadas e demonstradas com bons resultados.

Os testes pré-clínicos em escala la- boratorial concluíram que, no organis- mo dos ratos, a nova formulação do me- dicamento permaneceu entre três e sete dias. O sistema de telemetria possibilita monitorar os parâmetros cardiovascu- lares (pressão arterial e batimentos car- díacos) por períodos de até seis meses, continuamente. Esses testes compro- varam o conceito, ou seja, a eficácia do composto. "Mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exige mui- to mais para licenciar, certificar e auto- rizar a comercialização de um medica- mento", explica Dante Alário, da Biolab. Ele disse que a empresa ainda fará tes- tes pré-clínicos complementares, de toxicidade e outros, e em maior escala, por cerca de oito meses. Só então co- meçarão os testes clínicos, com huma- nos, que devem durar cerca de dois anos e meio, quando se saberá com cer- teza o tempo de permanência do fár- maco no organismo.

Bom preço - Embora ainda faltem al- gumas etapas para que o remédio seja produzido em escala industrial, Dante Alário garante que a Biolab vai conse- guir aliar qualidade com bom preço. "Pelo ineditismo, somos obrigados a dispor de mais recursos até o produto ficar pronto. Mesmo com a necessidade de amortizar esses custos, acredito que conseguiremos colocar no mercado um medicamento que será farmacológica, terapêutica e economicamente interes- sante para o consumidor."

No mundo inteiro, a rotina dos hi- pertensos que sabem que têm a doença inclui uma dose diária de medicamen- to para manter a pressão arterial em ní- veis normais. A doença é "democrática", silenciosa e atinge pessoas de todos os continentes, raças e classes sociais, es- pecialmente após os 55 anos de idade. Em pelo menos 90% dos casos, as cau- sas, por não serem identificáveis, são consideradas multifatoriais, e, por isso, trata-se o sintoma. Já as conseqüências são bem claras. A hipertensão arterial muitas vezes só é percebida quando o doente é surpreendido por uma grave doença coronária ou um acidente vas- cular encefálico, que causam morte ou transformam negativamente a vida de milhões de pessoas, muitas vezes por negligência com o tratamento. •

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HUMANIDADES

HISTORIA

Modernos na marra Livros mostram como elites implementaram civilização no Rio de Janeiro e em São Paulo

CARLOS HAAG

Diz um velho ditado que "a pena é mais forte do que a espada". Mas é difí- cil acreditar nisso quan- do pensamos no Brasil

no início de sua fase pós-monárquica, com Deodoros e Florianos, de espada em punho, introduzindo goela abaixo do país a modernidade e a civilização nascida de um salto com a República. O ditado, no entanto, ganha uma dose de verdade quando se lê Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República, de Ni- colau Sevcenko, sua tese de doutorado, escrita nos anos 1980 com o apoio da FAPESP e agora relançada pela Com- panhia das Letras em versão revista e ampliada. A leitura do estudo, que mostra como as elites puseram abaixo edifícios e ideais no Rio belle époque, ganha como pendant ideal o recém- lançado A capital da solidão (Editora Objetiva, 560 páginas), de Roberto Pom- peu de Toledo, uma história de São Pau- lo das origens a 1900. A comparação está nas diferenças: embora trajetórias es- truturadas de forma tão diversa, ambas as cidades tentaram inserir a moderni- dade na marra, numa tentativa de rene- gar o passado e sufocar o que havia de "incivilizado": a massa popular.

Nas duas metrópoles verificamos o mesmo desejo de, como observa Sev- cenko, "ajustar suas contas com o pas- sado, conduzindo uma reforma urbana encabeçada, como sempre, pela aliança entre a elite econômica e a elite técnico- científica, da qual não restou nenhum resíduo dos tempos coloniais". Cada ci- dade dissecou o fenômeno comum a sua maneira: São Paulo com a Semana de 22 optou pela celebração de um pas- sado mítico pré-histórico, com as vis- tas para o futuro, esquecida do presen- te estropiado pela modernidade; já o Rio teve a sorte de contar com "mos- queteiros" das letras, escritores idealis- tas que não engoliram a pílula civiliza- tória e acreditavam no poder da pena, segundo análise de Sevcenko.

Euclides e Lima Barreto - Daí, a tese do pesquisador, centrada em dois críti- cos, diferentes entre si, mas unidos con- tra a República toda-poderosa e "ino- vadora": Euclides da Cunha e Lima Barreto. "Os dois eram herdeiros inte- lectuais da 'geração de 1870', cuja pla- taforma propunha a modernização nacional, mas pela eliminação de seus grandes entraves: a escravidão, a domi- nação política por um pequeno grupo de latifundiários e um regime centralis-

ta, autocrático e defasado com as recen- tes transformações científicas. Para eles, isso ajudaria a criar uma sociedade de- mocrática, equilibrada, moderna e justa no Brasil", diz Sevcenko.

Tudo o que a nascente República pa- recia prometer. "Eles, porém, tinham a convicção de que, em vários aspectos, a sociedade conservadora e arcaica do Império parecia mais avançada do que o regime discricionário, brutal, repres- sivo e reacionário paradoxalmente im- plantado pelo republicanismo", conti- nua o pesquisador. Euclides e Lima Barreto desconfiavam dos "reforma- dores apressados" do novo regime, em verdade, uma camada de arrivistas que trazia consigo disposições discrimina- tórias e anti-sociais. Em meio a um mar de elogios, os dois tiveram a ousadia de ser voz dissonante e fazer da literatura não apenas arte, mas um instrumento de mudança, moldado pelos novos tem- pos e que deveria, por sua vez, moldar esses tempos.

"Durante todo o século 19 até a Pri- meira Guerra, a literatura representava a principal arena da opinião pública nas sociedades capitalistas do Ociden- te. No caso do Brasil, com uma maioria esmagadora de analfabetos, a opinião pública e os círculos decisórios afeta-

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Morro do Castelo, destruído em 1922: elites temiam aglomeração

São Paulo: no fim do século 19 cidade começou a adquirir ares de metrópole

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Rio a beira-mar: cidade se concentrou ao longo da orla marítima

dos se concentravam numa minoria, em cujo interior, porém, o papel de in- telectuais e escritores era de reconheci- da relevância", explica Sevcenko. "Pou- cas vezes a criação literária esteve tão presa à própria epiderme da história tout court"

Eram divididos, entretanto, em suas visões do que era melhor para o país. "Para Euclides, tratava-se de redistri- buir a renda gerada pelo setor cafeeiro, transferindo-a para a promoção eco- nômica do interior do país. Para Lima, ao contrário, era preciso desestimular e desativar o setor cafeeiro, o qual era mantido artificialmente à custa do pre- juízo social e econômico de todo o país", observa o professor. Euclides pre- feria o capital e o imigrante estrangei- ros, enquanto Lima defendia recursos e trabalho nacionais.

De qualquer maneira, identifica- vam-se, ao contrário da maioria de seus colegas de letras, com as camadas mar- ginalizadas pela modernidade à força. "Isso, embora fossem premidos entre a massa e a elite. Contemplavam o gover- no a partir da perspectiva do homem das ruas ou do campo, ao mesmo tem-

po que encaravam esse homem como alvo de projetos de reforma política e social. Vivendo como pacientes, refle- tiam como agentes", nota Sevcenko. A literatura vira missão. "Esses dois con- juntos de textos permitem entrever a produção literária, ela mesma, como um processo homólogo ao processo histórico, seguindo, defrontando ou negando-o, porém referindo-o sempre na sua faixa de encaminhamento pró- prio. A literatura aparece como uma instituição, no sentido de que a pró- pria sociedade é uma instituição, na medida em que implica uma comunida- de envolvida em relações de produção e consumo", analisa o autor.

0 "mosqueteiro" Machado - Dessa forma, segundo Sevcenko, o poeta tem uma missão mais complexa do que o cientista, o técnico ou o governante, pois "através de suas obras eles propug- nam caminhos e meios concretos para a remissão do homem simples, aviltado em sua humanidade" pelo novo pro- gresso imposto que lhes nega existên- cia e inserção. Na nova edição de seu livro, o pesquisador acrescentou um sa-

boroso posfácio que incluiu um inusi- tado "mosqueteiro": Machado de Assis, cuja atuação é analisada a partir de um conto, Evolução. Nele, Benedito, fazen- deiro de café, se encontra, num trem, com Inácio, empresário e engenheiro, que lhe anuncia: "O Brasil é como uma criança que está engatinhando e só co- meçará a andar quando tiver muitas es- tradas de ferro". Benedito se encanta com a sentença de Inácio, para, ao lon- go do conto, chegar ao fim todo feliz com a sua idéia. A velha elite, esperta, sabe, como se vê por Benedito, que "a alternativa proposta por Inácio (a nova elite do país, tecnocrática e republicana) permitiria reordenar o quadro social e econômico em favor da continuidade de seus privilégios". Ou, nas palavras do sobrinho do protagonista de O Leopar- do, de Lampedusa: "Tudo deve mudar para continuar o mesmo".

"Machado, ao contrário dos escri- tores mais jovens que desejavam atacar as convenções literárias, sabia operar à vontade no interior delas, corroendo-as por dentro, com sua escrita reflexiva e autoconsciente. Bastava suspeitar dos valores dominantes. Ou, como ele mes-

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IMPERIAL C1D_A03DÍ. tf

JS&&' .£ São Paulo, 1870: paulistanos tinham fama de grosseiros

mo dizia: 'Tudo, meus amigos, menos ser empulhado'", conta Sevcenko. Se- gundo o pesquisador, o bruxo do Cos- me Velho desconfiava tanto do velho latifúndio quanto das novas elites cien- tíficas, indo além dos seus colegas "mosqueteiros" Euclides e Lima. "Para ele, os arautos do progresso se torna- vam os algozes de uma sociedade em mudança. Por meio de sua simbiose es- púria com as camadas dominantes, os agentes da ordem', essa elite esclarecida bloqueou as alternativas de projetos democráticos ou de promoção social."

Não sem razão, foi a República Velha o primeiro governo, como nota Carlos Lessa em seu O Rio de todos os Brasis (Editora Record, 496 páginas), a cuidar do "embelezamento" do Rio, com o "Bota-Ababco", o prefeito Pereira Passos. "Mas a fúria construtiva da grande reforma urbana do Rio assina- laria as práticas de segregação espacial, discriminação étnica e exclusão social, típicas da Regeneração. O Bota-Abaixo ensejou ali a instalação de um cenário eclético e art noveau rigorosamente modelado no urbanismo das grandes capitais européias", diz Sevcenko. Era o

Rio do progresso, dos brasileiros "mo- dernos e de cabeça erguida" diante dos visitantes estrangeiros, a imagem viva da "evolução". São Paulo, alguns anos mais tarde, fará o mesmo com as suas feições pela mão do arquiteto Ramos de Aze- vedo, tentativa de esconder o passado arcaico e lento da "capital da solidão", nota Pompeu de Toledo.

A mbas as cidades, no começo, i^L compartilharam o desinte- L^^ resse dos colonizadores pe- i ^L Io seu espaço físico. Em

~X- .^L. São Paulo, escolheu-se a via difícil da subida do planalto, onde há tempos os índios estavam estabele- cidos e, com eles, um português, João Ramalho (de certa forma, um curioso "pai dos paulistas"). Lá no alto, Martim Afonso de Souza pensava estabelecer, após São Vicente, um posto avançado para penetrar o interior em busca das riquezas da prata. São Paulo acabaria por dever sua existência a um padre ga- go e purista, Manoel da Nóbrega. "Ele tinha em mente uma imensa utopia. Queria trazer todo um mundo novo para o reino de Deus e da Igreja. Arran-

cá-lo do pecado original, convencê-lo do que considerava 'a verdade'", obser- va Toledo. Caiu de amores pelo posto no topo do planalto, longe o bastante da "perdição" de São Vicente e dos eu- ropeus. Lá poderia trabalhar os índios em paz e fundar "uma nação teocráti- ca". Começou como gostava: criando um colégio, inaugurado em janeiro de 1554, onde surgiria o "mundo imacu- lado". Contou com a ajuda de um pa- dre noviço, de 19 anos, José de Anchie- ta, cuja constituição física, enfermiça, o levou aos "bons ares" do Brasil. "Na al- deia entre o Tamanduateí e o Anhanga- baú, situada no limite do sertão ignoto, e com freqüência assediada por hordas de índios, as tônicas eram pobreza e isolamento", diz Toledo. Faltava tudo: cadeia para trancar criminosos, prédios decentes, até mesmo camas.

O isolamento trouxe ao espírito de seus habitantes um horror à interferên- cia das autoridades do reino, uma "vir- tual rebeldia da longínqua povoação do planalto". As bandeiras, com sua busca de mão-de-obra escrava indíge- na, tampouco ajudaram a dar docilida- de ou extroversão ao caráter do paulis-

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Rua do Ouvidor; no Rio: alguns escritores tentaram deter "modernidade na marra"

tano: "O caudilho ambulante que era um chefe de bandeira era também um caudilho sedentário, no^itervalo das viagens", nota Toledo. Os índios captu- rados por esses exércitos liderados por paulistas, mas composto por índios, serviam como força de trabalho para que a incipiente vila pudesse comerciar produtos agrícolas com os centros mais ricos do litoral. A vila, aliás, era um cen- tro que não servia como tal, pois seus habitantes preferiam se isolar num co- lar de chácaras, sítios e fazendas que, no todo, se constituíam na São Paulo do século 17. "Os paulistas são gente desal- mada e rebelde, que não faz caso nem das leis do Rei, nem das de Deus. É um ir e vir, trazer e vender índios", notou um observador da época sobre a má fama dos moradores da vila.

Ao contrário do Rio, com seus ne- gros por todos os cantos, São Paulo convivia com índios, comia como eles e até vivia em redes. A própria geografia ampla do planalto permitiu que se pu- desse viver isoladamente entre os seus iguais. Já a estreiteza da faixa litorânea onde está o Rio criou bairros que se ali- nham com as rochas como um colar de

pérolas: cada uma delas contém um microcosmo que reúne pobres e ricos, forçados a conviver da melhor forma possível. São Paulo permitiu, desde ce- do, o isolamento e a estratificação: no início do século 20, por exemplo, para fugir das condições precárias de higie- ne do centro, os ricos puderam subir para os Campos Elíseos, para Higienó- polis e para o platô, onde se construiu a Avenida Paulista. Cada um em seu lu- gar, isolado dos outros.

Mas isso são outros tem- pos. Até o século 18, mesmo com a des- coberta paulista dos veios de ouro das Mi-

nas Gerais, a pasmaceira era a tônica da cidade do planalto, piorada com a ida em massa dos habitantes em busca de riquezas no interior. "Ao longo do tem- po, a cidade cumpria o destino de, ao povoar o Brasil, plantando vilarejos ao longo e ao fim dos caminhos em que se aventuravam os seus habitantes, despo- voar-se a si mesma", explica Pompeu de Toledo. Detalhe: as mulheres que fica- vam na cidade, segundo um viajante

inglês, "eram anêmicas e muito sérias". Já os homens, notou Saint-Hilaire, re- ceberam o observador francês "com uma grosseria que parece ser em toda parte de São Paulo um apanágio dos homens das classes inferiores". Mas, continua o viajante, "a localização da cidade é encantadora e o ar que ali se respira muito puro". Foi mesmo profé- tico: para ele, no dia em que Brasil co- meçasse a se industrializar, seria em São Paulo que o processo se iniciaria, obser- vou em 1819, ao mesmo tempo que co- mentou a praça de touros que a cidade possuía e muito o impressionou.

Uma previsão notável, dado o esta- do de incivilização da cidade em inícios do século 19, quando o Rio fervilhava de novidades e cultura. Foram os estu- dantes que mudaram pela primeira vez o rumo das coisas: Em 1827, São Paulo ganhou o privilégio de abrigar uma Academia de Direito. "Foi essa acade- mia, por mais modesta que fosse, que veio revitalizar-lhe a economia e trazer algum movimento às ruas. São Paulo, meio sem vocação desde que caducara o seu papel de ponto de partida das ex- pedições de conquista dos sertões, ga-

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Vista do rio Tamanduateí: para fugir das más condições de higiene,

ricos procuraram bairros altos

nhara nova atribuição e, em conse- qüência, nova personalidade", observa Toledo. Não foi fácil conquistar a insti- tuição, pois muitos criticavam o lin- guajar dos paulistas: "Se nas províncias há dialetos com seus defeitos, é reco- nhecido que o dialeto de São Paulo é o mais notável. Assim, a mocidade do Brasil, fazendo aí seus estudos, contrai- ria pronúncia mui desagradável", escre- veu o Visconde de Cairu. Os estudantes chegaram de todas as partes do país e as famílias paulistas, assustadas, se escon- diam ainda mais, fechadas nas casas. "As calçadas do inferno são mil vezes melhores que as de São Paulo e não há parte alguma mulheres que tenham sido mais virgens que ali", reclamou o estudante Álvares de Azevedo.

"A cidade era sendo puxada sempre para trás, pelo poderoso ímã do atraso", diz o autor. Mas veio o café. De início, no Vale do Paraíba, o que em nada aju- dou a reverter o quadro. Mais tarde, porém, São Paulo passou a receber os benefícios do progresso. Em 1865, che- gou o trem, ou melhor, o desastre de trem, pois a primeira viagem que che- garia na Luz terminou em descarrila-

mento. "São Paulo, a província, articu- lava-se num todo: economicamente em torno do café, fisicamente ao longo dos trilhos das estradas de ferro e politica- mente por interesses comuns que mul- tiplicariam a influência de sua elite no Império", avalia Toledo. Pouco centrada na mão-de-obra escrava negra, não sofreu tanto com a Abolição, ao menos economicamente. São Paulo preferiu ser a cidade dos estrangeiros. Não se pense que isso era sinal de progresso e justiça: os paulistanos usaram os imi- grantes não como novos povoadores (veja-se o modelo norte-americano, por exemplo), mas em substituição aos escravos.

Velhas e novas elites - A República pode ter acontecido no Rio, mas foi tra- mada em São Paulo e atendeu sobretu- do aos interesses dos paulistas, observa Toledo. O que se pretendia não era um país moderno, mas o federalismo que desse à província o que era da provín- cia: privilégios. A elite paulistana após pegar o poder econômico viu que pre- cisava do político. O arquiteto Ramos de Azevedo foi o Fídias da nova e prós-

pera Atenas. "Ramos de Azevedo, com seus edifícios monumentais, doou à ci- dade uma antigüidade novinha em fo- lha. Depois do café, do trem, das fábri- cas e do regime republicano, ele foi a cereja no bolo com que a elite paulista festejava sua vitória", resume Pompeu de Toledo.

Estamos de volta ao início: nesse momento, Rio e São Paulo destruíam seu passado "feio" a partir da aliança entre as velhas elites e as novas, técnicas e científicas. Enquanto, em 1922, São Paulo brincava que seu passado antro- pofágico e mitológico, no Rio, se punha abaixo o Morro do Castelo, onde viviam grandes populações negras e mestiças pobres. O modernismo, paulista e cario- ca, foi o marco decisivo para as estraté- gias de esquecimento dos tempos rene- gados. Todas essas forças antagônicas iriam se reunir na Revolução de 30, "mais uma crise histórica aguda equaciona- da pelo reencontro da ordem com o pro- gresso", observa Sevcenko. Agora não havia mais tempo para "mosqueteiros". O retrato do velho já estava na parede. De cariocas e paulistas. A pena não tinha mais chance com a espada. •

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I HUMANIDADES

, ^^^^ ou mais um português à ' ^L procura de coisa melhor." ^^^^ Não fossem de autoria de

^^k um lisboeta que se exilou no k W Brasil há meio século por ^^^^ causa de Salazar, essas pala- vras logo seriam interpretadas como forma poética de exprimir uma falha na auto-estima do povo lusitano. Ao se definir dessa forma, porém, o poeta e pintor Fernando Lemos acabou expres- sando um sentimento comum a um bocado de portugueses que, ao deixa- rem a antiga metrópole por causa de regimes ditatoriais do século 20, ajuda- ram a fazer as terras que, já se sabia no além-mar, há muito tinham deixado de ser colônia. Lemos fez parte de um gru- po de intelectuais portugueses que nunca se intitulou de "grupo". Mas que, agora, com o lançamento de A missão portuguesa - rotas entrecruzadas (Orga- nização de Rui Moreira Leite e Fernan- do Lemos, Edusc e Editora da Unesp, 235 págs., R$ 59), tem seu legado para a cultura brasileira revisto e classificado sob o conceito de "missão", termo apli- cado tradicionalmente aos professores franceses que formaram a Universidade de São Paulo (USP) e aqui empregado por Antônio Cândido para se referir também aos portugueses.

O livro conta com 26 artigos e 28 colaboradores, incluídos os organiza- dores, e discorre sobre 19 personalida- des como Carlos Araújo, Eduardo Lou- renço, Eudoro de Souza, Jorge de Sena, Vítor Ramos, Manuel Rodrigues Lapa, Fidelino de Figueiredo, Joaquim Bar- radas de Carvalho e outros. A história começa antes mesmo dos anos sala- zaristas, quando Sarmento Pimentel, após participar do contragolpe à di- tadura de Gomes de Costa, em 1927, decidiu exilar-se no Brasil. Por aqui, tornou-se presidente do Centro Repu- blicano Português e colaborador do jor- nal Portugal Democrático (PD), o qual, entre 1956 e 1974, foi a via de expressão dos antifascistas portugueses. Entre os colaboradores, estavam escritores, poe- tas, críticos e ensaístas, como Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, Castro Soromenho, Jorge de Sena e o próprio Fernando Lemos, todos perfi- lados no livro.

"A questão política foi realmente re- levante para essas personalidades. Em última instância, a única coisa que ha- via de comum em todos nós era o anti-

CULTURA

Uma missão portuguesa

com certeza A influência que um grupo de intelectuais lusos legou ao Brasil

RENATA SARAIVA

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salazarismo", relembra Fernando Le- mos, hoje com 77 anos, único sobrevi- vente ainda residente no Brasil. Num tempo em que a grande imprensa bra- sileira não compreendia o significado das ditaduras européias, Portugal Demo- crático tinha um papel didático. "Fo- mos diversas vezes criticados por fazer um jornal de esquerda, mas nem todos eram do Partido Comunista. Eu mesmo nunca agi efetivamente na política, a não ser em exposições de arte, por exemplo, para angariar fundos para parentes de exilados portugueses", diz Lemos. "Mas sempre tive atuação em eventos de esquerda, à distância o mais possível da direita."

Se nas páginas do PD estampavam- se as insatisfações políticas contra Sala- zar, nos circuitos culturais e acadêmi- cos brasileiros, os "missionários" de Portugal deixavam grandes contribui-

ções. Em 1954, durante as comemora- ções do IV Centenário de São Paulo, lá estavam eles, antecipando as festivida- des, que devem se repetir em 2004, com o aniversário de 450 anos da cidade.

Referência política - "O próprio Fer- nando Lemos veio para o Brasil para o IV Centenário e acabou ficando", relata Rui Moreira Leite, o outro organizador do livro. Um imenso painel de Lemos foi exibido no hall da Exposição de his- tória de São Paulo, organizada pelo his- toriador Jaime Cortesão, o mais mi- litante dos "missionários", tendo se exilado, antes do Brasil, na Espanha e na França. Além de referência política para os demais do grupo, Cortesão en- controu espaço, no Brasil, para escrever alguns dos trabalhos fundamentais da historiografia portuguesa moderna. Obteve apoio governamental para de-

Ilustração de Clóvis Graciano (à esq.) e de Jayme Cortez (acima) no livro Missão portuguesa

senvolver uma pesquisa fortemente ba- seada nos dados científicos relativos à navegação e, especialmente, na evolu- ção do conhecimento geográfico e car- tográfico.

Como Cortesão, a maior parte dos integrantes da missão portuguesa era formada por homens de letras - ensaís- tas e ficcionistas - que encontraram es- paço para trabalhar nas universidades brasileiras. "Por meio dos colegas é que me tornei professor de Artes da Facul- dade de Arquitetura e Urbanismo da USP, assim como de outras faculdades", lembra Lemos. "A universidade era o espaço que tínhamos para dialogar com a sociedade brasileira."

Assim, a primeira parte do livro é exclusivamente dedicada a alguns eventos acadêmicos em que, além de discussões sobre crítica literária, his- toriografia e outros assuntos, havia em- bates políticos implícitos. Os Colóquios Internacionais de Estudos Luso-Brasi- leiros - cuja 4a edição, realizada na Ba- hia em 1959, é comentada no livro - foram exemplos disso. A interferência direta da política do Estado ficou clara em 1954, quando a própria organiza- ção do segundo Colóquio foi proposta por Salazar, que se reservou o direito de indicar as personalidades partici- pantes. A pretensão, associada às co- memorações do IV Centenário de São Paulo, foi considerada por membros da comissão organizadora uma tenta- tiva de fortalecimento do salazarismo no Brasil. O que não deixava de con- tribuir para o confronto ideológico extraterritorial que portugueses exila- dos viviam no Brasil.

Enquanto no âmbito coletivo reina- va a insatisfação política, a expressão artística cuidava de dar seu recado so- bre a experiência do exílio, como se vê na obra de Carlos Maria de Araújo, considerado um "poeta do exílio" do grupo. Também Fernando Lemos teve sua obra poética interpretada como uma expressão do emigrado, principal- mente no poema A linguagem é apenas um processo, que diz: "Entrando mal dentro de um/ quadro, por exemplo, a gente pode cair num abismo/ alheio que/ não foi feito para as nossas que- das". "Nunca guardei um saudosismo de Portugal, embora tenha tido sempre presente o fato de ser um estrangeiro. E ser um estrangeiro português é diferen- te", diz Lemos. •

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■ HUMANIDADES

ARTES CÊNICAS

qran ^ família Pai de Vianinha, ator, diretor,

encenador e empresário Oduvaldo Vianna, ressurge em tese

CARLOS HAAG

O menino é o pai do homem: distor- ça um pouquinho o adágio ma- chadiano e você terá uma boa des- crição de como, ao contrário do esperado, as criações do filho ge-

nial podem, mesmo sem querer, colocar na som- bra a obra do pai talentoso. Oduvaldo Vianna Fi- lho, o Vianinha? Quem não conhece? Mas poucos se lembram de Oduvaldo Vianna (1892-1982), que, como o filho (este celebrado pela crítica), foi um prolífico autor teatral, além de ser, dos 16 aos 80 anos, tradutor, adaptador, diretor, en- cenador, empresário, professor e jornalista. Esse Vianna a crítica desprezou e o público esqueceu. Seu crime? Fazer rir. Mas sempre no espírito do Castigat, ridendo mores (rindo, castiga os cos- tumes): "Seu teatro se fixa no ouro e na riqueza como espelho da degradação humana", definiu Vianinha.

"Ele foi um divisor de águas, fez a ponte entre o teatro de comédia do século 19 (Martins Pena, Artur Azevedo, França Júnior) e a dramaturgia moderna, para influenciar gerações de atores, dramaturgos, diretores e produtores", afirma Wagner Martins Madeira, autor de Formas do teatro de comédia: a obra de Oduvaldo Vianna, tese de doutorado orientada por João Roberto Faria. "Oduvaldo transitou por várias mídias - jornalismo, rádio, teatro, televisão, cinema - e teve ascendência direta sobre Mário Lago, Lima Duarte, Dias Gomes e Walter Avancini entre ou- tros." Na tese, Wagner Madeira, além de revelar o valor artístico de Vianna e sua importância para a profissionalização e modernização da cena na- cional, resgata a obra do dramaturgo, incluindo vários de seus textos, hoje, desconhecidos.

Curiosamente, Vianna foi "massacrado" por aqueles que deveriam ser seus aliados. Os críticos modernistas, que avaliavam seu trabalho como "coleção de comediazinhas de costume", despre- zaram seu esforço (talvez por seu lado prático e pragmático) para nacionalizar o cenário teatral brasileiro. "Meu pai trouxe para o Brasil a primei- ra companhia que falava com prosódia brasileira e fazia um teatro dirigido exatamente à pequena burguesia que começa a desaparecer, às famílias que tinham choques", lembrou Vianinha num texto de 1960. "Durante a década de 1920, ele combateu a prosódia lusa nos palcos brasileiros. Sabia como ninguém fazer uso da linguagem co- loquial, base de seus diálogos primorosos. Acre- ditava no teatro nacional, pois estimulava, como encenador, o surgimento de novos dramaturgos. Destemido, levava à cena textos de autores bra- sileiros, mesmo que desconhecidos. Não tinha, portanto, uma postura colonizada no entendi- mento de que apenas o teatro europeu detinha a qualidade", defende Madeira.

Embalagem cômica - Sua pequena "revolução" foi feita com o riso. "Oduvaldo encontrou na co- média o veículo adequado para expressar as suas insatisfações e seus desejos de mudança da socie- dade brasileira. Diminuir o âmbito de atuação das comédias de costumes é compactuar com uma visão preconceituosa, em nome, às vezes, de uma visão eurocêntrica do mundo teatral", conti- nua o pesquisador. Vianna foi sábio o bastante para perceber que o público nacional estaria mais atento às suas farpas sociais se elas viessem numa embalagem cômica, mais verossímil do que o drama, já que mais próximo da nossa realidade.

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Laboratório não é moderninho, não. Vem do senhor Oduvaldo Vianna

testemunha Laura Cardoso

"A paixão nacional pela comédia existe, pois, historicamente, é como se o brasi- leiro, deserdado de cidadania, se desco- brisse cidadão ao vivenciar, como pro- tagonista ou espectador, uma situação cômica. Dá-se, então, um ajuste em que o 'fora de lugar' da política e dos costu- mes ganha uma espaço de representa- ção subversiva da nossa realidade pecu- liar", explica Madeira.

Um pequeno trecho de sua melhor obra, Amor, de 1933 (elogiada pela crítica severa do jornal O Estado de S.Paulo co-

mo capaz de causar "uma certa revo- lução nos velhos processos cênicos da comédia e o maior sucesso até então visto no teatro nacional"), dá o tom de Vianna. Numa cena, o personagem Ca- tão conversa com o sobrinho Artur, que lhe pede dinheiro emprestado. "Em- presto-lhe os vinte contos. Para garan- tia, basta-me a sua palavra...", diz Catão. "Obrigado, doutor...", responde, alivado Artur, apenas para ouvir o arremate do tio: "...E a hipoteca da casa". A peça, aliás, é um dos tópicos polêmicos da tese de Madeira e prova do pioneirismo cênico de Vianna. Escrita para a velha amiga e companheira de cena, Dulcina de Moraes, Amor era pura ousadia em tema e na representação. "Nota-se na peça a preocupação de fazer o teatro acompanhar a mobilidade do cinema, com o seguimento ininterrupto dos en- redos, e apresenta uma coisa nova para nós: o cenário dividido em cinco palcos. No tablado central ocorre um drama muito humano e corrente, com pince- ladas vivas para ferir a retina do públi- co, e nos quatro pequenos palcos que o circundam vão aparecendo detalhes e comentários à ação", observou o críti- co do Estadão.

Não é preciso remexer muito a me- mória para pensar-se em outra peça, de 1943, que foi considerada o marco da entrada da modernidade na cena brasi-

leira: Vestido de noiva, de Nelson Rodri- gues. "Nelson sempre disse que não se inspirara em outra peça para escrever sua obra, mas considero a influência de Amor sobre vestido de noiva inequívo- ca. Seria impossível, no Rio de Janeiro das décadas de 1930 e 1940, desconhe- cer a obra de Vianna. Nelson era jorna- lista e circulava pelo meio cultural. Ele inventou essa história de que não se inspirou em nada", afirma Madeira. "Dizer que Vestido de noiva nada deve nada a Amor é passar um atestado de ingenuidade. A crítica, ao chupar o Chicabon de Nelson, expele uma baba elástica e bovina", brinca o pesquisador.

E não foi a única invenção de Vian- na. "Oduvaldo era um pragmático. Se entendia que um recurso qualquer po- deria acrescentar algo a uma encenação, ele não se furtava de usá-lo", comenta Madeira. A atriz Laura Cardoso, por exemplo, num depoimento, reconhece uma invenção de Oduvaldo: "Antes de ele começar um trabalho havia toda uma pesquisa, uma procura e um labor, por- que laboratório não é moderninho, coisa de agora, não. Vem do senhor Oduvaldo Vianna". Efetivamente, já em 1919, Viana fez o elenco de Flor da noi- te percorrer o submundo carioca a fim de imprimir maior autenticidade à atua- ção do elenco. Era também, mesmo à custa de um certo autoritarismo, um

0 PROJETO

Formas do Teatro de Comédia: A Obra de Oduvaldo Vianna

MODALIDADE Bolsa de Doutorado

COORDENADOR JOãO ROBERTO GOMES DE FARIA - FFLCH/USP

BOLSISTA WAGNER MARTINS MADEIRA - FFLCH/USP

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diretor de atores que estava atento aos detalhes na representação de todos em cena e não apenas, como era o costume da época, do primeiro ator. Cada um recebia sua atenção e o quadro geral final era de uma produção profissional e com o maior naturalismo possível, o ideal de Vianna em cena.

Carpintaria teatral - Outro detalhe fas- cinante de seu teatro, e que dá a medi- da de seu cuidado, são as rubricas de suas peças (as indicações feitas para os atores e diretores no texto). Leia-se, por exemplo, a rubrica de Ele chegará ama- nhã, de 1949: "Ouve-se a flauta do pas- tor de L'après midi d'un faune, de De- bussy. Ruídos noturnos parecem bagos de chumbo rolando em garrafas vazias. Da direita, ouvem-se folhas secas ge- mendo sob passos nervosos". Essas in- dicações, a que o público não tem aces- so, denotam o notável conhecimento da carpintaria teatral de Vianna e derru- bam a tese modernista de um criador medíocre e comercial. "Oduvaldo não se contentava apenas com a marcação feita por um ensaiador, como era há- bito da época. Era um encenador de mão-cheia, que não admitia amadoris- mo. E, ao mesmo tempo, tinha uma ca- pacidade assombrosa de elaborar diálo- gos factíveis com a representação no palco, de incrível naturalidade, que ron- da muito de perto algo tangível, posto que de difícil definição, que seria a ma- neira do brasileiro se reconhecer por meio do humor", diz Madeira.

Como empresário, Vianna repetia o talento do artista. Foi o primeiro a per- ceber as possibilidades comerciais do teatro de São Paulo e, a partir de 1923, trouxe, do Rio de Janeiro, várias compa- nhias, excursionando pelo interior, algo impensável até então, ainda que hoje seja o maior ganha-pão dos atores de teatro bem-sucedidos. Chegou mesmo a fazer turnês por países vizinhos do Brasil, como Argentina e Uruguai. Além disso, antes de muitos colegas,

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entendeu como se poderia vencer a competição com a coqueluche da época, o cinema. "Lançou um molde inédito de teatro, onde a rapidez e a sín- tese, a graça e os ensaios conscientes traduzem o espetáculo ligeiro, cheio de requinte e digno da mais sedutora e fina emoção", escreveu um crítico da época. Em síntese: as montagens eram boas, divertidas e baratas, dando conta da concorrência do novo meio, que propiciava entretenimento para todos os bolsos e roubava público dos teatros. Vi- anna conseguiu manter sua audiência grudada nas cadeiras. Ou de ouvido no rádio.

"O rádio, aliás, foi o grande culpado de Odu- valdo ter praticamente abandonado o teatro. Ele tinha legiões de admiradores pelo Brasil afora. O genial palhaço Piolim escreveu a Vianna, num mis- to de ressentimento e humor, pedindo para que ele mudasse o horário de suas radionovelas, pois elas estavam tirando o público do circo", conta Madei- ra. Foram mais de 250 peças radiofônicas, gênero em que também foi pioneiro, escritas, de início, nos anos 1940, para a Rádio São Paulo. Só não conseguiu imprimir seu toque de Midas no cine- ma, embora tenha viajado em 1935 para os Esta- dos Unidos a fim de estudar direção, interpretação e montagem cinematográfica. Só fez três filmes: Bonequinha de seda, Alegria e Quase no céu. Suas iniciativas no novo veículo foram abortadas por falta de dinheiro.

Mas ninguém se chama Oduvaldo Vianna sem uma boa dose de política. Nisso, o pai ensinou o menino. "Ele contribuiu para a consolidação do Partido Comunista Brasileiro, nos anos 1930 e 1940. Sua casa foi sede de reuniões clandestinas do par- dião. Vianinha, com certeza, foi influenciado pela militância do pai, embora ele odiasse, de início, a idéia de ver o filho fazendo teatro como ele. Viani- nha levou adiante as propostas do pai no sentido de um engajamento político mais direto, mas de- veu muito a Vianna", diz Madeira. Em 1964, já tendo penado com a censura e com a repressão do governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), Oduvaldo Vianna foi demitido da Rádio Nacional por suas convicções políticas. Babava, porém, de orgulho do filho irrequieto: "Hoje, com 75 anos, vejo meu filho fazendo aquilo que eu sempre quis fazer: viver para o teatro, na eterna busca de uma arte popular, bem brasileira, bem povo", declarou Vianão sobre Vianinha. O dilema de gerações de Rasga coração estava resolvido. •

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RESENHA

O discreto charme da academia Relançamento traz sabedoria de Gilda de Mello e Souza

JORGE COLI

A- clareza, a elegân- cia calma que foge dos efeitos

e dos impactos são ca- racterísticas próprias ao estilo de Gilda de Mello e Souza. Estilo avesso tanto a lirismos quanto a debates exal- tados. Eis o modo tran- qüilo pelo qual ela enuncia uma discordância em seu livro O tupi e o alaúde, novamente publicado com leves atua- lizações: "Tentarei agora discutir a posição de Haroldo de Campos, para adotar um ponto de vista diferente do seu". Suprema discrição que não impediu, no entanto, quando da primeira edição, em 1979, um jogo polêmico de artigos em jornais.

Relendo hoje O tupi e o alaúde fica evidente o quanto esses prós e contras, ataques e defesas, por ele suscitados, estão aquém de suas qualida- des. Elas não são, de modo algum, provocadoras, como em reptos circunstanciais e imediatos. Se o fossem, o livro teria perdido seu interesse e per- manência. Ao contrário, confirma-se como aná- lise essencial de uma obra maior da literatura brasileira, Macunaíma.

Gilda de Mello e Souza expõe os vínculos de Macunaíma com a organização de formas pró- prias à música popular (mas entenda-se popular não como a produção ligada à indústria do dis- co, música para a qual, diga-se de passagem, Má- rio de Andrade não tinha muita indulgência; trata-se aqui daquilo que se convencionou cha- mar de folclore); e termina por um paralelo ilu- minador entre Macunaíma e o romance arturia- no, mais precisamente a busca do Graal.

A autora situa bem a obra dentro da perspec- tiva nacionalista que, em 1928, o ano da publica- ção de Macunaíma, era aguda na concepção de Mário de Andrade. Mas o nacionalismo, que foi uma determinante genética de primeira impor- tância para a obra, forma hoje seu sentido mais discutível e datado. Em O tupi e o alaúde toma o posto de circunstância histórica, cedendo lugar ao caráter universal que o livro, de fato, possui.

0 tupi e o alaúde

Gilda de Mello e Souza

O tupi e o alaúde tor- nou-se uma referência clássica. Traz consigo ou-

Editora 34

% páginas R$ 20,00

tra coisa, porem: seu ca- ráter de trabalho intelec- tual exemplar. Clássico e exemplar, isto é, aquilo que deve ser ensinado nas classes e que deve servir de exemplo. Gilda de Mello e Souza afasta toda

aplicação estreita de mé- todos, todo espírito de sis-

tema, expondo, por intuições seguras e conheci- mentos sólidos, algumas das significações mais profundas do objeto que analisa. Seu texto é rigo- roso, suas demonstrações mostram-se sempre fundadas. Pelo rigor demonstrativo, nem sequer pode-se dizer que possua caráter ensaístico. Busca uma compreensão direta das questões trazidas pela obra com os mais adequados ins- trumentos. Não é, de modo nenhum, antiacadê- mico: suas qualidades são aquelas que todo tex- to universitário deveria possuir. Pode provocar apenas um lamento: que a autora não tenha pu- blicado mais.

Seus alunos de 30 ou 35 anos atrás percebe- rão, no livro, várias idéias que a autora expunha em seus cursos. Mas lembrar-se-ão também de muitas outras análises fecundas que ela expu- nha, e nunca surgiram impressas. Terão guar- dado na memória conversas notáveis, onde po- dia brilhar uma comparação entre o livro de Mário de Andrade e o filme de Joaquim Pedro de Andrade, para permanecermos apenas no âmbito de Macunaíma. Gilda de Mello e Souza formou seus alunos insistindo no papel essen- cial da intuição e no modo de cultivá-la, na ma- neira de interrogar e amar uma obra, na funda- mentação das hipóteses, no rigor necessário do pensamento. Tudo isso está presente no espí- rito de seus escritos que, por serem raros, tor- nam-se ainda mais preciosos.

JORGE COLI é professor titular de História da Arte e da Cultura no departamento de História da Uni- camp. Foi aluno de Gilda de Mello e Souza no de- partamento de Filosofia da USP.

94 ■ JANEIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 95

LIVROS

Tango malandro Oscar Angel Cesarotto Iluminuras 126 páginas / R$ 29,00

O psicanalista e professor de Semiótica da PUC-SP revolve a alma portenha a partir de um de seus traços culturais mais característicos: o tango. A análise se dá não por

meio da música, mas da gíria característica do gênero, o chamado lunfardo, o linguajar dos "marginais" e dos deserdados sociais que, ao longo do tempo, foram tomando conta do tango e passaram para o cotidiano da população.

Editora Iluminuras: (11) 3068-9433; fax (11) 3082-5317 www.iluminuras.com.br ou [email protected]

Nhande rembypy: Nossas origens Wilson Galhego Garcia (organizador) Editora Unesp 770 páginas / R$ 70,00

Um livro de grande importância: Nossas origens é bilíngüe até no seu título, deixando claras as intenções de seu autor de fazer um registro

que chegasse aos índios, no caso os Kayovás, e também ao estudiosos. É uma notável reunião de depoimentos dos índios sobre ritos, lendas, mitos de origem, religião, parentesco, plantas, animais, aspectos da vida cotidiana, recolhidos em horas de gravação pelo pesquisador Wilson Galhego Garcia.

Editora Unesp: (11) 3242-7171 www.editora.unesp.br ou [email protected]

Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole Sidney Antônio da Silva Hucitec/FAPESP 263 páginas / R$ 25,00

Num fascinante trabalho de etnografia, Sidney Antônio da Silva analisa as manifestações

de devoção Mariana entre os imigrantes bolivianos que vivem há mais de duas décadas na cidade de São Paulo. O estudo traz à luz a lógica da reciprocidade, entendida como ligação não apenas entre homens, mas entre eles e a humanidade. Assim, a Pachamama e a Virgem Maria adquirem o mesmo status como estruturas simbólicas.

Editora Hucitec: (11) 3060-9273 www.hucitec.com.br e [email protected]

Sygkhronos. A formação da poética musical do cinema Ney Carrasco Via Lettera / FAPESP 197 páginas / R$ 35,00

O autor pretende analisar o processo de formação da poética musical do cinema, partindo

da origem das manifestações dramático-musicais do Ocidente para, em seguida, reunir esse conhecimento às próprias origens do cinema e de como ele utiliza esse saber ancestral em sua configuração. Há uma boa análise a partir de exemplos reais de filmes.

Via Lettera Editora: (11) 3862-0760 / 3675-4785 www.vialettera.com.br ou [email protected]

0 pai possível - conflitos da paternidade contemporânea Durval Luiz de Faria EDUC/FAPESP 286 páginas / R$ 39,00

durvji luti dt f»ria

0 pai possível g pdttmtdMt contwpwinea

Um estudo que tem sabor do momento, por razão de seu tema, atualíssimo: os conflitos entre pai e filhos no novo contexto, renovado,

de mudanças na estrutura familiar características da nova industrialização do século 20. O autor discute como fica a figura paterna num tempo em que a mulher está totalmente inserida no mercado de trabalho e o pai não é mais o provedor da família como no passado.

Editora EDUC: (11) 3873-3359; fax (11) 3873-6133 [email protected]

Produção de alimentos no século XXI - biotecnologia e meio ambiente Gordon Conway Editora Estação Liberdade 375 páginas / R$ 40,00

O especialista em ecologia agrícola norte-americano Gordon Conway

propõe um plano de ação contra a fome, que enfatize tanto a produtividade quanto a conservação ambiental. A idéia é "planejar" melhores plantas e animais, desenvolver alternativas para fertilizantes e pesticidas inorgânicos, e realçar oportunidades de renda para os economicamente desfavorecidos, entre outros objetivos.

Estação Liberdade: (11) 3661-2881; fax (11) 3825-4239 www.estacaoliberdade.com.br e [email protected]

PRODUÇÃO» ALIMENTOS «SÉCULO XXI

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