Com Partil Har

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Compartilhar: Ray Kurzweil e o mundo que nos espera Uma entrevista com o inventor e futurólogo americano por Marcelo Lapola Tamanho da letra: A - A + A +/- Imprimir: Quem chega em frente à sua casa em um bairro tranquilo de Boston logo imagina que lá dentro irá encontrar cenários futuristas, paineis imensos de monitores e engenhocas eletrônicas que materializam todas as previsões dos melhores escritores de ficção cinetífica. Um doce engano. A casa de Ray Kurzweil não é como, dizem, a casa de Bill Gates, toda administrada por um computador central. O CEO aposentado da Microsoft, aliás, é um de seus fãs mais ardorosos. "Kurzweil oferece um olhar único para um futuro no qual as capacidades do computador e da espécie que o criou ficarão ainda mais próximas uma da outra", diz Gates sobre o engenheiro. É uma bela casa, de três andares e com muitos enfeites, nas mesas, nichos nas paredes e também algumas antiguidades. Por ali, vê-se pouco do que há dentro da mente desse homem

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Compartilhar: Ray Kurzweil e o mundo que nos esperaUma entrevista com o inventor e futurlogo americanoporMarcelo LapolaTamanho da letra: A - A + A +/-Imprimir: Quem chega em frente sua casa em um bairro tranquilo de Boston logo imagina que l dentro ir encontrar cenrios futuristas, paineis imensos de monitores e engenhocas eletrnicas que materializam todas as previses dos melhores escritores de fico cinetfica. Um doce engano. A casa de Ray Kurzweil no como, dizem, a casa de Bill Gates, toda administrada por um computador central. O CEO aposentado da Microsoft, alis, um de seus fs mais ardorosos. "Kurzweil oferece um olhar nico para um futuro no qual as capacidades do computador e da espcie que o criou ficaro ainda mais prximas uma da outra", diz Gates sobre o engenheiro.

uma bela casa, de trs andares e com muitos enfeites, nas mesas, nichos nas paredes e tambm algumas antiguidades. Por ali, v-se pouco do que h dentro da mente desse homem respeitado por suas previses, aparentemente mirabolantes, como a de que em algumas dcadas, compraremos um computador pessoal centenas de vezes mais potente que o crebro humano, por apenas mil dlares.

Com um sorriso cordial, sou recebido por Kurzweil em um dos poucos dias livres que tem. "So muitas viagens e palestras. Mas meu flego se renova a cada maratona", diz em tom de brincadeira. Todos os seus livros esto estrategicamente posicionados em uma mesinha auxiliar prxima ao sof onde vamos nos sentar e conversar por cerca de duas horas e meia sobre o futuro.

Inventor desde a infncia, Kurzweil o responsvel pelo desenvolvimento de algumas mquinas mirabolantes, algumas vingaram, outras no, incluindo o sintetizador musical, nos anos 70. Chamado para palestras, cursos e conselhos mundo afora, ele tornou-se um dos profetas da tecnologia mais respeitados no mundo. Em seu mais recente livro,The Singularity is Near(A Singularidade est prxima, ainda sem traduo para o portugus), diz que em 2029 a humanidade ter os recursos de inteligncia artificial necessrios "para que mquinas atinjam a inteligncia humana, inclusive a inteligncia emocional".

Acredita que ser possvel implantar no crebro um computador do tamanho de um gro de ervilha para substituir neurnios destrudos pelo mal de Parkinson. Conselheiro de Bill Gates, Kurzweil projeta um futuro impressionante para a interao entre homem e mquina nos prximos anos. Sua projeo mais impressionante, a da singularidade. "Mquinas cujo intelecto sero enormemente superiores aos humanos em todas as reas dividiro e disputaro espao conosco", prev.

primeira vista , parece um monte de balelas jogadas ao vento. Mas, se pensarmos nos avanos tecnolgicos nos ltimos 20 anos, veremos que eles pareciam balelas 20 anos antes. Anos mais tarde, diz, os avanos sero to acelerados que aproximaro o homem de seu maior sonho: a imortalidade. Mais que um papo com o "Sr. Futuro", uma passagem s de ida, de primeira classe, para o sculo 21.

Foi no livroA Era das Mquinas Espirituaisque o senhor usou pela primeira vez o termo Singularidade. Em linhas gerais, o que a singularidade teconlogica?

Na verdade me familiarizei ao termo por volta de 1990. No meu ltimo livroA Singularidade est Prximaeu efetivamente me debrucei sobre o ponto no tempo quando as tecnologias tero um papel explosivamente transformador. No outro livro,A Era das Mquinas Espirituaiseu cheguei a tocar no assunto quando escrevi sobre a evoluo dos computadores a nveis humanos de inteligncia e o que isso significa em termos prticos. Quando falo sobre a singularidade quero chamar a ateno para um fenmeno que o da ascenso exponencial da interao entre a biologia humana com a tecnologia que criamos. O paradoxo est no fato de que a inteligncia biolgica pode ser educada e melhor organizada, no pode mais passar por evolues significativas, ao passo que a inteligncia no-biolgica, a dos computadores, tem sua capacidade multiplicada por mil a cada dcada que passa. Esse ritmo est diminuindo para menos de uma dcada.

Chegaremos a um tempo, ento, que a inteligncia dos computadores superar a nossa?

No tenha dvida disso. O crebro humano possui uma capacidade de cerca de 1.026 clculos por segundo (CPS), e isso no mudar muito ao longo dos prximos cinquenta anos. Nosso crebro usa o sistema eletroqumico de transmisso de dados que viajam por entre os neurnios milhes de vezes mais lento que nos computadores. Comunicamos nosso conhecimento e idiomas usando nossa linguagem um milho de vezes mais devagar que os computadores podem transmitir suas informaes. Veremos uma grande disparidade por volta de 2040, quando a inteligncia no-biolgica que criamos ser um bilho de vezes mais rpida que os 1.026 clculos por segundo do nosso crebro. A palavra "singularidade" uma metfora para explicar este fenmeno. Emprestei o termo da Fsica e seus estudos sobre os buracos negros.

Como v a evoluo da mdia nesse processo? A exploso de novas plataformas, como a internet, os gadgets, como celulares, o Kindle, o iPad lanado recentemente, e outros fatores iro comprometer as mdias tradicionais como os jornais impressos, rdio e sobretudo a televiso?

Pelo contrrio. O que vemos por enquanto so plataformas novas e potentes que permitem a convergncia dos mtodos tradicionais de comunicao de massa. Na internet posso ler uma reportagem clicar no link e ver o vdeo da reportagem e do mesmo texto acessar anlises e comentrios, alm de interagir com esse contedo. So os contedos hbridos. O iPad, ao que me parece presta muito bem este servio de maneira mais porttil apenas. O que ele faz por meio de seus aplicativos a internet tradicional j possibilita h muito tempo.

A televiso, que ainda o meio de comunicao de massa hegemnico no mundo, est ameaada em sua forma tradicional no futuro prximo singularidade?

As telas estaro em todos os lugares, nos vidros das vitrines, carros, em culos especiais, at mesmo nas nuvens de nanobs programadas para exibirem cenrios nos ares ao simples toque de um dedo. De certo modo a televiso nunca ser abandonada. Gostamos das histrias, no Brasil mesmo, sei que h uma grande paixo pelas novelas. Aqui nos Estados Unidos amamos as sries. O que muda o modo de fazer e de exibir. Num futuro no to distante interagiremos mais com as programaes das emissoras. Novas emissoras, via internet, iro surgir e poderemos montar nossa prpria grade de programao. O hbito de estar em frente a uma tela persistir cada vez mais forte, ainda mais no futuro em que os contedos podero ser exibidos em realidade virtual com o telespectador efetivamente dentro da histria. O que est comprometido de vez a grade fixa de programao. O que muda significativamente a criao dos roteiros, que poder muito bem ser feita por um computador identificando o perfil de cada telespectador.

Isso quer dizer o fim dos roteiristas?

No vamos dizer que seja o fim, mas o nascimento de um novo roteirista. E de atores tambm. Quem disse que precisaro ser de carne e osso? No pode ser um avatar de algum de carne e osso?

Muitas previses sobre o futuro da tecnologia feitas nas dcadas passadas se mostraram imprecisas. O que garante a segurana das projees que o senhor faz? H alguma tcnica?

Eu conto com uma equipe de pessoas que pesquisam dados sobre diferentes indstrias e fenmenos, alm dos pesquisadores que nos abastecem de informaes a respeito de seus trabalhos nos campos mais variados ligados ao desenvolvimento da tecnologia. Semicondutores, nanotecnologia, desenvolvimento de materiais, entre muitos outros. Tambm muitas das projees so baseadas em modelos matemticos que se mostraram eficazes ao longo de todas essas dcadas. Em cima desses modelos eu uso o que os matemticos chamam de extrapolao de dados e tento construir novos modelos matemticos para serem aplicados a diferentes fennemos e indstrias. Muitos futuristas no usaram este tipo de metodologia e se basearam apenas em adivinhaes e na intuio. Tenho feito algumas previses desde os anos oitenta, quando escreviA Era das Mquinas Inteligentes.L est cheio de previses tecnolgicas sobre os anos noventa e o incio do sculo 21 baseadas nesses modelos e que se provaram perfeitamente acuradas. Se ns entendermos quanto ir custar, por exemplo, um milho de dados pro segundo, ou ainda quanto ir custar um par de bases de DNA para modelar uma protena, ou outra medida de informao tecnolgica em diferentes pontos no tempo, podemos construir cenrios futuros para a tecnologia perfeitamente plausveis e praticveis.

Esses modelos se aplicam em relao capacidade dos computadores como um todo?

Sim. Podemos aplicar a equao do preo/performance para o caso especfico dos computadores. O que vemos so computadores e componentes cada vez menores ao passo em que esto cada vez mais potentes e com mais e mais memria. H uma projeo, uma lei matemtica por trs disso que quando extrapolada para daqui 25 anos nos leva a esse acrscimo de um bilho na capacidade de processamento. Cada vez menores e extremamente poderosos.

o encontro efetivo da computao com a nanotecnologia...

A nanotecnologia tem papel fundamental nessa evoluo das mquinas e a superao da inteligncia humana por elas. J estamos vendo algumas aplicaes primrias nesse campo, mas elas no representam a viso completa da nanotecnologia, aquela viso articulada pelo Eric Dexter [cientista, engenheiro americano, considerado um dos pais da nanotecnologia] l pelos idos de 1986. Temos visto uma crescente capacidade de manipularmos a matria no nvel molecular. Um dos caminhos para criar nanotecnologia comear com mecanismos biolgicos e modific-los a ponto de estendermos o paradigma biolgico, que ir alm das protenas. Essa viso de manipulao das molculas, usando processos programveis para fazer crescer objetos de maneira organizada com propriedades especficas j uma viso de 20 anos atrs. Haver uma rpida progresso em novos mtodos na construo de nanocomponentes sem usar o mtodo molcula a molcula como tem sido feito, mas tomo a tomo com suas propriedades especficas de armazenar e processar a informao. A Intel, por exemplo, j identificou isso e seus engenheiros j trabalham com pesquisa de novos mtodos e v na nanotecnologia o futuro de seus microprocessadores. A nanotecnologia j um negcio bilionrio para algumas empresas e ser determinante em breve.

Quando?

Daqui cinco anos, por volta do ano 2015, teremos uma real dimenso da nanotecnologia em nossas vidas. Estaremos mais avanados no caminho da cura de terrveis doenas, como o cncer, problemas cardacos e diabetes, tudo por meio da revoluo na biotecnologia que ns j falamos. Com o desenvolvimento de medicamentos por meio da nanotecnologia, em apenas cinco anos poderemos ver progressos significativos nas pesquisas de como parar e at reverter o processo de envelhecimento.

O senhor diz que seremos imortais e que j se prepara para isso. Ser o fim das religies? Quantos podero ter acesso a esse processo de imortalidade?

Ou pode ser o comeo de novas religies (risos). No tenho dvida quer caminharemos para a imortalidade, seja por meio de processos que revertam o envelhecimento das clulas biolgicas, ou mesmo por meio da transferncia de nosso contedo cerebral para um meio fsico alm do corpo, um novo hardware. Um rob construdo a nossa imagem e semelhana um dos modelos. E como tudo o que lanado em temos de tecnologia, comea com preos altos e vai barateando a medida em que se insere no mercado.

A questo saber se com a transferncia de todo contedo de nossa mente para outro meio, tambm persistir a conscincia...

Essa uma excelente questo que d margem a discusses interminveis entre os filsofos e outros tericos. Acho que nesse ponto, o melhor a fazer refletir bastante em cima de pesquisas e todos os questionamentos. preciso deixar os neurocientistas descobrirem se a gerao da conscincia se d pura e simplesmente por processos qumicos ou no.

O que acha?

Ainda no sei. Melhor no arriscar essa previso. (risos)