Coluna

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88 ENTREVISTA DE VIDA Ficou conhecido como o MONSTRO SAGRADO e marcou o golo que permitiu ao Benfica derrotar o Barcelona (3-2) e conquistar a sua primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus. Foi a 31 de Maio de 1961 TEXTO: DAVID MARQUES o outro lado da linha, numa residência no Bairro de Sommerschield, em Maputo, atende-nos uma voz lenta e serena. Não é de agora. Mário Coluna, dono do meio- -campo do Benfica durante mais de década e meia, sempre foi assim. Aos 75 anos, e já reformado, só não controla a velhice, mas assegura que o coração está bom e que só o apoquentam “umas dores que aparecem quando há mudança de tempo”. Durante mais de uma hora falou à Fo- cus da infância em Lourenço Marques, da chegada (descalço) a Portugal, da primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus, le- vantada a 31 de Maio de 1961, da PIDE, do king” Eusébio, do “rei” Pelé e de Trapat- toni – esse mesmo (!) –, que lhe rachou o peito de um pé numa final que até estava a correr de feição ao seu Benfica. Focus – Nasceu em Magude e é filho de um português da Beira Baixa e de uma africana. Como se conheceram os seus pais? Mário Coluna – O meu pai não falava a lín- gua da minha mãe, que também não falava português. Ele estava a explorar uma loja na estação dos caminhos de ferro de Magude e foi ali que a conheceu. Ficaram juntos, mas depois de eu nascer o meu pai foi para Lou- renço Marques. Fiquei com a minha mãe e, quando tinha quatro anos, um sujeito que era secretário do administrador da zona falou com o meu pai. D MáRIO COLUNA “Os fazem falta INCONFUNDÍVEL Em acção num jogo diante da Selecção de Lourenço Marques, em Julho de 1962

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entrevista de vida

Ficou conhecido como o Monstro sagrado e marcou o golo que permitiu

ao Benfica derrotar o Barcelona (3-2) e conquistar a sua primeira

Taça dos Clubes Campeões Europeus. Foi a 31 de Maio de 1961

TexTo: DaviD Marques

o outro lado da linha, numa residência no Bairro de Sommerschield, em Maputo, atende-nos uma voz lenta e serena. Não é de agora. Mário Coluna, dono do meio- -campo do Benfica durante mais de década e meia, sempre foi assim. Aos 75 anos, e já reformado, só não controla a velhice, mas assegura que o coração está bom e que só o apoquentam “umas dores que aparecem quando há mudança de tempo”. Durante mais de uma hora falou à Fo-cus da infância em Lourenço Marques, da chegada (descalço) a Portugal, da primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus, le-vantada a 31 de Maio de 1961, da PIDE, do “king” Eusébio, do “rei” Pelé e de Trapat-toni – esse mesmo (!) –, que lhe rachou o peito de um pé numa final que até estava a

correr de feição ao seu Benfica.

Focus – Nasceu em Magude e é filho de um português da Beira Baixa e de uma africana. Como se conheceram os seus pais?

Mário Coluna – O meu pai não falava a lín-gua da minha mãe, que também não falava português. Ele estava a explorar uma loja na estação dos caminhos de ferro de Magude e foi ali que a conheceu. Ficaram juntos, mas depois de eu nascer o meu pai foi para Lou-renço Marques. Fiquei com a minha mãe e, quando tinha quatro anos, um sujeito que era secretário do administrador da zona falou com o meu pai.

DMário Coluna “Os mOçambicanOs

fazem falta aO benfica”

INCONFUNDÍVELEm acção num jogo diante da Selecção de Lourenço Marques, em Julho de 1962

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“Os mOçambicanOs fazem falta aO benfica”

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entrevista de vida

Focus – O que lhe disse?M.C. – Que ele tinha de ir buscar-me. Ali

não havia escolas e eu não falava português. Estava perdido. Entretanto o meu pai disse- -lhe para me meter no comboio para Louren-ço Marques. Só que esse sujeito disse que o meu pai tinha de ir lá para me registar na Administração de Magude. O meu pai foi lá, mas só mais tarde é que fui viver com ele.

Focus – Foi sozinho?M.C. – Não. A minha mãe veio comigo.

Só que o problema é que ele já tinha outra senhora em casa e disse que a minha mãe tinha de ir embora sem mim. Ela, coitada, começou a chorar. Eu era o único filho dela. Ti-nha quatro anos. Lá me disse que eu ficava com o meu pai e com a outra mãe, que não ti-nha sentido dores de parto.

Focus – Teve uma infância fe-liz?

M.C. – Infelizmente a mi-nha madrasta não podia ter filhos. Andou a criar filhos e filhas das irmãs dela. En-tão eu era bem afastado. Mas como eu era pequenino, miúdo, não ligava nenhuma a certas coisas. O meu pai nem sabia o que se passava em casa, porque ia cedo para o trabalho e só voltava à noite.

Focus – Onde começou a jogar à bola?

M.C. – No Desportivo de Lourenço Mar-ques, que era filial do Sport Lisboa e Ben-fica, com 15 anos. Eu morava no Alto Maé e o campo era na baixa da cidade. Ainda andava um bom bocado a pé. Só mais tar-de é que o meu pai, que foi sócio-fundador do Desportivo, soube que eu jogava lá à bola. Disseram-lhe que eu era bom jogador. Quando era júnior cheguei a jogar de ma-nhã no Desportivo e à tarde nos seniores do João Albasini.

Focus – Como eram as condições no Des-portivo?

M.C. – Era amadorismo, claro, mas era tudo bem tra-tado. Havia equipamentos, botas e depois dos jogos tí-nhamos lanche. Não havia prémios nem nada disso.

Focus – Também praticava outros desportos.

M.C. – Sim, sim! Fiz atle-tismo e bati o recorde do

salto em altura de juniores, com um metro e oitenta e dois e meio. Também treinei boxe, mas nunca lutei oficialmente.

Focus – E foi mecânico de automóveis.M.C. – Fazia as duas coisas ao mesmo

tempo. De manhã era aprendiz mecânico. Os treinos no Desportivo eram perto das oficinas e depois das cinco horas da tarde. Dava para conciliar e foi sempre assim até ir para Portugal.

Focus – Em 1954 chega ao Benfica, mas o Sporting aparece primeiro.

M.C. – Tive uma proposta do Sporting, que nesse ano veio cá a convite do Sporting de Lourenço Marques. Era o tempo do Zé Travassos, do Vasques, do Carlos Gomes, dessa malta toda. E eu joguei contra eles pela selecção dos naturais de Moçambique. No fim do jogo, os dirigentes do Sporting foram ter comigo e fizeram-me um convite. Eu disse-lhes: “Sou menor, por isso falem com o meu pai, porque ele é que manda.”

“Demorei quase dois dias a chegar

a Portugal. Os pés começaram

a inchar”

QUatrO gLórIaSDa direita para a esquerda: Coluna,

Valdo, Eusébio e Espírito Santo, durante um almoço no Estádio da Luz

MONStrOS SagraDOSMário Coluna com José Augusto (à direita). Estiveram presentes nas duas Taças dos Clubes Campeões Europeus ganhas pelas águias, em 1961 e 62

“Fiz atletismo e bati

o recorde do salto em

altura”

Vanda de Melo

José

João

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Focus – E falaram com o seu pai?M.C. – Não cheguei a saber, mas mesmo

que tivessem falado o mais certo é que o meu pai, que era um grande benfiquista, não ti-vesse aceite. Por causa desse interesse, os dirigentes do Desportivo mandaram um SOS ao Benfica, a informar que tinham um joga-dor, bom atleta, que estava a ser seguido pelo Sporting. Responderam-lhes para me mete-rem no primeiro avião. Dito e feito. O Despor-tivo e o meu pai entenderam-se e o Benfica deu 175 contos. Eu ia receber dois contos e quinhentos por mês.

Focus – E a viagem de avião?M.C. – Levei quase dois dias a chegar. Fui

num Super Constellation, na altura não ha-via jactos. Tínhamos de estar sempre a parar para reabastecer. Ainda passei mal. Levei um fato novo e uns sapatos novos. Os pés co-meçaram a inchar e quando cheguei a Lis-boa já nem conseguia calçar os sapatos.

Focus – Onde ficou quando chegou?M.C. – Em casa de um tio, que morava no

Campo Pequeno. O lar do jogador ainda es-tava em arranjos. Quando ficou pronto tive de ir para lá, porque todos os jogadores sol-teiros do Benfica tinham de viver no lar.

Focus – Conheceu a sua primeira mulher em Portugal?

M.C. – Sim, mas quando eu saí de Moçam-bique já era pai! Tinha uma filha com quatro meses [Yolanda]. Quis casar, mas o meu pai não autorizou porque eu era menor. Combi-nei com a mãe da minha filha que quando fizesse 21 anos a ia buscar a Moçambique e casava-me com ela.

Focus – E assim fez?M.C. – Assim quis fazer! Mas durante o

tempo em que estive em Lisboa comecei a receber cartas anónimas de pessoas que di-ziam que a mãe da minha filha andava com outro fulano. Entretanto eu escrevi para ela a perguntar-lhe o que é que se andava afinal a passar. Falei-lhe das tais cartas e ela ne-gou tudo. Disse que era a minha família que não gostava dela. Depois, em 1958, quando eu estava na tropa em Portugal [na Ajuda, em Lisboa], tive férias. Apanhei o avião para Lourenço Marques e fui a casa dela buscar a miúda para passar o dia comigo em casa do meu pai. Durante o caminho, a miúda, que já tinha quatro anos, abriu a boca: “Pai! O se-nhor Manecas diz que não vai mais lá a casa enquanto o pai estiver cá.” Era o tal tipo que me andava a pôr os palitos. Ficou confirma-do. Depois de fazer a quarta classe mandei-a meter no avião para Lisboa.

Focus – Na época os jogadores eram muito assediados?

M.C. – Éramos pois. No Benfica pediam--nos autógrafos e as miúdas andavam sem-pre de volta. Algumas queriam estar comigo, mas havia muita disciplina, horários para acordar, para dormir [...] Às 11 horas da noite já tínhamos de estar no lar e na cama.

Focus – Como correram os primeiros tempos no Benfica?

M.C. – Bem. Sabe que, graças a Deus, fui sempre titular no Benfica, na selecção nacio-nal, na selecção militar e tudo mais!

Focus – Não teve problemas por jogar na po-sição de avançado, a mesma ocupada por José Águas, quando foi contratado?

M.C. – Não, não! O José Águas jogava no lugar dele e eu jogava a interior direito ou a interior esquerdo. Eu era mais móvel. Ia ao meio-campo buscar a bola e transportava o jogo. Mas é verdade que em Moçambique fui sempre avançado centro.

Focus – Quando começou a ser apelidado de Didi português?

M.C. – Didi português? Foi no Rio de Janei-ro! Em 1955, o Benfica foi convidado para ir lá jogar. Os jornalistas entrevistaram-me de-pois de um jogo e disseram-me que eu era parecido com o Didi, que era um dos melho-res jogadores brasileiros da época, a par do Garrincha. O Pelé só apareceu mais tarde.

Focus – Chegou a ter propostas para ir jogar para o Brasil.

M.C. – Do Vasco da Gama e do Flamengo, mas infelizmente ou felizmente o Governo não me deixou sair. Não deixava sair nin-guém. Como não havia profissionalismo, o Governo de Salazar é que mandava.

Focus – No Brasil tinha uma admiradora es-pecial. A cantora Ângela Maria.

M.C. – Foi, mas lá está [...] Não podíamos sair de Portugal para ir jogar no estrangeiro. Conheci-a durante uma digressão ao Brasil. Ainda nos encontrámos umas vezes, houve uns beijinhos, mas não passou disso. A coisa ficou por aí, também porque ela não tinha in-teresse em ir para Portugal.

Focus – Comemoram-se agora 50 anos da conquista da primeira Taça dos Clubes Campe-ões Europeus pelo Benfica. Que memórias tem dessa final?

M.C. – Oh, isso já foi há tantos anos que já não me lembro muito bem. Sei que fiz um dos golos, o da vitória. Ganhámos 3-2.

Focus – E no ano seguinte ganhou a segunda final, contra o Real Madrid. Lembra-se da maldi-ção de Guttmann?

M.C. – Quando saiu do Benfica, ele deu uma entrevista em que disse que o Benfi-

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“Os dirigentes do Desportivo

mandaram um SOS ao Benfica

a informar que tinham

um jogador que estava

a ser seguido pelo Sporting”

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ca nunca mais ia ser campeão da Europa. O que é certo é que tem acontecido, mas não penso que isso seja uma maldição, porque eu sou cristão, católico, apostólico romano e o Bella Guttmann não era nenhum deus para fazer acontecer isso. Sei que foi para o FC Porto e que lá não foi campeão europeu.

Focus – Dentro de campo o Coluna sempre se distingiu como voz de comando.

M.C. – Sim, sim! Naquele tempo os treina-dores não podiam levantar-se do banco e dar instruções. Quando saíam do banco para dar instruções eram logo expulsos. Os treinado-res davam instruções nos balneários. “Fa-zem isto assim e assim, mas dentro do cam-po quem manda é o Mário Coluna”, diziam. Falava com os meus colegas todos, porque também corria para todo o lado. E isso inten-sificou-se depois do falecido José Águas, que era o capitão, ter deixado de jogar.

Focus – E fora de campo?M.C. – Também. O Eusébio quando saiu

de Moçambique levava com ele uma carta da mãe dirigida a mim. Quando chegou ao aeroporto entregou-ma. Abri-a, li-a e devol-vi-lha. Perguntei-lhe o que estava lá escrito para não pensar que eu queria impor-me a ele. “A mãe pede para o senhor Coluna to-mar conta de mim porque em Portugal não conheço ninguém.” Assim foi. Abri-lhe uma conta na Caixa Geral de Depósitos e estipu-lava o dinheiro que ele podia gastar durante o mês, fosse em transportes ou na matiné.

Focus – Quando começou a ser apelidado de Monstro Sagrado?

M.C. – Na final da Taça do Campeões con-tra o Barcelona. Foi o senhor Artur Agostinho, falecido há dois meses, que me deu o título.

Focus – O Mundial de 66 ficou-lhe atravessa-do?

M.C. – Estava tudo preparado para ser a In-glaterra a ganhar, tanto que nas meia-finais eles eram para jogar connosco em Liverpool, onde nós estávamos. Só que à última da hora a organização decidiu que nós tínhamos de jogar em Wembley. Fomos de comboio e che-gámos a Londres à meia-noite, cansados. O jogo era no dia seguinte, da parte da tarde.

Focus – O E Trapattoni? Também lhe ficou atravessado na final de 63 contra o Milan?

M.C. – Com certeza! Nós estávamos a ga-nhar, eu tinha a bola e ele veio por trás e rachou-me o peito do pé. Naquela altura não havia substituições. Praticamente jogávamos com menos um, porque eu só fazia figura de corpo presente. Osso é osso, não é músculo.

Focus – Chegou a falar com ele sobre o suce-dido quando esteve no Benfica?

M.C. – Eu? Falar com ele? Para quê? Só se fosse para lhe dar um murro naquela cara, mais nada! Nunca mais quis ver esse sujeito.

Focus – E os problemas com a PIDE, depois de um jogo de selecções em Praga, na Repúbli-ca Checa?

M.C. – No hotel onde estávamos passou por lá uma cambada de estudantes negros angolanos a pedirem bilhetes para o jogo. Com certeza que alguns daqueles jornalistas que acompanhavam a Selecção deviam ser informadores da PIDE e passaram-lhes essa informação. Queriam saber o que é que os rapazes de cor tinham estado a fazer no ho-tel. Falaram comigo, porque eu é que era o capitão e, por isso, era eu quem podia ofere-cer-lhes os bilhetes para fazerem claque por Portugal. Expliquei-lhes tudo e ficou por aí.

Focus – Em 1970 teve uma festa de despedi-da, mas não deixou de jogar.

M.C. – Quando eu fiz 35 anos, o presidente do Benfica, Borges Coutinho, chamou-me e disse-me: “Mário Coluna, você para sair pela porta grande, vai deixar de jogar e vamos fa-zer-lhe uma festa de homenagem e a receita vai toda para si.” Como eu tinha o curso de treinadores, ia treinar a escola de formação de jogadores. Quando eu estava a treinar, vieram ter comigo um dirigente e um empre-sário, do Olympique Lyonnais. Disseram-me que sabiam que eu tinha sido dispensado como jogador, mas que achavam que ainda podia ser útil pelo menos uma época. Fui para o Lyon, mas devidamente autorizado pelo Benfica. Para além disso, o Salazar já tinha falecido e nessa altura já era possível sairmos para o estrangeiro.

Focus – E as condições no futebol francês?M.C. – Profissionalismo a cem por cento.

Fazíamos estágios e havia controlo da hora de dormir. Mas fui ganhar muito mais! Foi o melhor contrato que eu tive. Depois tive o convite para treinar o Estrela de Portalegre. Estive lá um ano e voltei ao Benfica, para a escola de jogadores. Cheguei a ir observar o Chalana ao Barreiro.

Focus – Quando voltou para Moçambique?M.C. – Em 75, antes da independência.

Fui convidado para treinar o Textáfrica. O contrato era bom e fui campeão no pri-meiro campeonato que se realizou. Depois disso, tive outro convite para o Ferroviá-rio, mas eu disse que não queria contrato como treinador. Disse ao director que sabia ler e escrever e que os caminhos de ferro tinham escritórios. Fora disso, também ti-nham oficinas com carros para arranjar. Não me importava de sujar as mãos. Fiquei nos caminhos de ferro muitos anos. Agora estou reformado.

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“Falar com ele [Trapattoni]? Só se fosse

para lhe dar um

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cara!”

CapItãOMário Coluna é ainda o jogador mais titulado da história do Benfica e aquele que mais vezes capitaneou a equipa (328 jogos)

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Focus – Também teve uma passagem pela ac-tividade política.

M.C. – Fui convidado pelo Eduardo Mon-dlane, fundador da Frelimo, para ser mem-bro do partido e fui deputado. Mais tarde também fui presidente da Federação. O anterior presidente encheu o bolso e deixou dívidas enormes. Quando a selecção nacio-nal ia aos hotéis, não pagava. Na sede não havia luz, telefone, nem água e os empre-gados não recebiam ordenado. Quando eu já era presidente, o presidente da FIFA, Jo-seph Blatter, visitou a sede e inteirou-se dos nossos problemas. A Federação precisava de 400 mil dólares americanos para resolver os problemas das dívidas e assim aconteceu. Também tenho uma escola de futebol na Namaacha [Academia Mário Esteves Co-luna]. Foi a FIFA que me ofereceu dinheiro para comprar as instalações, que foram en-tregues à Federação.

Focus – Há condições para Moçambique vol-tar a ter jogadores como o Eusébio, o Matateu ou o próprio Coluna?

M.C. – Há qualidade, mas tem de haver in-teresse da parte dos dirigentes dos clubes.

Focus – É verdade que durante um jogo com o Santos, no Brasil, ameaçou Pelé com um mur-ro?

M.C. – É verdade, sim! Numa jogada ele sofreu uma falta e quis bater num colega meu. Eu, como era o capitão, cheguei lá e disse-lhe: “Cuidado comigo, que eu joguei boxe e dou-te um murro nessa cabeça.” Ele acalmou-se, claro, porque eu era mais velho e mais forte do que ele.

Focus – Considerava-se um jogador duro?M.C. – Tinha força porque preparava-me

bem nos treinos. Subia e descia o terceiro anel do Estádio da Luz e também gostava de levantar pesos, mas isso fazia às escon-didas porque era proibido. Mas era por isso que eu tinha um bom físico, bons músculos e nos choques com os adversários quase nunca caía, ao contrário deles. Ou era o Coluna ou não era o Coluna, não é?

Focus – Em 1963 quase sofreu na pele as consequências de uma entrada dura sobre o Figueiredo. Deixou o Estádio de Alvalade sob escolta policial.

M.C. – O nosso defesa central, que era o Gernano, estava a jogar lesionado. O Figuei-redo, que era um jogador muito rápido, apa-nhou a bola a meio-campo e foi para cima de mim. Eu pensei: “Se este tipo passa por mim, mais depressa passa pelo Germano, que não pode correr.” Ele adianta a bola, mas eu abro os braços, aperto-lhe o pescoço e atiro-o para o chão. Foi falta, mas o árbitro não me expul-sou. A massa associativa não gostou. Quando acabou o jogo, queriam bater-me e fizeram- -me uma espera [risos]. Fui safo pela polícia.

Focus – Continua a viver o futebol com inten-sidade?

M.C. – Vivo, mas como o meu Benfica tem passado mal, raramente vejo os jogos. Só no dia seguinte e se tiverem ganho, para não sofrer. Só vejo os jogos do Sporting e do FC Porto.

Focus – O que falta a este Benfica?M.C. – Olhe, faltam aí os moçambicanos! ■

Popperfoto/GettyImages

MUNDIaL DE 66A cumprimentar Bobby Moore, capitão de Inglaterra, antes do encontro das meias-finais. Portugal perdeu 2-1

“Disse ao Pelé num jogo: ‘Cuidado

comigo, que eu joguei boxe

e dou-te um

murro nessa

cabeça’”

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