Coleção Aplauso - Perfil de Eva Todor
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1Eva Todor
O Teatro da Minha Vida
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Eva Todor
O Teatro da Minha Vida
Maria Angela de Jesus
So Paulo, 2007
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Coleo Aplauso Srie Especial
Coordenador Geral Rubens Ewald FilhoCoordenador Operacional
e Pesquisa Iconogrfica Marcelo PestanaProjeto Grfico e Editorao Carlos Cirne
Assistente Operacional Felipe GoulartTratamento de Imagens Jos Carlos da Silva
Reviso Heleusa Anglica Teixeira
Imprensa Oficial do Estado de So Paulo
Diretor-presidente Hubert Alqures
Diretor Vice-presidente Paulo Moreira LeiteDiretor Industrial Teiji Tomioka
Diretor Financeiro Clodoaldo PelissioniDiretora de Gesto Corporativa Lucia Maria Dal Medico
Chefe de Gabinete Vera Lcia Wey
Governador Jos Serra
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Apresentao
O que lembro, tenho.Guimares Rosa
A Coleo Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo princi-
pal reabilitar e resgatar a memria da cultura nacional, biografando atores,
atrizes e diretores que compem a cena brasileira nas reas do cinema, do
teatro e da televiso.
Essa importante historiografia cnica e audiovisual brasileiras vem sendo recons-
tituda de maneira singular. O coordenador de nossa coleo, o crtico Rubens
Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especiali-
zados para realizar esse trabalho de aproximao junto a nossos biografados.
Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos.
Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos
casos, deu-se a conhecer o universo que compe seus cotidianos.
A deciso em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu man-
ter o aspecto de tradio oral dos fatos, fazendo com que a memria e toda a
sua conotao idiossincrsica aflorasse de maneira coloquial, como se o biogra-
fado estivesse falando diretamente ao leitor.
Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleo, pois os
resultados obtidos ultrapassam simples registros biogrficos, revelando ao leitor
facetas que caracterizam tambm o artista e seu ofcio. Tantas vezes o bigrafo
e o biografado foram tomados desse envolvimento, cmplices dessa simbiose,
que essas condies dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se
colocaram em sendas onde a reflexo se estendeu sobre a formao intelectual
e ideolgica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava
o meio, o ambiente e a histria brasileira naquele contexto e momento. Mui-
tos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida.
Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crtico, denunciaram precon-
ceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso pas, mostraram
o que representou a formao de cada biografado e sua atuao em ofcios de
linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televiso e o que cada
um desses veculos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas lingua-
gens desses ofcios.
Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biogrficos, explorando o
universo ntimo e psicolgico do artista, revelando sua autodeterminao e
quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princpios, a forma-
o de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens.
So livros que iro atrair o grande pblico, mas que certamente interessaro
igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleo Aplauso foi discutido o
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intrincado processo de criao que envolve as linguagens do teatro e do cinema.
Foram desenvolvidos temas como a construo dos personagens interpretados,
bem como a anlise, a histria, a importncia e a atualidade de alguns dos per-
sonagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos
artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correo
de erros no exerccio do teatro e do cinema, a diferenciao fundamental desses
dois veculos e a expresso de suas linguagens.
A amplitude desses recursos de recuperao da memria por meio dos ttulos
da Coleo Aplauso, aliada possibilidade de discusso de instrumentos profis-
sionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as biblio-
tecas importantes do pas, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros,
de gratificante aceitao.
Gostaria de ressaltar seu adequado projeto grfico, em formato de bolso, docu-
mentado com iconografia farta e registro cronolgico completo para cada bio-
grafado, em cada setor de sua atuao.
A Coleo Aplauso, que tende a ultrapassar os cem ttulos, se afirma progressiva-
mente, e espera contemplar o pblico de lngua portuguesa com o espectro mais
completo possvel dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diver-
sificada histria do cinema, do teatro e da televiso em nosso pas, mesmo sujeitos
a percalos de naturezas vrias, mas com seus protagonistas sempre reagindo
com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos.
Alm dos perfis biogrficos, que so a marca da Coleo Aplauso, ela inclui
ainda outras sries: Projetos Especiais, com formatos e caractersticas distin-
tos, em que j foram publicadas excepcionais pesquisas iconogrficas, que se
originaram de teses universitrias ou de arquivos documentais preexistentes
que sugeriram sua edio em outro formato.
Temos a srie constituda de roteiros cinematogrficos, denominada Cinema
Brasil, que publicou o roteiro histrico de O Caador de Diamantes, de Vittorio
Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil
com a inteno de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais re-
centes, como o clssico O Caso dos Irmos Naves, de Luis Srgio Person, Dois
Crregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Jav, de Eliane Caff, e Como
Fazer um Filme de Amor, de Jos Roberto Torero, que devero se tornar bibli-
ografia bsica obrigatria para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que
documentam essa importante produo da cinematografia nacional.
Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da srie TV Brasil, sobre a ascen-
so, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas
de se fazer televiso no Brasil. Muitos leitores se surpreendero ao descobrirem
que vrios diretores, autores e atores, que na dcada de 70 promoveram o
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crescimento da TV Globo, foram forjados nos estdios da TV Excelsior, que su-
cumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar.
Se algum fator de sucesso da Coleo Aplauso merece ser mais destacado do que
outros, o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu pas.
De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficcia
a pesquisa documental e iconogrfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo
e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com
igual entusiasmo, colocar disposio todas essas informaes, atraentes e acess-
veis, em um projeto bem cuidado. Tambm a ns sensibilizaram as questes
sobre nossa cultura que a Coleo Aplauso suscita e apresenta os sortilgios
que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenrios, cmeras e, com
referncia a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, deles que
todo esse material de vida e reflexo poder ser extrado e disseminado como
interesse que magnetizar o leitor.
A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleo Aplauso, pois
tem conscincia de que nossa histria cultural no pode ser negligenciada, e
a partir dela que se forja e se constri a identidade brasileira.
Hubert AlquresDiretor-presidente da
Imprensa Oficial do Estado de So Paulo
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Dedico O Teatro de Minha Vida a todos aqueles que apreciaram meu trabalho,
ao longo dos meus 70 anos de carreira. Foram quatro geraes, s quais procu-
rei oferecer o melhor da minha arte.
Eva Todor
Para Rosangela e Natlia, por todo apoio e carinho.
Maria Angela de Jesus
Agradecimentos
Em especial a Marcelo Del Cima, dono de um grande acervo de artes cnicas,
pela digitalizao e tratamento de fotos contidas neste livro, pela incansvel
ajuda na seleo das imagens e pela foto de capa.
A ngela de Castro Reis, pelas informaes fornecidas a partir de sua tese A
Tradio Viva em Cena: Eva Todor na Companhia Eva e Seus Artistas, desen-
volvida dentro do Programa de Ps-Graduao em Teatro do Centro de Letras
e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e premiada na Bahia, Portu-
gal e Rio Grande do Sul.
E Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, que foi a nica a me procurar
para realizar essa publicao. Mesmo sendo eu uma atriz essencialmente cario-
ca, a Imprensa Oficial de So Paulo me fez essa deferncia, com a qual me sinto
muito honrada e gratificada. Vaidosamente me confirma aquilo que sempre
me foi dito: que sou muito querida em So Paulo.
Eva Todor
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Introduo
Fdor, em hngaro, quer dizer babado. Seria perfeito se Eva Fdor no tivesse
trocado a Hungria pelo Brasil e aqui construdo uma brilhante carreira artsti-
ca. Mudou de Fdor para Todor, por razes bvias, mas sempre foi do babado:
arrasou na revista musical, levou o pblico loucura nas comdias e emocio-
nou nos dramas. Nasceu para os palcos e nele permaneceu por 60 anos, ence-
nando cerca de 200 peas.
Eva, naturalmente cmica, sabe fazer rir como ningum. Criou um estilo: o
gnero Eva, que durante dcadas lotou os teatros onde se apresentava e se
tornou sinnimo de bom humor. Com sua faceirice nata, conheceu o sucesso
ainda muito jovem. Com apenas 16 anos era primeira-atriz da companhia de
Luiz Iglzias com quem viria a se casar. Depois, teve sua prpria companhia,
Eva e seus Artistas, realizando espetculos no Brasil, em Portugal e na frica.
Pode-se dizer que a vida quase sempre lhe foi gentil. Obstculos, ela encon-
trou poucos. Alm disso, sempre soube tirar proveito das dificuldades para se
firmar como uma grande atriz. Por toda minha vida, fui muito bem cuidada,
muito mimada, pela famlia, pelos colegas de trabalho, pelos diretores. Traba-
lhei com os mais diversos diretores. Na comdia, tenho uma fileira deles para
enumerar, na revista tenho mais alguns, enfim foram pessoas maravilhosas
com quem trabalhei. E sempre fui tratada como uma boneca, confessa.
Bonita, talentosa e naturalmente engraada, Eva relembra sua inusitada es-
tria nos palcos. Ainda vivia na Hungria e tinha apenas 4 anos quando fez sua
primeira apresentao de bal. Era para ter sido uma apresentao infantil
como outra qualquer, mas ela acabou chamando a ateno por um fato curio-
so. Foi flagrada fazendo um inocente e incontrolvel xixi no palco. O pblico
caiu na gargalhada. Sem saber, naquele momento, Eva estreava na comdia.
Quatro anos depois desse pequeno incidente, Eva Todor veio para o Brasil com
os pais. Aqui teve a oportunidade de construir uma invejvel carreira. J fez o
pblico rir e chorar, mas o humor , sem dvida, sua marca registrada. Tanto
que migrou com facilidade do teatro para a TV, somando 25 novelas em seu
currculo, desde que estreou nos anos 70. Quem no se lembra da Kiki Blanche
de Locomotivas, da Santinha Rivoredo, de Stimo Sentido, ou da Morgana de
Top Model?
Numa mistura perfeita de humor e drama, Eva conquistou pblico e crtica.
Seu jeito faceiro, seu sorriso encantador e seu eterno ar de menina encontra-
ram na TV um lugar perfeito para brilhar.
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Fez poucos filmes ao longo de sua carreira, mas garantiu um dos momentos
mais antolgicos da histria do cinema: a cena em que faz um impagvel espe-
lho com Oscarito, em Os Dois Ladres, dirigido por Carlos Manga, em 1960.
Eva pode dar a impresso de ter sido sempre avoada, ligeira, mas na verdade
tem um enorme conhecimento das artes cnicas. Fala com facilidade e exati-
do sobre marcao de cena. Tnhamos a planta baixa e uma maquete de toda
a movimentao cnica no palco. Pelas maquetes, o diretor fazia a movimenta-
o dos atores.
Comprova com exemplos simples a importncia do ritmo e da impostao de
voz. Para isso, repete a mesma frase diversas vezes e em cada uma delas coloca
a fora, o peso, numa palavra diferente, mostrando assim que uma entonao
errada pode acabar com uma fala. Ritmo no velocidade, o saber dizer,
ressalta.
Mesmo com todo o reconhecimento que recebeu ao longo da carreira, Eva se
mantm modesta. Comenta com discrio o xito obtido e chega a ficar tmida
quando falamos de seu talento e carisma natural, que fez dela a menina prod-
gio dos palcos brasileiros!
Sempre foi e continua sendo uma grande diva do teatro. Na verdade, ela pare-
ce ter nascido diva. quase impossvel no se render aos seus encantos. Em
poucos minutos de bate-papo, j nos sentimos parte de seu sqito, algo que
ela consegue com naturalidade. No preciso muito para nos ter nas mos.
Um olhar divertido, uma resposta engraada e o humor afinadssimo garan-
tem o espetculo, nos palcos e na vida real.
Eva no tem papas na lngua e faz piada de si mesma sem perder a elegncia.
Na primeira vez que telefonei a ela, para marcarmos as entrevistas que resul-
tariam nesta biografia, Eva me perguntou: Minha filha, voc est me ouvindo?
Respondo: Sim, perfeitamente! Ao que ela rebate: Pois eu no estou ouvindo
nada. Estou surda feito uma porta! A partir da estava estabelecida uma delici-
osa parceria. No era preciso reservas! O melhor era aproveitar todo aquele
bom humor para embarcar numa viagem aos tempos dourados da vida teatral.
Comeamos com seus primeiros anos na Hungria, dos quais Eva tem adorveis
lembranas. Falamos da chegada ao Brasil, das dificuldades com a lngua portu-
guesa e do apoio incondicional dos pais. Revisitamos a carreira construda nos
palcos, o casamento com seus dois e nicos amores (o primeiro marido, Luiz Iglzias,
e o segundo, Paulo Nolding) e encerramos com o cinema e a televiso.
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Aos 87 anos, ela mantm a vitalidade e a graa de uma menina. Brinca com
tudo e com todos. A risada fcil e gostosa, o jeito meigo de tratar as pessoas e
sua espontaneidade natural fazem de Eva Todor uma criatura encantadora.
Por vrios dias, Eva me recebeu em seu apartamento no bairro do Flamengo,
no Rio de Janeiro - o mesmo em que viveu com Luiz Iglzias e depois com Paulo
Nolding. Ambos falecidos. Os dois fizeram a safadeza de morrer e me deixar
sozinha, desabafa. Foi ali, na tranqilidade de sua casa, que pude ver Eva se
emocionar ao reler uma carta que Paulo lhe escreveu um dia antes de falecer.
Uma carta que ela jamais havia relido e que nos cedeu para esta publicao.
Sempre muito ligada aos pais, Eva os manteve em sua casa, mesmo quando
esteve casada, e cuidou deles at o fim - o pai faleceu em 1966 e a me, em
1967. Tudo o que temos nesta vida a famlia e meus pais sempre foram tudo
para mim.
Mora desde os anos 40 nesse mesmo apartamento, onde conserva as relquias
de uma carreira iluminada. Os mveis so todos clssicos, finos, muito bem
distribudos pelo amplo e arejado apartamento. Os prmios, incluindo o Molire
que ganhou em 1969, por Olho na Amlia, ficam expostos numa grande e
robusta estante na sala de estar. No escritrio, ela mantm centenas de fotos
e recortes de jornal. Tenho horror de mexer com tudo isso, com todas essas
fotos. tanta gente morta, sussurra emocionada.
As porcelanas trazidas de suas viagens enfeitam as paredes e lotam as estan-
tes. Os inmeros casacos de pele so guardados num grande ba de cnfora
(um tipo de madeira perfumada), que comprou em Macao.
Ao mostrar os casacos, Eva se pe docemente melanclica. Passa os dedos pelas
peles macias e inacreditavelmente bem conservadas. O olhar se perde no tempo.
Fala quase que para si mesma: Eu usava esses casacos nas muitas recepes
a que amos. Eu tinha de estar sempre elegante. O pblico, de certa forma,
exigia isso.
Tudo isso faz parte de uma poca que no existe mais. Uma poca de glamour,
grandes festas, teatros lotados de segunda a segunda e de estrelas como Eva
Todor - nossa ltima dama faceira, como escreveu o jornalista Artur da Tvola:
Soem as trombetas, ali vai a ltima mulher faceira. Abram alas para a faceirice
passar!
A faceirice abriu alas, mas foi o talento que garantiu a ela inesquecveis
momentos nos palcos, onde teve a chance de interpretar quase todos os gran-
des autores nacionais e internacionais: de Luiz Iglzias a Somerset Maughan,
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de Joracy Camargo a Bernard Shaw, de Joo Bethencourt a Neil Simon. A atriz,
que foi dona da mais bem-sucedida companhia teatral do Pas Eva e Seus
Artistas , sem sombra de dvida, um marco na histria do teatro brasileiro.
Maria Angela de Jesus
Aos 4 anos, num espetculo deDomingo de Pscoa, na AcademiaNacional de Msica de Budapeste
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Captulo I
A Pequena Eva
Nasci em Budapeste, na Hungria, em 9 de novembro de 1919, filha nica de
Alexandre Fdor e Gisela Rathstein Fdor. Acho que nasci artista. Aos 4 anos,
fui matriculada na pera Real da Hungria, para aprender bal. Eu danava
muito bem e fiz alguns bailados, por isso, quando nos mudamos para o Brasil,
cheguei com um repertrio de dana, apesar de minha pouca idade.
Vim para c com apenas 8 anos. Meu pai era comerciante de tecidos e minha
me era designer de roupas. Ela desenhava e costurava. Meu pai montou uma
loja linda para ela, perto de onde morvamos, numa regio muito bonita de
Budapeste. Era um salo lindo, todo em estilo colonial, na cor creme. Infeliz-
mente, a casa foi desapropriada, para dar lugar a um grande edifcio. Meu pai
recorreu, mas perdeu em terceira instncia. Ele ficou desgostoso e disse para
minha me que queria se mudar para a Amrica do Norte. Mas ela disse que s
sairia de l se fosse para vir para o Brasil. E ele, como todo homem deu a ltima
palavra: Concordo.
Enfim, ns viemos para o Brasil porque mame bateu p que queria o Brasil.
Ela tinha a me e os irmos vivendo aqui. E assim viemos. Lembro-me dos meus
tios nos esperando no cais do porto, na cidade de Santos. Essa a primeira
imagem que tenho do Brasil.
Primeiro, nos instalamos em So Paulo, onde fiz sozinha, aos 9 anos de idade,
um recital de bal, no Teatro Municipal. Esse recital est registrado e, com
certeza, est no arquivo do teatro como a menina prodgio de 9 anos. O palco
para mim era um caminho natural a ser seguido. E desde cedo eu demonstrava
certa tendncia para a comdia.
Acho que sempre tive uma veia de humor, de saber fazer rir. No tinha jeito,
mesmo em situaes supostamente srias, eu aprontava alguma, muitas vezes
at sem querer. Como foi o caso de minha primeira apario nos palcos. Fiquei
sem dizer isso a ningum, mas acho que agora vale a pena contar. Isso foi l
em Budapeste. Eu tinha uns 4 anos e estava fantasiada de fada, toda boniti-
nha, de sapatilha de ponta, para uma apresentao de bal. Havia um telo na
minha frente, que iria subir quando chegasse a minha vez. Como eu era muito
pequena e estava demorando muito para eu entrar, sussurrei para minha me,
l na coxia: Quero fazer xixi! E ela: No pode, agora no pode.
Demorou mais um pouco. Disse novamente: Mame, eu quero fazer xixi! E ela:
No pode sair agora. Mas eu preciso! E ela, danada da vida, disse: Ento faz a
mesmo! Nessa hora, eu no pensei duas vezes. Saltei do trono, tirei a calcinha
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esquerda, acima, Saly e Aron Fdor (avs paternos de Eva) e, abaixo, seus pais, Gisela eAlexandre Fdor, no dia de seu casamento, em 1919, na Hungria
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Aos 4 anos, na pera Real da Hungria, em Budapeste
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e fiz. O problema que o palco era em declive, como todo palco, e ento o
xixi comeou a escorrer. Eu fui ver para onde o xixi estava indo e nisso sobe o
telo. E eu estava l, ainda endireitando a calcinha.
Foi um riso geral, mas todo mundo bateu palmas. Eu me endireitei e comecei a
danar. Um sucesso. Essa a primeira lembrana que tenho do palco. Foi mi-
nha estria no teatro!
O curioso que eu achava tudo muito natural. No estranhava nada. Lembro-
me de outro espetculo, na Academia de Msica da Hungria, em que arreben-
tou a fita da minha sapatilha. No tive dvidas: tirei a sapatilha e continuei a
danar. Foi uma ovao, por eu no ter parado e simplesmente ter danado
sem as sapatilhas. Desde ento, at deixar o bal, aos 18 anos, nunca mais
amarrei as sapatilhas. Eu era a nica, mesmo mais tarde, quando nos mudamos
para o Rio de Janeiro, e fui estudar bal com a professora russa Maria Oleneva,
que era uma das mais importantes da poca, eu no usava a tal da fita.
Para completar, nesse mesmo espetculo, que era num Domingo de Pscoa, vi
minha av na platia com um enorme ovo de chocolate. Ao acabar de danar
fui para a boca de palco e fiz sinal com as mos pedindo para ela me dar o ovo.
O pblico no resistiu e me aplaudiu de novo.
Sempre tive essa naturalidade no palco. No sei explicar, mas tem a duas coi-
sas: primeiro, acho que de raa mesmo. O povo hngaro, na maioria das
vezes, engraado, cmico, e tem um senso de humor incrvel. Isso nato,
da raa. Segundo, porque quase todos os hngaros acham que muito impor-
tante para a criana ter uma educao artstica qualquer, seja no bal, na m-
sica, no teatro, enfim, na arte de se expressar.
Assim, quando as crianas so matriculadas na pera Real da Hungria, acabam
sendo encaminhadas para aquilo em que tm mais vocao. No meu caso, me
designaram para o bal, e a partir de ento comeou minha vida artstica. Meu
pai achava muito bom e pagava para eu estudar. No era de graa.
Meu pai s falava para eu no cantar! Ele dizia: Minha filha, isso s mais tarde.
Mas mesmo depois, quando eu j estava na revista, na comdia musicada, ele
dizia: Faa tudo o que voc quiser, represente, dance, mas pelo amor de Deus,
no cante! Eu at que tinha boa voz, era afinada, mas ele achava que era
esganiada. Como ele dizia, eu nunca estudei canto, ento porque que havia
de cantar?
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Aos 5 anos, na pera Real da Hungria, em Budapeste
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21Com outros alunos da pera Real da Hungria, em Budapeste (acima, quarta a partir da esquerda) e, na foto abaixo, ajoelhada direitaem recepo no Consulado da Hungria em So Paulo
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Era tudo muito natural para mim. Eu me sentia bem no palco. Eu era brinca-
lhona e sempre engraada nas minhas danas e representaes. S chorei uma
vez, num desses espetculos de escola de dana, em que os alunos fazem apre-
sentaes. Isso foi na Hungria e eu era pequenininha, tinha dois nmeros para
fazer: um de bailarina e outro de Jackie Coogan, um ator infantil que fazia
aquele tipo mal-vestido, de bon e cigarro na boca, que ficou famoso pelo
filme O Garoto, de Charlie Chaplin.
Meu primeiro nmero seria de Jackie Coogan. E a eu estava l, caracterizada de
menino pobre, esperando minha vez. Ao meu lado estavam outras crianas, todas
vestidas de fada, bailarina, princesa, rainha. Olhei aquilo e comecei a chorar,
abri o berreiro, pois no queria entrar de Jackie Coogan por nada neste mundo.
E disse: No vou entrar! Ento o diretor alterou o roteiro, colocando-me primeiro
de bailarina e depois de Jackie Coogan. Da em diante, aprendi a reivindicar.
Nem lembro direito desses fatos, mas minha me sempre me contava tudo com
detalhes. Alis, meus pais sempre me apoiaram muito e adoravam me ver no
palco. Mas nenhum deles era artista, como disse, meu pai era comerciante de
tecidos e minha me desenhava os modelos de roupa e costurava. Quando
chegamos ao Rio de Janeiro, eles abriram um salo de roupas, Casa de Modelos
nicos, que foi a primeira do gnero em Copacabana. Essa foi a vida deles, mas
sempre tiveram esse fascnio pelo teatro, pela dana, pela msica. Inclusive,
minha me sempre me vestiu em todas as peas.
O nico artista da famlia, tanto da parte de minha me como de meu pai, era
um tio meu, que se tornou grande escritor com muitas peas de sucesso na
Broadway, Ladislau Fdor. Ele era conhecidssimo na Hungria e na ustria,
onde teve vrios de seus textos encenados. Escrevia para cinema e teatro, tor-
nando-se um autor consagrado na Amrica do Norte, onde escreveu peas e
roteiros de filmes, como Seis Destinos e Tampico.
Alis, naquela poca, muitos artistas saram da Hungria, por causa do incio do
nazismo. E foram para a Espanha, Estados Unidos ou para o Brasil. Muitos
deles eram artistas consagrados. Aqui no Brasil, muitos faziam espetculos no
Clube Hngaro, em So Paulo. Vi muitas peas em hngaro, pois minha famlia
freqentava o clube. Inclusive, todo ms recebamos uma revista, Vida de Tea-
tro, que era bem grossa, com artigos sobre a vida artstica da Hungria. Dentro
da revista vinha sempre um livreto com uma pea completa algumas de auto-
ria do meu tio , e eu no deixava de ler nenhuma delas.
At hoje falo, leio e escrevo fluentemente hngaro. Assim, lia todas essas peas
e depois via a montagem no Clube Hngaro.
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24 Fotos de seu primeiro espetculo solo, noTeatro Municipal de So Paulo, aos 9 anos,1930 (acima); e em sua estria no TeatroRecreio (ao lado), na revista H uma ForteCorrente, no papel de Folia
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No Teatro Recreio ( direita),1935. E em seu espetculo
solo, no Teatro Municipal deSo Paulo, aos 9 anos (abaixo)
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Isso me deu uma grande noo da arte de representar e fez crescer em mim a
vontade frrea de no sair do teatro. Nunca! O teatro para mim era algo que
traduzia com perfeio a vida real.
Havia tambm o teatro amador da colnia hngara, que montava espetculos
muito bonitos e bons. Fiz algumas peas nesse teatro e me tornei a coquelu-
che da colnia hngara, assumindo todos os papis infantis. Em alguns espet-
culos, eu s entrava no final para fazer um nmero de dana, mas em outros
tomava parte do elenco. Fiz, por exemplo, o filho de Ana Karenina. E essas
experincias, essa vivncia, me ajudaram a entender, desde muito cedo, o que
era a arte de representar, como se dirigia teatro, como se fazia teatro, como se
falava no teatro. S que eu sabia tudo isso em hngaro, no em portugus.
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Captulo II
Faceirice Nata
Eva Todor possui lugar prprio em nossa cena pelo estilo absolutamente genuno
e sua forma de representar, que mantm caractersticas do teatro de comdia
leve de costumes... O clima cnico e humano de Eva , de tal maneira, prprio
e peculiar, que ela se situa numa faixa acima do bem e do mal. No cabe em
escolas de representao, estilos, tcnicas (embora possua tcnica e talento).
Eva compe-se com uma impostao prpria que a faz nica. Em cena, recupera
algo em desuso e to lindo: a faceirice. Eva Todor faceira.
Artur da Tvola O Globo 28/8/1986
Alm das peas no Clube Hngaro, eu tambm fazia apresentaes de bal.
Assim, em 1932, fui contratada por Francisco Serrador, dono do circuito de
cinemas Serrador, para fazer alguns nmeros de dana ao vivo, nos cinemas,
ao trmino das sesses. Tudo endossado por meu pai. Mal sabamos que alguns
anos depois eu teria muitos contratos assinados com Serrador, trabalhando
com ele por mais de 22 anos, frente do Teatro Serrador, quando j nem
precisvamos de contrato. Bastava a palavra dele e tudo se resolvia. Diversas
vezes o teatro foi solicitado por outras companhias e ele jamais cedeu. Sempre
fez questo de deixar claro que s cederia se eu desistisse.
Mas, enfim, nosso primeiro contrato foi por ocasio dessas apresentaes no cir-
cuito de cinema. Eu era muito graciosa, brincalhona, nas danas e representaes.
Obtive xito com esses nmeros, que tiveram lugar em So Paulo e Porto Alegre.
Logo em seguida, nos mudamos para o Rio de Janeiro, onde meu pai me matricu-
lou no Theatro Municipal, justamente para ter aulas com Maria Oleneva. Fiquei
por l algum tempo, mas ali encontrei companheiras e amigos. Fiz camaradagem
com Bibi Ferreira, Madeleine Rosay e Itlia de Azevedo.
At que um dia Oduvaldo Viana, que havia ouvido falar da menina hngara,
ainda amadora, mas que j fazia diversas apresentaes no Clube Hngaro
(onde se apresentaram importantes artistas hngaros, de passagem pelo Brasil),
me chamou para fazer um teste. Ele estava preparando a montagem da pea
A Cano da Felicidade, com Dulcina de Morais, e precisava de uma menina
que tivesse alguma prtica de teatro. Fui fazer o teste e infelizmente no fui
aprovada, por um motivo muito simples: a lngua.
Eu estava com uns 12 anos, mas ainda no falava bem o portugus, porque
aconteceu o seguinte: quando cheguei ao Brasil, fui matriculada numa escola
alem, em So Paulo.
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28 Eva (Arlequim), Bibi Ferreira (Cossaco), Madeleine Rosay (Bailarina) e Itlia Azevedo,no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no Corpo de Baile de Maria Olenea
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Isso fez uma tremenda confuso na minha cabea, porque ningum na escola
alem falava hngaro e eu no falava uma palavra de alemo. So duas ln-
guas que no tm nada a ver uma com a outra. Muito menos com o portugus.
Eram trs idiomas completamente diferentes na minha cabea, sendo que de
duas delas eu no falava nada! Era muita confuso. Eu no tinha ningum com
quem conversar. A no ser duas meninas hngaras. Uma delas, inclusive, at
hoje minha amiga, e a outra era a filha do cnsul hngaro em So Paulo.
Quando fui reprovada no teste da Companhia da Dulcina, chorei muito, disse
que no ia mais tentar, mas sobrevivi! Voltei ao Municipal e l Mrio Nunes,
crtico de teatro do Jornal do Brasil, me disse: No chora no, porque tenho
uma oportunidade melhor para voc. Voc dana muito bem. S precisa fazer
alguns papis para treinar a lngua e tudo vai correr bem. E ele ento me levou
para o Teatro Recreio. Foi assim que estreei, em 1934, com apenas 13 anos, na
revista carnavalesca, H uma Forte Corrente, fazendo a Folia alis, custei a
entender o que era folia, pois ningum conseguia me explicar! Esse espetculo
no era propriamente revista, no tinha nu nem nada, era uma burleta, ou
seja, uma revista com enredo. Foi ento que tive a certeza absoluta de que
no seria somente uma bailarina. E disse para mim mesma: De um jeito ou de
outro, serei atriz.
Esse trabalho no Teatro Recreio teve grande importncia na minha vida. Foi l
que conheci um diretor que quis me tirar o papel porque eu falava mal o por-
tugus. Eu empombei e disse: No senhor! Eu j sei o que a arte de represen-
tar. O senhor no diretor? Pois ento que me dirija e me ensine o portugus.
Eu tinha 14 anos, mas sabia muito bem o que queria! Sempre fui assim, muito
firme na minha vontade de seguir a carreira artstica. E deu certo. Ele me en-
saiou para a pea H uma Forte Corrente, que foi um grande sucesso! Seu
nome: Luiz Iglzias, que viria a ser meu primeiro marido. Por essa bronca que
dei nele que ele se apaixonou. Ele cada vez mais apaixonado por mim e eu
cada vez mais apaixonada pelo teatro.
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Com Luiz Iglzias, 1940
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Captulo III
Iglzias: Uma Parceria na Vida e nos Palcos
Quando Eva Todor e Luiz Iglzias uniram seus destinos, ele como que nasceu
de novo, para o teatro e para a vida. Ao lado de Eva, seu entusiasmo pelo
teatro atingiu o ponto culminante e sua vontade de viver, para ela e para o
teatro, encontrara novamente o calor da famlia, no carinho, no desvelo e na
abnegao de sua primeira atriz e seu ltimo amor.
Joracy Camargo 1964
Com Luiz Iglzias vivi um casamento de 28 anos, que s acabou quando ele
faleceu, em 1963. Logo que nos conhecemos, houve certa resistncia de minha
parte, mas acabei cedendo e me apaixonando por ele. Casei-me com apenas 14
anos e grande contrariedade da parte de meu pai.
O fato que quando Iglzias se encantou por mim e quela altura eu j
estava deslumbrada pelo teatro me senti lisonjeada, pois havia todo um en-
canto pela figura do diretor, pela autoridade. E desde o incio ele demonstrou
grande dedicao a mim, chegando at mesmo a compor uma marcha de car-
naval para mim, intitulada Eva Querida, de 1935, com msica de Benedito
Lacerda, que era assim:
Eva querida,
Quero ser o teu Ado.
Dar-te hei o meu amor,
A minha vida
Em troca do teu corao!
Hei de conquistar o teu amor
Se Deus quiser,
Custe o que custar,
Haja o que houver...
Serei capaz de qualquer prejuzo
Mas te darei um paraso!
Eva, Eva, Eva, Eva querida (bis)
Iglzias sempre se preocupou com a minha carreira. Tanto que contratou pro-
fessores particulares para me ensinar tudo: portugus, histria, conhecimen-
tos gerais. Menos aritmtica, pois ele dizia que eu no precisava me preocupar
em fazer contas.
Claro que meu pai no concordava com nosso namoro, pois Iglzias era quase
20 anos mais velho do que eu e, para piorar, era desquitado. E meu pai, quando
soube do namoro, ficou furioso.
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Com seu marido Luiz Iglzias, seus pais e tios
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Com seu marido Luiz Iglzias e seus pais
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Mas eu disse a ele: Voc no se importou que eu me tornasse artista e sempre quis
que eu seguisse essa carreira. Nunca me perguntou nada, mas sempre estivemos
de acordo, e agora no quer me deixar casar?. No final tudo deu certo.
Iglzias estava mesmo decidido a se casar comigo, mas isso no era possvel
por ele ser desquitado. Mas ele no desistiu e chegou a dizer que podamos
nos casar no Uruguai, por procurao, qualquer coisa, desde que tivssemos
uma situao regular, correta. Naquela poca muita gente casava no Uruguai.
Era comum. A persistncia dele foi tamanha que meu pai acabou deixando
que nos casssemos, pois sabia que no ia adiantar proibir. Casamos por
procurao. Chamamos um tabelio l em casa. Em 22 de setembro de 1935
firmou-se um contrato de casamento e em seguida embarquei em lua-de-mel
que na verdade era uma excurso com a companhia, para levar espetculos
por todo o Nordeste. Fizemos a turn e a lua-de-mel ao mesmo tempo.
Iglzias sempre me tratou com todo o respeito e carinho deste mundo, antes e
depois de nos casarmos. Lembro-me que quando chegamos Bahia recebe-
mos uma notificao dizendo que menor de idade no podia fazer teatro.
Como eu era menor, ns tnhamos que ir delegacia e assinar um livro, como
se fosse um registro, para obter a liberao do espetculo. Nesse livro, eu teria
de assinar numa pgina que dizia: Atrizes e Meretrizes. Iglzias se enfureceu e
no permitiu que eu assinasse aquilo. Ele parou toda a companhia, organizou
manifestaes com estudantes na cidade e, por fim, conseguimos o alvar para
estrearmos, mas eu no assinei aquele livro.
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Com seu marido Luiz Iglzias e seus pais
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Luiz Iglzias e Jardel Filho, assinando contrato
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Captulo IV
Formao
Eva Todor veio do teatro ligeiro por possuir reais qualidades para a comdia.
A sua figura irradia simpatia... A sua interpretao segura e convence, porque
a artista, como peixe ngua, dominando a cena e conquistando o pblico,
impe sua personalidade. No se parece nem imita qualquer outra artista. Isto
seu mrito primeiro.
Jornal O Sculo Lisboa - 3/4/1948
Devo muito do meu aprendizado ao Iglzias. Com ele aprendi muita coisa e tive
chance de estudar muito. Ele nunca se descuidou disso e sempre me apoiou. Inclu-
sive, algumas pessoas que no gostavam dele o acusavam de no contratar dire-
tores para a nossa companhia. No verdade. Sempre tivemos e dos bons!
Tivemos diretoras como Ester Leo e Lucila Simes, ambas de Portugal, que
eram muito talentosas, e o professor Eduardo Vieira, portugus tambm, radi-
cado no Brasil. Ele era o maior, o melhor diretor da lngua portuguesa e um
profissional muito significativo para o nosso teatro. Ele foi contratado em carter
permanente e teve uma importncia fundamental na minha formao. Foi ele
que me ensinou a representar e me mostrou o valor das vrgulas e outras coisas
que numa escola de teatro talvez eu no tivesse aprendido. Aprendi na prtica,
durante 14 anos.
Ele me ensinou a arte de dizer. Hoje em dia muitos artistas falam que repre-
sentam, mas que no conhecem a arte de dizer. Nada! Fazem drama gritando,
falando alto.
Com o professor Vieira, descobri e entendi a arte de valorizar uma determinada
palavra numa frase. Por isso ele tem grande valor para mim. Foi meu professor,
contratado no Teatro Serrador, e me ensinou dico. No se pode esquecer
que, na comdia, uma frase ou uma palavra colocada errada desmonta o humor.
Acaba com a graa. , por isso, que sempre digo que a comdia muito mais
difcil do que o drama.
No drama, voc pega a pessoa pela emoo e vai levando. Alm disso, qualquer
um pode ser dramtico. Comediante no. diferente. Ou se tem graa ou no
se tem. No h meio-termo. Hoje tenho noo disso, mas na poca no tinha.
E no posso agora me enfeitar com penas de pavo, dizendo: Eu sabia... No
precisei aprender nada. Meu processo de trabalho e minha forma de atuao
eram inatos. Eu usava a intuio, mas tambm estudei muito. Sempre me per-
guntavam: Como que voc faz os papis, o que que voc faz? No sei.
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Revista Carioca, 1941 ( esquerda), quandoEva estrelava Chuvas de Vero, no TeatroSerrador, e os programas do Serrador das
temporadas de 1943 e 1946 ( direita)
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A nica coisa que costumo fazer me perguntar: O que eu faria na vida real, para
ser natural? Faria isso assim ou assado? Existem trs aspectos bsicos que sempre
analiso num papel: o porqu, para qu e para quem. O resto no tem mistrio.
Posso dizer que tive um pouco mais de dificuldade no drama, porque no a
minha rea. por isso que sempre digo que o artista no tem obrigao de fazer
tudo. Cada um de ns tem um gnero, no s nos palcos, nas telas, mas na prpria
vida. J imaginou o grande, trgico, Ermete Zacconi fazendo comdia? No, en-
to porque razo ns temos de fazer comdia, drama e por a afora?
Mas hoje em dia j no se faz mais o teatro puro de comdia. Os autores con-
fundem comdia com besteirol ou chanchada que nunca foi a minha praia.
Assim como confundem comediante com cmico. O que no a mesma coisa.
As pessoas tm mania de achar que comdia fcil ou que somente um
gnero. Na verdade, considerada por muitos como um gnero menor. A tal
ponto que no tnhamos nem apoio nem subveno, nada. Nunca recebi ne-
nhum auxlio, mas tambm nunca precisei recorrer a isso, graas a Deus.
Vrias temporadas da Cia. de Eva no Teatro Serrador
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Captulo V
O Estilo Eva
Atriz ou ator que cria e faz sucesso com um gnero de representar demonstra,
antes de tudo, personalidade dominante face ao pblico... A nossa Eva Todor
tambm criou seu gnero, o gnero Eva, a personagem alegre, brincalhona,
biruta, capaz de resolver os mais intrincados crimes e passar pelo mais nove-
lesco caso de amor, sorrindo e fazendo o pblico sorrir.
Ney Machado O Dia 29/11/1964
Nos anos 40, depois de cinco anos fazendo teatro de revista, veio minha grande
transformao. Iglzias, muito esperto e preocupado com minha carreira, achou
que no era legal que continussemos na revista, pois estava comeando a
surgir o nu artstico, que foram incorporados aos espetculos. E a ele percebeu
que era hora de mudar. Ele dizia para o pessoal da companhia: Eva tem jeito e
talento para a comdia! Claro que todo mundo achava que ele estava louco,
afinal, queria lanar uma menina na comdia e isso parecia uma loucura. Ainda
mais uma menina que no tinha experincia nenhuma nem conhecia direito a
lngua portuguesa.
Ele queria sair do teatro de revista e tinha certeza de que eu me daria muito na
comdia. Tanto que, em maro de 1940, ao voltarmos da turn pelo Nordeste,
fundamos a companhia Eva e seus Artistas e estreamos a comdia Feia, de
Paulo Magalhes, sob a direo de Esther Leo.
Foi a partir de ento que pude desenvolver um estilo pessoal de comdia, o que
acabou se tornando uma marca na minha carreira, na minha vida. Nascia assim o
estilo Eva, que era um estilo de humor, um jeito muito prprio de fazer rir.
importante dizer que o gnero Eva era comdia, no era besteirol. Eu fazia com-
dia fina, com textos muito bem elaborados. E tinha a minha graa pessoal, alm
da graa do texto e das situaes. Era um gnero fino e familiar, de menina-moa.
Sempre tive uma queda para o humor. O povo morria de rir com as bobagens
que eu dizia em cena e com o meu humor fsico tambm. Eu atravessava o
palco, de mais de sete metros, feito uma borboleta. Num dos espetculos, tinha
de andar em cima dos mveis, pulava, fazia e acontecia. Como eu tinha sido
bailarina, era fcil para mim, pois tinha muita agilidade no palco.
O Iglzias criava ou adaptava personagens especialmente para a minha idade.
Com isso, acabava fazendo sempre as jovenzinhas ingnuas. Fui muito
sobrecarregada e, de certa forma, estandartizada. Com isso, fiquei muito tempo
representando meninas de 17, 18, 20 anos, porque era o meu forte.
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E o pblico adorava. Muita gente chegava bilheteria do teatro e perguntava:
pea gnero Eva? Se a moa da bilheteria respondia: No, nem tanto, eles
diziam: Ento, no quero.
Assim, insistia-se muito nessas peas. Isso estandardizou um pouco a minha
vida, que ficou resumida, vamos dizer, a um s gnero. No deu uma amplitude
ou espao a outros gneros. A no ser uma ou outra vez, quando eu fazia uma
pea para mostrar que tambm podia interpretar outros estilos.
Mas o fato que o gnero Eva sempre fez muito sucesso. Era comercial e
familiar. Mesmo mais tarde, quando todo o mundo comeou a fazer teatro de
opinio, teatro de agresso, teatro poltico, ns continuamos com as peas
leves, de humor. E o nosso teatro era sucesso absoluto, enquanto os outros
precisavam de subvenes.
A companhia Eva e seus Artistas existiu at o final do anos 60. Durante os
quase 30 anos de sua existncia, sempre representando comdias de costume,
ns pudemos contar com atores maravilhosos, como Andr Villon, Jardel
Jrcolis, Elza Gomes, Henriette Morineau, Afonso Stuart, Judite Vargas, Arman-
do Rosas, Armando Braga, Samaritana Santos e muitos outros. Alis, naquela
poca, poucos artistas de teatro no foram contratados meus. Alguns deles
hoje so famosos na televiso, mas comearam na minha companhia, como
Daniel Filho, Herval Rossano, Jorge Dria e Marieta Severo.
No incio de Eva e seus Artistas, fazamos espetculos no Teatro Rival, de Hlio
Vivaldi Leite Ribeiro, e muitas vezes tnhamos de esperar que uma companhia
importante, como a de Alda Garrido, Dulcina de Morais ou do Jayme Costa,
sasse de cartaz para que pudssemos entrar. Era difcil de trabalhar, no havia
teatro para todo mundo.
Foi ento que nos ofereceram o Teatro Serrador, o mais alinhado do Rio de
Janeiro, alm do teatro do Copacabana Palace, que tinha pegado fogo e no
se podia contar com ele. At ento a gente tinha de esperar que algum desis-
tisse para poder entrar. Assim, quando recebemos a proposta de ficar perma-
nentemente no Serrador, fomos ao Rival, falar com Vivaldi Leite Ribeiro, para
explicar que iramos ficar fixos no Serrador. Fizemos isso por pura considerao,
pois achamos importante conversar com ele antes de tomar qualquer deciso.
Havamos feito temporadas brilhantes l, com Feia, Levadinha da Breca, Casei-
me com um Anjo, Colgio Interno (escrito pelo meu tio, Ladislau Fdor) e uma
poro de outras peas.
Lembro-me que Vivaldi Leite Ribeiro disse: Olha, minha filha, eu gostaria muito
que vocs ficassem no Rival, mas tenho que admitir que o Serrador muito
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mais teatro. Principalmente para voc. Fomos para o Serrador, onde ficamos
por 23 anos consecutivos. Foram tantos anos de espetculos no Serrador que as
pessoas j diziam: o teatro da Eva. Quando Francisco Serrador faleceu, tenta-
mos compr-lo, mas o negcio no foi adiante. Recebemos at o apoio do
presidente Castelo Branco que, ao saber do caso, ligou para minha casa. Meu
pai atendeu o telefone e desligou, pois pensava que era trote. Ele nos ofereceu
um financiamento para comprar o teatro, mas a j no valia a pena. Isso algo
que me di muito. Existem tantos teatros com nomes de atrizes e eu no tenho
nenhum.
Durante as mais de duas dcadas que ficamos no Serrador, tnhamos espet-
culos de segunda a segunda. De janeiro a janeiro. A vida teatral era muito
intensa, com muitas peas sendo montadas. Quando estreei, lembro-me que
era um ms para cada pea. Era tudo muito rpido. E isso exigia uma rgida
marcao de cena, seguindo o modelo italiano ou portugus. Era a nica manei-
ra de estruturar cenicamente uma pea num prazo to curto. Trabalhvamos
com uma slida planta baixa de todo o espetculo, para facilitar o processo de
remontagem. Sempre acompanhei tudo isso muito de perto e aprendi muito
sobre marcao de cena. Depois que isso foi mudando.
Iglzias era, ento, o poderoso chefo do teatro brasileiro. Ele escolhia as peas
para mim, especialmente entre textos hngaros e americanos. Eu lia, ajudava a
traduzir e ele adaptava, pois as peas tinham 17, 18, 20 personagens. Ele reduzia
para o tamanho da nossa companhia, que eram dez, 11 pessoas. E funcionava
muito bem, porque ele reduzia os personagens, mas no cortava, pois era um
adaptador sensacional. O que ele fazia era fundir os personagens, adaptando
os textos para a minha idade. Da o meu grande sucesso.
Pesava uma grande responsabilidade sobre mim. Eu s trabalhava, mas era
muito feliz, muito mimada. Alis, pelos dois maridos que tive. Primeiro o Iglzias
e depois o Paulo Nolding. Embora hoje eu saiba que Iglzias era muito assedia-
do e tinha suas escorregadelas, na poca eu no sabia. Eu estava totalmente
entregue ao teatro, trabalhando intensamente.
Inclusive, muitos anos depois, quando comecei a fazer televiso j tenho 27
anos na Rede Globo eu ficava sufocada com tanto trabalho. Fazia teatro,
televiso, no parava nunca. Mais tarde que tomei a deciso de fazer uma
coisa apenas e acabei optando pela televiso, que para mim muito mais fcil.
Mas confesso que hoje em dia no tenho mais vontade de fazer teatro, onde eu
teria de fazer tudo: escolher as peas, cuidar da organizao e administrao das
coisas. O que sei fazer do palco para dentro. Do palco para fora, nada.
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Chegada a Lisboa, 1950, pela segunda vez no navio Vera Cruz
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Captulo VI
Portugal se Rende ao Gnero Eva
Eva Todor encantou logo no cais, ao chegar. Depois, no palco do Teatro Aveni-
da, seduziu completamente, arrancando entusisticos e sinceros aplausos do
exigente pblico lisboeta.
Manuel Moutinho Dirio da Manh Lisboa, 4/4/1948
A estria de Eva e seus Artistas, pode afirmar-se sem favor, constitui um triunfo
para o teatro brasileiro, para Eva Todor e para Luiz Iglzias... E Eva Todor ,
sem dvida, um desses temperamentos privilegiados de artista que exerce junto
de uma platia o papel de um reagente poderoso, irresistvel.
Norberto Lopes Dirio de Lisboa 3/4/1948
um gosto v-la atuar com tanta alegria, espontaneidade e inteno. Os olhos,
as mos, as pernas, os braos representam tambm com ela. E, curioso, estando
sempre em movimento, agitada, Eva nunca exuberante demais.
Dirio de Notcias Lisboa 15/5/1948
Tenho orgulho de dizer que foi com a comdia de gnero Eva que cruzamos o
Atlntico e conquistamos Portugal. Minha companhia, Eva e Seus Artistas, foi trs
vezes fazer temporada na Europa, levando 27 peas, com cenrios, figurinos, tudo
por nossa conta. ramos um grupo de 40 pessoas, entre atores e tcnicos. Cada
ator fazia apenas um papel por espetculo. Nunca usvamos o mesmo ator para
dois ou trs papis, como comum quando as companhias viajam. Levvamos
tudo daqui, de navio, e montvamos os espetculos completos.
Viajvamos com todo o elenco, diretores, contra-regras, secretrios e por a
afora. Alis, levvamos um grupo de atores talentosos, de primeira linha, com
Andr Villon, Elza Gomes, Afonso Stuart, Samaritana Santos, ris del Mar,
Alberto Perez, Armando Rosas, Armando Braga, Pla Leski, Pepa Ruiz, Arman-
do Ferreira e Artur Costa Filho que no eram apenas artistas contratados,
eram nossa famlia. Viajvamos de navio, de primeira classe, com todo o con-
forto possvel.
A idia de ir para Portugal foi coisa do Iglzias. No recebemos um convite,
ns que pedimos para ir. Assim, fomos trs vezes Europa, por conta prpria,
e permanecemos por l nessas condies. E ainda por cima pagvamos 50% ao
empresrio de l e ficvamos com os outros 50%. Mesmo assim sobrevivemos e
ganhamos muito dinheiro.
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56 No Teatro Maria Victria, de Lisboa, com os atores Humberto Madeira e Raul Solnado
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Claro que era um negcio arriscado, pois alm de dividir os ganhos com o empre-
srio de l, ainda tnhamos de assumir toda a despesa com passagem, transporte,
estadia e ainda pag-lo. Apesar de tudo isso, deu certo.
s quintas-feiras, sbados e domingos, fazamos trs sesses corridas por dia:
das 4 s 6 horas da tarde, das 8 s 10 horas da noite e das 10 meia-noite. s
segundas, teras, quartas e sextas-feiras, fazamos duas sesses. Hoje em dia
isso no existe mais. Sem dizer que os portugueses no gostavam de peas
curtas! Tnhamos de montar espetculos longos, grandiosos, completos.
Nunca recorremos a incentivos do governo. A nica vez em que recebi uma
ajuda pequena do governo foi com a pea Chiquinha Gonzaga, que tinha muitas
roupas de poca, com 32 figuras em cena. Na ocasio, recebemos o apoio do
ento ministro da Educao e Cultura, Jarbas Passarinho, que fez questo de
nos ajudar por se tratar de uma personagem histrica.
Por isso, fao questo de lembrar que Eva e seus Artistas foi a primeira compa-
nhia de comdia a atravessar o Atlntico e se apresentar em Portugal. Fizemos
nossa primeira temporada em 1948, com apresentaes sempre lotadas, durante
nove meses. O sucesso foi to retumbante que voltamos em 1950 e em 1960,
para uma temporada de 11 meses e outra de dois anos e meio. Era uma mara-
vilha. Sempre recebemos boas crticas e o carinho do pblico. Era uma loucura.
Por exemplo, quando eu ia atravessar a Avenida da Liberdade, que a principal
e mais movimentada de Lisboa, o guarda parava o trnsito para mim: Parem
para a menina Eva passar, dizia ele. E eu nunca conseguia comprar nada, pois
ningum aceitava meu dinheiro! Se eu gostasse de algo, eles me davam de
presente. como digo, portugus fino fidalgo.
Foram momentos maravilhosos no Teatro Avenida, de Lisboa, e em outras
provncias de Portugal, na regio do Porto. Tudo isso com a companhia por
minha prpria conta.
Logo depois da terceira temporada em Portugal, fomos para a frica, em 1962,
onde excursionamos por oito meses. Nessa altura, entrou um scio, um empre-
srio portugus na companhia, que a transformou numa companhia de gnero
musicado. A comdia ficava por minha conta, mas o resto era um gnero de
revista, que eles adoravam l fora. Essa foi a nica vez que fiz revista, depois de
ter sado do gnero j nos primeiros anos de carreira. Claro que ao retornar ao
Brasil fomos de novo para a comdia.
Conheci grande parte da frica. Foram 25 cidades da costa oriental e 25 da costa
ocidental. Trabalhamos muito. Passamos pela Rodsia, Zimbbue, Angola,
Moambique e frica do Sul. Foram muitos lugares e uma tima experincia.
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Infelizmente, logo depois que voltamos de viagem, Iglzias veio a falecer de
edema pulmonar, em 1963. No posso deixar de dizer que Iglzias deu todo o
alicerce para minha carreira que no foi conquistada custa de mdia, mas
sim pela qualidade do meu trabalho, pelas peas que fiz e pela minha atuao.
Tenho plena conscincia de que no decorrer dos anos Iglzias acabou se anu-
lando para se dedicar a mim. Chegou at a esquecer que era um grande autor,
pois s trabalhava para mim. Por isso tudo, devo metade do meu sucesso ou
mais a Luiz Iglzias.
No casamento civil, com seu segundo marido, Paulo Nolding, e seus pais
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Captulo VII
O Casamento com Paulo Nolding
Depois da morte do Iglzias, fiquei sozinha com meus pais. Foi tudo muito de
repente. Um susto danado. Na poca, nem pensava em me casar de novo,
mas eu tinha apenas 42 anos. At que Paulo Nolding, que j era um grande
amigo, me convenceu do contrrio. Ainda bem, pois com ele vivi 25 anos de
felicidade imensa.
Paulo era engenheiro qumico e tinha uma fbrica, a Metalrgica Nolding,
uma empresa familiar, que ele administrava com os irmos. Na verdade, ele
era presidente da empresa, mas depois desistiu de tudo.
No fundo, o sonho do Paulo era ser ator. Tanto que entrou para a nossa compa-
nhia para substituir um ator. Ele era um rapaz educadssimo, de uma famlia
finssima, que at hoje como se fosse minha. Entrei para essa famlia maravi-
lhosa, de 14 irmos, que me acolheu com muito carinho. Ele tinha uma poro
de tios e sobrinhos, bem diferente da minha famlia, que sempre foi pequena.
Eu sou filha nica! Guardo recordaes maravilhosas de todos eles, aos quais
quero muito bem. Eles foram uma ddiva de Deus para mim.
Mas, enfim, quando Paulo entrou para nossa companhia tornou-se logo um gran-
de amigo. Como ele ainda tinha a fbrica, trabalhava conosco esporadicamente.
Assim, quando fomos para a Europa, deixamos aqui algumas coisas pendentes,
inclusive financeiras, e ele tomou conta de tudo. E ainda fazia companhia a meus
pais, que j estavam velhos, e ia jogar cartas regularmente com eles, durante os
dois anos e meio em que estivemos fora. E Iglzias sempre dizia: Esse sim, vinho
de uma boa safra. Naturalmente quando Iglzias veio a falecer, Paulo me ajudou
muito, administrando uma poro de coisas minhas.
Eu estava muito abalada e no queria mais fazer teatro. Era muita coisa para
cuidar, mas a Paulo me disse: Pode deixar que eu te ajudo. Segui em frente e
reestrei no Teatro Serrador, com A Moral do Adultrio, pea inacabada de
Iglzias, da qual ele havia escrito apenas um ato. A segunda parte foi escrita
por Mrio Brasini, um excelente autor e acima de tudo um grande amigo. Alis,
ao Mrio devo o fato de ter aceitado o pedido de casamento de meu segundo
marido e o convite para ser funcionria da Rede Globo.
Nessa poca, me entreguei completamente ao trabalho. E Paulo sempre por perto,
me apoiando. O espetculo ficou belssimo e foi um grande sucesso. Logo depois
fiz outra pea, As Vivas do Machado, baseada em Machado de Assis. Paulo j
havia, ento, se tornado mais do que um amigo: era meu empresrio.
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O casamento religioso com Paulo Nolding, na Igreja Nossa Senhora do Brasil, na Urca, 1965
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O casamento religioso, com Paulo Nolding, e os amigos Alda Garrido, Fbio Sabag, PaschoalCarlos Magno e Maria Sampaio
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Ele ficava comigo, pra l e pra c todo dia, tnhamos um entendimento muito
grande. E ele j tinha dito, para muita gente, que estava apaixonado por mim.
Todo mundo sabia, menos eu. Era paixo mesmo. At que um dia ele me disse:
Olha, Evinha, eu no posso ficar vindo sua casa todo dia, porque at feio
para voc. Como eu j estava viva h seis meses, ele achava que no ficava
bem sua presena constante no meu dia-a-dia. Respondi: Est bem, ento no
vem mais. Mas quando ele foi embora, eu o chamei imediatamente e disse:
No posso viver sem voc.
Aceitei seu pedido de casamento, que foi realizado dois anos e meio depois.
A me dele, coitadinha, sempre me pedia: Pelo amor de Deus, casa com ele,
no o faa sofrer. Paulo era muito ligado famlia e muito correto. Era solteiro,
totalmente desimpedido, e podamos nos casar quando bem quisssemos. Mas
eu no queria me casar. At que meu pai me chamou e me fez um sermo: O
que voc est pensando? Voc encontra um rapaz, um homem da sua idade,
solteiro, desimpedido, que no precisa de voc para nada e voc est a fazendo
doce. Voc est pensando que Clepatra. viva, bonita, importante, popular,
claro que vai encontrar muita gente disposta a ter uma situao com voc, mas
vai ser apenas uma situao. Poucos homens da sua idade vo querer casar,
porque j esto casados. O momento de construir uma nova famlia agora.
Voc encontra um rapaz que no precisa de voc e mesmo assim quer casar
com voc, mas voc no quer! Que histria essa?
Eu ainda no estava apaixonada pelo Paulo. Via nele um grande amigo, mas
depois de casada, devo admitir, ele foi a criatura que mais adorei neste mundo.
Ele foi incrivelmente bom, paciente, inteligente, perspicaz, companheiro,
amante, tudo o que voc possa imaginar. Sem desmerecer meu primeiro mari-
do que fez de tudo pela minha carreira e se no fosse ele eu no teria sido o
que fui Paulo foi melhor como companheiro, como a pessoa que organizou
minha vida e me deu um lastro. Um lastro que Iglzias no havia deixado, pois
era mais perdulrio, mais bomio, e sempre me dizia: Posso no deixar nada
para voc, porque bens materiais no significam nada, mas de uma coisa voc
pode ter certeza, plantei o seu nome muito bem plantado. Sua carreira est
encaminhada. Voc tem uma carreira e um nome plantado. Uma carreira que
no feita por marketing, nem por jornais, mas porque voc conhecida no
Brasil inteiro e na Europa, aqum e alm-mar. Posso no te deixar nada, mas o
teu nome eu deixo feito. Assim era Iglzias.
E Paulo, por intuio, continuou a obra de Iglezias. Foram meus dois casamen-
tos. Um de 28 anos e outro de 25. S tive essas duas criaturas na vida: Iglzias
e Paulo. S que os dois fizeram a safadeza de morrer e me deixar sozinha.
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Nos dois anos e meio que namorei Paulo, era s namoro mesmo. Pode acredi-
tar! Eu no fiz a experincia que uma das irms dele me aconselhou a fazer.
Ela me disse bem assim: Se voc no gosta dele, se no quer casar, faa uma
experincia, uma situao. Mas no fiz isso e argumentei: No vou fazer isso,
porque conheo a famlia de vocs, que muito sria, tradicional. E Paulo um
homem absolutamente ntegro e honesto. Vou casar com ele direitinho. Dar
tempo ao tempo e me casar.
Em 1965, nos casamos na igreja Nossa Senhora do Brasil, na Urca. Foi uma
cerimnia lindssima. Tive at que me batizar para poder casar na igreja catlica,
pois no era batizada. E Elza Gomes foi minha madrinha. Meu pai dizia que eu
era vira-lata, porque s me batizei para casar na igreja! Mas mesmo com Iglzias,
com quem no tive uma cerimnia tradicional, fomos receber a bno na
igreja catlica. E vou dizer uma coisa: no dia do meu casamento com Paulo, eu
estava to nervosa que telefonei para o meu mdico, desesperada. Estou cheia
de dor, eu disse. E ele respondeu: Voc est em pnico, sua boba!
Depois que nos casamos, Paulo abandonou de vez tanto a metalrgica quanto
a idia de se tornar ator. No ia dar certo ser ator estando casado comigo. Eu
no queria fazer concorrncia a ele. Claro que queria que ele fosse uma pessoa
importante e fizesse carreira no mundo artstico, que era o que gostava, mas
como ator haveria sempre uma competio entre ns. Alm disso, ele era mara-
vilhoso como empresrio. Tanto que realizou grandes produes. Foi ele que
produziu as peas De Olho na Amlia, com 27 pessoas envolvidas, Em Famlia,
de 20 pessoas, Rendez-Vous, na Maison de France, e Chiquinha Gonzaga, que
era uma produo grande, com mais de 30 pessoas e um figurino de cem roupas
de poca.
Eu o fiz empresrio e ele correspondeu, pois tinha uma vocao enorme para
administrao! Tinha que ter. Era engenheiro qumico, uma pessoa instruda,
falava diversas lnguas, entendia de teatro, enfim, era muito talentoso. Como
ator, fez alguns trabalhos e chegou a substituir Nelson Rodrigues, que era autor
e ator da pea Perdoa-me por Me Trares, na montagem de 1957. Paulo, que
falava francs muito bem, se apaixonou pelo teatro ao trabalhar com Louis Jouvet,
que se apresentou no Rio de Janeiro, no Theatro Municipal, nos anos 40. Enfim,
ele at tinha vocao para ser artista, mas eu no o queria como artista.
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Na pea Cndida, de Bernard Shaw, 1946
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Captulo VIII
Do Humor ao Drama
um prazer, depois de vrios anos, deparar de novo com o estilo de Eva Todor,
uma das damas do teatro brasileiro. Ela perdeu a audcia da colegial sapeca,
tpica de seus primeiros namoros com a platia. Uma inflexo e uma prosdia
especiais, dando-lhe ar brejeiro, de comunicabilidade simptica. A essas caracte-
rsticas, verdadeira marca pessoal, Eva acrescentou maturidade, no domnio
dos recursos cnicos, e um toque de fantasia que retira a comdia do plano
terrestre, para sugerir nela um mergulho mais profundo.
Sbato Magaldi Jornal da Tarde 4/7/1981
Quando digo que Eva Todor traa novas diretrizes a seu teatro, no pretendo
afirmar qualquer ato de rejeio ao teatro com que, por muitos anos, conquistou
sua posio das mais queridas do pblico brasileiro. Um teatro que com ines-
quecvel simpatia e graa e bastante talento interpretou na primeira fase
de sua carreira. E no fcil de interpretar, preciso que se diga. S os que esto
por fora, em teatro, pensam que esse tipo de criao o leve, o cotidiano, o
natural fcil. um teatro de treinamento, que equipa o intrprete e d-lhe
segurana para o teatro maior.
Maria Jacintha 1968
Depois de muito tempo interpretando mocinhas, percebi que era hora de buscar
papis mais maduros. Era difcil arranjar peas naquela poca, porque as primei-
ras-atrizes do mundo inteiro eram mais velhas do que eu. Por exemplo, quando
fiz Cndida, eu tinha 26 anos e a personagem tinha 36 anos, era uma mulher
casada e mais madura. A mesma coisa com A Carta de W. Somerset Maugham,
que fiz no ano seguinte, em 1947, com 27 anos. Esse papel foi feito pela Bette
Davis, que j era uma atriz mais madura, de seus 40 anos. Esses foram meus
primeiros papis de mulheres mais velhas. Mesmo assim no deixei as moci-
nhas totalmente de lado.
A grande virada veio a partir de 1965, quando me casei com Paulo. Foi ele que
me aconselhou a abandonar de vez os papis de jovenzinha: J est na hora de
parar de fazer as mocinhas. Lembro-me que ele falou bem assim: melhor o
pblico pensar que voc est muito jovem para um papel do que pensar que
voc est muito velha. Foi ento que percebi que era o momento de fazer as
damas-gals, como foi o caso da pea De Olho na Amlia, de Feydeau, pela
qual ganhei o prmio Molire de melhor atriz, em 1969.
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Graas ao Paulo, assumi a minha velhice muito antes de ela chegar. Como digo
sempre: houve uma poca em que eu fazia as mocinhas. Depois, fazia as mulhe-
res mais velhas e hoje fao mulheres mais jovens do que eu.
Apesar dessa mudana, o gnero Eva sobreviveu, pois sobreviveria a qualquer
idade. Mesmo hoje em dia, quando fao novelas, utilizo elementos que nasce-
ram dali. Foi o caso da novela O Cravo e a Rosa, onde explorei muito o meu
prprio estilo, ou seja, o gnero Eva permanece at hoje. A idade avana, mas
o gnero fica. Claro que na televiso sempre mais complicado, pois os textos
so mais srios. Tem algumas coisas engraadas, mas no tudo.
Depois que parei de fazer as mocinhas, passei a interpretar as quarentonas, as
cinqentonas, as velhas amalucadas. J no era mais a menina de 18 anos,
avoada, inconseqente, mas o gnero se manteve.
Em 1966, quando fiz Senhora da Boca do Lixo, de Jorge Andrade, com direo
da Dulcina de Morais, pude mostrar que era capaz de fazer outras coisas, de
viver outros papis. Lembro-me que quando apareci em cena, de peruca branca,
como uma senhora idosa, recebi uma salva de palmas. A personagem tinha 70
e tantos anos, mas eu tinha 47 anos. E fazia aquela senhora, gr-fina, de fam-
lia quatrocentona de So Paulo, que ia parar numa delegacia da boca do lixo
por estar metida com contrabando.
Apesar do humor, a pea tinha um lado dramtico. Ento, a Dulcina dizia: Eu
desasnei essa menina. Desasnou, de asno, compreende? E foi um grande sucesso,
embora ningum acreditasse que fosse dar certo. Alis, trabalhar com a Dulcina
foi uma maravilha. Uma experincia enriquecedora.
Lembro-me que encontrei a Cacilda Becker, em Belo Horizonte, alguns dias
antes da estria, e ela me disse: Voc vai fazer Senhora da Boca do Lixo? Respon-
di: Sim, vou fazer. E ela: Voc no pode, no tem idade para isso. Ela tambm
no tinha. ramos quase da mesma idade. Na verdade, acho que ela estava
com inteno de fazer a pea. Ento, me disse: Se voc fizer esse papel, nunca
mais vai poder interpretar as jovens. Mas isso no aconteceu. Continuei fazendo
mulheres jovens e ainda abri espao para papis mais maduros.
Muitos anos depois, em 1970, voltei a fazer uma idosa, na pea Em Famlia, de
Oduvaldo Vianna Filho, com direo de Srgio Brito. Nesse espetculo, que
ficou um ano em cartaz, eu fazia uma av, bem velhinha, cujos filhos e netos
decidem mand-la para um asilo, pois nenhum deles queria ficar com ela. O
pblico se emocionava tanto que algumas pessoas gritavam da platia: Eu fico
com a senhora! Era emocionante.
Em A Carta, no Teatro Serrador ( direita)
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Em cenas de Olho nAmlia, no Teatro Maison de France, com Milton Moraes, 1969
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Em cena de Olho nAmlia, e o cartaz da pea Rendez Vous ( direita)
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Depois, em 1976, fiz outra pea, no teatro Maison de France, chamada Rendez-
Vous, em que interpretava uma senhora americana. Eu usava uma dentadura
horrorosa e uma peruca branca para me caracterizar como uma idosa. No meio
do espetculo, eu dava aquele salto de circo, e dizia: Ah, minha perouca, eu
perdi a minha perouca. E dava um salto mortal! Nessa pea, eu fazia oito papis.
E as personagens tinham idades diferentes! Eu fazia de tudo, dava camba-
lhota, ia pra l e pra c. Um tremendo trabalho.
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Alguns dos personagens de Rendez-Vous, 1976
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Mais um personagem de Rendez-Vous, 1976
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Captulo IX
70 Anos nos Palcos
Em cena, nenhum outro estilo capaz de ser to demonstrativo de liberdade
que o de Eva Todor. Ela vem de uma escola em que o livre convvio com a
platia regra primordial. Sua tcnica cnica a da naturalidade. Seu processo
interpretativo o do instinto, que se contenta quando ela se percebe vonta-
de. Seu critrio sempre foi o da gratificao constante de seu pblico... E tem,
com relao platia, a mesma fora que caracteriza as mes mais desveladas:
dar para receber mais; receber para continuar dando.
Paulo Afonso Grisolli, diretor teatral 1969
Fiz centenas de espetculos ao longo de minha carreira. At perdi a conta.
Comecei com 14 anos e trabalhei a vida toda. S parei depois de quase 70 anos
nos palcos. Foi uma vida toda dedicada ao teatro. Durante toda minha carreira
sempre fiz um espetculo atrs do outro. Fiquei 23 anos no Teatro Serrador em
carter permanente. De janeiro a janeiro. Eu no viajava mais, s montava
peas no Serrador. Fiz poucos espetculos fora do Rio.
Nem mesmo em So Paulo consegui levar muitos espetculos, apesar de saber
que no se podia desprezar a cidade, por ser uma metrpole com uma vida
cultural intensa. Mas infelizmente no dava para sair do Serrador. Tenho at um
pouco de frustrao por causa disso. De qualquer forma, nunca deixei o pblico
paulistano de lado. Durante vrios anos fiz questo de levar espetculos para l,
sempre no Teatro Santana, que ficava na Rua 24 de Maio, perto do bar Jequitib.
Assim aconteceu tambm em Belo Horizonte, que foi a primeira capital, depois
de So Paulo, na qual fiz sucesso em turn. A pea Colgio Interno, do meu tio
Ladislau Fdor, foi uma verdadeira consagrao. Durante vrios anos s dava
tempo de ir a Belo Horizonte, depois da temporada do Serrador. Qualquer
pea que eu anunciasse, tendo feito sucesso no Rio, imediatamente era requisi-
tada pelo pblico e pela imprensa, que me pedia que eu repetisse tambm
Colgio Interno. E foi assim durante dez anos.
Nos anos 40 e 50, eu reservava sempre o ms de dezembro para levar espet-
culos cidade de So Paulo. Nas minhas temporadas no Teatro Santana, o
conde lvares Penteado, que era proprietrio do teatro, assistia sempre s
minhas peas na sua frisa. Ele era um homem gentilssimo. Curiosamente na
minissrie sobre a famlia Penteado, Um S Corao, exibida na Rede Globo, a
autora Maria Adelaide Amaral no faz meno ao Teatro Santana. O que foi
uma falha imperdovel, pois o teatro era maravilhoso.
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Placa em homenagem ao aniversrio da companhia, anncios em campos de futebol e o pblicona porta do Teatro Serrador
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Tenho timas lembranas de So Paulo e somente uma desagradvel: eu esta-
va no palco, encenando Iai Boneca, e no segundo ato quebrei o p, ao me
levantar de mau jeito. Tive que ir para o hospital e fiquei por vrios dias sem
poder trabalhar.
Mas, enfim, sempre fui muito bem recebida pelos paulistanos. Em 1989, quando
levei do Rio para So Paulo a pea Como se Tornar uma Superme em Dez
Lies, foi um retumbante sucesso. Eu fazia uma me judia, uma personagem
maravilhosa. Estava num momento muito difcil, pois a pea estreou 20 e poucos
dias depois da morte do Paulo. Eu nem sabia que ia estrear. De certa forma,
Wolf Maia, que era o diretor, alis, um grande diretor, me tapeou. Em nossa
primeira apresentao, ele me disse: Fica tranqila, Eva, s um ensaio geral,
com alguns convidados. Mas na verdade era a estria. Eu estava muito mal
mesmo, no tinha condies fsicas para fazer a pea. Mesmo assim continuei e
ficamos em cartaz por 2 anos e 8 meses.
Com a morte do Paulo, acabei por no fazer mais teatro. Era muita mo-de-
obra, muita coisa para cuidar. Paulo cuidava de tudo para mim. Naquele
momento, decidi que no iria mais fazer teatro, apenas televiso. Mas o teatro
sempre foi e continuar sendo minha vida! No teatro pude encenar grandes
autores nacionais e estrangeiros, vivendo personagens maravilhosas.
Uma pea que me traz boas recordaes Lily, Lily, que levei ao Teatro Copa-
cabana, no final de 1988. Ficamos um ano em cartaz! Alis, poucas peas minhas
fizeram menos de um ano. Lily, Lily tinha um texto timo, embora dificlimo, que
Joo Bethencourt dirigiu genialmente. Eu fazia dois papis. Eram duas irms,
gmeas, uma provinciana, toda mocoronga, e a outra, uma vedete, absoluta-
mente doidona, que bebia, tomava drogas. Eu mudava de roupa 25 vezes sendo
que a troca mais longa eu fiz em apenas 25 segundos. Eu saia de cena como a
mocoronga e voltava imediatamente como a vedete. Tudo muito rpido! O p-
blico fazia: Ohhhh. Absolutamente inacreditvel.
At na hora dos agradecimentos mantive as duas personagens. Eu agradecia
como vedete, saa de um lado, fechava-se a cortina e, quando abria de novo,
eu j estava do outro lado, como a provinciana. Era sensacional. Um excelente
trabalho de Joo Bethencourt, que alm de grande escritor de comdias, era
um excelente diretor e um amigo muito querido que infelizmente perdemos
recentemente, no final de 2006.
Com ele fiz tambm O Doente Imaginrio, de Molire, que ele dirigiu maravi-
lhosamente bem, no Theatro Municipal do Rio, em 1978. Eu interpretava a
Toninha (Toinette, no original francs), que a personagem permanente mais
famosa de Molire.
Cenas de Iai Boneca (acima) e de Lily Lily (abaixo)
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E Joo criou uma cena arbitrria nesse espetculo, me fazendo danar na passa-
rela com o primeiro-bailarino do Municipal, Emlio Martins.
Era um grande prazer trabalhar com Joo Bethencourt. Fizemos outro espetculo
juntos: O Dia em que Raptaram o Papa, uma pea divina que montamos em 1972!
sobre uma famlia judia, e o marido est revoltado com o mundo e decide raptar
o papa. A coisa toda vira um escndalo e ele finalmente pede o resgate: S entrego
o papa se o mundo inteiro prometer que haver paz por um dia. Um dia sem um
tiro, sem uma agresso, sem um assassinato, sem um assalto no mundo. Era s isso
o que ele queria. A pea era uma delcia, uma tima comdia. E eu fazia a mulher
do seqestrador, uma judia muito divertida.
Um trabalho que teve grande importncia na minha carreira foi Lili do 47, de
Joracy Camargo. Ganhei um prmio especial pelo papel de uma jovem que se
torna prostituta: a Medalha de Ouro da Associao de Crticos Teatrais, em
1949. Foi um grande sucesso!
Lembro-me com carinho de Lotria, do Luiz Iglzias, que tinha uma conotao
poltica. Era em cima do marechal Lott e fez muito sucesso tambm. Isso em
1956. Nesse mesmo ano fiz outra pea com conotao poltica: Timbira, tambm
do Iglzias, com direo de Jardel Filho. Eu fazia uma ndia, com o corpo todo
maquiado para ficar morena e uma peruca preta, enorme. Eu descia de um
coqueiro de sete metros de altura. O pblico adorou! Era eu, Ilka Soares e
Beatriz Veiga. As peas do Iglzias funcionavam muito bem. Tanto os textos
originais, de autoria dele, como os que ele adaptava. Era uma maravilha, com
dilogos preciosos.
Alis, a primeira comdia que Iglzias ousou fazer para mim foi Chuvas de
Vero, de 1941. Como eu tinha sotaque, todo o mundo dizia: Iglzias louco,
tirar a menina do gnero musicado para coloc-la na comdia. Ela mal fala
portugus! Pois ele fez e foi um sucesso.
Foram tantos espetculos ao longo de minha carreira! Tantas personagens! De
Bernard Shaw fiz Cndida, em 1946, que foi a primeira pea a ficar seis meses
em cena no Brasil. Bernard Shaw nos enviou uma carta, por intermdio de
Paschoal Carlos Magno, dizendo que pela primeira vez sua pea fazia sucesso
no teatro. Talvez pelo fato de Iglzias ter alterado o final dos trs atos, que se
encerrava sempre com os dizeres: E assim o poeta foi embora, levando consigo
um segredo. Iglzias preferiu fazer um final menos rebuscado. Claro que muitas
pessoas o acusaram de ter mudado a pea, ao que ele respondeu: tudo uma
questo de dinheiro. Por meio do prprio Carlos Magno, Iglzias pagou a Bernard
Shaw o correspondente a dez contos de ris para mudar os finais.
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Cndida foi a primeira pea da qual se fez um levantamento de arrecadao de
bilheteria encomendado por Almeida Braga, presidente do Banco da Guana-
bara, junto a Carlos Lacerda. Resultado: constatou-se que aquela era a pea que
ficou mais tempo em cartaz e tambm a que deu mais dinheiro naquele ano de
1946. E ganhamos a Medalha de Ouro de Arrecadao de Direito Autoral.
De Bernard Shaw encenei ainda A Milionria, em 1953, que era muito moder-
na. No espetculo, eu dava golpes de jiu-jtsu no Fernando Torres. Eram golpes
sensacionais! Tivemos at aulas com o lutador Hlio Grace.
Em 1955, fiz Sabrina, no Serrador. Ao mesmo tempo, estava anunciado para
estrear no Cine Metro o filme homnimo com Audrey Hepburn. A repercusso
e o sucesso da nossa Sabrina foram tamanhos que a estria do filme foi adiada,
para esperar que nossa pea sasse de cartaz. O elenco inclua Manoel Pra,
Jorge Dria, Elza Gomes, Afonso Stuart, Andr Villon, Jardel Filho e Leda Valli.
Um elenco milionrio, sem falar da presena de Henriette Morineau minha
contratada por dois anos , que dirigiu e atuou nessa pea.
Rainha do Ferro-Velho, do original Born Yesterday, de Garson Kanin, foi igual-
mente um retumbante sucesso e tambm anunciado paralelamente ao filme,
o que no nos prejudicou em absolutamente nada. O mesmo aconteceu com
Anastcia, que estreou na mesma poca que o filme homnimo, estrelado por
Ingrid Bergman, em 1956.
Alm de Anastcia, anos depois, em 1977, fiz outro espetculo notvel com
Morineau, novamente contratada: Quarta-feira sem Falta, l em Casa, de Mario
Brasini, com direo de Gracindo Jr. Ficamos dois anos em cartaz no Rio de
Janeiro e, em seguida, samos em excurso pelo Brasil todo, s no fizemos So
Paulo. Eu guardei a pea por muitos anos, pensando em encen-la outra vez,
mas no tive oportunidade. Em 2006, acabei cedendo a pea para Nicette
Bruno e Beatriz Segall, que fizeram uma nova montagem. Cedi porque j no
tencionava faz-la novamente. Muitas companhias haviam me pedido os direi-
tos, mas durante dez anos neguei, por gostar muito do texto.
Outra pea maravilhosa e que considero um dos meus melhores trabalhos: Os
Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo, de 1973, com direo de
Brbara Heliodora. uma pea sria, formidvel. Srgio Brito comeou a diri-
gi-la, mas abandonou o trabalho. Brbara assumiu a direo magistralmente,
alm de fazer a traduo e adaptao do original de Paul Zindell. Gostei muito
de trabalhar com ela e ganhei o prmio Ibeu de melhor atriz. Paulo Nolding
tambm foi premiado, na categoria de melhor montagem. Graas percepo
aguda de Brbara, a pea foi um grande sucesso.
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Em Timbira,com Jardel Filho,1958
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Em Timbira,com Ilka Soarese Beatriz Veiga,
1958
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Em Lotria ( esquerda), com Glauce Rocha e Herval Rossano; e com Afonso Stuart (acima), emO Dia em que Raptaram o Papa
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A estria de Colgio Interno (acima), 1942; em Chuvas de Vero (abaixo), 1941; e em Lili do 47 (direita), Medalha de Ouro pela Associao dos Crticos
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Em A Rainha do Ferro-Velho, com Manoel Pra
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Cenas de Sabrina, com Elza Gomes e Armando Rosas, 1955, sob direo de Henriette Morineau
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Cenas de Anastcia, 1956
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Cenas de Anastcia, 1956
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Cenas de Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo, com Maria Helena Pader
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Cena de Quarta-feira, sem Falta, l em Casa, com Henriette Morineau
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Ela uma tima diretora e uma profissional que realmente entende de teatro!
No sei por que no dirige mais.
No final das contas, o fato de Brbara ter assumido a direo acabou sendo
muito positivo. Com certeza Srgio Brito teria dado outro tom ao texto. Acho
que ele no percebeu que se tratava de uma comdia de humor negro, com
momentos de graa. Humor negro sim, mas humor. Se tivssemos feito uma
montagem absolutamente dramtica, como ele queria, teramos enterrado o
espetculo.
Enfim, fiz quase 200 peas nestes meus 70 anos de carreira. No d para falar
de todas, seno seriam necessrios uns dois ou trs livros!
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Com Oscarito e Cyll Farney, num intervalo da filmagem de Os Dois Ladres, 1960
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Captulo X
Cinema
O teatro sempre foi o foco da minha carreira. Por isso, tive pouca oportunidade
de fazer cinema, mas confesso que gostaria de ter feito mais. Fiz um filme em
Portugal, chamado Po, Amor e... Totobola lanado em 1964 com grande sucesso
de pblico. No tive chance de v-lo, porque voltei para o Brasil logo aps o trmi-
no das filmagens. Quando fizeram o lanamento em Portugal, fiquei impossibili-
tada de ir porque Iglzias havia falecido havia pouqussimo tempo. Mas recebi um
telegrama dizendo que o filme tinha feito uma boa carreira nos cinemas. Era uma
produo portuguesa e eu era a nica brasileira no elenco.
J Os Dois Ladres, que fiz nos anos 60 e com o qual ganhei vrios prmios,
um filme muito comentado, principalmente por causa da cena com Oscarito,
em que fazemos espelho um do outro. Era uma seqncia divertida: eu me
olhava no espelho, mas na verdade no era um espelho, era o Oscarito vestido
igualzinho a mim. Ento, eu dizia: Nossa, como estou feia. E cada movimento
que eu fazia, ele repetia, como se fosse mesmo minha imagem no espelho.
A direo era do Carlos Manga, que conduziu todo o filme com muito talento.
Eu interpretava uma milionria, madame Gaby, e Oscarito, um golpista, que
agia na alta sociedade, a servio de um ladro sofisticado vivido por Cyll
Farney. Os Dois Ladres foi lanado em 22 cinemas simultaneamente. Um su-
cesso absoluto.
Oscarito era um colega maravilhoso, uma pessoa muito boa. Eu j havia traba-
lhado com ele na revista e o conhecia h alguns anos, tanto ele como a esposa,
Margot Louro. Eram pessoas muito corretas. E ele no se pode deixar de
dizer era um ator genial!
Recentemente o diretor Mau