Clássico: um novo carbonara

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Neoclassicismo gastronômico De passagem pela capital paulista, Roy Caceres, do italiano Metamorfosi, conta como é ser dono da receita de um atípico carbonara Por Tulio Silva Fotos Paulo Mercadante Toda a gente que se preza, hoje come um carbonara! E o prato, que recentemente é o novo “querinho-tartare”, não conquista apenas pelo hype que causa. Simplicidade de ingredientes, técnica e pirotecnia de sabores são capazes de explicar tamanho frisson. Isso é um clássico! Pois some a isso a critividade de um chef, que se vangloria de ser uma boa pessoa e abertamente professor das mudanças positivas, e mande-o para o Lácio, sub-capital da Denominação de Origem Protegida italiana e, ao mesmo tempo, terra de Roma. Temos Roy Caceres, líder do Metamorfosi, na capital do País da Bota, e chef de uma cozinha que acredita nas pontes entre tradição e modernidade. Ele passou por São Paulo durante o lançamento oficial da Expo Milão 2015 e conversou com esta reportagem. O papo descontraído, e ao mesmo tempo professoral, você confere a seguir. O fundamental na cozinha, para mim, é o sabor. Mas em meu restaurante não foco apenas no comer, e sim em oferecer uma experiência para o comensal. Uma refeição que seja capaz de tocar todos os sentidos dele. Para conseguir isso, eu invisto nos utensílios que vão à mesa, sempre com um prato diferente. Abuso dos formatos, materiais como madeira, louça barro, tudo para fugir do convencional. Dessa forma, sou capaz de fazer que a pessoa se concentre na comida, preste atenção em tudo que está à frente dela e dê uma atenção calma ao alimento. Quando abri o Metamorfosi eu já sabia que havia um conflito interno, por a cozinha italiana ser muito tradicional e eu muito moderno. O romano é muito tradicionalista, então dava medo. Mas eu vi que era capaz

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Entrevista exclusiva com Roy Caceres, colombiano radicado em Roma e chef do Metamorfosi, restaurante onde criou um carbonara inusitado

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Neoclassicismo gastronmico

De passagem pela capital paulista, Roy Caceres, do italiano Metamorfosi, conta como ser dono da receita de um atpico carbonara

Por Tulio SilvaFotos Paulo Mercadante

Toda a gente que se preza, hoje come um carbonara! E o prato, que recentemente o novo querinho-tartare, no conquista apenas pelo hype que causa. Simplicidade de ingredientes, tcnica e pirotecnia de sabores so capazes de explicar tamanho frisson. Isso um clssico! Pois some a isso a critividade de um chef, que se vangloria de ser uma boa pessoa e abertamente professor das mudanas positivas, e mande-o para o Lcio, sub-capital da Denominao de Origem Protegida italiana e, ao mesmo tempo, terra de Roma. Temos Roy Caceres, lder do Metamorfosi, na capital do Pas da Bota, e chef de uma cozinha que acredita nas pontes entre tradio e modernidade. Ele passou por So Paulo durante o lanamento oficial da Expo Milo 2015 e conversou com esta reportagem. O papo descontrado, e ao mesmo tempo professoral, voc confere a seguir.

O fundamental na cozinha, para mim, o sabor. Mas em meu restaurante no foco apenas no comer, e sim em oferecer uma experincia para o comensal. Uma refeio que seja capaz de tocar todos os sentidos dele. Para conseguir isso, eu invisto nos utenslios que vo mesa, sempre com um prato diferente. Abuso dos formatos, materiais como madeira, loua barro, tudo para fugir do convencional. Dessa forma, sou capaz de fazer que a pessoa se concentre na comida, preste ateno em tudo que est frente dela e d uma ateno calma ao alimento.

Quando abri o Metamorfosi eu j sabia que havia um conflito interno, por a cozinha italiana ser muito tradicional e eu muito moderno. O romano muito tradicionalista, ento dava medo. Mas eu vi que era capaz de provoc-lo com algo diferente e, ao mesmo tempo, faz-lo perceber que minha cozinha no exatamente molecular, e sim um interpretao que acho necessria para reaviver pratos to cristalizados e enraizados na cultura local. O ovo um exemplo de como nos acercamos do cliente romano mais conservador. O gosto do prato igual ao do tradicional, o que muda a roupagem mais moderna que dei ao carbonara.

Cozinha no s gosto, e o ovo a concentrao de apenas uma caracterstica do carbonara: cremosidade. Voc recorda o prato tradicional, mas todo o resto diferente, at por que eu uso tcnicas mais modernas para o preparo. No dava para ser igual. Sem falar que ele foi uma das primeiras formas que encontrei para me acercar daquele romano conservador sem agredi-lo profundamente.

Na Itlia, em quatro anos, a mdia tambm cresceu bastante para a gastronomia, como no resto do mundo. Antigamente j se falava em cozinha, mas era algo mais tmido ou, quando se falava, era s sobre o tradicional. Com isso, o cliente atual j est mais informado e busca um restaurante que possa oferecer uma cozinha mais autoral. Eles j esto optando, cada vez mais, por buscar uma experincia, e isso nos ajudou bastante a crescer.

A principal filosofia que emprego em minha cozinha a curadoria do detalhe. Mas afora isso, eu me coloco no papel de cliente. Tento evitar ao mximo s pensar como cozinheiro, pois seno me equivoco. O chef muito egocntrico, por isso esse zelo. Temo que entender que a tcnica s um instrumento, entre muitos, que usamos para ressaltar o ingrediente: eis a estrela! Pode ser uma esferificao, uma espuma etc, se eu, no papel de cliente, no gosto, no entra no cardpio. Parto sempre da premissa de que todas as mudanas no menu precisam ser espetaculares. Ainda que mesclando tcnicas, eu preciso alcanar o comensal.

Uma estrela Michelin seguramente um reconhecimento e uma satisfao. Ele um guia de alcance mundial, seja por tratar de restaurantes nos cinco continentes, seja por ser conhecido por pessoas de todos eles. Mantive a estrela do xxxx, por dois anos, e isso muito bom. Foi uma forma inicial muito boa para me fazer conhecido pelas pessoas. Depois disso, mal deu 1 ano da abertura do Metamorfosi, ela j ganhava a sua primeira estrela. Em questes mais prticas, esse reconhecimento relaciona-se diretamente com um aumento na casa dos 35% de clientela. Com isso, fica ainda mais fcil fazer uma cozinha de autor e ter apoio do cliente. Eu quero cozinhar o que me agrada, ser feliz cozinhando o que me encanta, que vai para alm do prato.

Quando abri o Metamorfosi, sabia o restaurante que eu queria fazer. Os preos J so altos pelos gastos de partida como ingredientes, equipamentos entre outros, com a estrela rola subir um pouco, mas no muito. Como j abrimos nos sentindo uma estrela, no subimos tanto o preo assim.

Para receber uma estrela, o restaurante tem que ter uma grande cozinha e bons pratos, isso em falar no servio impecvel. A segunda a confirmao da continuidade do padro, sempre no mximo da qualidade, com um timo cuidado para com os clientes, um verdadeiro cuidado em faz-lo sentir-se bem. J em relao aos preparos, espera-se mais carter, unicidade, que cada um seja um verdadeiro cone gastronmico. Se algum vir o prato, sabe de quem . Nesse sentido, conforme o carter vai aumentando e chegando perfeio, recebe-se a terceira estrela, que alm de tudo o dito, ainda denota um percurso longo e uma histria de razes fincadas com a regio em que o restaurante se estabeleceu.

Fui convidado a promover a regio do Lazio e a ExpoMilo, por sermos referencia da cultura gastronmica da regio. Isso sem falar que, por eu ser de origem colombiana, tendo atualmente duas nacionalidades, facilita a divulgao na Amrica Latina e em outras regies. Atualmente tenho uma relao muito boa de nutrir o planeta. Para isso, ajudo a destacar os grandes produtos e a comunicao entre produtores e cozinheiros, favorecendo a relao da terra mesa. Cada vez comunicando melhor a cultura do produtor e ressaltando o ingrediente. Nutrir com a qualidade de produtos muito bons. Sou abastecido com os melhores produtos do Lazio. Dialogo constantemente com os produtores, entendo as dificuldades que eles enfrentam para colocar o ingrediente no prato. Sei, por exemplo, que no vivel colocar um cordeiro no quanto quando o nmero de nascimentos no est bom, isso prejudicaria a criao. Forar a apario de um ingrediente no cardpio no legal, at mesmo por que no vamos t-lo em seu auge de qualidade. Por meio da relao rural e com o entendimento do tempo, e consigo montar meu menu apenas com ingredientes que esto no pice da qualidade.

No Lazio, os ingredientes que mais brilham so o azeite, o cordeiro, o pecorino, alm de grandes vinhos, tudo com denominao de origem. Inclusive, por conta da Expo Milo, criou-se uma lista, que pode ser encontrada na internet, com os 100 melhores produtos do Lazio.

Sinto falta de ingredientes da minha terra, no h dvidas. Entre esses, o lulo, fruto tpico da Colombia e do Equador, da famlia dos tomates, mas muito mais cido. Proveniente dos Andes, ele lembra muito a minha infncia e me encanta. Hoje minha cozinha ainda no permite uma retomada dessas razes, mas tenho projetos de mudana para o futuro. Meu sonho ser capaz de abrir um restaurante sulamericano e colombiano onde pudesse exaltar minhas razes. J uso alguns ingredientes que sugerem os sabores da minha terra. Caso de um prato de batatas com mais de 25 ervas, uma barriga de atum com gro-de-bico, cebolinha, e limao, que se come com a mo. Alm de um ceviche de navalhas e vieiras que lembram muito o mar. Esto nascendo muitos pratos nesse sentido, no futuro pretendo que essa mescla de Mediterrneo e Pacfico fique ainda mais clara.

At por que, as pessoas j me reconhecem. Confiam na minha mo e perderam o preconceito. Se Metamorfosi, bom, chegam a dizer. E isso ponto a meu favor.

Para mim, metamorfose mudana positiva. E eu busco cada vez mais a positividade em minha vida, como pessoa. Quando jovem, eu era apaixonado por basquete, e jogava muito na Colmbia. Ao chegar na Itlia, aos 16 anos, no gostava da cultura do pas. Demorei para me aprofundar nas razes italianas e no conseguia mais praticar o esporte. Tal fato aliado necessidade fez com que eu tivesse que buscar um emprego lavando pratos. Nisso, comecei a pensar no meu futuro. Percebi que queria seguir o caminho da cozinha, manipular ingredientes, era um restaurante do dia a dia, tudo muito tranquilo. Depois, fui parar em um restaurante gastronmico, que com a sada do chef, deixou-me sem regente. Tive de mudar novamente, criar uma cozinha pessoal. No incio foi muito difcil, se eu tivesse um maestro, seria mais fcil aprender como me conduzir. Ao mesmo tempo, poderia me fazer perder a identidade prpria no que essa seja melhor ou pior , mas a minha, a que conservei. Ela leva muito em conta o que eu quero, o que eu sinto. Hoje, j me percebo no limiar de outra metamorfose. Quero outros estmulos, outro caminho, buscar a cozinha da minha terra. Ainda que eu tivesse que seguir uma linha dupla, sem me separar das coisas, quero poder aumentar minha sensibilidade, e olha, eu sou uma pessoa sensvel, emotiva, vivo das emoes. Isso a metamorfose para mim, o casulo.