Cíntia SanMartin FERNANDES - Faculdade da Fundação ... · obrigatoriedade da arte na escola e na...

Educaccedilatildeo Arte e Cidadania o resgate histoacuterico-cultural

como elemento de transmutaccedilatildeo social

Ciacutentia SanMartin FERNANDES 1

Cristiano Roque Antunes BARREIRA2

Resumo A educaccedilatildeo como processo que transita entre o concreto e o abstrato

o corporal e o espiritual as letras a arte e a cidadania eacute tratada no presente

trabalho como aquilo que funda a possibilidade da alteridade Nosso objetivo eacute

propor reflexatildeo a partir da compreensatildeo do enraizamento do ensino no solo

constituiacutedo pela relaccedilatildeo professor aluno como dimensatildeo fundamental para a

dinacircmica nutritiva do relacionamento humano multicultural O uacutenico solo em que

o processo educativo escolar pode germinar eacute aquele constituiacutedo na relaccedilatildeo

professor aluno Quais os nutrientes fundamentais a este solo Neste trabalho

esta relaccedilatildeo seraacute considerada atraveacutes da discussatildeo sobre a cidadania bem como

a da arte como potencializadora das interaccedilotildees socioculturais ou como meio de

comunicaccedilatildeo e seus possiacuteveis significados Tal anaacutelise visa a ilustrar os limites

que teve a aplicaccedilatildeo do pensamento racionalista como buacutessola das accedilotildees

humanas incluindo aiacute a accedilatildeo educativa Busca-se apresentar alguns dos possiacuteveis

caminhos no que diz respeito agrave construccedilatildeo de metodologia de aprendizagem

destinada aos jovens com os peacutes fincados na cidadania

Palavras-chave Cidadatildeo-aluno Sujeito de desejo Interaccedilatildeo Comunicaccedilatildeo

1 Doutora em Sociologia Poliacutetica pela UFSCRenneacute Descartes-Paris-V E--mail cintialagoadaconceicaocom 2 Poacutes-Doutor pela Pontifiacutecia Universidade Lateranense Doutor em Psicologia pela Faculdade de Filosofia Ciecircncia e Letras da USPRibeiratildeo Preto Professor da Universidade de Satildeo PauloSP

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No Brasil correlaccedilotildees dos movimentos sociais culturais com a edushy

caccedilatildeo e a arte aconteceram ao longo do seacuteculo XX enraizadas nas praacuteticas

sociais vividas pela sociedade como um todo No entanto a arte como uma

possibilidade de ensino-aprendizagem transversalizada ou como uma pedagogia

sensibilizadora de alguns processos sociais surgiraacute no paiacutes principalmente apoacutes

as deacutecadas de 70 e 80 devido agraves condiccedilotildees histoacutericas do mesmo

Seraacute com a retomada do movimento de organizaccedilatildeo de educadores

principalmente das associaccedilotildees de arte-educadores desde o iniacutecio dos anos

80 que se transformou o caraacuteter tecnicista no que diz respeito agrave arte3 na educaccedilatildeo

Paralelamente desenvolveram-se a discussatildeo e a luta para a inclusatildeo da

obrigatoriedade da arte na escola e na redaccedilatildeo da Nova Lei de Diretrizes e

Bases da Educaccedilatildeo Nacional apoacutes a Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 bem

como a retomada das investigaccedilotildees e experiecircncias pedagoacutegicas no campo da

arte e as novas concepccedilotildees esteacuteticas e tendecircncias da arte contemporacircnea

modificando os horizontes artiacutesticos e consequumlentemente a docecircncia em arte

juntamente com os debates sobre conceitos e metodologias do ensino de arte shy

realizados em caraacuteter nacional e internacional

Essa transformaccedilatildeo ocorreu devido agrave influecircncia provocada tanto

pelo debate no centro da epistemologia educacional como pelas praacuteticas

poliacutetico-educativas promovidas pelos Novos Movimentos Sociais Assim na

deacutecada de 1980 - poacutes periacuteodo ditatorial - vimos reemergir no paiacutes o debate

sobre a importacircncia da teoria libertadora paralelamente ao surgimento de uma

nova proposta pedagoacutegica denominada pedagogia histoacuterico-criacutetica Essas duas

correntes teoacutericas influenciam ateacute os dias atuais no Brasil e no mund05 as

3 A elaboraccedilatildeo dos Paracircmetros Curriculares Nacionais de Arte pela Secretaria de Ensino Fundamental do MEC em 199798 e o Referencial Curricular Nacional para a Educaccedilatildeo Infantil em 1988 satildeo exemplos desta transformaccedilatildeo ainda em curso 4 Sobre o tema ver Gadotti M Histoacuteria das ideacuteias pedagoacutegicas Satildeo Paulo Aacutetica 1993 5 Cf Carlos Rodrigues Brandatildeo (2002) basta olharmos para o nuacutemero de Institutos Paulo Freire que estatildeo espalhados pelo mundo

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discussotildees em tomo de uma educaccedilatildeo mais democraacutetica ou de uma educaccedilatildeo

cidadatilde

A pedagogia libertadora ou educaccedilatildeo popular nasce na deacutecada

de 60 a partir de discussotildees sobre a importacircncia da praacutexis Teve como seu

maior expoente Paulo Freire (1921-1997) que fazendo uso do seu meacutetodo de

alfabetizaccedilatildeo de adultos revolucionou o campo da pedagogia ao propor uma

educaccedilatildeo horizontalizada e com peacutes fincados nos intercacircmbios dos saberes que

refletem cultura (FREIRE 1993)

Os temas de suas obras abordam desde narrativas pessoais com o

intuito de descrever a importacircncia da educaccedilatildeo na vida das pessoas como sobre

a conjuntura poliacutetico-social vivida no Paiacutes nas deacutecadas em que produzia seus

texros Em Agrave Sombra desta Mangueira (1995) por exemplo Freire discute a

questatildeo da violecircncia e da marginalizaccedilatildeo que afetam o Paiacutes enfatizando sua

postura criacutetica e sua preocupaccedilatildeo com a formaccedilatildeo real do ser humano

Para tanto Paulo Freire propotildee que o saber - se visto como uma

grande aventura como um desconhecido a ser revelado e que ao incorporar a

pessoa segue na aventura fazendo parte dela resignificando o proacuteprio saber

assumindo uma postura de interaccedilatildeo e de reflexatildeo sobre o que se aprende shy

pode ser incorporado agrave vida de qualquer pessoa em qualquer idade para que

esta tenha acesso agrave leitura do mundo e das palavras que compotildeem este mundo

A leitura do mundo precede a leitura da palavra daiacute que

a posterior leitura desta natildeo possa prescindir da

continuidade da leitura daquele Linguagem e realidade

se prendem dinamicamente A compreensatildeo do texto a

ser alcanccedilada por sua leitura criacutetica implica a percepccedilatildeo

das relaccedilotildees entre o texto e o contexto (FREIRE 1992

pII)

54 Avesso do Avesso vA nA p52 73 novo 2006

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Neste sentido opunha-se ao modelo de ensino-aprendizagem bashy

seado no pensamento positivista-tecnicista que natildeo propunha a criatividade

e a interaccedilatildeo e sim a reproduccedilatildeo do conhecimento para se atingir uma

especificidade teacutecnica de melhor qualidade

Desde o comeccedilo dos anos sessenta ele opunha a uma

educaccedilatildeo bancaacuteria - hierarquizada conteudiacutestica

memorizante dual parcelar a-criativa a-criacutetica e

competitiva a proposta de uma educaccedilatildeo como

praacutetica da liberdade Uma de suas dimensotildees era bem

esta uma educaccedilatildeo tomada horizontal Uma pedagogia

saiacuteda da fila de carteiras para o ciacuterculo de cultura e

colocada agrave volta da mesa dentro da experiecircncia da

abertura agrave conversa transfonnada em um diaacutelogo Um

diaacutelogo vivido como uma transaccedilatildeo de saberes natildeo

possuiacutedos por ningueacutem de maneira completa

(BRANDAtildeO 2002 p330)

Paulo Freire propocircs a valorizaccedilatildeo do diaacutelogo criacutetico - mantido com

o jogo constante entre consciecircncia e comunicaccedilatildeo6 - no qual a realidade do

6 Cf Carlos Rodrigues Brandatildeo (2002 p 338)

Sobre aquilo que nos anos sessenta gostaacutevamos de chamar de a comunicaccedilatildeo das consciecircncia Um diaacutelogo amoroso e fecundo mas ao mesmo tempo criacutetico e indignado diante das injusticcedilas sociais Um entretocar ideacuteias e pontos de vista envolvidos pela motivaccedilatildeo crescente de uma presenccedila ativa na vida social cotidiana e no processo de construccedilatildeo da histoacuteria de uma humanidade pouco a pouco resgatada e libertada do mal que se um dia foi gerado por matildeos humanas pode ser tambeacutem extinto pelo trabalho de matildeos e de mentes humanas

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aluno deveria estar representada na relaccedilatildeo ensino-aprendizagem Essa relaccedilatildeo

pressupotildee muacutetua aprendizagem vivenciada em gestos de trocas de saberes em

que o professor (educador) eacute tambeacutem a pessoa-que-aprende a ensinar a

aprender o saber para o outro e ele mesmo Ser

Neste sentido Brandatildeo recorda-nos que na obra de Paulo Freire o

educar natildeo se aprisiona na escola Ele rompe seus muros riacutegidos contemplando

o mundo vivido o mundo experimenta1 e real que possibilita o reencontro com o

sensiacutevel do humano

Educa-se dentro e fora da sala de aula dentro e fora da

escola Haacute sempre uma dimensatildeo pedagoacutegica em todo

o encontro entre pessoas Toda a relaccedilatildeo pode embutir

e fazer valer algum momento de muacutetua aprendizagem

dentro do qual acaba sendo vivido de maneira mais ou

menos motivada um gesto de trocas de saberes Um

comeccedilo a um convite de reciprocidades entre

imaginaacuterios entre ideacuteias e entre valores Sempre que eu

saio diferente e melhor do que era antes por haver

compartido algo com algueacutem houve ali um momento de

ensino-aprendizagem entre noacutes Logo um momento

peculiar da experiecircncia plural e complexa de algo a que

damos o nome de educaccedilatildeo (BRANDAtildeO 2002 p327)

A pedagogia histoacuterico-criacutetica surge no iniacutecio dos anos 80

apresentando-se como uma proposta teoacuterico-dialeacutetica com a finalidade de superar

tanto os limites das pedagogias natildeo-criacuteticas representadas pelas concepccedilotildees

das pedagogias tradicional escolanovista e tecnicista como o imobilismo das

teorias pedagoacutegicas criacutetico-reprodutivistas confinadas no acircmbito da revoluccedilatildeo

educacional natildeo abarcando toda a sociedade numa proposta de transformaccedilatildeo

56 Avesso do Avesso vA nA p52 - 73 novo 2006

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cultural

Para os teoacutericos da teoria histoacuterico-criacutetica a escola representa um

instrumento aglutinador de conhecimentos produzidos socialmente em que o

indiviacuteduo venha a exercer urna cidadania mais consciente criacutetica e participante

Ou seja deve servir como espaccedilo puacuteblico em que cada indiviacuteduo possa construir

e repensar seus cotidianos de uma forma mais criacutetica e onde ele descubra a sua

proacutepria histoacuteria

Estas duas teorias fazem parte ainda hoje do cotidiano das discussotildees

realizadas na sociedade civil (no sentido habermasiano) sobre educaccedilatildeo e

cidadania no Brasil Como exemplo podemos citar os debates promovidos no

Foacuterum Social Mundial e no Foacuterum de Educaccedilatildeo em Porto Alegre nos anos de

2001 2002 e 2003 nos quais pudemos presenciar a forccedila deste tema no

cotidiano dos movimentos sociais Representantes de diversos Movimentos

Sociais participam destes debates levando sua experiecircncia em unir arte agrave

pedagogia para fazer da cidadania experiecircncia vivida accedilatildeo e natildeo representaccedilatildeo

idealizada Assim a arte foi proposta de discussatildeo de alguns movimentos como

por exemplo o Movimento de Intercacircmbio Artiacutestico e Cultural pela Cidadania7

(MIAC) que em oficina demonstrou como ela se transformou em ferramenta

dialoacutegica educativa na promoccedilatildeo da liberdade da potencialidade esteacuteticoshy

comunicativa das crianccedilas e dos jovens soteropolitanos excluiacutedos da cidadania

liberal

o conceito de cidadania tem origem na palavra cidade civitas em

7 O MIAC desde sua formaccedilatildeo em 1997 inseriu em sua pauta o debate sobre cidadania e democracia Para a Rede natildeo haacute como dissociar o trabalho que realizam desses dois conceitos Ao apresentarem o ECA (Estatuto da Crianccedila e do Adolescente) para crianccedilas e jovens com quem trabalham necessariamente tangenciaram o debate acerca da democracia dos direitos humanos e da cidadania Neste sentido as discussotildees iniciais sobre estes temas satildeo de extrema importacircncia para o grupo que aposta na educaccedilatildeo e na arte como promotoras de auto-estima e reconhecimento individual e coletivo para adiante atingir poliacuteticas puacuteblicas locais Ver Fernandes 2005

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latim Na origem grega por sua vez poacutelis significa cidade dando origem agrave

palavra poliacutetica Assim poliacutetica e cidadania satildeo conceitos equivalentes o que os

difere eacute a origem urna grega outra romana Historicamente fizeram-se diferentes

usos da palavra cidadania e do significado do ser cidadatildeo De maneira geral

a literatura que trata sobre o tema apresenta o conceito de cidadatildeo a partir de

duas grandes concepccedilotildees uma concepccedilatildeo liberal e uma concepccedilatildeo republicana

(HABERMAS 19901995)

De acordo com a concepccedilatildeo liberal o ser cidadatildeo eacute definido pelos

direitos subjetivos que o indiviacuteduo tem diante do Estado e dos demais cidadatildeos

Ou seja estes seriam os indiviacuteduos que estariam na sociedade em busca de

alcanccedilar suas necessidades privadas individuais pois tecircm como garantia a

proteccedilatildeo de um Estado tambeacutem liberal que reconhece os direitos individuais

acima dos direitos coletivos E mais do que isto assegura aos cidadatildeos a

possibilidade de fazer valer seus interesses privados por intenneacutedio de eleiccedilotildees

e da composiccedilatildeo do parlamento e do governo jaacute que escolhem seus

representantes para influenciar nas decisotildees administrativas do Estado

Desta fonna os cidadatildeos podem controlar em que medida o poder

do Estado se exerce no interesse deles proacuteprios como pessoas privadas Os

interesses poliacuteticos administrativos culturais etc satildeo sempre disputados por

indiviacuteduos privados que fazem suas escolhas racionais frente ao Estado de Direito

Esta seria a representaccedilatildeo da cidadania fonnal que daacute maior ecircnfase agrave garantia

dos direitos fonnais Direitos como o de ir e vir obtenccedilatildeo de documentos acesso

a poliacuteticas puacuteblicas como as de educaccedilatildeo sauacutede assistecircncia social e transporte

De acordo com a concepccedilatildeo republicana o status de cidadatildeo natildeo

eacute definido pelo criteacuterio desta liberdade de escolha privada Ser cidadatildeo eacute ter o

direito de participaccedilatildeo e de comunicaccedilatildeo poliacutetica Ou seja ter a garantia de

poder participar de uma praacutetica comum cujo exerciacutecio lhe permite converter no

que deseja ser como indiviacuteduo Ser cidadatildeo dentro desta concepccedilatildeo significa

ser autor poliacutetico responsaacutevel de uma comunidade de pessoas livres e iguais

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Assim sendo a eleiccedilatildeo ou o processo eleitoral natildeo serve apenas como uma

forma de controle da atividade do Estado por cidadatildeos bem como natildeo cumpre

um poder de ligaccedilatildeo entre Estado e Sociedade pois se entende que o

administrativo natildeo deteacutem esse poder isoladamente

De onde entatildeo proveacutem este poder Ele se origina no poder

comunicativo gerado na praacutetica de autodeterminaccedilatildeo dos cidadatildeos e se legitima

na medida em que protege essa praacutetica por meio da institucionalizaccedilatildeo da

liberdade puacuteblica Nesta concepccedilatildeo os cidadatildeos republicanos natildeo estatildeo apenas

preocupados em garantir a existecircncia de um Estado que lhes assegure a proteccedilatildeo

de direitos individuais mas sim a existecircncia de um Estado que lhes garanta a

pluralidade de ideacuteias para que numa discussatildeo puacuteblica se possa chegar a um

acordo para o bem comum

Esta concepccedilatildeo representa uma outra perspectiva de cidadania

Ela amplia os direitos formais tambeacutem para os direitos que dizem respeito ao

voto agrave organizaccedilatildeo social agrave filiaccedilatildeo partidaacuteria agrave manifestaccedilatildeo das vontades e agrave

expressatildeo das opiniotildees e o que importa eacute o bem comum Contudo eacute importante

perceber que nesta perspectiva o indiviacuteduo acaba por se diluir no coletivo

Haacute uma outra perspectiva mais contemporacircnea que vai aleacutem destas

duas apresentadas acima e que nos conduz a pensar na cidadania construiacuteda a

partir das experiecircncias cotidianas considerando os bens civis sociais poliacuteticos

culturais e eacutetnicos Esta concepccedilatildeo eacute denominada deliberativa (HABERMAS

1990 1995)

Esta concepccedilatildeo de cidadania tem como base o princiacutepio de que a

praacutetica da cidadania efetiva-se somente no momento em que ocorre um consenso

entre cidadatildeos que partilham a mesma cultura Eacute com a praacutetica argumentativa e

comunicativa ocorridas nos enfrentamentos cotidianos tanto dentro da sociedade

e dos grupos sociais como entre sociedade e Estado que efetivamos a

democracia Ou seja o cidadatildeo eacute aquele que desenvolve a potencialidade

comunicativa em sua vida cotidiana Eacute aquele que se posiciona nos espaccedilos


puacuteblicos e que se utiliza das normas e das leis como accedilotildees eficazes de garantia

de institucionalizaccedilatildeo dos seus anseios e demandas sociais poliacuteticas culturais

etc O interessante eacute perceber que esta concepccedilatildeo natildeo trata os indiviacuteduos nem

como um ator coletivo que reflete o todo (o Estado) e age por ele em busca de

um sonhado bem-comum nem como atores privados que agem independentes

em processos de garantia de poder individual (Mercado)

A cidadania na democracia deliberativa constroacutei a ideacuteia de um sujeito

ativo (VIEIRA 1997) que navega livremente numa sociedade civil a qual tem

como fundamento espaccedilos puacuteblicos comunicativos autocircnomos tanto do sistema

econocircmico quanto do sistema administrativo do Estado (mundo dos sistemas

habermasiano) Esta concepccedilatildeo apresenta o cidadatildeo como aquele sujeito que

constroacutei sua cidadania a partir da experiecircncia de participaccedilatildeo no coletivo O

sujeito sai do seu mundo privado para exercitar sua participaccedilatildeo naesfera puacuteblica

na coletividade

Como entatildeo provocar a reflexatildeo e a atuaccedilatildeo do cidadatildeo-aluno

no sentido de reelaboraccedilatildeo dos conteuacutedos epistemoloacutegicos apresentados acima

Como provocaacute-lo para ser o construtor de sua proacutepria histoacuteria e para isso

depende de acessar liberdade sob suspeita de que este somente existiraacute agrave medida

que todos tenham acesso aos direitos baacutesicos como sauacutede e educaccedilatildeo A partir

daiacute poder-se-aacute vivenciar a liberdade do ser

Diante da realidade material concreta e da heterogeneidade soacutecioshy

antropoloacutegica vivida pormilhares de jovens brasileiros natildeo basta discursar sobre

os conceitos a fim de atingir uma reflexatildeo cognitiva com estes mas eacute preciso

tambeacutem criar uma situaccedilatildeo educativa na qual a hermenecircutica a afetividade e a

esteacutetica estejam incluiacutedas na reflexatildeo cotidiana da sala de aula

A forma possiacutevel para que ocorra a possibilidade desta

aprendizagem fundamenta-se na interaccedilatildeo dialoacutegica criacutetica na qual se considera

que todos os indiviacuteduos ou grupos possuem suas histoacuterias e cultura e que estas

necessitam ser consideradas no momento da aprendizagem Assim o passado


serve como referecircncia cultural importante para se compreender o presente e

imaginar um futuro Neste sentido professor e aluno constroacuteem a cidadania

utilizando a experiecircncia da interculturalidade com isso natildeo se relacionam apenas

com os indiviacuteduos de mesma cultura mas trabalham dentro da perspectiva da

possibilidade do diaacutelogo intercultural

As perguntas Quem sou eu Qual a histoacuteria do meu bairroAo

serem propostas aos jovens descrevem esta incorporaccedilatildeo histoacuterico-cultural para

a compreensatildeo do presente e da diversidade de possibilidades de formas de

vida social

Haacute nessa praacutetica a intencionalidade de mostrar aos jovens que a

tradiccedilatildeo com base na memoacuteria e na histoacuteria eacute constituidora de suas experiecircncias

vividas hoje em termos socioculturais E que o futuro pode ser construiacutedo

hermeneuticamente com peacutes [meados na diversidade cultural sem utilizarmos

um uacutenico modelo sociocultural como paracircmetro de desenvolvimento humano

Eacute importante grifar que esse exerciacutecio natildeo eacute utilizado para afIrmar

uma identidade fixa ou um retorno idt1ico ao passado mas sim para reconstruir

a histoacuteria pessoal de crianccedilas e jovens que na sua grande maioria perderam o

encantamento com o mundo diante de tanta desigualdade e violecircncia cotidiana

mostrando-lhes que tambeacutem tecircm cultura e histoacuteria que se pode resgatar a autoshy

estima promovendo o reencantamento socio-comunitaacuterio

O esforccedilo em responder a essas questotildees conduz os jovens a

redescobrirem suas histoacuterias e a obterem contato com sua cultura local

resignificando sua histoacuteria individual e coletiva A indagaccedilatildeo leva-os agrave

compreensatildeo de que habitar o subuacuterbio natildeo representa estar agrave margem histoacuterica

e cultural da cidade em que habitam mas sim possuir uma histoacuteria e cultura

diversa daquela refletida como sendo a histoacuteria oficial

Neste sentido as diferentes histoacuterias vatildeo sendo resgatadas e os

jovens passam a compreender que natildeo necessariamente precisam sair de seu

lugar para serem reconhecidos socialmente Ao reconhecerem suas histoacuterias

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reconhecem-se a si mesmos descobrem suas identidades (poliidentidades como

propotildee Edgar Morin 2000a) e estabelecem suas identificaccedilotildees Esse

reconhecimento engendra auto-estima no grupo que por sua vez passa a

compreender que as experiecircncias da vida cotidiana satildeo sedimentadas por um

huacutemus repleto de diversidades de histoacuterias e valores culturais

Deflagra-se assim a possibilidade de se pensar e de se colocar em

praacutetica uma forma de ensino-aprendizagem que garante a circulaccedilatildeo entre o

passado histoacuterico o presente e o futuro (desejoso) Essa perspectiva de incluir

o reconhecimento do passado para se atingir uma educaccedilatildeo ou uma

aprendizagem integradora das diversas culturas aparece constantemente na obra

de Edgar Morin (2000b) Conforme o autor

natildeo se deve mais continuar a opor o futuro radiante

ao passado de servidatildeo e de supersticcedilotildees Todas as

culturas tecircm virtudes experiecircncias sabedorias ao

mesmo tempo que carecircncia e ignoracircncias Eacute no

encontro com seu passado que um grupo humano

encontra energia para enfrentar seu presente e

preparar seu futuro A busca do futuro melhor deve

ser complementar natildeo mais antagocircnica ao

reencontro com o passado (MORIN 2000b p77)

A ideacuteia de complementaridade transforma a postura poliacutetica de

professores e alunos diante do Estado que se constroem tendo como referecircncia

uma eacutetica da cidadania Esta eacutetica eacute representada com a utilizaccedilatildeo da ideacuteia de

que cada sujeito natildeo eacute apenas sujeito de direitos garantidos pelo Estado (um

cidadatildeo pleno) como tambeacutem tem em princiacutepio plena capacidade de

participaccedilatildeo e interaccedilatildeo social baseando-se em sua identidade pessoal e cultural

seus interesses e projetos isto eacute como sujeito de desejo interaccedilatildeo e


comunicaccedilatildeo

Natildeo se ignora que para isso ocorrer eacute necessaacuterio que este sujeito

tenha a oportunidade de fazer suas escolhas Ou seja que tenha acesso garantido

a todos os bens sociais civis e poliacuteticos como a educaccedilatildeo e a sauacutede por exemplo

para poder estar no mundo dizendo o que quer e de que forma quer

Esta forma de olhar e vivenciar a cidadania garante a potencialidade

ativa diante do Estado e permite uma liberdade de accedilatildeo e de transmutaccedilatildeo da

realidade social Para esses indiviacuteduos o Estado natildeo eacute o grande provedor de

suas vidas mas sim um interlocutor e um oacutergatildeo capaz de garantir e assegurar as

conquistas civis poliacuteticas sociais e culturais

A arte como instrumento poliacutetico-pedagoacutegico

Talvez o fato de as teorias pedagoacutegicas encontrarem-se distanciadas

do mundo social cotidiano tenha colaborado para que os espaccedilos de educaccedilatildeo

passassem a ser vividos como um privileacutegio dos eleitos dos intelectuais dos

mestres que distribuem seu saber agravequeles que nada sabem

Isso nos remete agravequela figura do professor catedraacutetico que do alto

da sua tribuna profetiza para os disciacutepulos as verdades sobre o mundo Verdades

que soacute aqueles que desenvolveram seus saberes em universidades em

especializaccedilotildees concluem como ningueacutem e que como vanguarda e guardiotildees

do saber tecircm o dever nobre e a legitimidade quase natural de as repassarem

para os homens comuns quase sempre considerados sem sabedoria

E foi exatamente assim que o espaccedilo da aprendizagem veio se

constituindo ao longo dos seacuteculos XIX e XX no Brasil Professores

corporativizaram o saber em tomo da sua profissatildeo e afastaram-se do cotidiano

do mundano que tambeacutem eacute sem duacutevida um grande espaccedilo de educaccedilatildeo e de

aprendizagem

Comprometendo-se em reproduzir as normas e os valores formais

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presentes nas estruturas da formaccedilatildeo da sociedade brasileira e seguindo os Plashy

nos Nacionais de Educaccedilatildeo (PNE) educadores esqueceram-se de que deverishy

am desempenhar um papel importante na mediaccedilatildeo entre Escola e Sociedadel

Comunidade

Esse esquecimento natildeo se deu por vontade individual ma) sim pelo

proacuteprio lugar de onde estavam falando Conveacutem dizer que o lugar representa

mais do que uma simples fala representa uma carga cultural e ideoloacutegica

importantiacutessima para a relaccedilatildeo ensino-aprendizagem

Neste sentido o cotidiano de cada sujeito aprendiz-ensinante eacute

um espaccedilo de ressignificaccedilatildeo de todos os conteuacutedos apreendidos de maneira

formal nas instituiccedilotildees de ensino e eacute ali fora que essas reelaboraccedilotildees se tomam

momentos de transformaccedilatildeo e construccedilatildeo assim como de intoleracircncia e de simples

reproduccedilotildees dependendo da forma como satildeo reelaboradas

O fato eacute que os educadores contemporaneamente discutem sob a

luz de teorias como a de Paulo Freire ou a de Morin a necessidade de

reincorporar agraves praacuteticas educativas esse cotidiano que tambeacutem eacute aprendizado

A praacutetica educativa proposta pelas metodologias de arte-educaccedilatildeo

demonstra que agrave medida que nos aproximamos de outras formas de conhecimento

que natildeo a formal abrimos a possibilidade para outras formas de relaccedilatildeo entre

escola e aluno pois cada conhecimento natildeo-formal incorporado nos espaccedilos

formais de educaccedilatildeo representa a potencialidade de transformar o mundo da

vida de cada um daqueles que aprendem Essa relaccedilatildeo estabelece-se por uma

relaccedilatildeo de respeito muacutetuo e iacutentima com o outro

Essa relaccedilatildeo iacutentima passa pelo prazer de estar no lugar Esse

prazer de estar ali intercambiando conhecimentos e histoacuterias eacute o que conduz a

praacutetica educativa a uma pedagogia natildeo mais punitiva castradora e repressiva

das expressividades que estatildeo para aleacutem da escrita

Natildeo restam duacutevidas de que as complexidades que emergiram com

a sociedade globalizada trouxeram para a educaccedilatildeo uma seacuterie de questionamentos

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no que tangencia o seu papel assim corno tambeacutem ao que realmente envolve o

espaccedilo educativo

Com a emergecircncia da sociedade moderna viu-se crescer cada

vez mais a importacircncia da educaccedilatildeo corno aquela que possibilita ao ser humano

o acesso ao conhecimento cada vez mais racional corno ferramenta

imprescindiacutevel para sua participaccedilatildeo de maneira plena na sociedade capitalista

de bens e serviccedilos A educaccedilatildeo passou a ser vista corno um elemento fundamental

de abertura para o progresso bem corno para o encaixe dos indiviacuteduos na

sociedade moderna entendida corno urna sociedade dotada de racionalidade

que por muitas vezes se confunde com racionalizaccedilatildeo por natildeo obter a capacidade

de dialogar com a realidade ignorando os seres a subjetividade a afetividade

e a vida irracional 8

De fato a educaccedilatildeo passou a ser o elemento-chave para a ascensatildeo

e para a aquisiccedilatildeo de status ainda que e hoje se pode afirmar isso esse estatuto

e a possibilidade de mobilidade social ficaram restritos agrave ideacuteia de que cada

indiviacuteduo diante das oportunidades dadas pela sociedade liberal deveria tomarshy

se um perito em alguma especialidade e essa mesma especialidade lhe

determinaria o lugar a ser ocupado socialmente

8 CfEdgar Morin (2000bp23) a racionalidade eacute distiacutenta da racionalizaccedilatildeo pois

a racionalidade eacute a melhor proteccedilatildeo contra o erro e a ilusatildeo Por um lado existe a racionalidade constitutiva que elabora teorias coerentes verificando o caraacuteter loacutegico da organizaccedilatildeo teoacuterica a compatibilidade entre as ideacuteias que compotildeem a teoria a concordacircncia entre suas asserccedilotildees e os dados empiacutericos aos quais se aplica tal racionalidade deve permanecer aberta ao que contesta para evitar que se feche em doutrina e se converta em racionalizaccedilatildeo A racionalizaccedilatildeo se crecirc racional porque constitui um sistema loacutegico perfeito fundamentado na deduccedilatildeo ou na induccedilatildeo mas fundamenta-se em bases mutiladas ou falsas e nega-se agrave contestaccedilatildeo de argumentos e agrave verificaccedilatildeo empiacuterica A racionalizaccedilatildeo eacute fechada a racionalidade eacute aberta

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o problema eacute que a decisatildeo por uma dada especialidade acabou

colonizando todos os espaccedilos da vida humana que natildeo necessariamente

apresentam em suas relaccedilotildees e construccedilotildees sociais a ideacuteia presente na

especializaccedilatildeo Se ela foi importante para a fundamentaccedilatildeo de uma ciecircncia

racional o impacto dessa racionalidade nas outras esferas das relaccedilotildees humanas

criou umestatuto seletivo que tornou insignificantes e menores os saberes pautados

em loacutegicas afetivas e culturais Aracionalizaccedilatildeo da experiecircncia pedagoacutegica natildeo

permitiu a inclusatildeo da afetividade e do desejo nas praacuteticas de aprendizagem

Criou-se para essas esferas um estatuto inferiorizado E a arte eacute

representativa desses saberes inferiorizados Dessa maneira durante um bom

curso de nossa vida na loacutegica da modernidade racional foi disseminada a ideacuteia

de que soacute o saber cientificamente construiacutedo eacute dotado de legitimidade cognitiva

Ora parece hoje em um mundo globalizado de forma natildeo

homogecircnea que o contato entre diferentes culturas e o apelo por respeito agrave

diversidade cultural e pela interculturalidade trouxeram agrave tona are-significaccedilatildeo

da construccedilatildeo do saber e do conhecimento

Seraacute que o conhecimento construiacutedo a partir da especializaccedilatildeo

cientiacutefica eacute o uacutenico dotado de verdade Seraacute que o conhecimento tem que

necessariamente ser duro estanque e uniforme Seraacute que apenas uma pequena

parcela da humanidade tem a prioridade e o privileacutegio de construir as ideacuteias

sobre as coisas e os homens Seraacute que natildeo podemos revelar o mundo por meio

da muacutesica da poesia do movimento do corpo do verso da rima da brincadeira

do miacutestico do alternativo Seraacute que o luacutedico natildeo pode tambeacutem ser uma maneira

legiacutetima de conhecer

Graccedilas a uma caracteriacutestica intrinsecamente humana o indiviacuteduo

constroacutei-se a si mesmo a partir das necessidades e problemas que lhe satildeo postos

e assim busca soluccedilotildees nos mais variados campos Natildeo deixaria de ser verdade

entatildeo que aquele indiviacuteduo destituiacutedo das construccedilotildees explicativas a partir da

racionalidade cientiacutefica encontra meios de elaborar e reelaborar o conhecimento

66 Avesso do Avesso v4 n4 p52 73 nov 2006

tendo corno referecircncia o chatildeo onde pisa

Haacute algo de rico no senso comum9 que reelabora o cientiacutefico e natildeo

soacute o contraacuterio Aqui descobre-se que a estrada eacute de matildeo dupla e que o sujeito

que aprende eacute sujeito que ensina e o que ensina naturalmente aprende nessa

relaccedilatildeo Nasce assim o sujeito aprendiz-ensinante

Nesse sentiacutedo defendemos urna escola fora do lugar isto eacute

uma escola em que os conteuacutedos corno os raios de um ciacuterculo misterioso atiacutenjarn

todas as partes do mundo social mas cujo centro apresenta-se em lugar algum

Urna escola que interaja e inclua a realidade cotidiana em seus aprendizados e

que construa esse novo caminho em parceria com os jovens e outros educadores

da cidade

Vivendo a tensatildeo do paradoxo proposto acima e na contracorrente

dos que se mantecircm na tradiccedilatildeo de ecircnfase na escrita entendemos a importacircncia

contemporacircnea de urna escola descentrada isto eacute fundada em diferentes

lugares linguagens e esteacuteticas tal corno proposto por cubistas corno Picasso

que em 1904 sugeriu um novo olhar sem um ponto de vista uacutenico mas diverso

reunindo numa mesma imagem a colagem de vaacuterios pontos de vista

Somente na perspectiva interdiscursiva e dialoacutegica de estarmos

falando natildeo de um lugar ma1l no entre de um lugar onde o sentido seja partilha

verbo-visual teremos possibilidade de apreender o real metaforicamente

9 Cc Martins (2000 p 60) o senso comum

eacute comum natildeo porque seja banal ou mero e exterior conhecishymento Mas porque eacute conhecimento compartilhado entre os sujeitos de uma relaccedilatildeo social Nela o significado a precede pois eacute condiccedilatildeo de seu estabelecimento e ocorrecircncia Sem significado compartilhado natildeo haacute interaccedilatildeo Aleacutem disso natildeo haacute possibilidade de que os participantes da interaccedilatildeo se imshyponham significados jaacute que o significado eacute reciprocamente experimentado pelos sujeitos A significaccedilatildeo da accedilatildeo eacute de certo modo negociada por eles


simbolizado pela crianccedila que na paraacutebola de viagem de coleacutegio de interior ao

litoral dirigiu-se agrave professora e de matildeo estendida pediu - Tia me ajuda a

olhar esse mar ele eacute tatildeo grande

Nesta perspectiva o papel de educadores seria o de tomar essa

crianccedila pelas matildeos e auxiliaacute-la a ver o mar e o resto do mundo por diversos

caminhos possibilitando a ela a descoberta do seu caminho

A arte-educaccedilatildeo promove o desenvolvimento humano pois permite

novas formas de pensar agir conviver conhecer e produzir a partir de uma

linguagem que natildeo aborta o mundo sensiacutevel Desta forma a partir de uma

pedagogia que considera o diaacutelogo o desejo e a emoccedilatildeo como construtores da

socialidade cotidiana busca-se construir uma convivecircncia sempre com peacutes

fincados na eacutetica e na esteacutetica ou seja respeitando aquilo que une e que forma

a subterraneidade natildeo apenas na aparecircncia mas nos interstiacutecios histoacutericoshy

culturais

Poder ser negro branco iacutendio por exemplo e natildeo precisar se

afirmar numa identidade universal mas sim poder viver desenvolvendo a

potencialidade de suas diversas identificaccedilotildees A busca pelo despertar das

potencialidades humanas

Essa busca baseia-se numa reconstruccedilatildeo da cidadania na qual o

cidadatildeo eacute diferenciado tanto do consumidor como do indiviacuteduo passivo diante

do Estado de Direito A cidadania neste sentido eacute pensada como a representaccedilatildeo

do indiviacuteduo na cidade A cidade vista como o lugar da reuniatildeo da religaccedilatildeo

das trocas socioculturais e da accedilatildeo poliacutetica

E essa representaccedilatildeo poliacutetica do indiviacuteduo constitui-se de realidade

concreta de sonhos e de desejos que satildeo estimulados pelas inter-relaccedilotildees

esteacutetico-comunicativas considerando as diversidades culturais que se apresentam

no cotidiano da cidade Neste aspecto a formulaccedilatildeo do que seja ser cidadatildeo

eacute mutaacutevel e construiacuteda a partir do desejo e dos valores presentes em determinado

momento histoacuterico

68 Avesso do Avesso v4 n4 p52 73 novo 2006

Contrapotildee-se ao modelo de sociedade que utiliza do desenvolvishy

mento econoacutemico para estabelecer os paracircmetros educacionais (seja na escola

ou fora dela) Os modelos de aprendizagem e conhecimento das sociedades

ocidentais refletem uma eacutetica utilitaacuteria voltada a garantir a construccedilatildeo de cidashy

datildeos que se posicionam nas relaccedilotildees sociopoliacuteticas como se posicionam diante

das escolhas mercadoloacutegicas As escolhas satildeo ensinadas promovidas sob a

loacutegica de interesses baseados na triacuteade saber-produzir-possuir distanciandoshy

se da relaccedilatildeo conhecer-conviver-ser que estaacute no cerne de nossa discussatildeo

(BRANDAtildeO 2(02)

A pedagogia aqui proposta diferencia-se das metodologias

educacionais das escolas formais por estar ancorada na relaccedilatildeo conhecershy

conviver-ser O conhecimento neste caso natildeo se reduz a um saber teacutecnico

racional mas eacute um conhecimento que se desenvolve a partir do momento em

que haacute uma abertura para o outro para a compreensatildeo do outro (seja ser humano

ou natureza) que conduza o indiviacuteduo a uma praacutetica reflexiva criacutetica

O mais relevante natildeo eacute o progresso do saber mas a liberdade em

compreender para retornar a si mesmo de uma forma mais consciente E essa

consciecircncia de si e do outro implica em lidar conscientemente com as qualidades

racionais emocionais e afetivaslO

Segundo Carlos Brandatildeo (2002 p65) toda educaccedilatildeo cidadatilde

O Qualidades inerentes agrave natureza humana conforme uma antropologia filosoacutefica baseada na fenomenologia e desenvolvida significativamente na aacuterea da pedagogia por Edith Stein (a esse respeito veja-se Ales BelIo A Fenomenologia do Ser Humano [Traduccedilatildeo de Antonio Angonesi JBauru EDUSC 2000) Em qualquer que seja a metodologia de ensinoshyaprendizagem haacute participaccedilatildeo dessas esferas poreacutem nem todas elas (como eacute o caso da escola formal) visam acessaacute-Ias e desenvolvecirc-las com a intenccedilatildeo de promover a autonomia e a vontade da pessoa Observe-se que a escola formal preocupa-se em educar conforme um programa preacutevio que impotildee uma hierarquia de valores externa aos interesses pessoais o quc natildeo significa ausecircncia de afetividade por exemplo mas uma quase desconsideraccedilatildeo da mesma no processo educacional

Avesso do Avesso v4 nA p 52 - 73 novo 2006 69

comeccedila por um aprender a sair-de-si-mesmo em direccedilatildeo ao outro e isso eacute

possiacutevel com a ampliaccedilatildeo de ciacuterculos e circuitos interativos de diaacutelogos Neste

sentido a educaccedilatildeo serve agrave comunicaccedilatildeo e ao que ela constroacutei entre as pessoas

A ampliaccedilatildeo de ciacuterculos e circuitos de diaacutelogos entre jovens faz

parte desta metodologia em que o exerciacutecio de sair de si em direccedilatildeo ao outro

funciona como praacutetica poliacutetica para atingir emconjunto por meio da experiecircncia

de estar fazendo parte de um movimento social direitos para todos

Esse diaacutelogo construtor de cidadania propotildee a criacutetica ao modelo

puramente criacutetico disseminando uma eacutetica baseada na solidariedade na

diversidade e no desejo de transmutar a realidade social e essa transmutaccedilatildeo

ocorre com o prazer de se relacionar pela arte Arte que possibilita estar em

comunhatildeo consigo e com o outro

A arte transforma-se na principal via de comunicaccedilatildeo Comunicaccedilatildeo

que representa o espaccedilo em que acontece a relaccedilatildeo ensino-aprendizagem que

tambeacutem eacute esteacutetica Esteacutetica que engendra comunhatildeo que entrelaccedila e conjuga

fundando o sentido do que eacute comum auxiliando no processo de com-preensatildeo

Concluindo

o que pode haver entatildeo de mais importante que o paroxismo da

razatildeo (racionalismo) como norte educativo A resposta que se propotildee eacute o

paroxismo da natureza humana Re-encantamento do mundo consideraccedilatildeo plena

pela alteridade observaccedilatildeo do melhor das tradiccedilotildees (reflexo do melhor do

homem) busca filosoacutefica - e natildeo exclusivamente cientiacutefica - pelos sentidos da

vida A educaccedilatildeo tem permanentemente de retomar agrave natureza humana inscrita

nas mateacuterias culturais refazendo o percurso originaacuterio do conhecimento e da

compreensatildeo Eacute o esforccedilo educativo de com o aluno fazer nascer o saber via

conhecimento Eacute esforccedilo de com o aluno pegar a experiecircncia e transformaacute-la

em sentido e responsabilidade accedilatildeo com-preensiva dinacircmica e ininterrupta que

Avesso do Avesso vA nA p52 - 73 novo 2006

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busca natildeo confundir fonnaccedilatildeo humana com acuacutemulo intelectual ou mera prepashy

raccedilatildeo profissional

A discussatildeo proposta trouxe como objetivo dialogar com

preocupaccedilotildees que penneiam a pedagogia do desejo e do reconhecimento

Esta eacute compreendida como uma pedagogia que utiliza do encantamento e da

beleza para atingir o Ser promovendo um sentido diferenciado das pedagogias

ateacute entatildeo experimentadas nos cotidianos das escolas fonnais habituadas a formar

crianccedilas e jovens para uma sociedade em que aprender relaciona-se diretamente

com possuir ou seja que prioriza o aprender-para-produzir-para-possuir

baseando-se no Ter e natildeo no Ser como finalidade uacuteltima humana

Daiacute tambeacutem a importacircncia de que o professor pegue junto com o

aluno e manuseie os objetos desvelando suas possibilidades indo do concreto

ao abstrato de que se coloque entatildeo no lugar do outro transmitindo a

importacircncia da compreensatildeo como norte de uma postura humana que leva em

conta o aspecto relacional a dialogia

Ele deve diferenciar-se da postura autoritaacuteria que desconsidera os

interesses originais dos alunos pelo conhecimento e impotildee uma cultura cientiacutefica

racionalista que a princiacutepio natildeo pode ser vista pelos alunos como dizendo

respeito agrave sua realidade Que ele tenha em mente o desafio imposto pelas

diferenccedilas entre as subjetividades tradicionais e as subjetividades

contemporacircneas estas uacuteltimas subjacentes agrave atitude e comportamento do jovem

e contempladas pela passagem da modernidade agrave poacutes-modernidade tempos

do efeacutemero dos valores fluidos do conhecimento descartaacutevel da velocidade

teacutecnica de etceacuteteras que fazem do processo educativo uma constante aventura

em novos territoacuterios imaginaacuterios e exigem dos educadores atenccedilatildeo soacutecioshy

antropoloacutegica

Diante disso tudo o professor deve enfatizar aquilo que natildeo eacute

efeacutemero porque eacute pennanente a natureza humana (a intencionalidade e o desejo

pelo bem) que se materializa mesmo nessas caracterizaccedilotildees poacutes-modernas Dessa


natureza ele pode desenvolver a importacircncia de transmitir um percurso racional

correto correspondente agrave intencionalidade inseparaacutevel da experiecircncia vivencial

isto eacute impregnada de afetos desejos sonhos

FERNANDES Ciacutentia SanMartin BARREIRA Cristiano Roque Antunes

Education Art and Citizenship The recapture of the social-cultural element for

social transformation Avesso do Avesso Araccedilatuba v 4 n 4 p 52 - 73

nov2006

Abstract Education as a process that deals with the concrete and the abstract

the material and the spiritual linguistics and literature art and citizenship is referred

here as a method ofoperation that allows for multiple outcomes We propose a

reflection from the understanding oflearning based in the relationship between

teacher and student as a fundamental dirnension for the valuable dynarnics ofthe

multi cultural human relationship The only soil where the school educational

processes can sprout from is the one constituted by the relationship between

teacher and student What are the indispensable nutrients for this soi ln this

paper this relationship will be looked overthrough the discussion about citizenship

as well as the concept of art as the potentizer for socio-cultural interactions or as

the basis for communication and its possible meanings Such analyses intend to

illustrate the lirnits that rational thought has in human actions including educational

actions when utilized as a compasso We are seeking to present some possible

routes regarding the construction of the methodology of learning for the young

with our purposes well grounded in the fertile soi1 of citizenship

Key words Citizen-student Subject ofdesire Interaction Communication

72 Avesso do Avesso vA n4 p52 - 73 novo 2006

Referecircncias Bibliograacuteficas

ALES BELLO A A Fenomenologia do ser humanoBauru Edusc 2000

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BRANDAtildeO C R A Educaccedilatildeo popular e a escola cidadatilde Petroacutepolis Vozes

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FREIRE P Pedagogia do oprimido Satildeo Paulo Paz e Terra 1993

FREIRE P A importacircncia do ato de ler Satildeo Paulo Cortez 1992

HABERMAS J Soberania popular como procedimento Satildeo Paulo Novos

Estudos 1990

HABERMAS1 Trecircs modelos normativos de democracia Satildeo Paulo Lua

Nova 1995

MARTINS J S A Sociabilidade do homem simples Satildeo Paulo Hucitec

2000

MORIN E Ainteligecircncia da complexidade Satildeo Paulo Petroacutepolis 2oo0a

MORIN E Os sete saberes necessaacuterios agrave educaccedilatildeo do futuro Satildeo Paulo

Cortez 20oob

VIEIRA L Cidadania e globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Record 1997

(Footnotes)


No Brasil correlaccedilotildees dos movimentos sociais culturais com a edushy

caccedilatildeo e a arte aconteceram ao longo do seacuteculo XX enraizadas nas praacuteticas

sociais vividas pela sociedade como um todo No entanto a arte como uma

possibilidade de ensino-aprendizagem transversalizada ou como uma pedagogia

sensibilizadora de alguns processos sociais surgiraacute no paiacutes principalmente apoacutes

as deacutecadas de 70 e 80 devido agraves condiccedilotildees histoacutericas do mesmo

Seraacute com a retomada do movimento de organizaccedilatildeo de educadores

principalmente das associaccedilotildees de arte-educadores desde o iniacutecio dos anos

80 que se transformou o caraacuteter tecnicista no que diz respeito agrave arte3 na educaccedilatildeo

Paralelamente desenvolveram-se a discussatildeo e a luta para a inclusatildeo da

obrigatoriedade da arte na escola e na redaccedilatildeo da Nova Lei de Diretrizes e

Bases da Educaccedilatildeo Nacional apoacutes a Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 bem

como a retomada das investigaccedilotildees e experiecircncias pedagoacutegicas no campo da

arte e as novas concepccedilotildees esteacuteticas e tendecircncias da arte contemporacircnea

modificando os horizontes artiacutesticos e consequumlentemente a docecircncia em arte

juntamente com os debates sobre conceitos e metodologias do ensino de arte shy

realizados em caraacuteter nacional e internacional

Essa transformaccedilatildeo ocorreu devido agrave influecircncia provocada tanto

pelo debate no centro da epistemologia educacional como pelas praacuteticas

poliacutetico-educativas promovidas pelos Novos Movimentos Sociais Assim na

deacutecada de 1980 - poacutes periacuteodo ditatorial - vimos reemergir no paiacutes o debate

sobre a importacircncia da teoria libertadora paralelamente ao surgimento de uma

nova proposta pedagoacutegica denominada pedagogia histoacuterico-criacutetica Essas duas

correntes teoacutericas influenciam ateacute os dias atuais no Brasil e no mund05 as

3 A elaboraccedilatildeo dos Paracircmetros Curriculares Nacionais de Arte pela Secretaria de Ensino Fundamental do MEC em 199798 e o Referencial Curricular Nacional para a Educaccedilatildeo Infantil em 1988 satildeo exemplos desta transformaccedilatildeo ainda em curso 4 Sobre o tema ver Gadotti M Histoacuteria das ideacuteias pedagoacutegicas Satildeo Paulo Aacutetica 1993 5 Cf Carlos Rodrigues Brandatildeo (2002) basta olharmos para o nuacutemero de Institutos Paulo Freire que estatildeo espalhados pelo mundo

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Cíntia SanMartin FERNANDES - Faculdade da Fundação ... · obrigatoriedade da arte na escola e na...

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