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CINEPOP FORMAÇÃO PARA O PATRIMÔNIO AUDIOVISUAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA 36 CINEPOP FORMAÇÃO PARA O PATRIMÔNIO AUDIOVISUAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA CINEPOP FORMACIÓN PARA EL PATRIMONIO AUDIOVISUAL EN LO CENTRO DE REFERENCIA DE LA POBLACIÓN QUE VIVE EN LAS CALLES Marcella Furtado Rodrigues [email protected] Centro de Referência Audiovisual CRAV

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CINEPOP – FORMAÇÃO PARA O PATRIMÔNIO AUDIOVISUAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

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CINEPOP – FORMAÇÃO PARA O PATRIMÔNIO AUDIOVISUAL

NO CENTRO DE REFERÊNCIA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO

DE RUA

CINEPOP – FORMACIÓN PARA EL PATRIMONIO AUDIOVISUAL

EN LO CENTRO DE REFERENCIA DE LA POBLACIÓN QUE VIVE

EN LAS CALLES

Marcella Furtado Rodrigues

[email protected]

Centro de Referência Audiovisual – CRAV

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RESUMO

A presente comunicação apresenta um relato de experiência com a oficina CINEPOP, na qual o CRAV

trabalha em parceria com o CENTRO POP a formação para o patrimônio audiovisual de pessoas em situação

de rua. Realizada desde 2003, a oficina consiste em sessões comentadas de vídeo, nas quais está presente a

formação crítica dos participantes, com os quais são discutidos aspectos da linguagem cinematográfica e a

relação da construção dessa linguagem com a influência das diversas formas de expressão audiovisual presentes

em nosso cotidiano. Eventualmente, por demanda do grupo que frequenta a oficina, são realizadas produções

audiovisuais, nas quais os alunos participam de todo o processo, desde o roteiro até a edição final,

expressando-se e produzindo reflexões a partir do uso da linguagem audiovisual.

RESUMEN

Esta comunicación presenta un relato de experiencia con el proyecto CINEPOP, en lo que el CRAV

trabaja en asociación con el CENTRO POP la formación para el patrimonio audiovisual de las personas que

viven en las calles. Realizado desde 2003, el proyecto consiste en sesiones de video comentado, en el que esto

es fundamental para la formación de los participantes, con los que se discuten aspectos del lenguaje

cinematográfico y la relación de la construcción de esta lengua con la influencia de las diversas formas de

expresión audiovisual presentes en nuestro diario. Eventualmente, por la demanda del grupo de partícipes del

taller, se realizan producciones audiovisuales, en las que los estudiantes participan en todo el proceso, desde el

guión hasta la edición final, expresando y produciendo reflexiones con la utilización del lenguaje audiovisual.

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Realizada desde 2003, a oficina CINEPOP – Oficina de Vídeo Comentado e Produção

Audiovisual para população adulta em situação de rua é uma parceria desenvolvida entre o

Centro de Referência Audiovisual – CRAV e o Centro de Referência Especializado da

Assistência Social para a População de Rua Adulta – CENTRO POP, unidade da Secretaria

Municipal de Assistência Social, da Prefeitura de Belo Horizonte. Parte da oficina consiste em

sessões de vídeo comentado, que ocorrem semanalmente, no próprio CENTRO POP.

Eventualmente, por demanda do grupo que frequenta o CINEPOP, são realizadas produções

cinematográficas em que os alunos participam de todo o processo, desde o roteiro até a

edição final.

Desde 1996, o Centro de Referência da População em Situação de Rua atua no apoio

às pessoas que, por diversas razões, se encontram sem moradia fixa. A ação de um indivíduo

procurar o CREAS POP indica que ele, de alguma forma, deseja se organizar pessoalmente e,

ao mesmo tempo, reinserir-se socialmente. O Centro oferece espaço para que as pessoas

tomem banho, lavem suas roupas, guardem seus pertences em escaninhos, além de

receberem orientações para a confecção de documentos e cadastro em listas de busca de

empregos.

Uma boa parcela dos frequentadores do Centro é composta por catadores de

material reciclável. Em 2003, alguns desses catadores haviam encontrado no lixo diversas

fitas VHS e até aparelhos de videocassete. Eles tiveram interesse em assistir aos filmes

juntos, e procuraram o Centro de Referência para verificar se seria possível realizarem tal

ação naquele espaço.

Os responsáveis receberam com otimismo a iniciativa, procurando assim o CRAV

(Fundação Municipal de Cultura/PBH) para solicitar que sua equipe acompanhasse e

propusesse uma grade de programação para as sessões. Dessa maneira teve início a oficina

CINEPOP, que realiza suas atividades semanalmente há 11 anos.

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Inicialmente a oficina era baseada em sessões comentadas de vídeo, nas quais sempre

esteve presente a formação crítica dos participantes, com os quais eram discutidos aspectos

da linguagem cinematográfica e a relação da construção dessa linguagem com a influência das

diversas formas de expressão audiovisual presentes em nosso cotidiano. Além disso, a

formação humana e a participação coletiva são componentes essenciais da atividade. A

oficina faz parte das ações do CENTRO POP, concretizando-se como mais um espaço de

discussão sobre a importância de cada um, momento de reflexão sobre os caminhos

percorridos e a percorrer. A oficina oferece aos participantes a oportunidade de realizar

uma atividade em grupo, devolvendo-lhes um sentimento de que fazem parte de um

conjunto, uma coletividade, onde devem ouvir e serem ouvidos, sempre respeitando a fala e

a opinião daquele que pensa de forma diversa, mas não menos importante.

Sessão da Oficina CINEPOP no Centro de Referência da

População em Situação de Rua – 2013

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A partir das sessões comentadas, os participantes começaram a manifestar a vontade

de expressarem-se por meio da linguagem audiovisual, com a qual estavam se familiarizando.

Mediante a orientação da equipe do CRAV, os participantes da oficina passaram pela

formação em roteiro, filmagem e captação de som, além de passarem por oficinas de atuação

e criação de figurinos, todas essas ações educativas realizadas no próprio espaço do Centro

de Referência à Pessoa em Situação de Rua. Nessa perspectiva, foi produzido o primeiro

filme da oficina Cinepop, o curta-metragem “Cidade dos meus desejos” (2005), no qual foi

apresentada a história de duas meninas que vão para a cidade grande em busca de emprego

e perspectivas para um futuro melhor, mas que acabam se decepcionando ao encontrarem

aproveitadores que só queriam obter vantagens na exploração de seu trabalho. O filme, que

reflete uma realidade muito comum na população em situação de rua, foi uma construção

coletiva que materializou, em certa medida, os desejos, medos, anseios e reflexões de

pessoas que se encontram em momento muito peculiar e delicado de suas vidas.

É importante destacar que as sessões comentadas continuaram a ser realizadas. Além

das reflexões sobre os temas abordados, elas permitiram e permitem aos participantes

conhecer obras audiovisuais produzidas em diferentes contextos, levando-os a discutir

realidades distintas, mas que em alguns momentos guardam semelhanças com suas próprias

vivências. Importante perceber que, ao conhecerem essas outras histórias por meio do

audiovisual, os participantes se inspiram para produzirem eles mesmos vídeos que abordem

suas próprias trajetórias. Em 2006, foi lançado o documentário “Portão Azul”, abordando a

rotina da população em situação de rua e sua apropriação do espaço do Centro de

Referência. No documentário, os usuários falam sobre o papel do CENTRO POP em suas

vidas, mostrando como o espaço amplia suas perspectivas sobre o mundo e sobre suas

trajetórias. Em 2009, o grupo produziu o curta documental “Cidadão Oculto”, trazendo

discussões sobre a ‘invisibilidade’ da pessoa em situação de rua, que é muitas vezes ignorada

pelos demais membros da sociedade, que preferem deixá-los à margem dessa vivência e

participação social. O filme recebeu o prêmio principal do Festival “Favela, é isso aí” (2009) e

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foi selecionado para a “Mostra Fronteiras Imaginárias”, do Festival Audiovisual Visões

Periféricas (2010).

Em 2010, a Oficina produziu o curta-metragem “É difícil”, refletindo sobre a

importância da moradia na vida de cada um. No filme, pessoas em situação de rua e usuários

do Centro de Referência falam sobre o desejo de terem uma moradia. Há também os

depoimentos de pessoas que já passaram pelas ruas e hoje têm uma casa, e as dificuldades e

lutas de pessoas que batalharam por suas residências, como os moradores da Ocupação

Dandara.

Em 2011, além das exibições comentadas, o projeto realizou 2 filmes: “Reciclando...”

e “CREAS POP – 15 anos de referência”. Utilizaremos como exemplo o filme “Reciclando...”

para abordar o processo de formação envolvido na realização de um filme dentro da oficina.

Naquele ano, aconteceu a “3ª Edição do Claro Curtas” – Festival Nacional de

Curtíssima Metragem. O Festival propunha o envio de curtas de no máximo um minuto e

meio que abordassem o tema “O tempo do agora”. Mais do que a premiação oferecida, a

proposta da realização do curtíssima metragem chegou para a oficina CINEPOP como mais

uma possibilidade de expressão pela linguagem audiovisual. Levamos o tema aos

participantes da oficina, e, em um primeiro momento, fizemos um exercício de

brainstorming1, onde todos puderam dar o seu olhar sobre o que seria “o tempo do agora”.

Algumas pessoas falaram sobre o tema ‘reciclagem’, que acabou sendo escolhido como o

argumento principal do filme. O próximo passo foi discutirmos como este tema seria

abordado em um filme de apenas 90 segundos. Coletivamente chegamos a um consenso de

abordar o assunto a partir da perspectiva da Nataly, antiga usuária do CENTRO POP,

travesti e catadora de material reciclável.

1 Desenvolvimento de uma ideia em grupo, centrado em um objetivo inicialmente traçado.

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Num outro momento, o grupo se reuniu para roteirizar o curtíssima-metragem.

Decidiu-se por pegar o depoimento da Nataly e também acompanhar sua trajetória de um

dia nas ruas em busca de materiais recicláveis. Os participantes então elaboraram as

perguntas que seriam feitas a ela e fizeram exercícios com a câmera, trabalhando

posicionamento, enquadramento, como dar estabilidade e aproveitar a luz. Vale destacar que

o único equipamento utilizado durante as filmagens foi uma câmera miniDV não profissional.

As filmagens eram acompanhadas pelos instrutores da oficina, que davam pequenas

dicas enquanto os participantes filmavam a rotina e entrevistavam Nataly. De volta ao

CENTRO POP, assistimos juntos ao material gravado e fizemos a minutagem das imagens,

escolhendo o que tinha ficado bom e era pertinente e o que poderia ficar de fora. Daí

partimos para o momento da oficina que ocorre no espaço físico do CRAV, que é o período

da edição. Nessa etapa, por vários dias, os usuários da oficina foram até o Centro de

Referência Audiovisual e participaram de toda a edição, escolhendo cada corte, cada

montagem, a ordem de cada trecho do vídeo, o que devia ficar e o que poderia sair no corte

final. Como é uma produção coletiva do início ao fim, todos os participantes da oficina

assinaram como diretores.

Ver o filme pronto foi um momento de muita satisfação para todos, pois é quando o

trabalho desenvolvido na oficina reforça aos participantes sua capacidade em realizar algo.

Iniciar e finalizar uma obra que será apresentada a outras pessoas torna-se motivo de muito

orgulho para eles que, além de passarem pelas diversas etapas da formação para a produção

audiovisual, dão um importante passo na formação pessoal, sentindo-se novamente úteis e

capazes. Conforme depoimento de A.C.R, participante da oficina naquele momento:

“Ao ver um filme, de uma certa maneira, eu me vejo naqueles personagens, naquelas

pessoas. E produzir cinema, como nós fazemos na oficina de vídeo é uma grande

realização. Você participar de uma oficina, como é a oficina de vídeo no Centro de

Referência, é uma forma de você resgatar sua autoestima. Você começar a se olhar de novo

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como uma pessoa capaz de realizar algo. E a oficina de vídeo tem uma coisa fantástica que

é a possibilidade de você usar a sua criatividade, usando a câmera, ajudando no roteiro,

ajudando na edição dos vídeos que são produzidos. (...) A oficina foi uma coisa que

aconteceu dentro do Centro de Referência que me ajudou nesse resgate da minha própria

cidadania mesmo”2².

O nome do curtíssima-metragem “Reciclando...”, escolhido pelos próprios

participantes da oficina, relaciona-se não somente ao trabalho com os materiais que podem

ter novo destino, mas com a própria vida dos usuários do CENTRO POP que buscam

naquele espaço uma oportunidade para recomeçar.

Além de todos os elementos envolvidos nesse processo de produção coletiva, os

participantes e nós, instrutores, tivemos uma grata surpresa quando o vídeo foi selecionado

como um dos 15 semifinalistas do Festival na categoria livre, concorrendo com filmes do país

inteiro, alguns feitos com recursos e condições de produção muito mais favoráveis do que as

nossas. O vídeo não foi selecionado para a final, mas ficar entre os 15 melhores do país já foi

motivo de muito orgulho para todos.

Ainda em 2011, a oficina presenteou o CENTRO POP (que estava celebrando 15

anos de existência) com um documentário sobre o próprio espaço do Centro de Referência,

relembrando sua atuação e a trajetória de diversas pessoas que já passaram por lá. O filme é

hoje utilizado pela Coordenação do Centro de Referência como um portfólio, já que

sintetiza, de forma muito sensível e pela perspectiva dos usuários, o significado do CENTRO

POP na vida das pessoas que trabalham e usufruem daquele espaço.

A produção mais recente, realizada em 2013, chama-se “Mensagem de Natal”, um

vídeo simples no qual os alunos das oficinas do Centro desejam a todos os usuários e

funcionários um ano novo cheio de perspectivas e realizações.

2 ²Depoimento integrante do vídeo “CREAS POP – 15 anos de referência” (Belo Horizonte – 2011).

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Cumprindo com o objetivo de formar e introduzir os frequentadores da oficina no

universo das produções audiovisuais, como forma de conhecerem mais profundamente a

importância dos acervos audiovisuais como patrimônio cultural, os usuários do CENTRO

POP participam de todas as etapas da produção dos filmes.

Quando não estão em período de produções audiovisuais, a atividade regular são as

sessões de vídeo comentado. Nelas, dá-se prioridade a filmes nacionais, tanto pela

perspectiva de dialogarem mais intensamente com a realidade da população em situação de

rua, quanto pelo fato de facilitarem o acesso dos usuários da oficina, que já haviam

manifestado pouco interesse no contato com filmes legendados, pela dificuldade em

acompanhar a leitura das legendas. No entanto, há uma seleção de filmes internacionais que

abordam temas importantes para serem trabalhados dentro da oficina, e que são utilizados

quando encontrados em formato dublado.

Na perspectiva da formação para a leitura da obra audiovisual e percepção da mesma

como espaço de reflexão de sua própria vivência, são trabalhados filmes de naturezas

diversas, tais como filmes documentais, ficcionais, ficções baseadas em fatos reais, e algumas

obras em curta metragem. Com os usuários da oficina são trabalhadas as diferentes formas

de construção de cada um desses tipos de obra audiovisual, de modo a instigar-lhes a

percepção crítica de como o formato de produção diferencia obras que trabalham temáticas

semelhantes.

O ritmo de edição, escolha das cores, trilha sonora e estrutura narrativa estão entre

os aspectos observados nas obras. As exibições consistem em difundir a concepção do

Audiovisual como importante suporte da memória da cidade e seus habitantes,

ultrapassando o mero entretenimento e contribuindo com a linguagem cinematográfica à

formação dos usuários do CENTRO POP.

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Em um primeiro momento, entretanto, o tema dos filmes é certamente algo que

ganha prioridade no debate, dado o diálogo que este pode estabelecer com as vivências de

cada um dos participantes da oficina.

Para além da formação pessoal, componente fundamental do processo de saída das

ruas, na oficina de vídeo há também a perspectiva da formação social, traduzida na ação de

os participantes se reunirem para juntos assistir aos filmes e a produzi-los, expressando-se e

propondo reflexões a partir do uso da linguagem audiovisual.

Entre exemplos de filmes que suscitam essas reflexões, pode-se dividi-los em

temáticas que se relacionam com as experiências e trajetórias das pessoas em situação de

rua, tais como:

Filmes sobre histórias de vida nas ruas ou em espaços de vulnerabilidade: “Pixote, a lei do mais fraco” (Brasil – 1981), “Alguém para dividir os sonhos (The Saint of Fort

Washington – EUA – 1993), “Quem matou Pixote?” (Brasil – 1996), “5x Favela –

Agora Por Nós Mesmos” (Brasil – 2010), “Linha de Passe” (Brasil – 2008), “Madame

Satã” (Brasil – 2001), “O céu de Suely” (Brasil – 2006), “Anjos do Sol” (Brasil –

2006), “Última parada 174” (Brasil – 2008).

Filmes que abordam temas como preconceito racial e social: “Fio da memória” (Brasil – 1991), "A negação do Brasil" (Brasil – 2000), “Hotel Ruanda” (Reino

Unido/EUA/Itália/África do Sul/Canadá – 2004), “Crash – No limite” (Estados

Unidos/Alemanha – 2004).

Filmes que trazem histórias de superação: “O Contador de Histórias (Brasil, 2009),

“Um sonho possível” (The Blind Side – EUA – 2009), “À Procura da Felicidade” (The

Pursuit of Happyness – EUA – 2006), “A cor do paraíso” (Rang-e Koda – Irã – 1999).

Filmes que falam de migrantes que partem para outras cidades em busca de uma vida

melhor: “O caminho das nuvens” (Brasil – 2003), “Bye Bye Brasil” (Brasil – 1979),

“Cinema, Aspirinas e Urubus” (Brasil – 2005).

Filmes que abordam histórias vivenciadas no Brasil, motivando a reflexão sobre a estrutura social do país: “Boca de lixo” (Brasil – 1993), “Ônibus 174” (Brasil – 2002),

“Batismo de Sangue” (Brasil – 2006), “Garapa” (Brasil – 2009), “Carandiru” (Brasil –

2003).

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A listagem aqui apresentada são alguns exemplos de filmes trabalhos nas sessões de

vídeo comentado. São filmes que mexem com imaginário dos participantes, provocando

reflexões críticas, fazendo-os relembrar de experiências de vida e vislumbrar novas

trajetórias mesmo diante das dificuldades encontradas. A oficina por si só não vai tirar

nenhum participante da rua, mas vê-se que a cada filme apresentado ou produzido, algo fica

para cada um deles, mesmo que para alguns, mais e para outros, menos. É um momento de

reflexão pessoal e socialização, nas quais as falas e pontos de vista são respeitados e todos

ficam à vontade para falar ou ficar em silêncio, como alguns preferem.

Além da formação pessoal, a importância das exibições consiste em provocar uma

reflexão crítica sobre o audiovisual, não só no cinema, mas também na TV e na internet. A

ideia é valorizar as obras audiovisuais como patrimônio que, além de guardar nossa memória

do mundo, incitam a reflexão sobre nossas vidas pessoais e nosso lugar como cidadãos.

Assim, os participantes da oficina podem relacionar os temas abordados nos vídeos com o

mundo que os envolve e também com suas próprias vidas, exteriorizando suas reflexões nas

obras audiovisuais realizadas dentro da oficina.

A oficina é uma oportunidade para o Centro de Referência Audiovisual estender sua

atuação a um público que, por diversas razões, encontra dificuldades para acessar o espaço

físico do CRAV, bem como outros espaços culturais na cidade de Belo Horizonte. O

CINEPOP proporciona aos participantes o acesso a filmes, discussões e processos de

formação que podem ser relevantes na construção de atores sociais, pessoas que ganham a

oportunidade de ultrapassar o papel de espectadores, para tornarem-se protagonistas na

construção do patrimônio audiovisual, criando novas memórias e histórias na cidade de Belo

Horizonte.

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Sinopse dos filmes realizados dentro da oficina CINEPOP:

“Cidade dos meus desejos” (Belo Horizonte – 2005 – Duração: 20 minutos)

Os sonhos que levaram duas irmãs a deixarem o interior de Minas e a chegada delas à capital

são o tema do curta-metragem "Cidade dos meus desejos”. O filme foi todo produzido por

pessoas com trajetória de vida nas ruas de Belo Horizonte. É uma obra de ficção, com 20

minutos de duração, que conta com 15 personagens entre ex-moradores de rua, catadores

de papel da Asmare, usuários e técnicos do Centro de Referência da População de Rua. A

cenas foram gravadas em vários pontos da capital, como as praças da Estação, do Papa e

Santa Teresa, Rodoviária, av. Assis Chateaubriand e o Bar Reciclo.

“Portão Azul - A Conquista da Visibilidade” (Belo Horizonte – 2006 – Duração: 40

minutos)

Documentário realizado por usuários e técnicos do Centro de Referência da População de

Rua da Secretaria Adjunta de Assistência Social (SMAAS), em conjunto com técnicos do

Centro de Referência Audiovisual, da Fundação Municipal de Cultura. Percursos de pessoas

marcadas por trajetórias de vida nas ruas de Belo Horizonte se confundem com o trabalho

desenvolvido pelo Centro de Referência da População de Rua (CRPR). Usuários do CRPR

aprenderam a utilizar equipamentos de captação de imagem e som, participando ativamente

das gravações e imprimindo de forma singular suas impressões no filme. Desejos e

conquistas pessoais revelam sujeitos, por vezes colocados à margem, ficando destinados à

invisibilidade pelo imaginário social.

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“Cidadão Oculto” (Belo Horizonte – 2009 – Duração: 15 minutos)

Após quase um ano e oito meses entre filmagens, depoimentos, internas e externas, este

documentário, um curta bem rústico e bem elaborado, conta a trajetória de pessoas

distintas e ocultas. Gente simples que vive de reciclar papéis, plástico, mentes. Neste curta,

não há papel principal. Todos em ação por uma política mais justa, buscando sua cidadania.

Personagens reais, depoimentos reais. Um mundo oculto, agora já nem tanto. Conheça um

pouco desse mundo fantástico que quase ninguém vê.

“É difícil” (Belo Horizonte – 2010 – Duração: 17 minutos)

O documentário apresenta depoimentos de pessoas que vivem situações distintas em

relação à moradia: moradores de rua que buscam esse sonho, pessoas que ainda não estão

na moradia ideal, mas estão batalhando por um teto, e a visão daqueles que já passaram pela

rua e hoje possuem residência fixa.

“Reciclando...” (Belo Horizonte – 2011 – Duração: 1 minuto e 30 segundos)

Semifinalista da 3ª Edição do Festival Nacional de Curtíssima Metragem – Categoria Livre – 2011 e

selecionado para a 1ª. Mostra Favela é Isso Aí / 3º Festival Imagens da Cultura Popular Urbana.

Sinopse: “Por que Reciclando...? Porque estamos reciclando o tempo todo. Aprendemos

coisas novas todos os dias; mudamos conceitos. O verbo no gerúndio não é nada mais do

que o Tempo do Agora. Nataly mostra, no curta, que é possível e precioso que reciclemos a

nós mesmos e tudo o que for possível na natureza”.

“CREAS POP – 15 anos de referência” (Belo Horizonte – 2011 – Duração: 22

minutos)

O vídeo faz um panorama da história do CREAS POP – Centro de Referência Especializado

da Assistência Social para a População de Rua Adulta, criado em 1996, a partir de uma

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escolha do Orçamento Participativo em Belo Horizonte. Pelo depoimento de gestores e

funcionários, é feito um resgate do processo de implantação e organização do Centro, que é

hoje referência nacional para a Política de Assistência Social. Destaca-se também o relato de

antigos e atuais usuários do serviço, pessoas que buscam o espaço como ponto de partida

para uma mudança de vida.

“Mensagem de Natal” (Belo Horizonte – 2013 – Duração: 8 minutos)

Realizado pelos alunos da oficina de vídeo e apresentado durante a Festa de Natal em 2013,

o filme é uma mensagem de otimismo e desejos de um Feliz Ano Novo a toda equipe e

usuários do CENTRO POP.