Ciência Para Todos - Andrew Ahlgren, F. James Rutherford

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  • tarde daquilo que aprenderam numa determinada disciplina escolar. Contudo, contentamo-nos em test-las apenas uma semana mais tarde. Os modelos de curto espao de tempo podem tentar comprimir os efeitos a longo prazo, aumentando o ritmo a que os fenmenos ocorrem. Um exemplo a experimentao gentica em organismos, como as bactrias, as moscas e os ratos, que tm grande nmero de geraes num espao de tempo relativamente curto. Outro exemplo importante a administrao de doses macias de substncias qumicas a animais de laboratrio para tentar obter num curto espao de tempo o efeito que doses mais pequenas produziriam ao longo de muito tempo. Um exemplo mecnico a testagem destrutiva de produtos, usando mquinas para simular em horas o desgaste de, digamos, sapatos ou armas, que ocorreria ao longo de anos de uso normal. Por outro lado, os fenmenos muito rpidos podem exigir modelos a velocidade mais lenta, como a reproduo em cmara lenta do movimento dos pssaros, de danarinos ou de carros em coliso.

    No podemos esperar que o comportamento de um modelo fsico represente o fenmeno original com uma preciso completa, nem mesmo no conjunto limitado de caractersticas em estudo. Se o modelo de um barco muito pequeno, o modo como a gua passa por ele ser significativamente diferente em relao a um oceano e a um barco reais. Se apenas uma turma numa escola utiliza um novo mtodo, o carcter particular do mesmo pode trazer-lhe mais sucesso do que teria se fosse um mtodo comum. Grandes doses de uma droga podem ter diferentes tipos de efeitos (e mesmo a morte, em vez da cura), e no apenas efeitos mais rpidos. O carcter inadequado de um modelo pode estar relacionado com factores como alteraes na escala ou a presena de diferenas qualitativas que no so tomadas em considerao no modelo (por exemplo, as ratazanas podem ser sensveis a drogas a que os seres humanos no so, e vice-versa).

    Uma maneira de conferir sentido a uma coisa no familiar compar-la a algo familiar - isto , usar a metfora ou a analogia. Assim, os automveis foram inicialmente denominados carruagens sem cavalos. As (

  • tm portas, as correntes elctricas no so molhadas e as conchas dos electres no tm superfcies duras. Por isso, tanto podemos ser ajudados como induzidos em erro pelas metforas e analogias se inferirmos aspectos inadequados da semelhana em conjunto com aqueles que so devidos. Por exemplo, a metfora para a ramificao repetida das espcies na rvore da evoluo pode levar-nos a pensar no apenas em ramificao, mas tambm em progresso no sentido ascendente. A metfora de um arbusto, por outro lado, sugere que a ramificao da evoluo produz grande diversidade em todas as direces, sem uma direco preferida que constitua uma progresso. Se algum fenmeno for muito diferente da experincia comum, como os fenmenos qunticos escala atmica, pode no haver nada de familiar a que possa ser associado.

    Como qualquer modelo, um modelo conceptual pode ter apenas uma utilidade limitada. Por um lado, pode ser demasiado simples. Por exemplo, til pensar nas molculas de um gs como bolas elsticas minsculas que se movem em redor incessantemente, fazendo-se ressaltar umas s outras. Para incluir outros fenmenos, porm, este modelo tem de ser extensamente modificado para incluir as partes em movimento dentro de cada bola. Por outro lado, um modelo pode ser demasiado complexo para uso prtico. A exactido de modelos de sistemas to complexos como a populao global, o tempo atmosfrico e a distribuio de alimentos limitada pelo grande nmero de variveis em interaco que precisam de ser consideradas simultaneamente. Um modelo abstracto pode tambm adequar-se bem s observaes, mas no ter qualquer significado intuitivo. Ao fazermos um modelo do comportamento das molculas, por exemplo, estamos dependentes de uma descrio matemtica que pode no evocar qualquer imagem mental. Qualquer modelo pode ter caractersticas irrelevantes que interfiram na utilizao que fazemos dele. Por exemplo, devido sua grande evidncia e estatuto, os atletas e os artistas podem ser adoptados como modelos comportamentais por parte das crianas, no s nos aspectos em que so excelentes, mas tambm em aspectos irrelevantes e muitas vezes claramente abaixo de ideais.

    A ideia bsica da construo de modelos matemticos encontrar uma relao matemtica que se comporte da mesma maneira que o sistema que nos interessa. (O sistema, neste caso, at podem ser outras abstraces, bem como fenmenos fsicos e biolgicos.) Por exemplo, a velocidade crescente de uma rocha em queda pode ser representada pela relao simblica v = gt, na qual g tem um valor fixo. O modelo

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  • sugere que a velocidade de queda, v, aumenta proporcionalmente ao tempo de queda, t. Um modelo matemtico possibilita a previso de como podero ser os fenmenos em situaes distintas das j observadas - mas s como podero ser. Frequentemente, bastante fcil encontrar um modelo matemtico que corresponda a um fenmeno num pequeno espectro de condies (como a temperatura ou o tempo), mas que pode no corresponder bem num maior nmero de condies. Embora v = gt se aplique com exactido a objectos como as rochas que caem (de uma posio de descanso) apenas de alguns metros, o mesmo enunciado j no corresponde bem ao fenmeno quando o objecto uma folha (o atrito do ar limita-lhe a velocidade) ou a queda ocorre de uma distncia muito maior (o atrito aumenta, a fora de gravidade altera-se).

    Os modelos matemticos podem incluir um conjunto de regras e de instrues que especificam de forma precisa uma srie de passos a realizar, quer estes sejam aritmticos, lgicos ou geomtricos. Por vezes, mesmo as regras e instrues muito simples podem ter consequncias extremamente difceis de prever sem realizar concretamente estes passos. Os computadores de alta velocidade podem explorar quais seriam as consequncias da concretizao de instrues muito longas ou muito complexas. Por exemplo, uma central nuclear pode ser concebida de modo a ter detectores e alarmes em todas as partes do sistema de controle, mas a previso daquilo que aconteceria em diversas condies complicadas pode ser muito difciL Os modelos matemticos de todas as partes do sistema de controle podem ser ligados uns aos outros para simular o modo de funcionamento do sistema em diferentes condies de avaria.

    O tipo de modelo mais adequado varia com a situao. Se os princpios subjacentes forem mal compreendidos, ou a matemtica dos princpios conhecidos muito complicada, pode ser prefervel um modelo fsico. Tal tem sido o caso, por exemplo, do fluxo turbulento de fluidos. A crescente velocidade de clculo dos computadores torna a construo de modelos matemticos e a simulao grfica resultante adequadas a cada vez mais tipos de problemas.

    A conservao

    Em cincia, na matemtica e na engenharia, h um grande interesse pelos aspectos em que os sistemas no mudam. Ao tentarmos

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  • compreender os sistemas, procuramos princpios simplificativas, e os aspectos dos sistemas que no se alteram so-no claramente. Ao concebermos os sistemas, queremos muitas vezes garantir que algumas caractersticas se mantenham previsivelmente idnticas.

    O destino ltimo da maior parte dos sistemas fsicos, medida que a energia disponvel se dissipa, a fixao num estado estvel, ou estado de equilbrio. Por exemplo: uma rocha em queda pra no sop de um penhasco; um copo de gelo derrete e aquece temperatura do ar. Nestes estados, todas as foras esto em equilbrio, todos os processos de mudana parecem ter cessado - e assim permanecero at que algo de novo seja feito ao sistema, aps o que eventualmente estabilizar num novo equilbrio. Se um novo cubo de gelo for adicionado ao copo de gua, ser transferido calor do ambiente para o copo at que o copo volte a conter gua temperatura ambiente. Se um produto de consumo com um preo estvel for aperfeioado, a procura crescente pode originar um aumento de preo, at que a despesa leve o nmero de compradores a estabilizar a um valor de equilbrio mais alto.

    A ideia de equilbrio tambm pode ser aplicada a sistemas em que ocorre uma mudana contnua, desde que as mudanas se contrabalancem umas s outras. Por exemplo, o mercado de emprego pode ser pensado como estando em equilbrio se o nmero total de pessoas desempregadas permanecer mais ou menos o mesmo, apesar de muitas pessoas continuarem a perder os empregos e outras a ser contratadas. Um ecossistema est em 'equilbrio se os membros de todas as espcies morrerem ao mesmo ritmo que se reproduzem.

    Sob um ponto de vista molecular, todos os estados estveis implicam uma actividade contnua de molculas. Por exemplo, quando uma garrafa de refrigerante tapada, as molculas de gua e de dixido de carbono que se libertam da soluo para o ar aumentam em concentrao at que a taxa de retorno para o lquido seja to grande como a taxa de libertao. A libertao e o retorno continuam a um ritmo elevado, enquanto as concentraes e presses observveis permanecem num estado estvel indefinidamente. No prprio lquido algumas molculas de gua e de carbono esto em constante combinao, enquanto outras se dividem, mantendo, assim, uma concentrao equilibrada do cido que confere a suave sensao de formigueiro.

    Alguns processos, porm, no so to facilmente reversveis. Se os produtos de uma combinao qumica no voltam a separar-se

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  • to prontamente, ou se o gs que se evapora de uma soluo se afasta, ento o processo progredir numa direco, at no restarem quaisquer reagentes, deixando um equilbrio esttico, em vez de dinmico. Um sistema pode ainda estar numa condio estvel quando sujeito a pequenas perturbaes, mas no grandes. Por exemplo, uma rocha que ca e pra a meio caminho na encosta de uma colina pode a permanecer se apenas foras pequenas a perturbarem, mas um bom pontap pode provocar novamente a queda colina a baixo, obtendo uma condio mais estvel no fundo da colina.

    Muitos sistemas incluem subsistemas de feedback que servem para manter alguns aspectos do sistema constantes ou, pelo menos, dentro de determinados limites de variao. Um termstato concebido para regular um sistema de aquecimento ou de refrigerao um exemplo comum, como o conjunto das reaces biolgicas dos mamferos, que mantm as temperaturas corporais dentro de uma amplitude de variao estreita. Estes mecanismos podem falhar, contudo, se as condies forem muito para alm da sua amplitude normal de funcionamento ( o que acontece, por exemplo, quando uma insolao pe fora de servio o sistema de refrigerao do corpo humano).

    Alguns aspectos dos sistemas tm a propriedade notvel de se conservarem sempre. Se uma grandeza reduzida num local, um aumento exactamente igual aparece sempre noutro local qualquer. Se um sistema fechado em relao a tal grandeza, no registando entradas nem sadas das suas fronteiras, ento a quantidade total no interior no se alterar, independentemente de quanto o sistema possa mudar noutros aspectos. Acontea o que acontecer dentro do sistema - dissoluo de partes, exploso, degenerao ou qualquer tipo de alterao -, h sempre algumas grandezas totais que se mantm inalterveis. Numa exploso de uma carga de dinamite, por exemplo, a massa, o momento e a energia totais de todos os produtos (incluindo os fragmentos, os gases, o calor e a luz) permanecem constantes.

    Para alm da conservao dos totais, h constncias na forma. Uma bola de pingue-pongue tem sempre o mesmo aspecto, no importa de que lado se vire. Um ovo, por outro lado, continuar a ter o mesmo aspecto se for rodado em torno do seu eixo de comprimento, mas no se for rodado de qualquer outra maneira. Uma face humana tem um aspecto muito diferente se se virar ao contrrio, mas no se for reflectida ao contrrio, como num espe-

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  • lho. O contorno de um sinal de stop octogonal ou o de uma estrela-do-mar tero o mesmo aspecto depois de terem sido virados num determinado ngulo. A simetria natural da forma remete muitas vezes para processos simtricos de desenvolvimento. As taas de barro, por exemplo, so simtricas porque foram rodadas continuamente enquanto mos firmes lhes davam forma. Quase todos os animais terrestres so aproximadamente simtricos, o que tem a ver com uma distribuio simtrica das clulas no embrio original.

    Contudo, a simetria no apenas uma questo de geometria. As operaes com nmeros e smbolos tambm podem revelar ausncia de variao. As operaes mais simples podem ser a troca dos termos numa soma X + Y, que no produz alterao no resultado: Y + X = X + Y. Porm, X - Y mostra um tipo diferente de simetria: Y - X o negativo de X - Y. Na matemtica mais elevada pode haver tipos muito subtis de simetria. Uma vez que a matemtica usada de forma to alargada para construir modelos para o comportamento das coisas no mundo, as simetrias na matemtica podem sugerir simetrias inesperadas que subjazem aos fenmenos fsicos.

    Padres de mudana

    Os padres de mudana tm um interesse especial nas cincias: as descries da mudana so importantes para se prever o que ir acontecer; a anlise da mudana essencial para a compreenso daquilo que acontece, bem como para a previso daquilo que vai acontecer; o controle da mudana essencial para a concepo de sistemas tecnolgicos. Podemos distinguir trs categorias gerais: (1) mudanas que so tendncias estveis; (2) mudanas que ocorrem em ciclos; (3) mudanas irregulares. Um sistema pode ter os trs tipos de mudana a ocorrer simultaneamente.

    As mudanas estveis encontram-se em muitos fenmenos, da velocidade crescente da queda de uma rocha mutao dos genes numa populao ou degenerao de ndeos radioactivos. Nem todas estas tendncias so estveis no mesmo sentido, mas todas progridem numa direco e tm descries matemticas bastante simples. A taxa de decaimento radioactivo numa amostra de rocha diminui com o tempo, mas uma proporo constante em relao ao nmero dos ncleos que restam. As alteraes progressivas que correspondem a uma frmula matemtica identificvel podem ser

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  • usadas para calcular h quanto tempo um processo est a decorrer. Por exemplo, a radioactividade que resta nas rochas indica h quanto tempo estas se formaram e o nmero de diferenas actuais no ADN de duas espcies pode indicar h quantas geraes as duas espcies tiveram um antepassado comum.

    Uma sequncia d e alteraes que acontece repetidamente - urna mudana cclica - tambm conhecida em muitos fenmenos, como os ciclos sazonais do tempo meteorolgico, a vibrao de uma corda de guitarra, a temperatura do corpo dos mamferos e o movimento circular de um raio de electres, atravs de um tubo de televiso. Os ciclos so caracterizados pela amplitude da variao, do mximo ao mnimo, pela durao de um ciclo e pela altura exacta da ocorrncia dos picos. No caso do ciclo dirio na temperatura do corpo humano, por exemplo, em que a variao de cerca de um grau, o ciclo repete-se em cada 24 horas e os picos ocorrem normalmente ao fim da tarde. No caso da corda da guitarra, a variao no movimento de cerca de um milmetro, demorando cada ciclo cerca de um milsimo de segundo. Os ciclos podem ser to longos como os milhares de anos entre as idades do gelo ou to curtos como um bilionsimo de segundo nos osciladores elctricos. Muitos fenmenos, como os terramotos e as idades do gelo, tm padres de mudana que so persistentes na forma, mas irregulares na ocorrncia - sabemos exactamente que a recorrncia faz parte da sua natureza, mas no podemos prever exactamente quando.

    A extenso da variao durante um ciclo pode ser to grande que destrua o sistema, como no caso dos terramotos, em que as vibraes fazem ruir os edifcios, ou to pequena que quase no pode ser detectada, perdida aparentemente na actividade ocasional do sistema. A distino entre aquilo que acontece por acaso e aquilo que regular, contudo, no se torna evidente meramente a partir da observao de dados. Dados que parecem completamente irregulares podem revelar, atravs da anlise estatstica, tendncias ou ciclos subjacentes. Por outro lado, atravs da anlise estatstica, as tendncias ou ciclos que aparecem nos dados podem, por vezes, revelar-se facilmente explicveis como sendo imputveis apenas ao acaso e coincidncia.

    A mudana cclica encontra-se geralmente quando h efeitos de retorno num sistema, como, por exemplo, quando urna alterao numa direco qualquer faz originar foras que se opem a essa alterao. Um sistema com um efeito de retorno que aja lentamente

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  • tende a mudar numa extenso significativa antes de ser empurrado para a condio normal. E, quando volta ao normal, o momento da mudana pode transport-lo a alguma distncia na direco oposta, e assim sucessivamente, produzindo um ciclo mais ou menos regular. Sistemas biolgicos to pequenos como as clulas isoladas tm ciclos qumicos que resultam do efeito de retorno, uma vez que os produtos das reaces afectam os ritmos a que as reaces ocorrem. Em organismos complexos os efeitos de retorno dos sistemas de controle neural e hormonal um sobre o outro produzem ritmos distintos em muitas funes corporais (por exemplo, nas contagens de clulas sanguneas, na sensibilidade s drogas, no estado de alerta e mesmo no humor). Ao nvel da sociedade humana, qualquer tendncia provoca, eventualmente, reaces que se lhe opem, de modo que existem muitos ciclos sociais: o balano do pndulo evidente em tudo, desde a economia moda e filosofia da educao.

    Numa escala suficientemente pequena, toda a mudana parece ter uma componente casual. Que reaces ocorrem exactamente, e quando, nos e entre os tomos parece ser algo de imprevisvel, mesmo em princpio. Para alm disso, um acontecimento casual pode, por vezes, resultar inteiramente de uma regularidade subjacente. Mesmo alguns processos bastante simples e definidos com preciso, quando repetidos muitas vezes, podem ter resultados muito complicados, aparentemente caticos. A maior parte dos sistemas acima da escala molecular envolvem a interaco de tantas partes e foras e so to sensveis a pequenas diferenas nas condies que o seu comportamento preciso imprevisvel, parecendo atribuvel ao acaso, pelo menos em parte.

    Apesar da imprevisibilidade dos pormenores, o comporta mento geral de alguns grandes sistemas pode ser altamente previsvel. As mudanas registadas na presso e temperatura de um gs em equilbrio podem ser previstas frequentemente com grande preciso, apesar do movimento catico das molculs e da incapacidade do cientista para prever o movimento de qualquer molcula. A distribuio mdia das folhas em torno de uma rvore ou a percentagem de coroas numa longa srie de jogos de moeda ao ar ocorrero com uma segurana previsvel de uma ocasio para a seguinte. Da mesma maneira, a previso do comportamento de um indivduo , provavelmente, menos segura do que a previso do comportamento mdio dos membros de um grupo de indivduos.

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  • Muitos sistemas tambm mostram uma estabilidade aproximada no comportamento cclico. Atravessam mais ou menos a mesma sequncia de estados repetidamente, apesar de os pormenores nunca serem idnticos, como, por exemplo, a rbita da Lua em torno da Terra, os ciclos humanos do sono e da viglia e as flutuaes cclicas em populaes de predadores e de presas. Apesar de tais sistemas implicarem a interaco de influncias altamente complexas, podem continuar indefinidamente na aproximao de um nico ciclo muito simples. As pequenas perturbaes surgiro apenas no retorno ao mesmo ciclo aproximado, apesar de perturbaes maiores poderem provocar um comportamento muito diferente do sistema - que pode, contudo, ser outro ciclo muito simples.

    A evoluo

    A ideia geral de evoluo, que data, pelo menos, da Grcia antiga, consiste no facto de o presente surgir dos materiais e das formas do passado, de um modo mais ou menos gradual e de maneiras explicveis. assim que o sistema solar, a face da Terra e as formas de vida na Terra tm evoludo desde os estados mais antigos e continuam a evoluir hoje. A ideia de evoluo tambm se aplica, embora talvez de uma forma no to rgida, linguagem, literatura, msica, aos partidos polticos, s naes, cincia, matemtica e ao design tecnolgico. Cada novo desenvolvimento nestes empreendimentos humanos cresceu a partir das formas que os precederam, tendo essas mesmas formas anteriores j evoludo de formas ainda mais anteriores.

    As barbas das baleias, as asas dos morcegos, as mos das pessoas e as patas dos gatos, tudo parece ter evoludo a partir do mesmo conjunto de ossos nos ps de antigos antepassados rpteis. As instrues genticas para o conjunto de ossos j existiam ento, tendo as barbatanas ou as patas resultado da seleco natural de alteraes nessas instrues ao longo de muitas geraes. Um olho completamente formado no apareceu de repente, sem antes ter existido um rgo sensvel luz. O automvel tambm no surgiu sem terem antes existido outros veculos de quatro rodas. A teoria da gravidade s pde nascer depois de geraes de reflexo sobre as foras e as rbitas.

    O que pode acontecer a seguir limitado em parte pelo que aconteceu at agora. Mas qual a extenso deste limite? Um viso

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  • extrema defende que o que acontece a seguir completamente determinado por aquilo que j aconteceu - que s h um futuro possvel. H duas razes algo diferentes para duvidar desta perspectiva. Uma o facto de muitos processos serem caticos - mesmo diferenas to pequenas que passam despercebidas nas condies podem provocar grandes discrepncias nos resultados. A outra razo a existncia de um factor casual completamente imprevisvel no comportamento dos tomos, que agem na base das coisas. Assim, parece que o presente limita as possibilidades daquilo que acontece a seguir, mas no o determina completamente.

    Normalmente, pensa-se que a evoluo de um sistema progride gradualmente, com uma srie de estados intermdios entre o velho e o novo, o que no significa que a mudana evolutiva seja necessariamente lenta. Os estados intermdios podem ocorrer muito rapidamente e ser at difceis de identificar. As exploses, por exemplo, envolvem uma sucesso de alteraes que ocorrem a uma rapidez que as torna quase impossveis de detectar - quer as exploses sejam elctricas, como nos relmpagos, qumicas, como nos motores dos automveis, ou nucleares, como nas estrelas. Aquilo que consideramos demasiado rpido, contudo, depende do grau de exactido com que conseguimos separar os dados no tempo. Consideremos, por exemplo, uma coleco de fsseis de organismos bastante raros, os quais sabemos terem existido num perodo que durou muitos milhares de anos. Neste caso, as mudanas evolutivas que ocorreram no espao de um milhar de anos seriam impossveis de traar com preciso. E algumas alteraes evolutivas ocorrem, de facto, aos saltos. Por exemplo, os novos desenvolvimentos biolgicos no surgem apenas das recombinaes sucessivas de genes existentes, mas, por vezes, tambm da mutao abrupta de um gene que toma uma forma diferente. Numa escala atmica, os electres mudam de um estado de energia para outro, sem quaisquer estados intermdios possveis. Tanto para o gene como para o electro, contudo, a nova situao limitada por e explicvel a partir da situao prvia.

    A evoluo no se d em isolamento. Enquanto uma forma de vida est a evoluir, as outras sua volta tambm esto. Enquanto uma linha de pensamento poltico evolui, tambm o mesmo acontece s condies polticas em torno dela. E, de uma forma mais geral, o prprio ambiente, ao qual as coisas e ideias tm de reagir ao mesmo tempo que esto a evoluir, tambm evolui - talvez impedindo, talvez facilitando, a mudana das coisas numa deter-

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  • minada direco. Por exemplo, mudanas abruptas num clima estvel h muito tempo podem provocar a extino de espcies que se tinham adaptado bem a ele. As crises econmicas na Europa depois da Primeira Guerra Mundial facilitaram a ascenso dos fascistas, que instigaram a Segunda Guerra Mundial. A disponibilidade de noes matemticas recm-desenvolvidas dos espaos curvos permitiu que Einstein expressasse as suas ideias de relatividade sob uma forma quantitativa convincente. O desenvolvimento da electricidade apoiou a disseminao das comunicaes rpidas a longa distncia.

    A escala

    As amplitudes das grandezas no nosso universo - dimenses, duraes, velocidades, etc. - so imensas. Muitas descobertas da cincia fsica so virtualmente incompreensveis para ns, porque envolvem fenmenos a escalas muito distintas da experincia humana. Podemos medir, digamos, a velocidade da luz, a distncia s estrelas mais prximas, o nmero de estrelas na galxia, a idade do Sol, mas estas grandezas so muito maiores do que aquilo que somos capazes de compreender intuitivamente. No sentido oposto, podemos determinar a dimenso de tomos, o seu elevado nmero e a velocidade a que as interaces entre eles ocorrem, mas estes extremos tambm excedem as nossas capacidades de compreenso intuitiva. As nossas capacidades limitadas de percepo e de processamento de informao no conseguem simplesmente lidar com o alcance total destas grandezas. No entanto, podemos representar essas grandezas em termos matemticos abstractos (por exemplo, trilies) e procurar relaes significativas entre elas.

    Grandes alteraes na escala so normalmente acompanhadas por mudanas nos tipos de fenmenos que ocorrem. Por exemplo, a uma escala humana familiar, um pequeno sopro de gs emitido por um satlite em rbita dissipa-se no espao; a uma escala astronmica, uma nuvem de gs no espao com suficiente massa concentrada por foras gravticas mtuas numa bola quente que inflama a fuso nuclear e se transforma numa estrela. A uma escala humana, as substncias e a energia so infinitamente divisveis; a uma escala atmica, a matria no pode ser dividida e manter, simultaneamente, a identidade e a energia s pode transformar-se em saltos discretos. A distncia em torno de uma rvore muito

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  • maior para um pequeno insecto do que para um esquilo - uma vez que, escala do tamanho do insecto, h muitas colinas e vales para atravessar, enquanto para o esquilo no h nenhuns.

    Mesmo dentro de reinos de espao e tempo que nos so directamente familiares, a escala desempenha um papel importante. Os edifcios, os animais e as organizaes sociais no podem tornar-se significativamente maiores ou mais pequenos sem experimentarem alteraes fundamentais na estrutura ou no comportamento. Por exemplo, no possvel construir um edifcio de quarenta andares com precisamente o mesmo design e materiais usados normalmente em edifcios de quatro andares, porque {entre outras coisas) o edifcio se desmoronaria sob o prprio peso. medida que os objectos aumentam de tamanho, o volume aumenta mais rapidamente do que a rea de superfcie. As propriedades que dependem do volume, como a capacidade e o peso, mudam desproporcionalmente em relao s propriedades que dependem da rea, como a resistncia dos suportes ou a actividade de superfcie. Por exemplo, uma substncia dissolve-se muito mais rapidamente quando est moda muito fina do que quando um pedao de massa, porque a razo rea de superfcie/volume muito maior. Um microorganismo pode trocar substncias com o ambiente directamente, atravs da sua superfcie, enquanto um organismo maior necessita de superfcies especializadas, altamente ramificadas, como os pulmes, os vasos sanguneos e as razes.

    As ligaes internas tambm revelam um forte efeito de escala. O nmero de pares de coisas possveis (por exemplo, amizades ou ligaes telefnicas} aumenta aproximadamente como o quadrado do nmero de coisas. Assim, uma comunidade dez vezes maior ter aproximadamente cem vezes mais ligaes possveis de telefone entre os residentes. De um modo mais geral, uma cidade no apenas uma aldeia maior, uma vez que quase tudo o que caracteriza uma cidade - servios, padres de trabalho, mtodos de governo - necessariamente diferente, e no apenas maior do que aquilo que caracteriza uma aldeia. Os sistemas incluem, por vezes, tantas componentes interligadas que desafiam a descrio precisa. medida que a escala de complexidade aumenta, temos de recorrer eventualmente a caractersticas gerais, como as mdias de quantidades muito grandes de tomos ou de instantes de tempo ou as descries de exemplos tpicos.

    Os sistemas de complexidade suficiente podem mostrar caractersticas que no so previsveis a partir da interaco das compo-

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  • nentes, mesmo quando compreendemos bem essas interaces. Nestas circunstncias, podem ser necessrios princpios que no faam referncia directa aos mecanismos subjacentes, mas que no sejam incoerentes com estes. Por exemplo, o processo de eroso por parte dos glaciares pode ser objecto de referncia em geologia, sem se referir a fsica das foras elctricas e a estrutura de cristal dos minerais nas rochas, que lhe esto subjacentes. Podemos pensar o corao em termos do volume de sangue que distribui, independentemente do comportamento das clulas. Podemos prever a resposta provvel de algum a uma mensagem sem referncia ao modo de funcionamento das clulas cerebrais. Ou podemos analisar os efeitos de grupos de presso na poltica sem termos de nos referir necessariamente a quaisquer indivduos em particular. Tais fenmenos podem ser compreendidos a vrios nveis de complexidade, mesmo que a explicao completa de tais coisas seja frequentemente reduzida a uma escala que est muito para l da nossa experincia directa.

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  • 12 Hbitos mentais

    Ao longo da histria, as pessoas mostraram preocupao com a transmisso de valores, atitudes e tcnicas compartilhados de uma gerao para a seguinte. Tudo isto era ensinado muito antes da inveno da escolaridade formal. Mesmo actualmente, evidente que a faml1ia, a religio, os pares, os livros, os meios de comunicao social informativos e recreativos e as experincias gerais de vida so as influncias essenciais na formao das perspectivas das pessoas acerca do conhecimento, da aprendizagem e de outros aspectos da vida. A cincia, a matemtica e a tecnologia - no contexto da escolaridade - podem tambm desempenhar um papel-chave neste processo, uma vez que se apoiam num conjunto distinto de valores, reflectem e respondem aos valores da sociedade em geral e detm uma influncia crescente na formao dos valores culturais dominantes. Assim, uma vez que a escolarizao se preocupa extensivamente com valores e atitudes - uma questo de grande sensibilidade numa sociedade que valoriza a diversidade cultural e a individualidade e suspeita das ideologias -, tem de tomar em considerao os valores e as atitudes cientficas na preparao dos jovens para a vida fora da escola.

    De forma semelhante, h determinadas tcnicas de raciodnio associadas cincia, matemtica e tecnologia que os jovens necessitam de desenvolver durante os anos de escolaridade. Estas so, essencialmente, mas no exclusivamente, as tcnicas matemticas e lgicas, que so instrumentos essenciais da aprendizagem, tanto formal como informal, e de uma vida de participao na sociedade como um todo.

    No conjunto, estes valores, atitudes e tcnicas podem ser concebidos como hbitos mentais, porque se relacionam directamente com a perspectivao individual do conhecimento e da aprendizagem e das maneiras de pensar e de actuar.

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  • Pgina de um caderno de Leonardo da Vinci (sculos xv e XVI)

  • Valores e atitudes

    A educao cientfica deveria contribuir para o conhecimento, por parte do pblico em geral, dos valores partilhados pelos cientistas, matemticos e engenheiros, para o reforo dos valores sociais gerais, para inculcar nas pessoas convices equilibradas e informadas acerca do valor social da cincia, da matemtica e da tecnologia e para fomentar entre os jovens atitudes positivas relativamente aprendizagem da cincia, da matemtica e da tecnologia.

    A cincia, a matemtica e a tecnologia incorporam valores particulares, alguns dos quais so diferentes no tipo e na intensidade dos de outros empreendimentos humanos, como o comrcio, o direito e as artes. Para compreender a cincia, a matemtica e a tecnologia essencial estar consciente de alguns valores que lhes esto subjacentes e lhes conferem um carcter distinto e so partilhados pelas pessoas que trabalham nestas reas. Estes valores so evidentes nas recomendaes apresentadas nos trs captulos que tratam da natureza da cincia, da matemtica e da tecnologia e que reflectem sobre a importncia dos dados verificveis, das hipteses testveis e da previsibilidade em cincia, das provas rigorosas e da elegncia em matemtica e do design ptimo na tecnologia.

    Culturalmente, a cincia pode ser vista como revolucionria ou como conservadora. O conhecimento que gera fora-nos por vezes a alterar, e mesmo a pr de lado, convices que detnhamos h muito tempo acerca de ns prprios e do nosso significado no grande esquema das coisas. As revolues que associamos a Newton, Darwin e Lyell tm tanto a ver com o nosso sentido de humanidade como com o nosso conhecimento da Terra e dos seus habitantes. Para alm disso, o conhecimento cientfico pode surpreender-nos, at mesmo perturbar-nos, especialmente quando descobrimos que o nosso mundo no como o percebemos ou como gostaramos que fosse. A descoberta de que a Terra tem milhares de milhes de anos de idade, em vez de meros milhares, pode ser um exemplo desta questo. Tais descobertas podem ser to inquietantes que podem passar anos, ou, relativamente sociedade em geral, diversas geraes, at que nos consciencializemos e nos habituemos aos novos conhecimentos. Parte do preo que pagamos para obtermos conhecimentos o facto de estes nos causarem desconforto, pelo menos no incio. A consciencializao do impacto dos progressos cientficos e tecnolgicos nas crenas e sentimentos humanos deveria fazer parte da educao cientfica de todos.

    209

  • Tambm importante estarmos conscientes de que a cincia se baseia em valores do quotidiano, mesmo que nos ponha em questo a ns prprios e o nosso conhecimento do mundo. Na verdade, a cincia , em muitos aspectos, a aplicao sistemtica de alguns valores humanos altamente considerados - a integridade, a diligncia, a justia, a curiosidade, a abertura a novas ideias, o cepticismo e a imaginao. Os cientistas no inventaram qualquer destes valores e no so as nicas pessoas que os respeitam. Porm, o amplo campo da cincia incorpora e enfatiza, na verdade, tais valores e demonstra dramaticamente o seu grau de importncia no progresso do conhecimento e do bem-estar. Por conseguinte, se a cincia for ensinada efectivamente, o resultado ser o reforo de tais atitudes e valores humanos geralmente desejveis.

    Os cientistas desenvolvem-se na curiosidade - tal como as crianas. Estas entram na escola cheias de questes acerca de tudo o que vem e s se distinguem dos cientistas pelo facto de no terem ainda aprendido o modo de procurar as respostas e de verificar as qualidades das mesmas. A educao cientfica que estimula a curiosidade e ensina as crianas a canalizarem essa curiosidade de maneiras produtivas serve tanto os estudantes como a prpria sociedade.

    As ideias novas so essenciais para o incremento da cincia e para as actividades humanas em geral. As pessoas com mentes fechadas perdem a alegria da descoberta e a satisfao do crescimento intelectual ao longo da vida. Como este relatrio esclarece, o objectivo da educao cientfica no exclusivamente a produo de cientistas. A educao cientfica deve ajudar todos os estudantes a compreenderem a grande importncia da reflexo cuidadosa sobre ideias que, inicialmente, podem parecer-lhes inquietantes ou estranhas em relao s suas convices gerais. A competio de ideias uma fonte maior de tenses dentro da cincia, entre a cincia e a sociedade e dentro da sociedade. A educao cientfica deve documentar a natureza de tais tenses a partir da histria da cincia e ajudar os estudantes a reconhecerem o valor que para eles prprios e para a sociedade advm da sua participao no puxa e empurra do confronto de ideias.

    A cincia caracteriza-se tanto pelo cepticismo como pela abertura. Apesar de uma teoria poder ser alvo de uma ateno sria, raramente ganha aceitao alargada em cincia at que os seus defensores possam demonstrar que apoiada por provas, logicamente coerente com outros princpios no questionados, que explica mais coisas do que as rivais e tem potencial para conduzir

    210

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  • a mais conhecimentos. Dado que os cientistas se mostram cpticos em relao a todas as teorias novas, essa aceitao normalmente um processo de verificao e de refutao que pode levar anos ou mesmo dcadas a decorrer. A educao em cincia pode ajudar os estudantes a reconhecerem o valor social do cepticismo sistemtico e a desenvolverem um equilbrio saudvel nas prprias mentes entre a abertura e o cepticismo.

    Ao considerarmos os resultados da aprendizagem, h outro sentido no qual esto tambm envolvidos valores. Muito para l dos valores cientficos que os estudantes possam adoptar para si prprios, coloca-se a questo daquilo que os estudantes deveriam conhecer e acreditar acerca do valor social geral dos empreendimentos cientficos. Ser necessrio que todos os que acabam o ensino secundrio estejam convencidos do grande valor que a cincia, a matemtica e a tecnologia tm para a sociedade?

    Fazendo o balano, a cincia, a matemtica e a tecnologia fizeram elevar a qualidade da existncia humana e os estudantes deveriam tornar-se apoiantes conscientes delas. Porm, uma vez que a prpria cincia preza tanto o pensamento independente, os professores no deveriam tentar simplesmente doutrinar os alunos, tornando-os apoiantes acrticos da cincia. Em vez disso, os educadores deveriam adoptar uma posio que permitisse que, se fossem atingidos os objectivos aqui recomendados, os estudantes acabassem por possuir perspectivas equilibradas do valor da cincia, da matemtica e da tecnologia, e no por serem acriticamente apoiantes ou antagonistas.

    Os estudantes do ensino primrio tm um interesse espontneo pela Natureza e pelos nmeros. No entanto, muitos estudantes saem da escola com um medo terrvel em relao matemtica e desprezo em relao cincia, que consideram demasiado montona e difcil de aprender. Vem a cincia apenas como uma actividade acadmica, e no como um modo de compreenderem o mundo em que vivem. As consequncias desta averso so graves, porque significam que as vidas de um nmero demasiado grande de estudantes esto a ser limitadas e que a fonte geral de talento da nao, de que poderiam sair cientistas, matemticos e engenheiros, mais pequena do que poderia ser.

    As escolas podem no ser capazes de inverter sozinhas esta situao, mas so essencias em qualquer esperana realista de o fazerem. Est dentro das capacidades dos professores o estmulo de atitudes positivas entre os alunos. Se escolherem temas importantes, acessveis e excitantes em cincia e em matemtica, se pro-

    211

  • moverem o trabalho de equipa, bem como a competio entre os estudantes, se se concentrarem mais na explorao e compreenso do que na memorizao mecnica dos termos e se assegurarem de que todos os alunos sabem que devem explorar e aprender e que todos os esforos sero reconhecidos, ento quase todos os alunos iro, realmente, aprender. E, ao aprenderem com sucesso, aprendero a lio mais importante de todas - nomeadamente que so, de facto, capazes de aprender.

    Capacidades

    As recomendaes apresentadas nos captulos precedentes dizem respeito essencialmente ao conhecimento. No entanto, tambm sugerem que o conhecimento dever ser entendido de modo a permitir a sua aplicao na resoluo de problemas. Neste sentido, todas as recomendaes anteriores dizem respeito a tcnicas de raciocnio. Dito de modo inverso, os estudantes s tero probabilidade de aprenderem tcnicas de pensamento ao compreenderem algo de substancial acerca do mundo, ao serem confrontados com elas em muitos contextos e situaes diferentes e ao usarem-nas repetidamente.

    Capacidades de clculo

    A experincia repetida com clculos em contextos significativos tambm estimular uma tcnica de nvel mais elevado para julgar quando os clculos podero ser feitos mais adequadamente de cabea ou no papel, ou com a ajuda de uma calculadora ou de um computador. Cada um destes mtodos tem um papel legtimo na resoluo de problemas, apesar de estes papis poderem ser diferentes em condies distintas.

    Na vida quotidiana temos de ser capazes de fazer clculos simples de cabea. Contudo, a quantidade real de aritmtica mental necessria muito limitada e est bem dentro da capacidade de aprendizagem de todos os indivduos normais. Esta capacidade exige, primeiro que tudo, que o indivduo memorize e seja capaz de recordar imediatamente determinados factos numricos:

    As somas, diferenas e produtos dos nmeros inteiros de 1 a 10; Os equivalentes decimais de fraces comuns - metades,

    teros, dois teros, quartos, trs quartos, quintos, dcimos e

    212

  • centsimos (mas no sextos, stimos, nonos e outras fraces raramente encontradas pela maior parte das pessoas);

    A relao entre fraces decimais e percentagens (por exem plo, a equivalncia entre 0,23 e 23 %);

    As relaes entre 10, 100, 1000, 1 milho e mil milhes (saber, por exemplo, que 1 milho so mil milhares). Expressas em potncias de 10, estas relaes so, sucessivamente, 101, 102, 1()3, HY' e 109

    H dois tipos de clculos mentais que todos deveriam ser capazes de realizar:

    A adio de quaisquer dois nmeros que tenham dois algarismos cada um;

    A multiplicao e diviso de qualquer nmero por 2, 10 e 100 ou por um ou dois algarismos importantes.

    Na vida quotidiana, em especial no local de trabalho, quase toda a gente enfrenta a necessidade de efectuar clculos. At h pouco tempo o papel e o lpis eram os meios mais comuns de resolver os problemas que as pessoas no conseguiam solucionar atravs da aritmtica mental. Para a maior parte dos estudantes a matemtica escolar tem consistido na realizao de clculos no papel. Isto acontece geralmente atravs da aprendizagem da diviso de nmeros longos, do modo de encontrar percentagens ou de calcular propores, mas no da aprendizagem do modo de funcionamento de tais algoritmos, da altura de os empregar ou da forma de compreender as respostas.

    O advento da calculadora electrnica pequena e barata possibilitou a alterao radical da situao. Uma vez que as calculadoras so to rpidas, podem disponibilizar tempo de instruo nas escolas para exercitar e aprender a verdadeira matemtica. Os estudantes podem aprender rapidamente a imaginar passos para resolverem problemas numricos comuns, que operaes usar e como verificar o carcter razovel das respostas. A alfabetizao matemtica universal torna-se uma possibilidade real.

    A vantagem da calculadora no apenas pedaggica. Os clculos a papel e lpis so lentos, propensos a erros e to misteriosos conceptualmente para a maior parte dos utilizadores como qualquer instrumento electrnico. Quando se deseja exactido, quando os nmeros envolvidos tm vrios algarismos ou quando o clculo

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  • tem diversos passos, a calculadora oferece muitas vantagens prticas sobre o papel e lpis. Todavia, essas vantagens no podem ser concretizadas sem as pessoas aprenderem a usar as calculadoras de um modo inteligente. O uso da calculadora exige percia, no compensa os erros humanos de raciocnio, fornece muitas vezes respostas com maior preciso do que o mrito dos dados e pode ser minado por erros do operador. A soluo os estudantes comearem a utilizar as calculadoras cedo e, durante a escolaridade, em tantas disciplinas quanto possvel.

    Toda a gente deveria ser capaz de usar a calculadora para fazer o seguinte:

    Adicionar, subtrair, multiplicar e dividir quaisquer dois n meros inteiros e decimais (mas no potncias, razes ou funes trigonomtricas);

    Encontrar o equivalente decimal de qualquer fraco; Calcular a percentagem que um nmero de outro e tirar a

    percentagem de qualquer nmero (por exemplo, uma reduo de 10%, um ganho de 60%);

    Encontrar o recproco de qualquer nmero; Determinar razes a partir de grandezas (por exemplo, a

    velocidade a partir do tempo e da distncia), grandezas a partir de razes (por exemplo, a quantidade de juro simples a pagar com base no conhecimento da taxa de juro e do capital, mas no clculos que envolvam juros compostos);

    Calcular circunferncias e reas de rectngulos, tringulos e crculos e o volume de slidos rectangulares;

    Encontrar a mdia de um conjunto de dados; Determinar1 por substituio numrica, o valor de simples

    expresses algbricas - por exemplo, das expresses aX + bY, a(A + B) e (A - B)/(C + D);

    Converter unidades compostas (como ienes por dlar em dlares por iene, quilmetros por hora em metros por segundo).

    Para fazer um uso completo e efectivo das .calculadoras, toda a gente deveria ser capaz de fazer tambm o seguinte:

    Ler e seguir passo a passo as instrues dadas nos manuais das calculadoras na aprendizagem de novos procedimentos;

    Inventar e escrever algoritmos simples para resolver problemas que implicam diversos passos;

    Descobrir qual ser a unidade da resposta (segundos, polegadas quadradas ou dlares por barril, por exemplo), a partir

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  • dos dados iniciais do clculo. A maior parte dos clculos do mundo real tm a ver com grandezas (nmeros associados a unidades), mas as calculadoras normais s respondem com nmeros. O utilizador tem de ser capaz de traduzir o 57 da calculadora, por exemplo, em 57>> km por hora;

    Arredondar o nmero que aparece na resposta da calculadora a um nmero que faa sentido e reflicta com exactido os dados do clculo. Por exemplo, para a velocidade de um carro que anda 200 km (aproximadamente) em trs horas (mais minuto menos minuto), o valor de 67 km por hora ser provavelmente bastante exacto, enquanto 66,67 km por hora ser claramente um exagero e 66,666667 km por hora completamente ridculo;

    Julgar se uma resposta razovel ou no atravs da comparao com uma estimativa. Um resultado de 6,7 km por hora ou de 667 km por hora para a velocidade de um automvel na auto-estrada deveria ser rejeitado imediatamente.

    H muitas circunstncias em que uma resposta aproximada to til como uma resposta precisa. De facto, esta deve at ser a regra e no a excepo. A estimativa de respostas aproximadas pode muitas vezes substituir a realizao de uma medio precisa ou de um clculo cuidado, mas na maior parte dos casos servir como verificao dos clculos efectuados com calculadoras electrnicas ou com papel e lpis. A percia na realizao de estimativas baseia-se na noo do que um grau adequado de preciso numa situao particular, que, por sua vez, depende da compreenso do contexto do problema e do objectivo do clculo. Entre as capacidades particulares da realizao de estimativas, toda a gente deveria ser capaz de calcular o seguinte:

    Comprimentos e pesos familiares, assim como perodos de tempo;

    Distncias e tempos de viagem a partir de mapas; O tamanho real de objectos com base no uso de desenhos

    escala; As probabilidades dos resultados de situaes familiares, quer

    com base na histria (por exemplo, o facto de uma determinada equipa de futebol ter ganho o primeiro jogo oito vezes nos ltimos dez anos), quer com base no nmero de resultados possveis (por exemplo, h seis lados num dado).

    215

  • Acontece muitas vezes que a resposta que a calculadora nos apresenta est errada, quer porque a informao introduzida estava errada, quer porque a informao foi introduzida incorrectamente, quer porque a sequncia de operaes usada era incorrecta. Em situaes em que no h qualquer base para julgar a adequao de uma resposta a que se chegou atravs de um clculo todos deveriam ser capazes de chegar a uma estimativa grosseira daquilo que a resposta deveria ser antes de a aceitarem. Isto implica ser capaz de fazer trs coisas:

    Fazer estimativas grosseiras de somas, diferenas, produtos, quocientes, fraces e percentagens;

    Detectar a fonte de alguma grande disparidade entre a estimativa e a resposta calculada;

    Especificar uma grandeza somente at potncia mais prxima de 10. Assim, a populao do mundo da ordem de 109 (mil milhes) ou de 1010 (10 mil milhes). Algo que varia uma ordem de grandeza varia de um factor de cerca de 10 - isto , qualquer coisa 4 a 5 vezes a 20 ou 30 vezes maior (ou menor). Um factor de 40 ou de algumas centenas, por exemplo, seria mais como duas ordens de grandeza.

    Capacidades de manipulao e de observao

    Todos deveriam adquirir a capacidade de manipular materiais e instrumentos comuns para lidarem com o espao domstico e outras tecnologias do quotidiano, para fazerem observaes cuidadosas e para tratarem informao, o que inclui ser capaz de fazer o seguinte:

    Manter um registo que descreva com preciso as observaes feitas, que distinga cuidadosamente as observaes de ideias e especulaes acerca daquilo que foi observado e que seja compreensvel semanas ou meses mais tarde;

    Armazenar e recuperar informao computorizada, recorrendo a ficheiros temticos, alfabticos, numricos e com palavras-chave, e usar ficheiros simples da concepo do prprio indivduo;

    Introduzir e recuperar informao de um computador, usando software comum;

    Usar instrumentos adequados para fazer medies directas de comprimento, volume, peso, intervalos de tempo e temperatura. Para alm de seleccionar o instrumento correcto, esta

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  • capacidade envolve o uso de um grau de preciso relevante para a situao em causa (por exemplo, medir at ao centmetro mais prximo no suficientemente exacto para construir um armrio, mas muito mais do que o necessrio para a construo de uma grande cerca);

    Fazer leituras de mostradores de contadores standard, tanto analgicos como digitais, e ajustamentos prescritos em mostradores, em contadores e botes;

    Fazer ligaes elctricas com diferentes tomadas e fichas e bornes de presso com uma segurana razovel;

    Dar forma, fixar e soltar materiais comuns (como a madeira, o barro, o papel, o plstico e o metal), usando ferramentas manuais e elctricas comuns, com uma segurana razovel;

    Diluir e misturar materiais lquidos e secos (na cozinha, na garagem ou no laboratrio), nas propores prescritas, com uma segurana razovel;

    Detectar problemas simples em sistemas mecnicos e elctricos comuns, identificar e eliminar algumas causas possveis do mau funcionamento (por exemplo, distinguir entre uma lmpada fundida, um fio desligado e um fio ou um interruptor defeituosos numa casa ou entre um depsito vazio, uma bateria gasta ou um carburador abafado num automvel);

    Comparar produtos de consumo com base em caractersticas essenciais, funcionamento, durabilidade e custo, fazendo compromissos pessoais suportveis;

    Procurar as implicaes de alteraes numa parte do sistema - entradas, sadas ou ligaes - no funcionamento das outras partes.

    Capacidades de comunicao

    O discurso em cincia, matemtica e tecnologia requer a capacidade de comunicar ideias e partilhar informao com fidelidade e clareza e de ler e ouvir com compreenso. Algumas das capacidades envolvidas so especficas da cincia, da matemtica e da tecnologia, outras so gerais, apesar de mesmo essas no serem independentes do contedo. Todos deveriam possuir capacidades que lhes permitissem:

    Exprimir oralmente e por escrito as ideias bsicas cobertas pelas recomendaes neste relatrio, o que exige, sobretudo, que os

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  • estudantes adquiram alguma compreenso dessas ideias, as integrem nas suas estruturas conceptuais e sejam capazes de as ilustrar com exemplos e argumentao racional;

    Sentir-se vontade e familiarizados com o vocabulrio standard apropriado s noes principais da cincia, da matemtica e da tecnologia, tal como so usadas neste relatrio. Em muitas escolas a cincia ensinada somente como vocabulrio e isso que , em grande parte, testado. Est abordagem desastrosa e no aquilo que desejamos aqui - um nvel de compreenso da cincia que tem como consequncia um vocabulrio til;

    Interpretar correctamente os termos se . . . , ento, e, cada, no, correlaciona-se com e causa;

    Organizar informao em tabelas simples; Descrever informao e relaes atravs d o traado de gr

    ficos para mostrar tendncias (estveis, aceleradas, diminuindo ou recuando e cclicas);

    Ler valores de grficos circulares e de grficos de barras e de linhas simples, de mapas de cores e de tabelas de dados de duas direces, notando tendncias e valores extremos e reconhecendo a forma como a mensagem de um grfico sensvel escala escolhida;

    Verificar a correspondncia entre dados registados em tabelas, grficos, e verbalmente;

    Escrever e seguir os procedimentos sob a forma de instrues passo a passo, receitas, frmulas, diagramas de fluxos e esboos;

    Compreender e usar relaes geomtricas bsicas, incluindo as perpendiculares, as paralelas, a semelhana, as tangentes, a rotao e a simetria;

    Encontrar e descrever localizaes em mapas, usando coordenadas rectangulares e polares;

    Participar em discusses de grupos sobre temas cientficos, sendo capaz de reafirmar ou de sintetizar o que outros j disseram, pedir clarificao ou elaborao dos argumentos e adoptar perspectivas alternativas.

    Capacidades de resposta crtica

    Sob vrias formas, os meios de comunicao social, os professores e os pares inundam os estudantes com afirmaes e argumen-

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  • tos, alguns deles pertencentes ao reino da cincia, da matemtica e da tecnologia. A educao deveria preparar as pessoas para lerem ou ouvirem criticamente essas afirmaes, decidindo a que provas devem prestar ateno e quais desprezar e distinguindo os argumentos cuidados dos pretensos argumentos. Para alm disso, todos deveriam ser capazes de aplicar as mesmas capacidades crticas s prprias observaes, argumentos e concluses, tornando-se, assim, menos sujeitos aos prprios preconceitos e racionalizaes.

    Apesar de no podermos esperar que a maior parte das pessoas se tornem peritas em determinadas reas tcnicas, todos podem aprender a detectar os sintomas de afirmaes e argumentos duvidosos. Estes tm que ver com as maneiras de relatar os resultados pretendidos. Os estudantes deveriam aprender a observar e a duvidar dos seguintes sinais de fraqueza de argumentos:

    As premissas dos argumentos no foram explicitadas; As concluses no so uma sequncia lgica das provas forne

    cidas (por exemplo, a verdade a maioria das pessoas ricas votam nos republicanos>> no prova a verdade do inverso,

  • pacientes - tm caractersticas praticamente idnticas que no coincidem com as de outros grupos;

    Expem-se resultados mdios, mas no se descreve a amplitude de variao volta dessa mdia;

    Indica-se uma percentagem ou uma fraco, mas no o tamanho total da amostra (por exemplo, 9 em 10 dentistas recomendam . . . );

    Misturam-se quantidades absolutas e proporcionais (por exemplo, mais 3400 assaltos este ano, enquanto outras cidades tiveram um aumento de menos de 1 %);

    Os resultados so descritos com uma preciso enganadora {por exemplo, representando 13 de 19 estudantes como 68,42 %);

    As explicaes e as concluses so apresentadas como as nicas que merecem considerao, sem meno de quaisquer outras possibilidades.

    220

  • 13 Aprendizagem e ensino efectivos

    Apesar de Cincia para Todos enfatizar aquilo que os estudantes deveriam aprender, tambm reconhece que a forma como a cincia ensinada igualmente importante. No planeamento da instruo os professores eficientes recorrem a um corpo crescente de informao proveniente da investigao acerca da natureza da aprendizagem e a conhecimentos de tcnicas de ensino que resistiram ao teste do tempo. Geralmente, tomam em considerao as caractersticas especficas do material a ser aprendido, o passado dos alunos e as condies sob as quais ter lugar o ensino e a aprendizagem.

    Princpios de aprendizagem

    A investigao cognitiva tem vindo a revelar que/ mesmo possuindo aquilo que geralmente considerado uma boa instruo/ muitos estudantes, incluindo os mais talentosos academicamente, compreendem menos do que aquilo que pensamos que entendem. Com determinao, os estudantes que fazem um exame so geralmente capazes de identificar e de reproduzir aquilo que lhes foi dito ou que leram. Uma prova cuidada, no entanto, mostra muitas vezes que essa compreenso limitada ou distorcida, se no mesmo completamente errada. Esta descoberta sugere que a parcimnia essencial no que diz respeito fixao de objectivos para a educao: as escolas deveriam seleccionar os conceitos e as capacidades mais importantes a salientar, de modo a poderem concen-

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  • Jean-Baptiste-Simon Chardin, A Jovem Preceptora (c. 1739)

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  • trar-se na qualidade da compreenso, e no na quantidade de informao apresentada.

    Os indivduos tm de construir os prprios significados, independentemente da clareza com que os professores ou os livros lhes ensinam as coisas. Normalmente, fazem-no isto atravs da associao dos novos conceitos e da nova informao quilo em que j antes acreditavam. Os conceitos - as unidades essenciais do pensamento humano - que no tm ligaes mltiplas com o modo como o estudante concebe o mundo no sero provavelmente recordados nem sequer teis. Ou, mesmo que permaneam na mem5ria, sero arrumados numa gaveta com a etiqueta disciplina de Biologia, 1995 e no estaro disponveis para afectarem os pensamentos sobre qualquer outro aspecto do mundo. A melhor forma de aprendizagem de conceitos encontr-los numa multiplicidade de contextos e v-los expressos sob formas variadas,_ porque isso garante que haver mais oportunidades de se integrarem no sistema cognitivo do estudante.

    Todavia, a aprendizagem efectiva exige muitas vezes mais do que fazer apenas associaes mltiplas de ideias novas s antigas. Por vezes, necessrio que as pessoas reestruturem o modo de pensar radicalmente. Isto , para incorporar alguma ideia nova, quem aprende tem de alterar as ligaes entre as coisas que j conhece ou mesmo pr de lado algumas convices de h longa data acerca do mundo. As alternativas a uma restruturao necessria so a distoro da nova informao, de modo a combinar-se com as ideias antigas, ou a rejeio total da nova informao. Os estudantes chegam escola com as prprias ideias, algumas correctas e outras no, acerca de quase todos os temas que iro provavelmente encontrar. Se se ignorar ou desprezar simplesmente a sua intuio e os conceitos errados, as convices originais dos estudantes vencero provavelmente a longo prazo, mesmo que os alunos, nos exames, dem as respostas que os professores desejam. No suficiente a mera contradio das ideias previamente presentes nas mentes dos alunos. Tm de ser encorajados a desenvolver vises novas, ao reconhecerem que essas vises os ajudam a compreender melhor o mundo.

    Os jovens podem aprender mais rapidamente acerca das coisas que so tangveis e acessveis directamente aos sentidos - visuais, auditivas, tcteis e cinestticas. Com a experincia, desenvolvem a capacidade de compreender conceitos abstractos, de manipular smbolos, de raciocinar logicamente e de generalizar. Estas capad-

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  • dades, contudo, desenvolvem-se lentamente e a dependncia da maior parte das pessoas em relao a exemplos concretos persiste ao longo da vida. As experincias concretas so extremamente eficazes na aprendizagem quando ocorrem no contexto de alguma estrutura conceptual relevante. As dificuldades dos estudantes em apreenderem as abstraces so muitas vezes disfaradas pela capacidade de recordarem e recitarem termos tcnicos que no entendem. Consequentemente, os professores - da pr-primria universidade - muitas vezes sobrestimam a capacidade dos alunos para lidarem com abstraces e interpretam a utilizao dos termos correctos como prova de compreenso.

    Se esperamos que os estudantes apliquem ideias a situaes novas, ento tm de praticar essa aplicao de conhecimentos a novas situaes. Se praticarem apenas o clculo de respostas para exerccios previsveis, ou para problemas de palavras irrealistas, ento ser tudo o que, provavelmente, aprendero. De maneira semelhante, os estudantes no podem aprender a pensar criticamente, a analisar a informao, a comunicar ideias cientficas, a fazer argumentaes lgicas, a trabalhar em equipa e a adquirir outras capacidades desejveis, a no ser que sejam autorizados e encorajados a fazer repetidamente essas coisas em muitos contextos.

    A mera repetio de tarefas - quer sejam manuais, quer intelectuais - por parte dos estudantes no conduzir, provavelmente, nem a capacidades melhoradas nem a conhecimentos mais apurados. Muitas vezes a aprendizagem resulta melhor quando os estudantes dispem de oportunidades para exprimirem ideias e obterem reaces (feedback) por parte dos colegas. Porm, para que este feedback seja proveitoso para os alunos ter de ser mais do que o fornecimento de respostas correctas. O feedback deve ser analtico e sugestivo e chegar numa altura em que os estudantes revelem interesse por ele. E tem de haver tempo para os estudantes reflectirem sobre o feedback que recebem, se reajustarem e tentarem novamente, um necessidade que desprezada, bom notar, pela maior parte dos exames, especialmente os exames finais.

    Os estudantes reagem s prprias expectativas relativas quilo que conseguem e no conseguem aprender. Se estiverem convictos de que conseguem aprender alguma coisa, quer se trate da resoluo de equaes ou de andar de bicicleta, normalmente fazem progressos. Se, porm, no tm autoconfiana, a aprendizagem ilude-os. A autoconfiana dos estudantes cresce medida que

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  • experimentam sucessos na aprendizagem, tal como diminui em confronto com fracassos repetidos. Assim, os professores precisam de fornecer aos alunos tarefas de aprendizagem que apresentem algum desafio, mas estejam ao seu alcance, e de os ajudar a realiz-las com sucesso.

    Mais ainda, os estudantes detectam rapidamente as expectativas de sucesso ou de fracasso que os outros tm em relao a eles. As expectativas positivas ou negativas reveladas pelos pais, professores, directores, colegas e - de um modo mais geral - pelos meios de comunicao social afectam as expectativas dos prprios estudantes e, consequentemente, o comportamento na aprendizagem. Quando, por exemplo, um professor assinala falta d e confiana na capacidade dos estudantes para aprenderem determinados assuntos, estes podem perder confiana na sua capacidade e obter resultados piores do que os que poderiam ter obtido noutras circunstncias. Se este fracasso aparente refora o julgamento inicial do professor, o resultado ser uma espiral desanimadora de uma confiana cada vez menor e de um desempenho cada vez pior.

    Ensinar a cincia, a matemtica e a tecnologia

    A cincia, a matemtica e a tecnologia definem-se tanto por aquilo que fazem e como o fazem como pelos resultados que obtm. Para as compreenderem como modos de pensar e de agir, e ainda como corpos de pensamento, necessrio que os estudantes adquiram alguma experincia com os tipos de pensamento e aco tpicos dessas reas.

    Os professores, portanto, deveriam iniciar o ensino do som sobre questes e fenmenos que so interessantes e familiares aos estudantes, e no sobre abstraces ou fenmenos que estejam fora do alcance da sua percepo, compreenso ou conhecimento. Estes necessitam de comear a tomar contacto com as coisas sua volta - incluindo aparelhos, organismos, materiais, formas e nmeros - e a observ-las, a coleccion-las, a manipul-las, a descrevlas, a ficar intrigados com elas, a colocar questes sobre elas, a argumentar acerca delas e, por fim, a tentar encontrar respostas para as suas questes.

    Os estudantes necessitam de muitas e variadas oportunidades para coleccionar, seleccionar e catalogar, para observar, tomar notas e fazer esboos, para fazer entrevistas, sondagens e levanta-

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  • mentos e para usar lupas, microscpios, termmetros, mquinas fotogrficas e outros instrumentos comuns. Deveriam dissecar, medir, contar, desenhar grficos e calcular, explorar as propriedades qumicas de substncias comuns, plantar e cultivar e observar sistematicamente o comportamento social dos seres humanos e dos outros animais. Entre estas actividades, nenhuma mais importante do que a medio, urna vez que no cerne de grande parte da engenharia e da cincia est a seleco daquilo que se deve medir, dos instrumentos a utilizar, o modo de verificao da xactido das medies e o modo de dar configurao e sentido aos resultados.

    Os estudantes deveriam resolver problemas - a nveis adequados sua maturidade - que os obrigassem a decidir quais as provas relevantes e a dar as prprias interpretaes do significado das provas. Este processo d prioridade, tal como acontece em cincia, observao cuidada e anlise bem pensada. Os estudantes necessitam de orientao, de encorajamento e de prtica na recolha, seleco e anlise de dados e na construo de argumentos com base nessas provas. Contudo, se essas actividades no forem destrutivamente aborrecidas, devero conduzir a alguma compensao intelectualmente satisfatria, que agrada aos estudantes.

    Durante a escolaridade, os estudantes deveriam contactar com muitas ideias cientficas apresentadas no respectivo contexto histrico. No importa tanto o episdio particular seleccionado pelos professores (para alm dos poucos episdios-chave apresentados no captulo 10) como o facto de a seleco representar o alcance e a diversidade do empreendimento cientfico. Os estudantes podero desenvolver a compreenso do modo como a cincia realmente acontece, aprendendo algo acerca do crescimento das ideias cientficas, das curvas e contracurvas do caminho que conduziu compreenso actual de tais ideias, dos papis desempenhados por diferentes investigadores e comentadores e da interaco entre as provas e a teoria ao longo do tempo.

    A histria importante para o ensino efectivo da cincia, da matemtica e da tecnologia tambm pelo facto de poder conduzir a perspectivas sociais - a influncia da sociedade no desenvolvimento da cincia e da tecnologia e o impacto da cincia e da tecnologia na sociedade. importante, por exemplo, que os estudantes tomem conscincia de que as mulheres e as minorias tm dado contributos significativos, apesar das barreiras que a sociedade colocou no seu caminho, que saibam que as origens da cincia, da matemtica e da tecnologia recuam s culturas egpcia, grega,

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  • rabe e chinesa antigas e que consciencializem o facto de que os cientistas trazem para o trabalho os valores e preconceitos das culturas em que vivem.

    A comunicao oral e escrita eficaz to importante em todas as facetas da vida que os professores de todas as disciplinas e a todos os nveis deveriam consider-la uma prioridade maior para todos os alunos. Para alm disso, os professores de cincia deveriam salientar a clareza de expresso, porque a funo das provas cientficas e a rplica inequvoca a estas no podem ser compreendidas sem algum esforo de expresso rigorosa dos processos, das descobertas e das ideias de cada um e de descodificao das explicaes de outrem.

    A natureza de colaborao do trabalho cientfico e tecnolgico deveria ser fortemente reforada atravs de actividades de grupo frequentes na sala de aula. Os cientistas e os engenheiros trabalham normalmente em grupos e com menos frequncia como investigadores isolados. De forma semelhante, os estudantes deveriam ganhar experincia da partilha de responsabilidades para a aprendizagem em conjunto. No processo de alcanar noes comuns, os estudantes de um mesmo grupo tm de informar frequentemente os colegas acerca de procedimentos e significados, argumentar acerca de descobertas e avaliar a evoluo da tarefa. No contexto da responsabilidade de equipa, o feedback e a comunicao tornam-se mais realistas e tomam um carcter muito diferente da abordagem comum e individualista do papaguear do manual escolar ou do trabalho de casa.

    Em cincia, as concluses e os mtodos que a eles conduzem esto intimamente ligados. A natureza do mtodo depende daquilo que est a ser investigado e aquilo que se aprende depende dos mtodos usados. O ensino da cincia que procure apenas transmitir aos estudantes os conhecimentos acumulados de uma determinada rea conduz a muito pouca compreenso e no certamente ao desenvolvimento de independncia e facilidade intelectuais. Por outro lado, ensinar o racodnio cientfico como um conjunto de processos sem relao com qualquer contedo particular - O mtodo cientfico, por exemplo - igualmente ftil. Os professores de cincias deveriam ajudar os estudantes a adquirir tanto o conhecimento cientfico do mundo como os hbitos mentais cientficos em simultneo.

    O objectivo essendal do ensino da cincia deveria ser a compreenso, e no o vocabulrio. Contudo, uma terminologia inequvoca tambm importante na comunicao cientfica e - no fun-

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  • do - na compreenso. Alguns termos tcnicos so, portanto, teis para todos, mas o nmero desses termos essenciais relativamente pequeno. Se os professores introduzirem termos tcnicos somente quando necessrios clarificao do pensamento e promoo da comunicao efectiva, ento os estudantes formaro gradualmente um vocabulrio funcional que sobreviver para l do teste seguinte. A concentrao dos professores no vocabulrio, porm, implica uma menor ateno cincia como processo, colocar em risco a aprendizagem com vista compreenso e o risco de serem enganados em relao quilo que os estudantes aprenderam efectivamente.

    A cinca mais do que um corpo de informao e o modo de acumular e validar essa informao. tambm uma actividade social que incorpora certos valores humanos. A alta estima votada curiosidade, criatividade, imaginao e beleza no algo que se confine cincia, matemtica e engenharia - como tambm o cepticismo e o desagrado pelo dogmatismo no se restringem a elas. Contudo, tudo isto altamente caracterstico do empreendimento cientfico. Ao aprenderem cincia, os estudantes deveriam encontrar estes valores como parte da sua experincia, e no como afirmaes vazias.

    A cincia, a matemtica e a tecnologia no criam a curiosidade. Aceitam-na, estimulam-na, incorporam-na, recompensam-na e disciplinam-na - e o mesmo deve fazer um bom ensino da cincia. Assim, os professores de cincia deveriam encorajar os estudantes a levantar questes acerca do material em estudo, sugerir-lhes modos produtivos de encontrar respostas e recompensar aqueles que levantam e depois tentam investigar questes fora do comum, mas relevantes. Numa aula de cincias a questionao deveria ser to valorizada como os conhecimentos.

    Os cientistas, os matemticos e os engenheiros prezam muito o uso criativo da imaginao. A aula de cincia deveria ser um local onde a criatividade e a inveno - como qualidades distintas da excelncia acadmica - fossem reconhecidas e encorajadas. Na verdade, os professores podem dar expresso prpria criatividade, inventando actividades nas quais sero recompensados pela originalidade e imaginao dos alunos.

    A cincia, a matemtica e a engenharia prosperam devido ao cepticismo institucionalizado daqueles que as praticam. O princpio central o de que as provas, a lgica e as afirmaes de algum sero questionadas e que a experimentao ser sujeita a rplica. Nas aulas de cincias a prtica normal deve ser o levantamento de

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  • questes, como as seguintes, por parte dos professores: como sabemos isso, quais as provas, qual o argumento justificativo, h explicaes alternativas ou outras maneiras melhores de resolver o problema? O objectivo deveria ser habituar os estudantes a colocarem eles mesmos estas questes e a responderem-lhes.

    Os estudantes deveriam experimentar a cincia como um processo para alargar o conhecimento, e no como uma verdade inaltervel, o que significa que os professores devem ter cuidado para no transmitirem a impresso de que eles prprios e os manuais escolares so autoridades absolutas, cujas concluses esto sempre correctas. Ao lidarem com a credibilidade das afirmaes cientficas, a revoluo de convices cientficas aceites e a interpretao dos desacordos entre cientistas, os professores de cincias podem ajudar os alunos a manterem o equilbrio entre a necessidade de aceitarem grande parte da cincia com base na f e a importncia de manterem uma mente aberta.

    Muitas pessoas consideram a cincia fria e nada interessante. Contudo, a compreenso cientfica de fenmenos como, por exemplo, a formao das estrelas, o azul do cu ou a estrutura do corao humano no necessita de destruir os significados romnticos e espirituais desses fenmenos. Para alm disso, o conhecimento cientfico possibilita prazeres estticos adicionais, como o padro difractado das luzes da rua, vistas atravs de uma cortina, o pulsar da vida num organismo microscpico, a imponncia do arco de uma ponte, a eficincia da combusto nas clulas vivas, a histria presente numa rocha ou numa rvore, uma demostrao matemtica elegante. Os professores de cincias, de matemtica e de tecnologia deveriam estabelecer um ambiente de aprendizagem em que os estudantes fossem capazes de alargar e aprofundar a sua reaco beleza das ideias, dos mtodos, dos instrumentos, das estruturas, dos objectos e dos organismos vivos.

    Os professores deviam reconhecer que, para muitos alunos, a aprendizagem da matemtica e da cincia envolve sentimentos de grave ansiedade e o medo de fracassar, o que, sem dvida, uma consequncia, em parte, daquilo que ensinado e do modo como ensinado e, em parte, de atitudes transmitidas acidentalmente nos primeiros tempos de escolaridade por pais e professores que, eles prprios, no se sentem vontade com a cincia e com a matemtica. Contudo, em vez de desprezarem a ansiedade relacionada com a cincia e com a matemtica como algo sem fundamento, os professores deviam garantir aos estudantes que com-

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  • preendem o problema e que trabalharo com eles no sentido de o ultrapassarem. Os professores podem tomar as seguintes medidas:

    Os professores devem assegurar-se de que os estudantes sentem algum sucesso na aprendizagem da cincia e da matemtica e deixar de salientar o facto de acertar em todas as respostas como o critrio principal de sucesso. No fundo, a prpria cincia, como diz Alfred North Whitehead, nunca est completamente certa. A compreenso de alguma coisa nunca absoluta e pode adoptar muitas formas. Do mesmo modo, os professores devem esforar-se por que todos os alunos, principalmente os menos autoconfiantes, tomem conscincia dos respectivos progressos e encoraj-los a continuar a estudar.

    Muitos estudantes tm medo de utilizar instrumentos de laboratrio e outras ferramentas. Este medo pode ter advindo principalmente da falta de oportunidade de muitos deles de contactarem com as ferramentas em condies de segurana. As raparigas, particularmente, sofrem com a noo errnea de que os rapazes esto mais aptos a lidar com ferramentas. Comeando nos primeiros anos, todos os estudantes deveriam adquirir gradualmente familiaridade com as ferramentas e com o seu uso correcto. No final da escolaridade todos os estudantes devem ter tido experincia controlada com ferramentas manuais comuns, ferros de soldar, contadores elctricos, ferramentas de talhar, equipamento ptico e sonoro, calculadoras e computadores.

    Devido ao facto de as profisses nas reas da cincia e da engenharia terem sido predominantemente desempenhadas por brancos do sexo masculino, os estudantes do sexo feminino e de minorias raciais podem facilmente adquirir a impresso de que estas reas esto para alm das suas capacidades ou no so adequadas para eles por quaisquer outros motivos. Esta percepo desanimadora - reforada demasiadas vezes pelo ambiente exterior escola - persistir, a no ser que os professores trabalhem activamente no sentido de a inverterem. Os professores devem seleccionar matrias de aprendizagem que ilustrem o contributo das mulheres e das minorias, apresentar indivduos como modelos e torna.r claro aos estudantes do sexo feminino e das minorias que se espera que aprendam os mesmos assuntos e ao mesmo tvel que todos os outros e obtenham resultados igualmente bons.

    Uma estratgia de grupo tem um valor de motivao que se estende para alm da necessidade de usar a aprendizagem em equipa (como se fez notar anteriormente) para promover a com-

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  • preenso do funcionamento da cincia e da engenharia. Uma insistncia exagerada na competio por notas altas entre os estudantes distorce aquilo que deveria ser o primeiro motivo para estudar cincia: descobrir as coisas. A competio entre os estudantes na aula de cincias pode tambm ter como consequncia que alguns deles desenvolvam averso cincia e percam a confiana na prpria capacidade para a aprenderem. As estratgias de grupo - a norma em cincia - tm muitas vantagens no ensino: por exemplo, ajudam os jovens a perceber que todos podem contribuir para atingir objectivos comuns e que o progresso no depende do facto de todos possurem as mesmas capacidades.

    As crianas aprendem com os pais, irmos e outros parentes, com os colegas e figuras adultas que representam autoridades, bem como com os professores. Aprendem com os filmes, com a televiso, com a rdio, com os discos, com os livros e revistas e com os computadores pessoais, bem como quando vo aos museus e aos jardins zoolgicos, a festas e a reunies de clubes, a concertos de rock e a eventos desportivos, bem como com livros escolares e no ambiente escolar em geral. O ensino da cincia deveria explorar os vastos recursos da comunidade num sentido mais alargado e envolver, de formas teis, os pais e outros adultos interessados. Tambm importante que os professores reconheam que parte daquilo que os alunos aprendem informalmente est errado, incompleto e deficientemente, ou mesmo mal, compreendido, mas que a educao formal pode ajudar os alunos a restruturar esses conhecimentos e a adquirir outros novos. .

    Na aprendizagem da cincia os estudantes necessitam de tempo para explorar, fazer observaes, optar pelo caminho errado, testar ideias, repetir as coisas mutas vezes; para construir coisas, calibrar instrumentos, coleccionar objectos, construir modelos fsicos e matemticos para a testagem de ideias; para aprender a matemtica, a tecnologia e a cincia de que podem necessitar para lidar com as questes em estudo; para inquirir sua volta, ler e argumentar; para lutar contra ideias invulgares e que contradizem conceitos intuitivos e para reconhecer as vantagens de pensar de um modo diferente. Para alm disso, qualquer tema de cincia, matemtica e tecnologia que seja ensinado apenas numa aula ou numa unidade no ter qualquer probabilidade de deixar rasto no final da escolaridade. Para se fixarem e amadurecerem, os conceitos no devem ser apresentados apenas de tempos a tempos, mas mostrados periodicamente em diferentes context e a nveis crescentes de complexidade.

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  • Arshile Gorky, Organizao (1933-1936)

  • 14 Reformas na educao

    Cincia para Todos reflecte uma preocupao maior com uma reforma duradoura da educao do que com o melhoramento imediato das escolas - apesar de haver certamente necessidade de tal melhoramento, possvel e j em vias de concretizao em muitas partes dos Estados Unidos. Porm, como o pas descobriu depois do Sputnik, 1ui mais de trs dcadas, uma reforma educativa duradoura no algo que se atinja facilmente. A eventualidade de uma restruturao bem sucedida da educao em cincia na sua globalidade depende da presena de uma procura por parte do pblico de reformas na educao cientfica e daquilo que a nao pensa ser necessrio para conseguir a reforma.

    A necessidade da reforma

    A necessidade de reforar a educao cientfica nos Estados Unidos tem sido amplamente reconhecida nos numerosos estudos sobre a educao realizados a partir dos anos 80. Embora o argumento mais forte a favor do melhoramento da educao em cincia de todos os estudantes seja a sua funo na libertao do intelecto humano, muita discusso pblica tem-se concentrado em justificaes mais concretas, mais utilitrias e mais imediatas.

    A maior parte dos relatrios sobre educao dos anos 80 foram motivados pela confluncia de duas diferentes preocupaes pblicas crescentes. Uma delas o aparente declnio econmico dos Estados Unidos. A riqueza interna e o poder internacional - am-

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  • bos baseados substancialmente na proeminncia cientfica e tecnolgica - tm vindo a enfraquecer em relao aos de outros pases, especialmente o Japo. A outra preocupao relaciona-se com determinadas tendncias reveladas pela educao pblica nos Estados Unidos: baixos resultados nos testes, o afastamento da cincia e da matemtica por parte dos estudantes, existncia de um corpo docente desmoralizado e enfraquecido em muitas escolas, baixas expectativas de aprendizagem em comparao com outros pases tecnologicamente avanados e o facto de estarmos colocados perto do fundo em estudos internacionais acerca dos conhecimentos de cincia e tecnologia dos estudantes. Todos os relatrios e a cobertura que os meios de comunicao social deles fizeram salientaram estas deficincias educativas e o pas tomou, finalmente, conscincia de que, na realidade, h uma crise na educao americana.

    Ao mesmo tempo que, s por si, so motivo de lamentos, os fracassos educativos tm vindo a ser vistos colectivamente como um contributo essencial para os fracassos econmicos. Esta perspectiva, quer seja ou no inteiramente justificada, tem estado implcita na maior parte dos relatrios e explcita noutros. Apesar de cada um dos mltiplos relatrios ter abordado as questes a partir de pontos de vista relativamente diferentes, todos tm sido catalisados pelo mesmo conjunto de tendncias educativas e econmicas inquietantes.

    Dado este cenrio, compreensvel que os relatrios salientem, de uma forma ou de outra, a necessidade de melhorar a educao em cincia e tecnologia de todos os estudantes, bem como a necessidade de vrias reformas educativas de natureza mais geraL No conjunto, os relatrios servem para sublinhar que na sociedade ps-industrial h uma ligao muito forte entre a qualidade do desempenho de um pas e a existncia de uma educao de alta qualidade largamente distribuda. Existe hoje nos Estados Unidos t1Jll claro consenso nacional em relao necessidade de educar melhor em cincia, matemtica e tecnologia os alunos dos ensinos primrio e secundrio.

    Premissas da reforma

    Os arranjos rpidos esto sempre condenados a falhar em educao, e isto por razes facilmente compreensveis. Talvez a mais bvia destas razes seja simplesmente o tamanho da tarefa. A edu-

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  • cao nos Estados Unidos uma empresa enorme, que emprega mais de 3 milhes de pessoas, gasta cerca de 200 mU milhes de dlares por ano e detm fundos colectivos de capital no valor de mais de 1 bilio. quixotesco crer que a instruo primria e secundria nos Estados Unidos, que serve quase 50 milhes de estudantes localizados em mais de 80 000 escolas e 50 estados, poderia ser alterada facil ou rapidamente. Mesmo com ideias geniais, a melhor das intenes, um investimento de recursos numa escala adequada tarefa e muito, muito trabalho rduo, qualquer mudana extensa no sistema educativo a nvel nacional durar certamente uma dcada ou mais.

    Contudo, no se trata apenas de um mero problema de escala. Ao contrrio do que acontece na maior parte dos outros pases, o sistema de educao nos Estados Unidos descentralizado poltica e economicamente. As decises sobre a poltica educativa e o uso de recursos na educao so tomadas literalmente por milhares de entidades diferentes, incluindo 16 000 distritos escolares distintos, 3300 escolas superiores e universidades, 50 estados, vrios agentes do governo federal e os tribunais a todos os nveis. Este estado de coisas pode ter '::'antagens, mas a capacidade de mudar rapidamente no uma delas. E preciso tempo, primeiro que tudo, para conseguir formar um forte consenso entre os educadores e o pblico relativo necessidade de uma reforma radical. Depois, necessrio ainda mais tempo para chegar a um acordo escala nacional em relao aos ingredientes principais da reforma. E ainda mais tempo ser precis para desenvolver planos de aco, para testar ideias e para iniciar a aco em dezenas de milhares de instituies diferentes.

    No fundo, a reforma tem mais a ver com as pessoas do que com as polticas, as instituies e os processos. E a maior parte das pessoas - no somente os educadores - tendem a evoluir lentamente quando se trata de atitudes, convices e formas de fazer as coisas. Os professores e os administradores trazem para os empregos toda a amplitude das perspectivas humanas acerca dos objectivos da educao, da natureza dos jovens e das melhores maneiras de estimular a aprendizagem. As suas vises derivam e so reforadas por anos de experincia - como estudantes, professores e, muitas vezes, pais. Os profissionais sensatos no substituem os pontos de vista que defendem com convico em resposta a uma lei ou ltima moda. Em vez disso, reagem a sentimentos que se desenvolvem no seio de colegas respeitados, a incentivos que recompensam esforos srios na explorao de novas possibilidades

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  • e reaco positiva que pode advir da experimentao de novas ideias de tempos a tempos - e tudo isso pode levar anos.

    As profisses podem alterar-se sobretudo como consequncia da substituio de quem as desempenha. Os fsicos e engenheiros jovens, por exemplo, trazem novos conhecimentos, novas tcnicas e novas atitudes s suas profisses. O mesmo pode acontecer com geraes sucessivas de professores e de administradores escolares, mas s se estes forem portadores de atitudes, conhecimentos e tcnicas diferentes dos daqueles que vm substituir. A reforma da educao dos professores , por conseguinte, a condio sine qua non da reforma educativa, mas demorar muito at que esse impacto seja sentido.

    As abordagens monolticas da reforma educativa no so ao estilo americano, e com muito boa razo: nenhum grupo ou sector o nico proprietrio da sabedoria, da criatividade, dos recursos e da autoridade e poucos problemas educativos relevantes tm tido apenas uma nica soluo possvel. Porm, a diversidade de esforos poder ter pouco impacto escala nacional se aqueles que se esforam por mudar as coisas se movimentarem todos em direc es diferentes, sem tomarem os outros em considerao, o que no desejvel nem possvel em educao. Aquilo de que necessitamos verdadeiramente de um compromisso de colaborao. Na prtica, tal compromisso significa partilhar informao e ideias com outras pessoas que se dediquem aos mesmos problemas ou a outros semelhantes. No contexto da reforma da educao cientfica, esta observao aplica-se prpria comunidade cientfica, na medida em que esta deseja contribuir significativamente para o processo de reforma na educao.

    O Projecto 2061 constitui, obviamente, apenas um dos muitos esforos para traar novas directrizes para a educao em cincia, matemtica e tecnologia e para realizar melhoramentos significativos no sistema actual. Por aqui e por ali, em todo o pas, h professores isolados e escolas que lutam, muitas vezes contra obstculos difceis de superar, por mudar as coisas e, nalguns distritos escolares e nalguns estados, a reforma vigorosa hoje a ordem do dia. Para alm disso, escala nacional, h projectos - .muitos deles financiados por fundaes e agentes governamentais e sediados em associaes profissionais, universidades e organizaes independentes - que se centram em diversos aspectos da reforma. H necessidade de estes vrios esforos no sentido da reforma se unirem para conferirem coerncia ao movimento.

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  • Embora as ideias criativas para a reforma da educao surgirem de muitas fontes, s os professores podem fornecer as perspectivas que emergem da experincia directa e intensiva dentro da prpria sala de aula. Os professores contribuem para a tarefa da reforma com um conhecimento dos alunos, do ofcio e da cultura escolar que mais ningum tem. Para alm disso, a reforma no pode ser imposta aos professores a partir de cima ou do exterior. Se os professores no estiverem convictos do mrito das alteraes propostas, certamente no as implementaro energicamente. Se no compreenderem completamente aquilo que se pede e no tiverem sido bem preparados para introduzir novos contedos ou novos mtodos de ensino, as medidas da reforma fracassaro. Em qualquer dos casos, quanto mais os professores participarem na preparao de medidas de reforma e quanto maior for a ajuda que receberem na implementao de alteraes consensuais, maior ser a probabilidade de serem capazes de fazer com que aqueles melhoramentos dem frutos.

    Apesar do papel central dos professor