Cid Seixas JORGE AMADO - linguagens.ufba.br · estabelecem um discur- ... este menino sonhador de...

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1 JORGE AMADO Cid Seixas e-book.br EDITORA UNIVERSITÁRIA DO LIVRO DIGITAL à demolição do eurocentrismo Da guerra dos santos JORGE AMADO

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JORGE AMADOCid Seixas

e-book.brEDITORA UNIVERSITÁRIA

DO L IV RO DIGITAL

à demolição do eurocentrismoDa guerra dos santos

JORGE AMADO

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| CID SEIXAS |

PROPOSIÇÃO

Assim como os poe-tas épicos e dramáticosda antiguidade clássicaestabelecem um discur-so recorrente aos mitose à tradição da sua cul-tura, o texto amadianose instaura como diálo-go intertextual com oviver da Bahia, os mitose tradições dos descen-dentes de súditos epríncipes africanos tra-zidos como escravos.

Seguindo esta pers-pectiva crítica, JorgeAmado deve ser vistocomo um clássico dacultura do seu povo e doseu tempo, cujos temasconstroem o perfil doherói coletivo: o ho-mem comum, mestiço emístico.

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JORGE AMADO:

Da guerra dos santosà demolição do eurocentrismo

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| CID SEIXAS |

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Coleção TealVolume 3

CONSELHO EDITORIAL:Cid Seixas (UFBA | UEFS)Denise Coutinho (UFBA)

Francisco Ferreira de Lima (UEFS)Gilca Machado Seidinger (UFSB)

Vitor Hugo Martins (UNEB)

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Cid Seixas

EDITORA UNIVERSITÁRIADO LIVRO DIGITAL

e-book.br

JORGE AMADO

à demolição do eurocentrismoDa guerra dos santos

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Copyright 2017Tipologia Amer Type Md BT, 13

Formato 12 x 20 cm.Número de páginas: 50

Coleção Teal

Títulos publicados:

1 | Feira não perdoaquem não aceita convenção

2 | O bocado não é para quem faz3 | Jorge Amado: Da guerra dos

santos à demolição do eurocentrismo

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EM HOMENAGEMAOS 80 ANOS DO ROMANCISTA

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Capa de e-book sobre a literatura naBahia e a obra de Jorge Amado.

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Bahia de Todos os Santos ............... 11

Da guerra dos santosà demolição do eurocentrismo .......... 13

Referências ...................................... 35

Livros do Autor ............................... 37

Coleção Teal .................................. 47

SUMÁRIO

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O texto da plaquete acimafoi apresentado ao

I SIMPÓSIO INTERNACIONAL

DE ESTUDOS SOBRE JORGE AMADO,promovido pela Fundação

Casa de Jorge Amadoe pela Universidade Federal da Bahia.

Salvador, 10 a 13 de agosto de 1992.

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BAHIA DE TODOSOS SANTOS

Fonte dos onze mistériosdo filho de Oxóssi, Amado,eis a Cidade da Bahiaonde Virtude e Pecado,amantes inseparáveis,habitam o mesmo sobrado.

Uma paisagem de sonhonesta Cidade se vê:até mesmo o intangívelse torna fácil de crer.Mistério ou cristal do tempotecendo seu conhecer.

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Cidade da morenagemdo Encoberto e Revelado:o mundo do desencantose completa no encantado,porque o falso é o verdadeiroquando visto do outro lado.

Nas histórias sucedidas,Engenho e Realidadepartilham o mesmo dizer:não se sabe o que é verdade,se vestida de Magia,e o que é lenda na cidade.

O Encoberto e o Reveladotecendo seu conheceronde Virtude e Pecadopartilham o mesmo dizer:uma paisagem de sonhonesta cidade se vê.

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JORGE AMADO

Um outro grande escritor brasilei-ro, embora marinheiro de águas di-versas, João Guimarães Rosa, nos dáa chave de um dos segredos da escritade encantado, ou do ebó do filho deOxóssi, Amado. Ao responder a umapergunta do ensaísta alemão GünterLorenz a propósito da ideologia da fic-ção latino-americana, ou mais espe-cificamente de Asturias, numa mar-gem do rio, e de Jorge Amado, na ter-ceira, Guimarães Rosa discute o pro-blema do compromisso do escritorcom a sociedade em que vive.

À DEMOLIÇÃO DO EUROCENTRISMO

DA GUERRADOS SANTOS

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Não nos esqueçamos que o autorde Grande Sertão: Veredas rejeita-va a imposição de um discurso parti-dário ao narrador de ficção, reservan-do para o artista um compromissomaior e menos imediato, um compro-misso com a vida. Daí o fato da refe-rência feita por Rosa ser, mais apro-priadamente, aplicável à obra da ma-turidade de Jorge Amado e não aosseus romances da primeira fase.

Em janeiro de 1965, no Congressode Escritores Latino-Americanos, re-alizado em Gênova, a questão políti-ca e o engajamento do escritor erampalavras de ordem. Vejamos como,nestas circunstâncias, GuimarãesRosa via a obra de Jorge Amado. Paraisto daremos a palavra, por um ins-tante, a Günter Lorenz e a GuimarãesRosa, flagrando os dois num momen-to de diálogo durante o encontro naItália.

Pergunta Günter Lorenz:

– “E Amado, o senhor nãoacha que este fabulista magnífi-

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co e amigo dos homens tambémpensa ideologicamente?”

Rosa responde:

– “Com certeza, ele também éum ideólogo, mas sua ideologiame é mais simpática do que a deAsturias. Asturias tem algo da-quele distanciamento incorrup-tível de um Sumo Pontífice. Elepronuncia sempre novos dezmandamentos. Isto é admirável,mas não encanta. As palavras deAsturias são palavras de um pai,um patriarca, que pronunciasentenças no gênero do VelhoTestamento. Amado é um sonha-dor, ele é com certeza tambémum ideólogo, mas é a ideologiada fábula, com suas regras de jus-tiça e expiação. Amado é uma cri-ança” – prossegue GuimarãesRosa, “uma criança – que conti-nua acreditando na vitória dobem. Ele defende a ideologia

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menos ideológica e mais amávelque eu conheço. Asturias é agrande voz do Juízo Final. Ama-do dá pinceladas à toa até maisnão poder. Ele quer na verdademandar para o diabo várias coi-sas, mas isto ele faz com tantocharme que a gente lhe acreditacom maior razão.” (Rosa, 1971,p. 285)

Creio que Guimarães Rosa sinteti-za de modo inequívoco o que chameide um dos segredos da escrita de en-cantado, ou do ebó do filho Amadode Oxóssi. Jorge não usa a sua penacomo uma lança de matar dragões,mas como uma vara de condão, que-rendo transformar a serpente do malem serpentinas do carnaval. Sim, afesta, a felicidade, a alegria dos ho-mens e das mulheres são o sonho ob-sessivo do velho contador de históri-as da nossa gente.

A literatura para Jorge Amado nãoé um catecismo onde se diz como de-

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vemos rezar, ela é um jogo, que nosconvida ao riso. Ele alegra e diverteos seus leitores. Mas não se enganem:este menino sonhador de oitentaanos não tem nada de ingênuo. En-quanto um olho dorme o outro piscamalicioso e certeiro. Por isso, quan-do sugere, por entre breves clarõesdo raio, a gente lhe acredita commaior razão. Jorge Amado é umfingidor. Finge tão amadamente queensinou a Gabriela e também a DonaFlor.

O texto de Jorge é maroto, matrei-ro. As armas do cavaleiro, o santo dodragão, e os poderes de Oxóssi, guer-reiro imbatível, não são depostos naescrita do nosso Jorge, o não santo.Nele, os poderes do Orixá e do Santose escondem, numa tocaia grande,para o golpe certeiro.

Na tradição luso-brasileira, desde GilVicente, com suas pantomimas epresepadas, o texto de um escritor há-bil distrai e destrói a hipocrisia, a usu-ra e a injustiça. Ridendo castigat

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mores é a divisa aplicada à obravicentina. Rindo, corrige os costu-mes, a ambição da obra amadiana.

Mas esse objetivo o escritor baianonão confessa. Suas armas são certei-ras, mas silenciosas. Vejamos o quedizem as palavras finais do pórtico dolivro O sumiço da santa:

“Projeto de romance anuncia-do há cerca de vinte anos, sob otítulo de A Guerra dos Santos,somente agora, no verão e nooutono de 1987, na primavera eno verão de 1988, em Paris, co-loquei o enredo no papel. Escre-vendo-o, diverti-me; se, com sualeitura, alguém mais se divertir,me darei por satisfeito.” (Ama-do, 1988, p. 11)

Muita gente ingênua, intelectual,que só sabe ler palavra grave, sisuda,acredita que as palavras deste livrosão apenas “deliciosos divertimentospara adultos”, expressão feliz do poe-

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ta Carlos Pena Filho (1969, p. 151).Não esqueçamos, porém, que o velhoJorge é um narrador dissimulado esinuoso, como se fosse Oxum a donada sua escrita. Ou, como foi dito hápouco, o autor de D. Flor quer man-dar pro diabo muita coisa que nãovale a pena. Com uma diferença, elenão o faz com a revolta e a inconse-quência juvenil dos protestos. O dis-creto charme da burguesia reside emdizer as coisas mais desagradáveis deforma mais agradável possível.

Ao trocar o nome original do livroA guerra dos santos, de aspecto épi-

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co e grandiloquente por um prosaicoO sumiço da santa: Uma históriade feitiçaria, Jorge Amado encenadiante do leitor o papel do jogral ale-gre que se diverte ao fazer os outrosse divertirem. Ou melhor: que se di-verte ao despistar o divertido leitor.

Evidentemente, não podemos dizerse a intenção consciente do autor eradivertir ou despistar. Mas este textonos diz que seu autor não é somenteum escritor divertido. É um feiticei-ro fingido que esconde os poderes doseu ebó. O sumiço da santa é, naverdade, uma guerra de demiurgos, dedeuses poderosos, um confronto deculturas e raças em busca de cami-nhos.

O realismo mágico da escritaamadiana converte-se em alegoriaépica de um povo.

De um lado os valores sacrossan-tos da civilização europeia cristã, re-presentados pelo padre espanhol JoséAntonio Hernandez, exemplo de bomcristão aos olhos inquisidores do San-

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to Ofício, valores estes reafirmadospela arquidiocese, na figura de D.Rudolph, Bispo Auxiliar; pelos pode-res do Estado, através do coronelRaul Antônio ou do doutor D’Ávila,juiz de menores e falangista da Cru-zada Antico-munista.

Do outro lado, a “gentinha”, a“ralé”, os cavalos de encantados tra-zidos da África nos porões dos naviosnegreiros, a gente mestiça da Bahia,seus orixás, suas crenças, sua éticaadversa à moral dominante.

O narrador dos romances de JorgeAmado simula a perspectiva dodominador, dos bem-nascidos homensda terra. A escolha vocabular marcadapelo preconceito das expressões usu-ais para designar os párias da pátriaganha relevo em confronto com agesta plebeia, o canto das façanhas deheróis anônimos. Ironia e exaltaçãoépica perpassam o texto numa fusãoinsólita: aquilo que ele designa, en-tre irônico e sério, de “romancebaiano”.

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(No frontispício do livro, logo abai-xo do título O sumiço da santa:Uma história de feitiçaria, se lê:“romance baiano”. Na contracapa,aparece o apelo festivo a gosto sulis-ta: “só na Bahia podia acontecer”.)

A nação negra e mestiça, que cons-titui mais de oitenta por cento da po-pulação de Salvador, é o herói pluralda narrativa amadiana.

Assim como os poetas épicos e dra-máticos da antiguidade clássica esta-

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belecem um discurso recorrente aosmitos e à tradição da sua cultura, acultura helênica, o texto amadiano seinstaura como diálogo intertextualcom a cultura popular da Bahia, osmitos e tradições dos descendentes depríncipes e súditos africanos trazidoscomo escravos.

As formas poéticas iorubanas, co-muns na poesia oral deste povo erediviva nas manifestações religiosasdo candomblé, em forma de saudaçãoe apresentação, perpassam o discur-so do narrador amadiano. São osorikis, ou saudações à cabeça do ini-ciado, ou ainda, para usar um termoda nossa cultura chapa branca, umpequeno curriculum de quem seapresenta, pronunciando seu oriki.

Seguindo esta perspectiva crítica,Jorge Amado deve ser visto como umclássico da cultura do seu povo e doseu tempo, cujos temas constroem operfil do herói coletivo: o homem co-mum.

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Um clássico de um tempo agreste,mas um clássico, de uma civilizaçãodita moderna, que segrega a maioriada população em relações econômi-cas e sociais tipicamente medievais.Não é por outra razão que, há muitotempo, Monteiro Lobato percebeu:

“Na planura da literatura bra-sileira, Jorge Amado vai ficarcomo um bloco súbito de mon-tanha híspida, cheia de alcantis,de cavernas, de precipícios, demassas brutas da natureza.”(Lobato, in: Amado, 1977.)

Outros clássicos de todos os tem-pos, como Plauto, Shakespeare, Moli-ère, Gil Vicente ou Machado de As-sis, também fizeram dos homens e doscostumes, das misérias e das peque-nezas, das grandezas imperceptíveise das coisas simples, a matéria ficcio-nal mais densa e mais duradoura.

A simplicidade discursiva da obraamadiana, a sua intenção de ser lido

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por toda gente, como um contador dehistórias, ao invés de afastá-lo damelhor literatura, como pode suporo pedantismo intelectual, ou o teó-rico engomado, como bem a propó-sito dizia Ezra Pound, insere JorgeAmado no rol de criadores universal-mente lembrados. Mas a presença fí-sica do autor, o seu grande prestígiopessoal, não permite ao nosso tempoum distanciamento necessário parao julgamento seguro e desapaixona-do que só o próximo século propicia-rá. Quem viver verá.

De forma incompleta e redutora aoâmbito de uma conversa breve, pode-mos dizer que a teia central do ro-mance O sumiço da santa, ou o pre-texto da alegoria, gira em torno deAdalgisa, abicun rebelde que teimaem impedir a passagem do seu santo.O preceito ensina que quando umamulher grávida se submete aos ritu-ais de iniciação, o filho ainda em ges-tação também se liga ao axé do orixá.Foi o que aconteceu com Adalgisa, pe-

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queno óvulo fecundado sem que amãe o soubesse.

Para relembrar o trecho do livro emque se conta a iniciação da Andreza,a mãe de Adalgisa, nos mistérios deencantado, peçamos ao próprio Jor-ge Amado para falar. É ele quemconta:

“Nem por amigada com espa-nhol branco e rico, Andreza des-denhou de sua gente negra e po-bre, seguiu frequentando can-domblés, cumprindo obrigaçõesde santo e normas de amizade.Quando o conheceu, acabara deacertar com mãe Aninha, do Axédo Opô Afonjá, que se recolheriaà camarinha no próximo barcode iaôs para raspar a cabeça e re-ceber Yansã, seu orixá de frente.Assim o fez, deixando-o [aoamante] a ver navios, contandonos dedos os dias da iniciação.Apenas não sabia que levava noventre o produto dos amores com

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o gringo que a seduzira e lhemontara casa: estava prenha deAdalgisa. Ao descobrir, já era tar-de: iaô de éfun completo, cabeçaraspada, corpo pintado, banhosde maionga, o encantado dentrodela junto com o abicun. Não lhepertenceria o filho que palpita-va em seu ventre, pertencia àsanta. No dia do ôrunkó, da fes-ta do nome, Andreza saltara duasvezes, dera dois nomes, um erao seu, o outro, o do abicun.”

E prossegue o narrador:

“Sendo Adalgisa ainda meni-na nova, acabara de ultrapassara primeira etapa, a dos sete anos,Andreza lhe contara o aconteci-do com abundância de detalhes,informando-a acerca da condiçãoespecial dos abicuns. [.. .]Adalgisa recusou-se a ouvir, suacrença era outra, outros seussantos, seus preceitos e obriga-

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ções, seus fundamentos. Não adi-antou lhe revelar o preço que pa-gara substituindo o abicun nosdois limites, aos sete e aosquatorze anos: no derradeiro,aos vinte e um, o preço era amorte. Adalgisa, espanhola, ti-nha outros compromissos, a co-roa de espinhos, a cruz de Cris-to, desprezava crendices e feiti-çarias.

Não chegou a saber queAndreza às vésperas do aniver-sário fatal, para que a sentençaao se cumprir não fulminasse oabicun, propusera a Oyá a trocade cabeças: no dia da festa da mai-oridade da filha mais velha, ama-nhecera morta. Adalgisa não sa-bia o que fosse troca de cabeçase a palavra abicun nada lhe di-zia.” (Amado, 1988, p. 233.)

A partir da recusa de Adalgisa emaceitar o culto dos orixás, uma sériede outros binômios, ou de outras

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dicotomias, põe em confronto, de umlado, os valores civiliza-cionais daEuropa cristã e, do outro lado, os va-lores mestiços que se impõem ao povobaiano. Todo o livro de Jorge Amadoé uma exaltação à cultura popular,suas crenças, seus mistérios, e é tam-bém uma divertida sátira à gente

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bem-nascida do lugar. Neste sentido,O sumiço da santa se estruturacomo uma síntese criativa do própriouniverso ficcional amadiano, onde adicotomia de valores que desembocana demolição do eurocentrismo é otema recorrente. Característica dassuas últimas obras, a síntese do uni-verso ficcional construído, O sumi-ço da santa segue o mesmo rastrearoperado por Tocaia grande, emboraa oposição rural versus urbano tracea linha divisória entre estes dois ro-mances e duas grandes vertentes daobra amadiana.

Ao contar os feitos da gente dopovo, especialmente do negro, Ama-do é generoso e pródigo em exaltação.O dominado, quer pelas antigas leisda escravidão, quer pelas modernasleis do liberalismo econômico, é he-rói incondicional, numa inversão vi-olenta da perspectiva da tradição li-terária. Sabemos que a literatura, du-rante sua longa história, até o realis-mo, marcado pelo determinismo

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reducionista, tratou as camadas sub-metidas às condições humilhantes devida como personagens moralmentetão miseráveis quanto sua própriacondição material. Somente um novorealismo, inaugurado no Brasil como romance de 30, foi capaz deredesenhar a caricatura do homem dopovo de modo a despertar maior soli-dariedade.

Como na velha Cidade da Bahia otrabalhador, o proletariado, se con-funde com o negro e o mestiço, este,com suas crenças, seus valores, suacultura portanto, é o herói perma-nente da gesta amadiana. Emboramudando o tom do seu discurso,abandonando as sentenças partidári-as dos primeiros romances, JorgeAmado não abandonou a sua crençana redenção do homem sofrido.

Toda alegoria do texto do contadorde histórias do povo tem uma só e re-dundante finalidade: afirmar os va-lores dos vencidos e sua olvidada con-dição de vencedores. Mas o ódio, o res-

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sentimento, é um fantasma que nãotem lugar na obra da maturidadeamadiana. A conciliação, a fusão e oentendimento são a pedra de toqueda construção da sua república, do seuuniverso ficcional. Estes elementosdesembocam num outro: o sincre-tismo. No realismo fantástico de Jor-ge Amado a imagem de Santa Bárba-ra se confunde com Yansã, negra sen-sual que abandona o andor e sai ca-minhando pelos becos e ladeiras daBahia.

Enquanto a santa católica é apenasuma imagem inerte, objeto de vene-ração, o orixá é uma criatura viva queparticipa das virtudes e das fraquezasda sua gente. Assim, Santa Bárbarase torna forte, quando encarna Oyá,a Yansã das tempestades das mulhe-res poderosas e dos homens valentes.

Se o seu discurso de hoje encanta eseduz o despreocupado e bem nasci-do burguês, a que quase todos aspi-ram ser; se ele quer divertir e alegrar;seus livros são também um palimp-

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sesto, onde por vezes brotam as pala-vras sob as palavras. Raspada a tintada escrita fácil e divertida, pelo leitoratento na busca do que se esconde porsob as cores luminosas, surge o cerneda sua alegoria, como a moral da fá-bula.

É esta escrita escondida e, às ve-zes, quase apagada que me encantana obra amadiana. Uma obra que pos-sibilita a cada um de nós o encontrodas raízes da sua própria formação,seu próprio caráter, o caráter do ho-mem do lugar, do baiano, místico emanhoso como as histórias de encan-tado do velho e amado romancista.

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REFERÊNCIASE BIBLIOGRAFIA

NÃO CITADA

AMADO, Jorge: O sumiço da santa: umahistória de feitiçaria. Rio de Janeiro,Record, 1988.

MONTEIRO LOBATO. Crítica. In:AMADO, Jorge: Tieta do Agreste. Riode Janeiro, Record, 1977.

MONTEIRO LOBATO. Paranoia oumistificação [Crítica originalmentepublicada em dezembro de 1917].Ideias de Jeca Tatu . São Paulo,Brasiliense, 12ª ed. 1967, p. 59-65.

MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia daCultura brasileira. 3ª ed. São Paulo,Ática, 1977.

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PENA FILHO, Carlos: Livro geral;poesia. Recife, Universidade Federalde Pernambuco, 1969.

ROSA, João Guimarães. Literatura deveser vida. Um diálogo de Günter W.Lorenz com João Guimarães Rosa.In: Exposição do novo livro alemão.Frankfurt am Main, Ausstellungsund Messe-GmbH des Börsenvereinsdes Deustschen Buchhandels, 1971.

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LIVROSDO AUTOR

POESIA

Temporário; poesia. Salvador, Cimape,1970 (Coleção Autores Baianos, 3).

Paralelo entre homem e rio: Fluviário;poesia. Salvador, Imprensa Oficial daBahia, 1972.

O signo selvagem; metapoema. Salvador,Margem / Departamento de AssuntosCulturais da Secretaria Municipal deEducação e Cultura, 1978.

Fonte das pedras; poesia. Rio deJaneiro, Civilização Brasileira;Brasília, Instituto Nacional do Livro,1979.

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| CID SEIXAS |

Fragmentos do diário de naufrágio;poesia. Salvador, Oficina do Livro,1992.

O espelho infiel; poesia. Rio de Janeiro,Diadorim, 1996.

ENSAIO E CRÍTICA

O espelho de Narciso. Livro I: Lingua-gem, cultura e ideologia no idealismoe no marxismo; ensaio. Rio de Ja-neiro, Civilização Brasileira; Brasília,Instituto Nacional do Livro, 1981.

A poética pessoana: uma prática semteoria; ensaio. Salvador, CEDAP; Centrode Editoração e Apoio à Pesquisa,1992.

Godofredo Filho, irmão poesia; ensaio.Salvador, Oficina do Livro, 1992.(Tiragem fora do comércio.)

Poetas, meninos e malucos; ensaio.Salvador, Universidade Federal daBahia, 1993. (Cadernos Literatura &Linguística, 1.)

Jorge Amado: Da guerra dos santos àdemolição do eurocentrismo; ensaiocrítico. Salvador, CEDAP, 1993.

Literatura e intertextualidade; ensaio.Salvador, CEDAP, 1994.

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| EUROCENTRISMO |

Herberto Sales. Ensaios sobre o escritor.Salvador, Oficina do Livro, 1995.

O viajante de papel. Perspectiva críticada literatura portuguesa. Salvador,Oficina do Livro, 1996.

Triste Bahia, oh! quão dessemelhante.Notas sobre a literatura na Bahia.Salvador, Egba; Secretaria da Cultura,1996.

O lugar da linguagem na teoria freudi-ana; ensaio. Salvador, Fundação Casade Jorge Amado, 1997. (Col. Casa dePalavras)

O silêncio do Orfeu Rebelde e outrosescritos sobre Miguel Torga; ensaios.Salvador, Oficina do Livro, 1999.

O trovadorismo galaico-português;ensaio crítico e antologia. Feira deSantana, UEFS, 2000.

Três temas dos anos trinta; textos decrítica literária. Feira de Santana,UEFS, 2003. (Cadernos de sala deaula, 1)

Os riscos da cabra-cega. Recortes decrítica ligeira. Org., introd. e notasRubens Alves Pereira e Elvya RibeiroPereira. Feira de Santana, UEFS,2003. (Col. Litera-tura e diversidadeCultural, 10)

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| CID SEIXAS |

Desatino romântico e consciência crí-tica. Uma leitura de Amor de Perdi-ção, de Camilo Castelo Branco. 2a ed.Salvador, Rio do Engenho, 2016.

Da invenção à literatura. Textos defilosofia da linguagem. Salvador, Riodo Engenho / Copenhagen, E-Book.Br,2017.

NO EXTERIOR

The savage sign / O signo selvagem;poesia; trad. Hugh Fox. Lansing,Ghost Dance, 1983. (Edição bilinguenorte-americana.)

E-BOOKS

Desatino romântico e consciência crí-tica. Uma leitura de Amor de Perdi-ção, de Camilo Castelo Branco.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2014.Disponibili zado em https://issuu.com/e-book.br/docs/camilo

O silêncio do Orfeu Rebelde e outrosescritos sobre Miguel Torga, 2 ed.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2015.Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/torga

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| EUROCENTRISMO |

Literatura e intertextualidade. Copenha-gen, Issuu, E-Book.Br, 2015. Disponi-bilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/intertextualidade

Noventa anos do modernismo na Feirade Santana de Godofredo Filho.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2015.Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/godofredofilho

Os riscos da cabra-cega. Recortes decrítica ligeira. 2 ed., Copenhagen,Issuu, E-Book.Br, 2015. Disponibilizado em https://issuu.com/cidseixas1/docs/cabra cega

Da invenção à literatura. Textos deteoria e crítica. Copenhagen, Issuu,E-Book.Br, 2015. Disponibilizado emhttps://issuu.com/e-book.br/docs/invencao

Orpheu em Pessoa. Org. Cid Seixas eAdriano Eysen. Copenhagen, Issuu,E-Book.Br, 2015. Disponibilizado emhttps://issuu.com/e-book.br/docs/orpheu

Do inconsciente à linguagem. Umateoria da linguagem na descoberta deFreud. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibilizado emhttps://issuu.com/e-book.br/docs/inconsciente

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| CID SEIXAS |

A Literatura na Bahia. Livro 1: Tradiçãoe Modernidade. Copenhagen, Issuu,E-Book.Br, 2016. Disponibi lizado emhttps://issuu.com/e-book.br/docs/tradicaomodernidade

1928: Modernismo e Maturidade. Livro2 de A Literatura na Bahia. Cope-nhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/1928

Três Temas dos Anos 30. Livro 3 de ALiteratura na Bahia. Copenhagen,Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/anos30

A essência ideológica da linguagem.Livro I de: Linguagem, cultura eideologia. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibilizado emhttps://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem1

Linguagem e conhecimento. Livro II de:Linguagem, cultura e ideologia .Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem2

Sob o signo do estruturalismo. Livro IIIde: Linguagem, cultura e ideologia.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.

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| EUROCENTRISMO |

Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem3

O contrato social da linguagem. LivroIV de: Linguagem, cultura e ideologia.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem4

A Linguagem: do idealismo ao mar-xismo. Livro V de: Linguagem, cultu-ra e ideologia. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibi-lizado emhttps://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem5

Stravinsky: uma poética dos sentidos.Ou a música como linguagem dasemoções. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/stravinsky

Castro Alves e o reino de eros. Cope-nhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em https://issuu. com/e-book.br/docs/eros

Espaço de convenção e espaço de trans-gressão. Livro I de O real em Pessoa.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em https://issuu.com/cidseixas/docs/1.espaco

A construção do real como papel da cul-tura. Livro II de O real em Pessoa.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017.

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| CID SEIXAS |

Disponibilizado em https://issuu.com/cidseixasr/docs/2.construcao

A poesia como metáfora do conhecimen-to. Livro III de O real em Pessoa.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017.Disponibilizado em https://issuu.com/cidseixas/docs/3.poesia

O signo poético, ficção e realidade. Li-vro IV de O real em Pessoa. Copenha-gen, Issuu, E-Book.Br, 2017. Dispo-nibilizado em https://issuu.com/cidseixas/docs/4.signo

Do sentido linear à constelação de sen-tidos. Livro V de Conhecer Pessoa.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017.Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/5.sentido

O Eco da interdição ou o signo arisco.Livro VI de Conhecer Pessoa. Cope-nhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017.Disponibilizado em https://issuu.com/cidseixas/docs/6.eco

A poética pessoana: uma prática semteoria. Livro VII de Conhecer Pessoa.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017.Disponibilizado em https://issuu.com/cidseixas/docs/6.poetica

O desatino e a lucidez da criação emPessoa. Livro VIII de Conhecer Pes-soa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br,

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| EUROCENTRISMO |

2017. Disponibilizado em https://issuu.com/cidseixas/docs/8.desatino

Uma utopia em Pessoa: Caeiro e o lugarde fora da cultura. Livro IX de Co-nhecer Pessoa. Copenhagen, Issuu,E-Book.Br, 2017. Disponibilizado emhttps://issuu.com/cidseixas/docs/9.caeiro

Jorge Amado: Da guerra dos santos àdemolição do eurocentrismo. Cope-nhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017.Disponibilizado em https://issuu.com/cidseixas/docs/amado

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A partir da atração exercida sobreartistas e arquitetos pela cor teal –cujo nome, em língua inglesa, apare-ceu pela primeira vez em 1917 – foicriada esta coleção, com o fundochapado na referida cor, para otimizara leitura em tablets e smartfones.

Os e-books são diagramados no for-mato de 12 centímetros de largura,por 20 de altura, na fonte Amer TypeMd BT, corpo 13, cor branca, tornan-do a leitura visualmente cômoda, emequipamentos eletrônicos. Novas ex-

COLEÇÃO TEAL

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periências podem vir a reajustar o pro-jeto inicial da coleção para aperfeiço-ar os resultados obtidos.

O primeiro volume foi constituídopelo livro de Franklin Machado Fei-ra não perdoa quem não aceitaconvenção, resultante de um diálo-go com o romancista Guido Guerra.

O segundo volume, O bocado nãoé para quem faz, resultou da seleçãode um dos contos de Euclides Netoque integra a novela Os genros.

O volume de número três republicaa plaquete de Cid Seixas intituladaJorge Amado: Da guerra dos san-tos à demolição do eurocentrismo,proposta ao I Simpósio Internacionalde Estudos sobre Jorge Amado.

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A Coleção Teal, da E-Book.Br, Editora Uni-versitária do Livro Digi-tal, disponibiliza obrasdigitais com formato di-ferenciado – e tomandocomo base uma corpouco usada, principal-mente para servir defundo em páginas de li-vros.

Escolheu-se um for-mato de e-book conce-bido, pelo tamanho epelos tipos de letras,para ser lido conforta-velmente em smart-phones e outros apare-lhos digitais.

Os livros podem serlidos na plataformaISSUU, de Copenha-guen, Dinamarca, etambém nos sites e-book.uefs.br e linguagens.ufba.br, em PDF,adequado para ser sal-vo com facilidade no ce-lular ou nos demaisequipamentos do leitor.

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A partir da atração exercida sobre ar-tistas e arquitetos pela cor teal – cujonome, em língua inglesa, apareceupela primeira vez em 1917 – foi cria-da esta coleção, com o fundo chapadona referida cor, para otimizar a leitu-ra em tablets e smartfones.

EDITORA UNIVERSITÁRIADO LIVRO DIGITAL

e-book.br

JORGE AMADO

à demolição do eurocentrismoDa guerra dos santos

https://issuu.com/cidseixas/docs/amadohttps://issuu.com/e-book.br /docs/amado

http://www.e-book.uefs.brhttp://www.linguagens.ufba.br