Charles Melman - O Homem Sem Gravidade (1)

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O HOMEM À PROVA DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Mutação Cultural: (Não somos mais uma cultura fundada no recalque dos desejos, cultura da neurose, mas sim uma cultura que recomenda a livre expressão dos desejos – exibição do gozo, promovendo a perversão. A perversão se torna norma social; perversão no sentido da fantasia estar morta, por estar sempre revelada na realidade). Mal-estar na civilização: (Emergência de sintomas inéditos: depressão, distúrbios da alimentação -anorexia e bulimia - hiperatividade, entre outros) Nova economia psíquica: (Há uma nova forma de pensar, de julgar, de comer, de transar, de se casar, de viver em família, de conceber a pátria e os ideais, etc; suspensão maciça do recalque e a expressão crua dos desejos.) Homem sem gravidade: (A carência de identificações simbólicas só deixa, como recurso para o sujeito, uma luta incessante para conservar e renovar insígnias, cujas desvalorizações são tão rápidas quanto à evolução da moda; homem novo, homem liberal: cujo sofrimento vai ser diferente – não se ocupa mais o lugar, mas todos os lugares ao mesmo tempo).

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O HOMEM À PROVA DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Mutação Cultural:(Não somos mais uma cultura fundada no recalque dos desejos, cultura da neurose, mas sim uma cultura que recomenda a livre expressão dos desejos – exibição do gozo, promovendo a perversão. A perversão se torna norma social; perversão no sentido da fantasia estar morta, por estar sempre revelada na realidade).

Mal-estar na civilização:(Emergência de sintomas inéditos: depressão, distúrbios da alimentação -anorexia e bulimia - hiperatividade, entre outros)

Nova economia psíquica:(Há uma nova forma de pensar, de julgar, de comer, de transar, de se casar, de viver em família, de conceber a pátria e os ideais, etc; suspensão maciça do recalque e a expressão crua dos desejos.)

Homem sem gravidade:(A carência de identificações simbólicas só deixa, como recurso para o sujeito, uma luta incessante para conservar e renovar insígnias, cujas desvalorizações são tão rápidas quanto à evolução da moda; homem novo, homem liberal: cujo sofrimento vai ser diferente – não se ocupa mais o lugar, mas todos os lugares ao mesmo tempo).

Gozo excessivo:(Experimentar gozos diversos, explorar todas as situações por meio de álcool, da droga, da rapidez, do excesso escópico e auditivo; população de consumidores ávidos de gozo perfeito (sem limite e aditivo); não se obstrui mais a pulsão de morte).

Crise das referências históricas:(Sociedade privada de suas referências tradicionais; subjetividade que se crê liberada de toda dívida símbólica para com as gerações precedentes).

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Reconhecimento de si pelo “ter”:(Estamos em relação de adição com os objetos. Somos exatamente o que portamos e o que agregamos na vida em termos de objetos e instrumentos).

Espetáculo da morte:(Nova atitude diante da morte; gozo escópico da morte revelado na exposição da arte anatômica; o corpo humano que se tornou cadáver não é mais protegido e dissimulado à visão).

Mundo caracterizado pela violência:(A violência aparece a partir do momento em que as palavras perderam a sua eficácia. Uma espécie de violência que se tornou um modo banal de relação social; espécie de maciça passagem ao ato).

Crenças nas soluções autoritárias(Tendência dos indivíduos a seguirem seitas, fanatismo).

Exigência de transparência a qualquer preço:(Não há mais limite à exigência de transparência; a presença das luzes e das câmeras age como um imperativo diante do qual ninguém poderia recusar-se, como se estivesse diante de um torturador a quem conviria confessar tudo, inclusive o que não fez; apagamento do lugar do esconderijo próprio a abrigar o sagrado, quer dizer, aquilo pelo que se sustenta tanto o sexo quanto a morte).

Alienação no virtual:(O indivíduo fala pela imagem. Vivemos num mundo icônico, inflação da imagem).

Exigência do risco zero:(Não queremos correr o risco de falhar, de não obter sucesso, quando realizamos algo).

Não há mais impossível:(Estamos no campo em que tudo é possível)

Liquidação coletiva da transferência:(Transferência enquanto é susceptível de recair tanto em pessoas quanto em blocos de saber. Não há mais nem autoridade, nem referências, menos ainda saber que se sustente - justamente graças à liquidação da transferência.)

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Prazer estético:(Substitui-se a ênfase na ética pela estética; culto ao corpo, à beleza, à juventude)

Apagamento do limite:(Com o desaparecimento do limite, o que constitui como autoridade vem, simultaneamente, a faltar; lugar de onde se legitimam e se sustentam o mandamento e a autoridade se veria eliminado).

Sexo como necessidade, como uma mercadoria entre outras:(O gozo sexual ocupa um lugar comum, entre outros; a cultura está hoje no princípio das relações sociais, através da forma de se servir do parceiro como um objeto que se descarta quando se avalia que é insuficiente).

Nova relação com o objeto:(Não há mais uma aproximação organizada pela representação, mas de ir para o objeto mesmo; O objeto só vale na medida em que seu ser é fonte de benefícios; é um laço social muito pobre, já que está fundado exclusivamente no apoio obtido em outrem, na medida em que esse outro compartilha o mesmo gozo).

Desaparece o sujeito do inconsciente:(Sujeito este que se expressa nos sonhos, nos lapsos, nos atos falhos, nos sintomas).

Não há mais divisão subjetiva:(O sujeito tornou-se compacto, inteiro. Sujeito banalizado, universalizado, o mesmo para todos. Sujeito comum, médio, qualquer).

Figura paterna está desvalorizada:(A figura paterna está cada vez mais mal conduzida).

Olhar do onivoyer :(Implica em estar no lugar para gozar de uma visão panorâmica do destino de seus contemporâneos).

Fonte de liberdade:(Fonte esta absolutamente estéril para o pensamento. Nunca se pensou tão pouco. Liberdade total de expressão).

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Legitimidade para satisfação dos desejos:(Se há um determinado tipo de desejo, ele se torna legítimo, no sentido de que ele encontre sua satisfação; suspensão maciça do recalque e a expressão crua dos desejos).

A realidade é a imagem perfeita:(A realidade era antes insatisfatória)

O desejo está pautado na inveja:(Nossa relação com o mundo é instalada por um objeto e não mais pela falta

de um objeto, e de um objeto de eleição, essencial, de um objeto perdido).

Espécie de igualitarismo:(Atitude de denunciar todas as assimetrias).

Tirania do consenso:(O sujeito perdeu o lugar de onde podia fazer oposição, de onde podia dizer

“não”, de onde podia se insurgir)

Sujeito flexível e liberal:(É capaz de se prestar a toda uma série de moradas; sujeito com existências múltiplas – polissubjetividade; parece que se tem a possibilidade de ter sucessivamente várias vidas diferentes; como se houvesse essa possibilidade de praticar vários percursos totalmente diferentes de um ponto de vista subjetivo e, paradoxalmente, não se sentir legitimado em nenhum lugar; tornam-se estranhos locatários capazes de habitar posições a priori perfeitamente contraditórias e heterogêneas entre si; o sujeito não é mais responsável pelo que lhe acomete, na medida em que sua determinação subjetiva não se origina mais no que seria uma aventura singular, numa escolha singular, mas numa participação na histeria coletiva. Da mesma forma, a mesma coletividade lhe deve, portanto, reparação por tudo que lhe falta, já que é assim, por ela, que foi concebido; se não nasci bem, se tenho prejuízos, a sociedade me deve reparação.).

O eu se ver murcho, em queda livre:(O eu se vê exposto, frágil, deprimido, porque seu tônus não está garantido por referências fixas, estáveis, seguras, por um nome próprio - tendo a necessidade de ser confirmado incessantemente. O eu está exposto à freqüência de estados depressivos diversos; homem extremamente sensível a

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todas as injunções vindas de outrem, em decorrência da ausência de referências, correlativas de um engajamento do sujeito; daí um sujeito eminentemente manipulável e manipulado, mesmo que o coloquemos como se fosse aquele que decide tudo).

Menos culpabilidade(Estamos numa sociedade em que a culpabilidade está em baixa).

Bibliografia:MELMAM, Charles (2003). O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Janeiro: companhia de Freud.

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DIFERENÇA ENTRE O MATRIARCADO E O PATRIARCADO - DOIS REGIMES QUE ADVÊM DE ESTRUTURAS RADICALMENTE DIFERENTE

REGIME DO MATRIARCADO REGIME DO PATRIARCADO

Regime fundado na evidência e na positividade – “a mãe é a causa do filho”. A mãe não se fundamenta em nenhum mistério.

A mãe se encontra investida da potência suprema, ao se tornar a referência fálica. A mãe se torna a encarnação do falo, e o filho deve sua gênese à intervenção autônoma dessa potência presente no campo da realidade.

Regido pelo amor (bondade, doçura, esperança, ternura, benevolência, generosidade e perdão).

Regime em que o significante, na linguagem, só remete a um objeto ideal que se acha substancializado e que se acha, então, oferecido à tomada, à apreensão, à captura, à posse, então, certamente, ao mesmo tempo ao consumo.

A criança nada tem a pedir a quem quer que seja a não ser a sua mãe, deve esperar tudo dela.

O significante remete diretamente à coisa.

Preso ao gozo na categoria do excesso – álcool, drogas, rapidez, gozo escópico e gozo auditivo.

Recusa da dimensão do impossível que a função paterna introduz.

Não querer pagar o preço de estar submetido às leis da linguagem.

O que importa e conduz este regime é a ordem da fé, a crença – pacto simbólico.

Regido pelo sacrifício. O pai vai ter que fazer celebrar em sua família um culto completamente inédito, já que lhe será preciso testemunhar que é pela renúncia ao gozo que se vê liberada a insígnia paterna – a condição de sujeito desejante.

A interdição do incesto está ligada à intervenção paterna.

O significante remete a outro significante

Os objetos com os quais podemos satisfazer jamais serão mais que substitutos - semblantes. Há, então, uma perda. E a condição de sujeito de desejo vais ser correlata a essa perda.

Perda do objeto que teria podido ser dito natural.

O impossível ligado a essa característica de linguagem – o que não se pode dizer.

Nenhum objeto seria suscetível de vir perfeitamente preencher e satisfazer o desejo humano, assim como nenhuma palavra poderia ser o equivalente perfeito de uma coisa – pacto simbólico.