chad oliver - fim da linha (a extinção)

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    Diante de ns, a Cidade do futuro, na qual tudo se reduz afumo, rudo, trfego, agitao e multudinrio barulho. Mas tudo

    isso desapareceu: o habitante da Cidade acha-se enfrentando uma

    perspecva: a da sua exno...

    A cidade havia cado s suas costas.Earl Stuart no havia olhado para trs. Teria podido perceber

    o resplendor da Cidade no horizonte, mas rechaou essa ideia. Iaaspirando o ar noturno, aspirando os evios da terra viva. Olhoupara a fraca luz das estrelas, como um homem recm-sado do cr-cere. Em suas mos o rie reluzia, ferido pela luz estelar.

    Earl odiava aquela galeria subterrnea, aquele tnel espanto-so. Era o nico meio de escapar, mas nunca esvera disposto a u-liz-lo. Pois aquilo era a mesma coisa que se meter em uma anga

    tumba; aquilo era muito pior, inclusive, que a prpria Cidade: pare-cia-se a uma morte anqussima. Durava uma eternidade coleandopelo tnel. Um homem nha muito tempo para pensar. E sabia queuma noite qualquer um guarda de segurana estaria esperando porele na sada do tnel.

    Fim da linha (A exno)

    Chad Oliver

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    E ento, o que?- Maldio! No pode caminhar mais devagar? - exclamou o

    doutor. - Ficam muito longe esses deslizadores areos?- A umas duas milhas - respondeu Earl Stuart. Conservando

    o mesmo passo, acrescentou: - Se nos pegam aqui dentro quandosairmos ao ar livre, me parece que ter que se atormentar muitomais que por suas pernas arranhadas.

    O doutor Ochoa correu para alcan-lo. Bruscamente, agar-rou-o pelo brao:

    - No por mim, Earl. So as mes, elas no podem prosse-guir.

    - Sabiam muito bem onde estavam se metendo; ningum asobrigou a vir.

    - Voc sabe que precisamos delas. Acho que o melhor seriachegarmos ao local onde esto os deslizadores e ento voltar parabusc-las. Voc segue seu plano; grande e forte, um verdadei-ro po, enquanto ns estamos realmente agoniados. As garotasso capazes de lutar e at disparar o primeiro ro contra voc, por

    pouco que recuperem as foras quando nos determos. E ento queacontecer? Olhe, tente facilitar as coisas, porque do contrrio nosarriscamos a que isto se transforme em uma expedio de um shomem.

    De m vontade, Earl Stuart reduziu um pouco seus passos.Gostava de caminhar, exercitar plenamente seu corpo, mover-secom rapidez sem a ajuda das mquinas. Mas agora acontecia estar

    frente de um bando de invlidos. Mas o velho, o doutor, nhatoda a razo: deviam escapar juntos.

    - De acordo - assenu Earl, - volte e diga-lhes que no vamosdemorar muito em sair daqui. Uma hora mais e teremos chegado.Reparta algumas plulas, doc, e tome algumas delas voc tambm.

    - V para o inferno! - replicou o doutor Ochoa, ofegante.- J estou nele - disse Earl.Durante uns instantes acelerou o passo, adiantando-se ex-

    pedio que capitaneava.Ele gostava de sair do tnel totalmente sozinho. s vezes,

    quando a Cidade lhe irritava os nervos, deslizava sozinho pela ga-

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    leria subterrnea. Conhecia muito bem o perigo que ela represen-tava, mas o aceitava, saboreava-o plenamente. Costumava experi-mentar uma espcie de estranho sossego externo, uma paz interior,um blsamo para a fome inquieta que o consumia.

    Pertencia ao exterior. Nele se sena em casa. Invejava os sel-vagens, inclusive quando os matava a ros. Hediondos, asquero-sos, comidos pelos piolhos; uns brutos de aspecto repugnante; masDeus sabia que se vesse que escolher... Claro, Earl no nha nemsombra essa oportunidade.

    Aqueles selvagens o teriam feito em pedaos se caisse emsuas mos. Mais de uma expedio deixou de regressar. Earl pde

    ser testemunha do que aconteceu no vero passado: catorze ho-mens e cinco mulheres... Aquilo ele nunca poderia esquecer, come-ram a todos... Os selvagens sempre estavam famintos e por aquelesermos havia muito pouca carne.

    Na realidade, naquela zona havia muito poucas coisas ondencar os dentes. Talvez o que mais gostasse fosse precisamenteisto: uma savana totalmente deserta, acidentada, semeada de ca-

    pim frondoso e alguns arbustos; um cu imenso; imenso, mas dequalquer forma mais cerrado, mais hermco, com sua abbadasalpicada de estrelas ardentes durante a noite e, de dia, sua vivaamplido azulada, de um azul que caa diretamente sobre a pessoae a feria; e aquele azul era vasto o suciente para conter um mar denuvens e o sol queimando a pele nua.

    Sabia que angamente, ali mesmo, haviam-se erguido outras

    cidades. Havia assisdo ao seu desaparecimento. Os edicios ha-viam desaparecido, mas alguns ainda connuavam de p, silencio-sos e desolados, cheios de buracos onde se aninhavam aves estra-nhas...

    As cidades no lhe haviam escapado, ele as havia visto, e paraele no nham mistrio algum.

    Todos conheciam a histria, mas somente os historiadorespoderiam conhecer os pormenores do que se passou. Na realidadeno foi uma guerra, e sim msseis demais, bombas demais, muitosdedos sobre muitos botes. Ningum lembrava dos movos daque-la hecatombe; ningum se preocupava em elucid-los.

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    Em lugar algum havia sobrado muitas cidades. J no resta-vam sequer bombas. Tudo aquilo havia acabado para sempre.

    Earl Stuart esforou-se para afastar todas aquelas imagens dasua mente.

    Tinha que realizar um trabalho. Tratava-se de um trabalhoproibido, que vulnerava as Leis da Cidade. Mas no ligava para asLeis, acreditava no que estava fazendo; ademais, havia dinheiropara ganhar, um monte de dinheiro...

    Mas Earl no o fazia pelo dinheiro. Possivelmente, nenhumdeles enm o zesse por dinheiro. Mas o dinheiro no deixa de sersempre uma coisa boa, com a condio de no se deixar pegar.

    Pois se algum se deixasse pegar, de nada lhe valeria todo odinheiro do mundo.

    Seria muito mais de meia-noite quando por m chegaram aosdeslizadores areos ocultos. Earl Stuart no deu tempo aos que oacompanhavam, nem sequer para descansar e recobrar as foras.Corriam o risco de adormecerem, e quando o sol sasse seria peri-goso demais para parrem.

    O rapaz desejava sair dali o quanto antes.Vericou a carga dos deslizadores. A expedio era formada

    por dez homens com seus ries, incluindo o doutor Ochoa e elemesmo, e tambm por seis mes, cujos rostos juvenis desenhavam-se na sombra banhada pela luz das estrelas. Dispunham de quatrodeslizadores areos, j carregados com as coisas que pudessemprecisar.

    Foram pronunciadas muito poucas palavras; todos estavamcansados demais, angusados demais; ademais, a maioria das pes-soas no gostam de falar muito quando esto fora.

    Earl Stuart instalou-se no aparelho da cabea. Com ele iamdois homens e duas mulheres. A mquina decolou, deslizando sua-vemente pelo ar, sob o comando do experiente Earl. Mantendo-a apouca altude, ia roando as copas das rvores com as luzes total-mente apagadas. O deslizador sulcava o ar no mais absoluto siln-cio; Earl conseguia perceber o gemido do ar rasgado pelo aparelho.

    Um leve sorriso desenhou-se nos lbios do piloto, prontopara o que pudesse acontecer.

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    Atrs dele a Cidade foi se desvanecendo nas sombras da noi-te. Diante dele, perdido ao longe nas trevas, outro mundo o aguar-dava.

    Helen Sanderson no conseguia conciliar o sono. Havia toma-do uma plula que s a nha deixado relaxada durante algumas ho-ras. Agora estava desperta novamente, mas no queria tomar outrosedavo. Sena-se enjoada, como bria, mas sua imaginao, des-controlada, voava...

    Por acaso nha esquecido algo? Evidentemente, no lhe ha-via faltado tempo para esquecer, mas aquilo no podia esquecer,

    nem amanh, nem passado: a ferida ainda connuava sangrando;tampouco esqueceria nos dias que se seguiriam. Era provvel quenunca esquecesse aquilo.

    No. Deixe de pensar nisso.Naquele momento ela queria ter outro. Com todo aquele di-

    nheiro...- Querido - disse Helen, - est acordado?

    Larry Sanderson, que naturalmente estava dormindo, embo-ra vesse dado para roncar para tornar sua insnia mais saborosa,voltou-se e deu um grunhido.

    - Que foi?- Nada - respondeu Helen.- mo - e Larry voltou a enar seu rosto nas profundezas do

    travesseiro.

    - Querido, no consigo dormir.- Tome uma plula, amor apontou ele, com voz sonolenta.- J tomei uma. Estava pensando em Bobby.Larry despertou de vez e optou por sentar-se na cama.- Deixe de se atormentar. J se passaram cinco anos, Helen;

    no pode passar a vida pensando nele.- No consigo deixar de pensar, Larry, alm disso, quero lem-

    br-lo - disse ela, acentuando o quero.Larry tomou em seus braos o corpo trgido de Helen. Ela

    se sena fria, fria e rgida. Ele teve um pequeno calafrio. Esta era aforma com que sena Bobby nos lmos tempos.

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    - claro que quer se lembrar, querida. E nem muito menospretendo dizer que devemos esquec-lo, mas voc no pode con-nuar assim, do contrrio ter que voltar ao mdico.

    Helen rompeu no choro. Larry podia senr a acidez das lgri-

    mas que rolavam pelas bochechas da sua mulher.- No quero voltar ao doutor. Quero um menino! Quero um

    menino!- Querida, voc sabe muito bem que estamos fazendo tudo

    que podemos. - o tom de voz de Larry havia voltado a ser doce erazovel. Sabia que isto era o pior que podia lhe acontecer naquelemomento, mas desejava evitar um escndalo.

    Tentou connuar:- Olhe, Helen, devemos ter pacincia...- Pacincia? - ela se ps a soluar, com o corpo todo tremen-

    do. - Tenho quarenta anos, Larry! No posso ser paciente, no que-ro esperar mais! Quero meu Bobby, quero um menino!...

    Beijou-a ternamente no pescoo, acariciando-a com a mo.- Quer que faamos amor?

    Ela soltou-se dos braos do seu marido; todo seu corpo esta-va mais frio que o gelo.

    - Isso no adianta - disse. - Voc sabe que isso no adianta denada... Eu quero um menino.

    Larry suspirou e escaparam-lhe umas palavras:- Segundo os dados dedignos que sobram em nosso poder...Ela se levantou da cama como uma fria, os punhos tremen-

    damente cerrados.- Voc sabe muito bem que no posso car grvida outra vez,

    e no importa o que digam. tudo menra. Sabe muito bem quetudo isso no passa de menras.

    - Helen, querida, volte pra cama.- No.- Quer que eu me levante e que com voc?- No, tanto faz. Volte a dormir.Larry ajeitou o travesseiro com murros e voltou a afundar a

    cabea nele.- Obrigado pela noite to encantadora que me deu!

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    Arrependida, Helen aproximou-se e tocou-lhe no ombro.- Sinto muito, de verdade, querido.- Eu tambm sinto. Mas voc no teve que esperar para sem-

    pre. Voc uma das mais felizes.

    - verdade, eu sou uma das mais felizes.- Tome uma plula. No quer?- Eu a tomarei, mas somente mais tarde. Volte a dormir. Des-

    culpe t-lo acordado.- De acordo, boa noite, querida.- Boa noite, amor - disse ela.As palavras convencionais nham em seus lbios um gosto

    anquado e amargo... Saiu do quarto. Sua camisola era de tecidono, mas ela no necessitava colocar o roupo nem as sapalhas,posto que em todo o apartamento reinava sempre a mesma tem-peratura e o piso limpava-se automacamente.

    Andou de cmodo em cmodo; isto levou um bom tempo. Oapartamento era muito grande, nham todo o espao que quises-sem... Naturalmente, no havia janelas. Pensou em acionar a telas

    murais. Antes ela gostava de escolher com tanto esmero as ima-gens: o verde translcido do fundo marinho da laguna do atol comos peixes, peixes verdadeiros, raiados de vivas cores, evolucionan-do ao redor dos recifes de coral. As montanhas varridas pelo vento,onde os ocos de neve revoluteavam como plumas acima da linhaescura das rvores. Os maravilhosos e cambiantes tons avermelha-dos, alaranjados e amarelos das areias de Marte...

    Ela desejava que o mar verdadeiro fosse assim. Era uma ideiaestranha essa sua. Tinha visto o mar uma innidade de vezes nateleviso. O mar a havia rodeado por todos os lados na sala de te-leviso do seu apartamento; nha escutado o rumor da ressacaquando as ondas espumosas rompiam sobre a praia deserta; nhavisto as aves de longo bico se lanarem dos ares e mergulharem nomar atrs dos peixes. Tinha visto tudo isso...

    Mas Helen Sanderson nunca havia sado da Cidade.Suas pernas a levaram para o lugar onde devia ir: para o quar-

    to de Bobby.Nada havia mudado no quarto do menino; tudo estava como

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    havia deixado, exatamente igual a como estava, apesar das reco-mendaes do doutor. A caminha, com sua colcha azul, estava bemfeita, como se aguardando... O terno ursinho marrom estava senta-do junto almofada; agora seus olhos permaneciam fechados. As

    cores do armrio, com seu palhao sorridente, no haviam minima-mente se alterado. Os brinquedos estavam todos em seus lugares.

    Pobre Bobby! - pensou Helen. Suas lgrimas j haviam se-cado; sena-se mais sossegada. - Bobby, pobrezinho! Tinha vividoto sozinho por dois anos. Nunca nha se entredo muito com seusbrinquedos. Bobby esteve enfermo quase desde que nascera, comotodas as demais crianas da Cidade; enfermio e muito quieto e

    com os olhos apagados e tristes, sem essa centelha to viva quesaltam dos olhos de uma criana sadia. Era dicil interess-lo emalguma coisa, faz-lo jogar, ou rir, e at sorrir.

    Mas ela nha conseguido ter um menino; e ele nha vividodois anos; Bobby nha sido seu durante dois anos inteiros.

    E agora, o melhor...Larry nha razo: ela nha sido uma das mais felizes entre to-

    das as mulheres. No nha por que chorar; devia deixar de chorar.Helen no quis tomar outra plula; queria permanecer ali

    mesmo; queria connuar acordada, saboreando seus conhecimen-tos e sua experincia de me feliz.

    Sentou-se na caminha, em meio ao silncio que reinava noapartamento de vinte e cinco cmodos. Colocou a cabea entre asmos; e seus olhos desmesuradamente abertos contemplavam -

    xamente o nada, o vazio insondvel...

    Em um edicio situado quase no prprio centro da Cidade,uma porta de repente se abriu diante de Alex Norfolk, aps seridencado pelo disposivo foto-eletrnico. Aquela porta no seabria para muitas pessoas. Alex Norfolk entrou primeiro em umasala intensamente iluminada, onde cou esperando a chegada deRandall Wade para cumpriment-lo.

    Owen Meissner, o chefe das Foras de Segurana da Cidade,rou seus ps da mesa do escritrio e cou de p. A princpio mos-trou-se surpreso, mas recobrou-se de imediato. Alex Norfolk cos-

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    tumava se apresentar quando menos o esperavam. Ulmamente,isso nha acontecido muitas vezes.

    - Por favor, sente-se - disse Alex.Owen Meissner sentou-se, enquanto Alex aproximava uma

    cadeira da mesa para sentar-se. Alex rou seu cachimbo, encheu-ocuidadosamente e acendeu-o, chupando vigorosamente at conse-guir acender o tabaco.

    - Este tabaco no vale um cominho! - exclamou - Logo estareifumando erva, se conseguir alguma.

    No disse uma palavra mais. O escritrio encheu-se de fumoe de silncio, em iguais propores. O corpo gorducho de Alex Nor-

    folk estava totalmente relaxado na cadeira. A no ser pelos olhoscastanhos que se mannham alertas sob as grossas sobrancelhas,ter-se-ia pensado que estava dormindo.

    - Bem - disse nalmente Owen Meissner. - Trata-se de umavisita social ou o que?

    - Quando um homem j chegou aos cem anos de idade, comoeu - disse Alex Norfolk, - no deixa de maldizer as reunies sociais.

    No se trata de uma reunio desse po.- Bem, ento trata-se de negcios. Que posso fazer por voc?- No tem nada que fazer por mim. A nica coisa que tem que

    fazer seu trabalho - disse Alex, ao mesmo tempo em que lanavauma nuvem de fumo para o teto.

    Owen Meissner corou.- Olhe aqui, Alex.

    O ancio, que no parecia ter nem um s dia a mais que Ran-dall Wade, com seus cinquenta e cinco anos, fez de conta de quea coisa no fosse com ele. Olhou duramente para Owen Meissner.

    O silncio voltou a imperar, at que nalmente Randall Wadeo interrompeu.

    - No tem porque se excitar, Owen.Sua voz soava com fora e domnio prprio. Randall era um

    desses homens que quando esto em um grupo, no cedem atque todos entrem em ao.

    Owen Meissner voltou-se para ele. Se Randall Wade no es-vesse a par das coisas, no teria sido o herdeiro manifesto de Alex

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    Norfolk. Pois Alex no costumava se equivocar muito com as pesso-as nem com nenhum outro assunto.

    - Voltemos ao nosso assunto - disse Owen. - De que se trata?Randall Wade sorriu.

    - De que se trataria, seno do que achamos que voc capazde nos dizer? Anal, voc o policial.

    - Voc fala de um modo enigmco, Randy; est passandomuito tempo perto do velho.

    - muito provvel; tentarei ser mais explcito: em que estotrabalhando seus homens?

    - Neste momento? - perguntou Owen.

    - Sim, agora.Owen Meissner reeu por alguns segundos.- A verdade que realmente no esto trabalhando em nada

    que possa interess-lo.- Bem, tente nos dizer alguma coisa; ns nos interessamos

    por um monte de coisas.- Pois bem, acaba de cair em nossas mos um assassinato. O

    fato aconteceu na noite passada, mas at o momento temos man-do a Imprensa calada. Trata-se de um dos membros dos cultossocialmente marginalizados; um po um pouco mais violento queos demais. J sabem do que estou falando.

    - Crime sexual?- Sim, embora que desta vez no se trate de um caso cor-

    riqueiro desse po de delito. Creio que no achavam que as coi-

    sas chegariam to longe e que a garota viesse a falecer. Pelo quea ns se refere, trata-se de uma dessas coisas com a qual no nospreocupamos. Uma reunio comum dos pardrios do culto antesmencionado: acorrentaram a mulher e a torturaram de tal formaque acabaram com ela. Todos os homens estavam mascarados;chamam a si prprios de Pais. Sabemos quem estava l, mas atagora no pudemos averiguar qual deles o verdadeiro autor damorte. Mas ns os pegaremos.

    - E depois de prend-lo, e ento?- Ora, e ento - Owen Meissner cou estupefato, e isso por-

    que no era dos que se surpreendem facilmente. - Voc est sem-

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    pre falando sobre a populao. Se assassinam algum, no deixade ser uma pessoa a menos. Se prendemos o po que cometeu oassassinato, poderemos submet-lo a um tratamento para evitarque volte a matar. Este o problema.

    - Sua lgica impecvel - disse o velho, connuando a fumarseu cachimbo, e perguntou: - Quantos cultos desse po, para em-pregar suas palavras, existem na Cidade?

    - Possivelmente uns cinquenta.- Trata-se evidentemente dos que se celebram em pblico?- Sim. No temos o mnimo controle sobre os que possam ser

    celebrados nas casas parculares dos membros.

    - Estou familiarizado com as leis, Owen. Mas, pode me dizerquais so as causas desses cultos?

    - Bem, eu lhe direi: j sabe que os psiclogos armam que nosencontramos em uma poca de uma forte tenso entre os sexos.Os homens no param de cricar as mulheres e estas no mordema lngua a respeito deles. Assim, muito natural que entre eles seencontre algum que...

    - Exatamente; mas mesmo quando conseguirem prender essehomem, esse pobre diabo com sua navalha ou seu chicote, o queseja, o que ter resolvido?

    - Terei resolvido um crime. Por acaso no este meu ocio?Eu no posso cuidar das causas nais, pois esta uma questo sua.

    - De acordo, este meu trabalho - assenu Alex Norfolk, quevoltou a acomodar- se em sua cadeira e fechou os olhos. Seu ca-

    chimbo apagou-se mas ele no voltou a ench-lo.- Que mais, Owen? - perguntou Randall Wade.- Vai ver voc acha que tenho algum coelho para rar da car-

    tola. Bem, tambm houve uma incurso no Laboratrio nmero4, mas, francamente, trata-se um trabalho sem importncia. Nochegaram nem a se aproximar do depsito de embries. No duvi-do de que est a par de tudo isso.

    - Sim, estamos a par.- Temos tambm a informao sobre um avio transatln-

    co que estava voando baixo demais dentro da rea proibida (trata-se da Zona 31) em um vo da Cidade para Nova Roma. O servio

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    de Controle Areo detectou-o e obrigou-o a mudar de rumo; nadamais.

    - Isso tudo?- Sim, isso tudo.

    - O que voc pode nos dizer sobre um tal de Earl Stuart?Owen Meissner cou desconcertado.- No acho que eu j tenha ouvido este nome, nunca...- Tente olhar nos seus arquivos, pode ser?Meissner puxou um painel de um dos comparmentos de sua

    mesa e deu suas instrues, rapidamente. Aps trinta segundos,uma tela mural comeou a brilhar. Os dados relavos a Earl Stuart

    no nham nada de parcular: havia nascido na Cidade h vinte eoito anos. Seu pai, Graham Stuart, havia ganho muito dinheiro comos aparelhos eletrnicos, coisa bastante extraordinria, visto queera dicil fazer dinheiro com uma economia cada vez mais restringi-da. Graham Stuart e sua esposa haviam morrido. Earl era seu nicolho e havia herdado uma pequena fortuna. No teve necessidadede trabalhar; era mais um aventureiro que qualquer outra coisa.

    Sabia nadar - o que no deixava de ser curioso - e se interessavapelas armas de fogo. Costumava se ausentar do seu apartamentodurante perodos de mais de uma semana, em repedas ocasies.Do ponto de vista sexual, nada havia nele fora do normal. Nuncao haviam dedo. Os mdicos s o haviam atendido duas vezes emtoda sua vida: uma vez por fraturar um brao e outra pelo sarampo.

    De qualquer forma, sua cha antropomtrica era muito mais

    interessante. Earl Stuart era um homem de alta estatura, com maisde seis ps e solidamente constudo. Usava os cabelos muito cur-tos, de um negro azeviche; seus pmulos, muito altos, reluziam emambos os lados do nariz forte e ligeiramente achatado, sobre a bocarme e de lbios carnudos. Tinha olhos muito escuros e era de tezmorena ou - talvez - curda pelo ar e pelo sol.

    Earl Stuart poderia ter vivido em qualquer perodo da hist-ria, dadas suas excepcionais capacidades sicas e sua robustez. En-tretanto, ento na Cidade, no deixava de ser um homem extraor-dinariamente singular.

    - Bem - disse Owen, quando a tela se apagou. - Que mais?

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    - Duas coisas - disse Randall: - Em primeiro lugar preciso deum relatrio completo sobre o nascimento deste homem. Precisode um relatrio com os dados mais exatos sobre a gravidez da se-nhora Stuart e tambm quero saber o nome do mdico que a aten-

    deu no parto.- Earl no nenhum menino adotado, posto que, se assim

    fosse, haveria aqui a cha do laboratrio atestando que no lholegmo da senhora Stuart - disse o chefe das Foras de Segurana.

    - preciso comprovar isso totalmente - insisu Randall. - Emsegundo lugar, quero conhecer as datas exatas em que Earl Stuartse ausentou do seu apartamento durante os lmos cinco anos.

    Desejo saber, no somente o lugar onde ele se encontrava, comotambm o que estava fazendo.

    - Isto no vai ser to fcil.- Deve conseguir. Arranje-se como puder, mas quero esses da-

    dos.Naquele preciso momento, Alex Norfolk abriu os olhos e sor-

    riu: Randall estava conduzindo as coisas estupendamente. O assun-

    to era de suma importncia, era transcendental.- Faro o favor de me dizer a que vem tudo isto? - perguntou

    Meissner. - Que h com esse homem?Randall Wade se levantou e declarou:- Um dos nossos computadores o escolheu a dedo. Tudo pa-

    rece indicar que Earl Stuart ps-se frente de uma expedio parafora da Cidade. Interessa-nos saber como ele conseguiu sair daqui

    sem ser detectado. Queremos saber o que ele est tramando forada Cidade. Queremos det-lo.

    - Farei o que puder - prometeu Owen Meissner.Alex Norfolk voltou a encher parcimoniosamente seu cachim-

    bo, levantou-se e se postou ao lado de Randall Wade.- Isso no basta, Owen. O assunto muito importante. Desejo

    que voc nomeie um homem realmente capaz, para que invesgueimediatamente Earl Stuart.

    - Neste preciso momento tenho um assassinato em minhasmos e agora no posso dispensar meus homens...

    - Ao inferno com seu assassinato! Eu quero prender Earl Stu-

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    art, e que de olho para no deix-lo escapar! De modo que vamosa ele!

    - uma ordem?- Por acaso isto soa de outra forma? Trata-se talvez de uma

    conversa trivial?- Bem! Ns o pegaremos, se que se trata do homem que

    vocs acham que pode ser.- Este o homem que procuramos.Alex Norfolk dirigiu-se para a porta sem sequer se despedir.

    Randall Wade hesitou.- Em frente, Owen, que voc tenha xito, at vista!

    Owen Meissner levantou-se da cadeira, cumprimentou coma cabea, esforando- se para sorrir. Assim que a porta voltou a fe-char-se aps a sada dos visitantes, deixou-se cair na cadeira. Seusorriso havia desaparecido.

    E apertou um boto vermelho na mesa.

    Quando j estavam instalados no carro-tubo (um po de car-

    ro que deslisa automacamente atravs de um verdadeiro tubosubterrneo), Randall Wade voltou-se para o velho:

    - Voc foi muito duro com ele, Alex.- Esse homem dos que precisam ser aguilhoados para se

    mexerem...- um bom policial. Estou certo de que prender Stuart.- Esse homem carece totalmente de imaginao. capaz de

    fazer o que lhe mandam e resolver os casos mais roneiros. Achaque isto pode bastar, Randy?

    - De qualquer modo, voc foi severo demais com ele.- No tenho tempo para ser genl.- Voc no pode esperar que um homem trabalhe s escuras.

    Owen no consegue compreender por que razo um homem comoStuart pode ser to perigoso. Voc nha que t-lo posto muito maisao corrente do assunto, sobretudo ao exigir tanto dele.

    - Essa alternava impossvel. Eu no posso dizer a Owen oque realmente est acontecendo com Stuart. No homem paraisto. Lutaria por todos os meios e, no seu caso, poderia ser mortal.

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    E eu espero muito mais dele, e no menos. Se essas expediesconseguirem escapar ao nosso controle, ser o nosso m.

    - Neste caso, precisa encontrar outra soluo.- Quem precisa encontrar outra soluo so os outros, voc

    precisa dessa soluo, j que eu no estarei aqui eternamente, ape-sar de todas as piadas que fazem comigo por ter angido os cemanos de idade. O que voc vai fazer ento?

    Randall reeu por um momento.- Quero ser justo. Meissner um homem que cumpre bem

    sua tarefa.- No o bastante para o caso que nos preocupa.

    - Neste caso tentaremos outra soluo. No Instuto aindacontamos com gente jovem e capaz. Poderemos escolher um deles.Pode ser Hashimoto, da Faculdade de Biologia; ele ainda bastante

    jovem, podemos ajud-lo a se formar no servio de policia. Pode-mos criar um novo cargo, chamemos de Delegado de Segurana, oualgo parecido, e coloquemos Hashimoto acima de Meissner. Destaforma, Owen podia resolver todos os assuntos roneiros, enquan-

    to que Hashimoto se encarregaria de controlar os casos perigosos,como o de Stuart. Podemos arranjar tudo isso de modo que Owenno perca o mnimo do seu status.

    - Algo precisa ser feito.- Posso faz-lo, se for preciso.- Perfeito, gosto da sua ideia, Randy. Prossiga!- Est de acordo que seja Hashimoto?

    - Voc ser o nico que ter que colaborar com ele, claro.Randall Wade j estava decidido.- Vou falar com ele agora mesmo.- Estupendo. Me leve at os arquivos e me deixe ali mesmo,

    pode ser?- No seria melhor se descansasse um pouco?- Ora vamos, no sou um invlido! Eu descansarei quando es-

    ver cansado.- Bem, voc manda, Alex.O carro-tubo parou diante do edicio dos arquivos.- Boa noite, Randy.

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    - At amanh, senhor.- No aposte nisso - disse enigmacamente o velho. - E deixe

    de me chamar de senhorO carro-tubo seguiu seu caminho. Alex Norfolk cou olhando

    -o por um momento, com uma expresso afetuosa nos olhos.- Obrigado, Randy - disse baixinho. O velho estava sozinho.Entrou no edicio dos arquivos. Esse edicio era totalmente

    diferente de qualquer um outro da Cidade. Em sua parte externaparecia bastante convencional; e era precisamente essa parte quea maioria das pessoas podia contemplar. O interior do edicio eratotalmente diferente.

    A estrutura era a de uma forma cavada, uma massa descon-nua de andares. Dissimulada pelos contra-muros, uma torre demetal rezulente erguia-se no ar. Teria uma centena de ps de alturae sua base sumia nas profundezas da terra, por at outra centenade ps abaixo da supercie.

    Aquela torre havia sido construda para durar; a torre aindaconnuaria de p quando o edicio externo j esvesse reduzido a

    p.Na torre no havia nada. Alex Norfolk deteve-se e cou olhan-

    do para a reluzente coluna por um bom momento. J a nha vistomuitas vezes, mas aquela torre fazia uma parte to grande da suavida, que raramente se denha para contempl-la. A torre haviasido construda antes que Alex vesse nascido.

    Ento, ele a estava admirando, consciente do fato de que era

    possvel que j no voltaria a v-la. Tentou imagin-la como se umdia aquela alta torre chegasse a ser no mais que um gigantescodedo de metal apontando para o cu. Aguentaria os embates dachuva e do vento e do frio e do sol... e connuaria de p. Com cer-teza, com o tempo j no seria como ento: uma torre dissimulada.Se transformaria em um monumento igual a Stonehenge, e as pir-mides, e as esculturas da Ilha de Pscoa, um desses monumentosdas civilizaes desaparecidas que atraem os turistas. Os arquivos- Alex odiava este nome - estavam ali. As futuras geraes se sur-preenderiam diante dos nomes que os arquivos conservavam. Empocas futuras, os arquivos poderiam ser lidos.

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    Ento todos se inteirariam do que Alex Norfolk havia feito.Mas no era muito, no bastava o que havia feito. Mas o seu,

    acrescentado ao que os outros foram capazes de descobrir, semdvida representaria alguma coisa. Poderia ajudar a desentranhar

    mais de um problema e esclarecer mais de um enigma; ajudaria aver as coisas de outra forma.

    Alex Norfolk suspirou. Fisicamente, no se sena velho e,mentalmente, sena-se mais esperto que nunca, mas supunha quea maioria dos velhos no deixavam de se iludir de modo semelhan-te. Entretanto, do ponto de vista espiritual - pois no havia outrapalavra para deni-lo, - sena-se cansado. Os anos iam se amonto-

    ado e pesavam muito sobre ele.Se pelo menos vesse certeza...Alex Norfolk ergueu o corpo e admoestou-se mentalmente:

    quando algum comea a ter pena de si mesmo, um claro sintomade senilidade. Que diabos, devia fazer o que nha que fazer. Ento,se o nimo no falhasse, faria o que desejava fazer.

    O velho se meteu em um tnel que conduzia aos arquivos. Ali

    no havia escadas, mas o tnel nha um declive pouco acentuado;tudo havia sido concebido para se descer por ele com suma facilida-de e encontrar as coisas, tambm muito facilmente.

    Os pensamentos de Alex Norfolk voltaram a Earl Stuart. Teriagostado de conhecer aquele homem; estava quase disposto a dese-

    jar que as coisas sassem bem para o rapaz. Mas, era possvel queEarl Stuart no soubesse quem era?

    Alex Norfolk balanou a cabea e connuou caminhando soba terra.

    Os deslizadores areos aterrizaram quando a aurora despon-tava; no levante, o cu comeava a acender-se.

    Earl Stuart desceu do aparelho, empunhando seu rie, prontopara disparar.

    - Vamos - disse, depressa!, pois no devem estar a mais dealgumas milhas daqui.

    O doutor Ochoa passou as mos no rosto, que nha uma bar-ba de trs dias.

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    - As mes esto muito cansadas, Earl. No dormiram muitodurante os lmos dias.

    - Na prxima vez tero mais experincia, doc. Distribua al-gumas plulas aos que desejarem. Vamos nos apressar, que se os

    selvagens chegarem a pressenr o que est acontecendo, vamoster que car perseguindo-os por este entorno durante semanas.Sei onde eles se encontram. Se nos apressarmos, poderemos sur-prend-los em suas cavernas antes que despertem. Eu parto agoramesmo e levo meus homens. Se as mulheres querem esperar aquisozinhas, com elas.

    - Que sujeito mais simpco voc , Earl!

    - isto que elas acham de mim - disse Earl e, girando sobreos calcanhares, seguiu adiante sem se preocupar minimamentese os demais o seguiam. Entretanto, caminhava com passos maislentos. Os outros membros da expedio podiam segui-lo com umpequeno esforo e, por experincia, sabia muito bem que o fariam.Tratava-se somente de seguir o chefe e Earl era o nico chefe daexpedio. Disto estava certo, e os demais tambm o sabiam.

    A luz era fraca, mas Earl conseguia disnguir tudo quanto pre-cisava ver. Estavam sobre uma inclinao coberta de capim alto quedescia at um riacho. Na margem oposta do riacho, sabia que o ter-reno subia abruptamente. Ali havia uma linha de alcanlados muitoescarpados onde se abriam as cavernas.

    No tropeariam com diculdade alguma at que chegasse outra margem do riacho.

    Earl testou a direo do vento. Soprava um ar puro e fresco,fragrante pelo odor das ores silvestres e pela umidade noturna daterra. O mais importante para eles era que o vento lhes soprava defrente; assim os selvagens no poderiam farejar sua chegada.

    Earl sena-se bem, realmente bem. Tinha que se conter parano acelerar o passo. Sena-se cheio de nimo, cheio de vida; esta-va cheio de entusiasmo e excitao, disposto ao que pudesse acon-tecer. Aquilo no era realmente uma matana, era estar fora, como vento em pleno rosto; era encontrar-se no comando de uma ex-pedio; era assumir a responsabilidade dos seus prprios atos. Nointerior da Cidade, Earl se parecia com um peixe em uma garrafa,

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    enquanto que ali, fora da Cidade, sena-se um verdadeiro homem.E aquela era a sensao mais agradvel para o rapaz.Earl Stuart estava muito longe de ser estpido; tampouco era

    amoral. Havia pensado muito bem, sabia o que fazia. Aquilo estava

    contra as leis, mas estava convencido da insanidade das leis. Nin-gum precisou dizer-lhe que a Cidade estava morrendo, apodrecen-do como uma fruta cada sob o sol. Earl nha olhos para ver e sabiamuito bem porque ia: a Cidade precisava de um pouco de sanguenovo.

    E ele ia busc-lo.Earl no era nenhum heri; no nha iluso alguma de que

    estava fazendo aquilo pela Cidade. Estava se lixando para a Cidade.O que queria era estar fora dela, no lugar onde estava; gostava doque estava fazendo.

    Mesmo assim, no deixa de ser agradvel saber que se temrazo.

    E o dinheiro no era para se desprezar. Sua herana havia sidobastante grande, mas somente um idiota podia viver do seu capital.

    Os invesmentos j no eram to rentveis como teriam sido nosvelhos tempos.

    Na Cidade, Earl Stuart nha gostos muito caros; precisavamuito de dinheiro. Quando alcanou o riacho, o sol acabava de sur-gir no horizonte, por trs dele.

    Parecia um enorme balo vermelho e sua luz projetava som-bras longas. No campo comeou-se a ouvir os cantos das aves. di-

    reita, a sombra de um animal se moveu no meio do mato; o riachocorria sussurrante entre as rochas; a gua era cristalina; podia-sedivisar as sombras dos peixes sobre o fundo de areia.

    Earl no hesitou. Sabia que se desse tempo para reerem,poderia tropear com diculdades no momento de fazer as mescruzarem o riacho. Entrou resolutamente na gua; estava fria, masera pouco profunda; mal chegava aos joelhos.

    Seguiu em frente, mas moderando o passo. Podia ver as es-carpas que se projetavam diante dele, com suas rochas banhadaspela luz dourada do sol nascente. As cavernas eram buracos negrosparecidos com olhos enormes.

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    Nada se movia naquele lugar.O grupo expedicionrio connuou avanando fora do alcance

    dos raios solares. Era dicil que fossem vistos; todos os homens jnham estado com ele naquele lugar, anteriormente; eles sabiam

    o que deviam fazer.Mas as mes...Uma das mulheres deu um grito. Um dos homens agarrou-a

    imediatamente, tapando-lhe a boca com a mo, mas o grito nhasido muito forte para que no o ouvissem. Sem dvida nham ou-vido...

    Earl se voltou vivamente, viu que entre o alto capim corria um

    homem mediano, nu, com sua longa cabeleira ondeando ao vento;no levava mais que um arpo para pesca. O selvagem abriu a bocapara dar o alarme. Earl disparou seu rie com muita calma, apon-tando para a cabea. A detonao dispersou o ar matuno.

    - O ro no falhou! - alegrou-se Earl.Voltou para junto da me que nha gritado. O homem con-

    nuava segurando-a. Estava olhando-a: nha os olhos arregalados

    de espanto e tremia fortemente.Earl ps a boca do rie em seu peito e disse duramente:- Solte-a.O homem soltou-a e ela olhou rmemente para ele, gelada

    de espanto.- Aquele homem est morto, j no pode feri-la. Entendeu?A me assenu com a cabea.

    - Se voltar a reper isso, lhe dou um ro. Ouve o que digo?Ela voltou a assenr com a cabea.- Diga que me entendeu.- Eu entendi - disse a mulher, com voz desfalecida.Earl afastou o rie do seu peito.- Perfeito, querida. Mas, por Deus, tente se conter. Sei muito

    bem como espantoso ver um desses homens pela primeira vez.Quando o roteio ver comeado, poder gritar se ver vontade.Mas por agora mantenha a boca fechada, entendido?

    Ela balbuciou:- Sinto muito, esse homem era to...

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    - No - respondeu Earl. - Connuaremos usando nosso planotal como vnhamos fazendo. Este era nosso objevo e nos ateremosa ele.

    - Me parece que voc ia dizendo...

    Earl interrompeu o doutor Ochoa.- J esteve comigo em cavernas como estas. Portanto, sabe

    a que se parecem. Esses selvagens as vm ulizando h muitas ge-raes. As cavernas so todas unidas por galerias de coneco esempre h uma via de escape em caso de emergncia. Essa sadade emergncia deve estar em qualquer lugar na parte superior dasescarpas, nessa meseta. Entende o que estou dizendo? Me segue

    ou no?- Se est sugerindo que devemos chegar at a sada trazeira,

    ento lhe digo que no conte com seu doutor. Eu no irei at ali.- Nenhum de ns deve chegar at l. Faa sua mente traba-

    lhar, doutor. Por l onde eles vo sair.- E por que teriam que fazer isso? Para nos agradar?- Ser que preciso desenhar para voc? Se alguns de ns ata-

    car pela frente e ararmos um nmero suciente de balas paradentro dessas cavernas, os selvagens tentaro salvar as mulherese as crianas, levando-os para fora. Sempre fazem isso; e quandochegarem l em cima, na meseta, o resto dos nossos homens podeestar esperando.

    - No estou gostado nada disso, Earl. Devemos aplicar o pla-no juntos; no somos numerosos o bastante para brincarmos de

    exrcito.- Contamos com dez homens. Ou seja, cinco cariam aqui

    mesmo com as mes e os outros quatro viriam comigo. a nicaforma de nos sairmos bem.

    - Esta a nica forma de que nos comam vivos. Nessas caver-nas eles devem ser bastante numerosos para isto.

    Earl Stuart sorriu.- Lembre que trouxemos os ries.- Isso foi o que disse o general Custer...Earl controlou seus nervos com diculdade. As aluses his-

    tricas do doutor sempre o aborreciam. Para ele, no importava o

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    que pudesse ter dito qualquer general grego ou romano. J nhaperdido tempo demais.

    - Vou dividir os homens. Levarei quatro comigo e voltaremospara o lugar onde esto os deslizadores. Voc car aqui com as

    mulheres e o resto dos homens. E escondam a cabea, entendido?Quando ns chegarmos na meseta e esvermos preparados, lan-arei um foguete; ento, vocs avanam e abrem fogo. De acordo?

    - Connuo no gostando da ideia.- Eu tambm no gosto. No tem porque gostar, trata-se uni-

    camente de realiz-la. Earl agia com muita calma, escolhendo oshomens que deviam acompanh-lo.

    - Vamos! - ordenou, e os cinco homens voltaram para o ria-cho.

    Earl demorou mais de meia hora para chegar aos deslizado-res; no havia se preocupado minimamente em se esconder; nhacorrido o tempo todo. Se vessem visto eles parrem, tanto me-lhor, pois os selvagens no deviam saber quantos homens estavamali. Assim, o resto da expedio poderia permanecer em seu lugar,

    tranquilamente, um pouco mais.Earl estava totalmente suado. Preparava-se para um dia de

    muito calor e no estava acostumado a caminhar sob o sol. Deixouque seus homens descansassem um pouco; todos eles puseram-sea beber ansiosamente.

    - No bebam muito, pois isto os atrasar quando verem quecaminhar. Esto todos preparados?

    Os quatro homens assenram com a cabea. Estavam cansa-dos e nervosos, mas todos desejavam estar no posto quando o fogocomeasse. Eram bons homens para a poca em que se vivia.

    - Bem, vamos todos em um deslizador. Uma vez que tenha-mos aterrissado, no quero ouvir nenhuma palavra; temos que fa-zer silncio. Que ningum are sem controle; cada qual escolherseu alvo e se assegurar antes de disparar. Deixaro que os homense os meninos maiores avancem tudo que puderem. No disparemmais do que o estritamente necessrio. Quando verem que faz-lo, apontem para as mulheres que carregarem uma criana e noerrem o ro. Os ros na cabea so os mais ecientes. Essas mu-

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    lheres se transformam em assassinas quando esto feridas. Algumapergunta?

    Earl tomou os comandos do aparelho e decolou, deslizandosilenciosamente a baixa altude atravs do ar quente da manh. Ao

    chegar sobre a meseta, reduziu a velocidade e comeou a dar voltassobre ela. O cu estava claro, sem uma nuvem; a visibilidade eraperfeita. Apesar da velocidade do aparelho, conseguiu disnguirclaramente alguns rebanhos que pastavam tranquilamente. Estavaterminando o jogo; logo teriam que agir.

    Earl no se sena impressionado nem um pouco. Tomou altu-ra e cou planando acima da meseta. Podia ver o doutor Ochoa e os

    demais agachados no capim. Podia ver aquele pequeno riacho, re-luzente como um lao de cristal. Em menos de um minuto localizoua sada de emergncia das cavernas. Estava dissimulada por umasrochas e por ervas daninhas ao rs do cho, mas do ar aparecianidamente.

    O aparelho tocou em terra e imediatamente Earl dispersouseus homens. Agora fazia um calor sufocante; o sol queimava a pele.

    Earl disparou o foguete, que descreveu um sulco de fogo ver-melho no ar, at se transformar em um sol diminuto e que seguia deriva. Armou seu rie e aguardou.

    Abriram fogo imediatamente aps o sinal do foguete. Os dis-paros ressoavam surdamente no ar abrasado pelo sol. Com aquelatropa, os ros no podiam causar muito dano. Por isso o doutornha que mover-se rapidamente e avanar. A umas cem jardas de

    distncia mais ou menos, os ries de grosso calibre s podiam an-gir escassos alvos naquelas cavernas, j que as balas podiam rico-chetear nas rochas... O dedo de Earl estava acariciando o galho.Gostava de ries; o rie era uma arma estupenda, slida e na qualse podia conar; as balas eram muito mais selevas que os raiosmorferos e para lutar contra uns selvagens armados com lanastoscas e armas de pedra, no era preciso nenhum armamento fan-tsco.

    Sena uma excitao agradvel e todo seu corpo estava sobtenso. Sempre acontecia o mesmo naqueles momentos; no setratava exatamente da alegria de matar, no era nenhuma inclina-

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    o sanguinria, era simplesmente uma emoo muito mais com-plexa e indenida. Era mais como a emoo senda pelo caador;nada podia se comparar com o que Earl experimentava naquelesmomentos.

    Ficou aguardando, escutando como os disparos iam se apro-ximando. O doutor e seus homens disparavam lindamente.

    O momento no ia demorar. Logo... Agora!Um homem saiu em disparada pelo buraco. Era um homem

    velho e encurvado, com um longa cabeleira de um cinza sujo. Umapele asquerosa de animal cingia sua cintura descarnada. Tinha aboca aberta, mostrando seus dentes sujos e quebrados. Achava-se

    to prximo que Earl podia cheirar o leo ranoso dos seus cabelose o suor do seu corpo.

    Earl no disparou contra o velho.Naquele preciso momento, outro homem saiu tropeando

    do buraco; desta vez era um homem jovem; nha sido ferido noombro direito e estava com o lado coberto de sangue. Em sua moesquerda segurava uma lana com ponta de pederneira. Seus olhos

    brilhavam, enlouquecidos e cheios de dor. A chegar fora da caver-na, tentou avanar, mas caiu; voltou a levantar-se e seguiu adiante,tropeando.

    Earl tampouco disparou desta vez. J no teria que esperarmuito. Enquanto os selvagens no vissem seus homens escondidospor trs das rochas, era uma loucura disparar; teria que esperar atsassem os alvos ansiados. Disparar naquele momento era o mes-

    mo que obrigar os selvagens a voltarem a se internar em suas ca-vernas, e isto era a lma coisa que Earl desejava.

    Aps alguns segundos assomaram os meninos. Saam do bu-raco como um bando de ratos silenciosos. Estavam nus e com oscorpos cheios de chagas e arranhes. Meninos, um monte de meni-nos! Eram pelo menos uns cinquenta. Earl no nha dvida de quenas cavernas viviam muitos mais meninos de idade mediana queem toda a Cidade.

    Deixaram passar os meninos: eram grandes demais. Escapa-ram todos menos um que, saltando atrs de uma rocha, encontrou-se frente a frente a um dos homens de Earl. O garoto tentou es-

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    capar, mas antes que o conseguisse, o homem assestou-lhe umacoronhada. O menino rolou pelo cho com a cabea esmagadacomo um melo.

    Apareceu a primeira mulher. Levava o cabelo muito curto,

    quase raspado. Seus peitos estavam cheios de cicatrizes e o lbioinferior atravessado por uma espcie de passador de pedra. Nocarregava menino algum.

    Earl connuou aguardando, com o pulso acelerado.O resto das mulheres saiu logo a seguir; grunhiam ferozmente

    sob a luz do sol.Jovens e velhas, gordas e magras, todas elas eram tremen-

    das de se ver; fediam terrivelmente e se moviam aturdidas; seusmsculos reluziam sob suas peles desnudas. Corriam como aranhasespantadas...

    Earl contou-as rapidamente: cinco delas, cinco levavam crian-as nos braos. Cinco! Era mais que suciente, mais do que Earlpodia esperar. Aquilo era uma verdadeira fortuna!

    Saltou sobre seus ps, levou o rie ao ombro e apertou o

    galho. A bala angiu uma das mes na nuca; a mulher desabou,deixando cair a criana, que gritou a se chocar com o cho. Outramulher se voltou e tentou agarrar a cria, mas Earl meteu- lhe umabala no peito.

    De repente Earl se voltou, seus olhos se estreitaram: outramulher escapava velozmente, tentando voltar caverna. Disparouduas vezes antes da mulher chegar ao buraco; a me caiu morta e a

    criana, que j caminhava, incrivelmente tentou entrar na caverna.Earl deu um salto e agarrou-o, segurando-o com o brao es-

    querdo. O menino chorava e gritava escandalosamente, retorcendoseu corpinho e urinando no brao de Earl, que no fez caso.

    - Bem! - gritou jubiloso. - J os temos na armadilha. - voltan-do-se para um dos seus homens, ordenou: - Ed, dispara uma rajadacontra esse caminho para que os selvagens connuem correndo.Os demais disparem dentro da caverna. No quero que os outrosselvagens saiam.

    Os ries formaram uma barreira de fogo. O ar quente encheu-se de fumo azulado e de cheiro de plvora. As moscas j estavam

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    zumbindo sobre os cadveres.Earl aguardou alguns minutos, o que representava um monte

    de balas. Estava claro que ningum ia sair por aquele buraco duran-te um bom tempo.

    - Basta! - gritou. - Levem esses meninos para o aparelho e osamarrem bem.

    Earl entregou a Ed o menino que levava, com o que o homemse sobrecarregou de meninos; tomou os comandos do deslizador,testou rapidamente para ver se tudo estava em ordem e decolousem perda de tempo.

    Ento as crianas eram o mais importante. Devia entreg-las

    ao doutor e s mes que estavam esperando junto a ele, e entoteria que voltar com toda a expedio para o lugar onde se encon-travam os deslizadores. Earl riu sarcascamente; as coisas no po-diam falhar.

    Atrs, o sol queimava as rochas da meseta sobre as escarpas.Um enorme lagarto verde assomou a cabea e deslizou por cimados corpos sem vida. Ao longe, no azul do cu, formas negras pla-

    navam: os abutres que se aprontavam para o fesm.Os negros oricios das cavernas estavam desertos e silencio-

    sos. A expedio no tropeou com nenhuma nova diculdade.A maioria dos selvagens connuava em suas cavernas e no

    tentava sair delas. Haviam se internado nas galerias mais remotase ali permaneceriam at que fosse noite completa. De qualquerforma, j no poderiam lutar nem por seus lhos. Seus inimigos j

    estavam longe demais.Earl aterrissou e o doutor e as mes se encarregaram dos me-

    ninos no ato. O doutor Ochoa comeou a aoitar nos meninos paraacalm-los e logo comeou a lhes rar os piolhos. As mes reclama-vam os meninos para cuidar deles durante a viagem de volta Ci-dade. Apresentava-se o problema de que havia mes de sobra. MasEarl j havia pensado em uma soluo: decretou que a mulher quehavia gritado antes da refrega cariam sem um menino. A pobremulher sena-se tremendamente desiludida e infeliz, mas estavaassustada demais para protestar.

    Se se comportasse bem, pelo menos teria alguma chance

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    quando a expedio vesse voltado Cidade: poderiam colocar osnomes das mes dentro de um seletor e a sorte decidiria qual delascaria sem um menino. Aquela esperana havia levado as mes atas cavernas dos selvagens.

    As mes quiseram tentar amamentar os meninos imediata-mente; todas elas haviam sido tratadas pelos mdios para teremleite no momento oportuno. Earl havia enfrentado aquele mesmoproblema em ocasies anteriores.

    - E agora temos que nos mexer, no podemos car aqui pormais tempo. Esta noite podero amamentar os meninos, quandoesvermos a salvo nos deslizadores areos. Se os selvagens nos

    atacassem, teramos que correr e abandonar os meninos e nuncavoltaramos a v-los.

    Earl no nha a mais remota inteno de abandonar assim,sem mais nem menos, alguns milhes de dlares, mas suas palavraszeram com que as mes se pusessem em marcha para o riacho nomesmo instante. Estavam totalmente transtornadas, murmurandoe acariciando apaixonadamente seus hediondos bebs com uma

    alegria inimaginvel. J nham se esquecido das suas penas e fa-digas.

    Earl ordenou a um dos seus homens que levasse o deslizador,pois no queria abandonar os meninos de modo algum. De formaque cou em terra, seguindo as mes, sem perder os meninos devista.

    Logo Earl senu-se exausto; mas j conhecia aquilo; tal emo-

    o no era nova: se aprontava para regressar Cidade. Tentoudissimular a todo custo o que sena. O humor dos demais mem-bros da expedio havia mudado totalmente; sua misso achava -se cumprida e todos voltavam para casa; todo se mostravam total-mente despreocupados e estavam cheios de alegria jactanciosa. Emtroca, Earl devia refrear seus nervos, pois no podia se resignar ideia de voltar para uma vida sem ao, porquanto havia aprendidoa viver de outra maneira.

    Earl sena uma espcie de simpaa por aqueles meninos queacabava de raptar. Os pobres diabinhos no sabiam o que os espe-rava na Cidade.

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    Earl quebrou as regras que ele mesmo havia estabelecido aoempreender o vo antes que anoitecesse. Voaram a noite inteirasob a lua prateada e durante as horas do dia se esconderam. Es-veram voando durante quase toda a noite seguinte e aterrizaram

    antes da alva, sem divisar o esplendor da Cidade.Durante todo aquele dia permaneceram escondidos. Depois

    da meia-noite, os membros da expedio percorreram as poucasmilhas que os separavam do tnel secreto.

    Earl Stuart os guiou atravs do tnel.Quando saram dele, os agentes de segurana de Owen Meis-

    sner os estavam aguardando e ali tudo se acabou.

    Helen Sanderson havia vivido os lmos tempos com umaesperana que acabava de ser frustrada. At ento sena-se sin-gularmente calma e quase relaxada. Fazia duas semanas que haviase inteirado da expedio; j no haveria um menino para ela porpreo algum. Quando lhe comunicaram a tremenda nocia, sofreuuma crise de histeria.

    Aquilo j havia passado; talvez o novo remdio pudesse fazeralgo, mas no melhor dos casos tampouco era ecaz. De qualquerforma, j pouco importava para Helen.

    Larry havia lhe dito que poderia aceitar um dos meninos cria-dos no Laboratrio, mas ela sabia que nunca aceitaria. Os meninosdo Laboratrio mal chegavam a viver alguns meses e aquilo era es-pantoso. Helen no queria nem imaginar; no podia pedir a Larry

    que zesse tal coisa; j o havia incomodado demais.Tudo lhe saa mal. Sentada na pequena cama de Bobby, a des-

    graada me contemplava o quarto onde o pequeno havia vivido,tentando recordar de Bobby, nas poucas vezes que havia brincadocom seus brinquedos; maquinalmente tocou no ursinho marromque jazia junto almofada.

    Helen se levantou e andou lentamente atravs do andar silen-cioso. Quantos quartos - pensou - quantos quartos vazios...!

    Entrou no estdio e ligou o gravador. Com aquele aparelhoera possvel gravar, no somente a voz, como tambm a imagem doque ditava. Suas mos pulsaram resolutamente nas teclas; olhou

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    diretamente para o gravador e falou com uma voz clara e rme:Fala Helen Sanderson. Totalmente s de corpo e de esprito, faouso nesta noite do meu direito de livre testamento. Assumo a totalresponsabilidade pela minha deciso e pelo meu ato. Juro e ar-

    mo que no sofri nenhuma coao mental nem sica por parte deningum. Fez uma pausa e prosseguiu com estas palavras: Eu eraHelen Sanderson.

    Parou o gravador, que havia anotado automacamente a horae a data da declarao.

    Evidentemente, tratava-se de pura formalidade, mas Helenno queria causar a mnima diculdade a Larry diante dos rgos

    judiciais da Cidade.Depois de ditar as lmas palavras, deslizou atravs do dor-

    mitrio sem luz e entrou no banheiro. Foi diretamente ao armriodos remdios, abriu e pegou uma caixinha preta na prateleira supe-rior. Na caixa restavam duas cpsulas vermelhas. Pegou uma delas,misturou-a em um copo com um pouco de gua e bebeu. Entovoltou a colocar cuidadosamente a caixinha preta na prateleira.

    Ainda no sena absolutamente nada. Sabia que no senriador alguma. Haviam- lhe dito que s notaria algo assim como umdesejo de dormir.

    Helen voltou para o quarto e se deitou. Chegou-se ao seu ma-rido e beijou-o, mas ele apenas se moveu, sem chegar a acordar.

    - Adeus, Larry. Me perdoe.Helen fechou os olhos e esperou. A morte no tardaria a che-

    gar.

    Alex Norfolk estava sentado em seu gabinete, solitrio e pen-savo.

    Havia passado quase toda sua vida sozinho e geralmente pre-feria a solido. Mas naquela noite era diferente. Alex desejava fa-lar com Earl Stuart. Evidentemente, no era possvel. H coisas quenem um diretor do Instuto de Cincias pode se permir; e visitarum condenado s vsperas do seu casgo era uma delas.

    Earl Stuart ainda connuava tendo certos direitos. Mas no diaseguinte teria deixado de ser Earl Stuart; seria algum - ou alguma

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    coisa - totalmente diferente. Earl no queria passar sua lma noitefalando com Alex Norfolk.

    Alex o havia colocado no lugar em que estava neste momen-to; de nada serviria cricar a Direo ou a polcia, nem a ironia do

    desno; de qualquer forma, Alex era o nico que havia expedido asordens; o nico responsvel era ele.

    Nunca poderia explicar as coisas a Earl Stuart. Mesmo se -vesse tentado fazer com que Earl o compreendesse, as coisas te-riam sido muito piores para o jovem. Aquilo poderia transformarsua lma noite em um inferno.

    Tudo estava muito claro: Earl Stuart havia nascido entre os

    selvagens. Alex nha reconhecido isso to logo viu seu retrato natela mural da Chefatura de Segurana. Aqueles pmulos salientese reluzentes, aqueles olhos quase negros o haviam delatado. O cui-dadoso exame da cerdo de nascimento falsicada de Earl haviaconrmado o que Alex j sabia. Earl havia sido raptado nas cavernasquando era um menino; depois o haviam vendido a Graham Stuart.E por uma daquelas ironias do desno, Earl havia passado sua vida

    adulta matando pessoas do seu prprio povo, exterminando seusirmos e irms...

    Quem conseguiria dizer aquilo a Earl?Alex deixou seu cachimbo se apagar. Senu um calafrio e en-

    rolou-se com seu abrigo. Havia perdido bastante peso; nha desci-do a 175 libras. Aquela noite sena-se velho e cansado.

    Alex connuou com seus pensamentos. Era dicil viver em

    meio incerteza. Se pelo menos esvesse seguro sobre as coisas...Mas nunca conseguiria. O discurso do homem civilizado era incer-to; no havia respostas denivas, nenhuma liberdade que o ar-rancasse da dvida, nenhum caminho que conduzisse ao Olimpo.Earl Stuart era seguro de si, mas havia sido malvado, tragicamentemalvado. Os selvagens, que connuavam vagando pelos desertoscom suas lanas e suas pedras, estavam seguros...

    Alex connuava pensando. Por acaso havia esquecido dealgo?

    Analisar o problema, para ele, era o mesmo que caminhar poruma anga rua h muito conhecida e familiar. Alex Norfolk havia

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    percorrido aquela rua tantas e tantas vezes, que j no havia ne-nhuma surpresa para ele.

    Mesmo assim Alex no deixava de ser anquado sob certosaspectos. Assim, no recuava at conseguir, ou pelo menos tentar,

    descarregar as responsabilidades sobre outro qualquer.O problema principal podia resumir-se bastante suscintamen-

    te: o animal humano corria rapidamente para sua exno. Real-mente, as coisas no podiam ser mais simples. Igualmente maio-ria dos simples problemas humanos - o amor, o dio, a guerra, - asoluo no era simples.

    Durante muito tempo, o problema parecia no ter absoluta-

    mente soluo alguma. Tudo havia acontecido como uma tremen-da surpresa, como uma espcie de pontap no trazeiro. Durantesculos, o homem havia operado com trs hipteses fundamentais.Estava to seguro delas que nem sequer havia se dedo para ree-r sobre as mesmas; nha assumido-as como algo que se d comocerto e havia seguido alegremente seu caminho. O homem pensavaque o problema imediato que se apresentava era unicamente o da

    superpopulao. Os sbios perguntavam: como e onde vo viver aspessoas em um planeta to densamente povoado? O homem nhaacreditado que a tecnologia ajudaria a resolver o problema. Se nohavia alimento bastante na Terra, o homem poderia rar as rique-zas do fundo do mar ou colonizar os outros planetas. E chegaria odia em que o homem faria surgir algo melhor: o super homem comseu crebro volumoso j estava na prxima esquina, logo surgiria...

    Por acaso no era o que se achava no nal de toda evoluo? O ho-mem olhava-se no espelho e chegava concluso de que era muitoforte e sagaz, naturalmente. Por acaso podia temer um m mortal?A raa humana ia se exnguir? No podia ser.

    Aquelas trs hipteses bsicas do homem nham engrossa-do a pilha dos seus antecedentes histricos. Em alguns sculos, ohomem nha voltado a se encontrar na mesma situao em que seachara a princpio: era um animal relavamente raro. A tecnologiahavia produzido suas magias, mas como em todas as magias, o ho-mem havia se escravizado entre suas garras. E o super homem o ha-via frustrado ineludivelmente, sem chegar sequer a ser um projeto,

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    posto que no havia aparecido em parte alguma.Como pde acontecer tudo isso?Alex Norfolk, com sua longa vida, esperou chegar a sab-lo

    algum dia. Exisam alguns indcios, naturalmente, algumas chaves

    que os do Instuto qualicavam como teorias. Mas, no melhor doscasos, no eram mais que conjeturas, hipteses ilustres.

    A resposta - se por acaso havia de verdade - estava escondidanos documentos histricos da vida do planeta Terra. A exno dohomem era uma parte daquela histria, uma parte muito impor-tante. A exno era tanto um princpio de evoluo, de mutaoou de seleo natural ou de sobrevivncia. Outra das felizes hipte-

    ses consisa em que o homem estava imunizado contra a exno,salvo a que pudesse ser provocada pela exploso do sol ou por suaprpria falta de cuidado com as armas nucleares.

    A exno era um fato vlido no caso dos dinossauros.Os ponces da cincia sempre haviam sublinhado: os dinos-

    sauros eram uma espcie especializada demais; no eram como ohomem; o homem era maravilhoso, generalizado, o homem adap-

    tvel a todas as situaes.Bem, contemplemos o caso dos dinossauros. um fato que

    alguns deles pesavam at trinta e cinco toneladas, enquanto queoutros no eram maiores que um frango. Alguns dinossauros eramcarnvoros, enquanto outros eram herbvoros. Alguns viviam na ter-ra e outros viviam no mar. Algumas espcies chegaram a proliferar.Os dinossauros nham vivido durante sessenta milhes de anos e,

    entretanto, no restava mais nenhum. Qual era a causa do seu de-saparecimento, as doenas ou as mudanas atmosfricas? Tambmhavia a hiptese de mamferos parecidos com ratos que costuma-vam comer os ovos...

    Tudo aquilo era possvel. Entretanto, o certo que na verda-de ningum sabia concretamente o que havia acontecido com osdinossauros.

    Pobres dinossauros! Sessenta milhes de anos no deixa deser um longo tempo. Em troca, o homem nha permanecido nocenrio durante menos de trs milhes de anos; e esta durao erabem mais exagerada para denir o homem. O homem era um ani-

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    mal verdadeiramente jovem. Seu poder de resistncia no deixavade ser hipotco.

    Alex estava cansado de se atormentar sobre os dinossauros.Os mamferos eram muito mais interessantes e estavam muito mais

    perto de ns.A lista dos mamferos desaparecidos era longa e impressio-

    nante; da mesma forma, enigmca e desconcertante. Mesmo dei-xando de lado as espcies mais prematuras, a lista connuava sen-do muito substancial: o mastodonte, o mamute, o gre de dentesde sabre, o lobo mau, e centenas e centenas de mamferos... Todasas espcies de anlopes e de coelhos e de ratos e de castores e de

    bises. s vezes a pessoa se defrontava com umas peculiaridadesrealmente surpreendentes: os Bradypodidae, ou preguias que vi-viam na supercie da Terra, haviam desaparecido, enquanto queas preguias que viviam nas rvores connuavam vivas. Os cavalosdesapareciam no Novo mundo e, em troca, sobreviviam no VelhoMundo. Certas espcies de coelhos se exnguiam, enquanto queoutras espcies, pracamente idncas, oresciam.

    Aproximando-nos ainda mais da espcie humana, vale a penacontemplar os primatas: angamente, o primatas haviam constu-do uma ordem de mamferos to rica como variada. Os prossmios,os monos, s eram conhecidos, em sua grande maioria, a parr dosfsseis.

    Alguns, como o parapitecus, nham vivido por um longo tem-po. Em troca, algumas espcies de simios, como o gorila, nham

    vivido o bastante para serem fotografados e estudados. Muitos gru-pos e espcies de monos haviam conhecidos a luz do sol e ento...puf! Haviam desaparecido.

    Queimados pelo sol? Ningum sabia.Connuemos nos aproximando da espcie humana. Contem-

    plemos o surgimento e a evoluo do prprio homem: sua rvoregenealgica conta com um monte de ramos. O velho homem deNeanderthal era inteligente e cheio de invenva. Para onde foi? OSinantropus devia estar sasfeito consigo mesmo at que tambmdesapareceu. O Australopitecus e o Megantropus e todos os demaisnomes to diceis de se pronunciar, desapareceram como fsseis.

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    E o Homo Sapiens, o auto-coroado Rei do Mundo?No h dvida que deu uma arrancada impressionante. Viveu

    durante quase toda sua existncia como caador e coletor de frutassilvestres. No comeo os homens eram muito raros, mas foram se

    mulplicando. O homem chegou a povoar quase toda a Terra; che-gou at os desertos e os glaciares, povoou montanhas e planciese as ilhas tropicais. Com a inveno da agricultura, mulplicou-sevelozmente. A terra registrou uma verdadeira exploso demogr-ca, e o homem se transformou em um animal habitante de cidades.At chegar o dia em que o homem conseguiu fabricar sua primeirabomba atmica; muissimas geraes humanas nham vivido so-

    bre a Terra atravs de toda a histria conhecida e desconhecida.No princpio, a Terra albergou uma grande diversidade de cul-

    turas humanas. Colevamente, o homem era muito mais que umaideia e que uma srie de caracterscas biolgicas similares. Na rea-lidade, o homem havia sido o hopi e o cheyenne, asteca e ona, ma-sai e zul, polinsio e homem da selva e Arunta...

    Mais tarde, o homem havia mudado. A vida moderna, o modo

    de vida urbano, industrializado e especializado, foi muito mais po-deroso que tudo o mais. Enquanto alguns haviam se adaptado, ou-tros haviam desaparecido. O homem se internou nas cidades e ascidades salpicaram a Terra.

    O homem parecia onipotente. Havia at chegado s estrelas...E, no entanto, incrivelmente, inesperadamente, havia fracassado.

    Algo ruim havia acontecido; algo muito ruim havia acontecido

    sem dvida...No comeo, as coisas haviam transcorrido de um modo quase

    insignicante: as grandes famlias haviam desaparecido sem muitobarulho. Nesse tempo, enquanto que na frica e em outros pon-tos da Terra exisam homens que nham vinte lhos, com trs ouquatro mulheres, nas cidades civilizadas como eram chamadas, co-meou a ser normal o homem s ter dois lhos. Estupendo, tantomelhor para as crianas! Pois, como podia um homem mandar vin-te lhos para a escola? E assim, as escolas e o ensino foram durandovinte anos, depois vinte e cinco e logo trinta anos...

    Rapidamente, o fato de ter dois lhos foi se tornando raro.

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    Um garoto s bastava. J no havia tempo para dois lhos.Logo foi cada vez mais dicil ter, inclusive, um s lho. Os ca-

    samentos estreis j no eram coisa rara. Ento entraram em aoos campos da medicina e da biologia, mas os lhos no chegavam

    ao mundo...As cidades j no podiam se reproduzir. Por qual movo?Alex Norfolk chupou lentamente seu cachimbo e balanou a

    cabea, por que? Ningum o sabia. Tudo se reduzia a conjeturas. Asconjeturas no custavam nada, qualquer idiota podia fazer as suas.

    muito provvel que as guerras atmicas vessem contri-budo para a exno do ser humano ao matar milhes e milhes

    de homens e apagar tantas cidades da face da Terra. As explosesnucleares haviam deixado um acmulo de morferas radiaes eum monte de crianas estranhamente anormais. Mas aquilo haviaacontecido h muitos sculos. Os doutores no conseguiam encon-trar alguma coisa de ruim no Genus Homo.

    Os doutores armavam: Voc est muito bem, e o pacientedava meia volta e para to contente...

    As plulas para o controle da natalidade tambm haviam feitoseu papel, segundo armavam alguns cienstas. Haviam sido pro-duzidas massivamente e de uma s vez e a maioria das pessoashavia engolido um monte delas. E as plulas, apesar de todas aspiadas, haviam feito seu trabalho; e certo que trabalharam muitobem.

    Entre todas as teorias, desde as mais fantscas s mais fac-

    veis, Alex Norfolk inclinava-se para as mais sus. Exisa, segundoele, uma clara correlao entre a vida nas cidades e certos posde doenas, tais como as doenas cardacas, a lcera, a depressesnervosa e as alta tenso sangunea. Por lmo, inclusive o cncerpodia ser vinculado aos citados fatores.

    O modo de vida que o homem havia criado era rpido, ner-voso e tenso. Era uma cultura de alta presso, uma cultura da qualo homem havia fugido ocasionalmente, para permanecer so. E aesse respeito no havia soluo. O homem arrastava sua culturacom ele. O jogo se tornou mais frenco que a prpria obra...

    possvel que o homem fosse um indivduo de baixa presso.

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    O homem havia se evadido de um mundo de pequenas unidadessociais, um mundo agradvel e distante. Poderamos armar, inclu-sive, que era um mundo de cio, onde o caador passa mais temposentado ao redor da fogueira do que caando. Ento havia tempo

    para se contar histrias, tempo para danar, tempo para educar ascabeas ocas...

    A tenso pode ter afetado a ferlidade. A tenso pode terafetado as crianas. A tenso pode ter manietado to solidamenteo homem, que ele nunca conseguiu fugir dela.

    Seja como for - e ningum conhecia a resposta - o homemdeixou de procriar. Nasciam muito poucas crianas e, entre os que

    nasciam, raros eram os que chegavam idade adulta.As grandes cidades se contraram. Ento, j no abundavam.O homem, que havia coberto a Terra com sua sombra, havia

    se transformado novamente em um animal raro. Tornava-se cadavez mais escasso.

    Exisram formas de vida - por exemplo, a dos peixes (espciede molusco), - que pareciam virtualmente imortais. Mas o homem

    no era nenhum peixe.O homem enfrentava sua exno.Havia tentado de tudo para escapar dela: havia tentado che-

    gar a outros planetas, mas suas colnias no haviam sobrevivido.Os demais mundos do Sistema Solar no estavam adaptados paraa vida humana e o resto dos planetas e estrelas exteriores no po-diam ser alcanados. O homem estabeleceu comunidades utpicas

    sobre a Terra, ao mesmo tempo em que acontecia um xodo de-sesperado das cidades. O homem tentou voltar poca douradada vida natural... As comunidades utpicas no trabalhavam nun-ca; eram innitamente mais arciais que as cidades e as pessoassempre levavam suas culturas consigo. O granjeiro que havia vividona cidade durante quase toda sua existncia, que podia fazer nocampo...?

    Os especialistas em genca criavam crianas nos laborat-rios, a centenas e milhares. Selecionavam os embries, os melhora-vam; as crianas eram formosas, gordas e transbordantes de sade,mas no era possvel cri-los nos laboratrios, e quando eram en-

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    perar. Haveria tempo para contempl-los.Alex Norfolk voltou a encher seu cachimbo. Teria lhe ajudado

    sobremaneira poder falar com Earl Stuart. Este logo cumpriria suasentena. Se vesse podido lhe explicar as coisas...!

    As expedies eram mortais, eram fatais. Alguns dos meninosque nham sido raptados teriam podido sobreviver na Cidade, damesmo forma que o prprio Earl. Mas no o bastante para fazeruma diferena realmente importante. E para cada selvagem morto,para cada menino raptado, diminuiam as chances de sobrevivnciados selvagens.

    As expedies roubavam o futuro do homem.

    Mesmo que quisesse, o pessoal da Cidade no podia unir-seaos selvagens. Aquilo teria sido fantsco: uma horda de homenscivilizados correndo para as cavernas!

    O velho connuou com seus pensamentos: ambos deviamperecer. Talvez Earl Stuart no importasse. Ele era o que era. Masteria podido aliviar o esprito de Alex, rar um pouco do peso que oconstrangia. Mas aquilo era impossvel.

    Alex Norfolk se levantou, envolvendo-se em seu abrigo. Seutrabalho estava quase terminado. J era um ancio e Randall Wadeestava esperando para suced-lo frente do Instuto. O mais se-guro era que o cargo terminasse com Randy. Alex Norfolk encolheuos ombros. As coisas haviam deixado de incumbir-lhe. Tinha feito oque podia. Saiu do gabinete, dirigindo-se para a Cidade.

    O chefe da tribo de Lile River estava sentado em uma rocha,na meseta que se estendia por cima das escarpas onde se abriam ascavernas; o chefe estava tomando um banho de sol; sua perna es-querda havia sido angida por uma lasca de pedra durante a lmaincurso da expedio capitaneada por Earl Stuart. O chefe sabiaque o sol fazia bem para a perna ferida. Era de suma importnciapara o chefe da tribo caminhar sem manquejar. Pois ele sabia mui-to bem que se no connuasse forte e vigoroso, deixaria de ser ochefe. Os membros da sua tribo deixariam de escutar suas palavras,por muito sbias que fossem; escutariam a outro qualquer. E serianecessrio nomear um novo chefe.

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    O chefe nha do muita sorte, apesar de tudo. A tribo haviasofrido grandes perdas, mas as coisas poderiam ter sido muissi-mo pior. Houve um grande descontentamento entre sua gente, masfelizmente os cinco meninos haviam reaparecido. Ningum sabia

    como, mas ali estavam eles de novo...Aquilo era muito estranho; os cinco meninos haviam sido rap-

    tados pelos Homens Fortes. Haviam levado os meninos, o chefe -nha visto com seus prprios olhos. E ento, h poucos dias, numabela manh, os meninos nham voltado a aparecer. A tribo, des-pertada pelos gritos e pelo pranto dos meninos, havia sado dascavernas e os haviam encontrado ali mesmo.

    Tudo nha acontecido magicamente. Evidentemente, o chefeda tribo no entendia, mas no o nham nomeado chefe para queento se mostrasse estpido. Aquilo era to extraordinrio quantoproveitoso para sua inuncia como chefe, de forma que mais valiacar de boca fechada e no dizer nada.

    Se os espritos ancestrais haviam decidido ajud-lo, tanto me-lhor; ele tentaria aproveitar sua ajuda o melhor possvel. O chefe

    teria gostado muito que os espritos ancestrais no esvessem dor-mindo quando os raptores apareceram. Mas nem sempre fcil secomunicar com os espritos ancestrais...

    O mais dicil havia sido encontrar as mulheres capazes deamamentar os meninos recuperados. Contudo, no haveria leitesuciente para a totalidade dos meninos. No havia remdio, senocomerem alguns...

    O chefe da tribo deixou de pensar no problema. Ainda eracedo para tomar uma deciso taxava; de qualquer forma, o casono era to crucial. Logo nasceriam mais meninos; e alguns vive-riam, enquanto que outros morreriam. As coisas eram assim e nadamais.

    O chefe se levantou da rocha e foi para a borda do despenha-deiro. Do seu observatrio podia ver o que acontecia nas imedia-es das cavernas. O chefe deu um sorriso; seus sennelas estavamtodos em seus postos. Por muito que o sol zesse, no se moveriamdali. O chefe podia car tranquilo sobre isso. Enquanto a lembran-a do rapto permanecesse fresco nas suas mentes, permaneceriam

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    vigilantes. claro que depois de um certo tempo j no se preocu-pariam tanto. Ento o chefe teria que cuidar de tudo.

    No podia ordenar nada tribo; a nica coisa que podia fazer,em sua qualidade de chefe, era sugerir as coisas, mas se sua perna

    no se curasse, a situao ia car muito dicil...De repente, o chefe franziu o cenho. Algum parecia aproxi-

    mar-se do riacho que corria ao p das escarpas. No, no era ne-nhuma miragem, um homem avanava para as cavernas, sozinho.Os sennelas ainda no o nham avistado.

    O chefe da tribo estremeceu. Todos os caadores estavam emsuas cavernas; nenhuma outra tribo acampava naquela zona; ne-

    nhum membro da tribo de Lile River podia caminhar daquela ma-neira, solitrio e sem uma lana. Sem dvida era um dos HomensFortes.

    O chefe da tribo no hesitou; levando as mos boca a modode um megafone, lanou um grito de alarme para os sennelas.Agarrou sua lana e correu para a boca da galeria de emergnciasem se lembrar da sua perna ferida. O chefe sabia o que devia fazer.

    O Homem Forte estava sozinho. A tribo devia estar prepara-da.

    Alex Norfolk entrou no riacho e logo se deteve. Estava envoltoem seu abrigo e estava cansadssimo. O caminho, desde o pontoonde havia aterrissado o deslizador areo, nha sido mais penosodo que esperara. O sol queimava e a imensido do cu lhe dava

    vergens.A gua era morna e agradvel; lavou com sasfao o rosto

    suado. Na noite passada, quando voava a bordo do deslizador, es-teve pensando em sua existncia, losofando. Ento olhou para aabbada estrelada e senu-se reanimado. Pensou que havia maisde um caminho para chegar s estrelas.

    Naquele momento estava rendido; os olhos lhe doiam. Sabiaperfeitamente que o que estava fazendo era uma pura quixotada;mas tambm lhe ocorreu que uma das maiores diculdades huma-nas com que havia vindo tropeando era precisamente que o quixo-smo j no era to frequente entre os homens.

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    Mas no era hora de losofar. Aps muita reexo, Alex Nor-folk havia tomado sua deciso. S desejava que aquilo acabasselogo.

    Aps atravessar o riacho e trepar pela margem oposta, Alex

    Norfolk connuou caminhando, lenta mas resolutamente, por en-tre os altos capins. Em frente a ele podia divisar as bocas negras dascavernas nas escarpas.

    - Demnios! Onde tero se medo? Terei que subir at l emcima e bater na porta?

    Alex Norfolk connuou avanando; o corao batendo comfora. Onde estariam?

    Avanou um passo mais, e outro, e outro... Ali!Silenciosas como sombras, as cabeas dos selvagens iam as-

    somando ao redor dele, por cima dos altos capins. Mostravam osdentes, as lanas prontas... Podia ver os piolhos e os percevejos cor-rendo em suas sujas cabeleiras, podia cheirar o fedor ranoso dosseus corpos...

    Alex Norfolk se deteve de imediato, com os olhos muito aber-

    tos.Quase no notou quando as pontas de pederneira das lanas

    penetraram em sua carne.No se pode dizer que Alex Norfolk morrera feliz, mas sua

    morte foi muito mais proveitosa que a da maioria.