Centro do Idoso

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N o final dos anos 90 eu era deputado federal. Nessa condição, viajei à Itália para, entre outras coisas, conhecer a gestão dos sistemas de coleta, tratamento e destinação dos resíduos sólidos e dos esgotos de Modena. Uma empresa pública era responsável pelo moderno e eficiente serviço, que queimava o lixo para gerar energia e aproveitava as cinzas, numa mistura com cimento, para pavimentar ruas. Também era responsável pelo tratamento do esgoto pluvial e cloacal. Aproveitando, solicitei aos organizadores da agenda para conhecer um programa social executado no município. Fui levado a um clube de idosos, local em que dançavam, jogavam cartas e namoravam. Presenciei uma cena em que dois velhos e bons italianos, aos berros, na melhor tradição, discutiam. O bate-boca era uma disputa por uma senhora, também septuagenária, que mexera com os corações daqueles dois. Saí dali impressionado e convencido de que, se um dia viesse a governar Bagé, trataria de criar um espaço para atender aos nossos idosos. Uma vez eleito, encomendei à Secretaria de Planejamento a elaboração do projeto arquitetônico, pois tínhamos o terreno na esquina da João Telles com a Flores da Cunha, que o município havia recebido para pagamento de impostos que o proprietário devia à prefeitura. A tarefa ficou sob a responsabilidade da arquiteta Cristina Wayne Brito e do engenheiro Gustavo Barcellos Kalweit, que produziram um belo projeto. Tão belo que, em 2007, foi selecionado, junto com o projeto do novo Beira Rio, para representar o Rio Grande do Sul na 7ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, realizada em novembro daquele ano. Lá estavam os profissionais de Bagé mostrando ao mundo, juntamente com outros 125 trabalhos arquitetônicos, de vários países, o seu talento, a sua capacidade. Pronto o projeto, fomos atrás dos recursos. Pensamos num centro que funcionasse de forma transversal, com a interação de diversas secretarias. Além da assistência social, queríamos ações de saúde, de esporte, de lazer e culturais. Nosso foco era o bem- estar social dos cerca de 11 mil idosos que tínhamos à época em Bagé. Fomos a Brasília e lá descobrimos que não havia recursos específicos para uma iniciativa desse gênero num único ministério. Construímos, junto com o Márcio Pestana, coordenador de Captação de Recursos da prefeitura à época, uma “engenharia”. Buscaríamos apoio dos parlamentares da bancada petista no Congresso. Proporíamos que destinassem parte de suas emendas parlamentares para custear a obra, orçada em cerca de R$ 1 milhão. Nossa ideia seria construir um prédio como se fossem dois, já que, no papel, destinamos uma parte para a área da saúde e a outra para a assistência social. Com o trabalho incansável e competente do coordenador Pestana, obtivemos a parceria da então deputada Luciana Genro, que encaminhou sua emenda para o Ministério da Saúde, do senador Paulo Paim e dos deputados Adão Preto, Maria do Rosário e Tarcísio Zimerman, que endereçaram suas emendas ao Ministério do Desenvolvimento Social. A prefeitura deu uma contrapartida de 20%. Deu tudo certo, construímos o Centro do Idoso, que foi inaugurado pelo ministro Patrus Ananias, mineiro dos bons, que trouxe para Bagé uma energia muito boa. Uma historinha “ No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. Tinha uma O Centro do Idoso *Esse texto faz parte de Memórias de Um Tempo, uma série publicada no Jornal Minuano de Bagé, em que procurei resgatar fatos de nossa gestão de oito anos na Prefeitura Municipal.

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Page 1: Centro do Idoso

No final dos anos 90 eu era

d e p u t a d o f e d e ra l . N e s s a

condição, viajei à Itália para,

entre outras coisas, conhecer a gestão dos

sistemas de coleta, tratamento e destinação dos

resíduos sólidos e dos esgotos de Modena.

Uma empresa pública era responsável pelo

moderno e efic i en te

serviço, que queimava o

lixo para gerar energia e

aproveitava as cinzas,

n u m a m i s t u r a c o m

cimento, para pavimentar

r u a s . Ta m b é m e r a

r e s p o n s á v e l p e l o

tratamento do esgoto

p l u v i a l e c l o a c a l .

Aproveitando, solicitei aos

organizadores da agenda

p a r a c o n h e c e r u m

p r o g r a m a s o c i a l

executado no município.

Fui levado a um clube de idosos, local em

que dançavam, jogavam cartas e namoravam.

Presenciei uma cena em que dois velhos e bons

italianos, aos berros, na melhor tradição,

discutiam. O bate-boca era uma disputa por uma

senhora, também septuagenária, que mexera

com os corações daqueles dois. Saí dali

impressionado e convencido de que, se um dia

viesse a governar Bagé, trataria de criar um

espaço para atender aos nossos idosos.

Uma vez eleito, encomendei à Secretaria

de Planejamento a elaboração do projeto

arquitetônico, pois tínhamos o terreno na

esquina da João Telles com a Flores da Cunha,

que o município havia recebido para pagamento

de impostos que o proprietário devia à prefeitura.

A tarefa ficou sob a responsabilidade da arquiteta

Cristina Wayne Brito e do engenheiro Gustavo

Barcellos Kalweit, que produziram um belo

projeto. Tão belo que, em 2007, foi selecionado,

junto com o projeto do novo Beira Rio, para

representar o Rio Grande do Sul na 7ª Bienal

Internacional de Arquitetura de São Paulo,

realizada em novembro daquele ano. Lá estavam

os profissionais de Bagé mostrando ao mundo,

juntamente com outros 125 trabalhos

arquitetônicos, de vários países, o seu talento, a

sua capacidade.

Pronto o projeto, fomos atrás dos

recursos. Pensamos num centro que funcionasse

de forma transversal, com a interação de

diversas secretarias. Além da assistência social,

queríamos ações de saúde, de esporte, de lazer e

culturais. Nosso

foco era o bem-

estar social dos

cerca de 11 mil

i d o s o s q u e

tínhamos à época

em Bagé. Fomos a

B r a s í l i a e l á

descobrimos que

não havia recursos

específicos para

u m a i n i c i a t i v a

desse gênero num

único ministério.

Construímos, junto com o Márcio Pestana,

coordenador de Captação de Recursos da

prefeitura à época, uma “engenharia”.

Buscaríamos apoio dos parlamentares da

bancada petista no Congresso. Proporíamos que

des t i nassem par te de suas emendas

parlamentares para custear a obra, orçada em

cerca de R$ 1 milhão. Nossa ideia seria construir

um prédio como se fossem dois, já que, no papel,

destinamos uma parte para a área da saúde e a

outra para a assistência social. Com o trabalho

incansável e competente do coordenador

Pestana, obtivemos a parceria da então deputada

Luciana Genro, que encaminhou sua emenda

para o Ministério da Saúde, do senador Paulo

Paim e dos deputados Adão Preto, Maria do

Rosário e Tarcísio Zimerman, que endereçaram

suas emendas ao Ministério do Desenvolvimento

Social. A prefeitura deu uma contrapartida de

20%.

Deu tudo certo, construímos o Centro do

Idoso, que foi inaugurado pelo ministro Patrus

Ananias, mineiro dos bons, que trouxe para Bagé

uma energia muito boa.

Uma historinha

“ No meio do caminho tinha uma pedra.

Tinha uma pedra no meio do caminho. Tinha uma

O Centro do Idoso

*Esse texto faz parte de Memórias de Um Tempo, uma série publicada no Jornal Minuano de Bagé, em que procurei resgatar fatos de nossa gestão de oito anos na Prefeitura Municipal.

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pedra no caminho...”

O poema de Carlos Drumond de Andrade

dá uma dimensão de uma das dificuldades que

encontramos quando estávamos prontos para

começar a construir o Centro do Idoso. O meu

amigo, ex-goleiro do Bagé e artesão, Reni tinha

a sua oficina bem na esquina do terreno em que

ergueríamos a obra. Não poderia ficar ali.

Tentamos convencê-lo a mudar para uma casa

que havia dentro do próprio terreno, pela Flores

da Cunha, que depois encontraríamos um local

definitivo para ele se alojar. Ele não acreditou na

nossa palavra.

Procurou um advogado, conhecido na

cidade por que gostava de ajuizar ações contra o

PT. O profissional teria assegurado ao Reni que o

governo poderia “tirar o cavalo da chuva”, pois

ali não construiria nada e que o artesão ficasse

tranquilo, porque a ação já estava ganha.

Soubemos disso e montamos uma estratégia,

juntamente com o Gildázio Brum, nosso

procurador jurídico, e o Jerônimo de Oliveira

Júnior, nosso secretário de Obras.

Enquanto o advogado preparava a ação,

na primeira manhã depois que soubemos do que

estava acontecendo, mandamos para o local

uma equipe da secretaria de Obras que retirou a

oficina do Reni. Ao chegar para trabalhar, ele não

acreditou no que estava vendo. As máquinas de

terraplanagem já trabalhavam no local, dando

início à construção do Centro do Idoso.

Toda a vez que encontro o Reni, pergunto

a ele sobre esta história. Ele dá risada e

comenta: “que pisada na bola”.

O Centro do Idoso

*Esse texto faz parte de Memórias de Um Tempo, uma série publicada no Jornal Minuano de Bagé, em que procurei resgatar fatos de nossa gestão de oito anos na Prefeitura Municipal.

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Meu amigo Reni, ex-goleiro do Bagé e artesão, tinha a sua o fi c i n a b e m n a esquina do terreno em que ergueríamos a obra. Não poderia ficar ali.