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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE – FaC CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
MAYARA LUZIA DAMASCENO DE PAIVA
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER IDOSA NO ÂMBITO INTRAFAMILIAR
FORTALEZA 2014.1
MAYARA LUZIA DAMASCENO DE PAIVA
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER IDOSA NO ÂMBITO INTRAFAMILIAR
Monografia submetida à aprovação do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Cearense – FaC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Ms. Priscila Nottingham de Lima
FORTALEZA 2014.1
MAYARA LUZIA DAMASCENO DE PAIVA
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER IDOSA NO ÂMBITO INTRAFAMILIAR
Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelas professoras Priscila Nottingham de Lima, Mariana de Albuquerque Dias Aderaldo e Virzângela Paula Sandy. Data de aprovação: ____/____/___________
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________ Prof.ª Ms. Priscila Nottingham de Lima
(Orientadora)
____________________________________________ Prof.ª Ms. Mariana de Albuquerque Dias Aderaldo
____________________________________________ Prof.ª Ms. Virzângela Paula Sandy
Dedico esse trabalho à pessoa que mais amo nesse mundo, minha mãe. Mulher guerreira e de fibra, que sempre esteve do meu lado, incentivando os meus sonhos. Te amo!
AGRADECIMENTOS
A Jeová Deus e ao seu Filho Jesus, amigos sempre presentes, sem os
quais nada teria feito.
À minha família, pelo apoio e por terem me acalmado nos momentos
aflitivos.
Aos amigos, Adriana de Oliveira, Alfredo, Jéssica Martins, Jamily Ramos,
Mariana Campos, Marianne Barros, Marianne de Sales, Natália Lopes, Weliton
Martins pelo carinho e companheirismo.
Aos meus colegas de classe e demais formandos pelos momentos que
passamos juntos.
À Assistente Social, Kelly Cunha, a Psicóloga, Ticiana Pinheiro, a
Pedagoga, Regislene Gomes, e a toda equipe do CRAS (local no qual estagiei) pela
aprendizagem constante.
Às mulheres, que participaram das entrevistas, que com seus relatos me
possibilitaram a reflexão e a ampliação do conhecimento sobre a temática.
À orientadora Priscila Nottingham de Lima, que me acompanhou na
construção desse trabalho.
À banca examinadora que prontamente aceitou o convite.
À Faculdade Cearense e a todos os funcionários, em especial às
funcionárias da Biblioteca, as quais me ajudaram a pesquisar os livros.
Aos professores da Faculdade Cearense, pelo ensino de excelência.
A todos o meu muito obrigado!
“Desejo que você, sendo jovem, não amadureça depressa demais e, sendo maduro, não insista em rejuvenescer; e, que, sendo velho, não se dedique ao desespero. Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso que eles escorram entre nós.”
(Victor Hugo)
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo principal analisar a percepção das mulheres idosas integrantes do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos sobre a violência psicológica, buscando identificar se elas sofrem e/ou sofreram violência psicológica no âmbito intrafamiliar, bem como detectar como as mulheres se posicionam diante dessa violência. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, no qual participaram 07 mulheres, identificadas principalmente sob o critério de assiduidade no SCFV, durante os meses de janeiro a março. Na pesquisa de campo, as técnicas e os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram a entrevista semiestruturada, observação simples, diário de campo, roteiro de entrevista, com o emprego do gravador seguido dos procedimentos éticos através do termo de consentimento livre e esclarecido. Os dados provenientes da entrevista semiestruturada demonstraram que a violência psicológica é um fenômeno desconhecido por grande parte das entrevistadas, embora estas últimas tenham vivenciado essa violência em algum estágio da vida, inclusive na velhice.
Palavras – Chave: Velhice. Gênero. Violência Psicológica contra a Mulher.
ABSTRACT
This course conclusion work aims to analyze the perception of the elderly women
members of the Service Coexistence and Strengthening Linkages on psychological.
It violence is a qualitative study in which seven women participated, identified mainly
in the criterion service in attendance during the months from January to March. In the
field research, the techniques and instruments used for data collection were semi-
structured interview, simple observation, field diary, interview script, with the use of
the recorder followed ethical procedures through the term of free and informed
consent. Data from semi-structured interviews showed that psychological violence is
an unknown phenomenon for most of the interviews, although these have
experienced such violence at some stage of life, even in old age.
Keywords: Old age. Genre. Psychological Violence against Women.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Porcentagem (%) de Homens/Mulheres que frequentaram o SCFVI no
período de Janeiro/Março....................................................................... 20
Gráfico 2 - Participação das mulheres nos encontros realizados durante os meses
de Janeiro/Março. ................................................................................... 20
Gráfico 3 - Estado Civil das Mulheres Idosas/(%) .................................................... 25
Gráfico 4 - Faixa Etária das Mulheres Idosas/(%) .................................................... 26
Gráfico 5 - Escolaridade das Mulheres Idosas/(%) .................................................. 26
Gráfico 6 - Composição Familiar das Mulheres Idosas/(%)...................................... 27
Gráfico 7 - Benefício/Renda das Mulheres Idosas/(%) ............................................. 27
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONU – Organização Mundial das Nações Unidas
PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
SCFV – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
SCFVI – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Pessoas Idosas
SEMAS – Secretaria Municipal de Saúde
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
1 PERCURSO TEÓRICO METODOLÓGICO ........................................................... 15
1.1 O Encontro ou “Reencontro” com o Objeto? ................................................. 15
1.2 Trajetória da pesquisa de campo ..................................................................... 17
1.2.1 A abordagem e os procedimentos utilizados na pesquisa ................................ 22
1.3 Perfil das Mulheres Idosas ............................................................................... 25
2 A VIVÊNCIA FEMININA NA VELHICE .................................................................. 28
2.1 Um Breve Posicionamento Teórico Sobre a Velhice...................................... 28
2.2 Feminização da Velhice .................................................................................... 32
3 GÊNERO E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER IDOSA........................................ 38
3.1 Gênero e Velhice ............................................................................................... 38
3.2 Violência Contra a Mulher Idosa e suas Expressões ..................................... 41
3.2.1 Violência psicológica: marcas invisíveis ........................................................... 45
4 MULHERES IDOSAS: SUAS PERCEPÇÕES, POSICIONAMENTOS E SEUS
PERCURSOS ....................................................................................................... 47
4.1 O Significado de Violência: “É Uma Coisa Muito Grave” .............................. 47
4.2 Violência Psicológica e Relações Familiares: “Ofendia, Chamava de Nome
‘Fei’, Nome ‘Fei’ Desagradável” ....................................................................... 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 57
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59
APÊNDICES ............................................................................................................. 63
ANEXOS ................................................................................................................... 67
12
INTRODUÇÃO
Os países do mundo, como Estados Unidos, Canadá, inclusive Brasil, em
que até então predominavam uma população jovem e madura, estão se
transformando, por condições adversas (declínio da fecundação, da mortalidade
infantil, do acréscimo da longevidade), em sociedades cada vez mais envelhecidas.
(MELO et al., 2009).
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), nos países em
desenvolvimento, a proporção de idosos vem crescendo em um ritmo significativo e
acelerado. Estima-se que, em 2025, o Brasil alcance o sexto lugar entre os países
com maior número dessa população, com uma perspectiva de aproximadamente
31,3 milhões de idosos (OHANA; RIBEIRO, 2008).
No Brasil, esse acréscimo de idosos tem sido acompanhado por um
aumento expressivo dos anos de vida. A esperança de vida, que era em torno de
33,7 anos em 1950/1955, passou para 50,99 em 1990. Em 1995 chegou a 66,25 e
deverá alcançar 77,08 em 2020/2025 (MELO et al., 2009).
Com o aumento da expectativa de vida, modifica-se também o perfil da
população. Estatísticas brasileiras e mundiais destacam uma predominância
feminina nos segmentos mais velhos. Os dados do Censo 2000 e da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) declaram que a dominação numérica das mulheres idosas em
relação aos homens idosos é fruto do “resultado da mortalidade diferenciada por
gênero”, sendo esse fenômeno denominado pelos geriatras e gerontólogos como:
feminização da velhice.
Entretanto, as mulheres idosas por serem mais longevas, mas ao mesmo
tempo mais frágeis em termos biológicos, apresentam maiores riscos de ficarem
expostas ao abandono, à solidão, à discriminação e à violência do que os homens,
sobretudo nos segmentos mais vulneráveis (NERI, 2007).
Em relação à violência cometida contra a mulher idosa, Godim (2010)
assevera que esse fato é complexo, pois não há uma opinião formada entre os
pesquisadores de como surgiu essa violência. Para alguns estudiosos as questões
culturais e socioeconômicas são a causa desse fenômeno, outros apontam a falta de
paciência quanto aos cuidados da saúde dos(as) idosos(as). Esses fatores
13
compõem o retrato da violência contemporânea que envolve o cenário social e
familiar.
No seio familiar, as idosas podem vivenciar vários tipos de violência:
abuso físico, psicológico, sexual, financeiro, abandono, negligência. Essas formas
de violência não se produzem isoladamente, mas fazem parte de uma sequência
crescente de episódios, podendo se manifestar de inúmeras formas e com diferentes
graus de intensidade, sendo geralmente perpetrada pelos filhos.
Dentre as violências situadas, tomaremos como foco a violência
psicológica, a qual nas palavras de Minayo (2005) se expressa por meio de
agressões verbais ou gestuais com a intenção de aterrorizar, humilhar, privar a
liberdade ou até isolar a pessoa do convívio social.
Silva et al. (2007) assinala a importância de se identificar a violência
psicológica no interior das relações familiares pelo fato de esta progredir sutilmente,
deixando marcas em todos os envolvidos. No entanto, a autora aponta a dificuldade
na identificação dessa violência, em razão de esta aparecer diluída em atitudes
aparentemente não relacionadas ao conceito de violência.
O interesse de investigar e compreender esse fenômeno partiu de uma
questão pessoal alimentada pelas experiências como acadêmica e estagiária de
Serviço Social no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), na qual
tivemos a chance de acompanhar, juntamente com a supervisora de campo, o
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Pessoas Idosas (SCFVI)
prestado pelo equipamento. Nesse serviço, conhecemos parcialmente a história de
vida de algumas mulheres idosas e nos momentos que passamos juntos, pudemos
identificar alguns casos de violência vivenciados por elas em diferentes estágios da
vida.
Partindo dessas considerações, objetiva-se, no âmbito deste estudo,
analisar a percepção de 7 mulheres idosas, com idade igual ou superior a 60 anos e
inscritas no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) sobre
violência psicológica. Objetiva-se ainda de forma específica identificar se elas
sofrem e/ou sofreram violência psicológica no âmbito intrafamiliar; detectar como as
idosas se posicionam diante dessa violência, bem como traçar o perfil geral das
mulheres idosas.
A presente pesquisa encontra-se estruturada em quatros capítulos, os
quais estão distribuídos da seguinte maneira: Percurso Teórico Metodológico; A
14
Vivência Feminina na Velhice; Gênero e Violência contra a Mulher Idosa e Mulher
Idosa: Suas Percepções, Posicionamentos e seus Percursos.
O primeiro capítulo trata do caminho percorrido pelo pesquisador na
concretização dos objetivos. Nessa fase, conta-se com auxílio de Pinheiro (2012),
como fonte inspiradora para contar o encontro com o objeto. Discorremos sobre o
lócus da pesquisa, situamos a abordagem e procedimentos utilizados na pesquisa
de campo e traçamos o perfil geral dos sujeitos da pesquisa.
O capítulo dois busca compreender a velhice por meio de distintas
perspectivas teóricas. Sobre esse assunto, foram imprescindíveis os estudos de
Beauvoir (1990), Goldman (2009), Messy (1999), Irigaray e Schneider (2008),
Mercadante (2003), dentre outros. Considera também a questão da feminização da
velhice, com o intuito de identificar os fatores que influenciam o acréscimo numérico
de mulheres na velhice.
O terceiro capítulo faz considerações sobre a categoria gênero,
intercalando com os estudos de Motta (1999) e Pereira (2005) sobre velhice.
Apresenta brevemente as relações hierárquicas de gênero e os papeis desiguais
atribuídos socialmente ao homem e a mulher que transcorre no tempo. O segundo
tópico desse capítulo fala sobre a violência contra a mulher idosa, primordialmente a
violência psicológica.
O quarto capítulo trata da análise de discurso das entrevistadas, a fim de
apreender pelas falas a percepção das mulheres idosas sobre a violência
psicológica; além de cumprir com os objetivos específicos mencionados acima.
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1 PERCURSO TEÓRICO METODOLÓGICO
1.1 O Encontro ou “Reencontro” com o Objeto?1
Na minha infância, presenciei cenas “aterrorizantes” para meus olhos
infantis. Quando meu progenitor agredia verbalmente a mulher que eu mais amo,
sentia uma mistura de medo, raiva, dor, indignação, pois, mais do que a dor física,
as palavras machucavam; mais do que uma cicatriz, as ofensas verbais deixaram
marcas invisíveis tanto nela, quanto em mim.
De alguma forma, na minha trajetória acadêmica, pesquisei,
primordialmente, a violência cometida contra a mulher. Será mera coincidência? Ou
uma forma inconsciente de enfrentar aquele ‘monstro’? Dentre os trabalhos
produzidos na academia, dois marcaram o meu interesse pela temática.
O primeiro refere-se a um trabalho de campo, para compor avaliação da
disciplina de Fundamentos do Serviço Social I, realizado no Centro de Referência da
Mulher Maria Augusta de Lima Paiva, no município de Maranguape. Ao visitar esta
instituição, tive a oportunidade de conhecer os propósitos do local e o trabalho
realizado pelos profissionais que integram a equipe básica do Centro, no caso,
assistente social, psicólogo e advogado. Com base no que foi repassado pelos
profissionais do Centro, no primeiro semestre de 2011, o município apresentava um
número considerável de casos de violência contra a mulher, e o combate a esta
violência era (e continua sendo) desestimulador, pois no município não há uma
delegacia direcionada para a defesa da mulher.
O segundo trabalho ocorreu por meio de uma entrevista – requisitada pela
disciplina de Oficina I – realizada com a Sr.ª Maria2, moradora do bairro de
Sapupara, que sofria agressões físicas e psicológicas por parte de seu marido
(atualmente ex-marido). Com base no depoimento desta mulher, pude quebrar
inúmeros preconceitos que giravam e, ainda giram, em torno desse assunto.
Contudo, no decorrer dos semestres, especificamente, no período do
estágio I até a metade do II, incertezas ‘sobrevoavam’ à minha mente a respeito do
objeto de pesquisa, do local onde pretendia pesquisar, entre outras coisas. E estas
dúvidas surgiram no início das aulas de estágio. Os próprios professores relatavam
1 Somente nesse tópico utilizaremos a primeira pessoa do singular. 2 Nome fictício.
16
que muitos estudantes ao começarem os seus estágios mudavam o seu tema,
buscavam pesquisar algo que estava próximo deles. Então, pensei: Será que isso
vai acontecer comigo? Não quero mudar de temática. Mas tudo se encaminhava
para isso.
No estágio supervisionado III, no Centro de Referência da Assistência
Social (CRAS), tive a oportunidade de participar dos serviços prestados pelo
equipamento, dentre eles, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
para Pessoas Idosas (SCFVI). Nos encontros, passei a anotar o que observava, no
diário de campo, com o intuito de decifrar as posturas, gestos, falas de cada
integrante, principalmente das mulheres idosas. Elas eram as que mais revelavam
seus sentimentos, com lágrimas nos olhos contavam as suas histórias de vida.
Nestas vivências, imaginava que elas necessitavam somente de alguém
que as escutasse e, principalmente, que lhes desse atenção. Assim, fui cada vez
mais me envolvendo com aquelas mulheres, aparentemente ‘frágeis’, como um vaso
de cristal, mas que demonstravam ser fortes diante das adversidades da vida. E
como não se envolver? Pinheiro (2012) exprime esse sentimento em relação a sua
aproximação com as mulheres da Casa do Caminho ou como a mesma refere,
constantemente, as sobreviventes, ao indagar:
[…] Como não estar envolvida com as sobreviventes, observando gestos, modo de fala (no início quase inaudíveis), corpos curvados, fragilizados pela violência, na desesperança/esperança de solução dos problemas? Como não ser afetada por afetos e desafetos sussurrados, entre confissões inconfessáveis, na sala de direção, onde me sento a ouvi-las? Em nenhum momento, o fato de ser supervisora do Abrigo impossibilita-me de questionar, indagar ou duvidar da significância da Casa para a transformação das mulheres. Pelo contrário, sempre acreditei que a posição de afastamento/aproximação facilita o entendimento da violência contra a
mulher e evita sua naturalização (PINHEIRO, 2012, p. 31).
Diante do relato de Pinheiro (2012), o desejo de investigar o familiar
torna-se maior do que qualquer risco que possa ocorrer. Quero ouvir essas
mulheres, contar suas histórias. E mais do que isto, desvelar a violência que as
idosas enfrentam no seio familiar, primordialmente a violência psicológica, porque,
em muitos dos casos, as idosas acabam sendo desvalorizadas e humilhadas pelo
fato de apenas serem mulheres e velhas.
Ao iniciar a pesquisa bibliográfica, entretanto, surpreendo-me por existir
poucas obras disponíveis, na internet e/ou bibliotecas, sobre essa temática; o
17
máximo que encontrei foram simpósios, seminários e alguns artigos que discutem
parcialmente o assunto. Mesmo com essa dificuldade, insisto em compreender esse
fenômeno.
Feitos esses esclarecimentos, delineio o objetivo do estudo: analisar a
percepção das mulheres do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
para Pessoas Idosas (SCFVI) sobre violência psicológica, buscando identificar se
elas sofrem e/ou sofreram violência psicológica no âmbito intrafamiliar, bem como
detectar como as mulheres se posicionam diante dessa violência. Ainda vislumbrei
traçar o perfil das mulheres idosas, a fim de conhecer as condições
socioeconômicas dessas mulheres.
1.2 Trajetória da pesquisa de campo
A pesquisa de campo tem como lócus o Centro de Referência de
Assistência Social, situado na cidade de Maranguape, no bairro de Sapupara. A
unidade conta com uma equipe de 21 profissionais, distribuído por duas assistentes
sociais, uma psicóloga; duas pedagogas; sendo que uma é a coordenadora; dois
apoios administrativos; um manipulador de alimentos; um serviços gerais; dois
vigilantes; um motorista; dois orientadores sociais para os Serviços de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos, um agente social e duas estagiárias do curso de Serviço
Social, além de quatro funcionários do Cadastro Único.
O CRAS assume a missão de funcionar como uma unidade pública
estatal descentralizada da política de assistência social, que executa serviços de
Proteção Social Básica, organiza e coordena a rede de serviços socioassistenciais
locais, gerida pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS); selando o objetivo
de prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidades sociais no distrito de
Sapupara e adjacentes, por meio do desenvolvimento de aquisições e
potencialidades, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, e da
ampliação do acesso aos direitos de cidadania (BRASIL, 2005).
A implantação do CRAS é uma estratégia de descentralização e
hierarquização de serviços de assistência social, sendo, portanto, um elemento
essencial do processo de planejamento territorial e da política de assistência social
do município. Nessa perspectiva, deve-se prever a gradual cobertura, de todos os
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territórios vulneráveis existentes e reconhecidos no Plano Municipal, com o Centro
de Referência de Assistência Social (BRASIL, 2005).
O CRAS também desenvolve atividades como: Serviço de Proteção e
Atendimento Integral à Família (PAIF), Mobilização para as turmas do Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e os Serviços de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) para crianças, adolescentes e
idosos (BRASIL, 2005).
Dentre esses serviços, propusemo-nos a pesquisar as mulheres idosas
do SCFV. Este serviço tem como foco desenvolver atividades que possam contribuir
para um processo de envelhecimento saudável, ativo e autônomo, no
desenvolvimento de sociabilidade, no fortalecimento de vínculos familiares e
comunitário e na prevenção de casos de risco. Mas quando identificado qualquer
caso de violência, os profissionais do CRAS prontamente fazem o encaminhamento
para as unidades que tratam de violação de direito. Além disso, os técnicos orientam
os usuários e continuam acompanhando as famílias, com o intuito de propiciar
vivências em grupo que valorizem e estimulem as experiências de vida dos idosos e
potencializem a condição de escolher e decidir (BRASIL, 2009).
No dia 05 de março de 2014, tivemos o primeiro contato com a instituição
como pesquisador. Ao descer do ônibus de imediato visualizamos o amplo espaço,
com 08 janelões brancos, sendo 06 para o lado esquerdo e 02 para o direito. A
frente possui um muro baixo, rodeado de arame farpado, com o nome do CRAS
escrito em letras garrafais. O portão de entrada é de cor azul e, do lado do prédio há
um pátio espaçoso, utilizado pelos orientadores sociais para as atividades
recreativas com as crianças e adolescentes do SCFV. O espaço também é
esporadicamente aproveitado para eventos e campanhas de saúde promovidas
pelas Agentes Comunitárias de Saúde (ACS), demonstrando a parceria existente
entre a assistência com outras redes de apoio.
Antes de entrarmos nas instalações do equipamento passamos primeiro
por um jardim repleto de flores (rosas brancas, vermelhas), as quais foram plantadas
pelas idosas do SCFVI, mais à frente nos deparamos com um outro portão, porém
de espessura maior e, uma porta para manter a segurança do local3.
3 No momento da visita os portões estavam abertos.
19
Do lado direito da porta de entrada há uma mesa de madeira com
algumas pastas, nessa sala fica a agente administrativa. Na parede, há um mural
com os informativos, relativos ao Bolsa Família, Passe do Idoso, BPC, etc. Em frente
à recepção está a sala das técnicas, do PAIF e do atendimento com os usuários;
respectivamente. No final do corredor, há o auditório, – ambiente bem amplo e
arejado – a sala dos SCFV, e o Cadastro Único. Indo um pouco mais à direita
localiza-se o bebedouro e os banheiros masculino e feminino, ao lado do
almoxarifado e da cozinha.
Nesse mesmo dia, conversamos com a coordenada do CRAS, com o
objetivo de receber permissão para realizar a pesquisa de campo neste
equipamento. Para tanto, apresentamos o termo de consentimento o qual ela, após
lê-lo, assinou.
Diante disso, iniciamos a nossa análise verificando as folhas de
frequência e os cadastros do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
para Pessoas Idosas (SCFVI). Mas, antes de manusear os documentos, pedimos a
autorização da coordenadora para realizarmos tal procedimento. Válido esclarecer
que tais documentos foram verificados na própria instituição, com os devidos
cuidados para preservá-los.
Os cadastros e as folhas de frequências encontravam-se na sala das
técnicas em um armário cinza fechado com um cadeado, arquivados em pastas
pretas juntamente com outras documentações, na prateleira do meio. Esses
cadastros contêm dados sobre os idosos, e são preenchidos no momento da
inclusão dos idosos no SCFVI. As informações contidas nesse documento
correspondem à faixa etária, escolaridade, ocupação, composição familiar,
benefícios, estado civil. Essas informações auxiliaram na elaboração do perfil das
mulheres entrevistadas que será apresentado na última seção desse capítulo.
Referente às folhas de frequência, verificamos a quantidade de idosos
que participaram do SCFVI no período de Janeiro a Março de 2014, marco temporal
para esta investigação. O Serviço de Convivência contou com a participação de 18
idosos nesse período, número que corresponde ao de cadastros analisados.
Para melhor compreensão, elaboramos o Gráfico 1, que sistematiza a
porcentagem de participantes por sexo.
20
Gráfico 1 - Porcentagem (%) de Homens/Mulheres que frequentaram o SCFVI no período de Janeiro/Março
Fonte: PAIVA, M.L.D. Maranguape, 2014.
A partir desse universo de 18 idosos, selecionamos parcialmente a
amostra correspondente a 16 (89%) idosas. Afinal, a pesquisa é voltada para esses
sujeitos. Então, nada mais justo do que ouvir as próprias idosas, suas histórias de
vida, seus posicionamentos e suas percepções sobre o fenômeno da violência,
principalmente a violência psicológica.
Posteriormente, realizamos um novo recorte, sob o critério de participação
no Serviço de Convivência por mais de duas vezes, correspondente a no mínimo 03
encontros, no total de 05, realizados durante os meses de Janeiro à Março.
Na tentativa de identificar as mulheres que corresponderiam a esse
critério, elaboramos o Gráfico 2.
Gráfico 2 - Participação das mulheres nos encontros realizados durante os meses de Janeiro/Março.
Fonte: PAIVA, M.L.D. Maranguape, 2014.
Como demonstrado neste último gráfico, das 16 integrantes do SCFVI,
50% participaram apenas uma vez; 6% frequentou dois encontros e 44% de
mulheres atingiram o critério pré-estabelecido, no caso, participaram mais de duas
vezes no SCFVI.
21
Cruzando os dois critérios, chegamos a um número exato de 07
participantes do sexo feminino, que frequentaram o Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos por mais de duas vezes. Com tais dados nas mãos,
prontamente começamos a colher as informações necessárias para realizarmos as
entrevistas com as idosas.
No dia 14 de março, voltamos ao CRAS, por volta das 13h30, para nos
apresentar as idosas do SCFV e informá-las sobre a realização dessa pesquisa. Os
encontros do Serviço de Convivência, segundo a Assistente Social, Kelly Cunha4,
acontecem quinzenalmente, às sextas-feiras em uma sala do CRAS, reservada para
os SCFV.
A técnica de referência sugeriu que entrevistássemos algumas idosas nas
suas próprias residências, para ser um momento mais íntimo, de conversa, escuta e
revelações. A técnica foi bem atenciosa, demonstrando interesse em colaborar com
a pesquisa.
Dadas 14 horas, as idosas começavam a chegar uma por uma e se
acomodavam nas cadeiras de madeira que estavam organizadas no formato de
círculo na sala do Serviço de Convivência. Nessa sala, havia uma televisão em cima
de um birô antigo e dois armários cinzas, um contendo papeladas e o outro materiais
de pintura, caneta, giz etc.
Ao término do encontro, falamos com aquelas que preenchiam os critérios
elencados sobre a possibilidade de participar nesse estudo, explicando com devido
cuidado que a participação delas seria voluntária e que a qualquer momento durante
a entrevista elas teriam o direito de desistir, tendo absoluta liberdade de fazê-lo.
Seguindo a sugestão da técnica de referência, perguntamos algumas idosas se
poderíamos entrevistá-las em suas casas, elas abriram um grande sorriso no rosto e
responderam: “sim, as portas da minha casa estão abertas”; “você pode ir”; “será
bem-vinda”.
Antes de iniciar as entrevistas, buscamos adquirir a confiança das
participantes para que pudessem expressar seus pensamentos e contar suas
histórias no decorrer da entrevista. Para isso, lemos o termo de consentimento livre
e esclarecido, garantindo que a identidade delas seria preservada e que todas as
informações que permitiriam reconhecê-las seriam omitidas.
4 Técnica de Referência do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Pessoas
Idosas.
22
As entrevistas duraram em média 25 minutos. Em sua maioria
aconteceram na sala do SCFV do CRAS; e três ocorreram na própria residência das
entrevistadas mediante consentimento das mesmas.
Em um caso, tentamos inúmeras vezes entrar em contato com a idosa,
mas sempre que ligávamos para sua residência quem atendia era sua filha nos
informando que sua mãe havia saído. Diante dessa dificuldade, decidimos aguardar
o próximo encontro do SCFV para então entrevistá-la. Contudo, para a nossa
surpresa, a idosa apareceu no CRAS nos procurando para entrevistá-la e mesmo
não estando com o roteiro de entrevista nas mãos realizamos a entrevista, afinal não
poderíamos desmerecer o interesse da idosa de contribuir para a pesquisa.
Nas entrevistas, mais ouvimos e observamos do que falamos. Como
Pinheiro (2012), empregamos a técnica da “escutatória” (oposta da oratória). Assim,
para escutar as verdades das idosas, nos silenciamos. Cada depoimento tinha sua
peculiaridade, em alguns o tom era de mágoa, em outros de risadas constantes e
que não dizer de revelações. Em uma entrevista, a idosa ao falar de sua família seus
olhos se encheram de lágrimas, nesse momento a única reação que nos veio foi
segurar a sua mão, na tentativa de consolá-la, pois a mágoa transparecia na sua
fala como a única coisa que restasse para lembrar-se da existência de seus
familiares.
Diante de tantos relatos, utilizamos instrumentos e técnicas que
pudessem auxiliar na análise dos depoimentos, para tanto, descreveremos adiante a
abordagem e os procedimentos usados nessa pesquisa.
1.2.1 A abordagem e os procedimentos utilizados na pesquisa
Este trabalho tem por natureza a abordagem qualitativa. Minayo (1998)
esclarece que a pesquisa qualitativa aprofunda-se no universo de crenças,
significados, valores das ações humanas o que corresponde a um ambiente de
relações mais intensas dos processos e fenômenos que não podem ser perceptíveis
em equações e estáticas.
Para Queiroz et al. (2007, p. 276): “[...] a pesquisa qualitativa tem como
foco de estudo o processo vivenciado pelos sujeitos. Assim, as investigações
23
qualitativas crescem em número, […] capaz de responder à necessidade de
compreender em profundidade alguns fenômenos […].”
A escolha por essa abordagem deve-se à necessidade de compreender
os significados subjetivos das ações e relações humanas, sejam grupais, sejam
individuais, as quais se deparam com a realidade social. No que diz respeito à
realidade social, Minayo (1998) descreve:
[…] a realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante. Essa mesma realidade é mais rica que qualquer teoria, qualquer pensamento e qualquer discurso que possamos elaborar sobre ela […] (MINAYO,1998, p.15).
É nessa realidade que o pesquisador ousa investigar, decifrar significados
imperceptíveis nos olhos de leigos. Dessa forma, o pesquisador se insere num
campo de relações de forças, de luta política; neste campo, como designa Bourdieu
(1983, p. 01), “enquanto [campo científico], [produz um] sistema de relações
objetivas entre posições adquiridas, é o lugar, o espaço de jogo de uma luta
concorrencial […].”
Para tanto, nesta pesquisa, utilizamos a pesquisa de campo, subsidiada
por pesquisa bibliográfica e documental para investigar e compreender o fenômeno
da violência psicológica, na percepção das mulheres idosas do SCFVI. Na pesquisa
de campo, as técnicas implementadas para a coleta de dados foram:
entrevistas/semiestruturada, observação simples. Contando com o auxílio de fontes
secundárias, tais como: censos, estatísticas, etc.; e os documentos do SCFVI, como
cadastros de identificação e as folhas de frequência.
Segundo Gil (2011, p.50), “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir
de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos [...]
permitindo ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos [...]”. Dessa
forma, na coleta de material bibliográfico, programamos obras de referência,
utilizando os seguintes descritores: idoso – velhice, gênero, violência – psicológica.
Autores como: Gondim (2010), Bourdieu (1983), Melo et al. (2009), Minayo (1998;
2005), Pinheiro (2012), dentre outros, estão presentes neste trabalho. Após o
levantamento bibliográfico, foram realizadas leituras, fichamentos, análises e
seleção de dados de acordo com o tema escolhido, no caso violência psicológica
contra a mulher idosa.
24
A entrevista, aplicada como técnica nesta pesquisa pode ser definida “[…]
como um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o
entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o
entrevistado […]” (HAGUETTE, 2005, p.86). Portanto, na entrevista, obtivemos
informações mediante o relacionamento com os valores, as atitudes e as opiniões
dos sujeitos entrevistados.
Pela entrevista semiestrutura, estabelecemos um diálogo com as
entrevistadas, com roteiro prévio, contendo perguntas chaves que estão centradas
no assunto da pesquisa, “[...] complementadas por outras questões inerentes às
circunstâncias momentâneas da entrevista, […], [podendo também] emergir
informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma
padronização de alternativas” (MANZINI, 1990/1991, p. 154).
Na análise dos dados, utilizamos a técnica de saturação para validar a
seleção intencionalmente determinada “[…] em relação a uma dada variável numa
análise de correlação entre esse fator e um conjunto de variáveis aleatórias” as
quais se repetem, embora sejam diferentes as trajetórias” (ROBERTO, 2009, p. 20).
Vale ressaltar que o nome das entrevistadas foi preservado; substituído
por nomes de mulheres que sofreram violência (psicológica, física, dentre outras),
entre os séculos XX e XXI, e que se tornaram personagens da obra de Lage e Nader
(2012), intitulada Da Legitimação à Condenação Social, “que revela as motivações e
justificativas para a violência, os valores em jogo e as opiniões predominantes em
cada contexto e época histórica” (LAGE; NADER, 2012, p. 290).
No que concerne à observação simples, compreende-se por aquela em
que o pesquisador, observa espontaneamente a comunidade, grupo ou situação em
que almeja estudar. Tal observação vai além de uma simples constatação dos fatos,
pois integra o plano científico, conferindo um controle e sistematização do processo
de análise e interpretação dos dados coletados do campo (GIL, 2011).
Em relação aos instrumentos da pesquisa, utilizamos: diário de campo,
roteiro de entrevista (Apêndice A), com o emprego do gravador seguido dos
procedimentos éticos através do termo de consentimento livre e esclarecido.
Utilizamos o gravador, com o objetivo de resguardar o conteúdo original e por
ampliar o poder de registro dos dados coletados. Guardando palavras, silêncios e
mudanças na tonalidade da voz, além de permitir maior atenção ao entrevistado.
Sendo usado mediante a autorização das entrevistadas. Belei et al. (2008) ressalta a
25
importância do domínio desta tecnologia e sugere que, antes da gravação, seja
realizado o teste da bateria, do volume e do funcionamento do aparelho, com o
objetivo de evitar consequências indesejáveis.
Em relação ao universo e a amostra, podemos ressaltar que no universo
de 18 idosos, participantes do SCFV do CRAS Sapupara, contamos com uma
amostragem estabelecida por tais critérios: sexo feminino; frequentar o serviço no
mínimo três vezes, no período de janeiro a março; chegando ao total de 07
mulheres, podendo ser entrevistadas.
No tópico a seguir, traçamos o perfil das entrevistadas, destacando os
seguintes indicadores: estado civil, faixa etária; escolaridade; composição familiar e
benefício/renda das mulheres idosas.
1.3 Perfil das Mulheres Idosas
No perfil das mulheres idosas entrevistadas durante o período
pesquisado, verificamos que, das 07 idosas, 28% eram solteiras, 29% casadas e
quase a metade eram viúvas, o que corresponde a 43%. Para Salgado (2002) um
dos motivos que poderia explicar essa situação, é o fato de que, por questões
culturais, a mulher se casava com homens mais velhos do que elas, o que,
acompanhado a maior mortalidade masculina do que a feminina, aumenta as
chances das mulheres ficarem viúvas na sua velhice. Conforme apresentado no
gráfico 3, a seguir:
Gráfico 3 - Estado Civil das Mulheres Idosas/(%)
Fonte: PAIVA, M.L.D. Maranguape, 2014.
Em relação à faixa etária, verifica-se que 29% das mulheres estavam no
intervalo de 60 a 61 anos. Essa mesma porcentagem se encontra na faixa etária de
26
62 – 64 anos de idade. Enquanto as demais, o percentual girava em torno de 14%
cada, como observado no gráfico 4.
Gráfico 4 - Faixa Etária das Mulheres Idosas/(%)
Fonte: PAIVA, M.L.D. Maranguape, 2014.
Observa-se no gráfico 5, a escolaridade das idosas. No universo da
pesquisa, 01 idosa era analfabeta (14%), sem saber sequer assinar o nome na folha
de frequência do SCFVI. Cerca de 29% eram alfabetizadas e 04 não concluíram o
ensino fundamental (1° grau), o que representa 57% do total.
Gráfico 5 - Escolaridade das Mulheres Idosas/(%)
Fonte: PAIVA, M.L.D. Maranguape, 2014.
Outro dado pesquisado refere-se à composição familiar das entrevistadas
no período da pesquisa. De acordo com o gráfico 6, percebe-se que quase a metade
das mulheres entrevistadas residiam, na época na pesquisa, com sua filho(a) e
neto(a) (43%), seguido de 29% morando sozinhas e 28% com o filho(a) e o marido.
27
Gráfico 6 - Composição Familiar das Mulheres Idosas/(%)
Fonte: PAIVA, M.L.D. Maranguape, 2014.
No que corresponde ao benefício/renda das entrevistadas, pudemos
observar que todas recebem algum tipo de benefício, dentre eles o Benéfico de
Prestação Continuada (BPC) e algumas são aposentadas ou pensionistas, conforme
gráfico 7:
Gráfico 7 - Benefício/Renda das Mulheres Idosas/(%)
Fonte: PAIVA, M.L.D. Maranguape, 2014.
Analisando o gráfico 7, percebemos o grande percentual de idosas que
recebiam pensão (43%), o que corrobora com os dados apresentados no gráfico 1.
Destaca-se também que 29% eram aposentadas, o que corresponde a 02 idosas e o
restante do percentual equivale ao BPC e ao Bolsa Família.
Após verificar o perfil das entrevistadas, passamos no próximo capítulo a
descrever a vivência feminina na velhice, assinalando os aspectos que contribuem
para a predominância da mulher na velhice.
28
2 A VIVÊNCIA FEMININA NA VELHICE
2.1 Um Breve Posicionamento Teórico Sobre a Velhice
A fase da vida caracterizada como velhice, com suas peculiaridades, é
um fenômeno comumente utilizado para designar a condição das pessoas de idade
avançada (MESSY, 1999). Porém, perguntas logo nos intercepta: Quando é que se
fica velho? Como fixar o marco inicial da velhice?
A idade cronológica, que aludi ao número de anos decorridos no tempo, é
um dos meios comumente utilizados para determinar o início da velhice. A própria
Organização Mundial da Saúde (OMS) se baseia na idade cronológica. Entende,
desde 1982, que nos países em desenvolvimento a velhice inicia-se aos 65 anos, ao
passo que nos países desenvolvidos começa aos 60 anos. No Brasil, de acordo com
o Estatuto do Idoso (2003), as pessoas são reconhecidas como idosas quando
atingem 60 anos ou mais. Alguns direitos, entretanto, como o benefício de prestação
continuada só são concedidos a partir de 65 anos (GOLDMAN, 2009; IRIGARAY e
SCHNEIDER; 2008).
Irigaray e Schneider (2008), no entanto, consideram a idade cronológica
como apenas uniformização de contagem dos anos vividos, “[...] uma vez que
existem variações de diferentes intensidades relacionadas ao estado de saúde,
participação e níveis de independência entre pessoas mais velhas que possuem a
mesma idade” (IRIGARAY e SCHNEIDER, 2008, p. 589).
Ideia semelhante é corroborada por Melo et al. (2009), tanto que apontam
o critério cronológico como falho e arbitrário. Isso porque, segundo os autores, o
envelhecimento seria uma experiência heterogênea, vivenciada de forma individual
pela população. Pessoas da mesma idade cronológica poderiam estar em
momentos totalmente distintos de envelhecimento. Além disso, ressaltam que o
organismo de uma pessoa ‘envelheceria’ de maneira distinta entre os seus órgãos,
ossos, tecidos, nervos e células.
Do ponto de vista biológico, todos os organismos vivos, ao longo do
processo de envelhecimento, começam a vivenciar transformações corporais e
mentais que implicam em perda gradual de suas potencialidades. Essas
transformações ocorrem em épocas e em ritmos diferentes não só para cada
29
indivíduo, mas também para cada função e parte do organismo (IRIGARAY e
SCHNEIDER; 2008).
Segundo Beauvoir (1990), desde a mais tenra idade produzem-se
mudanças significativas no organismo. A partir dos 10 anos reduz-se a intensidade
da margem de acomodação. Antes mesmo da adolescência, baixa-se a altura dos
sons audíveis. A partir dos 12 anos a memória bruta se enfraquece. Após os 16
anos a sexualidade do homem decresce. Depois dos 20 anos, e principalmente a
partir dos 30 anos, esboça-se uma involução dos órgãos. Essas perdas, entretanto,
não impossibilitam o desenvolvimento infantil e juvenil de seguir uma linha
ascendente.
Porém, particularmente, no organismo do ser idoso, as perdas se
apresentam mais desvantajosas. O organismo do ser idoso entra em declínio e “[...]
suas chances de subsistir se reduzem [...]”, ressalta Beauvoir (1990, p. 23). Essa
deterioração, que estaria ligada à passagem do tempo, envolveria uma redução da
capacidade do organismo para sobreviver.
No que diz respeito a esse declínio, Simone de Beauvoir (1990, p. 19)
explica: “[...] quando as perdas, as alterações, os enfraquecimentos adquirirem
importância e se tornarem irremediáveis, então o corpo fica frágil e mais ou menos
impotente: pode-se dizer, sem equívoco, que ele declina”. Desse modo, ocorre uma
série de mudanças no organismo do ser idoso e, consequentemente, na aparência
física do velho, a qual permite atribuir-lhe outra imagem diante do espelho.
Simone de Beauvoir (1990) descreve com riqueza de detalhes as
transformações que ocorrem na aparência física do indivíduo velho. Assim,
evidencia:
[...] Os cabelos embranquecem e se tornam rarefeitos; os pelos embranquecem também, enquanto em certos lugares – no queixo das mulheres velhas, por exemplo – começam a proliferar. Por desidratação e em consequência da perda de elasticidade do tecido dérmico subjacente, a pele se enruga. Os dentes caem. [...]. A perda dos dentes acarreta um encolhimento da parte inferior do rosto, de tal maneira que o nariz – que se alonga verticalmente por causa da atrofia de seus tecidos elásticos – aproxima-se do queixo. A proliferação senil da pele traz um engrossamento das pálpebras superiores, enquanto se formam papos sob olhos. O lábio superior míngua; o lóbulo da orelha aumenta. Também o esqueleto se modifica. [...]. A largura dos ombros se reduz e a da bacia aumenta; o tórax tende a tomar uma forma sagital, sobretudo nas mulheres. [...] A força muscular diminui. [...]. O poder de acomodação diminui. A presbiopia é um fenômeno quase universal entre os velhos; e a vista “cansada” faz com que a capacidade de discriminação decline. Também diminui a audição,
30
chegando frequentemente até a surdez. O tato, o paladar, o olfato têm menos acuidade que outrora (BEAUVOIR, 1990, pp. 34,35).
Diante desse registro corporal, pode-se constatar que a velhice é um
fenômeno biológico, consequentemente natural e universal. Entretanto, segundo
Mercadante (2003), somente este fato não é suficiente para definir a velhice. Para a
autora a velhice é vivenciada de forma diversificada pela sociedade.
Nesse sentido, a autora aponta que para compreender a velhice em sua
totalidade, é necessário analisá-la não somente como um fenômeno biológico, mas
também como um fenômeno cultural. Para Mercadante (2003, p.74): “falar de
cultura, de fatos culturais, imediatamente revela a ideia de fatos que se modificam
[...]”. Assim sendo, analisar a velhice como um fato cultural implica interpretar os
múltiplos significados atribuídos ao ‘ser velho’ em diferentes contextos
socioculturais. Conforme Irigaray e Schneider (2008, p. 590), “[...] a cultura tem um
importante papel nesse aspecto, pois define como cada sociedade vê os velhos [...]”
e a própria velhice. Nesse sentido, Simone de Beauvoir (1990), explicita:
[...] A velhice [...], como todas as situações humanas, tem uma dimensão existencial: modifica sua relação com o mundo e com sua própria história. Por outro lado, o homem não vive nunca em estado natural; na sua velhice, como em qualquer idade, seu estatuto lhe é imposto pela sociedade a qual pertence [...] Enfim, a sociedade destina ao velho seu lugar e seu papel levando em conta sua idiossincrasia individual: sua impotência, sua experiência; reciprocamente, o indivíduo é condicionado pela atitude prática e ideológica da sociedade em relação a ele [...] (BEAUVOIR, 1990, pp. 15 -16).
Em cada momento histórico, a sociedade designa aos seus membros
comportamentos e critérios a serem seguidos dentro de uma classificação esperada
para sua idade, “[...] a partir dos quais a cada etapa do desenvolvimento
correspondem papéis sociais específicos, que têm uma grande influência sobre a
percepção que tem o sujeito do mundo e sobre sua própria definição enquanto
sujeito que interage com este mundo” (SANTOS, 1994, p. 01). [...]”. Assim, o ser
humano desde a mais tenra idade internaliza na sua natureza condutas, valores
esperados pela sociedade a qual integra, e na sua velhice não seria diferente.
Para Pacheco (2005), na sociedade de consumo, a aposentadoria marca
a passagem para a velhice, isto porque a pessoa que se aposenta deixa de ser
economicamente produtiva e passa a ser registrada em uma condição, de
inatividade. Dentro dessa perspectiva, “o aposentado, ficando improdutivo ou o velho
31
em seu debruçar-se narcísico, vê a velhice próxima se anunciar, conforme o mau
agouro, sob face da demência senil [...]” (MESSY, 1999, p. 35). Essa noção abre a
questão para a imagem negativa da velhice, no caso, atribuída a um estado de
insanidade, em que o aposentando, visto como improdutivo pela sociedade, passa a
temer.
Debert (1999), por sua vez, não considera a aposentadoria como um ritual
de passagem para a velhice. Para essa autora, a aposentadoria não deve ser
caracterizada como um momento de recolhimento e descanso, mas sim como um
período prazeroso composto por atividades e lazer (DEBERT apud IRIGARAY e
SCHNEIDER, 2008).
No repertório da psicologia, a entrada na velhice, em parte, seria marcada
quando o indivíduo começasse a apresentar perdas de memória, dificuldade de
aprendizagem e falhas de concentração, atenção e orientação, comparando com
suas capacidades cognitivas anteriores. Tais perdas cognitivas estariam, em sua
maioria, atreladas ao desuso, ao consumo de drogas lícitas e ilícitas, a doenças, à
baixa autoestima, e a fatores sociais, como por exemplo, o isolamento e a solidão,
mais do que ao próprio envelhecimento (IRIGARAY e SCHNEIDER, 2008).
Argimon e Stein (apud IRIGARAY e SCHNEIDER, 2008, p. 591), ao
realizarem uma pesquisa sobre as habilidades cognitivas em indivíduos muito
idosos, constataram que: “[...] os idosos, apesar da idade avançada, apresentaram
um desenvolvimento de habilidades cognitivas cujo declínio é de intensidade leve,
não sendo suficiente para acarretar mudanças significativas no seu padrão
cognitivo”. Demonstrando que o envelhecimento em se não causa modificações
significativas nas habilidades cognitivas dos indivíduos idosos.
Desse modo, segundo Irigaray e Schneider (2008, p. 592) o idoso não
perde “[...] a capacidade de raciocínio e a idade não leva ao declínio das funções
intelectuais [...]”. Para os autores, não é a idade, mas sim a presença de patologias,
que está envolvida em grande parte dos problemas que interferem nas capacidades
cognitivas dos idosos.
Em uma abordagem psicanalítica sobre a velhice, Jack Messy (1999, p.
32) lançou a hipótese de que a entrada na velhice: “[...] aconteceria por ocasião de
uma ruptura brutal do equilíbrio entre perdas e aquisições”. Para elucidar a sua
hipótese, o autor traz em sua obra dois exemplos tomados da vida de Freud e
Ionesco.
32
Freud, com 65 anos, menciona que o aparecimento da velhice ocorrera
no dia 13 de março de 1921, precisamente no momento em que seu filho Olivier se
despede dele, desde então o pensamento da morte não o abandonou mais. Para
Ionesno, ocorreu bruscamente dez anos depois, quando o mesmo sofreu um
acidente vascular. A partir de então, sentiu-se infeliz de viver como velho, e este fato
profundamente o traumatizou (MESSY, 1999).
Como esses dois ilustres autores, Maud Mannoni (1995, p. 36) assinala
em sua última obra O nomeado e o inominável: “[...] que quando a velhice se
‘apossa’ de alguém, o faz de forma inesperada”. A autora também descreve a
velhice como um episódio que aparece subitamente, sendo, portanto, uma ruptura
do envelhecimento ocasionado, sobretudo, por perdas antigas que se mantiveram
no percorrer da existência. Desse modo, a entrada na velhice seria algo
circunstancial; ou seja, ocorreria por ocasião do desaparecimento brutal de um
significado cujo aspecto assume qualquer perda: a partida de um filho ou um
acidente vascular. E tais acontecimentos, como mostrado anteriormente, ocorrem
em um momento no qual a data merece toda atenção, pois a velhice se apoderada
de cada pessoa em estágios diferenciados da vida, demarcando assim seu
aparecimento.
Assim, com base nessas diversas abordagens, podemos inferir que definir
a velhice é uma questão complexa por ser um fenômeno que varia no tempo e no
espaço. Tal fenômeno está profundamente atrelado ao ser humano, único e
individual que na sua totalidade existencial, confronta-se com múltiplos aspectos de
ordem biológica, psicológica, cronológica e social, que estão em interação uns com
os outros e são afetados pelas condições culturais, históricas e de gênero, que
interferem no modo como o homem e a mulher vivenciam a velhice.
2.2 Feminização da Velhice
O cenário contemporâneo presencia um aumento expressivo do
contingente de mulheres, tornando-se mais presente ao avançar da idade. Existem
no mundo aproximadamente 247 milhões de homens e 302 milhões de mulheres
com idade igual ou superior a 60 anos. No Brasil, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) observa-se que 55% da
33
população idosa são formadas por mulheres. Esta predominância feminina no total
da população idosa revela um fenômeno conhecido como feminização da velhice
(CAMARANO et al., 2004; FRANCO; JÚNIOR, 2011; NERI, 2007; PEREIRA, 2005).
De acordo com Veras (2003), diversos estudos apontam este fenômeno
como um dos mais expressivos do processo de envelhecimento. Nos estudos
sociodemográficos, a feminização da velhice está atrelada a inúmeros elementos,
dentre eles, aos indicadores raça, estado conjugal, distribuição espacial,
escolaridade, renda. Em relação à raça, nos anos 2000, observou-se que as
mulheres idosas eram em sua maioria de cor branca, seguida de pardas e pretas.
Este fato pode ser compreendido pela autoafirmação dos entrevistados por não se
considerarem negros e/ou pardos, gerando assim uma desigualdade de raças.
(IBGE, 2000 apud CAMARANO, 2004).
Analisando o estado conjugal da população idosa a partir da década de
1940, notou-se um acréscimo de separados e viúvas no decorrer do período
examinado. Em 1940, entre as mulheres, 0,3% se declaravam separada e entre, os
homens idosos foi de 0,5%. Em 2000, 6,2% dos homens e 11,8% das mulheres
revelaram estarem separados (IBGE, 1940; 2000 apud CAMARANO, 2004).
Com base nesses censos, constatou-se que a mulheres idosas têm maior
chance de ficarem viúvas do que os homens. Em 1940, a proporção de mulheres
idosas nessa condição era duas vezes maior do que a de homens idosos e, em
2000, essa diferença passou a ser três vezes mais elevada. Esse fator corresponde
à maior longevidade da mulher e à facilidade do homem de casar, depois de
enviuvar (IBGE, 1940; 2000 apud CAMARANO, 2004).
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), divulgado pelo IBGE em 2006, as mulheres brasileiras que
residem na zona urbana correspondem a 52,3% enquanto na zona rural vivem 47%.
A prevalência feminina entre a população idosa se encontra nos grandes centros
urbanos, por exemplo, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e
Recife. Já os homens idosos predominam nas zonas rurais (IBGE, 2006 apud NERI,
2007). Segundo Camarano (2004, p. 29), esta diferença explica-se “[...] pela maior
participação das mulheres no fluxo migratório rural/urbano.” Este fluxo maior nas
áreas urbanas permite às mulheres manter uma proximidade com seus filhos e com
os serviços de saúde especializados.
34
O Censo 2000 observou um aumento significativo de idosos responsáveis
pelos domicílios em comparação com a década de 1990. No ano de 1991, os idosos
responsáveis representavam 60,4% e em 2000 atingiu 62,4%. A classificação por
sexo revela que, em 1991, 31,9% dos responsáveis idosos eram do sexo feminino,
em 2000, atingiu 37,6%. Nos domicílios onde a idosa é responsável, a forma de
organização familiar recorrente é sem o cônjuge (93,3%), possivelmente, por estas
idosas serem viúvas (IBGE, 2000).
Entre os domicílios unipessoais, isto é, com apenas um morador, os
idosos representavam, em 1991, 15,4%. Em 2000, totalizavam 1.603.883 unidades,
representando 17,9% do total. Em 2006, a pesquisa revela o acréscimo de idosos
que vivem sós, principalmente do sexo feminino. Os idosos em domicílios
unipessoais estão mais frequentes nas regiões Sul e Sudeste. Em todos os estados
dessas regiões há uma predominância de mulheres idosas que residem sozinhas,
em proporções superiores a 20% (IBGE, 2000; IBGE, 2006 apud NERI, 2007).
No que diz respeito à chefia familiar, é notável um acréscimo de mulheres
idosas que assumem o papel de chefes de família e de provedoras do lar. Segundo
dados do IBGE/PNAD (2006), cerca de 17,7% dos homens e 27,5% das mulheres
brasileiras com idade acima de 60 anos foram apontados como chefes de família.
Essa presença maior de mulheres pode corresponder à maior longevidade feminina,
ao acesso de políticas públicas, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e
à maior inserção das mulheres no mercado de trabalho.
Em relação à escolaridade, entre os anos de 1940 e 2000, notou-se um
aumento considerável de idosos alfabetizados. Este aumento foi mais intenso entre
as mulheres. Entre as mulheres, o aumento foi de 146% e entre os homens, 59%.
Em 1940, 74,2% da população idosa feminina eram analfabetos e, em 2000, esse
cálculo caiu cerca de 1/3, fato este explicado pela adesão e permanência de mais
pessoas do sexo feminino nas escolas (IBGE, 1940; 2000 apud CAMARANO, 2004).
As condições econômicas dos idosos determinam à fonte de renda da
família. No Brasil, em média, existem menos mulheres aposentadas do que os
homens aposentados, em contrapartida existem um número expressivo de mulheres
idosas pensionistas. Na região Sudeste, 48,8% das mulheres e 80, 8% de homens
são aposentados; na região Nordeste, 66,6% das mulheres e 80,3% dos homens
vivem nessa condição. Na região Sudeste, 29,9% das mulheres são pensionistas; na
região Nordeste elas são 14,7% (IBGE, 2006 apud NERI, 2007).
35
Em relação ao fator epidemiológico, a feminização da velhice está
intimamente atrelada à expectativa de vida da população idosa. Os ganhos de
expectativa de vida das mulheres são maiores que dos homens idosos; resultado da
combinação da queda das taxas de fertilidade e da diminuição da mortalidade
materna. Por outro lado, as mulheres idosas convivem com taxas mais elevadas de
doenças crônicas, fadiga, deficiência, quedas, consumo de remédios e doenças
psíquicas do que os homens idosos (CAMARANO et al., 2004). Segundo dados do
IBGE/PNAD de 2003, uma porcentagem de aproximadamente 28,2% a 33% de
mulheres entre os 60 e os 80 anos têm reumatismo ou artrite; entre os homens, esse
índice varia entre 15,5% e 20,1% nas mesmas faixas etárias.
Mas, apesar desse acréscimo de doenças e incapacidades físicas entre
as mulheres, elas se mostram mais capazes de sobreviver a essas complicações,
fato este explicado pela maior adesão às atividades físicas, lazer, aos grupos de
convivência e fortalecimento de vínculos, aos trabalhos voluntários e/ou temporários,
às campanhas de saúde e aos tratamentos médicos que os homens. Segundo Veras
(2003), “[...] é possível que a detecção precoce e melhor tratamento de doenças
crônicas nas mulheres contribuam para um prognóstico melhor [...]”. Por sua vez, os
homens por questões culturais se queixam menos de dores e aderem menos aos
comportamentos saudáveis, o que acarreta o aumento de casos graves – doenças
cardiovasculares, cerebrovasculares e cancerígenas – e a consequente maior
necessidade de hospitalização, e em muitos casos levando ao óbito (CAMARANO et
al. 2004).
Para Veras (2003), existem outros fatores que explicam porque as
mulheres vivem mais que os homens. Dentre eles: os homens tendem a consumir
em maiores quantidades tabaco e álcool do que as mulheres; os acidentes de
trabalho e no domicílio, acidentes de trânsito, suicídios e homicídios, em conjunto,
ocorrem quatro vezes mais para os homens do que para as mulheres nas áreas
urbanas brasileiras; consequentemente, uma maior mortalidade masculina.
Do ponto de vista sociológico, a feminização da velhice coincide com as
transformações nas relações de gênero e nas normas etárias que regulam os
comportamentos esperados das mulheres idosas, conforme ressalta Goldani (1999),
“[...] as relações intergeracionais e os intercâmbios de apoio material, instrumental e
afetivo entre gerações: as características das mudanças variam de acordo com o
pertencimento das mulheres a diferentes classes sociais” (apud NERI, 2007, p. 48).
36
Todavia, independentemente das diferenças classistas, atualmente (século XXI)
pode-se aferir que há maior ‘liberdade’ do que no passado no que diz respeito à
escolha de ser ou não ser mãe, de constituir uma família, de usar determinadas
vestimentas; à educação, ao trabalho, ao divertimento e à liberdade das mulheres de
tomarem suas próprias decisões. Contudo, vale ressaltar que esta liberdade é
relativa, pois a sociedade capitalista na qual vivemos ainda tem resquícios do
patriarcalismo e, consequentemente, do machismo (NERI, 2007).
Conforme Neri (2007), em termos psicológicos, os processos de
mudanças da feminização da velhice dimensionados nos âmbitos sociodemográfico,
epidemiológico e sociológico são assimilados por novas identidades, atitudes e
objetivos em relação ao mundo externo e a si próprio. As mulheres, principalmente
as mais velhas, as que vivem sozinhas e aquelas com estado de saúde precário,
tendem a ser mais insatisfeitas com a vida e tendem a fazer uma análise mais
negativa de sua saúde. Têm uma imagem de si mais negativa do que os homens
idosos, porque a imagem da velhice no espelho retrata uma pessoa estranha à suas
fotografias joviais; a perda da beleza, tanto endeusada pela sociedade de consumo,
as leva a negativar a velhice; o vigor físico as onera mais do que os homens
(MESSY,1999).
Segundo Neri (2007, p. 49), “[...] as crenças de autoeficacia geral e de
autoeficacia relativa à inteligência, à memória e à capacidade de evitar quedas são
mais baixas entre as idosas do que entre os idosos”. Porém, a mesma autora
ressalta que as mulheres idosas demonstram ter maiores ganhos na capacidade de
tomar decisões e em assertividade, em consequência da apropriação de novos
valores em relação à velhice. Estas estão mais envolvidas socialmente com a família
do que os homens, porque os papéis onerados às mulheres ao longo do curso da
vida lhes deram mais oportunidades de desenvolver relações de intimidade que os
papéis permitidos aos homens.
Pode-se assinalar, portanto, a partir dos elementos levantados nesse
capítulo, que a velhice se feminizou. A feminização da velhice está intimamente
relacionada com os estudos sociodemográficos, epidemiológicos, sociológicos e
psicológicos. Tais estudos refletem o modo como a sociedade lida com esse novo
fenômeno e com a própria velhice.
A seguir, analisaremos as relações e desigualdades de gênero
estabelecidas no seio das sociedades, bem como abordaremos a questão da
37
violência contra a mulher idosa e suas expressões, dando destaque a violência
psicológica cometida no âmbito intrafamiliar.
38
3 GÊNERO E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER IDOSA
3.1 Gênero e Velhice
Os papéis socialmente postos a homens e mulheres no decorrer da
história humana nos oferecem elementos teóricos para compreender como homens
e mulheres se relacionam uns com os outros e consequentemente vivenciam a
velhice. Para tanto, reportarmos a categoria gênero, para analisar a desigualdade
existente entre os sexos nas sociedades (MOTTA, 1999; STREY, 1998).
Dessa forma, faz-se necessário expor o conceito de gênero. Saffioti
(2004) define essa categoria, explicitando que:
[...] gênero diz respeito às representações do masculino e do feminino, a imagens construídas pela sociedade a propósito do masculino e do feminino, estando estas inter-relacionadas a [...] uma gramática sexual, regulando não apenas relações homem-mulher, mas também relações homem-homem e relações mulher-mulher (SAFFIOTI, 2004, p. 16-45).
A construção social do gênero evidencia que ser homem ou ser mulher
nem sempre possui o mesmo significado em diferentes culturas ou diferentes
gerações, devido às representações simbólicas historicamente produzidas na
sociedade, por meio das quais os indivíduos constroem imagens, baseadas na
realidade biológica do que devem ser associados à natureza feminina e masculina.
Nesse contexto, Borges (2005, p. 180) atenta ao fato de às mulheres. “[...]
na maior parte dos momentos da sua história, ser imputada a responsabilidade pelo
espaço privado”, qual seja aos afazeres domésticos, cabendo o papel de mãe,
esposa e ‘rainha do lar’, destinadas a serem frágeis e dóceis; enquanto aos homens
destina-se a virilidade, a grandeza física e o encargo de provedor da família. Para Le
Breton (2009):
As características físicas e morais, as qualidades atribuídas ao sexo, dependem das escolhas culturais e sociais, e não de um gráfico natural que fixaria ao homem e à mulher um destino biológico. A condição do homem e da mulher não se inscreve em seu estado corporal, ela é construída socialmente. Como escreveria S. Beauvoir, ‘não se nasce mulher, torna-se mulher’. O mesmo ocorre ao homem (LE BRETON, 2009, p. 66).
Dessa maneira, como ressalta Wolff e Waldiou (2008, p.141): “[...] gênero
não pretende significar o mesmo que sexo, ou seja, enquanto sexo se refere à
39
identidade biológica de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção social
como sujeito masculino e feminino [...]”. Assim, trata-se de perceber que essas
concepções vão muito além da definição de ‘macho’ e ‘fêmea’, dada biologicamente,
de acordo com o sexo. Conforme salienta Strey (1998):
[...] O sexo biológico com o qual se nasce não determina, em si mesmo, o desenvolvimento posterior em relação a comportamentos, interesses, estilos de vida, tendências das mais diversas índoles, responsabilidades ou papéis a desempenhar, nem tampouco determina o sentido ou a consciência de si mesmo/a, nem das características da personalidade, do ponto de vista afetivo, intelectual ou emocional, ou seja, psicológico [...] (STREY, 1998, p. 183).
Strey (1998) não desconsidera o fato de os seres humanos terem
diferenças sexuais, mas adverte que o processo de socialização é o que determina
todos esses aspectos inerentes ao ser humano, decorrentes das diferentes
circunstâncias socioculturais e históricas, experienciadas simbolicamente, vividas
como gênero.
A visão de gênero como construção cultural e histórica abre uma brecha
no conhecimento sobre as condições socialmente postas aos homens e mulheres,
contrapondo-se ao pensamento hegemônico que determina comportamentos
privativos de homens, diferentes das condutas esperadas para as mulheres, com
base em características sexuais (STREY, 1998).
No Brasil, no final da década de 1980, os estudos de gênero no âmbito
das Ciências Sociais vieram consolidar-se paralelamente ao fortalecimento dos
debates dos movimentos feministas do mundo francês, britânico e americano. A
nova perspectiva defende “[...] a primazia dos estudos de gênero sobre os estudos
de mulher e a superação dos estudos dos papéis sexuais pelos papéis de gênero.”
(OSTERNE, 2008, p.97).
Dessa maneira, gênero é utilizado como categoria de análise que vem
questionar as relações hierárquicas entre os sexos, tidas como naturais em
diferentes sociedades humanas, assinalando o caráter social de tal condição.
Joan Scott (1995) vai além e formula o significado de gênero em duas
partes, que estão inter-relacionadas, mas devem ser analisadas distintamente:
[...] O núcleo da definição repousa numa conexão integral entre duas proposições: (1) o gênero é um elemento de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária
40
de dar significado às relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre a mudanças nas representações do poder [...] (SCOTT, 1995, p. 86).
Sendo assim, pode-se aferir que gênero é uma categoria relacional,
pertencente ao processo social. É um campo de relações sociais no qual o poder se
instaura. Dessa forma, esta categoria é social e histórica, revelando a desigualdade
entre homens e mulheres que possuem posições distintas nas sociedades.
Para Pereira (2005), as pesquisas em torno da categoria gênero são
importantes para a compreensão de como as diferentes sociedades constroem e
legitimam as diferenças entre os sexos. Porém, salienta que “[...] mesmo quando o
objeto de um estudo tem como eixo principal as relações de gênero, é importante
trabalhar com a interface desta categoria com outras dimensões da vida social, tais
como classe, raça/etnia, gênero e idade/geração” (PEREIRA, 2005, p. 86).
Nesse sentido, a autora pontua a importância de articular a noção de
gênero a outras categorias sociais, a fim de entender a formação de subjetividades
ou de identidades correspondentes aos processos de significação vivenciados pelos
grupos sociais.
Motta (1999), nas suas pesquisas com idosos, vem encontrando uma
interconexão com a categoria gênero, principalmente pelo fato de a maioria dos
velhos ser composto de mulheres. Esta autora argumenta que as relações de
gênero, historicamente vivenciadas por mulheres e homens que hoje são velhos,
têm resultado em experiências e trajetórias diferenciadas na constituição
sociocultural destes, nas diversas classes sociais.
Na percepção de Berzins (2003), as desigualdades de gênero causadas
pelas condições estruturais e socioeconômicas afetam as condições de vida de
homens e mulheres na sua velhice. Contudo, pela trajetória de
exploração/subordinação, as mulheres estão mais expostas à discriminação e a
violência do que os homens. Após uma vida recebendo salários inferiores aos dos
homens, as aposentadorias são mais baixas; em muitos dos casos exercendo o
trabalho doméstico, sem compensação e reconhecimento, não possuem o direito de
41
se aposentar, e caso decidam trabalhar, não são aceitas, entre as razões: por
questões sexistas5 e gerofóbicas6.
O fato é que as mulheres idosas, mais que qualquer outra geração,
cresceram ouvindo e internalizando mensagens de uma conjuntura social que
condicionava a mulher a um papel de inferioridade e sujeição em relação ao homem.
Essa relação hierárquica entre os gêneros, consequentemente, ocasiona(va) em sua
forma mais extrema à violência como forma de controlar a mulher.
3.2 Violência Contra a Mulher Idosa e suas Expressões
A violência, em todas as suas expressões, tem sido considerada o
principal problema que assola a humanidade na contemporaneidade. Em geral, a
violência se caracteriza como um fenômeno que se manifesta de inúmeras formas e
com diferentes graus de intensidade perpassando todo o ordenamento social.
Constitui-se de atos que tem a intenção de coagir, prejudicar e subjugar, envolvendo
a imposição de domínio com um conteúdo de força e/ou poder (OSTERNE, 2007).
Nesse sentido, a violência aparece associada a uma dimensão
estritamente destrutiva. Porém, alguns estudos suscitam diversos debates que
buscam contrapor-se ao caráter destrutivo da violência, sugerindo uma dimensão de
positividade. A violência pode ser considerada construtiva quando é empregada em
sentido favorável em certos contextos, por exemplo, como forma de segurança
nacional. Contudo, grande parte das produções acadêmicas e das sociedades
percebem a violência como prática negativa, exigindo, assim, o combate e a sua
prevenção (OSTERNE, 2007).
Biella (2005) destaca que em diferentes culturas a violência foi
comumente empregada como modo de resolução de conflitos, assumindo também a
função punitiva para educar. Na esfera doméstica, espaço tradicionalmente
5 Formiga et al. (2002, p. 105) compreendem o sexismo: “[...] como um conjunto de estereótipos sobre
a avaliação cognitiva, afetiva e atitudinal acerca do papel apropriado na sociedade, dirigida aos indivíduos de acordo com o sexo [...].” 6 Segundo Salgado (2002, p. 11): “A gerofobia é o termo que se usa para descrever os preconceitos e
estereótipos, em relação às pessoas idosas, fundados unicamente em sua idade. Acredita-se que essas atitudes negativas surgem do medo que as gerações jovens têm do envelhecimento e de sua resistência em lidar com os desafios econômicos e sociais que estão relacionados ao aumento da população idosa [...]”.
42
estimado para o indivíduo, pela sua privacidade, poderia ser também o lugar de
violências inclusive contra a mulher.
Na compreensão de Giddens (2005), o lar tornou-se o ambiente mais
ameaçador do que as ruas. Isso porque o convívio familiar envolve emoções
intensas, na qual questões tidas como irrelevantes podem provocar hostilidades e
conflitos; transformando o ‘lar’, num ambiente marcado pela angústia e pelo medo e,
muitas vezes, com dano ou sofrimento físico, psicológico ou emocional. Além disso,
uma grande parcela da violência doméstica, por ser circunscrita a um espaço
fechado, em muitos casos acaba sendo tolerada e justificada pelo senso comum,
visto que em briga de marido e mulher não se mete a colher.
Segundo Cortês e Matos (2007), estudos e pesquisas revelam que as
mulheres são as maiores vítimas de violência dentro da própria residência. Os
resultados das pesquisas apontam que, apesar de o fenômeno da violência contra
as mulheres atingi-las nas mais diversas condições sociais e econômicas, as
agressões estão mais presentes em famílias de baixa renda, atingindo as mulheres
negras, pobres, pois essa é uma violência baseada na desigualdade de gênero, de
raça e classe, a qual discrimina e impossibilita as mulheres de usufruírem seus mais
simples direitos, o que impede muitas vezes a possibilidade de romper com o ciclo
da violência.
Para Cortizo e Goyeneche (2010), é notável compreender que o
fenômeno da violência contra a mulher pode ser considerado como resultado de
fatores específicos. Em primeiro lugar, a crise da família: pois no que se trata à
violência doméstica contra a mulher, reflete um fato presente no seio das relações
familiares e afetivas, revelando-se o lado mais doloroso dessa realidade.
Em segundo lugar, o machismo, resultado de uma cultura fortemente
paternalista e com fortes valores morais e religiosos. Outro ponto consiste nas atuais
transformações no mundo do trabalho, que alteram a capacidade dos homens de
atuarem como provedores, modificando de modo significativo o modelo familiar,
cabendo agora às mulheres parte substancial do elevado custo social (CORTIZO;
GOYENECHE, 2010). Nesse aspecto, Szymanski (2002) aponta:
Numa cultura que valoriza o homem como o poderoso provedor da família, é desconcertante a situação em que a mulher, [...], consiga trabalho e remuneração mais facilmente do que o ‘chefe’ da família. A ‘solução’ encontrada por um desses homens, desempregado crônico, foi proibir a mulher de trabalhar, mas que fechava os olhos para sua desobediência,
43
velada, realizando pequenos ‘bicos’ para conseguir dinheiro para a subsistência da família [...] (SZYMANSKI, 2002, p. 18).
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que as mulheres veem seus papéis
tradicionais transformados, os homens sofrem com a perda da capacidade de prover
seus lares, o que muitas vezes aumenta as chances de tornarem-se violentos.
A violência contra a mulher que ocorre no âmbito familiar ou doméstico
pode ser caracterizada como violência doméstica sendo, geralmente, perpetrada
pelo parceiro íntimo: maridos, amantes, amásios, namorados atuais, ou, até, ex-
namorados ou ex-cônjuges (SILVA, 2007). Pinheiro (2012) acentua:
[...]. Embora dita doméstica, esta, muitas vezes, ultrapassa o limite geográfico da residência, visto que não raro o homem agride a mulher na via pública, ampliando seu espaço de poder para além do locus privado, ou seja, os braços do seu poder vão além dos muros do lar, elastecendo seus domínios para o chamado ‘território simbólico’ (PINHEIRO, 2012, p. 63).
Nesse âmbito, o termo “violência intrafamiliar” seria o mais apropriado
para designar as relações de poder para além do espaço privado. De acordo com o
Ministério da Saúde (2001, p. 15): “[...] a violência intrafamiliar pode ser cometida
dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam
a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, e em relação
de poder à outra”.
A violência intrafamiliar não alude somente ao espaço físico onde ocorre a
violência, mas também as relações em que se constrói e efetua. Tal violência
propaga a ambivalência poder/afeto, nas quais decorrem relações de
subordinação/dominação. Nessas relações – homem/mulher, pais/filhos, distintas
gerações – os indivíduos estão em posições antagônicas, exercendo papeis rígidos
e criando um dinamismo próprio, distinto em cada arranjo familiar.
Nessas relações, é notável compreender que a violência contra a mulher
se configura em estágios diferenciados da vida. Como ressalta Motta (2009):
[...] a violência contra as mulheres não se restringe à vitimização daquelas em idade jovem, no período reprodutivo, como retrata a grande maioria dos trabalhos. Ao contrário, essa violência continua e assume novas formas velhice adentro como uma expressão das relações intergeracionais, tanto quanto das relações e desigualdade de gênero, uma vez que é exercida, como vêm demonstrando as pesquisas, principalmente por filhos e netos
44
sobre suas mães e avós, com motivações e manifestações múltiplas, em que as mais comuns são os maus-tratos, a extorsão e apropriação de bens (MOTTA apud LORETO et al., 2013, p. 02).
Dados divulgados em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
sobre o Mapa da Violência, chamam a atenção para o fato que até os 14 anos de
idade, os maiores agressores são os pais das vítimas. No mesmo contexto, dos 15
aos 59 anos, os principais agressores são parceiros e ex-parceiros; e, acima dos 60
anos, a violência é perpetrada, na maior parte das vezes, pelos filhos. Em relação
aos tipos de violência mais cometidas contra as mulheres, a violência física é
preponderante (44,2%), seguida da psicológica (20,8%) e da sexual (12,2%)7.
No que corresponde à violência cometida contra o idoso, os tipos de
violência coincidem com os dados apresentados acima. De acordo com a Secretaria
Municipal de Saúde (SESMA, 2013), as mulheres idosas são, geralmente, as
maiores vítimas de violência do que os homens. Entre os anos de 2012 e 2013
foram notificados 297 casos de abusos contra o idoso, 188 deles contra mulheres. E
no ranking da violência, entre os anos de 2011 e 2013, está no topo a violência
física, em segundo a psicológica, em terceiro lugar a negligência e em seguida a
patrimonial8.
Nesse ponto, convém abordar as distinções que se apresentam para as
violências contra as mulheres idosas dos tipos física, psicológica e negligência. É
válido ressaltar que essas formas de violência não se produzem isoladamente, mas
fazem parte de uma sequência crescente de episódios (MAZUIM; MAZUIM, 2005).
A violência física se expressa através de atos intencionais que
correspondem ao uso da força física ou de armas para causar danos à integridade
física de outra pessoa, tais como marcas, hematomas, fraturas, lesões ou mesmo
ocasionar a morte (SILVA et al. 2007).
A violência psicológica ou emocional é aquela que não deixa marcas
visíveis no corpo violentado, capaz de causar danos à autoestima, à identidade ou
acarretar desequilíbrios mentais. Inclui ofensas, humilhações, discriminação,
ameaças, hostilidade, insinuações e palavras de baixo calão (OSTERNE, 2007).
A negligência refere-se à recusa ou omissão de responsabilidade, por
parte de familiares ou instituições, em relação a outro, sobretudo, os idosos que se
7 Disponível em: <www.cnj.gov.br>. Acesso em: 15 out. 2013. 8 Disponível em: <http://pa.gov.br/noticia_interna.asp?id_ver=128571>. Acesso em: 15 out. 2013.
45
encontram em situação de dependência múltipla ou incapacidade física e/ou mental.
(SILVA et al. 2007).
A violência patrimonial e econômica consiste na exploração ilegal dos
idosos ou na apropriação de seus bens patrimoniais e financeiros por parte de
familiares, sem o seu consentimento (MINAYO, 2005).
Dentre as violências apresentadas, tomaremos como foco a psicológica,
pelo fato desta ser considerada por alguns teóricos como silenciosa, que em muitos
casos ‘floresce’ no seio familiar, sendo a mais difícil de ser identificada, deixando
marcas invisíveis.
É a partir desta declaração que daremos prosseguimento ao estudo aqui
proposto, procurando compreender como emergiu o termo violência psicológica e
como esta violência se expressa no ambiente familiar.
3.2.1 Violência psicológica: marcas invisíveis
Segundo Azevedo e Guerra (2001), o termo violência psicológica surgiu
no seio das lutas feministas, na Inglaterra, na década de 1970. No Brasil, a palavra
violência psicológica aparece registrada em textos legais, porém sem defini-la.
Somente com a promulgação da Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha
surgi pela primeira vez, de forma detalhada, a definição de violência psicológica.
Vejamos artigo 7°, inciso II:
A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (LEI MARIA DA PENHA
9).
A violência psicológica se expressa por meio de agressões verbais ou
gestuais com a intenção de causar terrorismo, humilhar, privar a liberdade ou até
isolar a pessoa do convívio social (MINAYO, 2005).
9 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso
em 02 jun. 2014.
46
Gondim (2010) determina que a violência psicológica seja uma violência
cujo objetivo é gerar medo e insegurança ao idoso. Esse abuso é comumente
utilizado pelos membros familiares e na maioria das vezes é acompanhado por
outras violências. As agressões psicológicas causam sentimento de frustração que
impedem os idosos de exercer atividades do dia a dia como ficar sem se alimentar,
não querer sair de casa, privando assim sua liberdade de ir e vir.
Ohana e Ribeiro (2008, p. 363), por sua vez, consideram: “[...] a violência
psicológica a mais difícil de ser identificada, apesar de ser a mais comum entre os
idosos. O idoso pode se sentir desvalorizado, sofrer ansiedade e adoecer com
facilidade”. Dessa forma, a violência psicológica inclui todas as ações intencionais,
muito usadas pelos familiares, levando a causar na pessoa dor emocional, angústia
ou medo. A respeito da família nessas relações, Moré e Wanderbroocke (2012)
observam que:
[…] A família é um dos principais contextos em que a ambivalência nas relações se manifesta, tendo em vista que oferece os primeiros vínculos afetivos e a possibilidade de crescimento de capacidades, potenciais e habilidades necessárias para a autonomia, mas paradoxalmente também é um lugar onde ocorrem sofrimentos e violências […] (MORÉ e WANDERBROOCKE, 2012, p. 445).
Para Gondim (2010), essa ambivalência é o que mais preocupa os
teóricos que discutem essa questão, porque é no ambiente familiar que os(as)
idosos(as) encontram laços de afeto, o seu habitat, a sua identidade, uma segurança
como forma de proteção. De modo geral, o(a) idoso(a) se sente(m) protegido(s) por
estar(em) na companhia de entes que ele(a) ajudou a se desenvolver, são pessoas
conhecidas que representam a sua continuidade.
Dessa forma, a violência psicológica, de alguma maneira, mantém a
mulher idosa na situação abusiva, aprisionando-a em sentimentos opostos e, muitas
vezes, causando feridas profundas marcadas pela dor e pelo sofrimento.
Assim, na busca de compreender como pensam, sentem e agem as
mulheres idosas vítimas de violência psicológica, é que dedicamos o próximo
capítulo deste trabalho que ora propomos apresentar.
47
4 MULHERES IDOSAS: SUAS PERCEPÇÕES, POSICIONAMENTOS E SEUS PERCURSOS
Nesse estudo, entrevistamos cerca de sete mulheres do SCFVI, com
idade igual ou superior a 60 anos. As entrevistas se realizaram no CRAS, somente
três que foram feitas na residência das próprias idosas pelo fato de morarem
próximas à pesquisadora.
Antes de iniciarmos as entrevistas, perguntamos se poderíamos gravar os
relatos e entregamos para todas as participantes uma cópia do termo de
consentimento livre, esclarecendo os trâmites da pesquisa. Através desse
procedimento ético, as idosas assinaram o termo e permitiram a gravação.
É importante esclarecer que os nomes apresentados nesse seção são
fictícios. Tais nomes foram retirados da obra de Lage e Nader (2012), intitulada Da
Legitimação à Condenação Social, que retrata a história de mulheres que sofreram
violência (psicológica, física, dentre outras) entre os séculos XX e XXI.
4.1 O Significado de Violência: “É Uma Coisa Muito Grave”
Objetivando apreender o significado de violência nos depoimentos das
entrevistas, verifica-se em suas falas, que o termo violência é geralmente associado
à violência física, como um fenômeno destrutivo que assola a humanidade e provoca
medo e insegurança:
Violência acho que é uma coisa muito grave né, que a pessoa ser violenta ou mesmo com os outros né, acho isso muito triste essa parte de violência. É o povo brigando. Aqui vende as coisas [ao lado da casa] e sempre tem ‘fuar’ e eu fecho logo minha porta, tenho medo (Sandra, 79 anos). Violência, né assim as pessoas brigando não!? Eh, que eu já vi nessa semana ali o irmão esfaqueou o irmão; ‘fôi’, era o irmão do marido da minha filha esfaqueou o […] irmão; furada nas costas, dois nos braços, aí foi ‘simbora’ [...] Já hoje de manhã, era lá ‘vizim’ lá em casa, aqueles bicho ‘réi’ bebendo atrás de dar no outro; era outro com a faca aqui dentro [da calça], puxando, ‘num’ é esses tipo coisa né!? (Eliza, 61 anos). O que eu entendo por violência que não é bom. A violência traz muita tragédia na vida da pessoa, e a pessoa com a paz vence tudo minha ‘fia’, porque a paz é o amor, a paz é o amor né. E a violência ela vem trazendo morte minha filha, violência (Joana, 82 anos). A violência é uma coisa grave né, é porque a violência é uma coisa que a gente vê que é terrível, pessoa tá no seu ambiente, chega uma pessoa lhe
48
trata com uma pancada, com um tiro, com uma coisa né, a gente já sabe que violência é uma coisa séria (Ângela, 65 anos).
As entrevistadas relatam o temor que têm em relação à violência e a
consideram como “uma coisa muito grave; tragédia”, efetivada através de agressões
físicas, brigas, pancadas, tiros que podem ocasionar morte. Com base nessas
declarações, observamos, nas palavras de Osterne (2007, p. 26), que “para o senso
comum, a violência é sinônimo do uso da força física, [...]. É, também, percebida
como forma de maltratar, ameaçar ou ir às vias de fato mediante atos de
espancamento ou mesmo provocadores de morte [...]”.
Em contrapartida, identificamos na fala de uma entrevistada outros tipos
de violência que ela considera que estão presentes no dia a dia. Como podemos ver
a seguir:
A violência que a gente já sabe é a violência de brigas; mas existem aquelas outras violências, a maioria de violência do dia a dia né; o nome, a intriga, tudo é violência, a falta de respeito pra mim é violência, o que é errado pra mim tudo é violência (Eliana, 62 anos).
Para a participante, a violência tem um sentido mais amplo, ou seja, não
se restringe apenas as brigas, mas se manifesta através de agressões verbais e
falta de respeito, com o intuito de hostilizar e ofender.
Ao aprofundar a ‘conversa’ sobre essa categoria, duas entrevistadas
declararam os motivos que para elas determinam o aparecimento da violência
familiar, conforme demonstrado a seguir:
A violência familiar, por exemplo, começa assim dos filhos, começa através dos próprios pais, os pais começa com violência brigando dentro de casa com as esposas, as esposas com o marido aí as crianças, os filhos vê, aí quando cresce são tudo violento; violentos também porque, porque já vê a violência dentro de casa e aí ver a violência por aí, aí pronto (Ceci, 60 anos). Violência começa brigando, começa discutindo por ciúme, começa discutindo que quando chega, a mulher às vezes sai de casa e não faz as coisas e, às vezes, também faz mais os homens são ignorantes aí a violência parte daí, aí começa a violência (Aída, 64 anos).
Nesses relatos, verificamos a presença de elementos culturais que
decorrem de noções tradicionais sobre o papel da mulher de cuidar dos filhos e de
seu lar. Esses valores estabelecem que as mulheres devem ser obedientes aos
49
maridos. Caso contrário, se um homem considerar que a mulher não exerceu seu
papel ou extrapolou os limites, pode usar a violência como resposta à sua
desobediência (HIRIGOYEN, 2006).
Não foram poucos os relatos sobre situações de violência contra as
mulheres praticadas pelo ‘outro’, podendo ser um membro da família, um vizinho
e/ou até veiculados em reportagens televisivas, conforme demonstrado a seguir:
Na minha própria família presenciei violência, só que não era violência assim d’eu ver ninguém matando ninguém de faca; mais a minha irmã, quando a minha irmã casou, várias vezes a minha irmã saía correndo, de mato adentro correndo e o marido dela com a foice para matar a minha irmã. [...] Aí ele [o marido da minha irmã] morava também vizinho a outra minha irmã que era casa em casa, aí quando chegava em casa também, só que eu não via, só via só a zoada lá vizinha que eu ficava lá na casa da outra minha irmã, também mais velha do que eu, aí eu ouvia ele brigando muito com ela, só que eu não via ele batendo não (Aída, 64 anos).
Quando eu era moça, que eu morava, aonde eu morava o homem chegava bebo e quebrava tudo dentro de casa, ele era ricaço sabe, aí chegava em casa quebrando tudo, louça, tudo botando panela no mato com comida, com essas coisas assim. E quando ele queria maltratar a mulher e os filhos, nós acolhia eles na minha casa (Sandra, 79 anos). As pessoas que a gente ver, a gente mesmo assistindo à televisão, assistindo o rádio, tem hora que é doido viu, a gente assiste uma televisão ver o filho batendo numa mãe, ver uma filha batendo numa mãe. Agente ver caso de mulher que apanha, toda marcada de ‘pea’ e não tem coragem de denunciar com medo de morrer, porque se for denunciar, eles vão e mata, eu não assisto quase nem programa de televisão mais não, porque tudo que a gente assiste é triste. É drogado atrás de matar a mãe, acho que isso aí é uma violência da própria pessoa, tudo mesmo (Ângela, 65 anos).
Em conformidade com o que foi expresso anteriormente, podemos
mencionar Gergen (2009), que considera a presença do ‘outro’ nos discursos dos
sujeitos como fundamental para que haja uma interlocução ou suplementação dos
seus pensamentos e sentimentos em relação a determinado conteúdo que estes
vivenciam ou não (apud MORÉ; WANDERBROOCKE, 2012).
No momento em que perguntamos as entrevistadas como é ou era
(devido algumas estarem viúvas) sua relação com o seu marido ou companheiro,
como elas o percebiam; em geral, responderam:
Em casa ele só fazia muito era beber. Trabalhava no DESTE passava de mês ‘todim’ sem trabalhar, ainda bem que não botaram pra fora. Aí, [risada], saía de casa de madrugada; sete horas da manhã já vinha chegando bebo, bebia uns três porre no dia. [...] Quando é no outro dia nem se lembra do que fez, quando tá assim bebo (Eliza, 61 anos).
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Ele tinha muito ciúme de mim, era briga toda hora, ele tinha tanto ciúme que ele andava até atrás da minha sombra. Era horrível, morava em Fortaleza, eu vinha pra cá, pensava que ele ia trabalhar, quando eu dava fé, ele ‘tava’ aqui no meu pé, era desse jeito, horrível, horrível. [...] Eu pensava assim, “eu nunca vou querer me casar com o homem assim que beba cachaça”, só que eu casei sempre (Aída, 64 anos).
Neste último depoimento, a participante nos relata que quando era
pequena presenciou cenas de violência e aquilo a deixou com tanto medo que ela
disse a si que nunca iria se casar com um homem que ‘beba cachaça’, mas acabou
casando.
Nas falas, também se detectaram alguns fatores considerados agravantes
da violência, dentre eles o alcoolismo e o excesso de ciúme. Segundo Osterne
(2007):
O álcool atua como fator situacional que aumenta a probabilidade da violência, uma vez que reduz a inibição, embota o julgamento e tolhe a capacidade de a pessoa interpretar sinais. Seu excesso, sem dúvida, poderá aumentar a violência de gênero ao estimular atritos e desavenças. Além do mais, parece claro que as mulheres de homens que bebem correm maiores riscos de sofrer violência por parte de seus companheiros e que os homens alcoolizados são mais vigorosos na hora da agressão [...] (OSTERNE, 2007, p. 222).
Para Padilha e Silva (2012), a pessoa alcoolizada muitas das vezes torna-
se agressivas, capaz de prejudicar a integridade física e mental da ‘vítima’. Contudo,
ao estarem sóbrios declaram, em boa parte dos casos, que não se lembram do que
tenham feito durante o estado de embriaguez. E, em alguns casos, as ações do
marido são justificadas pela mulher pelo fato de este estar alcoolizado, como se a
culpa fosse do álcool. Como bem representa a seguinte fala:
Aí quando foi um dia, ele [marido] ‘tava’ bebendo, ‘oia’ a comida que eu fazia, meu Deus do Céu, tirava todinha e dava, comia mais os outros, mais os colegas, tá bem maduro [velho], vendia um tamborete, vendia um prato, vendia uma colher, vendia tudo, nem tinha mais nada dentro de casa, aí eu fui pegando aquele desgosto, aquela revolta e quando foi um dia, ele mandou que o Antônio me carregasse, aí eu disse ao Antônio, ele tá bebo, não repara isso não, que ele tá bebo (Joana, 82 anos).
Quando questionadas se em algum momento de sua vida sentiram sofrer
algum tipo de violência, muitas a priori negaram, contudo no decorrer das
entrevistas, ao se sentirem mais à vontade, acabaram fazendo menção à violência
sofrida por parte de algum membro familiar, conforme evidenciado nestas falas:
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Teve uma vez, quando eu morava ali em cima, em frente ao Mercantil, só uma vez, ele [marido] me bateu (Eliza, 61 anos). Já. Eu sei que tem muita gente que me maltrata. Quem sofreu foi eu, tá aqui (mostra sua deficiência na mão), vivendo nas casas, era levando humilhação, levando carão disso. E ninguém foi por mim, no caso que eu cheguei precisar, ninguém [da família] foi do meu lado, só eu mesmo e Deus, né não. [Chora]. (Ceci, 60 anos).
Eu nova, eu morava aqui não, eu morava no interior de Pacatuba, e os meus filhos da primeira família bebia muito e chegava, teve um que chegou, mais novo chegou, não o mais velho chegou, aí pegou uma palavra, o mais velho chegou, aí ‘tava’ me matando enforcada né, faz muitos anos isso, faz muitos anos, aí o mais novo pegou ele com a faca e deu seis ‘teixeradas’ nele, aí aquilo ali foi uma coisa tão horrível que quase que me apago, é horrível minha filha, é horrível (Joana, 82 anos).
Em relação ao último caso, podemos mencionar o pensamento de Borges
(2005), quando declara que o filho ao chegar à fase adulta, em alguns casos torna-
se capaz de discriminar e maltratar a mulher que o educou, criando um outro mundo
determinado por uma suposta superioridade que é implantada nas suas ações,
reafirmando a cultura machista e sexista.
Outras, porém, declaram ter sofrido violência por parte de pessoas
externas, como demonstrado nessas declarações:
Graças a Deus não, por parte do meu marido não e nem de ninguém. Pra não dizer nem de ninguém, só uma vez vi uns ladrão, mas os ladrão não fizeram nada comigo não, pois eles não bateram em mim nem nada, não (Aída, 64 anos). Na família não, só a vizinha que cortou dois ‘pé’ de, um foi um pé de tomate carregado de tomate dentro do meu quintal e o outro foi um pé de mamoeiro. Aí eu disse, eu nem discuti com ela, [...] aí ela mim xingou; mim xingou que foi preciso eu ir pra delegacia; porque eu não ‘tava’ ofendendo a ela em coisa nenhuma, e ela me ofendeu e me chamou de cabra velha sem vergonha. [...] (Sandra, 79 anos).
Nos depoimentos, percebemos que a violência pode ser perpetrada por
diferentes pessoas, em distintos contextos, podendo ser o filho(a), irmã(o), o marido
ou companheiro e até pessoas que não são do convívio familiar, como no caso a
própria vizinha.
E é a partir destas constatações que prosseguimos a pesquisa,
analisando a percepção das entrevistadas sobre a violência psicológica, buscando
detectar se as idosas sofrem e/ou sofreram esse tipo violência no âmbito
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intrafamiliar, bem como identificar quais foram as atitudes tomadas por elas diante
da violência psicológica, resgatando suas histórias de vida.
4.2 Violência Psicológica e Relações Familiares: “Ofendia, Chamava de Nome ‘Fei’, Nome ‘Fei’ Desagradável”
Ao indagarmos as entrevistadas sobre sua percepção em relação à
violência psicológica, em geral, as mulheres idosas disseram não saber explicar
esse tipo de violência, dentre os motivos por nunca terem ouvido falar, como
comprovado nas falas reproduzidas a seguir:
Não, nem imagino não (Aída, 64 anos). [Pensou] não sei, sobre isso aí eu não entendo muito não, porque, mas eu acho que violência é uma coisa muito triste na vida da pessoa, pessoa ser violenta e/ou querer fazer alguma violência com alguém, eu sou contra isso (Sandra, 79 anos). Agora eu não sei lhe responder não, não sei responder não isso aí (Joana, 82 anos). Essa aí eu não ‘tou’ bem por dentro não, psicológica é assim o quê? Um acho problema que a pessoa tem, com a pessoa mesmo não? Eu penso assim, que seja uma coisa que não tem o domínio da pessoa, só pode ser isso, uma coisa que não tem o domínio da pessoa né, a pessoa faz aquilo. A pessoa mesmo, a própria pessoa, por exemplo como é que uma pessoa tem condição assim de pegar e tirar sua própria vida, isso aí, eu já acho que seja uma violência psicológica. Nasce da própria pessoa. (Ângela, 65 anos).
Duas das entrevistadas, contudo expressaram sua percepção,
demonstrando saber distinguir a violência psicológica das demais, ao afirmarem que
esta violência tem como objetivo amedrontar, ameaçar e “fazer o mal” através de
atitudes grosseiras que ocasionam medo e baixa autoestima. Eis os depoimentos:
A violência psicológica é aquela que você fica fazendo medo, oh se não fizer isso vai acontecer isso! Aí a pessoa vai levando né. [...] Violência Psicológica eu acho que é violência do mesmo jeito; porque ‘normal’ até onde der. Eu acho que a violência psicológica assim de, acontece né, assim, por exemplo, com uma pessoa, a família fica fazendo oh si tu fizer isso vai acontecer isso; se tu disser, falar, não pode falar, não se deve denunciar, senão eu te mato, vai acontecer isso (Eliana, 62 anos).
A pessoa tem essa violência mais na hora que a gente sente assim, não se sente bem. Mas eu digo assim, é quando a pessoa faz um mal a gente e a gente não fica gostando e não fica satisfeita com aquilo que a pessoa fez com a gente, a maldade nem nada. Às vezes é as pessoas que quando
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mexe com a gente, que a gente não gosta, é por grosserias (Ceci, 60 anos).
Diante dos relatos, percebemos que a violência psicológica é
desconhecida por grande parte das participantes, embora, haja a tentativa das
mesmas de definir esse fenômeno.
Segundo Silva et al. (2007) a violência psicológica é uma categoria que é
negligenciada pelo fato de a mídia destacar nos jornais apenas a violência
doméstica ou familiar que causa danos físicos graves ou mesmo quando leva à
vítima a óbito. E também por não ter relevância, para alguns pesquisadores, a
violência psicológica, a qual, muitas vezes, nem sequer é citada em artigos.
Esses fatores contribuem para a construção do imaginário das entrevistas
sobre o conceito de violência, o qual para muitas pessoas está associado a
agressões físicas, como já mencionado no primeiro tópico.
Apesar de as entrevistadas desconhecerem a violência psicológica, é
possível identificar, no decorrer da “conversa”, alguns casos dessa violência no
âmbito intrafamiliar. Alguns ocorreram quando as entrevistadas eram ‘jovens’; tendo,
em geral, como maiores perpetradores da violência os maridos ou companheiros.
Joana (82 anos), uma das entrevistadas, passou por momentos de
violência psicológica e moral durante boa parte de sua vida conjugal. Ela casou-se
aos 16 anos sem conhecer intimamente o seu esposo. Os motivos que a levaram a
tomar essa decisão foi o desejo de se libertar das humilhações que sofria pelo seu
padrasto, conforme apresentado a seguir:
Eu me casei assim, primeiro namorado, porque a mamãe era separada do meu pai, a mamãe tinha um homem esse homem não gostava de nós, e eu queria ficar do lado da mamãe e ele só chamava nós por nome ‘fei’, só chamava a gente por nome ‘fei’, aí quando foi, eu disse assim, mãe, mamãe, eu não sei nem o que é namorar, mas um dia que aparecer um rapaz pra me tirar daqui eu me caso, ela disse assim: “minha filha, só sai de casa quando casada. Aí apareceu um rapaz na Tabatinga que foi casou-se comigo, mas eu não queria não, mas mesmo eu quis, casei com ele, aí passei só dez anos com ele.
Porém, no seu casamento, Joana (82 anos) continuou sofrendo
humilhações e privações por parte de seu marido, que era quatorze anos mais velho
que ela. Como ela mesma relata ele tirou tudo dela e até sua autoestima. Segundo
Joana (82 anos):
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Ele foi tão ruim minha filha, eu vivia na casa do patrão, eu saí da casa dele pra casar com ele. Olha, minha roupa se acabou, calçado se acabou, tudo que era meu se acabou-se, tudo que era meu se acabou-se tudo, ele nunca me deu nada, só me deu 5 filho, ele era tão ruim, passei 10 anos com ele, ele bateu em mim não, mas passei muita fome, xingava, mandava eu trabalhar, eu não podia porque os meninos eram pequeno, eu dizia assim Raimundo quando eu sai da minha casa, do meu patrão, da casa da minha mãe para mim casar contigo, era pra ter liberdade, ter um pessoa pra me dar o que eu precisasse, mas eu me enganei, isso era de ‘tardizinha’, eu chorava, eu chorava era muito, mais aí ele mandava a João me levar no bar, ele dizia assim, bebo como todo com os colegas dele ele dizia assim, chamava pelo nome das pessoas fulano leva a mulher com você, pra tu, eu não tenho condição de assumir ela não, eu olhava pra ele e tocava o pé no chão e dizia assim, Raimundo tu é doido é, o meu entendimento é olha tu soubesse quando a mulher deixar seu marido por outro, chama-se esse homem de corno, eu dizia pra ele né, tu é doido Raimundo? Tô nem ligando não, quando foi um dia eu disse assim aí de tanto ele fazer isso comigo, olhe no dia que aparecer um homem agora que me cantar, a pois eu vou me bora com ele, eu disse a ele, eu vou me bora e os meninos fica com você, que quando eu saí de casa era uma moça livre, não levava filho. Sofri dez anos, sofri muito, aí eu deixei ele.
De acordo com Pinheiro (2009), embora as mulheres se submetam à
violência em razão das ameaças e do medo, elas não são passivas, e sim
participantes desta, por esboçarem reações de defesa. Mesmo aquelas que falam
não se importar com as agressões, contudo, em algum momento podem esboçar
uma reação diante dos fatos, mesmo que seja contando sua trajetória de vida, assim
como fizeram os sujeitos da pesquisa.
No caso da Senhora Eliza (61 anos), logo no começo do seu
relacionamento ela sofreu ameaças por parte do seu marido, vivendo momentos de
medo e aflição, como demonstrados nesse depoimento:
Logo no começo quando nós saímos daí, e fomos morar ali, ele era besta corria até atrás de mim com faca e eu entrava na casa da minha vizinha, ficava lá escondido até ele dormir; era assim. Havia casos que ele dizia que arrumava uma rapariga no DESTE (trabalho), viajava pra fora, todo canto ele arrumava uma ‘muier’, num tempo até ‘inoivor’ [risada]. Mas só inventando né lá, ele não ia casar porque ele era casado aqui. Aí depois que ele ficou só bebendo ‘réi’, doente ‘réi’, mas não sabia mais de nada, aí se acalmou. [risada].
Para Osterne (2007, p. 220), nos diferentes relacionamentos a violência
adquire diversos significados; ou seja, “[...] os distintos padrões de comportamento
instituídos para o masculino e feminino atualizam-se nas relações interpessoais e
passam à experiência como singulares [...]”. Segundo essa mesma autora, os
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elementos que atribuem significância nesta distinção são: o alcoolismo, as privações
materiais, o ciúme, o aparecimento de uma terceira pessoa na relação conjugal.
Pode-se conferir que, nas duas histórias contadas, os comportamentos
dos companheiros eram constituídos por padrões machistas socialmente destinados
a estes. No primeiro caso, as privações, o autoritarismo; e, no segundo, o
comportamento não se difere muito, mas acrescenta a traição que integram a fala
das mulheres que ressalva as desigualdades entre homens e mulheres.
Na velhice, também, podemos identificar revelações que configuram o ato
da violência psicológica, ainda que a maioria das mulheres não encarem como
violência. Na velhice, os agressores, geralmente, são: sobrinhos(as), irmãs, marido e
nessas relações detectamos que as atitudes tomadas pelas entrevistas foram
diversas; algumas alegam não ficar caladas diante das agressões verbais, outras
não tomam nenhuma atitude por não considerarem xingamentos, humilhações como
forma de violência; somente uma que alegou ter ido à delegacia denunciar a irmã,
conforme demonstrado nesses depoimentos:
Xingava, quando ele bebia, aí quando eu ia pra Igreja, só que graças a Deus ele nunca bateu em mim, nunca me mostrou uma faca, nunca me mostrou uma foice não; mas era só xingar; aí ele dizia assim: “vai, vai, vai, ‘tim bora’, pega tua rede e vai ‘tim bora’, vai morar mais o pastor”. Eu dizia: “homem, o pastor é casado, o pastor tem a mulher dele bem novinha, eu não faço conta de pastor não, eu quero saber é da minha salvação”. Aí ele brigava, brigava, quando eu pedia dinheiro a ele, ele dizia assim: “vai trabalhar, se você quiser seu dinheiro, vai trabalhar”, por isso que hoje em dia, muita gente repara, mais hoje em dia eu vivo ainda na mesma vida, na mesma vida, vendendo as minhas coisinhas e tudo e só que agora é diferente, se eu pedir qualquer dinheiro a ele, ele me dar, mais eu me acostumei já assim, viver a minha vida assim, eu saio, continuo vendendo, só que agora ele é outra pessoa, depois que deixou a outra mulher, que ele tinha outra, ele dizia assim, “você vai ter que trabalhar, que é pra eu poder sustentar a outra”, tu acha, dizia, dizia na minha cara. Foi um dia desse. Aí xingava, porque ele dizia desse jeito, que eu tinha que trabalhar para ele dar as coisas pra outra. (Aída, 64 anos). Morava em Fortaleza na época que o homem morreu, aí me deram a casa aqui pra mim morar, só que não era assim não, era de taipa, três ‘compartimentozinhos’ da minha mãe, aí vim pra cá morar aqui, quando chegou umas altura, aí começaram a me pressionar pra eu sair de casa, sem eu ter pra onde ir. Não tinha condição de comprar uma casa, não tinha condição de alugar uma casa, não tinha condição de morar em canto nenhum, porque uma pessoa que recebe um salário não tem condição de pagar um aluguel de casa, aí fiquei né mulher, tinha dia que eu ia pra delegacia, tem dia que era a minha irmã na minha porta, tem dia que alarmei até o meu medidor da luz aqui, o meu sobrinho subiu e cortou lá em cima a energia e deixou eu no escuro a noite todinha. Essa outra que mora aí [irmã], eu comecei a fazer isso aqui [compartimento da casa], aí ela já começou a mim xingar, aí tinha uns pau aqui que eu estendia a roupa, aí quando ela passou pro beco, que eu tirasse os pau dali que tava
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empatando. Todo esse tempo e veio empatar agora? Eu sei que ela começou a me esculhambar, ela me chamava disso e eu dizia que era ela, aí eu tava com a ‘lavanca’ na mão cavando o buraco e ela disse: “tá pensando só porque você tá com essa ‘lavanca’ na mão que eu não vou te dar uma tapa; não dou uma tapa em tu porque eu tenho pena de tu; desse jeito. Hoje em dia ela ainda me faz mal, ela implica comigo aqui na frente; ela vai perder o tempo dela, mas eu não vou gastar saliva com ela de jeito nenhum, não brigo com ela, ela vai morrer doida. Ela passa aí [pela frente da casa] se eu tiver aí fora, vou pra dentro e fecho as portas. (Sandra, 79 anos). Olha, quando tu tiver velha vai fazer isso e isso. Comigo houve uma brincadeirinha, mais como eu não sou muito besta, eu cortei logo, não sabe, olha quando tu tiver velha vou te botar no asilo, se tu não já tiver lá, minha sobrinha, quando tu tiver velha vou te botar é no asilo, se tu não já tiver lá, pois tu dessa idade tu é mais doida do que eu, não dá certo não, mais aí eu deixo, não dá certo não, mais aí eu deixo levar porque eu gosto deles, não parto para ignorância não, eu levo na esportiva, tem gente que é exagerado. [pessoas falando no momento]. A minha sobrinha “tia se a tia morrer a tia vai deixar isso assim, assim pra mim não”. É e ela diz. É se eu morrer. Mas a violência acontece porque a pessoa diz uma coisa, você já fica se chateando e já vai na ignorância. Eu não vou ser a tia chata eu levo na esportiva. (Eliana, 62 anos).
Silva (2011) adverte que apesar da violência psicológica ser real, ela
ainda é invisível na vida social. Trata-se de violência silenciada, escondida na
sociedade, e em muitos casos justificada pelo senso comum e, até mesmo vista
pelo(a) próprio(a) idoso(a): “como uma brincadeirinha!”.
A violência contra a mulher idosa é sobretudo familiar; por isso, torna-se
muito complicado romper o silêncio. Geralmente, em defesa do agressor, algumas
idosas se omitem e/ou até mesmo banalizam a agressão. Além disso, percebe-se
que em muitos casos a violência psicológica não é identificada pelas idosas
entrevistadas como uma forma de violência; sendo diluídas e encaradas com
naturalidade.
Percebemos que ao escutá-las, revisamos conceitos e atitudes
relacionadas à violência psicológica no interior das relações familiares e passamos a
compreender que nem tudo que se mostra visível é real, pois cada uma vivenciavam
situações que os ‘outros’ e até nós mesmos não conseguíamos enxergar.
Navegando nessa direção, é que tecemos as considerações finais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se tomar a temática violência psicológica contra a mulher idosa no
âmbito intrafamiliar como objeto de estudo, já se percebia que se tratava de um
tema complexo, uma vez que envolvia três categorias de análise abrangentes:
velhice, gênero e violência.
Como vimos no decorrer da pesquisa, falar de velhice logo nos remete a
falar de mulheres idosas, já que o envelhecimento têm se mostrado uma vivência
feminina. E de fato constatamos que esse fenômeno é real entre as participantes da
pesquisa, pois em sua maioria são mulheres viúvas, demonstrando serem mais
longevas do que os homens.
A morte do esposo ou companheiro, para muitas delas, possibilita libertar-
se da rotina doméstica que lhes fora designada na juventude e vida adulta, dadas as
prevalecentes relações de gênero. Ao ficarem viúvas e viverem sozinhas, podem
combinar inúmeras tarefas no seu dia-a-dia, como conciliar o trabalho, a recreação e
a participação em atividades culturais.
No entanto, viver mais nem sempre significa viver bem. Nesse momento
da vida, algumas mulheres enfrentam muitos desafios gerados por uma sociedade
sexista e gerofóbica. As crenças sexistas e gerofóbicas refletem a ênfase da
sociedade na produtividade, memória e beleza atribuindo às idosas estigmas e
preconceitos, os quais, em muitos casos, podem gerar violência, dentre elas a
psicológica, por esta ser uma violência silenciosa que ocorre principalmente na
família, sendo difícil identificá-la.
Além do que a violência psicológica é negligenciada pela mídia, o que
acarreta um menor reconhecimento de sua gravidade. Nos relatos das
entrevistadas, verificamos que elas ao serem indagadas sobre o significado de
violência, muitas vezes, associavam-na à violência que é divulgada nos meios
comunicativos, no caso a violência física.
Analisando, por outro lado, a percepção das participantes sobre a
violência psicológica, conclui-se que embora a grande maioria tenha vivenciado essa
violência em algum momento da vida, elas desconheciam o significado desta; e em
muitos casos era justificada a fim de proteger o agressor, sendo diluída e encarada
com naturalidade. Tais posturas demonstram a falta de esclarecimento das idosas
sobre a violência psicológica (e não só).
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Constata-se que a violência psicológica contra a mulher idosa vem desde
a sua juventude, e que para algumas entrevistadas o ciclo da violência não se
rompeu, devido às desigualdades de gênero e socioculturais existentes nas relações
familiares. Foi nessa realidade que conseguimos perceber que a violência
psicológica nem sempre é reconhecida como tal. Ela integra o modo de vida das
participantes, e se esconde por meio de marcas invisíveis; imperceptíveis aos olhos,
mas que machucam mais que a dor física.
Dessa forma, é imprescindível pensar na prevenção e no combate à
violência de modo geral, isto é, não apenas na violência psicológica, mas também
da violência moral, física, patrimonial dentre outras. Entre as ações preventivas,
podemos assinalar a importância de realizar palestras informativas, nos grupos de
convivência, nas escolas e nas universidades, buscando apoio das redes existentes,
garantindo que a violência contra a mulher idosa seja tratada abertamente pela
sociedade, a fim de desconstruir a imagem produzida pelo senso comum, como algo
trivial.
O presente estudo possuirá suma importância na pauta de debates do
Serviço Social, pois possibilitará aos profissionais atualizar o seu arcabouço
operativo e analítico, perante a problemática apresentada, para subsidiar políticas
sociais públicas voltadas para a mulher idosa. Podendo contribuir no fortalecimento
de pesquisas existentes e ampliar na divulgação dos possíveis resultados
provenientes desses novos planejamentos, transformando o fenômeno da violência
contra a mulher idosa uma questão pública.
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APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA
PERFIL GERAL
Nome:
Data de Nascimento:
Estado Civil: ( ) solteira ( ) casada ( ) divorciada ( ) viúva.
Escolaridade: ( ) analfabeta ( ) alfabetizada ( ) ensino fundamental incompleto ( )
ensino fundamental completo ( ) ensino médio incompleto ( ) ensino médio
completo ( ) ensino superior incompleto ( ) ensino superior completo.
( ) BPC ( ) Aposentadoria ( ) Pensão
Composição Familiar:________________
PERGUNTAS PRINCIPAIS
1. Em sua opinião, o que significa violência?
2. Em sua opinião, o que significa violência psicológica?
3. Na sua trajetória de vida, a senhora presenciou algum conflito familiar? Se sim,
como ocorreu?
4. A senhora, alguma vez, sofreu algum tipo de violência? Se sim, como ocorreu?
5. A senhora, alguma vez, foi humilhada, constrangida, coagida, ofendida,
discriminada por algum familiar? Se sim, como ocorreu?
6. Que atitude a senhora tomou nessa situação?
7. Que atitude a senhora tomaria, caso tivesse passado por essa situação?
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APÊNDICE B – IMAGENS DO LÓCUS DA PESQUISA
CRAS/Sapupara
Fonte: PAIVA, M. L. D. Maranguape, 2014.
Grupo do SCFVI
Fonte: PAIVA, M. L. D. Maranguape, 2014.
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APÊNDICE C - MULHERES ENTREVISTADAS
Fonte: PAIVA, M. L. D. Maranguape, 2014. Fonte: PAIVA, M. L. D. Maranguape, 2014.
Fonte: PAIVA, M. L. D. Maranguape, 2014. Fonte: PAIVA, M. L. D. Maranguape, 2014.