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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ

EDINARDO TAVARES DE SOUZA

LEI “MARIA DA PENHA” E OS JUIZADOS ESPECIAIS

MACAPÁ-AP

2008

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EDINARDO TAVARES DE SOUZA

LEI “MARIA DA PENHA” E OS JUIZADOS ESPECIAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ensino Superior do Amapá-CEAP, para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Prof. João Melo Rosa.

MACAPÁ-AP

2008

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EDINARDO TAVARES DE SOUZA

LEI “MARIA DA PENHA” E OS JUIZADOS ESPECIAIS

TERMO DE APROVAÇÃO

Estudo monográfico apresentado e aprovado no mês de outubro de 2008, como

requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito pelo Centro de

Ensino Superior do Amapá CEAP.

DATA:

____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________________

Orientador: Professor João Melo Rosa

_________________________________________________________

Examinador

__________________________________________________________

Examinador

Macapá 2008

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A minha gratidão à minha querida mãe, Maria Luiza, ao meu querido pai Edinardo Souza e sobretudo ao meu Senhor e salvador Jesus Cristo, pelo incentivo e orientação na busca de uma vida digna, através do respeito, amor, misericórdia, temperança, perdão, bondade e fortalecimento em todos os meus momentos de luta e adversidades, nesta inesquecível conquista.

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“Os homens vivendo em uma privativa

independência, não têm entre si uma

relação assaz constante para constituir

nem o estado de paz nem o estado de

guerra; não são naturalmente inimigos.

É a relação das coisas, e não dos

homens, que produz a guerra.”

(Rousseau)

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RESUMO

Através de uma pesquisa bibliográfica, este estudo busca discutir a atuação dos Juizados Criminais na aplicação da Lei Maria da Penha, como forma de tornar mais célere os processos, porém sem desconsiderar os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. O advento da consideração das humanidades como princípio basilar de todo o Direito trouxe à tona questões diversas em relação à pessoa humana, porém um aspecto foi fundamental para a alteração das interações sociais: a consideração da mulher como ser ativo e participante, portadora de direitos igualitários, porém, inegavelmente, ainda envolta em sementes culturais que a levam a esconder a violência de que é vítima. A Lei “Maria da Penha” surgiu a partir de determinada situação jurídica, mas existem questões que podem entravar sua aplicabilidade, principalmente no que se refere a não-aplicação dos institutos despenalizadores dos juizados especiais criminais. Avaliadas as principais considerações, concluiu-se que não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. Porém, buscando considerar a validade das ações dos Juizados Especiais, é notório que não há impedimento para os Estados, utilizando-se de Lei de iniciativa do Presidente do Tribunal, atribuam aos Juizados Especiais Criminais competência para processar e julgar os crimes decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher, modificando-os para que possam também atuar Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, porém, convém lembrar que, independente do crime e da pena serem ou não compreendidos no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, não podem ser aplicados os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Palavras-Chave: Lei Maria da Penha – violência – mulher – Juizados Especiais

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ABSTRACT

Through a literature search, this study aims to discuss the performance of the Criminal Courts in implementing the Law Maria da Penha, as a way to speed up the process, but without disregarding the institutes despenalizadores of Law No. 9.099/95. The advent of consideration of the humanities as all the fundamental principle of law has brought to light several issues regarding the human person, but a point was crucial for the modification of social interactions: the consideration of women as being active and participating, bearer of equal rights However, undeniably, still shrouded in cultural seeds that lead to hide the violence that is the victim. The law "Maria da Penha" came from a particular legal situation, but there are issues that may hinder its applicability, especially with regard to non-implementation of the institutes despenalizadores of special criminal courts. Assessed the main considerations, it was concluded that do not apply, so the institutes despenalizadores of Law No. 9.099/95 in case of domestic and family violence against women. However, seeking to consider the validity of the actions of Special Courts, it is apparent that there is no impediment to the states, using the Law of the initiative of President of the Court, give the Special Criminal Courts jurisdiction to prosecute and try those crimes stemming from domestic violence and family against women, modifying them so that they can also act Courts of Family and Domestic Violence against Women, however, it should be noted that regardless of crime and punishment or are not included in the concept of criminal violation of lower offensive potential, can not be applied despenalizadores the institutes of Law No. 9.099/95. Keywords: Law Maria da Penha - violence - women - Special Courts

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 08

CAPÍTULO I – AS ORIGENS DA LEI MARIA DA PENHA ................................. 10

1.1 Aspectos Gerais .......................................................................................... 10

1.2 De onde surgiu a “Lei Maria da Penha” .................................................... 14

CAPÍTULO II – A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A INFLUÊNCIA DOS

PARADIGMAS SOBRE A FAMÍLIA ........................................... 18

2.1 Algumas referências sobre a evolução da Família ................................... 19

2.2 Dados estatísticos existentes sobre a Violência Doméstica .................. 26

CAPÍTULO III – A LEI 11.340/2006 E SEUS DISPOSITIVOS ........................... 31

3.1 O QUE É VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ............................................................ 31

3.2 Competências ............................................................................................. 33

3.2.1 Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher .................... 35

3.3 Configuração da violência doméstica ...................................................... 35

3.4 Das medidas protetivas de urgência .......................................................... 38

3.5 Outros Aspectos atendidos pela Lei 11.340/06 ........................................ 41

3.6 Repercussões na legislação penal ............................................................ 42

CAPÍTULO IV – OS JUIZADOS ESPECIAIS E A APLICAÇÃO DA LEI

“MARIA DA PENHA” ................................................................ 45

CONCLUSÃO ..................................................................................................... 50

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 52

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INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, cresce cada vez mais a consciência de que o ser humano

deve ser portador da atenção primeira da sociedade, pois é ele que nela interage,

ao mesmo tempo em que todos os esforços se voltam para o convívio social, de

maneira organizada e rotineira.

A mulher, como ser atuante nessa sociedade, mas que, no decorrer da

história, desde os primórdios e até bem pouco tempo atrás, foi subjugada, tanto

que, culturalmente, esta marca ainda se lhe impõe.

O advento da consideração das humanidades como princípio basilar de

todo o Direito trouxe à tona questões diversas em relação à pessoa humana,

porém um aspecto foi fundamental para a alteração das interações sociais: a

consideração da mulher como ser ativo e participante, portadora de direitos

igualitários.

No Brasil, principalmente nos lugarejos mais afastados, a condição de

subserviência ainda permanece. Nos grandes centros e cidades, as relações

conjugais ainda são um tabu, motivo pelo qual muitas mulheres ainda se calam

diante da violência familiar.

A Lei “Maria da Penha” surgiu a partir de determinada situação jurídica,

mas existem questões que podem entravar sua aplicabilidade, principalmente no

que se refere a não-aplicação dos institutos despenalizadores dos juizados

especiais criminais.

A criação dos os juizados especiais cíveis e criminais surgiu com a

finalidade de diminuir a quantidade de causas e coibir a sensação de

impunidade, sempre visando os princípios da celeridade e economia processual,

através de um procedimento oral e sumaríssimo.

Com este espírito veio a Lei nº 9099/95, buscando a oralidade,

informalidade, economia processual, celeridade e, pela primeira vez, dando-se

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atenção à vítima, com clara preferência pela aplicação de penas não privativas de

liberdade.

Assim fundamentados nas inúmeras discussões que precederam à lei em

exame, estabeleceu-se a problemática para apurar se os mecanismos propostos

pelo JECrim – Juizados Especiais Criminais são suficientes para conter a onda de

violência contra a mulher ou se, ao contrário, haveria necessidade da adoção de

medidas mais específicas, visando atacar, diretamente, o problema.

Com a busca de respostas aos questionamentos propostos, através de

uma pesquisa bibliográfica, espera-se contribuir para o esclarecimento sobre a

atuação dos JECrim diante do que estabelece a Lei Maria da Penha e a Carta

Magna.

Nesse sentido, os estudos levaram ao trabalho proposto, que traz, em seu

primeiro capítulo, dados sobre as origens da Lei “Maria da Penha” e a estreita

relação com a legislação internacional, particularmente capitaneada por órgãos

como a UNESCO.

Já o segundo capítulo aborda os paradigmas construtores que demonstram

de forma as relações familiares influenciam para a ocorrência da violência

doméstica.

O terceiro capítulo trata mais especificamente da Lei nº 11.340/06 (Lei

“Maria da Penha”), apresentando e discutindo seus dispositivos.

Por último, no capítulo final, apresenta-se o tema da Lei Maria da Penha

ligado aos Juizados Especiais Criminais e a validade de sua atuação específica

em relação à Lei 11.340/06.

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CAPÍTULO I – AS ORIGENS DA LEI MARIA DA PENHA

1.1 Aspectos Gerais

A desigualdade formal, conquistada com A Revolução Francesa de 1789

trouxe uma desigualdade que foi formalizada através de paradigmas que

influenciaram a legislação que fundamentou as relações no mundo civilizado,

durante o século XIX e, por que não mencionar, por praticamente todo o século

seguinte (XX).

Com o término da Segunda Guerra Mundial, o Ocidente preocupou-se com

uma realidade característica daquele momento histórico: os direitos eram

outorgados pelo Estado, porém os cidadãos não conseguiam acessá-los

devidamente, tornando-os praticamente inócuos. Nesse sentido, para tornar

efetiva a outorga de tais direitos, fazia-se mister criar condições de acesso a eles.

Com este panorama, o final do século XX traz à baila a necessidade de se

identificar os grupos considerados frágeis, em relação às questões polêmicas de

gênero, raça, nacionalidade, credo, etc., de modo que se deu início às políticas

públicas identificadas como ações afirmativas, que são, em verdade, a

discriminação protetiva de grupos sociais com dificuldade de acesso aos direitos

constitucionalmente estabelecidos.

Dentre os grupos minoritários de maior expressão social está o

discriminado por gênero, não se ignorando que a história da mulher é marcada

por uma condição de inferioridade em todos os povos e civilizações, diminuída

após a Revolução Francesa, mas ainda gritante no século XX.

A desigualdade feminina fez nascer, na sociedade brasileira, o que não se

apresenta como peculiaridade única, sendo uma constante em diversos países,

com maior ou menor intensidade, uma cultura de violência oriunda da própria

posição de superioridade social do homem, incentivada por razões de poder na

divisão do mercado de trabalho e de predominância política e, por fim, pelo

silencioso consentimento social, seja das vítimas, seja de terceiros pela cultura de

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inferioridade da mulher. Tais pressupostos foram ratificados pelos conceitos de

família vigentes na grande maioria das sociedades ocidentais e orientais, a partir

da proeminência da figura masculina.

Diante dessa realidade, a violência contra a mulher tornou-se, então,

invisível aos olhos da sociedade tolerante e, por isso mesmo, no exercício de um

surdo pacto de silêncio, traduzido em ditados populares que bem expressam o

comportamento social: “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”;

“roupa suja se lava em casa”; “a mulher casada está em seu posto de honra e da

rua para fora nada lhe diz respeito”.

Graças aos movimentos feministas, a partir de 1910, tornaram-se públicas

as discussões sobre a independência da mulher, para superação da sua pseudo-

inferioridade, anotando-se, a partir dos diversos embates, a gravidade da

violência doméstica.

A discussão pública sobre o tema ficou mais evidente na década de 70 e,

nos anos 90, com mais veemência, veio à tona o tema, quando os movimentos

feministas incipientes mais atuantes fizeram nascer as Organizações Não-

Governamentais (ONG) e as associações, com militância constante e

competente, direcionando-se para um objetivo comum: envolver o Estado por via

de políticas públicas e sociais, no sentido de acabar com a violência contra a

mulher.

Ao final do século XX, pode-se perceber que houve uma quebra de

paradigmas, refletida nas chamadas ações afirmativas em seu favor, a partir do

objetivo de eliminar a violência doméstica ou social contra a mulher.

Os casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres são um

problema mundial. Já em 1979, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a

Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as

Formas de Discriminação contra a Mulher. O governo brasileiro foi um dos que

assinaram a Convenção, comprometendo-se a tomar medidas para que os

objetivos fossem alcançados.

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No sistema global de Proteção Internacional dos Direito Humanos, em

especial com relação à discriminação contra a Mulher, o Brasil ratificou a

Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a

Mulher, (1979), Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas

as Formas de Discriminação contra a Mulher (1999). Já no sistema regional

interamericano, houve a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir,

Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de

Belém do Pará (1994).

Quando o Brasil foi convidado para participar do Congresso Internacional

de Mulheres, realizado em Beijing em 1995, despertou para a dificuldade em

traçar as metas a serem discutidas pela ausência de dados estatísticos sobre a

atuação da mulher brasileira, e tal constatação acabou por dificultar ações

direcionadas à busca de solução para tal problema.

Por outro lado, surge a Constituição Federal de 1988, que instituiu como

um dos princípios fundamentais do Estado a “dignidade da pessoa humana”,

dentro da garantia de que todos são iguais, sem distinção alguma, proibindo,

inclusive, diferença salarial, diferença de critérios de admissão por motivo de

sexo, dispositivos que deixam clara a posição de combate à discriminação.

A conquista maior veio com a Lei 9.099/95, diploma que instituiu os

Juizados Especiais, possibilitando maior celeridade e eficácia às punições de

delitos de baixo potencial ofensivo, classificando-se como tais os casos mais

comuns de violência doméstica contra a mulher.

Lamentavelmente, a realidade mostrou-se inteiramente diferente da idéia

conceitual dos que lutaram pela aprovação da Lei dos Juizados. Em pouco tempo,

chegou-se à conclusão que o diploma legal serviu para a legalização da “surra

doméstica”. Sem flagrante, sem fiança e com a possibilidade de acordo, ainda na

fase policial, impunha como condenação o pagamento de uma multa, a entrega

de cestas básicas ou a prestação de serviço à comunidade, apagando por

completo a acessão perpetrada.

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A suavidade da pena e o desaparecimento da culpa do agressor pelas

tratativas procedimentais levavam à reincidência, ou seja, outra surra, outra

agressão, acompanhada de coação, para que a vítima não usasse o suporte legal

nos próximos embates.

No decorrer dos estudos em direção ao objetivo da igualdade, os

estudiosos chegaram à conclusão que o ponto de partida para a construção de

uma política eficiente seria a coleta de dados estatísticos, possibilitando tais

números ao traçado de um diagnóstico e, depois, à implantação de um sistema de

prevenção eficiente, afastando-se as verdades e mentiras que sempre povoaram

o imaginário social. Ainda hoje ressente-se a Nação de precisão numérica de

dados. Apenas dados obtidos do IBGE, dos recenseamentos de 1988 e 2001, de

pesquisas isoladas procedidas pelas Secretarias de Segurança Pública dos

Estados e de uma única pesquisa direcionada, realizada pela Fundação Perseu

Abramo em 2001, trouxeram dados esparsos no tratamento do tema.

A partir daí, passou a ser a meta prioritária dos movimentos feministas a

produção de dados e indicadores atualizados. Graças a esta consciência, veio a

lume a Lei 10.778/03, diploma que torna obrigatório aos hospitais e clínicas

médicas preencher questionário específico de informação sobre atendimento

médico à mulher que chega aos hospitais e clínicas com sinais de agressão física

ou psíquica. Lamentavelmente, passados quatro anos a lei mencionada ainda não

foi regulamentada, nem sequer implantada.

Um antecedente legislativo em favor da inibição da violência contra a

mulher, ocorreu em 2002, através da Lei nº 10.455/02, que acrescentou ao

parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9.099/95 a previsão de uma medida cautelar,

de natureza penal, consistente no afastamento do agressor do lar conjugal na

hipótese de violência doméstica, a ser decretada pelo Juiz do Juizado Especial

Criminal. Outro antecedente ocorreu em 2004, com a Lei nº 10.886/04, que criou,

no art. 129 do Código Penal, um subtipo de lesão corporal leve, decorrente de

violência doméstica, aumentando a pena mínima de 3 (três) para 6 (seis) meses.

Nenhum dos antecedentes foi realmente um estopim pronto para tratar

devidamente a violência contra a mulher. A violência doméstica continuou

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acumulando estatísticas, infelizmente. Isto porque a questão continuava sob o

pálio dos Juizados Especiais Criminais e sob a incidência dos institutos

despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Alguma coisa precisava ser feita: era

imperiosa uma autêntica ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência

doméstica, a desafiar a igualdade formal de gênero, na busca de restabelecer

entre eles a igualdade material.

Desta feita, o texto legal da Lei 11.340/2006 foi o resultado de um longo

processo de discussão a partir de proposta elaborada por um consórcio de ONG

(ADVOCACY, AGENDE, CEPIA, CFEMEA, CLADEM/IPÊ e THEMIS). Esta

proposta foi discutida e reformulada por um grupo de trabalho interministerial,

coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, e enviada

pelo governo federal ao Congresso Nacional.

Através da relatoria do projeto de lei, foram realizadas audiências públicas

em assembléias legislativas das cinco regiões do país,ao longo de 2005, que

contaram com intensa participação de entidades da sociedade civil e resultaram

em um substitutivo acordado entre a relatoria, o consórcio de ONG e o executivo

federal que terminaria aprovado por unanimidade no Congresso Nacional e

sancionado pela Presidência da República.

Em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha dá

cumprimento, finalmente, à Convenção para Prevenir, Punir, e Erradicar a

Violência contra a Mulher, da Organização dos Estados Americanos (OEA),

através da Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Estado brasileiro há 11

anos, bem como à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra a Mulher (CEDAW), da ONU.

1.2 De onde surgiu a “Lei Maria da Penha”

O nome desta lei é uma homenagem a Maria da Penha, uma mulher que

foi vítima da violência do marido e por isso ficou paraplégica, mas não se

intimidou em lutar durante quase 20 anos por justiça, enfrentando a morosidade

dos processos jurídicos, até ver o seu agressor punido. Seu exemplo de força e

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de luta possibilitou que o País se mobilizasse para dar um basta a essa atitude

inescrupulosa de violência contra a mulher no âmbito familiar.

Em 29 de maio de 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha foi vítima de

violência praticada por seu ex-marido, que disparou contra ela durante o sono e

encobriu a verdade afirmando que houve uma tentativa de roubo. A agressão – na

verdade, uma tentativa de homicídio de seu ex-marido – deixou seqüelas

permanentes: paraplegia nos membros inferiores. Duas semanas depois de

regressar do hospital, ainda durante o período de recuperação, Maria da Penha

sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido, sabendo de sua

condição, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava. Entre a prática dessa dupla

tentativa de homicídio e a prisão do criminoso transcorreram nada menos que 19

anos e 6 meses, graças aos procedimentos legais e instrumentos processuais

brasileiros vigentes à época, que colaboraram demasiadamente para a

morosidade da Justiça.

Em razão desse fato, em 2001 o Centro pela Justiça pelo Direito

Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da

Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima, formalizaram denúncia à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos da OEA – órgão internacional responsável

pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos

internacionais. Assim, diante da leniência brasileira com a morosidade do

processamento dos crimes domésticos contra a mulher, a Comissão da OEA

publicou o Relatório nº 54, de 2001, em que concluiu o seguinte:

"(...) a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil. Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher. Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como

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em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1(1) da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida".

Por fim, o Relatório recomendou a continuidade e o aprofundamento do

processo reformatório do sistema legislativo nacional, a fim de mitigar a tolerância

estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil e, em especial,

recomendou:

"simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo" e "o estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera".

Foto 1: Maria da Penha, em depoimento a ouvintes

Dessa forma, o caso nº 12.051/OEA de Maria da Penha Maia Fernandes

(também conhecida como Leticia Rabelo) foi o mecanismo que originou o exame

da situação de violência contra a mulher, no Brasil, e seu nome “batizou” a lei

11.340/2006..

Soma-se ainda ao produto desta Lei orientações traçadas por fatores

econômicos, históricos e sociais, que identificaram a mulher em condição de

desequilíbrio e vulnerabilidade social, carente de proteção. Destaca-se neste

ponto, uma das fontes econômicas da ONU que identificou, no Brasil, a perda de

ao menos 10,5% do PIB Nacional para custear as despesas com a violência

doméstica.

Fonte: http://www.pm.ce.gov.br/imagen

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Assim, o Brasil se prontificou a implementar leis e políticas públicas

destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar praticada

contra a mulher, tomando como parâmetros todos esses dados e fontes

normativas apresentadas.

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CAPÍTULO II – A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A INFLUÊNCIA DOS

PARADIGMAS SOBRE A FAMÍLIA

De acordo com Daufemback (2008), o ambiente familiar sempre foi

valorizado como o lugar onde as pessoas se sentem seguras, onde reina a

proteção. A família, o núcleo básico da sociedade, é considerada a guardiã dos

princípios éticos que irradia esses valores na esfera social universal. Entre os

valores éticos está a cumplicidade, a princípio essencial na relação da família,

mas que pode nela se esconder a violência velada sob o manto sagrado da

instituição familiar.

A naturalização da violência no âmbito familiar é antiga, uma pretensa

violação da vida, legitimada historicamente porque se entendia ser correto manter

hierarquicamente o domínio de poder pela coerção, pela manipulação ou pela

força física. Essa atitude praticada geralmente por pessoas dotadas de ignorância

em termos de conhecimento dos valores humanos universais, perdurou por

longos séculos de desenvolvimento da ciência e da política, de onde se originam

as leis expressas que regem a sociedade.

Mesmo com as conquistas diante da Declaração dos Direitos Humanos,

com uma interpretação educativa em que se priorizou a prática da cidadania pela

autonomia de pensamento e de ações conscientes no sentido da noção de

direitos iguais entre as pessoas, independentemente de gênero, a violência ficou

latente. Na dificuldade de se colocar no lugar do outro e de se comunicar diante

dos conflitos, escondia-se a covardia da violência, motivada ainda pela falta de

punição diante das atrocidades cometidas. Foi preciso a criação de uma lei que

pontuasse a punição ao agressor para, então, coibir esse tipo de abuso de poder.

É preciso um esforço para entender como a sociedade aceitou e legitimou

durante tanto tempo a violência familiar e o abuso de poder contra a mulher. Essa

ordem de consentimento fascista no domínio privado tem raízes na cultura

machista de alguns povos primitivos e sobreviveu aos avanços da ciência. O

imaginário da soberania masculina exagerou no artifício ideológico de significação

convincente da naturalização da violência. Um poder falocêntrico que ocultou a

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condição feminina no mundo, ao estabelecer na linguagem ou na semântica o

"homem" como representante da espécie humana. Para corrigir essa distorção, a

Lei Maria da Penha orienta que se utilize o conceito "pessoa" no lugar de

"homem", para atender à universalidade dos seres humanos, dessacralizando a

soberania masculina (DAUFEMBACK, 2008).

2.1 Algumas referências sobre a evolução da Família

Nos estudos sobre família e relações familiares, muitos autores vão dizer

sobre a tendência de se naturalizar a família, ou seja, "leva à identificação do

grupo conjugal, como forma básica e elementar de toda família" (BRUSCHINI,

1993, p.51).

Acontece que a família não é uma totalidade homogênea, mas um universo

de relações diferenciadas, e as mudanças atingem de modo diverso cada uma

destas relações e cada uma das partes da relação. (SARTI, 2003 p.39).

O século XVIII foi estigmatizado pelo modelo de família nuclear burguesa,

composto por pai, mãe e filhos, "quando a família se afastava da estrutura do

modelo, era chamada de desestruturada ou incompleta" (SZYMANSKI, 2003

p.23).

Segundo Ariès apud Szymanski (1975 p.251) até o século XV a família era

“[...] uma realidade moral e social, mais do que sentimental. A Família quase não

existia sentimentalmente entre os pobres, e , quando havia riqueza e ambição, o

sentimento se inspirava no mesmo sentimento provocado pelas antigas relações

de linhagem".

Parsons apud Bruschini (1993, p.55), propõe o estudo da família nuclear

como um pequeno grupo-tarefa, na qual os membros adultos desempenham

papéis altamente diferenciados, assimétricos e complementares, o que possibilita

a presença de modelos masculinos e femininos bem definidos.

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Segundo Sarti (2003) numa visão antropológica, a família é reconhecida

como um grupo social concreto, contribuindo assim, na desnaturalização e

desuniversalização da mesma. Bruschini (1993, p.60) ainda sustenta que a

antropologia contribui principalmente na discussão sobre o parentesco, que é

considerado "uma abstração, uma estrutura formal, que resulta na combinação de

três tipos de relações básicas: a relação de descendência (pais e filhos) a de

consangüinidade (entre irmãos) e afinidade, através do casamento".

Szymanski (2002 p.10) define família de uma forma mais contemporânea

como:

Agrupamento humano como núcleo em torno do qual as pessoas se unem, primordialmente, por razões afetivas dentro de um projeto de vida em comum, em que compartilham um quotidiano, e, no decorrer das trocas intersubjetivas, transmitem tradições, planejam seu futuro, acolhem-se, atendem aos idosos, formam crianças e adolescentes.

Atualmente a família, enquanto instituição reprodutora de valores e cultura,

e exercendo, segundo Foucault (apud BISNETO, 2002), sua função de

micropoder, encontra-se em crise.

Tanto de um ponto de vista funcionalista quanto de um ponto de vista de

inspiração marxista, prevalece à idéia de que, de um modo ou de outro, a família,

como instituição, vem perdendo funções e importância social; seu papel

gradativamente se minimiza. A crise das famílias reais seria a crise do

esvaziamento da instituição familiar. (BILAC, 2003 p.34).

Na opinião de Calderón e Guimarães (1994, p.24) a família nuclear

moderna surge como uma categoria interpretativa, de maneira que o tipo ideal era

compreendido como real, e os modelos eram categoricamente definidos como

famílias boas, certas e estruturadas, e os novos arranjos eram vistos como

disfuncionais, gerando grande crise num modelo já hegemônico.

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Então, pergunta-se: Será que este é o fim da instituição familiar? Em

resposta Cooper (1974) apud Lopes (1994 p.07) traz uma certa calma, afirmando

que “a família não está morrendo, o que está agonizando é a idealização

romântica, pela qual tem se aprisionado as consciências pessoais daqueles que,

se envolvendo na busca de uma imagem que construíram para o outro, tornaram-

se dependentes dela”.

Lane (1981) discute sobre o papel ambíguo exercido pela instituição

familiar, onde esta, ao passo que garante a sobrevivência do indivíduo e o insere

no contexto social, também funciona como uma garantia de perpetuação de

valores vigentes, reprodução da força de trabalho e um eficaz mecanismo de

controle social no qual os valores das classes sociais que detém o poder são

garantidos através da educação dada as crianças dentro desta instituição social.

O controle social exercido pela família, em algumas situações, abarca

sérios conflitos de gerações entre pais e filhos, na qual estes não conseguem

absorver as heranças de costumes, crenças, valores e relações sociais da

estrutura familiar.

Mesmo com a existência de inúmeros aparelhos ideológicos presentes no

nosso cotidiano (escola, igreja, trabalho, comunidade e mídia), a família surge

como principal aparelho na reprodução ideológica dos indivíduos.

A ideologia está presente até mesmo na representação social construída

pela sociedade acerca do grupo familiar. “A família é compreendida como algo

natural e imutável onde os aspectos ideológicos não permitem que os indivíduos

percebam que ela é uma instituição criada que atende as necessidades sociais

em um dado momento histórico” (CALDERÓN e GUIMARÃES, 1994 p.21).

Em seus estudos, Reis (2004, p.103) aponta que a ideologia é vinculada

principalmente pelos pais, os principais agentes da educação, ensinam a ver a

família como algo natural e universal, por isso, imutável.

É fato que a família é um dos aparelhos ideológicos mais eficazes na vida

dos indivíduos, sendo ela, segundo Reis, "mediadora entre os indivíduos e

sociedade... é a formadora da nossa primeira identidade social" (2004, p.99).

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Porém, também é fato que a família contemporânea tem relação cada vez mais

estreita com o consumismo capitalista, onde este molda de formas intrínsecas as

reproduções ideológicas nos lares de todo mundo. Este tem a mídia e outros

meios de comunicações como principal mecanismo de sedução e

desenvolvimento de súbitos desejos de consumir. Ainda segundo Reis (2004), o

que antes era função quase exclusiva da família, é hoje disseminado por uma

vasta gama de agentes sociais, que vão desde a pré-escola até os meios de

comunicação em massa, que utilizam à persuasão na imposição de padrões de

comportamento, veiculados como normais, dificultando a identificação do agente

repressor.

Muitas famílias são estigmatizadas como desorganizadas, desestruturadas

ou incompletas por não se encaixarem nos arranjos que correspondem às

características da "família ideal" como cita Calderón e Guimarães (1994, p.26). Os

autores vão assinalar que a família ideal, tão sonhada, na maioria das vezes,

muito distante da real, é veiculada pela mídia como modelo a ser seguido, e a

família que não se enquadra, está fora do padrão de normalidade. Sendo assim, a

família que não possui em sua composição, pai/marido, mulher/esposa e filhos,

estão fora dos pré-requisitos para se constituir uma família harmônica.

Foram inúmeros os fatos que marcaram substancialmente as mudanças no

interior da família, na qual Gueiros (2002) pontua o Movimento Feminista da

segunda metade do século XIX como agente de mudanças, Rosa (2003, p.183)

enfatiza que no Brasil este movimento intensificou-se na década de 70,

caracterizado pela luta da igualdade entre os gêneros, que permitiu entre outros

benefícios o controle da contracepção, e em 1988 a Constituição Federal

Brasileira estabeleceu em seu art. 5º igualdade de direitos e deveres entre

homens e mulheres.

O processo de modernização dos modelos de família é estigmatizado com

a entrada da mulher no mercado de trabalho e na complementação da renda

doméstica. A partir daí, as mudanças na família conforme afirma Sarti (2003,

p.43), relacionam-se com a perda do sentido da tradição. Este processo foi

impulsionado basicamente pelas mulheres, a partir de um fato histórico

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fundamental: a possibilidade de controle da reprodução, que permitiu à mulher a

reformulação do seu lugar na esfera privada e sua participação na esfera pública.

No que diz respeito à entrada da mulher no mercado de trabalho como

fonte de renda complementar para a família, há que se considerar que tal

motivação está associada às dificuldades sócio-econômicas, que passam a exigir

que vários membros da família possam compor o orçamento doméstico, inclusive

os jovens.

No caso da mulher, Gueiros (2002) sustenta que tal inserção na esfera

pública certamente está atribuída aos avanços dos Movimentos Feministas. O

casamento e a família também sofreram grandes influências nos debates da

relação de gênero, que de acordo com Veloso (2001, p.79) era tido como uma

questão biológica, que separava o sexo feminino do masculino.

Conforme Saffioti e Almeida (1995) apud Veloso (2001, p.79), por constituir

as relações sociais, o gênero apresenta-se também como constituinte da

identidade dos sujeitos, atravessando e construindo a identidade tanto do homem

quanto da mulher e, por isso mesmo, transcendendo o mero desempenho de

papéis sociais. Homens e mulheres possuem identidades sociais básicas forjadas

a partir das interconexões entre as relações de classe, gênero e raça/etnia.

A redefinição dos papéis masculinos e femininos, papéis públicos e

privados, comportamento sexual definidos segundo o sexo, entre outros, foram

alvos de debates e embates segundo Gueiros (2002).

A marca do modelo de transição da instituição familiar analisada por

Medina (1997, p.19) constitui-se historicamente pela posição da mulher, que foi se

modificando intensivamente, e de contra partida o homem procurando guardar a

posição antiga em que ele era senhor absoluto.

O autor inicia sua reflexão através da união (matrimônio), sendo a partir

dela a iniciação da construção do seio familiar, neste modelo de transição,

verifica-se que a união não é mais a aliança entre duas famílias, e sim o

estabelecimento de uma relação afetiva, que será duradoura enquanto tal afeto se

mantiver. Se aceita, também, a dissolução do casal, sendo o aspecto afetivo

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principal mantenedor da união, que pode ou não ser temporária, quebrando o

modelo tradicional "até que a morte nos separe".

Assim, como no mundo do casal estigmatizado pelo afeto, o homem e a

mulher tornam-se iguais, tanto no mundo doméstico quanto no mundo do

trabalho, no qual ambos são responsáveis pela educação dos filhos e pela

manutenção da casa. Nesse sentido, a mulher não mais aceita a marca de

dependência e passividade, construindo sua independência trabalhando desde

cedo.

Neste modelo de transição, os papéis sociais exercidos, não são mais

distintos por sexo, como no modelo tradicional (nuclear burguês), no qual gênero

era distinguido por sexo feminino e masculino. Com as mudanças societárias, o

homem passou a participar das atividades domésticas, como a educação dos

filhos, e por sua vez a mulher teve que exercer uma profissão (MEDINA, 1997,

p.20).

Outro aspecto importante analisado por Medina (1997, p.23) é em relação

à vida sexual, na qual este se torna mantenedor do convívio afetivo do casal. A

fidelidade de um com o outro, passa a ser um valor, algo exercido por ambos em

uma dimensão igualitária. Não se exige mais a virgindade da mulher para que a

união se consume e a possibilidade do controle da natalidade e a aceitação da

vida sexual fora do casamento, colocaram o homem e a mulher em pé de

igualdade.

A decisão de ter filhos é algo compartilhado pelo casal, que podem

controlar ou não esse ter, sendo de responsabilidade de ambos cuidar dos filhos

desde o seu nascimento. Em suma, não há mais distinção por sexo, todos fazem

à mesma coisa e se substituem com facilidade. Uma flexibilidade crescente á

medida em que vão crescendo até que o mundo externo ganhe mais relevância

do que o mundo doméstico.

Medina conclui sua reflexão afirmando que nesta direção, há possibilidades

do surgimento de alternativas, da flexibilização dos papéis, dos padrões e da

organização social, observadas, por exemplo, casamentos sucessivos com

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parceiros distintos e filhos de cada aliança; no avanço do individualismo, no

reconhecimento da infância como instancia importante, e na valorização da

intimidade conjugal dentro de uma esfera pessoal e privada.

Tanto não é que há o novo casamento dos membros da união desfeita,

embora com outro parceiro. O fato é que, na sociedade atual, a aceitação de

pessoas que desejam permanecer solteiras ou que preferem estabelecer

relações, como casal de caráter temporário e sem ter filhos, é melhor reconhecida

e tais situações não são a recusa ou desaparecimento da constituição da família,

ela apenas surge com uma nova moldagem e com novos aspectos a serem

construídos.

Estas novas configurações familiares são cada vez mais presentes. Em

suas análises Goldani (1994) apud Rosa (2003, p.186) a mulher aumentou sua

participação no mercado de trabalho de 16% na década de 60 para 39% na

década 90, o que de fato contribui para alterações nas relações de poder entre

homens e mulheres. A autora ainda vai chamar a atenção para o crescimento

numeroso de famílias monoparentais (somente um dos pais e filhos residindo no

mesmo domicílio) e unidades uniparentais (pessoas que moram sozinhas).

Segundo dados do Censo Demográfico de 1980 realizado pelo IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a participação na PEA (População

Economicamente Ativa) é consideravelmente maior entre mulheres separadas

maritalmente (57%) e as solteiras (33%), sendo que "61% das mulheres-chefe-de-

família tinham rendimento médio mensal inferior a um salário mínimo"

(SZWARCWALD e CASTILHO, 1989 apud LOPES, 1994, p.10).

Esta má remuneração à classe feminina trabalhadora, apresenta um

histórico de empobrecimento, precarização do trabalho e aumento contínuo do

ingresso no mercado informal.

Segundo dados do IBGE, hoje as mulheres representam praticamente

metade da população economicamente ativa do país e chefiam uma em cada

quatro famílias. Desta maneira, o esvaziamento do modelo de homem provedor

ajudaria a explicar parte dessa dissonância em relação ao matrimônio. Sem a

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necessidade de contar com a ajuda financeiro do cônjuge ou parceiro, elas

parecem cada vez menos dispostas a dobrar o expediente de trabalho,

acumulando as tarefas domésticas.

Tal emancipação trouxe consigo a consciência sobre os direitos da mulher,

sua participação na família e a não aceitação de situações de violência até então

existentes nos seios familiares e consideradas normais.

2.2 Dados estatísticos existentes sobre a Violência Doméstica

Apesar de pouca disponibilidade de dados estatísticos que indiquem a

situação efetiva da violência doméstica no Brasil, segundo pesquisa da

organização não governamental Anistia Internacional, publicada na Folha de São

Paulo em março de 2004, de cada cinco mulheres no mundo, uma será vítima ou

sofrerá uma tentativa de estupro até o fim de sua vida.

Dados constantes da referida pesquisa, trazem informações de que uma

em cada três mulheres do planeta já foram espancadas, forçadas a ter relações

sexuais ou submetidas a algum outro tipo de abuso, sendo que tal violência

normalmente é oriunda das relações domésticas.

Da mesma forma, Mameluque (2007) aponta os dados da OMS,

Organização Mundial da Saúde, que indicam que quase metade das mulheres

assassinadas são mortas pelo marido ou namorado, seja o atual ou o anterior,

sendo que tal violência corresponde a aproximadamente 7% de todas as mortes

de mulheres entre 15 a 44 anos no mundo. Em alguns países, até 69% das

mulheres relatam terem sido agredidas fisicamente e até 47% declaram que sua

primeira relação sexual foi forçada.

Mameluque (2007) ainda cita que pesquisa do Senado Federal brasileiro

sobre a violência doméstica, publicada em março de 2005, revela que:

� quatro em cada 10 mulheres entrevistadas afirmam já ter presenciado algum

ato de violência contra outras mulheres. Desse total, 80% das violências

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presenciadas foram violências físicas. Os dados demonstram que a agressão

praticada pelo homem contra a mulher está disseminada em todas as regiões

e demais segmentos populacionais;

� um terço das mulheres entrevistadas (33%) afirmam que a violência sexual é a

forma mais grave de violência doméstica, seguida pela violência física (29%),

sendo que para 35% delas os tipos mais graves de violência são os mais sutis

e que não deixam marcas aparentes, como é o caso da violência moral e da

psicológica.

� das mulheres que reconheceram na pesquisa que já sofreram violência

doméstica, 66% responderam ser o marido ou o companheiro o autor da

agressão, sendo que a importância da manutenção da família para as

mulheres e a fragilidade na apuração e punição da violência doméstica eram

os principais fatores que desestimulavam a denúncia da vítima.

O Instituto Patrícia Galvão, através do IBOPE Opinião, realizou pesquisa

em maio de 2006, com uma amostra representativa da população adulta

brasileira, que contou o apoio da Fundação Ford e do UNIFEM (Fundo de

Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher), intitulada “Percepção e

reações da sociedade sobre a violência contra a mulher”, esta pesquisa de

opinião demonstra, com números e dados contundentes, que a sociedade não

percebe com clareza a efetiva aplicação da lei nos casos de violência contra a

mulher por todos os agentes que têm a responsabilidade de fazê-lo,

desenvolvendo-se dessa forma uma sensação de impunidade e de ineficácia dos

sistemas policial e judiciário. Este trabalho deu continuidade à pesquisa iniciada

em 2004, “O que pensa a sociedade sobre a violência contra as mulheres”, que

revelou um alto grau de rejeição a esse tipo de violência.

Segundo a pesquisa, de 2004 a 2006 aumentou o nível de preocupação

com a violência doméstica em todas as regiões do país, menos no Norte/Centro-

Oeste, que já tem o patamar mais alto (62%). Nas regiões Sudeste e Sul o nível

de preocupação cresceu, respectivamente, 7 e 6 pontos percentuais. Na periferia

das grandes cidades esta preocupação passou de 43%, em 2004, para 56%, em

2006.

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• 33% apontam a violência contra as mulheres dentro e fora de casa como

o problema que mais preocupa a brasileira na atualidade.

• 51% dos entrevistados declaram conhecer ao menos uma mulher que é

ou foi agredida por seu companheiro.

• Em cada quatro entrevistados, três consideram que as penas aplicadas

nos casos de violência contra a mulher são irrelevantes e que a justiça trata este

drama vivido pelas mulheres como um assunto pouco importante.

• 54% dos entrevistados acham que os serviços de atendimento a casos de

violência contra as mulheres não funcionam.

• Nove em cada 10 mulheres lembram de ter assistido ou ouvido

campanhas contra a violência à mulher na TV ou rádio.

• 65% dos entrevistados acreditam que atualmente as mulheres denunciam

mais quando são agredidas. Destes, 46% atribuem o maior número de denúncias

ao fato de que as mulheres estão mais informadas e 35% acham que é porque

hoje elas são mais independentes.

A grande maioria dos entrevistados aponta as seguintes punições para o

agressor: ser preso (64%, na opinião tanto de homens como mulheres); prestar

trabalho comunitário (21%); e doar cesta básica (12%). Um segmento menor

prefere que o agressor seja encaminhado para: grupo de apoio (29%); ou terapia

de casal (13%).

Não há diferença entre a percepção de homens e mulheres com relação à

preocupação com a violência doméstica (55%). No entanto, mais mulheres (42%)

do que homens (38%) afirmam que a violência fora de casa é um tema de

preocupação da brasileira na atualidade. É possível que a experiência vivida

pelas mulheres no espaço público as torne mais vulneráveis e, portanto, mais

sensíveis do que os homens a respeito da violência na rua e do assédio sexual.

Conforme demonstrado, o crescimento da percepção sobre a preocupação

da brasileira com a violência dentro de casa ocorreu em ambos os sexos nestes

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últimos 2 anos, porém mais intensamente entre moças e rapazes de 16 a 24 anos

(9 pontos percentuais) e entre indivíduos de 30 a 39 anos (também 9 pontos

percentuais). Os entrevistados com níveis médio e superior de escolaridade

também apresentam crescimento (8 pontos percentuais).

Observa-se ainda que aumentou o nível de preocupação com a violência

doméstica em todas as regiões do país, menos no Norte/Centro-Oeste, onde já

tem o patamar mais alto (62%).

Observa-se um ligeiro crescimento da percepção da preocupação com a

violência fora de casa e o assédio sexual nestes últimos 2 anos. Este crescimento

foi mais intenso, sobretudo, entre as mulheres: a taxa passou de 36%, em 2004,

para 42%, em 2006. No segmento das pessoas de 30 a 39 anos, o crescimento

foi de 10 pontos percentuais, de 34%, em 2004, para 44%, em 2006. Nas regiões

Norte/Centro-Oeste essa taxa passou de 35% para 47% e na periferia, de 34%

para 40%. Nos domicílios médios passou de 32% para 40%.

A percepção de que hoje as mulheres denunciam mais as agressões (65%)

está muito acima da realidade da oferta de equipamentos e serviços

especializados na atenção da violência contra a mulher. Sabe-se que há uma

grande concentração de equipamentos e serviços nas grandes cidades e capitais

do país. Considerando que a disseminação de equipamentos e serviços é muito

menor do que a percepção da denúncia, é possível deduzir que há nessa

resposta uma demanda do conjunto da sociedade por estes serviços.

A pesquisa demonstrou a observação dos entrevistados, no que diz

respeito ao fato das mulheres, hoje, denunciarem mais quando são agredidas por

seus companheiros, conforme aponta a Figura 1:

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Figura 1

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31

CAPÍTULO III – A LEI 11.340/2006 E SEUS DISPOSITIVOS

Desde o dia 22 de setembro de 2006, está em vigor a Lei nº 11.340/06,

amplamente conhecida como “Lei Maria da Penha”, em homenagem a uma

mulher vítima de violência doméstica, o estatuto legal veio com a missão de

proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige uma

grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero.

O número de mulheres vítimas de violência doméstica não é objeto de

estatísticas formais periódicas, e elas sofrem diversos tipos de violência que vão

desde a humilhação até a agressão física. Segundo Bastos (2007), a violência de

gênero é, talvez, a mais preocupante forma de violência, porque, literalmente, a

vítima, nesses casos, por absoluta falta de alternativa, é obrigada a “dormir com o

inimigo”.

É um tipo de violência que, na maioria das vezes, ocorre onde deveria ser

um local de recesso e harmonia, onde deveria imperar um ambiente de respeito e

afeto, que é o lar, o seio familiar.

3.1 O QUE É VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Um ponto importante é saber o que se entende por violência doméstica e

familiar.

O Conselho Social e Econômico das Nações Unidas definiu, em 1992, a

violência contra a mulher como sendo “qualquer ato de violência baseado na

diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e

psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da

liberdade seja na vida pública ou privada” (MAMELUQUE, 2007, p. 2).

A violência contra a mulher no âmbito doméstico encontra-se diretamente

relacionada ao tema dos direitos humanos.

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A própria Lei 11.340/06 admite ser qualquer ação ou omissão baseada ao

gênero lhe que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e

dano moral ou patrimonial: no âmbito da unidade doméstica, compreendida como

o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,

inclusive as esporadicamente agregadas (pessoas que moram “de favor” e

empregada doméstica, por exemplo); no âmbito da família, compreendida como a

comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,

unidos por laços legais (casamento), naturais (pais, irmãos e filhos), por afinidade

ou por vontade expressa; em qualquer relação íntima de afeto. A lei se aplica a

casos em que haja qualquer relação íntima de afeto (independentemente da

orientação sexual) na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,

independentemente de coabitação.

Alves (2007) salienta que a legislação também define as formas em que se

identifica a violência doméstica e familiar, nos termos dos incisos do art. 7º da Lei

11.340:

� Violência física: É qualquer ato que prejudica a integridade ou saúde

corporal da vítima.

� Violência psicológica: Qualquer ação que tenha a intenção de provocar

dano emocional e diminuição da auto-estima, controlar

comportamentos e decisões da vítima por meio de ameaça,

humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, insulto,

chantagem, ridicularização, ou qualquer outro meio que lhe cause

prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

� Violência sexual: É qualquer conduta que force a vítima a presenciar,

manter ou a participar de relação sexual não desejada, que impeça a

vítima de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao

casamento, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante ameaça,

chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício

de seus direitos sexuais e reprodutivos

� Violência patrimonial: É quando o agressor toma ou destrói os objetos

da vítima, seus instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,

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valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a

satisfazer suas necessidades.

� Violência moral: Caluniar, difamar ou cometer injúria.

3.2 Competências

Conforme Mameluque (2007) tem sido questionada a competência das

varas criminais, das varas de família, dos juizados especiais e até mesmo do júri

para o processamento dos procedimentos e ações referentes à Lei 11.340/2006.

A questão, no entanto, não comporta maiores discussões pelo que se

depreende do art. 33 das disposições transitórias da Lei 11.340/2006, que

determina:

Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente. Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

Assim não resta dúvida quanto à competência das varas criminais para o

processamento dos feitos atinentes à Lei Maria da Penha, ressalvadas as

seguintes situações:

a) a competência será das Varas de Família ou Cíveis quando na ação não

se fizer referência às disposições da Lei 11.340/2006 ou quando não forem

requeridas medidas preliminares protetivas.

Nesses termos. o acórdão abaixo transcrito nos autos do Conflito de

Competência n° 1.0000.07.452237-6/000 do Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais, em que foi Relator o Desembargador Roney Oliveira:

Conflito negativo de competência. Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Violência doméstica contra a mulher. Conflito entre a vara de família e a vara criminal da comarca. Demanda de natureza cível.

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Propositura no âmbito cível sem pedido de medidas protetivas e procedimentos da Lei 11.340/2006. Competência do juiz suscitado. - Proposta a demanda, de natureza cível, na vara de família, sem pedido das medidas protetivas e procedimentos elencados na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), compete ao juízo cível (vara de família), e não ao criminal, o processamento da ação judicial, atendendo ao preceito constitucional e à organização judiciária do Estado, que disciplinam as atribuições e competências. Dar pela competência do juiz suscitado (vara de família).

b) nos crimes de competência do Tribunal do Júri, esta será dos Juizados

da Violência Doméstica até a fase da pronúncia e, após, do Tribunal do Júri,

conforme decisão da Desembargadora Jane Silva, do Tribunal de Justiça de

Minas Gerais, em exercício no Superior Tribunal de Justiça nos autos do Habeas

Corpus nº 73.161/SC (2006/02808430): “[...] Ressalvada a competência do Júri

para julgamento do crime doloso contra a vida, seu processamento até a fase de

pronúncia poderá ser pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher, em atenção à Lei 11.340/2006”.

c) os Juizados Especiais não têm competência para o julgamento das

infrações penais referentes à Lei 11.340/2006, pois essas não são consideradas

de menor potencial ofensivo, visto que foi intenção do legislador retirar do âmbito

dos Juizados Especiais tais infrações penais, conforme decisão nos autos do

Conflito de Competência nº 1.0000.07.456993-0/000(1) do Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais:

Conflito negativo de jurisdição. Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Constitucionalidade dos arts. 33 e 41 da Lei 11.340/2006. Competência da Justiça Comum para o julgamento. Vislumbra-se uma competência transitória da vara criminal da Justiça Comum para o processamento de crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, até que sejam criados os Juizados Especializados para essa finalidade. A intenção do legislador, na verdade, foi de retirar do âmbito de competência da Lei nº 9.099/95 as infrações penais cometidas com violência doméstica e familiar contra a mulher, por não considerá-las de menor potencial ofensivo, independentemente da quantidade ou da espécie de pena imposta [...].

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Ressalte-se que o art. 41 da Lei disciplina de forma taxativa que aos crimes

praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,

independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de

setembro de 1995.

3.2.1 Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Enquanto não forem instalados os Juizados da Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher, será competente o Juízo da 1ª Vara Criminal da

comarca para o processamento dos feitos que se refiram à Lei 11.340/2006,

inclusive para decidir sobre matérias de natureza cível ou de família.

Ressalte-se a imprescindibilidade de instalação dos referidos Juizados,

especialmente para que se assegure a aplicabilidade da Lei 11.340 e se evitem

os conflitos que ora surgem na sua aplicação conforme se expõe.

3.3 Configuração da violência doméstica

Dispõe o art. 5º da Lei 11.340/2006 que:

[...] configura violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

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São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos

dos incisos do art. 7º da Lei 11.340:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Havendo a iminência ou a prática de violência doméstica e familiar contra a

mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de

imediato, as providências legais cabíveis, devendo:

Art. 11 [...] I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao instituto médico legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta lei e os serviços disponíveis.

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Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

Em relação à representação e renúncia à representação, o art. 16 da Lei referida dispõe:

Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Na prática, o juiz da Vara Criminal, ao receber a denúncia, faz a

designação de audiência para oitiva da vítima, momento em que lhe faculta o

exercício da renúncia à representação ofertada.

Ocorre que o art. 25 do Código de Processo Penal dispõe que a

representação será irretratável depois de oferecida a denúncia. Surge aqui um

problema com o qual os tribunais se deparam, pois, antes de receber a denúncia,

é designada audiência para a oitiva da vítima e, em muitos casos. há a referida

desistência da representação.

Certo é que a inconsistência jurídica restou transcrita no texto legal e deve

agora ser equacionada até a instituição dos Juizados da Mulher, quando o juiz

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criminal deve ter o necessário e imprescindível contato com a vítima antes que a

denúncia possa se formalizar.

A Desembargadora Maria Berenice Dias do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul, no entanto, refuta tal possibilidade ao fundamento de que a

retratação da vítima só é possível até o oferecimento da denúncia:

[...] Depois de feita a representação é possível que a vítima se retrate, desista de ver o seu ofensor processado. Assim, ‘retratação’ é desistir da representação já manifestada. O Código Penal (art. 102) e o Código de Processo Penal (art. 125) falam em ‘retratação’, ao afirmarem que a representação é irretratável depois de oferecida a denúncia. A contrario sensu, até o momento em que o Ministério Público oferece a denúncia, a vítima pode se retratar, voltar atrás e, por fim, desistir de processar o autor do delito. Só até esse momento há a possibilidade de processar o autor do delito (DIAS, 2007).

3.4 Das medidas protetivas de urgência

Alves (2007) afirma que o texto original da Lei propunha a nomenclatura de

medidas cautelares, mas foi assim renomeado já na Câmara dos Deputados, em

razão dos debates e das audiências públicas promovidas. Sua concessão

observará os seguintes aspectos:

As medidas poderão ser requeridas pelo Ministério Público ou pela

ofendida.

A autoridade judiciária terá um prazo de 48 horas para sua concessão, a

partir do recebimento do pedido.

Poderão ainda ser concedidas inaudita altera parte e independentemente

de manifestação do Ministério Público, devendo este ser comunicado

prontamente.

A autoridade judiciária poderá conceder tantas medidas quantas forem

necessárias para garantir a proteção da vítima e de seus dependentes, sendo

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possível ainda serem substituídas ou revistas a qualquer tempo por outra de

maior eficácia, ou ainda podendo ser acrescentadas àquelas já concedidas

anteriormente, de forma a complementar a proteção.

A Lei apresenta um rol (não taxativo) de medidas protetivas de urgência

que obrigam o agressor, a saber:

� suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação

ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro

de 2003;

� afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

� proibição de determinadas condutas, entre as quais:

� aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas,

fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

� contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer

meio de comunicação;

� freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade

física e psicológica da ofendida;

� restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a

equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; e

� prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

� Por sua vez, as medidas urgência à ofendida são:

� encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou

comunitário de proteção ou de atendimento;

� determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao

respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

� determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos

relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos.

� determinar a separação de corpos.

� restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

� proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra,

venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa

autorização judicial;

� suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

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� prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e

danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e

familiar contra a ofendida.

Nesse sentido, Alves (2007) ainda menciona que essas medidas

correspondem às necessidades reais para garantir a integridade física,

psicológica e patrimonial da vítima e de seus dependentes. Por isso, adentram à

seara civil, suspendendo efeitos dos atos de negociação sobre imóvel comum

(compra, venda, locação) e das procurações conferidas pela vítima ao agressor. A

alínea h foi uma tentativa de impor ao agressor o dispêndio provisório de recursos

monetários pela depredação de bens pertencentes à vítima ou necessários à sua

sobrevivência no lar, a fim de garantir um ressarcimento posterior, mediante um

juízo cognitivo mais complexo, à vítima lesada materialmente. As audiências

públicas revelaram que os agressores muitas vezes destruíam os objetos da casa

e até mesmo veículos pertencentes à mulher ou em regime de comunhão e,

mesmo processados, não restauravam a situação patrimonial do lar, deixando a

mulher e seus dependentes em graves dificuldades de subsistência.

O art. 18 da Lei 11.340/2006 preconiza que, recebido o expediente

(denominado na vara de inquéritos de Belo Horizonte, MG, de expediente

apartado) com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e

oito) horas:

O art. 20 dessa lei dispõe que, “em qualquer fase do inquérito policial ou da

instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de

ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da

autoridade policial”.

O art. 42, inserido nas disposições transitórias, dessa forma, incluiu no art.

313 do Decreto-lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo

Penal), que trata da prisão preventiva, o inciso IV, estabelecendo nova

modalidade para a prisão processual, nos seguintes termos: “se o crime envolver

violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para

garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.

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3.5 Outros Aspectos atendidos pela Lei 11.340/06

Alves (2007) aponta uma vertente interessante e que foi fruto exclusivo das

reivindicações feministas está inserido no parágrafo único do art. 21: "A ofendida

não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor." Esse dispositivo volta-

se especialmente às delegacias de polícia, em que se constatou ser comum a

vítima, após registro da ocorrência, ser encarregada de entregar ao agressor a

notificação para comparecimento perante a autoridade policial, o que provocava

novas agressões à mulher.

Ainda dentro do Título de procedimentos, o Capítulo III apresenta o novo

papel do Ministério Público diante dos crimes de violência doméstica e familiar

contra a mulher. Destaca-se a sua participação, que passará a ser obrigatória em

todas as ações que tenham por objeto o processamento desse tipo de crime, seja

no desdobramento civil ou mesmo no criminal.

O Capítulo IV (arts. 27 e 28) disciplina a representação judiciária obrigatória

em todos os atos processuais, exceto na postulação de medidas protetivas de

urgência, as quais poderão ser requeridas diretamente pela vítima. O art. 28

assinalava que o acesso à assistência e orientação judicial pela Defensoria

Pública deverá ser garantida em juízo e também perante o atendimento policial.

O Título V (arts. 29 a 32) apresenta a participação da equipe

multidisciplinar, formada "por profissionais especializados nas áreas psicossocial,

jurídica e de saúde" que poderão integrar a estrutura das varas especializadas.

Sua função é auxiliar e instruir o juízo, o MP e a própria Defensoria Pública, além

de promover a orientação e o amparo psicossocial às famílias das vítimas, com

especial atenção às crianças e adolescentes. Essa inovação reflete boas e bem

sucedidas experiências em JECrim instalados em alguns estados brasileiros.

O Título VI trata das disposições transitórias. O único artigo que o compõe

(art. 33) foi objeto de questionamentos jurídicos, mas o Congresso juntamente

com a Casa Civil conseguiram aplicar uma interpretação constitucional válida para

sua manutenção.

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Trata-se de um dos pontos de apoio mais importantes do projeto, pois, ao

vedar a aplicação da Lei nº 9.099/95, muitos tipos penais não poderiam ser

processados nem nos JECrim nem nas Varas Criminais, ficando à deriva no

ordenamento jurídico. Assim, a solução foi cumular competência cível e criminal

às Varas Criminais, com processamento prioritário, até que os Juizados e varas

especializadas equivalentes sejam criadas.

O Título VII (arts. 34 a 46) trata das disposições finais, entre as quais a

cláusula de vigência. Das modificações legislativas apontadas, destacam-se:

� Legitimação ativa concorrente do Ministério Público (MP) e de

associações temáticas para promoção de ações em defesa dos

interesses transindividuais de que trata essa Lei (art. 37);

� Vedação de aplicação de Lei n.º 9.099/95 (art. 41);

� Alteração do CPP para acrescentar, entre as hipóteses autorizativas de

decretação de prisão preventiva previstas no art. 313 o crime doloso

que "envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos

termos da lei específica, para garantir a execução das medidas

protetivas de urgência";

� Alteração do CP, quando trata das agravantes genéricas do crime (art.

61), especificamente quando praticado com abuso de autoridade ou

prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de

hospitalidade, também o crime praticado "com violência contra a mulher

na forma da lei específica";

� Alteração do CP também no art. 129, que disciplina o crime de lesão

corporal, para aumentar diminuir a pena mínima de 6 para 3 meses e

aumentar a pena máxima de 1 para 3 anos. Nesse ponto, se a pena for

praticada contra portador de deficiência física, a pena será aumentada

em 1/3.

3.6 Repercussões na legislação penal

a) Agravantes

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O art. 43 da Lei 11.340/2006, por sua vez, disciplina que a alínea f do

inciso II do art. 61 do Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código

Penal), passa a vigorar com a seguinte redação: “com abuso de autoridade ou

prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou

com violência contra a mulher na forma da lei específica”.

b) Lesões corporais

O art. 44 da mesma lei, por sua vez, determina que o art. 129 do Decreto-

lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as

seguintes alterações:

[...] § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. [...] § 11 Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

c) Execução penal

Por fim, o art. 45 da Lei 11.340/2006 disciplina que o art. 152 da Lei no

7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a

seguinte redação: “Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a

mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a

programas de recuperação e reeducação”.

d) Medidas cautelares de urgência

Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos

termos dessa lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou

separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação

ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

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III - Proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas,

fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por

qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares, a fim de preservar a

integridade física e psicológica da ofendida;

IV - Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a

equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Em relação à ofendida, o juiz poderá adotar as seguintes medidas

protetivas de urgência:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou

comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao

respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos

relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos;

V - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

VI - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra,

venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

VII - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

VIII - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por

perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar

contra a ofendida. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins

previstos nos itens II e III.

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CAPÍTULO IV – OS JUIZADOS ESPECIAIS E A APLICAÇÃO DA LEI “MARIA

DA PENHA

De acordo com o que discute Bastos (2007), concluiu-se, no Estado do

Rio de Janeiro, que o art. 41 da nova Lei seria inconstitucional por suposta

ofensa ao princípio da igualdade de gênero (art. 5º, I, da Constituição Federal) e

suposta ofensa ao art. 98, I, também da Constituição Federal (que prevê a

criação dos Juizados Especiais Criminais e alguns de seus institutos

despenalizadores). Seriam, portanto, aplicáveis os institutos despenalizadores

da Lei nº 9.099/95 às infrações penais que, mesmo praticadas com violência

doméstica e familiar contra a mulher, se enquadrassem na definição de infração

penal de menor potencial ofensivo (pena máxima cominada não superior a dois

anos).

Nesse sentido, do Encontro de Juízes dos Juizados Especiais Criminais e

de Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro, em Armação dos Búzios,

surgiram:

(...) Enunciado nº 82 – É inconstitucional o art. 41 da Lei nº 11.340/2006 ao afastar os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 para crimes que se enquadram na definição de menor potencial ofensivo, na forma do art. 98, I e 5º, I, da Constituição Federal; enunciado nº 83 – São aplicáveis os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo da pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006; enunciado nº 84 – É cabível, em tese, a suspensão condicional do processo para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006; (...) enunciado nº 88 – É cabível a audiência prévia de conciliação aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo de pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006; enunciado nº 89 – “É cabível a audiência prévia de conciliação para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006.

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A fragilidade das conclusões se percebe da simples leitura do art. 98, I,

da Constituição, a qual reporta à Lei – “nas hipóteses previstas em lei” – para

definir a incidência dos institutos despenalizadores que prevê (neste ponto,

aliás, menção expressa é feita apenas à transação penal, e como exceção –

“permitidos” –, o que autoriza concluir a regra de não haver transação, que é,

pois, medida de exceção).

A transcrição do dispositivo se impõe, como medida didática:

Art. 98 - A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

A simples leitura já bastaria para mostrar que cabe à Lei

infraconstitucional estabelecer quais as infrações penais sujeitas à transação e

aos demais institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95.

Aliás, é a própria Lei infraconstitucional que define quais as infrações

penais de menor potencial ofensivo e, portanto, da alçada do Juizado Especial

Criminal: art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação atual, dada pela Lei nº

11.313/06. A transcrição é, outra vez mais, didática: “Art. 61. Consideram-se

infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as

contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior

a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.

Tem-se, pois, uma relação de regra e exceção: são infrações penais de

menor potencial ofensivo e, portanto, da competência dos Juizados Especiais

Criminais, sujeitas, assim, aos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95,

todas as infrações penais cuja pena máxima cominada não exceda a 2 (dois)

anos, exceto aquelas que, independente da pena cominada, decorram de

violência doméstica ou familiar contra a mulher, nos termos dos arts. 41, c/c 5º e

7º da Lei nº 11.340/06, estes últimos adiante analisados.

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Só para recordar, na primeira versão do art. 61 da Lei nº 9.099/95,

estavam fora do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e,

portanto, fora do alcance dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, os

crimes em que havia, simplesmente, previsão de procedimento especial, ainda

que a pena máxima cominada fosse inferior a 1 (um) ano. E, nos termos do art.

90-A, da Lei nº 9.099/95, acrescentado pela Lei nº 9.839/99, estão fora do

âmbito de incidência da primeira os crimes militares, independente da pena6.

Nunca se reclamou disto, na perspectiva da constitucionalidade. Não fazendo

sentido se pretender deslegitimar a exclusão imposta pela Lei “Maria da Penha”.

Nem se diga que a competência dos Juizados Especiais Criminais é de

natureza constitucional. Tal afirmação nunca empolgou. Se assim fosse, seriam

inconstitucionais os arts. 66, parágrafo único, e 77, § 2º, da própria Lei nº

9.099/95, que prevêem a remessa do feito ao Juízo comum, nas hipóteses,

respectivamente, de réu não encontrado para ser citado, já que inexiste citação

por edital nos Juizados, e de necessidade de diligências complexas que

contrariem o princípio da celeridade imanente ao rito do Juizado. Também seria

inconstitucional a remessa ao Juízo comum do feito em casos de conexão e

continência, na hipótese do crime conexo não ser de menor potencial ofensivo,

remessa a que sempre foi favorável a maioria da doutrina e jurisprudência, o

que foi recentemente contemplado de forma expressa pela Lei nº 11.313/06, que

deu nova redação aos arts. 60 da Lei nº 9.099/95 e 2º da Lei nº 10.259.

Tocante à suposta ofensa ao princípio da igualdade de gênero, já foi dito

acima que a Lei em comento é resultado de uma ação afirmativa em favor da

mulher vítima de violência doméstica e familiar, cuja necessidade se

evidenciava urgente. Só quem não quer não enxerga a legitimidade de tal ação

afirmativa que, nada obstante formalmente aparentar ofensa ao princípio da

igualdade de gênero, em essência busca restabelecer a igualdade material entre

esses gêneros, nada tendo, deste modo, de inconstitucional. Outras tantas

ações afirmativas têm sido resultado de políticas públicas contemporâneas e,

em que pesem algumas delas envoltas em polêmicas, não recebem a pecha de

inconstitucionalidade.

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Citem-se as quotas para negros e estudantes pobres nas universidades,

as quotas para deficientes em concursos públicos, as quotas para mulheres nas

eleições, etc.

Em resumo, não há o menor problema com o art. 41 da Lei “Maria da

Penha”. Não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei nº

9.099/95 em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Deste modo, em se configurando a violência doméstica e familiar contra a

mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal, nem

suspensão condicional do processo, nem composição civil dos danos extintiva

de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em

flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso,

arbitrada fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida paralela

prevista no art. 12, III, e §§ 1º e 2º da Lei nº 11.340/06), a denúncia deverá vir

por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal, em se

tratando de lesão corporal leve a ação penal será de iniciativa pública

incondicionada, etc.

Tocante ao art. 33 da Lei “Maria da Penha”, uma ponderação deve ser

feita, em homenagem ao pacto federativo que, ultimamente, tem sido muito

maltratado. É que a Lei Federal, ao pretender atribuir às Varas Criminais a

competência transitória para o processo e julgamento dos crimes praticados em

decorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher, dispôs sobre

competência de juízo, invadindo, deste modo, a competência legislativa dos

Estados em matéria de organização judiciária, ressalvada pelo art. 125, § 1º, da

Constituição Federal. Não pode a Lei Federal definir competência de juízo, até

porque não há como a União descer às idiossincrasias de cada Estado, para

saber qual a necessidade de demanda dos órgãos jurisdicionais dos Entes

Federativos em suas diversas Comarcas. Inconstitucional, deste modo, o art. 33

da Lei “Maria da Penha”. Correto, portanto, o enunciado nº 86 do até então

criticado Encontro de Búzios.

Nada impede, portanto, que os Estados, através de Lei de iniciativa do

Presidente do Tribunal, atribuam aos Juizados Especiais Criminais competência

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para processar e julgar os crimes decorrentes de violência doméstica e familiar

contra a mulher, transformando-os de modo que passem a ser, também,

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Lembra-se,

todavia, que, independente do crime e da pena, seja ou não compreendido no

conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, não se aplicam os

institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, como já exposto.

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CONCLUSÃO

Mesmo anteriormente à elevação dos Juizados Especiais à categoria

constitucional, os brasileiros já tinham um convívio com eles, que, inicialmente,

tiveram a denominação de juizados de pequenas causas, como até os dias atuais

são popularmente conhecidos.

De acordo com o que está expresso na Carta Magna de 1988, em seu art.

98, os Juizados Especiais têm por competência o processo e o julgamento de

causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial

ofensivo. Também já foi instituído no âmbito da Justiça Federal, através da

Emenda Constitucional nº 22 e Lei Federal nº 10.259/01), ato que realmente

efetuou o reconhecimento de suas atividades, como meio eficaz de acesso e

realização da Justiça.

Sua importância e relevância social, no entanto, ainda permanecem

negligenciadas, diante da falta de estrutura, de investimentos necessários, de

quadro pessoal próprio, de valorização e de reconhecimento do Estado, para uma

melhor prestação jurisdicional àquela parcela marginalizada e excluída da grande

população brasileira, sedenta por Justiça.

A informalidade, a celeridade, a simplicidade, a economia processual e a

conciliação são aspectos peculiares, buscados pelos legisladores brasileiros,

pelos Tribunais e, por que não dizer, pela própria sociedade, que reconhece os

fatores que caracterizam o trabalho nos Juizados Especiais..

Esses ideais foram consolidando-se até o reconhecimento constitucional do

acesso à justiça e da garantia de criação dos Juizados Especiais, com o advento

da Lei Federal nº 9.099/95 e, depois, com a promulgação da Emenda

Constitucional nº 22/99, ampliando-o para a Justiça Federal e, finalmente, tendo

seu ápice a partir da Lei nº 10.259/01, dando plena eficácia ao referido dispositivo

constitucional.

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A partir do advento da Lei Maria da Penha, surgiram questionamentos

sobre a competência desses Juizados, no julgamento de causas que

envolvessem a violência doméstica, trazendo à tona a dúvidas sobre a

constitucionalidade da ação desses Juizados na aplicação da Lei sob comento.

Avaliadas as principais considerações, concluiu-se que não há se aplicam,

portanto, os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 em caso de violência

doméstica e familiar contra a mulher.

Buscando considerar a validade das ações dos Juizados Especiais, é

notório que não há impedimento para os Estados, utilizando-se de Lei de iniciativa

do Presidente do Tribunal, atribuam aos Juizados Especiais Criminais

competência para processar e julgar os crimes decorrentes de violência

doméstica e familiar contra a mulher, modificando-os para que possam também

atuar Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, porém, convém

lembrar que, independente do crime e da pena serem ou não compreendidos no

conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, não podem ser aplicados

os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95.

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