Centro de Educação e Humanidades Instituto de Psicologia ...
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Psicologia
Edilberto Nobrega Martinez
Empatia em cães: análise comportamental e fisiológica
Rio de Janeiro
2018
Edilberto Nobrega Martinez
Empatia em cães: análise comportamental e fisiológica
Tese apresentada, como requisito parcial para
obtenção de título de doutor, ao Programa de Pós-
graduação em Psicologia Social, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
Orientadora: Profa. Dra. Angela J. Donato Oliva
Rio de Janeiro
2018
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese, desde que citada a fonte.
___________________________________ _______________
Assinatura Data
M385 Martinez, Edilberto Nobrega.
Empatia em cães: análise comportamental e fisiológica / Edilberto Nobrega
Martinez. – 2018.
126 f.
Orientadora: Angela J. Donato Oliva.
Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Psicologia.
1. Psicologia Social – Teses. 2. Cães – Comportamento – Teses. 3. Empatia
– Teses. I. Oliva, Angela J. Donato. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Instituto de Psicologia. III. Título.
es CDU 316.6
Edilberto Nobrega Martinez
Empatia em cães: análise comportamental e fisiológica
Tese apresentada, como requisito parcial para
obtenção de título de doutor, ao Programa de Pós-
graduação em Psicologia Social, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
Aprovada em 27 de março de 2018
Banca Examinadora:
________________________________________________
Profa. Dra. Angela J. Donato Oliva (Orientadora)
Instituto de Psicologia - UERJ
________________________________________________
Profa. Dra. Maria Amélia Penido
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio
________________________________________________
Profa. Dra. Leila Sanches de Almeida
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
________________________________________________
Profa. Dra. Rosa Maria Leite Ribeiro Pedro
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
________________________________________________
Profa. Dra. Lucia Emmanoel Novaes Malagris
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Rio de Janeiro
2018
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à minha filha Malu, na esperança que ela cresça e se desenvolva
em um mundo mais empático.
AGRADECIMENTOS
À minha esposa Fernanda, por todo apoio dado como revisora e pela compreensão nos
momentos de maior dificuldade durante essa trajetória.
À minha família, pelo incentivo dado em meus projetos e conquistas pessoais desde a
minha infância.
Aos amigos tutores e cuidadores Djalma, Guilherme,Teresa, Ricardo, Marta, Jairo,
Sisinho e Antônio, o apoio e dedicação de cada um viabilizou a efetivação do projeto
idealizado.
Aos meus familiares, padrinhos João Paulo e Adail e a todos meus amigos espalhados
pelo mundo, por acreditarem em mim mesmo sem saber o que, quando e como. Com empatia
todos fizeram parte dessas descobertas.
À professora, orientadora e amiga Angela Donato, por ter acreditado na proposta e
dado a oportunidade de realizar um trabalho com muitas novidades e aprendizado.
E é claro, aos cães que participaram dessa empreitada, que nos recebeu sempre com
muita alegria e colaboraram durante todas as fases do projeto com muito entusiasmo.
RESUMO
MARTINEZ, Edilberto Nobrega. Empatia em cães: análise comportamental e fisiológica.
2018. 126 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
A primeira espécie que os seres humanos domesticaram foi o ancestral comum do cão,
o lobo cinzento. Desde então o ambiente social humano providencia um nicho natural para os
cães. Estudos afirmam que cães são capazes de interpretar a intencionalidade humana. A
partir de uma perspectiva evolucionista, assume-se que a empatia, definida como uma
característica universal dos seres humanos pode ser compartilhada, de alguma forma, por
cães. A empatia caracteriza-se por um entendimento emocional e cognitivo de um indivíduo
em relação a outro (e não necessita que sejam de uma mesma espécie). Teóricos subdividem a
empatia em três dimensões: afetiva, cognitiva e comportamental. Mesmo não sendo possível
nesse momento assegurar que essas mesmas dimensões existam nos cães, a empatia parece
estar presente em outras espécies que não apenas a nossa. O estudo em causa investigou a
existência do processo empático em cães através de observações e análises do comportamento
de um grupo de cães, assim como averiguou as crenças de estudantes universitários sobre a
capacidade empática de cães e outros animais. O procedimento básico do estudo empírico
realizado foi apresentar aos cães películas audiovisuais que representavam situações de
conforto e desconforto vivenciadas por outro cão. Antes e depois da exposição foi coletado
sangue desses animais para análise laboratorial dos níveis de ocitocina e de cortisol. As cenas
apresentadas nos vídeos foram encenadas também ao vivo pelos cães testados. Por sua vez,
para identificar as crenças dos estudantes, um questionário estruturado foi aplicado em uma
universidade pública brasileira. As duas hipóteses que nortearam a pesquisa foram
respondidas: há alterações similares nos níveis de ocitocina e cortisol plasmático dos cães
quando eles vivenciam determinadas situações e quando esses mesmos cães veem outros cães
as vivenciarem; e estudantes universitários acreditam que cães possuem habilidades empáticas
bem desenvolvidas.
Palavras-chave: Empatia. Cães. Ocitocina. Cortisol. Universitários.
ABSTRACT
MARTINEZ, Edilberto Nobrega. Empatia em cães: análise comportamental e fisiológica.
2018. 126f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
The first specie that humans domesticated was an early gray wolf, a dog common
ancestor. Since then the human social environment provides a natural niche for dogs. Studies
assume that dogs are capable of human intentionality interpretetion. From an evolutionary
perspective empathy is a universal trait that can be shared, somehow, by dogs. Empathy is
characterized by an emotional and cognitive understanding of an individual to another
(intraspecific or interspecific). Theorists subdivide empathy into three dimensions: affective,
cognitive and behavioral. Even not being possible to infer that those dimensions are presents
in dogs, empathy seems to be present in other species that not just ours. This study
investigated empathy processes existence through observation and behavioral analysis of a
dog group, as well as university students beliefs about empathic abilities in dogs and other
animals. The basic empirical study procedures were present to dogs‘ audiovisual movies that
represented comfort and discomfort situations experienced by another dog. Before and after
showing the movies blood samples were collected for oxytocin and cortisol laboratory
analysis levels. Dogs also went through live situations similar us the scenes showed in
movies. To identify students' beliefs, a questionnaire was applied at a Brazilian public
university. Both hypotheses that guided the research were answered: there are similar
oxytocin and cortisol plasmatic level alterations in dogs when they experience certain
situations and when these same dogs see other dogs experience them; and university students
believe that dogs have well-developed empathic abilities.
Keywords: Empathy. Dogs. Oxytocin. Cortisol. University Students.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Posturas corporais de cães: adaptado de Priscilla Barrett ................................... 42
Figura 2 - Cão amarrado a uma árvore observando e reagindo ao afastamento de seu
cuidador ............................................................................................................... 43
Figura 3 - Cuidador acariciando o cão de forma tranquila e emitindo sons suaves. ............ 43
Figura 4 - Cão sentado de frente para a televisão que transmitia os vídeos. ....................... 44
Figura 5 - Cão dormindo relaxado. ...................................................................................... 45
Figura 6 - Média de cortisol e ocitocina em cada situação. ................................................. 50
Figura 7 - Representação proporcional dos respondentes e sexo. ........................................ 60
Figura 8 - Representação proporcional dos respondentes e faixa etária. ............................. 61
Figura 9 - Representação proporcional dos respondentes e período letivo acadêmico em
curso. ................................................................................................................... 61
Figura 10 - Representação proporcional dos respondentes e período letivo acadêmico em
curso. ................................................................................................................... 61
Figura 11 - Representação proporcional dos respondentes já ter possuído cão como
animal de estimação. ........................................................................................... 62
Figura 12 - Representação proporcional dos respondentes de ter sofrido ataque de algum
cão. ...................................................................................................................... 62
Figura 13 - Representação proporcional dos respondentes e grau que cães empatizam com
pessoas. ................................................................................................................ 62
Figura 14 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães serem mais capazes que
outros animais em sentir o mesmo que pessoas sentem. ..................................... 64
Figura 15 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães serem mais capazes que
gatos em sentir o mesmo que pessoas sentem. .................................................... 65
Figura 16 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães perceberem
antecipadamente o retorno inesperado de seus tutores ........................................ 65
Figura 17 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães bocejarem ao ver um ser
humano bocejar. .................................................................................................. 65
Figura 18 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães consolarem pessoas. .......... 66
Figura 19 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães que se alimentam apenas
na presença de seus tutores. ................................................................................. 66
Figura 20 - Perspectiva dos respondentes com relação a uma cadela que leva alimento
para outros animais de seu convívio. .................................................................. 66
Figura 21 - Perspectiva dos respondentes com relação a cães que salvam pessoas de
ataques de outros cães ou animais. ...................................................................... 67
Figura 22 - Perspectiva dos respondentes com relação capacidade de animais em sentir o
mesmo que pessoas. ............................................................................................ 67
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Valores obtidos em Estudo Empírico .................................................................. 47
Tabela 2 - Dados brutos de ocitocina de cada cão antes e depois da execução do
experimento em cada situação. ............................................................................ 48
Tabela 3 - Dados brutos de cortisol de cada cão antes e depois da execução do
experimento em cada situação. ............................................................................ 49
Tabela 4 - Variação simbólica de ocitocina e cortisol antes e depois e estado
comportamental de cada cão durante a execução do experimento em cada
situação. ............................................................................................................... 49
Tabela 5 - Variação numérica de ocitocina e cortisol antes e depois do experimento para
cada cão em cada situação. .................................................................................. 50
Tabela 6 - Comparação das variações de ocitocina e de cortisol para cada cão, ocorridas
e esperadas para antes e depois do experimento em cada situação. .................... 51
Tabela 7 - Diferença estatística para opções de respostas dentro de cada pergunta para
todos os participantes (Qui-quadrado). ............................................................... 63
Tabela 8 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães serem mais capazes que
outros animais em sentir o mesmo que pessoas sentem. ..................................... 64
Tabela 9 - Sexo como variável independente. ...................................................................... 68
Tabela 10 - Possuir ou não algum animal de estimação como variável independente. .......... 69
Tabela 11 - Ter ou não sofrido algum ataque de cão como variável independente. .............. 70
Tabela 12 - Diferenças estatísticas quando as variáveis independentes são: o sexo; ter
animal de estimação; ter cão de estimação; ter sido atacado. (Mann-Whitney). 70
Tabela 13 - Grandes áreas do conhecimento como variável independente. ........................... 71
Tabela 14 - Diferença estatística para opções de respostas quando as variáveis
independentes são: idade; grande área do conhecimento; período acadêmico.
(Kruskal-Wallis). ................................................................................................. 72
Tabela 15 - Diferença estatística para opções de respostas múltiplas, quando variáveis
independentes: sexo; idade; grande área do conhecimento; período
acadêmico; ter animal de estimação; ter cão de estimação; ter sido atacado
por cão. ................................................................................................................ 73
Tabela 16 - Sexo como variável independente nas questões de múltiplas respostas. ............ 73
Tabela 17 - Ter animal de estimação como variável independente nas questões de
múltiplas respostas. ............................................................................................. 74
Tabela 18 - Ter sofrido ataque de cão como variável independente nas questões de
múltiplas respostas sobre a cadela que divide alimento. ..................................... 74
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12
1 OBJETIVO E HIPÓTESE GERAIS ................................................................... 37
1.1 ESTUDO I Evidências empáticas em cães (Canis lupus familiaris) que
assistem a películas de outros cães. ...................................................................... 37
1.1.1 Objetivos e hipóteses ............................................................................................... 37
1.2 Materiais e métodos ............................................................................................... 38
1.2.1 Participantes ............................................................................................................. 38
1.2.2 Instrumentos ............................................................................................................. 38
1.2.3 Procedimentos .......................................................................................................... 39
1.2.3.1 Primeira etapa (vivência presencial) ........................................................................ 40
1.2.3.2 Situação-anti ............................................................................................................ 42
1.2.3.3 Situação-pró ............................................................................................................. 43
1.2.3.4 Segunda etapa (condicionamento) ........................................................................... 44
1.2.3.5 Terceira etapa (teste) ................................................................................................ 44
1.2.3.6 Vídeo-neutro ............................................................................................................ 45
1.2.3.6.1 Vídeo-anti ................................................................................................................ 45
1.2.3.6.2 Vídeo-pró ................................................................................................................. 46
1.3 Justificativa do tamanho da amostra ................................................................... 46
1.4 Delineamento experimental ................................................................................... 46
1.5 Resultados ............................................................................................................... 47
1.6 Discussão ................................................................................................................. 51
1.7 Conclusão ................................................................................................................ 54
2 ESTUDO II ESTUDO PILOTO DO ESTUDO III ............................................. 56
3 ESTUDO III ANÁLISE SOBRE O PONTO DE VISTA DE GRUPOS DE
UNIVERSITÁRIOS SOBRE A EMPATIA COMPARATIVA EM CÃES ..... 57
3.1 Objetivos e hipóteses .............................................................................................. 57
3.2 Materiais e métodos ............................................................................................... 57
3.2.1 Participantes ............................................................................................................. 57
3.2.2 Instrumentos ............................................................................................................. 58
3.2.3 Procedimentos .......................................................................................................... 58
3.3 Delineamento experimental ................................................................................... 59
3.4 Resultados ............................................................................................................... 60
3.5 Discussão ................................................................................................................. 75
3.6 Conclusão ................................................................................................................ 81
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 82
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 83
APÊNDICE A – Questionário Médicos Veterinários ............................................. 95
APÊNDICE B – Questionário Universitários UnB ................................................ 99
APÊNDICE C – Representação dos números nas Tabelas 10, 11 e 12 ................ 105
APÊNDICE D – Resultados apresentados no 26th Human Behavior and
Evolution Society Conference (apresentação oral) ................................................ 107
APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE ............ 125
APÊNDICE F – Identificação dos cães participantes........................................... 126
12
INTRODUÇÃO
O presente trabalho consistiu em dois estudos, um experimental e o outro exploratório,
que buscaram obter um entendimento mais amplo sobre reações empáticas em cães e sobre
como um grupo de universitários pensa a questão da empatia em cães e em outros animais. A
proposta do estudo experimental foi avaliar se os cães são afetados por seus coespecíficos,
sentindo-se aflitos ou não ao perceberem a angústia ou passividade do outro. Para isso, vídeos
contendo imagens de outro cão em três situações (estresse, relaxamento e neutro) foram
exibidos para o grupo de cães a ser testados. O mesmo procedimento foi realizado em
situações nas quais os próprios cães vivenciaram os mesmos fatos assistidos. Antes e depois
de cada situação o sangue desses cães foi coletado e enviado para análise laboratorial dos
níveis séricos de ocitocina e de cortisol. No outro estudo, através da aplicação de
questionários pretendeu-se saber qual é a opinião de diferentes grupos universitários de três
grandes áreas de conhecimento (biológicas, tecnológicas e sócias), sobre as reações empáticas
em cães e em outros animais.
A premissa é de que, assim como em humanos, em animais há também variadas
reações frente a eventos ocorridos com outros indivíduos. Essas respostas geradas no
organismo do observador dependem de sua interpretação frente à situação vivida pelo outro,
podendo ou não ser um ato consciente (Yamada & Decety, 2009). Elas instituem uma forma
de percepção sensível, relacionada aos sentidos em si mesmo, denominada de empatia
(Preston & De Waal, 2002). A empatia, em suas diferentes dimensões, é um constructo que
envolve, em elevado grau, a interação com o outro e as relações com o ambiente. A empatia
recebe significados nos campos de conhecimento, entre eles, da filosofia (subjetividade), da
psicologia (comportamento), da biologia (bioquímica) e atualmente da neurociência
(sinapses) (Decety, 2015; De Waal, 2010; Stueber, 2006).
Os cães convivem com os seres humanos há milhares de anos (Skoglund, Ersmark,
Palkopoulou & Dalén, 2015). Os primeiros seres humanos (Homo sapiens) viviam como
nômades e o seu ambiente social e forma de vida passaram a ser compartilhados com os cães
há mais de 15 mil anos, antes mesmo do surgimento das primeiras grandes sociedades e
civilizações humanas (Cochran & Harpending, 2010; Serpell, 1996). Desde então, ambas as
espécies co-evoluem (Schleidt & Shalter, 2003) e os cães são encontrados em diversos lares
das principais sociedades humanas modernas. Recentemente, um levantamento no Brasil
apontou uma população de 132,4 milhões de animais de estimação domiciliados, dos quais 52
milhões são cães, isso representa aproximadamente 26% do total da população humana
13
brasileira e um número maior do que a quantidade de crianças por domicílio, 44,9 milhões
(IBGE, 2013). Em termos quantitativos, o número de cães domiciliados no Brasil perde
apenas para a população de cães com posse comprovada dos Estados Unidos da América,
77,8 milhões (APPA, 2015). Desde o lançamento do livro E o Homem Encontrou o Cão por
Lorenz (1949), houve no meio científico um aumento de pesquisas utilizando cães, apesar
disso, um questionamento a ser feito é o quanto essa aproximação e trocas com as pessoas
permitiram aos cães, ao longo de sua evolução, desenvolverem mais que em outros animais,
uma melhor percepção das intenções e das emoções humanas.
Considerando as tentativas anteriores para medir a capacidade de respostas empáticas
em animais e quais componentes da empatia podem ser ativados, nota-se uma dificuldade de
constatação da manifestação de todos os componentes da empatia em primatas, golfinhos,
cães e ratos (De Waal, 2010). Até o momento, estudos com animais não fornecem evidências
diretas da manifestação de todas as dimensões empáticas e de emoção em respostas
comportamentais e/ou fisiológicas à dor ou à dificuldade de um coespecífico, por exemplo.
Para responder se animais são capazes de expressar tais dimensões de empatia quando
expostos a diferentes situações, faz-se necessário conduzir pesquisas comparativas e
evolutivas contextualizadas com diferentes áreas da ciência. Críticos do antropomorfismo
alegam que não se pode compreender cães ou outros animais, porque nós não somos "um
deles", desconsiderando assim haver similaridades funcionais no comportamento
sociocognitivo dos seres humanos e animais. Por dividirem há milhares de anos o mesmo
nicho social com os seres humanos, os cães são excelentes objetos de estudo para esclarecer
diversos pontos antrozoológicos (relação entre seres humanos e animais). Realizar
experimentos empíricos dessa natureza contribui para ampliar o entendimento de processos
compartilhados por espécies sociais, avançando no estudo de mecanismos que possibilitam a
empatia, fator fundamental para o convívio social. Tais estudos são vitais para a mensuração
da expressão empática demonstrada por animais e para determinar as consequências sociais
de coping em grupo.
A outra premissa é compreender, através da aplicação de questionários estruturados a
assimilação prática da realidade do publico alvo (universitários) sobre as reações empáticas
em cães e em outros animais. O grupo foi dividido em três grandes áreas do conhecimento:
biológica, tecnológica e social. A divisão em grupos universitários é justificada tendo em vista
que eles abordam o tema empatia de diferentes perspectivas e magnitude. Abranger a opinião
dos diferentes alunos das referidas áreas de ensino superior ajudará estabelecer um elo entre a
prática e a teoria, uma vez que seja provável que o indivíduo presencie empatia em seu dia a
14
dia e compreenda ontologicamente, as causas e efeitos de suas vivências empáticas e as utilize
numa perspectiva evolutiva e comparativa com os animais. A construção empírica revela
aspectos da realidade pautados pelas manifestações qualitativas e quantitativas. Já na
racionalização teórica não há uma observação direta e instantânea da situação manifestada. É
possível desenvolver julgamentos e assimilar novos conteúdos por meio das análises de dados
disponíveis, decorrentes do conhecimento empírico (Abrantes & Martins, 2007). Em seres
humanos é possível aplicar e validar inventário sobre empatia através de instrumentos
respondidos pelo público alvo da pesquisa. Animais, por sua vez, não dispõem desse recurso.
Dessa forma, uma solução encontrada foi descrever como animais agem em determinadas
circunstâncias através do ponto de vista e interpretação dos alunos participantes.
Empatia
A palavra empatia tem raízes linguísticas no grego antigo, empatheia, composta de
"em" (dentro) e "páthos" (sentimento) (Singer & Lamm, 2009). O desdobramento científico
da empatia deriva do termo alemão Einfühlung, criado por Robert Visher em 1873 para
explicar a projeção mental de si mesmo para objetos abstratos como casas e árvores. A
tradução literal da palavra Einfühlung para o português é ―sentir dentro‖ (Maciel, 2016).
Theodor Lipps, em 1903, definiu como Einfühlung a existência de uma relação entre o artista
e o espectador que projeta a si mesmo na obra de arte. Posteriormente, em 1909, o psicólogo
Edward Titchener traduziu o termo para o inglês como empathy, empatia no português,
levando em conta sua raiz etimológica grega (Stueber, 2013; Zimerman, 2009). Empatia,
portanto, pode ser definida como a reação de um indivíduo às experiências observadas de
outros (Davis, 1980; Preston & De Waal 2002). Em consequência, é uma forma complexa de
inferências psicológicas na qual a observação, a memória, o conhecimento e o raciocínio são
combinados para a compreensão sobre os pensamentos e sentimentos dos outros (Ickes,
1997).
Empatia e fisiologia
Existem três respostas comportamentais básicas diante de um estressor:
enfrentamento, evitação e passividade. A resposta depende da maneira como o indivíduo
processa e avalia as informações contidas nos estímulos recebidos (relevantes, agradáveis,
aterrorizantes, etc). Essa avaliação determinará a resposta diante da situação estressora e o
15
modo como o mesmo será afetado pelo estímulo (Labrador, Crespo & Fernandéz-Ballesteros,
1994; Margis, Picon, Cosner & Silveira, 2003; Sousa, Silva & Galvão-Coelho, 2015). Os
sinais comportamentais dos animais vão de respostas simples até complexas sequências
motoras, resultado de um conjunto de variáveis genéticas, estado fisiológico, estímulos
ambientais, experiências vividas anteriormente e aprendizagem (Briffa, Sneddon & Wilson,
2015; Voith, 1992).
O eixo hipotálamo-hipófise é dos componentes mais complexos do sistema endócrino.
Ele é essencial na coordenação de toda a resposta endócrina, estabelecendo relações de
controle mútuo (feedback) sobre a maioria das glândulas endócrinas e controla diversos
aspectos da homeostasia corporal, como por exemplo, a liberação na corrente sanguínea de
hormônios associados tanto com o prazer (ocitocina), quanto com o estresse (cortisol) (De
Dreu & Kret, 2016; Kumsta, Hummel, Chen & Heinrichs, 2013; Stocche & Klamt, 2001).
A ocitocina é neuropeptídio composto por seis anéis de aminoácidos e três caudas de
aminoácidos, com um peso molecular de 1007 KDa (Carter, 2014). Ela é produzida nos
corpos celulares dos neurônios magnocelulares situados nos núcleos paraventriculares e
supraóticos do hipotálamo. Ela é conduzida ao longo dos axônios do sistema nervoso por
proteínas (proteína G) até a neuro-hipófise para ser armazenada e secretada na circulação
sistêmica quando pertinente. As interações entre os neurônios e a ocitocina secretada pela
hipófise (glândula pituitária) são coordenadas pelo hipotálamo (Brownstein, Russell &
Gainer, 1980; De Dreu & Kret, 2016). O sistema nervoso central é um neurorregulador que
promove a liberação do hormônio ocitocina por neurônios parvocelulares localizados em
diferentes regiões do cérebro (Buijs, Swaab, Dogterom & Van Leeuwen, 1978; Gimpl &
Farenholz, 2001; Campos & Gravetos, 2010). Deste modo, a ocitocina possui uma ação
periférica e uma ação central. A relação da ação periférica com a gestação e amamentação
está bem definida (Hahn-Holbrook, Holt-Lunstad, Holbrook, Coyne & Lawson, 2011;
Stocche & Klamt, 2001). Já a ação central tem característica neuromoduladora, através de
projeções de neurônios ocitocinérgicos, que influenciam nos comportamentos sociais,
reprodutivos, afiliativos e da ingestão alimentar (Bartz, Zaki, Bolger & Ochsner, 2011;
Campos & Gravetos, 2010; Carter, 2014; Dacome & Garcia, 2008; Tamma et al., 2009) com
efeito na memória, no humor, na integração sensorial olfativa e no apetite (Leng et al., 2007;
Numan, Numan & English, 1993).
O cortisol, conhecido também como hidrocortisona (forma sintética), é da classe dos
glicocorticoides e da categoria dos corticosteroides mais comum no organismo de mamíferos.
Ele é composto por quatro anéis carbônicos e está relacionado com as respostas do organismo
16
ao estresse, ao aumento da pressão arterial e da glicose do sangue, além de supressão do
sistema imune e a ação anti-inflamatória (Bueno & Gouvêa, 2012). O cortisol é produzido
zona fasciculata pelo córtex das glândulas suprarrenais (adrenal), sua síntese dá-se a partir do
colesterol que envolve uma série de reações químicas no âmbito mitocontrial e reticular
endoplasmático e envolve também a progesterona, precursor de hormônios esteróides
(Saraiva, Fortunato & Gavina, 2005). A produção e a secreção de cortisol são controladas
pelo hormônio adrenocorticotrófico, produzido pela adeno-hipófise (Bueno & Gouvêa, 2012).
A liberação do hormônio adrenocorticotrófico é estimulado pelo hormônio liberador de
corticotrofina, produzido no núcleo paraventricular do hipotálamo. Por sua vez, a glândula
adrenal é regulada e estimulada a sintetizar cortisol pelo hormônio adrenocorticotrófico
(Saraiva, Fortunato & Gavina, 2005; Bueno & Gouvêa, 2012). Após a sua síntese, o cortisol
difunde-se para a corrente sanguínea, onde por volta de 60% liga-se a proteínas (transcortina e
albumina) e os restantes ficam livres no plasma adotando sua forma ativa (Bueno & Gouvêa,
2012). A inibição da secreção de cortisol é controlada por uma alça de retroalimentação (feed-
back) negativa. O próprio cortisol circulante livre age nos receptores de glicocorticóide do
hipocampo, que por sua vez, inibe a secreção dos hormônios adrenocorticotrófico e liberador
de corticotrofina na hipófise e no hipotálamo respectivamente, causando a diminuição da
síntese de corticoide (Graeff, 2003).
Os glicocorticoides desencadeiam diferentes atitudes comportamentais, dependentes
da espécie e do tempo de exposição ao fator (Soma, Scotti, Newman, Charlier & Demas,
2008). Em cães, situações conflitantes com outros indivíduos induzem um aumento agudo de
cortisol pelas adrenais (eixo hipotálamo-hipófise-adrenal), podendo refletir em agressão ou
medo (Luescher & Reisner, 2008; Mikics, Barsy & Haller, 2007). O aumento das
concentrações de cortisol parece estar relacionado com o estado de estresse do animal perante
um ambiente imprevisível e inconsistente (Luescher & Reisner, 2008), com consequentes
alterações cardiovasculares, caracterizadas por taquicardia, hiperventilação, elevação da
pressão arterial, vasodilatação nos músculos estriados e vasoconstrições cutânea e visceral
(Chrousos, 2009). A ansiedade pode ser gerada por medo e apreensão devido a antecipação de
perigo (Dias, Cole, Lima, Fukahori, Silva, Regoet, 2012), com instantâneo aumento do
cortisol circulante (Bergamasco et al., 2010), da frequência cardíaca, da frequência
respiratória e da pressão sanguínea. Existe uma patologia associada à ansiedade que acomete
a maioria das espécies e frequentemente aos cães, a síndrome de ansiedade por separação
(SAS). Ela é caracterizada por sinais de sofrimento quando o cão é deixado sozinho ou é
separado de pessoas com quem ele possua algum vínculo afetivo forte (Soares, Pereira &
17
Paixão, 2010; Dias et al., 2012). Um sinal característico de cão ansioso são as vocalizações de
angústia excessivas (Sherman, 2008; Dias et al., 2012). Quando existem estressores geradores
de estímulos agudos, ocorre no organismo liberação de corticotrofina, vasopressina além de
neuropeptídeos reguladores (Chrousos & Gold, 1992). A corticotrofina estimula a adeno-
hipófise a promover a secreção do hormônio adrenocorticotrófico, o qual leva à secreção de
cortisol pelo córtex das adrenais e consequente aumento de seu nível plasmático (Smith et al.,
1998).
Já a ocitocina, além de dar a sensação de felicidade, é um hormônio relacionado ao
controle do estresse em mamíferos (Heinrichs, von Dawans & Domes 2009). Pois, através do
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, ela está envolvida no controle neuroendócrino da secreção
do hormônio do estresse, o cortisol. Segundo Boutet, Vercueil, Schelstraete, Buffin e Legros
(2006), a relação da ocitocina com a redução do estresse se deve à atuação da mesma na
redução da secreção de hormônio adrenocorticotrófico e consequente diminuição de cortisol
circulante. Entretanto, o cérebro é capaz de interpretar os estímulos estressantes. Uma maneira
de atuação do sistema límbico é inibir a atividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, ao
modular a via gabaérgica no núcleo paraventricular do hipotálamo (Herman & Cullinan,
1997). Através desse mecanismo o sistema límbico proporciona a liberação de ocitocina no
organismo com ação antiestressante (De Dreu & Kret, 2016). Há uma sobreposição de
atuação dos estímulos para a secreção dos hormônios cortisol e ocitocina. Pois, o sistema que
controla a liberação de cortisol, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, age em neurônios do
hipotálamo localizados no núcleo paraventricular, mesma região responsável pela secreção de
ocitocina (Graeff, 2003; Bao, Meynen & Swaab 2007).
A vasopressina é armazenada na neuro-hipófise, mesmo local de armazenamento da
ocitocina, ambas também possuem quimioafinidade pelos receptores específicos umas das
outras (Brownstein, Russell & Gainer, 1980). Segundo Uzefovsky et al. (2015), os receptores
de ocitocina estão relacionados à empatia afetiva e os receptores de vasopressina estão
associados à empatia cognitiva. O estudo de Smith, Porges, Norman, Connelly e Decety
(2014) com homens expostos a estímulos visuais de lutas marciais (MMA - mixed martial
arts), mostrou uma relação entre o genótipo dos receptores de ocitocina e o comportamento
social. Indivíduos que possuem receptores homozigotos apresentaram níveis aumentados de
empatia em comparação aos portadores do alelo A (heterozigotos). Tendo em vista que a
ocitocina, a vasopressina e o cortisol possuem o mesmo centro regulador, a liberação de
ocitocina no organismo ocorre de forma antagônica a do cortisol e da vasopressina, nesse
sentido, quando indivíduos são confrontados com situações de estresse, a vasopressina age
18
como feedback positivo do hormônio liberador de corticotropina, que por sua vez, leva à
liberação de cortisol endógeno. Sendo assim, através de um sistema de feedback negativo, a
ocitocina, por via indireta, tem sua liberação na forma endógena em proporção inversa da
secreção de corticosteronas (cortisol) pela via gabaérgica (como visto, o GABA é um
neurotransmissor que atua de maneira inibitória no SNC). Ao inibir a secreção de cortisol, de
maneira inversamente proporcional, o GABA, estimula a secreção de ocitocina, o que confere
ao sistema nervoso central o principal mecanismo regulatório ao estresse (Brownstein et al.,
1980; Dacome & Garcia, 2008; Campos & Gravetos, 2010). Quando um indivíduo está sob
situação de estresse, a ação do GABA é inibitória para a secreção de cortisol ao inibir a
secreção de corticotropina no núcleo paraventicular, entretanto, ela é estimulatória para a
secreção de ocitocina. Desta maneira, quando níveis plasmáticos de ocitocina estão elevados,
os de corticosteroides (cortisol) estão baixos, e vice-versa (Dacome & Garcia, 2008).
Assim sendo, é possível afirmar que a secreção de ocitocina sistêmica diminui a
ansiedade e ocasiona um declínio na resposta do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal a estímulos
psicologicamente estressantes. Entretanto, o sentir medo ou estresse é essencial para a
manutenção da vida. Sem o receio, os indivíduos seriam incapazes de detectar o perigo e
adotar tomadas de perspectivas e decisões (Debiec & LeDoux, 2004). O problema surge
quando há o desequilíbrio homeostático entre os sentimentos do medo ou receio e as
interações neuroquímicas relacionadas a eles, esse fato destaca a importância da ocitocina, da
vasopressina e do cortisol para a continuidade da vida.
Uma vez que a ocitocina tem relação com as respostas do comportamento social, ela
desempenha um papel significativo no sistema límbico, sistema responsável pela percepção e
a regulação das emoções, incluindo a amígdala, região associada aos comportamentos sociais,
ao aprendizado emocional, a interações visuais com outro indivíduo e no reconhecimento do
medo na face dos outros. Na amígdala é possível encontrar receptores de ocitocina (Domes,
Heinrichs, Michel, Berger & Herpertz, 2007). Buijs e Swaab (1979) constataram, pelo meio
de análise microscópica imunoeletrônica, que no núcleo mediano da amígdala existem
sinapses contendo vasopressina e ocitocina. Além do mais, as sinapses desses peptídeos ali
encontradas não diferiram das sinapses existentes desses mesmos peptídeos no cérebro. Sendo
assim, a presença de ocitocina no sistema límbico indica uma relação central do efeito da
mesma sobre as emoções.
Por sua vez, essa correlação do sistema límbico com a emoção envolve-o diretamente
com a expressão empática em mamíferos. Já que, para diferentes expressões empáticas em
contextos diversos, é preciso reconhecer o estado emocional do outro. A definição clássica da
19
empatia a define como sendo capacidade para conhecer e entender a consciência de o
indivíduo por meio de um processo de imitação interna, colocando-se no lugar do outro,
sendo possível assim, a partir desse contexto, que os indivíduos compreendessem uns aos
outros. Em detrimento disso, ela é uma forma complexa de inferências psicológicas na qual a
observação, a memória, o conhecimento e o raciocínio são combinados para a compreensão
sobre os pensamentos e sentimentos dos outros (Ickes, 1997). Sendo assim, a empatia é
fenômeno multidimensional, que envolve diversos fatores fisiológicos, neuroquímicos e
psíquicos, com aspectos afetivos, cognitivos e comportamentais (Falcone et al., 2008).
Estudos de Nagasawa, Kikusui, Onaka e Ohta (2009), Petersson et al. (2017) e Olmert
(2009) sugerem que a ocitocina exerce a principal influência no estabelecimento do vínculo
homem-animal. Em cães, assim como em humanos, os receptores de ocitocina estão
associados com o controle nervoso central do estresse e ansiedade, além de comportamentos
relativos a interações sociais (Heinrichs, von Dawans & Domes, 2009). As medidas de efeitos
fisiológicos de cães e seres humanos durante interações positivas, seção de carinho, por
exemplo, mostram que, em ambas as espécies, ocorre a diminuição da pressão arterial, do
colesterol e do cortisol com concomitante aumento da ocitocina, da prolactina, da endorfina e
da dopamina (Handlin et al., 2011; Odendaal, 2000). Sabe-se que a ocitocina exerce
influência no comportamento social dos cães em relação às interações com os seres humanos.
O polimorfismo nos genes dos receptores de ocitocina em cães está associado à maneira com
que eles se dirigem aos seres humanos. Por exemplo, na procura de contato com pessoas não
familiares e conhecidas a eles, além de resposta amigável a aproximação de estranhos (Kis et
al., 2014). Acredita-se que um dos fatores que possibilitou aos cães interagirem dessa maneira
com consequências fisiológicas e comportamentais, sejam os processos de domesticação e de
coevolução social ocorrido entre ambas as espécies (Kis et al., 2014; Nagasawa et al., 2015;
Schleidt & Shalter, 2003).
Empatia e neurociências
A neurociência cognitiva social analisa os processos cognitivos de um ser humano
relacionados à presença e à convivência com outros seres humanos, podendo assim, inserir os
cães nesse cenário, tanto como agentes quanto como coadjuvantes (Cacioppo, Amaral,
Blanchard, Cameron & Carter, 2007; Guo, Meints, Hall, Hall & Mills, 2009; Nagasawa et al.,
2015). Para animais sociais, a exemplo os seres humanos e os canídeos, os rostos transmitem
uma imensa gama de informações extremamente importante na comunicação e identificação
20
das intenções e emoções de outro indivíduo (Martinez & Boere, 2011; Riedel et al., 2008).
Neurocientistas constataram que em cães, existe uma região específica do córtex cerebral,
ligada à inteligência social, responsável pela interpretação seletiva das faces humanas (Dilks
et al., 2015; Guo et al., 2009). Apesar da simetria dos rostos humanos, o lado direito do rosto
tende a enfatizar mais as expressões e emoções positivas, além de informações sobre o sexo e
a idade, apontando relativa dominânca para a detecção de movimentos faciais e julgamentos
(Burt & Perrett, 1997; Guo et al., 2009; Nicholls, Ellis, Clement & Yoshino, 2004). Na
pesquisa realizada por Guo et al. (2009) constatou-se que cães olham mais para o lado direito
do rosto quando veem rostos humanos, enquanto para objetos inanimados, rostos de outros
cães e de primatas, eles não demonstraram essa preferência. Durante a domesticação cães
podem ter afinado os mecanismos empáticos que estão presentes no reconhecimento da
expressão facial, cruciais para a cognição social (Besel & Yuille, 2010).
Desde a descoberta da relação entre a empatia e os ―neurônios espelho‖, estudos
passaram a investigar as bases biológicas da empatia como parte do novo campo da
neurociência social (Decety & Ickes, 2009). Os neurônios espelho são uma classe particular
de neurônios, descoberto no córtex pré-motor de macacos e atualmente sua presença é
constatada em diversas classes de mamíferos (Heyes, 2010; Macphail, 1996). Observou-se
que esses neurônios descarregavam sinapses de maneira similar quando os macacos faziam
uma ação em particular e quando observavam outros indivíduos fazer uma ação análoga a
essa (Gallese, Fadiga, Fogassi & Rizzolatti, 1996; Rizzolatti, Fadiga, Gallese & Fogassi,
1996). Essa semelhança na ativação neuronal leva as representações mentais que
normalmente estão relacionadas com experiências emocionais diretas a formarem o
mecanismo central entre a empatia e a ressonância afetiva (Ferrari & Rizzolatti, 2014; Lamm
& Majdandžić, 2015). Através da técnica de Ressonância Magnética Funcional, constatou-se
que as mesmas áreas cerebrais humanas onde há presença dos neurônios espelho, há também
comunicação com o sistema emocional ou límbico cerebral (Völlm et al., 2006; Williams,
Whiten, Suddendorf & Perrett, 2001). Entretanto, para Lamm e Majdandžić (2015), existem
situações em que a empatia ocorre sem o envolvimento de áreas do cérebro associadas aos
neurônios espelho. Sendo assim, o uso do termo espelhamento deve ser utilizado como uma
analogia para o processo de reprodução das experiências afetivas dos outros em nosso próprio
sistema nervoso relacionado com a emoção, não estando a empatia assim, exclusivamente
ligada aos neurônios espelho.
Desde que os neurônios espelho foram descobertos, surgiram grandes discussões sobre
seus potenciais efeitos sobre cognição social. Entretanto, há controvérsias entre as
21
similaridades de sua ação entre primatas e seres humanos, levando alguns teóricos a
questionar a existência de um sistema neuronal espelho em humanos. Essa dúvida ajuda a
explicar as diferenças entre humanos e primatas no que diz respeito à ativação desses
neurônios espelho, além de ajudar a saber o porque da ativação se encontrar fora da área
original do córtex parietal e pré-motor e do porquê os efeitos da ativação do centro espelho
não é determinante para uma função cognitiva social especifica (Heyes, 2010). Em um
experimento conduzido por Berns, Brooks e Spivak (2015) que avaliou através de ressonância
magnética funcional as respostas olfativas de cães perante cheiros de seres humanos
conhecidos e cães conhecidos, constatou-se que o núcleo caudado do cão apresentava maior
atividade quando ele era exposto ao cheiro humano ao invés do cheiro de outro cão. Esse
núcleo pode representar uma convergência de sinais vindos dos humanos, nesse contexto
sendo o sinalizador um aroma. Surpreendentemente, a resposta compensatória foi direcionada
com maior efetividade ao ser humano e não ao seu coespecifico.
Possivelmente, essa evidência está diretamente relacionada ao processo evolutivo
ocorrido entre ambas as espécies. Nesse contexto evolutivo, tanto os seres humanos quanto os
cães sofreram mudanças sinápticas no âmbito cerebral que permitiram a adaptação ao núcleo
familiar uns dos outros. Desse modo, o desenvolvimento e aprimoramento sináptico e
estrutural de regiões neurológicas empáticas em humanos e cães, é um dos fatores
fundamentais do sucesso evolutivo e adaptativo ao longo de milhares de anos de suas histórias
(Nagasawa et al., 2015; Paxton, 2000; Schleidt & Shalter, 2003).
Componentes da empatia
Atualmente, o tema da empatia é objeto de interesse de diversas disciplinas, como
filosofia, psicologia clínica, psicologia da saúde, psicologia do desenvolvimento, psicologia
social, psicologia da personalidade, psicologia cognitiva, neurociência cognitivo-afetiva,
biologia e psicologia evolucionista (Decety, 2015; Decety & Ickes, 2009; Lamm &
Majdandžić, 2015; Uzefovsky et al., 2015). Devido a diferentes definições a respeito dos tipos
e reações empáticas, o estudo se apropriou de três definições teóricas sobre a empatia quando
a mesma é estruturada por componentes: afetivo; cognitivo e comportmental. Em seu nível
básico a empatia pode ser considerada uma resposta afetiva para a percepção direta,
imaginável ou dedutível do estado sentimental do outro (Singer & Lamm, 2009). Batson
(2009) propôs oito modalidades para definir aspectos sobre o termo empatia. O primeiro
conceito diz respeito ao conhecimento do estado interno (pensamentos e sentimentos) de
22
outro indivíduo, definido como empatia cognitiva ou acurácia empática. A segunda condição
descrita foi a de adotar a postura, a expressão ou sincronizar-se com as respostas neurais do
outro indivíduo observado. Seria uma espécie de empatia facial, mimetismo motor ou
imitação. Já a terceira forma foi a de passar a sentir como o outro se sente, ou seja,
compartilhar das mesmas emoções, definida como ressonância emocional. Alguns autores a
classificam como contágio emocional ou angústia pessoal e a consideram uma forma
primitiva de empatia (Falcone et al., 2008; Singer & Lamm, 2009). A quarta modalidade
proposta por Batson foi a de projetar-se intuitivamente na situação vivida pelo outro, o que
remete a palavra em alemão Einfühlung sugerida por Theodor Lipps. A quinta definição sobre
empatia foi a de imaginar como o outro está se sentido e pensando, ou seja, tomar para si a
perspectiva do outro, também definida como empatia psicológica, tomada de perspectiva ou
projeção. A sexta forma sugerida foi a de se imaginar e deduzir como se sentiria caso
vivenciasse a situação do outro, seria a perspectiva de imaginar a si mesmo na outra situação,
ou seja, empatia projetiva. Já a sétima modalidade da empatia definida por ele foi a de sentir
aflição ao testemunhar o sofrimento alheio, também chamada de aflição empática ou aflição
pessoal. Diferente do terceiro conceito proposto por Batson, nesse caso o observador não se
sincroniza com o sentimento do outro e sim apenas sente aflição pelo estado do outro. Na sua
última proposta ele definiu a empatia como sendo uma preocupação empática, ou seja, sentir
por outra pessoa que está em sofrimento. Batson sugeriu que de todas as modalidades essa
seria a única voltada para o outro e não para si, sendo o pilar dentro da empatia para o
comportamento altruísta. Apesar das diferentes definições para cada um dos fenômenos e
modalidades empáticas citadas, elas geralmente ocorrem simultaneamente. Na maioria das
situações o mimetismo, o contágio emocional ou a tomada de perspectiva precedem a empatia
(Singer & Lamm, 2009). Complementarmente, Falcone (1999) adicionou ao contexto
empático a dimensão comportamental (Falcone, 2003), trazendo propriedades concisas para o
conceito de empatia. A dimensão da empatia afetiva ou sensibilidade afetiva (Falcone et al.,
2008) é a capacidade de sincronizar-se a outro indivíduo emocionalmente, ou seja, a
habilidade da percepção da reação emocional através de experiências vividas pelo outro
(Davis, 1994; Preston & De Waal, 2002). Ela é o compartilhamento vicário de afeto, podendo
ou não os agentes envolvidos estarem em um estado emocional afetivo similar. Entretanto,
existem processos psicológicos que fazem com que a pessoa tenha sentimentos mais
parecidos com o estado vivido pelo outro do que o dela mesma (Hoffman, 2000; Jacob, 2011).
Deve-se levar em conta a possibilidade da experiência ser apenas um contágio emocional, ou
seja, uma pessoa passa a sentir emoções similares à outra devido à mera associação. O
23
contágio emocional não requer o conhecimento de que essa experimentação ocorre devido à
vivência do outro. Um exemplo clássico de contágio emocional é quando um recém-nascido
chora ao escutar outro recém-nascido chorar. Esse fenômeno estaria relacionado com
processos rudimentares da empatia, uma vez que recém-nascidos não são capazes de
distinguir entre eles mesmos e os outros (Hoffman 2000).
Já a dimensão da empatia cognitiva é a compreensão da perspectiva psicológica ou do
estado mental de outro indivíduo. O componente cognitivo da empatia está intimamente
ligado à teoria da mente (ToM). Em sua pesquisa com chimpanzés, Premack e Woodruff
(1978) definiram o termo ToM como sendo a capacidade de um indivíduo atribuir estados
mentais a si próprio e aos outros (seja da mesma ou de espécies diferentes). O sistema
dedutivo pode ser usado para fazer predições sobre o comportamento de outros organismos
através de estados que não são diretamente observáveis. Ela é vista como uma teoria, pois
esses estados não são diretamente observáveis e o sistema pode utilizá-los para fazer
suposições sobre o comportamento dos outros. Portanto, a metacognição é a capacidade de
representar estados mentais, tais como crenças, intenções e desejos de outros indivíduos, sem
necessariamente sentir o mesmo que os outros (Caixeta & Nitrini, 2002; Premack &
Woodruff, 1978).
Segundo Falcone (1999; 2003) o componente comportamental da empatia consiste no
entendimento do sentimento e da perspectiva de outro indivíduo, fazendo com que ele se sinta
compreendido, seja através de posturas ou proximidade respaldadas por sinais e vocalizações,
que indicam permissividade e apreço pelo outro indivíduo (Falcone, 1999). Esse contexto é
um limitante para os animais, pois os mesmos não podem relatar de forma direta se sentiram
compreendidos ou compreenderam as ações do outro. Em suma, nesse componente a
percepção do estado do outro ativa no observador representações desse estado e elas
automaticamente geram respostas autonômicas e somáticas associadas a ele que suscita em
uma ação (Preston & De Waal, 2002). A terminologia do componente comportamental da
empatia foi primeiro empregada por Morse et al. (1992) em uma analise feita sobre a relação
entre o cuidadores das diferentes áreas médicas e os pacientes. Eles argumentam que a
empatia é um ajuste impraticável para as demandas da clínica prática, entretanto, é uma
resposta apropriada para pacientes que estão em crise e ainda não chegaram aos verdadeiros
termos decorrentes de suas patologias. Ou seja, o componente comportamental seria a
capacidade do cuidador em transmitir de volta aos pacientes a compreensão dessas emoções e
perspectivas inerentes à realidade vivida. Essa nova abordagem conceitua uma definição dada
por Truax em 1961, onde ele diz que uma empatia acurada envolve mais do que a habilidade
24
do terapeuta em perceber o mundo privado do paciente como se fosse o seu próprio mundo e
vai além de saber as pretensões do paciente perante a realidade. Para Truax, empatia acurada
envolve a sensibilidade para os sentimentos atuais e a facilidade verbal para comunicar esse
entendimento em uma linguagem sincronizada com os sentimentos do paciente (Truax, 1961).
Isto é, a empatia é tanto uma maneira de perceber (componente cognitivo), como de
comunicar (componente comportamental).
A empatia pode ser definida como uma compreensão ou apreciação de como o outro
sente. É ser afetado por um segundo indivíduo e compartilhar com ele seu estado emocional,
avaliar as razões para o estado do outro e identificar-se com o outro adotando sua perspectiva
e tomando alguma atitude direcionada a ele. Nessa perspectiva a empatia pode ser encarada
como uma habilidade social multidimensional que abrange três aspectos. Para esse estudo
conceituou-se os componentes da empatia da seguinte forma: afetivo (a capacidade de
imaginar as emoções e perspectivas do outro); cognitivo (capacidade intelectual de identificar
e compreender as emoções e perspectivas do outro); comportamental (capacidade de agir em
função da situação apresentada pelo outro a fim de suprir a necessidade do outro). A
capacidade de experimentar empatia com todas as suas dimensões é algo relativo à maioria
dos seres humanos. Contudo, ela pode variar substancialmente entre diferentes indivíduos
(Rodrigues, Peron, Cornélio & De Rezende Franco, 2014). Uma lacuna existente é se em
animais há a manifestação da empatia segundo essas três conceituações.
O outro lado da empatia
Uma forma simples de definir empatia é dizer que a mesma significa colocar-se no
lugar do outro e sentir o que o ele sente. Em uma primeira análise, podemos ficar com a
impressão de que essa capacidade é algo que acarreta sempre coisas boas para as pessoas. No
entanto, em algumas situações, isso pode não ser verdadeiro. Há circunstâncias nas quais uma
forte reação empática em relação a um indivíduo com um comportamento de ajuda pode se
mostrar injusto para com outro. Uma vez que, o indivíduo que empatiza absorve o momento
do outro podendo experimentar de sua dor, estresse, angústia e obter uma resposta psico-
fisiológica negativa em seu próprio organismo, alterando a homeostase ao aumentar os níveis
de cortisol, por exemplo, com consequências de curto-longo prazo (O‘Connor, Berry, Weiss
& Gilbert, 2002; Ratcliffe, 2014). Assim como, quem empatiza com apenas um indivíduo
dentro de uma sociedade, pode ao priorizá-lo, deixar de ajudar o conjunto, e assim, não
25
resolver um problema maior por não ter uma visão holística dos possíveis problemas ali
existentes (Bloom, 2016).
Ao considerar que a empatia gera consequências psico-fisiológicas negativas para o
indivíduo que empatiza, como um aumento de cortisol circulante, surgimento de ansiedade e
sentimento de culpa, os animais não estariam isentos dessas consequências negativas. Os
grupos de animais denominados de Animais de Terapia Assistida (ATA) que ajudam
enfermos humanos em sua recuperação pode de certo modo absorver parte da condição deles
e prejudicar em certo grau sua própria saúde (Glenk, Kothgassner, Stetina, Palme, Kepplinger
& Baran, 2013). Porém, nem toda interação entre seres humanos e animais pode ser
considerada terapêutica. Estudos apontam que durante a interação dependendo do tipo de
intervenção, cães do programa ATA podem elevar o nível de cortisol, sendo isso um
indicativo de estresse. Contudo, não está claro se essa elevação seja por conta de uma
interação empática ou devido ao trabalho exaustivo (Glenk et al., 2013; Haubenhofer &
Kirchengast, 2007; King, Watters & Mungre 2011). Entretanto, se for considerado que cães
empatizam com seres humanos, não se pode descartar que cães terapeutas sejam afetados pela
condição humana durante as interações. Ou seja, ao empatizar é possível que a ocitocina fique
de lado da reação fisiológica do organismo e dê lugar ao cortisol.
Em um contexto de tomada de decisão, segundo Bloom (2016), pessoas que utilizam a
razão sem serem levadas por mecanismos empáticos, tendem a ajudar grupos que precisam
mais ou que merecem mais e não apenas a um indivíduo. Pois, de modo geral, os seres
humanos quando se utilizam da empatia se importam mais com uma pessoa do que com um
conjunto. A racionalização e sincronização emocional estabelecida individualmente tende a
favorecer apenas a uma pessoa e não a um grupo (Slovic, 2007), as aflições emocionais do
outro tendem a ter um maior peso para a pessoa de fora, pois a mesma passa a visualizar a
situação transparecida pelo outro como sendo dela mesma. Bem como, para uma pessoa de
fora do círculo social ou que vem de uma nacionalidade distante, o grau de empatia pode ser
reduzido correspondentemente (Hoffman, 2000). Para Bloom (2016), a empatia é insensível a
diferenças numéricas e dados estatísticos, ela pode ser mais poderosa que o senso de justiça e
por isso em certas circunstâncias leva a pessoa a fazer escolhas tidas imorais, apoiar políticas
públicas ineficazes e praticar caridades que priorizam poucos indivíduos ao invés de um
conjunto da sociedade.
Um exemplo prático de como a empatia pode influenciar na tomada de decisão
política vem da opinião que as pessoas têm sobre o consumo de cães e gatos como fonte
proteica para humanos. Na Ásia cerca de 16 milhões de cães e quatro milhões de gatos são
26
consumidos a cada ano (Bartlett & Clifton, 2003). Atualmente existem diversas campanhas
internacionais que pedem a proibição dessa prática. Ao sediar a Copa do Mundo de Futebol
em 2002, a Coréia do Sul recebeu diversas críticas negativas da mídia internacional por
permitir o consumo de cães e gatos. Em sua extensa pesquisa, Podberscek (2009) constatou
que o consumo de cães na Coréia do Sul possui relação cultural com a identidade nacional e,
portanto, a maioria dos seus residentes não está de acordo com os pedidos internacionais de
proibição dessa prática. Isso independentemente de serem ou não tutores de animais de
estimação. Nesse caso, a empatia dos tutores de cães sul-coreanos para com os cães é
direcionada a grupos específicos de cães, como de companhia, uma vez que eles não se
importam que cães destinados ao consumo humano sejam comercializados e até mesmo
consumidos por eles mesmo. Já para tutores de cães ocidentais, essa prática é abominável e os
mesmos não conseguem aceitar ou compreender os motivos do consumo sul-coreano. Nesse
caso, a empatia para os sul-coreanos relacionada aos cães isola uma parte e não os fazem ver
o grupo de cães como unidade, privilegiando como animal de estimação um grupo específico.
Já para os ocidentais, a empatia perante aos cães não os permitem compreenderem a cultura
de outro país, pré-julgando as tradições alheias em nome da moralidade e verdades próprias.
Para Bloom (2016), em casos como esses, a manifestação dos mecanismos empáticos
exclusivamente emocionais ao invés de mecanismos racionais são o que dão conotações
negativas a empatia, uma vez que o grupo pode ser prejudicado ou deixado de lado em pró de
um único indivíduo. Segundo ele a empatia numa esfera política leva a injustiça social, pois
para resolver conflitos o olhar global e racional da situação é a única forma efetiva capaz de
minimizar tomadas de decisões equivocadas. Desta forma, tanto o medo e o ódio, quanto
sentimentos ternos podem motivar escolhas sombrias como atos vingativos e punitivos ao não
aceitar a cultura, religião ou princípios de alguém. Existem evidências que tanto em humanos
quanto em animais os neurohormônios, em especial a ocitocina (hormônio diretamente ligado
a respostas empáticas), medeiam comportamentos agressivos de cuidadores contra ameaças
para com sua prole ou seus companheiros (Buffone & Poulin, 2014). Portanto, a empatia pode
motivar violência contra certos grupos.
Ao racionalizar, talvez os ocidentais compreendessem os motivos que levam os
asiáticos a consumirem carne de cães. Assim como, talvez levassem os orientais a colocarem
todos os cães no mesmo grupo, seja de companhia, seja de consumo. Diferente dos
posicionamentos de Bloom, nessas abordagens a empatia é moralmente relevante, pois há
preocupação com o bem-estar dos outros. As possíveis consequências violentas não devem ser
atribuídas a mecanismos empáticos, uma vez que a motivação inicial não levou a atos
27
violentos e sim a argumentos para tentar convencer o outro de mudar seus hábitos. Entretanto,
como visto, o fato de a empatia ser moralmente relevante não implica que as consequências
levem a boas decisões morais.
Empatia em animais
No passado a empatia era tida como uma habilidade exclusiva dos seres humanos,
sendo um fenômeno cognitivo de nível elevado na qual em animais as projeções, imitações e
imaginações não possuíam uma percepção direta. Preston e De Waal (2002) acreditam que a
empatia seja um fenômeno filogeneticamente contínuo com subclasses, ao alcance de todos os
mamíferos, como sugerido por Charles Darwin, há mais de um século (1871/1982). Acredita-
se que em seres humanos os comportamentos de confortar, de ajudar e de compartilhar sejam
motivados por mecanismos de empatia. Vários estudos com diferentes espécies de primatas
procuram por evidências destes comportamentos, como indicadores de empatia emocional
através do aprendizado vicário e modulação social (Edgar, Nicol, Clark & Paul, 2012). As
emoções possuem componentes comportamentais, neurofisiológicos, cognitivos e
conscientes, elas são processadas e controladas pelo sistema límbico, mesmo sistema
responsável pela ativação de respostas empáticas. Em animais, as emoções também têm sido
medidas através do componente comportamental ou neurofisiológico (Reimert, Bolhuis,
Kemp & Rodenburg, 2013).
No livro A era da empatia, Frans De Waal se apropria da lógica das bonecas russas
(Matryoshka) e utiliza essa metáfora para conceituar empatia (De Waal, 2010). Ele
considerou três estágios de desenvolvimento da empatia (contágio emocional; preocupação
simpática - consolação; tomada de perspectiva - ajudar o alvo). Sendo os níveis mais baixos
comuns a todos os animais. A ideia principal é a de que esses níveis estejam contidos uns nos
outros, do mais rudimentar (contágio emocional) para o mais complexo (tomada de
perspectiva), sendo este último a maior boneca da Matryoshka. De Waal diz que a empatia é
um processo em camadas que está em paralelo com as camadas evolutivas do cérebro. A
maioria das funções básicas do cérebro é encontrada em muitos animais, portanto, existem
muitas das camadas superiores que integram umas com as outras. Nas camadas superiores
estão animais que possuem autoconsciência como os seres humanos, os golfinhos, os
elefantes, os chimpanzés entre outros. A empatia explicada segundo De Waal (2010) pelo
modelo de bonecas russas de várias camadas possui no núcleo interno da boneca um
mecanismo de percepção e ação subjacente ao estado de correspondência e ao contágio
28
emocional. Em torno dessa base socio-afetiva nas camadas externas da boneca incluem
preocupação simpática e ajuda direcionada. A complexidade de empatia cresce com o
aumento das capacidades de tomada de perspectiva, que por sua vez dependem do
funcionamento neural pré-frontal, ligados ao mecanismo de percepção e ação.
Ao contrário das investigações sobre empatia em primatas, estudos com outros
mamíferos que avaliem comportamento de ajudar, confortar ou compartilhar, são muito raros
e quando existentes são restritos ao campo observacional (Edgar et al., 2012), porém alguns
estudos apontam similaridades sociais entre canídeos e primatas (Bräuer, Kaminski, Riedel,
Call & Tomasello, 2006; Cools, Van Hout & Nelissen, 2008; Palagi & Cordoni, 2009).
Três pontos podem ser apontados a respeito de cães e a sua capacidade de ―empatizar‖
com os seres humanos através de processos que vão além de contágio emocional: a evolução
da espécie com o aperfeiçoamento das interações sociais provindas de seu ancestral comum
(Cools et al., 2008; Gácsi et al., 2005); as mudanças psicobiológicas causadas pelo processo
de domesticação, que permitiram a adoção do novo nicho e uma habilidosa comunicação
interespecífica (Hare, Rosati, Kaminski, Bräuer, Call & Tomasello, 2010; Miklósi, 2007;
Miklósi & Gácsi, 2012; Serpell, 1995); e a seleção artificial, os seres humanos privilegiaram,
mesmo que inconscientemente, aqueles cães que melhor se comunicavam e compreendiam
suas intenções (Gácsi et al., 2005; Serpell, 1995; Miklósi, 2007; Wobber, Hare, Koler-
Matznick, Wrangham & Tomasello, 2009). É possível que esses fatores tenham levado ao
aprimoramento de formas cada vez mais complexas de empatia em cães, as quais se
assemelham a certos traços da comunicação cognitiva e emocional humana (Silva & de
Sousa, 2011).
Acredita-se que a percepção de justiça social, por resultados compensatórios, e a
empatia, sejam uns dos fatores passíveis de ter ajudado na evolução da cooperação mutua e da
detecção da intenção de outro indivíduo. (Fehr & Fischbacher 2003). Assim, a empatia é uma
característica universal dos seres humanos e ainda pode ser compartilhada, de alguma forma,
por outras espécies sociais, a exemplo dos cães. Essa capacidade empática dos cães pode
facilitar as estratégias para a sobrevivência e geração de bem-estar nos seres humanos que
podem ou não estar carentes ou necessitados de algum tipo de suporte emocional ou físico.
Um fenômeno intrigante cujo mecanismo e função ainda continuam desconhecidos é o bocejo
por contágio, ocorrido após ver ou escutar outro indivíduo bocejar. Enquanto algumas
pesquisas relacionam o bocejar ao perceber outro bocejando a mecanismos inatos, estudos
recentes focam no seu potencial papel na comunicação, interações sociais e empatia. Eles
sinalizam que esse fenômeno não está restrito aos seres humanos. Uma vez que, diferentes
29
primatas, cães e uma espécie de pássaro conhecida popularmente como periquito australiano
(Melopsittacus undulatus) são capazes de bocejar ao ver um coespecifico bocejar. Algumas
pesquisas com cães foram realizadas visando relacionar o fenômeno do bocejar ao ver ou
ouvir outro bocejar à empatia e ao contágio emocional. Esses trabalhos apresentaram achados
contraditórios, sem evidências que correlacionem o bocejo por contágio à empatia (Harr,
Gilbert & Phillips, 2009; O‘Hara & Reeve, 2011 ) e com evidências de modulação social
relacionada à empatia (Silva, Bessa & de Sousa, 2012). Recentemente, os achados de
Romero, Konno e Hasegawa (2013) deram base para defender a hipótese de que em cães o
bocejo por contágio possui relação direta com a empatia, descartando a relação do bocejo com
o nível de tensão vivida, pois a variação de batimentos cardíacos e a frequência cardíaca se
mantiveram constantes em todas as etapas do experimento. Nesse estudo o bocejo de seres
humanos motivou a mesma atitude em cães, eles concluíram que os laços sociais associados à
empatia regulam esse fenômeno.
Uma limitação dos estudos que investigam a empatia com dados puramente
observacionais em animais é a de que a avaliação sobre a percepção de um indivíduo a
respeito da situação emocional do outro não pode ser verificada, a menos que outros
parâmetros sejam associados a eles, como alterações fisiológicas ou atividades neuronais.
Atualmente, a neurociência tenta estabelecer um apoio para os questionamentos feitos por
filósofos, etólogos e psicólogos a respeito da empatia (Harris, 2003; Preston & De Waal,
2002; Singer & Lamm 2009). Ter um melhor entendimento a respeito de experiências
empáticas é uma ponte para a compreensão e aceitação de nós mesmos e de outros. Portanto,
investigações sobre a capacidade dos cães em estabelecer respostas empáticas para com os
seres humanos são válidas, uma vez que os cães possuem um sistema límbico bem
desenvolvido e um repertório complexo para a comunicação intra e interespecífica, além de
um conjunto de respostas comportamentais de fácil interpretação, ideais para a constatação de
empatia nessa espécie.
Relação cães e seres humanos
Domesticação dos cães
A domesticação é precedida de mudanças genotípicas podendo ou não ser
acompanhadas de mudanças fenotípicas, visando adaptar o animal ou o vegetal ao novo meio
e às necessidades humanas (Diamond, 2002). Assim, a domesticação é tanto um processo
30
evolutivo, quanto um fenômeno ambiental, com precisas contribuições das alterações
genéticas e do ambiente de cativeiro (Ervynck, Dobney, Hongo & Meadow, 2001). Ela pode
ser vista como mutualismo, onde tanto o domesticador e o domesticado se beneficiam das
alterações decorrentes dela (Zeder, 2015). Do ponto de vista do domesticador, o papel dos
seres humanos na domesticação é enfatizado e visto como único responsável por separar um
potencial alvo para domesticação de populações livres, assumindo então o controle sobre
todos os aspectos do seu ciclo de vida (Ervynck et al., 2001). A domesticação teve
consequências não previstas em dois conjuntos: o conjunto composto por animais e plantas e
o outro conjunto composto pelos seres humanos, acarretando em mudanças físicas e
comportamentais (Diamond, 2002).
A primeira espécie que os seres humanos domesticaram foi o ancestral comum do cão
doméstico (Canis lupus familiaris), espécies de lobos (Canis lupus) já extintas que também
deram origem aos lobos cinzentos modernos (Miklósi & Gácsi, 2012; Skoglund et al., 2015).
Inicialmente o cão serviu aos humanos como guardião e caçador, para posteriormente tornar-
se animal de companhia. Em seu processo evolutivo o cão associou-se à espécie humana e
tornou-se membro permanente de sua sociedade (Miklósi, 2007; Miklósi & Gácsi, 2012;
Serpell, 1996). Diferente da datação de achados paleontológicos de aproximadamente 14 mil
anos, estudos genéticos estimam que a separação entre o cão e o seu ancestral se deu há mais
de 100 mil anos atrás, (Skoglund et al., 2015; Vilà et al., 1997). Independente da datação
adotada, a domesticação e surgimento dos primeiros cães se deu pelo menos 21 mil anos antes
da domesticação do primeiro vegetal (Shipman, 2010), nesse período as populações humanas
se organizavam em pequenos núcleos de caçadores e coletores (Diamond & Bellwood, 2003).
A partir da domesticação dos cães, e posteriormente de vegetais e outros animais como ovinos
e suínos, ocorreram alterações estruturais nas sociedades humanas que mudaram o rumo
evolutivo e configuração ambiental de todo o mundo (Diamond & Bellwood, 2003; Ervynck
et al., 2001; Skoglund et al., 2015; Zeder, 2015).
Dentre as espécies domésticas modernas de animais, os cães apresentam a maior
variação morfológica (alturas e formatos de rosto e corpo) e comportamental (perfis
psicológicos e temperamentos) (Boyko et al., 2009; Vilà et al., 1999). Essas características
surgiram milhares de anos após a domesticação do seu ancestral comum. No entanto, em um
experimento que visava tornar raposas cinzentas (Vulpes vulpes) de cativeiro mansas, Belyaev
(1979) constatou um salto evolutivo que contrariava todas as teorias de domesticação e
evolução da época. Ao selecionar apenas raposas de temperamento dócil para o programa de
reprodução, em aproximadamente 20 anos de seleção a população experimental não
31
apresentava mais hostilidade a aproximação de seres humanos como faziam anteriormente.
Ao invés disso, esses animais procuravam desde cedo o contato com as pessoas e
apresentavam comportamentos similares aos de cães, como brincadeiras e expressões
corporais. Além disso, ocorreram mudanças no formato da cauda, passando a ficar enrolada,
apresentaram padrão de pelagem bicolor e ao nascer as orelhas não ficavam eretas. Belyaev
concluiu que ao selecionar o temperamento manso ocorreram mudanças comportamentais e
morfológicas devido a hormônios atuantes naqueles indivíduos de temperamento mais calmo.
A relação de cães e humanos é antiga e contraditória, passando desde a admiração
plena até a repulsa total (Serpell, 1995). Existem diversos estudos recentes comparativos
sobre o comportamento social e comunicativo entre humanos e cães (Howell et al., 2015;
Martinez & Boere, 2011; Miklósi & Gácsi, 2012; Nagasawa et al., 2015; Téglás, Gergely,
Kupán, Miklósi & Topál, 2012). Segundo Berns et al. (2015), a seleção artificial a qual os
cães foram submetidos ajudou a criar um vínculo natural e interespecífico com os seres
humanos mais forte que o próprio vínculo inato e intraespecífico existente entre os cães. Para
Howell et al. (2015), no processo evolutivo, cães e seus tutores humanos se beneficiam do
desenvolvimento de um forte laço social afetivo. A socialização quando começada cedo na
vida de um cão tem efeitos no longo prazo sobre o comportamento do cão adulto, sendo um
fator crucial para o desenvolvimento de relações positivas com os humanos (Lorenz, 1949).
Entretanto, não está claro o quanto de socialização é necessária para produzir um cão adulto
bem ajustado, ou seja, um cão equilibrado o qual manifesta seu repertório comportamental
dentro do esperado para a espécie. Vale salientar que o ambiente social humano providencia
um nicho natural para os cães e, desde filhotes, eles são predispostos a desenvolver contatos
estreitos com pessoas (Gácsi et al., 2005; Riedel, Schumann, Kaminski, Call & Tomasello,
2008; Topál, Miklósi & Csányi, 1997). Porém, caso esse contato com seres humanos não
ocorra antes das primeiras 14 semanas de vida dos filhotes de cães, eles demonstrarão com
frequência reações de medo perante a presença de pessoas, que podem permanecer durante a
vida adulta (Howell et al.,2015). A convergência dessa relação tem respaldo na coincidência
temporal e geográfica entre o aparecimento das primeiras sociedades humanas e o cão
doméstico (Paxton, 2000; Schleidt & Shalter, 2003). Evolutivamente ocorre uma
sobreposição entre o início das mudanças genéticas do lobo e o surgimento dos primeiros
Homo sapiens, assim como, o surgimento do primeiro cão e o aparecimento das primeiras
sociedades humanas. Tais aproximações interespecíficas agiram de maneira a ocasionar um
sinergismo entre o comportamento de ambas espécies, através de processos de
retroalimentação positiva tanto no âmbito evolutivo, quanto no epigenético. Por epigenético
32
compreende-se ―um processo biológico causador de mudanças hereditárias na expressão
gênica regulado por mitoses ou meioses, que não alteram a sequência de DNA, ou seja,
provoca mudanças estruturais no gene sem modificar o seu nucleotídeo‖ (Jablonka & Lamb,
2014).
A capacidade de formar elos sociais não está limitada aos humanos. Os mecanismos
subjacentes a eles são antigos e justificados com base em circuitos neurais e processos
endócrinos oriundos da própria evolução dos mamíferos (Hammock & Young, 2005; Hrdy,
1999). Dentre todas as espécies de animais domésticos, os cães possuem hoje o posto de
maior complexidade dentro da estrutura social humana (Miklósi, 2007; Serpell, 1996). Tal
papel social aumentou a disponibilidade dos cães e dos humanos para atender e compreender
uns aos outros e formar a base para a comunicação entre eles (Gácsi et al., 2009). A partir
dessa constatação, acredita-se que diferentes dos cães, outras espécies sociais menos
evoluídas ou com menor desenvolvimento social com os seres humanos, carecem de
habilidades que identifique com mais precisão a existência de reações empáticas com pessoas
(Caixeta & Nitrini, 2002).
Comunicação não-verbal e audiovisual em cães
A comunicação é o resultado de evolução filogenética e desenvolvimento
ontogenético, ou seja, com o novo ambiente social, os seres humanos e os cães passaram a
dividir o mesmo nicho ecológico, o que propiciou um desenvolvimento comunicativo único
entre ambas as espécies (Miklósi, 2007; Miklósi & Gácsi, 2011; Schleidt & Shalter, 2003;
Serpell, 1996). Canídeos como lobos, coiotes e raposas não latem em seu ambiente natural,
porém os cães adquiriram em um ambiente antropogênico uma vantagem seletiva sobre os
lobos e outros cães ao produzirem latidos mais atrativos para os seres humanos, até evoluir
pra sinais acústicos de utilidade universal. Os seres humanos são capazes de julgar o estado
interior de um cão apenas pelo seu latido, através de características acústicas, como
frequência, tonalidade e ritmo (Pongrácz, Molnár & Miklósi 2010). Durante a comunicação,
os seres humanos utilizam uma estrutura complexa de sinais comunicativos, como acústicos e
visuais. Também são aplicados certos sinais para iniciar e manter a comunicação, por
exemplo, contato visual, além de contar com várias pistas comportamentais para reconhecer a
atenção (Miklósi, Polgárdi, Topál & Csányi, 2000). O corpo é capaz de estabelecer e conduzir
mensagens através de gestos, postura física, ritmo corporal, vocalização e expressões faciais,
principalmente olhos e lábios, os quais permitem transmitir informações através de sua
33
tonalidade, ritmo e inflexão. Toda relação é baseada em signos, ou seja, comunicação não-
verbal. Há indicações de que os cães têm uma forte propensão para inicializar interações
comunicativas com os seres humanos, e para isso eles contam predominantemente com pistas
visuais (olhar e alternância de olhar fixo), que são funcionalmente semelhantes às usadas
pelos seres humanos. Este padrão de comportamento pode ser revelado em situações onde os
cães são expostos a problemas insolúveis na presença de seres humanos. Nestas
circunstâncias, os cães demonstram várias atitudes comportamentais (olhar, alternância de
olhar fixo, vocalização) que direcionam a atenção do ser humano para si ou para o problema a
ser resolvido (Miklósi et al., 2000).
As estruturas do olho humano e de cães são desenhadas de forma parecidas. Ambos
possuem córnea, pupila, lente e retina. A maior distinção está em como cada um percebe as
imagens. Para o cão a visão é fundamental para processar o movimento, uma habilidade vital
para a sobrevivência de seus ancestrais durante a caça ao focar nos movimentos de suas
presas, já as pessoas possuem uma visão mais holística (Coren, 2007). Outra diferença está na
percepção das cores, cães percebem menos cores que seres humanos. Isso se deve ao fato
deles terem menos cones sensíveis a cores (fotoreceptores) (Hirskyj-Douglas, Read &
Cassidy, 2017). Cães podem discriminar entre três cores primárias e o cinza, porém não
percebem as cores vermelha e verde (Hirskyj-Douglas, Read & Cassidy, 2017; Tanaka,
Watanabe, Eguchi & Yoshimoto, 2000).
Com o desenvolvimento da televisão, desde a metade do século XX mudou-se a
maneira com que as pessoas se relacionam com a esfera das imagens. A televisão estimula os
telespectadores com seus conteúdos diversificados, novidades e tramas intrigantes. Ela
permite conhecer diversas culturas e difunde desde então uma nova forma de comunicação
(Dias, 2017). Relatos de tutores a respeito de animais de estimação que assistem à televisão
são comuns ao redor do mundo. Desde então, cientistas passaram a pesquisar se animais
realmente eram estimulados pelas imagens projetadas. Testes com cães indicam que eles são
capazes de perceber cintilações de imagem em televisões que sequenciam imagens abaixo de
75 quadros por segundo (75 Hz). A troca de imagens em uma televisão comum ocorre em
média a cada 60 Hz, isso porque seres humanos são capazes de perceber a imagem cintilar em
velocidades de troca de imagem abaixo de 55 Hz (Coren, 2004). Filmadoras e televisores
modernos são capazes de filmar e apresentar a imagens a uma taxa superior a 100 Hz. Essa
nova tecnologia possibilita que cães assistam à televisão sem perceber a imagem cintilar,
proporcionando um aspecto de continuidade às cenas que as deixam mais próximas do real
(Laurijssen et al., 2018).
34
Cães e seres humanos escutam em frequências distintas, contudo, cães têm uma
melhor sensibilidade sonora. As faixas audíveis de seres humanos e cães em média variam de
20 Hz a 20.000 Hz e 15 Hz a 50. 000 Hz respectivamente. As frequências que os alto falantes
de televisões operam costuma variar entre 70 Hz e 20.000 Hz, faixa audível tanto para cães,
quanto para seres humanos. Provavelmente, assim como seres humanos, cães consigam
distinguir entre um som reproduzido ao vivo de outro reproduzido por alto falantes. Visto que,
cães podem associar imagens a informações acústicas, o que confere a eles um forte indício
de representação mental através de figuras (Adachi, Kuwahata & Fujita, 2007).
O cão como capital social
O capital social pode ser definido como características de uma organização social que
facilitem a cooperação para o benefício mútuo (próprio e de outros indivíduos), como por
exemplo, a participação cívica, normas de reciprocidade e confiança nos outros (Kawachi,
Kennedy, Lochner & Prothrow-Stith, 1997). O capital social pode funcionar como um
promotor de saúde seja ela física ou psíquica. Portanto, animais de estimação podem ser
relevantes no contexto de capital social como: facilitador de contato social e interação entre o
possuidor do animal e vizinhos e pessoas estranhas a ele (senso de comunidade); catalisador
de trocas de favores entre vizinhos (reciprocidade e redes); motivador de caminhadas e uso de
locais públicos abertos, como parques, produzindo queima de calorias e condicionamento
cardiovascular. O que por sua vez facilita o contato e cumprimentos entre pessoas que não
interagiria de outra maneira (promotor de saúde e percepção de confiança generalizada);
facilitador de participação comunitária em atividades organizadas e ocasionais, como
caminhadas programadas ou confraternizações pontuais (participação em eventos sociais);
fator de proteção para a saúde mental, o que, por sua vez, pode influenciar na participação na
comunidade local e na maneira com que se relaciona com as pessoas dessa comunidade
(promotor de saúde e trocas sociais); estimulador da participação em tomada de decisões e
formulação de regras para o interesse de grupos específicos. Por exemplo, regras de coleta de
excrementos de animais de estimação em vias públicas e local adequado para destinação do
mesmo (engajamento cívico).
Quanto maior o capital social, maior é o compromisso com uma comunidade e a
capacidade de mobilizar ações coletivas. Em geral, ele é visto como um efeito positivo das
interações entre os participantes em uma rede social (Helliwell & Putnam, 2004). Desta
maneira, o cão inserido no contexto de capital social, pode assumir o papel de capital social
35
positivo, ao promover a aproximação entre pessoas, melhorar o bem-estar de quem convive
com ele e ser um promotor de saúde. Para que isso ocorra, é necessário que haja empatia entre
os agentes, não podendo assim excluir o cão desse processo, pois a antipatia entre algum dos
participantes da relação geraria mal estar entre as partes e o consequente afastamento e
evitamento.
Para compreender os meandros e lacunas de análises empíricas da empatia em cães e
como a mesma pode ajudar a esclarecer evolutivamente a ocorrência em seres humanos, foi
proposto durante o desenvolvimento das metodologias responder as quatro questões de
Tinbergen. Ele alega que os problemas criados em biologia se resumem a quatro perguntas
sobre as características de um organismo: 1- Para que serve? (causa proximal) 2 - Como se
desenvolveu durante a vida do indivíduo? (ontogenia) 3- Como evoluiu durante a história da
espécie? (filogenia; evolução) 4- Como isso funciona? (valores de sobrevivência) (Bateson &
Laland, 2013; Tinbergen, 1963). Dado isso, as perguntas foram respondidas da seguinte
maneira: 1- A empatia está envolvida na dinâmica de diversos comportamentos sociais, ela
ajuda a estabelecer elos entre indivíduos através de respostas comportamentais pouco
evidenciadas em animais. 2- Cães convivem nos lares humanos desde o seu nascimento,
durante seu desenvolvimento eles incrementam de forma gradativa a comunicação peculiar
com seus tutores. Saber como pessoas interpretam essas ações pode abrir precedentes para o
desenvolvimento de novas abordagens empíricas. 3- Acredita-se que os neurônios espelho
estão presentes em respostas empáticas rudimentares e fazem parte do arcabouço cognitivo
tanto de seres humanos, quanto de animais. Na troca de nicho, o ancestral comum dos cães
iniciou um processo de mudanças adaptativas fenotípicas, genotípicas e funcionais que
beneficiou ambas as espécies e hoje permite a comunicação eficiente e bem elaborada entre
elas. Não se pode considerar evolução em via única, pois as transformações filogênicas
ocorridas resultaram em vantagens adaptativas para ambas as espécies. A avaliação de
respostas fisiológicas empáticas é um caminho para evidenciar a existência de processos
similares entre seres humanos e cães. 4- O valor adaptativo da empatia na relação ser
humano-cão permitiu o desenvolvimento de canais comunicativos interespecíficos capazes de
facilitar o convívio, entendimento e a interpretação da intenção. Entretanto, há pouco
conhecimento científico de como se deu esse facilitador.
A existência de empatia em animais é um tema recente debatido no meio científico,
em sua maioria há o consenso de que animais são seres empáticos, porém há muitos
questionamentos com relação à complexidade desses mecanismos em animais (Harr &
Phillips, 2009). Os cães nos últimos anos têm demonstrado ser excelentes objetos de estudos
36
comparativos para seres humanos. Após o processo de domesticação do cão há pelo menos 14
mil anos, cães e seres humanos passaram a trocar informações a fim de compreender a
intenção do outro através de uma nova forma de comunicação não verbal, resultante de
mudanças filogenéticas e comportamentais. Compreender esses processos pode ajudar a
esclarecer diversas lacunas evolutivas a respeito do empatia.
Nesse sentido, conforme apresentado ao longo dos capítulos anteriores, observa-se que
há uma compreensão parcial, por parte das pessoas, no que se refere à existência da empatia
em cães. Afinal, a empatia conforme definida envolve as dimensões de cognição, de
comportamento e de emoção, com a capacidade clara de compreender o estado mental e
emocional do outro, sentir como o outro e agir em direção ao outro de maneira congruente ou
empática dependendo do contexto.
A metodologia proposta procurou verificar se o comportamento dos cães em contextos
nos quais ele observa e responde a manifestações de um coespecífico, através de um aparelho
televisivo, pode ser entendido como empatia. Ao lado disso mostra-se necessário entender
como as pessoas compreendem a empatia em cães, uma vez que não é possível recolher
depoimento verbal de animais a respeito do que eles sentiram, racionalizaram e se propuseram
a fazer.
37
1 OBJETIVO E HIPÓTESE GERAIS
Os ensaios propostos tiveram como objetivo analisar evidências de empatia em cães,
através da visão de universitários e experimentação controlada. A hipótese testada foi a de que
cães apresentam um elevado grau de empatia, evidenciado nos resultados do experimento
empírico e dos questionários aplicados em estudantes universitários.
1.1 ESTUDO I Evidências empáticas em cães (Canis lupus familiaris) que assistem a
películas de outros cães.
1.1.1 Objetivos e hipóteses
Reações fisiológicas e comportamentais de pessoas ao ver filmes românticos ou de
suspense estão ligadas a empatia, uma vez que elas são capazes de se colocar no lugar dos
personagens televisíveis ou compreender os sentimentos vividos por esses agentes e reagir ou
não de forma emotiva (Ahn, Jin & Ritterfeld, 2012). Levando-se em conta os processos
evolutivos a que Darwin mencionou (seleção natural; herança; adaptação; modificações) os
processos básicos relacionados à empatia em cães poderiam também ser ativados através de
exposições audiovisuais. Sendo assim, é possível presumir que cães que assistem televisão
sejam capazes, assim como humanos, de reagir empaticamente.
Nesse estudo pretendeu-se evidenciar a capacidade empática de cães ao assistir a
filmes que mostravam o comportamento de outros cães. Os estímulos eram de natureza
audiovisual, projeções de películas dinâmicas através de um televisor. Para ter uma melhor
acurácia das reações empáticas fisiológicas e comportamentais, as respostas dos cães
experimentados foram avaliadas através de vivencias virtuais e reais. O estudo teve como
objetivo saber se os cães são capazes de entender, assimilar e dar respostas comportamentais e
fisiológicas frente a vivências de outro cão através de estímulos audiovisuais vivenciados
apenas pelo outro. A hipótese sugerida para o estudo foi a de que as respostas
comportamentais e fisiológicas do cão eram similares quando ele próprio vivenciava uma
situação e quando ele observa em vídeo essa mesma situação vivenciada por outro cão, ou
seja, ocorreriam alterações nos níveis de ocitocina e cortisol plasmático de acordo com cada
vivencia e vídeo transmissão, mensuradas e comparadas em ambas as situações, na real e na
virtual.
38
1.2 Materiais e métodos
1.2.1 Participantes
O ensaio experimental proposto contou com oito cães adultos, quatro cães eram de
porte grande da raça Rhodesian Ridgeback (duas fêmeas e dois machos) e quatro eram de
porte pequeno da raça Terrier Brasileiro conhecido também como Fox Paulistinha (duas
fêmeas e dois machos). Todos os oito cães residem na zona urbana de Brasília-DF, Brasil, em
quatro casas diferentes com acesso a quintal com área verde. Eles possuem convívio
harmônico com seus proprietários ou cuidadores, que também participaram das atividades.
Cada cão deste universo passou por todas as etapas propostas no ensaio. Os seguintes fatores
foram considerados para escolha da amostra: os cães serem conhecidos e relacionarem-se bem
com o pesquisador e a pessoa que os conduziram durante o experimento, além de não terem
histórico de agressividade, ansiedade ou compulsão. Para a produção dos vídeos houve a
participação de um cão adulto ―ator‖, o mesmo não era familiarizado com os cães
participantes da pesquisa.
1.2.2 Instrumentos
Para a gravação dos vídeos que foram reproduzidos durante o experimento e também
para reproduzir as situações vivenciadas em vídeo com os cães experimentais foram
escolhidos ambientes externos ao ar livre (área verde) e ambientes residenciais familiares aos
cães participantes (sala, varanda ou quintal, por exemplo). Para projetar os vídeos
experimentais, foram escolhidos ambientes isolados e livres de distrações visuais externas ao
vídeo e com presença de poucos ruídos. Para contenção dos cães foi utilizada uma guia
completa (coleira de pescoço e corda). Para amarrarem os cães em árvores ou postes, utilizou-
se uma corda comum de três metros de comprimento. Kits para coleta de sangue (tubos para
coleta de sangue com EDTA, tubo sem anticoagulante e eppendorf) cateter 20G e 24G,
seringas de três mililitros. Kit de ocitocina para amostra de plasma (OT elisa kit : Canine
Oxytocin, 1x96wells - com dosagem) fornecido pelo laboratório Science PRO. Kit de cortisol
para amostra de soro (kit da SIEMENS: quimioluminescência) fornecido pelo laboratório
Sabin Brasília. Um televisor com taxa de atualização de 100Hz. Uma câmera filmadora com
taxa de atualização de quadros entre 80-100Hz (GoPro Hero 5). Uma câmera filmadora
comum. Um tripé para a câmera filmadora.
39
1.2.3 Procedimentos
A pesquisa foi submetida ao comitê de ética Para o Cuidado e Uso de Animais
Experimentais do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes da UERJ com identificação
CEUA/043/2015 e foi aprovado no dia 24/11/2015. Entre os dias 11 de dezembro de 2016 e
10 de novembro de 2017, foram coletados dados comportamentais e fisiológicos dos cães
participantes do experimento. Os dados fisiológicos foram avaliados através de coleta de
sangue dos cães e processamento sanguíneo em laboratório credenciado. As amostras para o
cortisol foram enviadas e analisadas no laboratório Sabin Brasília através do soro sanguíneo e
as amostras para a ocitocina foram enviadas e analisadas no laboratório Science PRO São
Paulo através do plasma sanguíneo, porém, antes do envio das amostras, as mesmas passaram
por processos de centrifugação na velocidade de 1200rpm/10min e de congelamento a
temperatura de -20ºC no Laboratório de Patologia Clínica da Faculdade de Agronomia e
Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB).
O ensaio se deu em três etapas. Primeira etapa (vivência presencial): composta por
vivência presencial e subdividida em duas situações (situação-anti; situação-pró). Segunda
etapa (condicionamento): composta por condicionamento. Terceira etapa (teste): composta
por vivência virtual (audiovisual) e subdividida em três categorias (vídeo-neutro; vídeo-anti;
vídeo-pró). Todas as etapas ocorreram em dias diferentes com intervalo mínimo de 48 horas
entre o fim da primeira e o início da segunda e com intervalo mínimo de 48 horas entre as
realizações das subdivisões de cada etapa.
Para as segunda e terceira etapas foram produzidos vídeos audiovisuais com duração
de um minuto cada e contendo os seguintes conteúdos: vídeo de uma paisagem natural,
cachoeira (vídeo-natural); vídeo de um cão dormindo relaxado (vídeo-neutro) (Figura 5);
vídeo de cão amarrado a uma árvore e reagindo negativamente (vocalização através de latidos
e grunhidos; movimentação corporal constante) conforme se afasta dele uma pessoa de seu
convívio e que ele tenha uma relação positiva (vídeo-anti) (Figura 2); vídeo de um cão sendo
massageado (carinho) e com falas suaves (bom garoto, muito bom...) por uma pessoa de seu
convívio (vídeo-pró) (Figura 3). Os cães e os seres humanos que apareceram nos vídeos eram
desconhecidos do cão submetido ao experimento. Os mesmos vídeos foram apresentados para
todos os indivíduos testados experimentalmente. Essas duas etapas iniciaram da mesma
maneira: o cão adentrou o ambiente de experimentação de guia e acompanhado de seu
cuidador e parou a um metro de distância de frente para a televisão ligada transmitindo o
vídeo-natural (Figura 4).
40
Durante a primeira e a terceira etapas foram coletadas dos animais participantes
amostras de sangue por venopunção, acessadas pela veia cefálica através de um catéter over-
the-needle, totalizando um volume total de aproximadamente 3,0 ml/cão/coleta. O sangue
coletado foi direcionado para dois tubos coletores de sangue diferentes. Para a amostra de
cortisol o conteúdo foi depositado em um tubo estéril sem anticoagulante e armazenado no
local em recipiente com gelo e mantido sob refrigeração até chegar ao laboratório Sabin
Brasília para análise. Para a amostra de ocitocina o conteúdo foi depositado em um tubo
estéril com EDTA e armazenado em recipiente com gelo e mantido sob refrigeração até
chegar ao Laboratório de Patologia Clínica de Medicina Veterinária da UnB para ser
centrifugado, separado o plasma sanguíneo e refrigerado a -20°C até o envio para o
laboratório Science PRO em São Paulo. As amostras de ocitocina foram enviadas para São
Paulo refrigeradas em isopor contendo gelo seco para manter a temperatura de -20°C. Durante
a coleta o cão foi contido pelo seu cuidador, utilizando técnica apropriada, com tom de voz
suave e ambiente calmo, enquanto outra pessoa (Médico Veterinário) realizou a punção
venosa. O tempo de coleta foi suficientemente rápido (até 10 segundos após a exposição da
situação) para garantir que o nível de cortisol e ocitocina sanguíneos não foram
significativamente afetados.
1.2.3.1 Primeira etapa (vivência presencial)
Os cães foram expostos a duas situações com a presença física e interação com os seus
cuidadores: situação-anti (desamparo) e situação-pró (conforto). Em um primeiro momento
apenas uma das duas situações foi exposta ao cão. Após 48 horas do fim dessa primeira
exposição foi conduzida a outra situação (situação-anti; situação-pró). Para a escolha de qual
situação a ser primeira exposta ao cão realizou-se um sorteio aleatório simples.
Foram coletados separadamente dados comportamentais e fisiológicos para cada
situação. O registro das reações comportamentais fisiológicas ocorreu através da análise
sanguínea, antes e depois de cada situação. Bem como das reações comportamentais físicas
foram registradas em filme e observadas através das reações corporais, seguindo o protocolo
proposto pela British Small Animals Veterinary Association (BSAVA) no Manual of canine
and feline behavioural medicine. Os possíveis estados comportamentais do cão foram
agrupados em seis categorias (Figura 1):
1. Relaxado esboçando um comportamento neutro;
2. Alerta e atento a terceiros com o corpo de forma imponente;
41
3. Receptível a terceiros, curioso;
4. Temeroso e pacífico, porém ansioso com alguma situação;
5. Temeroso e agressivo na defensiva;
6. Aparente esboçando um ataque agressivo.
O cão somente participou dos testes quando antes do início do experimento o mesmo
encontrava-se calmo, classificado na categoria 1. Caso contrário o experimento teria início
somente após o cão acalmar.
A depender do nível de estresse ou de relaxamento, o cão foi categorizado em uma das
seis categorias supracitadas. Sinais de estresse: lamber os lábios repetidas vezes; ficar com
postura abaixada e com musculatura tensa; colocar o rabo entre as pernas; abaixar as orelhas;
alongar-se; cheirar o chão desviando o olhar do alvo; olhar fixo ao alvo; pêlos das costas
eriçados; respiração ofegante; olhos arregalados; latido agressivo. Sinais de relaxamento:
musculatura tênue, deitar com a cabeça sobre as mãos; respiração suave ou profunda; boca
fechada ou ligeiramente com lábios separados; som de grunhidos; cauda mexendo suavemente
e com postura continua ao corpo (Serpell, 1995; Cooper, Mullineaux, Turner & Greet, 2011).
O balançar da cauda também é um parâmetro para avaliar o estado comportamental dos cães.
Segundo Siniscalchi, Lusito, Vallortigara e Quaranta (2013) cães reagem ao abano de cauda
de outros cães de acordo com o lado que eles abanam a cauda. Eles ficam mais relaxados
quando veem cães abanar a cauda mais para a direita, pois os cães tendem a abanar a cauda
para a direita quando sentem emoções positivas. Em contrapartida, os cães ficam mais
ansiosos quando veem outros cães abanarem a cauda para a esquerda, pois os cães tendem a
abanar a cauda para a esquerda quando sentem emoções negativas. Sendo assim, no vídeo que
mostrou o cão ator em estado de relaxamento, cuidamos para que durante a filmagem não
houvesse balançar de cauda.
42
Figura 1 - Posturas corporais de
cães: adaptado de Priscilla Barrett
Cooper et al., 2011
1.2.3.2 Situação-anti
O cão foi conduzido com guia pelo seu cuidador dentro de um parque ou uma área
verde sem a presença de outros cães ou animais na proximidade. Após o cão explorar a área
durante no mínimo dez minutos e no máximo vinte minutos, o experimento teve início da
seguinte maneira: coletou-se a primeira amostra de sangue (basal), em seguida o cuidador
43
conduziu o cão na guia até uma árvore ou poste e a acoplou a uma corda presa a uma árvore
ou um poste limitando o espaço que o cão poderia percorrer em poucos metros (1 à 2m)
(Figura 2). A partir desse momento o cuidador ficou ao lado do cão sem tocá-lo ou esboçar
qualquer tipo de interação durante trinta segundos. Após esse tempo o mesmo se afastou sem
fazer contato visual ou verbal com o cão, a passos lentos, em linha reta e em uma direção
oposta ao ponto em que o cão se encontrava amarrado. Quando o cuidador estava há pelo
menos 20 metros de distância do cão ou fora de sua vista, realizou-se a segunda coleta de
sangue (reacional).
Figura 2 - Cão amarrado a uma árvore observando
e reagindo ao afastamento de seu cuidador
1.2.3.3 Situação-pró
Com o cão situado em local usual de seu dia a dia (na sala de casa ou no quintal, por
exemplo), coletou-se uma amostra de sangue (basal), em seguida o cuidador dava início a
uma secção de sutis caricias no cão com duração de cinco minutos, priorizando regiões que
ele se mostre mais relaxado, por exemplo, cabeça e barriga (Figura 3). Ao termino desse
período realizou-se a segunda coleta de amostra sanguínea (reacional).
Figura 3 - Cuidador acariciando o cão de
forma tranquila e emitindo sons suaves.
44
1.2.3.4 Segunda etapa (condicionamento)
Em ambiente familiar ao cão foi deixada uma televisão encostada em uma parede.
Cada cão foi treinado para ficar parado de frente para essa parede, direcionado para a
televisão ligada que passava o vídeo-natural a uma distância de um metro dela (Figura 4).
Durante o processo eles estavam com guia e acompanhado de um condutor familiar a eles e
responsável pelos exercícios de condicionamento. A técnica empregada para o ensinamento
foi a de reforço positivo através de carinho quando acertavam o exercício de ficar de frente
para a televisão. O tempo de treinamento dependeu da capacidade de aprendizagem de cada
indivíduo e não ultrapassou sete dias por cão. O treinamento ocorreu em dias alternados (um
dia de secções e outro de descanso) da seguinte maneira: secções de um minuto com o cão
parado dentro do ambiente de teste e virado para televisão transmitindo o vídeo-natural,
seguido de intervalo de cinco minutos fora da sala (com possibilidade de locomover, porém
na guia). Este treinamento foi repetido com intervalos mínimos de meia hora, foram feitas
cinco repetições por dia.
Figura 4 - Cão sentado de frente
para a televisão que transmitia os
vídeos.
1.2.3.5 Terceira etapa (teste)
Os cães foram expostos a três situações através de transmissão audiovisual. Em um
primeiro momento apenas uma das três situações foi exposta ao cão. Após 48 horas do fim da
45
primeira exposição foi exposta a situação seguinte (vídeo-neutro; vídeo-anti; vídeo-pró). Para
a escolha de qual situação a ser primeira exposta ao cão realizou-se um sorteio aleatório
simples.
Foram coletados separadamente dados comportamentais e fisiológicos para cada
situação, utilizando dos mesmos parâmetros apontados na Primeira Etapa. O registro das
reações comportamentais físicas ocorreu através da observação de reações corporais a serem
registradas em filme. Bem como das reações fisiológicas, através da análise sanguínea, antes e
depois de cada situação.
1.2.3.6 Vídeo-neutro
Momentos antes de o cão entrar na sala de teste realizou-se a primeira coleta de
sangue (basal). Após a coleta o cão foi posicionado de frente para a televisão transmitindo o
vídeo-neutro, de guia e conduzido por uma pessoa conhecida (Figura 4). Após dois minuto de
exposição do vídeo (Figura 5) foi feita a segunda coleta de sangue (reacional).
Figura 5 - Cão dormindo relaxado.
1.2.3.6.1 Vídeo-anti
A sequência dessa etapa ocorreu de forma idêntica à etapa de vídeo-neutro, porém a
exposição foi do vídeo-anti (Figura 2).
46
1.2.3.6.2 Vídeo-pró
A sequência dessa etapa ocorreu de forma idêntica à etapa de vídeo-neutro, porém a
exposição foi do vídeo-pró (Figura 3).
1.3 Justificativa do tamanho da amostra
O tamanho da amostra (oito cães experimentais) justifica-se pelo tempo de
treinamento para condicionar os cães a ficarem de frente para o televisor. A mão de obra
qualificada para esses ensinamentos é restrita ao próprio doutorando que possui formação
para a mesma. Além disso, cada cão contribuiu com vinte amostras de sangue (volume por
coleta aproximadamente de 1ml), totalizando 160 amostras para analisar em laboratórios.
Após uma vasta investigação de possíveis laboratórios com capacidade de analisar níveis de
ocitocina plasmático, foi encontrado em território nacional apenas um laboratório privado
capaz de fazer as análises em cães. O kit para análise de ocitocina é importado e com um
custo alto. Para a análise das amostras se fez necessário adquirir dois desses kits. A análise do
cortisol foi realizada por um laboratório privado que possui um programa de incentivo a
pesquisa, também com um custo considerável. As análises laboratoriais da pesquisa foram
financiadas por investimento próprio.
1.4 Delineamento experimental
Processou-se a análise estatística dos resultados através do software do programa
informático SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 22.0. Os níveis séricos de
cortisol e ocitocina foram analisados pelo teste não-paramétrico Wilcoxon para comparar os
níveis séricos de ocitocina e o de cortisol de antes/depois de cada experimento. O teste U de
Mann-Whitney foi usado para comparar os níveis séricos de ocitocina e de cortisol
encontrados no estudo entre os indivíduos machos e fêmeas. Ademais, tendo em vista que
medidas comportamentais frequentemente violam os pressupostos para testes estatísticos, as
análises do repertório comportamental dos ensaios foram obtidas através do método de
amostragens ad libitum e análise descritiva de frequência de comportamento.
47
1.5 Resultados
Os resultados do experimento estão representados nas tabelas a seguir:
Tabela 1 - Valores obtidos em Estudo Empírico Experimento Z p
1.1. Comparação dos valores de ocitocina na situação do cão amarrado na árvore ou
poste antes e depois do experimento
-1,96 0,05*
2.1. Comparação dos valores de ocitocina na situação do cão recebendo carinho antes e
depois do experimento.
-2,521 0,01*
3.1. Comparação dos valores de ocitocina na situação do cão assistindo televisão de
outro cão amarrado na árvore antes e depois do experimento.
-2,524 0,01*
4.1. Comparação dos valores de ocitocina na situação do cão assistindo televisão de
outro cão recebendo carinho antes e depois do experimento.
-2,521 0,01*
5.1. Comparação dos valores de ocitocina na situação do cão assistindo televisão de
outro cão dormindo antes e depois do experimento.
- 0,560 0,57
1.2. Comparação dos valores de cortisol na situação do cão amarrado na árvore ou poste
antes e depois do experimento.
-2,524 0,01*
2.2. Comparação dos valores de cortisol na situação do cão recebendo carinho antes e
depois do experimento.
2,028 0,04*
3.2. Comparação dos valores de cortisol na situação do cão assistindo televisão de outro
cão amarrado na árvore antes e depois do experimento.
-2,524 0,01*
4.2. Comparação dos valores de cortisol na situação do cão assistindo televisão de outro
cão recebendo carinho antes e depois do experimento.
-1,725 0,84
5.2. Comparação dos valores de cortisol na situação do cão assistindo televisão de outro
cão dormindo antes e depois do experimento.
-1,342 0,18
Nota. O (*) representa valores com significância estatística com p ≤0,05
As situações supracitas, comparado nas diferentes situações os níveis séricos de
ocitocina e de cortisol, quando correlacionais com o sexo dos animais não apresentam
diferenças significativas1.
No que tange a análise de comportamento do cão ao vivenciar a situação estar
amarrado a uma árvore ou a um poste sinalizou que 12,5% deles apresentaram características
de relaxamento, metade deles (50%) aparentaram sinais de alerta, outros 12,5% se mostraram
receptíveis, enquanto 25% esboçaram sinais de ansiedade.
A análise de comportamento do cão ao receber carinho de seu tutor ou cuidador
indicou que 37,5% expressaram-se relaxados, bem como 12,5% ficaram alertas e a metade
deles (50%) estava receptível durante o processo.
A análise de comportamento do cão ao assistir na televisão outro cão amarrado à
árvore sugere que 12,5% deles estavam relaxados, enquanto a metade (50%) exibiu expressão
1 (Z= -0,57; p= 0,56); (Z= 0,00; p= 1,00); (Z= 0,00; p= 1,00); (Z= -0,57; p= 0,56); (Z= -1,15; p= 0,24); (Z= -
1,15; p= 0,24); (Z= -1,15; p= 0,24); (Z= -0,28; p= 0,77); (Z= -0,57; p= 0,56); (Z= -0,28; p= 0,77); e de cortisol
(Z= -0,58; p= 0,55); (Z= -0,28; p= 0,77); (Z= -0,14; p= 0,88); (Z= -0,44; p= 0,65); (Z= 0,00; p= 1,00); (Z= -
0,86; p= 0,38); (Z= -0,73; p= 0,46); (Z= -1,70 ; p= 0,89); (Z= -1,31; ; p= 0,18); (Z= -0,29; p= 0,76).
48
alerta. Em contra partida 12,5% foram receptíveis a essa situação e 25% manifestaram reações
de ansiedade.
A análise de comportamento do cão ao assistir na televisão outro cão recebendo
carinho constatou que 75% deles estavam relaxados. Os outros 25% estavam igualmente
alerta ou receptíveis.
A análise de comportamento do cão ao assistir na televisão outro cão dormindo
revelou uma unanimidade entre eles, pois todos reagiram de forma tranquila.
Tabela 2 - Dados brutos de ocitocina de cada cão antes e depois da execução do experimento
em cada situação.
Situação Cão
A♂
Cão
B♀
Cão
C♂
Cão
D♀
Cão
E♂
Cão
F♀
Cão
G♂
Cão
H♀
Árvore
(AR) antes 40,12 26,56 46,23 40,73 199,8 115,4 65,7 56
Árvore
(AR) depois 45,74 26,81 29,75 26,31 31,8 51,1 28,7 51,1
Carinho
(CAR) antes 36,15 39,05 40,32 37,07 26,5 24,4 51,1 81,2
Carinho
(CAR) depois 51,41 46,86 50,45 47,5 35,5 32,1 79,9 197,7
Vídeo
(AR) antes 32,22 44,83 31,46 43,52 29,8 55,8 102,8 35,8
Vídeo
(AR) antes 26,25 29,75 26,19 31,01 29,2 52,2 66,7 32,2
Vídeo
(CAR) antes 38,39 37,27 40,12 36,74 41,8 25,8 45,5 101,5
Vídeo
(CAR) antes 46,02 46,3 45,74 45,81 46,5 29,1 48,7 145,7
Vídeo
(RELAX) antes 43,52 40,79 36,68 42,28 31,1 26,6 76,3 39,9
Vídeo
(RELAX) depois 41 42,49 42,9 42,63 32,9 25,5 65,5 53,8
Nota. Unidade dos níveis de ocitocina (pg/ml) e de cortisol (µg/dL).
49
Tabela 3 - Dados brutos de cortisol de cada cão antes e depois da execução do experimento
em cada situação.
Situação Cão
A♂
Cão
B♀
Cão
C♂
Cão
D♀
Cão
E♂
Cão
F♀
Cão
G♂
Cão
H♀
Árvore
(AR) antes 1,3 1 1,1 1,6 0,5 1 0,5 0,7
Árvore
(AR) depois 5,7 4,1 4,4 5,9 1,2 1,8 0,7 0,9
Carinho
(CAR) antes 1,4 1,1 2,8 1,4 0,5 1,5 0,7 0,6
Carinho
(CAR) depois 0,6 0,7 0,9 0,9 0,8 0,8 0,5 0,6
Vídeo
(AR) antes 1,2 1 1,4 0,7 0,5 0,8 0,5 0,6
Vídeo
(AR) antes 3,9 1,8 2,8 1,5 1,6 1,3 0,6 0,8
Vídeo
(CAR) antes 1,2 1,3 1 0,9 0,9 1,3 0,5 0,7
Vídeo
(CAR) antes 0,5 1,7 0,6 0,5 0,5 0,7 0,5 0,7
Vídeo
(RELAX) antes 0,9 1 0,8 2 0,8 0,9 0,5 0,7
Vídeo
(RELAX) depois 0,9 0,5 0,8 1,3 0,8 0,9 0,5 0,7
Nota. Unidade dos níveis de ocitocina (pg/ml) e de cortisol (µg/dL).
Tabela 4 - Variação simbólica de ocitocina e cortisol antes e depois e estado comportamental
de cada cão durante a execução do experimento em cada situação.
Situação
Cão
A♂
(o/c)
Cão
B♀
(o/c)
Cão
C♂
(o/c)
Cão
D♀
(o/c)
Cão
E ♂
(o/c)
Cão
F♀
(o/c)
Cão
G♂
(o/c)
Cão
H♀
(o/c)
Árvore
(AR) ↑/↑ 2 ↑/↑ 3 ↓/↑ 4 ↓/↑ 2 ↓/↑ 1 ↓/↑ 2 ↓/↑ 2 ↓/↑ 4
Carinho
(CAR) ↑/↓ 1 ↑/↓ 1 ↑/↓ 3 ↑/↓ 1 ↑/↑ 3 ↑/↓ 3 ↑/↓ 2 ↑/= 3
Vídeo
(AR) ↓/↑ 2 ↓/↑ 2 ↓/↑ 4 ↓/↑ 2 ↓/↑ 1 ↓/↑ 2 ↓/↑ 2 ↓/↑ 4
Vídeo
(CAR) ↑/↓ 1 ↑/↑ 3 ↑/↓ 1 ↑/↓ 1 ↑/↓ 1 ↑/↓ 1 ↑/≈ 1 ↑/= 2
Vídeo
(RELAX) ↓/= 1 ↑/↓ 1 ↑/= 1 ↑/= 1 ↑/= 1 ↓/= 1 ↓/= 1 ↑/= 1
Nota. As setas da esquerda e da direita representam respectivamente a variação (positiva ou negativa) de
ocitocina (o) e de cortisol (c) antes e depois da exposição. Os números são a representação do comportamento
durante a execução de cada exposição, onde cada número representa os seguintes estados: 1- Relaxamento; 2-
Alerta; 3- Receptividade; 4- Ansiedade.
50
Tabela 5 - Variação numérica de ocitocina e cortisol antes e depois do experimento para cada
cão em cada situação. Cão
A♂
(o/c)
Cão
B♀
(o/c)
Cão
C♂
(o/c)
Cão
D♀
(o/c)
Cão
E♂
(o/c)
Cão
F♀
(o/c)
Cão
G♂
(o/c)
Cão
H♀
(o/c)
Média Situação
Varia ↑/↑ ↑/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑
Árvore
(AR) Ocito -5,62 -0,25 16,48 14,42 168 64,3 37 4,9 37,4
Cort -4,4 -3,1 -3,0 -4,3 -0,7 -0,8 -0,2 -0,2 -2,08
Varia ↑/↓ ↑/↓ ↑/↓ ↑/↓ ↑/↑ ↑/↓ ↑/↓ ↑/=
Carinho
(CAR) Ocito -15,26 -7,81 -10,13 -10,43 -9 -7,7 -28,8 -116,5 -25,70
Cort 0,8 0,4 1,9 0,5 -0,3 0,7 0,2 0,0 0,52
Varia ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑
Vídeo
(AR) Ocito 5,97 21,08 5,27 12,51 0,6 3,6 36,1 3,6 11,09
Cort -2,7 -0,8 -1,4 -0,8 -1,1 -0,5 -0,1 -0,2 -0,95
Varia ↑/↓ ↑/↑ ↑/↓ ↑/↓ ↑/↓ ↑/↓ ↑/= ↑/=
Vídeo
(CAR) Ocito -7,63 -9,03 -5,63 -9,07 -4,7 -3,3 -3,2 -44,2 -10,84
Cort 0,7 -0,4 0,4 0,4 0,4 0,6 0,0 0,0 0,26
Varia ↓/= ↑/↓ ↑/= ↑/= ↑/= ↓/= ↓/= ↑/=
Vídeo
(RELAX
) Ocito 2,52 -1,7 -6,22 -0,35 -1,8 1,1 10,8 -13,9 -1,19
Cort 0,0 0,5 0,0 0,7 0,0 0,0 0,0 0,0 0,15
Nota. = antes-depois: Uma variação (vari) negativa ou positiva significa que o valor bruto de ocitocina (o;
ocito) ou cortisol (c; cort) aumentou ou diminuiu respectivamente. Unidade dos níveis de ocitocina (pg/ml) e de
cortisol (µg/dL).
Figura 6 - Média de cortisol e ocitocina em cada situação.
Nota. Média de todos os cães em cada situação. Para o cortisol multiplicou-se todas as
médias por 10 para melhor visualização.
51
Tabela 6 - Comparação das variações de ocitocina e de cortisol para cada cão, ocorridas e
esperadas para antes e depois do experimento em cada situação. Situação Esperado
♂/♀
(o/c)
Cão A♂
(o/c)
Cão
B♀
(o/c)
Cão
C♂
(o/c)
Cão
D♀
(o/c)
Cão
E ♂
(o/c)
Cão
F♀
(o/c)
Cão
G♂
(o/c)
Cão
H♀
(o/c)
Árvore
(AR)
↓/↑ ↑/↑ ↑/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑
Carinho
(CAR)
↑/↓ ↑/↓ ↑/↓ ↑/↓ ↑/↓ ↑/↑ ↑/↓ ↑/↓ ↑/=
Vídeo
(AR)
↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑ ↓/↑
Vídeo
(CAR)
↑/↓ ↑/↓ ↑/↑ ↑/↓ ↑/↓ ↑/↓ ↑/↓ ↑/≈ ↑/=
Vídeo
(RELAX)
=/= ↓/= ↑/↓ ↑/= ↑/= ↑/= ↓/= ↓/= ↑/=
1.6 Discussão
A principal questão abordada pelo estudo tenta elucidar se cães reagem de maneira
similar ao assistirem películas audiovisuais em televisão a quando eles vivenciam as mesmas
situações visualizadas. A proposta desse estudo visa observar se há a presença em cães dos
três componentes empáticos pré-definidos: afetivo; cognitivo; comportamental. A análise do
delineamento experimental sugere que o grupo de cães participante reage de forma similar em
ambas as condições: a de telespectador e quando vivenciam. De modo geral, a resposta
comportamental, apesar de ser limitada e sutil, pelo fato dos cães estarem contidos em guia e
coleira, foi condizente com as respostas fisiológicas apresentadas. Os indivíduos da pesquisa
foram capazes de empatizar com as situações observadas através de película audiovisual, uma
vez que houve tal sincronismo entre reações fisiológicas e comportamentais.
Os cães foram expostos a duas situações vivenciais e três situações virtuais que
geraram respostas fisiológicas com variações de ocitocina e de cortisol, além de respostas
comportamentais como mudanças de atitudes. Em uma das situações vivenciais o cão ficou
amarrado a uma árvore ou poste enquanto observava uma pessoa do seu convívio afastar-se.
Em circunstâncias como esta é esperado que o cão sinta angústia e desconforto por ser
deixado para trás por uma pessoa que ele tenha apreço (Tabela 3). Na avaliação
52
comportamental, metade dos cães permaneceu em estado de alerta e 1/4 deles tiveram reação
de ansiedade durante essa etapa (Tabela 3). Essas reações comportamentais ocorrem quando
cães estão incomodados ou querendo sair de alguma condição adversa. A análise estatística
assinalou diferenças significativas entre antes e depois da experimentação dos níveis de
ocitocina e de cortisol. Nessa situação a concentração de ocitocina variou de forma positiva
(37,4 pg/ml) e a concentração de cortisol variou de maneira negativa (-2,08 µg/dL) (Tabela
4). Ou seja, como esperado a concentração de ocitocina diminuiu e a de cortisol aumentou
significativamente (Figura 1). Apesar dessa condição não ser patológica, quando um cão é
exposto ao abandono, mesmo que temporário, ele pode desenvolver quadro esporádico de
SAS e apresentar alterações comportamentais, como ansiedade e estado constante de alerta, e
alterações fisiológicas, como aumento dos níveis plasmáticos de cortisol (Monteiro-Alves &
Titto, 2017). No estudo, os cães apresentaram sinais curtos, transitórios e não patológicos de
comportamento e alterações fisiológicas comuns a cães que sofrem de SAS na ausência de
seus tutores.
Na outra situação vivencial, o cão recebeu interação positiva em forma de carinho feita
por uma pessoa conhecida e com quem ele estabelecia bom relacionamento. As respostas
comportamentais foram todas positivas, uma vez que metade deles esteve receptível com a
interação feita, apenas um cão ficou em estado de alerta e o restante permaneceu relaxado
durante o processo. Como visto, estudos apontam que durante interação positiva com seus
tutores, em seções de carinho, por exemplo, os cães aumentam a concentração de ocitocina no
sangue. Ao mesmo tempo, essa interação diminui a concentração de cortisol plasmático e da
pressão sanguínea (Handlin et al., 2011). A concentração de ocitocina variou negativamente (-
25,70 pg/ml), enquanto a de cortisol variou positivamente (0,52 µg/dL). Em consonância com
a hipótese e a revisão bibliográfica, a concentração de ocitocina e cortisol aumento e diminuiu
respectivamente ao final da interação com o tutor (Figura 1).
Das cinco respostas, apenas na situação do cão assistir a um vídeo de outro cão
dormindo não houve diferença estatística significante com relação a antes e depois da
exposição, tanto para ocitocina, quanto para cortisol. Conforme apontado na Tabela 5, essa
situação era a esperada, uma vez que, no vídeo não ocorre nenhuma movimentação que
desperte interesse do cão telespectador. Desta forma, essa categoria de vídeo na pesquisa pode
ser considerada uma situação controle, o fato de não existir variação significativa dos níveis
de ocitocina e cortisol antes e depois da exposição naqueles animais, justifica-se. Um cão que
dorme e não se mexe ou vocaliza no vídeo, não provocou reações fisiológicas perceptíveis e
também não gerou uma reação de prazer, medo ou agressão nos cães telespectadores do
53
experimento. Concomitantemente a esse achado, a variação média de todos os cães para os
valores de ocitocina e de cortisol foi de -1,19 pg/ml e 0,15 µg/dL respectivamente (Tabela 4),
uma variação mínima e não significativa de aumento de concentração de ocitocina e
diminuição dos valores de cortisol (Figura 1). Com relação à resposta comportamental, todos
os cães durante a exposição do vídeo de outro cão dormindo expressaram estado de
relaxamento (Tabela 3), condizente como esperado para uma situação controle.
Em contrapartida, no vídeo em que os cães assistiram a outro cão amarrado em uma
árvore enquanto seu cuidador se afastava dele, houve diferença estatística significativa de
ambos os valores (ocitocina e cortisol) para antes e depois da exposição da película, que
confirma a hipótese alternativa (Tabela 5). A média da variação de ocitocina foi positiva no
valor de 11,09 pg/ml e a de cortisol foi negativa no valor de 0,95 µg/dL. Assim sendo, a
diminuição dos níveis de ocitocina e o aumento do cortisol (Figura 1) depois de assistirem ao
vídeo indicam que os cães se estressaram ao notar a condição do outro cão. Ao observar as
reações comportamentais ocasionadas pela exibição do material nota-se que a maioria dos
cães ou ficou em posição de alerta ou expressou sinais de ansiedade (50% e 25%
respectivamente), reações esperadas em indivíduos que assistem a outro em angústia. A
empatia nem sempre gera bem-estar ou sentimentos positivos, a própria ansiedade causada ao
obervar a dor do outro pode surgir da angústia em querer ajudar e não necessariamente por
sentir a angústia do outro, nesse caso o componente comportamental seria ativado ao invés do
componente afetivo. Os cães que participaram do projeto se sensibilizaram com a angústia do
cão ator no vídeo, apesar de não ser possível afirmar que esses cães tomariam uma atitude de
ajuda ao presenciar um evento desses ao vivo, é possível concluir que ao ver a angústia de
cão, mesmo que pela televisão, eles compartilham da dor do outro e respondem de forma
similar a de quando eles vivenciam a mesma situação, ocorrendo a ativação do componente
afetivo, cognitivo e comportamental da empatia.
Outra sequência de vídeo foi a de um cão a receber carinho de seu cuidador em um
ambiente calmo e silencioso. Para essa apresentação os cães reagiram de forma
estatisticamente significativa quanto à variação de ocitocina. Entretanto, a variação de cortisol
não mostrou diferença estatística significante, o esperado nesse caso seria a diminuição
significativa dos índices de cortisol sanguíneos. Contudo, esse resultado é aceito para o
objetivo do presente estudo, já que em uma interação prazerosa do outro a observação não
gera estresse no observador, podendo ou não diminuir seus níveis de cortisol sérico. Não
obstante, a média da variação de cortisol dos cães para antes e depois da mostra revelou-se
positiva (0,15 µg/dL), embora não significativa. Já a ocitocina variou de acordo com a
54
hipótese, com a média de variação entre antes e depois no valor de -10,84 pg/ml. Isso implica
que houve um aumento dos níveis de concentração de ocitocina após assistir ao vídeo. No que
tange a questão de respostas comportamentais a maioria dos cães obtiveram reações de acordo
com as variações fisiológicas. A maioria deles, 75%, permaneceu relaxado durante o
confronto audiovisual e 25% ou estavam receptivos ou estavam alerta, conotando prazer em
estar ali. Ao observar dois indivíduos trocarem afeto através do contato físico, pode gerar no
observador sensação de bem-estar, ao mesmo tempo ele pode compreender o que está
ocorrendo e ser afetado pela cena, ativando também nesse caso, os componentes cognitivos,
afetivos e comportamentais da empatia.
Em todas as situações testadas houve um sinergismo entre os dados fisiológicos e
comportamentais, isso confere ao estudo um embasamento teórico-prático satisfatório no que
diz respeito às respostas comportamentais e fisiológicas esperadas. Nas duas situações em que
se esperava uma resposta empática, todos os cães corresponderem satisfatoriamente. Ademais,
no modelo criado os receptores de ocitocina e de cortisol agiram de forma antagônica. Esse
fenômeno sugere haver uma forte relação regulatória central de liberação ou inibição desses
hormônios nos cães participantes. Assim sendo, ocorreu uma retroalimentação negativa entre
a liberação e a inibição de ocitocina e de cortisol, funcionando como hormônios regulatórios
um do outro.
O estudo apresentado sugere que em cães os fatores exógenos e endógenos que
desencadeiam variação hormonal estão associados a situações de estresse e relaxamento
vivenciadas por outro cão em ambiente controlado e virtual. Eles manifestaram alterações
comportamentais e hormonais equivalentes à condição presenciada e de forma equivalente a
manifestação comportamental do outro indivíduo. Desde o nascimento, filhotes de cães
procuram o contato com os seres humanos, essa interação precoce é fundamental para o
processo de socialização, criação de limites e apuração da interpretação de intenções do outro.
Saber interpretar o que o outro está passando e sentindo pode ser um dos processos evolutivos
que permitiu ao ancestral comum dos cães viver entre grupos de seres humanos e hoje ser o
animal doméstico de maior sucesso adaptativo.
1.7 Conclusão
Os resultados do presente estudo devem ser interpretados com cautela tendo em vista o
baixo número de participantes (n=8 cães). Ainda assim, as respostas comportamentais e
fisiológicas do cão são similares quando ele próprio vivencia uma situação e quando ele
55
observa em vídeo essa mesma situação vivenciada por outro cão. Portanto, o estudo evidencia
que cães que assistem televisão podem ser afetados cognitivamente e emocionalmente pelo
conteúdo exposto, tanto de forma positiva, quanto de forma negativa. Um dos pontos fortes
do estudo é o seu desenho inusitado, onde foram avaliadas respostas comportamentais e
fisiológicas de cães frente a imagens audiovisuais. As respostas dadas pelos cães foram
eficientes e permitiram a identificações de componentes da empatia nesses animais. O
componente afetivo foi identificado através da variação hormonal apresentada por eles em
cada situação, já o componente comportamental convergiu positivamente com o tipo de
exposição, mesmo com a limitação da oportunidade de manifestação plena do mesmo, pois os
cães estavam de coleira que limita o movimento. Levando em conta que o componente
comportamental seja resultante do entendimento do que o outro está vivenciando, nesse caso é
possível inferir que houve a ativação neurológica de componente cognitivo. Assim como em
seres humanos, os cães expostos a vídeo sofrem influência do conteúdo programático exposto.
O inovador delineamento da pesquisa destaca que as implicações resultantes da análise
podem ser úteis na abordagem clínica de cães diagnosticados com SAS, uma vez que a
televisão pode ser utilizada como uma ferramenta amenizadora da ausência do tutor por um
determinado período. Os mecanismos empáticos identificados em cães que assistem televisão
podem ajudar futuras pesquisas a respeito dos processos empáticos em animais e seres
humanos, hoje amplamente utilizados em estratégias adotadas por corporações a fim de
acessar um mercado específico de pessoas que assistem televisão. Uma ―TVcão‖ pode ser um
canal de comunicação com aqueles animais que passam longos períodos fechados em
residências, evitando problemas comportamentais ocasionados pelo abandono temporário.
56
2 ESTUDO II ESTUDO PILOTO DO ESTUDO III
Para a melhor elaboração das perguntas e tipos de respostas presentes no questionário
desenvolvido, um estudo piloto foi realizado com um grupo de estudantes e de profissionais
da área de medicina veterinária. Os resultados e críticas a respeito do questionário piloto
(Apêndice A) foram úteis para mudanças pontuais de redação e modelos de respostas as quais
contribuíram para o aperfeiçoamento da proposta em alcançar os objetivos desejados na
pesquisa. Os resultados do estudo piloto foram apresentados no 26th Human Behavior and
Evolution Society Conference com o título de: EMPATHY: A PRELIMINARY STUDY
ABOUT VETERINARIANS‘ POINT OF VIEW e encontram-se descritos no Apêndice D
deste documento.
57
3 ESTUDO III ANÁLISE SOBRE O PONTO DE VISTA DE GRUPOS DE
UNIVERSITÁRIOS SOBRE A EMPATIA COMPARATIVA EM CÃES
Além da abordagem da população em geral, abordar o ambiente universitário é ideal
para procurar por perguntas e respostas, uma vez que nesse ambiente a informação é mais
bem lapidada e as pessoas em sua maioria são questionadoras, além de grande parte da
população brasileira ter contato diretamente ou indiretamente com cães e outros animais
(IBGE, 2013). Devido à presença de diferentes áreas do conhecimento, a universidade, como
um sistema voltado para a aprendizagem e as relações interpessoais, constitui-se num
contexto por excelência para a construção e consolidação de conceitos. Através da
externalização de suas opiniões, alunos universitários podem contribuir para o entendimento
de processos biológicos e sociais. Nesse contexto e pelo fato da população de cães
domiciliados no Brasil ser estimada em 52,2 milhões, o que indica uma média de 1,8 cachorro
por domicílio em âmbito nacional (IBGE, 2013), é possível em um ambiente universitário
agregar informações combinadas sobre processos empáticos existentes em cães. Além do
mais, compreender como as pessoas entendem a capacidade cognitiva e empática de animais é
um importante passo na ajuda para decifrar algumas situações sobre o tema ainda ocultas no
meio científico. Pois, as pessoas podem contribuir com testemunhos a respeito de suas
percepções as quais podem não terem sido testadas empiricamente.
3.1 Objetivos e hipóteses
Levando em conta a natureza multidimensional da empatia, questionários são capazes
de acessar tanto a empatia cognitiva, como a afetiva (Van Noorden, Haselager, Cillessen &
Bukowski, 2015). O presente estudo tem como objetivo identificar a capacidade de três
populações universitárias, em perceber as habilidades empáticas e entender a empatia como
um processo intrínseco em alguns animais, especialmente cães. A hipótese é a de que a
maioria dos participantes tem ou já tiveram contato estreito com cães e outros animais e
apontam os cães como seres capazes de ―empatizar‖.
3.2 Materiais e métodos
3.2.1 Participantes
Foram abordados (402) estudantes universitários matriculados em diferentes cursos de
nível superior da Universidade de Brasília (UnB). Os entrevistados foram categorizados em
58
três grupos, correlacionados com as grandes áreas do conhecimento (biológicas; tecnológicas;
sociais). Na UnB existe uma população ativa de 34.577 alunos de graduação distribuída nas
três grandes áreas sendo: 6.800 (19,67%) alunos das ciências biológicas; 12.430 (35,95%)
alunos das ciências tecnológicas; 15.347 (44,38%) alunos das ciências sociais. Onde 48,65%
são do sexo masculino e 51,35% do sexo feminino (Universidade de Brasília, 2017).
3.2.2 Instrumentos
Foi aplicado um questionário estruturado com 32 perguntas (Apêndice B). A
disponibilidade do questionário ocorreu de forma eletrônica, através da rede mundial de
computadores (Internet).
3.2.3 Procedimentos
Para identificar a capacidade de diferentes populações em perceber as habilidades
empáticas em animais, principalmente em cães, foi proposta a criação de um questionário.
Para isso, um estudo piloto (Apêndice D) foi aplicado em um grupo de médicos veterinários
para adequar as perguntas e opção de respostas do questionário sugerido. Após os resultados
encontrados, o questionário inicial (Apêndice A) foi modificado (Apêndice B). No estudo
piloto ficou evidente que as perguntas e opção de respostas abordavam o respondente de
forma direta (Apêndice A). Sendo assim, após a reformulação das perguntas e opções de
resposta, ambas passaram a ter um caráter indireto (Apêndice B).
A pesquisa foi submetida ao comitê de ética com identificação
CAAE: 57761416.1.0000.5260 e foi aprovado pelo comitê de ética da UERJ - Instituto de
Medicina Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro no dia 17/12/2016. Durante os
dias 22 de novembro de 2017 e 04 de fevereiro de 2018 o formulário em formato virtual
esteve disponível através de um endereço eletrônico (link:
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfqZ0B0GLV71QWpH9pKwlR3mXTEyeaPysjP
IEVyf7SFAF5x9A/viewform?c=0&w=1). Para contemplar pessoas do universo da UnB
páginas sociais da instituição foram identificada na rede social Facebook, entre elas:
(https://www.facebook.com/groups/grupounb/;
https://www.facebook.com/groups/568948233298614/;
https://www.facebook.com/groups/106318072794991/;
59
https://www.facebook.com/groups/1454595311509796/;
https://www.facebook.com/groups/162857807113999/).
O endereço eletrônico com o formulário foi enviado para os participantes de duas
maneiras: através da publicação aberta do formulário em cada grupo virtual específico da
UnB e via mensagem privada e individual para os integrantes dos grupos através da
ferramenta de mensagens do Facebook. No cabeçalho do formulário havia o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Apêndice E). Na publicação aberta qualquer
membro do grupo pôde acessar o link com o formulário. Entretanto, aqueles formulários que
constavam conclusão do curso superior ou não início de curso foram eliminados da
amostragem. Portanto, 42 formulários foram eliminados da análise, pois 41 deles declararam
ter concluído o curso de graduação e um declarou não ter iniciado. A escolha do membro do
grupo para o envio do formulário via mensagem privada ocorreu de forma aleatória. Para o
envio da mensagem com o link o participante deveria ser aluno regular de graduação da UnB,
não houve a preocupação com qual curso específico o mesmo estava matriculado. Através da
auto-declaração do perfil do membro constatou-se que o mesmo era aluno regular de
graduação da UnB. Nenhum missing data foi constatado nessa forma de envio, ou seja, todos
os alunos que responderam eram alunos de graduação regular da UnB. Entretanto, foi enviado
mensagem para 1017 alunos de graduação regular com um retorno de resposta de 303
formulários. Tanto no envio individual, quanto na publicação aberta nos grupos, ao enviar o
endereço virtual para o questionário frisou-se que só deveria responder se o mesmo fosse
aluno regular de graduação da UnB. Para definir a quantidade de mensagens privadas
enviadas para os membros do grupo, foi realizado um cálculo de amostra (n=381) baseado na
população universitária em nível graduação da UnB. Quando se constatou que o número de
formulários chegou a 381 alunos regulares respondentes, o formulário on-line foi retirado da
rede.
3.3 Delineamento experimental
Para testar se houve correspondência estatística significante entre as respostas dadas
pela unidade respondente, foi aplicado o teste estatístico qui-quadrado de independência (χ²).
Exceção foram os itens com possibilidade de múltiplas respostas. As variáveis independentes
trabalhadas foram as seguintes: sexo; idade; grande área do conhecimento; período
acadêmico; ter ou não animal de estimação; ter ou não cão como animal de estimação; ter ou
não sido atacado por um cão. Para saber se houve diferença estatística significativa entre as
60
variáveis independentes citadas, os seguintes tratamentos foram empregados: para aquelas
perguntas com possibilidade de respostas escalonadas, tipo Likert, foi realizado o teste não-
paramétrico Mann-Whitney para duas amostras independentes ou Kruskal-Wallis para k
amostras independentes. Optou-se pelo teste de Mann-Whitney para analisar amostras de
repostas do tipo dicotômicas. Para as demais, com múltiplas opções de respostas, empregou-
se o Coeficiente de Pearson, após definido os conjuntos de múltiplas respostas.
3.4 Resultados
A maioria dos respondentes era do sexo feminino, 59,5% (Figura 6) e tinha idade entre
17 e 24 anos, 81,8% (Figura 7). No que diz respeito a grande área do conhecimento, 39,6%
frequentam cursos da área Biológica, 34,1% da área Sociais e 26,4% da área Tecnológica
(Figura 8). Mais da metade, 66,2%, cursa até o 6º período acadêmico (Figura 9). Quanto a já
ter possuído cães, 91,8% dos entrevistados afirmam que sim (Figura 10), enquanto 40,3%
relatam já ter sofrido ataque de cão (Figura 11). Outros animais já fizeram parte do convívio
de 94,3% dos respondentes. A maior parte dos participantes acredita que cães tem uma alta ou
média capacidade de sentir o que os seus tutores sentem, 51,5% e 41,8% respectivamente
(Figura 12). O teste Qui-quadrado para cada item apontou diferença estatística significativa
para todas as questões analisadas (Tabela 67).
Figura 7 - Representação proporcional dos respondentes e sexo.
61
Figura 8 - Representação proporcional dos respondentes e faixa etária.
Figura 9 - Representação proporcional dos respondentes e período
letivo acadêmico em curso.
Figura 10 - Representação proporcional dos respondentes e período letivo
acadêmico em curso.
62
Figura 11 - Representação proporcional dos respondentes já ter
possuído cão como animal de estimação.
Figura 12 - Representação proporcional dos respondentes de ter
sofrido ataque de algum cão.
Figura 13 - Representação proporcional dos respondentes e grau que
cães empatizam com pessoas.
63
Tabela 7 - Diferença estatística para
opções de respostas dentro de cada
pergunta para todos os participantes
(Qui-quadrado). (χ
2) geral df (p) geral
Q1 14,368 1 0,000*
Q2 708,806 3 0,000*
Q3 10,582 2 0,005*
Q4 73,701 11 0,000*
Q5 315,264 1 0,000*
Q6 280,836 1 0,000*
Q7 15,134 1 0,000*
Q8 586,219 3 0,000*
Q9 481,781 3 0,000*
Q10 283,846 4 0,000*
Q11 500,015 4 0,000*
Q12 195,338 4 0,000*
Q13 765,836 4 0,000*
Q14 1022,896 3 0,000*
Q15 193,746 4 0,000*
Q22 1012,453 4 0,000*
Q23 936,209 4 0,000*
Q24 353,000 4 0,000*
Q25 284,567 4 0,000*
Q26 336,746 5 0,000*
Q27 171,821 5 0,000*
Q28 96,179 5 0,000*
Q29 182,328 5 0,000*
Q30 171,791 5 0,000*
Q31 186,955 5 0,000*
Q32 311,015 3 0,000*
Nota. O (*) representa valores com significância
estatística com p<0,05. As Questões de 1 a 33
podem ser identificadas no Apêndice B.
A preferência dos universitários participantes é por cão sem raça definida, 77,1%; e
com função de companhia, 69,9%. Cães de abrigo e cães de rua são sofredores para 61,1% e
90,8% dos respondentes respectivamente, sendo que 38,3% discordam parcialmente que cães
de abrigo sofram mais que cães de rua e 32,8% deles não concordam e nem discordam com
essa indagação. Dos participantes, 89,8% estão dispostos a adoção de cães abandonados e
98,2% não concordam com o ato de abandono de animais, sendo que apenas 0,5% crê que o
abandono é aceitável a depender do motivo.
Com relação à eutanásia de animais feita de forma ética e quando indicada por um
profissional da área, houve uma predominância de concordância dos estudantes, 73,4%. Ao
ver um cão de rua ferido ou magro 82,8% das pessoas responderam que ficam totalmente
angustiadas perante a situação e 12,9% ficam parcialmente, totalizando 95,7% de respostas de
64
indivíduos de sentimento de angústia. Em contrapartida, 80,1% dos universitários ficam
totalmente felizes ou se sente bem ao ver um filhote de cão brincalhão, enquanto 15,2%
parcialmente feliz ou se sentindo bem, totalizando 95,3% de respostas de indivíduos que tem
bons sentimentos nessa situação. Para 84,6% deles, cães são capazes de absorver e
compartilhar dos mesmos sentimentos que os seus tutores estão sentindo, assim como, para
com outro cão, 73,6%.
Mais da metade dos entrevistados acreditam que cães são mais capazes que outros
animais em sentir o mesmo que pessoas quando comparados com peixes (70,9%) e bovinos
(55,8%) (Tabela 8) (Figura 13). Quando a comparação foi com felinos, houve um equilíbrio
entre as respostas, 30,7% discordam, 25,4% não concordam e nem discordam e 42,1%
concordam (Tabela 8) (Figura 14). Para o restante dos animais (suínos; papagaios; equinos)
há um maior número de pessoas que não concorda e nem discorda dessa capacidade
comparado com as outras opções de resposta (Tabela 8).
Tabela 8 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães serem mais capazes que outros
animais em sentir o mesmo que pessoas sentem.
Peixes
(%)
Bovinos
(%)
Suínos
(%)
Papagaios
(%)
Equinos
(%)
Felinos
(%)
Discordo totalmente 3,2 8,7 10,9 8,5 12,7 16,4
Discordo parcialmente 3,2 7,0 7,0 10,0 11,2 14,4
Não concordo nem
discordo 20,4 26,4 35,8 34,1 35,6 25,4
Concordo parcialmente 28,1 28,9 23,9 27,4 25,4 26,4
Concordo totalmente 42,8 26,9 20,4 18,4 13,4 15,7
Nenhum dos dois é capaz 2,2 2,2 2,0 1,7 1,7 1,7
Figura 14 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães serem
mais capazes que outros animais em sentir o mesmo que pessoas sentem.
65
Figura 15 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães serem
mais capazes que gatos em sentir o mesmo que pessoas sentem.
Figura 16 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães
perceberem antecipadamente o retorno inesperado de seus tutores
Figura 17 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães
bocejarem ao ver um ser humano bocejar.
66
Figura 18 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães consolarem pessoas.
Figura 19 - Perspectiva dos respondentes com relação aos cães que se
alimentam apenas na presença de seus tutores.
Figura 20 - Perspectiva dos respondentes com relação a uma cadela que
leva alimento para outros animais de seu convívio.
67
Figura 21 - Perspectiva dos respondentes com relação a cães que salvam
pessoas de ataques de outros cães ou animais.
Figura 22 - Perspectiva dos respondentes com relação capacidade de
animais em sentir o mesmo que pessoas.
Houve diferenças estatísticas quando as variáveis independentes analisadas foram: o
sexo; ter animal de estimação; ter cão de estimação; ter sido atacado (Tabela 7). Ao analisar a
amostra com o sexo como variável independente, notou-se diferenças estatísticas significantes
nos seguintes itens (Tabela 9): faixa etária; possuir ou ter possuído algum animal de
estimação; tipo de raça de cão preferida; cães de rua são sofredores; adotaria um cão se tiver
condições para mantê-lo; abandonar um cão na rua é aceitável; é correta a prática de eutanásia
de animais; sentir angústia ao ver um cão magro na rua; cães serem capazes de absorver e
compartilhar dos sentimentos de seus tutores.
68
Tabela 9 - Sexo como variável independente. Sexo Feminino (%) Masculino (%)
Faixa Etária
De 17 a 24 anos 63,20 36,80
De 25 a 35 anos 45,60 54,40
De 36 a 50 anos 36,40 63,60
A partir de 51 anos 20,00 80,00
Ter Animal de Estimação
Ter 60,2 39,8
Não ter 51,5 48,5
Preferência tipo de cão
De raça 45,5 54,5
Sem raça definida (vira-lata) 53,1 46,9
sem Preferência 61,6 38,4
não gosto de cães 68,8 31,3
Cão de Rua Sofre
Discordo totalmente 33,3 66,7
Discordo parcialmente 50 50
Não concordo nem discordo 45 55
Concordo parcialmente 55,7 44,3
Concordo totalmente 63,7 36,3
Adotaria um cão
Discordo totalmente 66,7 33,3
Discordo parcialmente 37,5 62,5
Não concordo nem discordo 38,1 61,9
Concordo parcialmente 45,2 54,8
Concordo totalmente 64,2 35,8
Eutanásia de animais é correto
Discordo totalmente 68,2 31,8
Discordo parcialmente 64,5 35,5
Não concordo nem discordo 63,0 37,0
Concordo parcialmente 63,9 36,1
Concordo totalmente 51,7 48,3
Sinto angústia com cão sofrendo
Discordo totalmente 0,0 100,0
Discordo parcialmente 20,0 80,0
Não concordo nem discordo 50,0 50,0
Concordo parcialmente 38,5 61,5
Concordo totalmente 64,0 36,0
Cães podem sentir o que o tutor sente
Discordo totalmente 50,0 50,0
Discordo parcialmente 58,3 41,7
Não concordo nem discordo 50,0 50,0
Concordo parcialmente 56,2 43,8
Concordo totalmente 66,5 33,5
O fato de possuir ou ter possuído animal de estimação, como variável independente,
indicou diferenças significantes nas afirmações a seguir (Tabela 10): sexo (visto
anteriormente); possuir ou ter possuído cão como animal de estimação; tipo de raça de cão
preferida; cães de abrigo sofrer mais que cães de rua; adotaria um cão se tiver condições para
mantê-lo; abandonar um cão na rua é aceitável; é correta a prática de eutanásia de animais;
sentir-se mais leve ou feliz ao ver um filhotinho de cachorro brincalhão; cães quando veem
outro cão feliz, triste ou com medo, são capazes de absorver e também apresentar esses
estados; cães mais do que gatos são capazes de sentir o mesmo que pessoas estão sentindo.
69
Tabela 10 - Possuir ou não algum animal de estimação como variável independente.
Possuir animal de estimação Possui
(%)
Não possui
(%)
Ter cão de estimação
Ter 98,6 1,4
Não ter 45,5 54,5
Preferência tipo de cão
Companhia 95,0 5,0
Guarda 90,5 9,5
Pastoreio 100,0 0,0
Sem função específica 92,8 7,2
Cães de Abrigos sofrem + que de Rua
Discordo totalmente 96,0 4,0
Discordo parcialmente 98,1 1,9
Não concordo nem discordo 91,7 8,3
Concordo parcialmente 88,6 11,4
Concordo totalmente 66,7 33,3
Adotaria um cão
Discordo totalmente 75,0 25,0
Discordo parcialmente 62,5 37,5
Não concordo nem discordo 90,5 9,5
Concordo parcialmente 95,2 4,8
Concordo totalmente 96,0 4,0
Eutanásia de animais é correto
Discordo totalmente 100,0 0,0
Discordo parcialmente 100,0 0,0
Não concordo nem discordo 96,3 3,7
Concordo parcialmente 94,4 5,6
Concordo totalmente 91,4 8,6
Sinto bem com filhotinho brincalhão
Discordo totalmente 66,7 33,3
Discordo parcialmente 100,0 0,0
Não concordo nem discordo 76,9 23,1
Concordo parcialmente 91,8 8,2
Concordo totalmente 95,7 4,3
Cães podem sentir o que o tutor sente
Discordo totalmente 100,0 0,0
Discordo parcialmente 82,4 17,6
Não concordo nem discordo 90,7 9,3
Concordo parcialmente 95,8 4,2
Concordo totalmente 96,2 3,8
Cães + que Gatos sentem o que as pessoas sentem
Discordo totalmente 98,5 1,5
Discordo parcialmente 94,8 5,2
Não concordo nem discordo 96,1 3,9
Concordo parcialmente 94,3 5,7
Concordo totalmente 87,3 12,7
Nenhum dos dois é capaz 85,7 14,3
Por fim, houve diferenças estatísticas significativas entres os participantes no tema ter
sofrido ataque de cão, como variável independente, em (Tabela 12): tipo de função de cão
preferida; cães de rua ser sofredores; adotaria um cão se tiver condições para mantê-lo; sentir
angústia ao ver um cão magro na rua.
70
Tabela 11 - Ter ou não sofrido algum ataque de cão como variável independente. Ser atacado por cão Sofreu ataque
(%)
Não sofreu ataque
(%)
Função de cão preferida
Companhia 36,3 63,7
Guarda 61,9 38,1
Pastoreio 33,3 66,7
Sem função específica 47,4 52,6
Cães de Rua são sofredores
Discordo totalmente 100,0 0,0
Discordo parcialmente 57,1 42,9
Não concordo nem discordo 65,0 35,0
Concordo parcialmente 41,2 58,8
Concordo totalmente 35,9 64,1
Adotaria um cão
Discordo totalmente 66,7 33,3
Discordo parcialmente 50,0 50,0
Não concordo nem discordo 57,1 42,9
Concordo parcialmente 43,5 56,5
Concordo totalmente 37,1 62,9
Sinto angústia com cão sofrendo
Discordo totalmente 100,0 0,0
Discordo parcialmente 40,0 60,0
Não concordo nem discordo 90,0 10,0
Concordo parcialmente 42,3 57,7
Concordo totalmente 38,1 61,9
Tabela 12 - Diferenças estatísticas quando as variáveis independentes são: o sexo; ter animal
de estimação; ter cão de estimação; ter sido atacado. (Mann-Whitney). Z
(sexo)
p
(sexo)
Z
(estimação)
P
(estimação)
Z
(ter cão)
P
(ter cão)
Z
(ataque)
p
(ataque)
Q1 -2,479 0,013* -0,968 0,333 -0,685 0,493
Q2 -3,344 0,001* -0,603 0,547 -1,460 0,144 -1,827 0,068
Q3 -1,829 0,067 -1,752 0,080 -1,523 0,128 -0,569 0,570
Q4 -0,351 0,726 -1,392 0,164 -1,575 0,115 -1,120 0,263
Q5 -2,479 0,013* -12,589 0,000* -0,555 0,579
Q6 -0,968 0,333 -12,589 0,000* -0,260 0,795
Q7 -0,685 0,493 -0,555 0,579 -0,260 0,795
Q8 -2,233 0,026* -3,261 0,001* -2,191 0,028* -0,255 0,799
Q9 -1,412 0,158 -0,924 0,355 -0,313 0,755 -2,315 0,021*
Q10 -0,287 0,774 -0,003 0,998 -0,286 0,775 -1,578 0,115
Q11 -2,218 0,027* -0,886 0,376 -0,393 0,695 -2,648 0,008*
Q12 -0,245 0,806 -2,925 0,003* -1,170 0,242 -1,270 0,204
Q13 -3,198 0,001* -3,021 0,003* -1,893 0,058 -2,418 0,016*
Q14 -3,093 0,002* -3,367 0,001* -0,846 0,398 -1,929 0,054
Q15 -2,278 0,023* -2,367 0,018* -0,708 0,479 -1,721 0,085
Q22 -4,065 0,000* -1,671 0,095 -1,124 0,261 -2,121 0,034*
Q23 -1,754 0,079 -2,561 0,010* -2,128 0,033* -0,237 0,812
Q24 -2,305 0,021* -1,646 0,100 -1,696 0,090* -1,069 0,285
Q25 -0,402 0,687 -2,135 0,033* -1,372 0,170 -1,340 0,180
Q26 -0,993 0,321 -0,868 0,385 -1,034 0,301 -0,653 0,514
Q27 -0,397 0,691 -0,315 0,753 -0,894 0,371 -0,519 0,604
Q28 -0,546 0,585 -2,603 0,009* -1,181 0,238 -0,539 0,590
Q29 -0,578 0,563 -0,277 0,782 -0,119 0,905 -0,129 0,898
Q30 -1,699 0,089 -1,012 0,311 -1,375 0,169 -0,873 0,382
Q31 -1,466 0,143 -1,364 0,172 -0,618 0,537 -0,305 0,760
Q32 -1,658 0,097 -1,204 0,229 -1,781 0,075 -1,009 0,313
Nota. O (*) representa valores com significância estatística com p<0,05.
71
A análise da variável independente grande área do conhecimento resultou em
diferença significativa para as variáveis: sexo; idade; cães de abrigo são sofredores; cães de
rua são sofredores; concordar com eutanásia de animais feita quando necessária e por um
profissional da área (Tabela 14). A área tecnológica teve mais respondentes homens, 39,9%,
que as outras áreas. Já para mulheres, esse fenômeno ocorreu na área biológica, 51,5%
(Tabela 13). Alunos da faixa etária 17 a 24 anos cursam em sua maioria na área biológica,
enquanto as outras faixas possuem concentração nos cursos de áreas sociais, 49,1% (de 25 a
35 anos) e 72,7%. (de 36 a 50 anos) (Tabela 13). Quando se questionou se cães de abrigo são
sofredores, apenas um item, concordo totalmente, concentrou as respostas na área social, para
as demais a concentração esteve na área biológica (Tabela 13). Para as respostas sobre cão ser
sofredor, a maioria que discorda totalmente é da área tecnológica, discordo parcialmente teve
igual peso para biológicas e sociais, não concordo e nem discordo encontra-se também na
tecnológica e concordo parcialmente e totalmente concentraram na área biológica. A opinião
sobre achar correta a eutanásia em animais concentrou-se em todos os itens na área biológica.
Entretanto, no item concordo totalmente houve um equilíbrio entre as áreas tecnológicas,
biológicas e sociais, 34,4%, 32,5% e 33,1% respectivamente (Tabela 13).
Tabela 13 - Grandes áreas do conhecimento como variável independente. Tecnológicas Biológicas Sociais
Sexo
Feminino 17,2 51,5 31,4
Masculino 39,9 22,1 38,0
Idade
De 17 a 24 anos 26,1 43,5 30,4
De 25 a 35 anos 29,8 21,1 49,1
De 36 a 50 anos 0,0 27,3 72,7
A partir de 51 anos 60,0 20,0 20,0
Cães de abrigo são
sofredores
Discordo totalmente 28,6 71,4 0,0
Discordo parcialmente 31,6 45,6 22,8
Não concordo nem discordo 30,4 35,9 33,7
Concordo parcialmente 23,0 41,2 35,8
Concordo totalmente 26,2 26,2 47,6
Cães de rua são sofredores
Discordo totalmente 66,7 0,0 33,3
Discordo parcialmente 28,6 35,7 35,7
Não concordo nem discordo 55,0 20,0 25,0
Concordo parcialmente 28,2 38,9 32,8
Concordo totalmente 22,2 42,3 35,5
Eutanásia em animais é
correto
Discordo totalmente 9,1 54,5 36,4
Discordo parcialmente 22,6 45,2 32,3
Não concordo nem discordo 31,5 35,2 33,3
Concordo parcialmente 19,4 45,1 35,4
Concordo totalmente 34,4 32,5 33,1
72
Tabela 14 - Diferença estatística para opções de respostas quando as variáveis independentes
são: idade; grande área do conhecimento; período acadêmico. (Kruskal-Wallis). (χ
2)
Idade
df P
idade
(χ2)
Área
df p
área
(χ2)
Período
df p
Período
Q1 12,098 3 0,007* 41,27
9
2 0,000* 22,237 11 0,023*
Q2 14,13
8
2 0,001* 52,958 11 0,000*
Q3 11,892 3 0,008* 10,071 11 0,524
Q4 28,120 3 0,000* 0,631 2 0,730
Q5 3,145 3 0,370 3,593 2 0,166 15,955 11 0,143
Q6 2,442 3 0,486 2,365 2 0,306 12,501 11 0,327
Q7 4,502 3 0,212 0,782 2 0,676 10,472 11 0,488
Q8 2,497 3 0,476 0,978 2 0,613 5,133 11 0,925
Q9 4,325 3 0,228 4,361 2 0,113 9,473 11 0,578
Q10 0,912 3 0,823 7,503 2 0,023* 6,468 11 0,840
Q11 6,374 3 0,095 7,031 2 0,030* 16,354 11 0,129
Q12 9,291 3 0,026* 1,992 2 0,369 13,577 11 0,257
Q13 1,432 3 0,698 3,922 2 0,141 15,504 11 0,161
Q14 2,396 3 0,494 1,972 2 0,373 5,554 11 0,901
Q15 2,458 3 0,483 6,633 2 0,036* 14,444 11 0,209
Q22 0,234 3 0,972 4,805 2 0,090* 8,901 11 0,631
Q23 0,903 3 0,825 4,066 2 0,131 6,347 11 0,849
Q24 7,196 3 0,066 3,175 2 0,204 12,064 11 0,359
Q25 1,328 3 0,722 3,576 2 0,167 4,195 11 0,964
Q26 1,038 3 0,792 1,283 2 0,527 5,76 11 0,889
Q27 2,596 3 0,458 3,933 2 0,140 10,341 11 0,500
Q28 2,966 3 0,397 9,702 2 0,008* 21,238 11 0,031*
Q29 2,068 3 0,558 3,470 2 0,176 8,38 11 0,679
Q30 1,373 3 0,712 0,333 2 0,847 24,746 11 0,010*
Q31 3,599 3 0,308 0,903 2 0,637 11,665 11 0,389
Q32 6,405 3 0,093 12,03 2 0,002* 13,93 11 0,237
Nota. O (*) representa valores com significância estatística com p<0,05.
Ao analisar as diferença estatística para opções de respostas múltiplas, foi encontrada
significância em (Tabela 15): sexo; idade; grande área do conhecimento; período acadêmico;
ter animal de estimação; ter cão de estimação; ter sido atacado por cão. A respeito da opinião
de mulheres e homens a sobre os motivos que levam um cão a bocejar após ver uma pessoa
bocejar indicou diferença significante. A diferença pode estar nas respostas (Tabela 16): as
pessoas se fazem compreendidas pelos cães através do bocejo (73,1% mulheres e 26,9%
homens); essa reação é aleatória, não tem relação direta com o bocejo humano (79,2%
mulheres e 20,8% homens); nenhum fator específico (14,3% mulheres e 85,7% homens).
Mulheres e homens também discordam dos motivos que levam uma cadela a dividir e levar
comida para outros animais do seu convívio, nas prováveis afirmações (Tabela 16): a cadela
entendeu e sentiu que os animais do seu convívio estavam com fome e precisavam de
alimento (65,4% mulheres e 34,6% homens); a cadela tem predisposições inatas para a
realização de ações intuitivas, sem reflexão (63,7% mulheres e 36,3% homens). Outra
diferença está na resposta nenhum fator específico (0% mulheres e 100% homens). Por fim,
73
eles também discordam dos motivos que levam alguns cães a perceberem o retorno de seus
tutores para casa de forma antecipada, sendo nas afirmações a seguir o local das prováveis
diferenças: os cães podem entender racionalmente quando seu dono está retornando para casa
(63,8% mulheres e 36,2% homens); os cães podem sentir que seu dono está retornando para
casa (69,5% mulheres e 30,5% homens); nenhum fator específico (0% mulheres e 100%
homens).
Tabela 15 - Diferença estatística para opções de respostas múltiplas, quando variáveis
independentes: sexo; idade; grande área do conhecimento; período acadêmico; ter animal de
estimação; ter cão de estimação; ter sido atacado por cão. Sexo Idade Grande
área
Período
letivo
Animal
estimação
Cão de
estimação
Ataque
de cão
Bocejar (χ2) 18,329 14,774 16,997 82,177 13,571 9,735 7,858
Df 8 24 16 88 8 8 8
P
0,019* 0,927 0,386 0,655 0,094 0,284 0,447
Dividir (χ2) 17,295 28,743 13,288 90,787 16,519 10,432 18,591
Df 9 27 18 99 9 9 9
P
0,044* 0,373 0,774 0,710 0,057 0,317 0,029*
Comer (χ2) 10,788 14,312 18,347 59,246 16,132 18,332 7,932
Df 7 21 14 77 7 7 7
P
0,148 0,856 0,191 0,934 0,024* 0,011 0,339
Empatizar (χ2) 16,875 22,722 12,476 103,601 23,271 12,935 9,207
Df 9 27 18 99 9 9 9
P 0,051 0,700 0,822 0,356 0,006* 0,166 0,418
Heroísmo (χ2) 10,183 26,756 22,298 124,868 30,437 13,433 11,613
Df 9 27 18 99 9 9 9
P
0,336 0,477 0,219 0,040* 0,000* 0,144 0,236
Retornar (χ2) 21,344 21,634 16,111 84,857 23,147 19,141 11,597
Df 8 24 16 88 8 8 8
P
0,006* 0,601 0,445 0,575 0,003* 0,014 0,170
Animais (χ2) 3,412 22,089 19,272 77,618 19,361 15,240 12,145
Df 9 27 18 99 9 9 9
P
0,946 0,733 0,375 0,945 0,022* 0,085 0,205
Nota. O (*) representa valores com significância estatística com p<0,05.
Tabela 16 - Sexo como variável independente nas questões de múltiplas respostas. Mulheres
(bocejo%)
Homens
(bocejo%)
Mulheres
(cão divide%)
Homens
(cão divide%)
Mulheres
(retorno%)
Homens
(retorno%)
1 57,1 42,9 53,5 46,5 63,8 36,2
2 56,9 43,1 65,4 34,6 69,5 30,5
3 73,1 26,9 59,0 41,0 57,1 42,9
4 61,5 38,5 54,1 45,9 59,3 40,7
5 57,1 42,9 63,7 36,3 62,0 38,0
6 79,2 20,8 55,6 44,4 60,0 40,0
7 14,3 85,7 0,0 100,0 0,0 100,0
8 61,5 38,5 52,5 47,5 45,2 54,8
Nota. Os números da primeira coluna representam as possíveis respostas para as perguntas realizadas no
questionário (Apêndice C).
74
Para as respostas dos entrevistados sobre possuir ou ter possuído algum animal de
estimação em algum momento da vida houve diferença estatística para todas as perguntas com
opção de múltiplas respostas (Tabela 17).
Tabela 17 - Ter animal de estimação como variável independente nas questões de múltiplas
respostas. Sim(%/N)
(comer)
Não
(%)
comer
Sim(%/N)
(empatia)
Não
(%)
empa
Sim(%/N)
(herói)
Não
(%)
herói
Sim(%/N)
(retorno)
Não
(%)
retor
Sim(%/N)
(animais)
Não
(%)
anim
1 96,9/125 3,1 98,0/96 2,0 95,1/116 4,9 98,3/57 1,7 88,0/22 12,0
2 97,3/181 2,7 96,5/223 3,5 96,7/266 3,3 97,6/163 2,4 94,3/150 5,7
3 95,2/100 4,8 96,1/146 3,9 93,9/123 6,1 96,4/27 3,6 93,9/62 6,1
4 93,5/43 6,5 93,3/42 6,7 93,8/45 6,3 95,2/260 4,8 95,8/273 4,2
5 87,5/43 12,5 94,4/68 5,6 97,9/92 2,1 94,1/223 5,9 95,8/229 4,2
6 100,0/14 0,0 93,1/27 6,9 97,4/37 2,6 98,5/64 1,5 95,1/351 4,9
7 88,9/10 11,1 100,0/2 0,0 100,0/1 0,0 66,7/2 33,3 96,3/131 3,7
8 0,0/72 0,0 81,1/30 18,9 80,5/3 19,5 83,9/26 16,1 96,4/135 3,6
Nota. Os números da primeira coluna representam as possíveis respostas para as perguntas realizadas no
questionário (Apêndice C).
A diferença entre quem já foi atacado por um cão e de quem não foi atacado foi
encontrada na situação em que uma cadela retorna para casa com comida e a divide com
outros animais do seu convívio. Os animais de seu convívio se fizeram compreendidos pela
cadela através de sua situação de fome (30% atacado e 70% não-atacado); a cadela tem a
intenção de estocar alimento para ela, mas é surpreendida pelos animais de seu convívio
(27,8% atacado e 72,2% não-atacado); nenhum fator específico (100% atacado).
Tabela 18 - Ter sofrido ataque de cão como variável
independente nas questões de múltiplas respostas
sobre a cadela que divide alimento.
Foi atacado (%) Não foi atacado (%)
1,00 47,5 52,5
2,00 38,5 61,5
3,00 30,0 70,0
4,00 36,7 63,3
5,00 33,0 67,0
6,00 27,8 72,2
7,00 100,0 0,0
8,00 47,5 52,5
Nota. Os números da primeira coluna representam as possíveis
respostas para as perguntas realizadas no questionário
(Apêndice C).
75
Quando as variáveis independentes foram: faixa etária; grande área do conhecimento
do curso de graduação; se possui ou já possuiu cão como animal de estimação. Não houve
diferença estatística entre as múltiplas opções de respostas (Tabela 15).
3.5 Discussão
Por meio dos resultados é possível traçar o perfil dos respondentes. A predominância é
de mulheres, com quase 20% a mais que homens (Figura 6). A maioria tem idade entre 17 e
24 anos (Figura 7), são estudantes de cursos da área biológica (Figura 8) e frequentam do 2°
ao 5° semestre de faculdade (Figura 9). Mais de 90% dos participantes já tiveram cães (Figura
10) ou outros animais de estimação. Quase a metade dos estudantes alega ter sofrido algum
tipo de ataque de cão (Figura 11). Os respondentes são jovens e familiarizados com animais
com função de estimação, ou seja, há um conhecimento de causa através de rotina criada e
comunicação interespecífica com animais. Deste modo, as análises comparativas realizadas
levaram em conta as variáveis que compõe esse perfil dos participantes (sexo; idade; curso;
período; ter ou não cães; ter ou não outros animais domésticos; ter sofrido ou não ataque de
cão).
A maior parcela dos estudantes acredita que cães possuem um alto grau de empatia
(Figura 12). Ao levar em consideração que um médio grau é satisfatório, o conjunto chega a
93%. Entre pessoas que convivem com cães ou outros animais é comum relatos de que eles
podem sentir e racionalizar o que outros sentem. Cães costumam consolar seus tutores quando
eles estão tristes ou aflitos, eles descrevem que seus cães se aproximam quando eles choram e
procuram o contato físico, ato que remete a ideia de consolar. Novos estudos a respeito de
comportamentos pró-sociais em animais dão embasamento empírico para essas crenças.
Diferentes pesquisas sugerem que cães são capazes de interpretar a intenção de seres
humanos, além de seguir dicas não verbais por apontamento ou olhar, por exemplo. Para tal,
os participantes acreditam que cães podem absorver e compartilhar dos mesmos sentimentos
que os seus tutores estão sentindo em determinados momentos, assim como são capazes do
mesmo com relação a outros cães. Contudo, ao serem confrontados se cães são mais capazes
que outros animais de sentir o mesmo que pessoas sentem em um dado momento, apenas para
peixes e bovinos a maioria dos respondentes acreditam que sim. Ademais, eles nem
concordaram e nem discordaram dessa capacidade em cães quando comparado a suínos,
papagaios e equinos (Figura 13). Com relação aos gatos, houve uma maior homogeneidade
das respostas (Figura 14). Felinos, assim como os cães estão presentes em diversos lares
76
brasileiros (IBGE, 2013) e foram domesticados há pelo menos 10 mil anos (Beaver, 2003).
Sendo assim, é de se esperar que pessoas tenham afinidade e conhecimento de causa para com
os gatos, já que provavelmente a maioria já teve contato positivo com eles em algum
momento de suas vidas.
Os universitários preferem cães sem raça definida, o popular ―vira-lata‖, e dentro das
diversas funções que os cães podem exercer como guarda, pastoreio, caça ou sem função
específica, a maioria prioriza cães para ser de companhia. Essas preferências condizem com a
opinião da maioria com relação ao abandono e adoção de cães, eles não consideram aceitável
abandonar cães quando há um problema de qualquer natureza. Além disso, adotariam um cão
se tivessem condições de o criar, nesse contexto o cão pode ser definido como um capital
social positivo para novas interações. Ao adotar um cão resgatado da rua que não tinha
melhores perspectivas para a sobrevivência, a pessoa passa a ser bem vista por parte da
sociedade e o facilitador cão pode abrir precedentes para conhecer novas pessoas e ser
admirada por elas.
O questionário foi aplicado em estudantes de uma universidade federal em Brasília,
cidade esta, segundo Lacerda, Tomas & Marinho‐Filho (2009), em que há presença de grupos
de cães errantes e ferais que por definição são cães sem raça específica por sofrerem pressões
da seleção natural. Portanto, entre os estudantes, há um nicho potencial de pessoas dispostas a
minimizar os efeitos problemáticos em nível de saúde pública e ecológico da presença de cães
errantes nas ruas. Uma vez que, quase a totalidade dos entrevistados considera que cães de rua
sofrem por estar nessa condição e mais da metade crê que cães de abrigo não se encontram em
piores condições que cães de rua. Cães destinados para adoção normalmente são oriundos da
rua, porém foram resgatados e vivem em lares temporários equivalentes a abrigos. Grande
parte dos estudantes concorda com a eutanásia de animais, quando a mesma é feita por um
profissional da área e o enfermo está acometido por uma condição incurável e sujeito a
intoleráveis sofrimentos físicos ou psíquicos. Ao ver um cão ferido ou magro os universitários
sentem angústia por isso, esse motivo por si só não seria plausível para prática de eutanásia
em cães (Martins, 2014). Não tendo assim, também nesse estudo nenhuma correlação
estatística entre elas que justificasse a prática da mesma para um cão nestas condições. Por
manifestar compreensão sobre o que os cães sentem, evidentemente, era de se esperar que a
maioria dos respondentes relatasse experimentar de bons sentimentos ao ver um filhote de cão
feliz e brincalhão.
Respostas dadas a perguntas pautadas sobre as reações de cães para com as pessoas em
diferentes situações enfatizaram a percepção dos universitários sobre cães e a existência de
77
habilidades empáticas bem definidas e manifestadas em diferentes contextos abrangendo os
três componentes da empatia (afetivo, cognitivo e comportamental). Sendo assim, para os
alunos da UnB, cães que se aproximam de pessoas quando elas estão tristes podem sentir o
mesmo que elas estão sentindo, ativando assim a dimensão afetiva da empatia. Além disso,
para eles pessoas podem ser compreendidas pelos cães através dessa condição (Figura 17).
Neste caso há claramente uma relação do ato de aproximação com a intenção de ajudar o
outro. Para os estudantes os cães possuem a capacidade da ativação do componente
comportamental da empatia uma vez que através do ato há a tentativa de acalmar ou tirar a
angústia presente no indivíduo. Em outra situação para os entrevistados os cães podem
entender e sentir que uma pessoa está bocejando e bocejar por contágio, esse fenômeno está
ligado a processos rudimentares da empatia que levam a respostas equivalentes devido à
presença de neurônios espelho. Contudo, para eles os cães podem também aprender esse
comportamento por repetições e imitação. É sabido que cães possuem uma facilidade de
aprendizado por condicionamento, é possível que ao bocejar um reforço positivo vindo das
pessoas relacionado ao ato leve os cães a o repetir a fim de receber ou perceber novamente o
tal estímulo (Figura 16).
Registros de telejornais e jornais impressos relatam diversos ataques de cães e de
outros animais contra seres humanos em áreas urbanas ou rurais. Quando questionados sobre
cães que salvam pessoas desses ataques mencionados a maior parte dos respondentes afirma
que essa atitude se baseia na capacidade dos cães em entender e sentir que uma a pessoa está
em sofrimento e com dificuldade (Figura 20). Nesse caso há a ativação do componente
comportamental, pois ao entender e sentir a condição do outro uma atitude foi tomada a fim
de evitar consequências negativas que gerariam sofrimento ao outro.
Com relação aos cães que se alimentam somente na presença de seus tutores os
universitários afirmam que eles podem entender e sentir que estes tutores estão fora e pela
falta de trocas emotivas positivas passam a não sentir fome e com isso compreendem
racionalmente a situação que leva ao desenvolvimento de ansiedade a qual inibe o apetite
(Figura 18). Nesse mesmo contexto, as trocas positivas entre os cães e pessoas leva a
liberação de hormônios do prazer, entre eles a ocitocina e na ausência dessas trocas há a
liberação de cortisol, hormônio capaz de inibir o apetite. Trocas emocionais estão ligadas ao
componente afetivo, cognitivo e comportamental, uma vez que a interação entre dois
indivíduos gera bem estar em ambos de proporções semelhantes. Além disso, os universitários
creditam o ato de uma cadela levar alimento para outros animais de seu convívio ao fato dela
entender e sentir que eles estão com fome e precisam de alimento, uma vez que ela mesma
78
poderia ter ingerido sozinha todo o alimento (Figura 19). Em uma atitude como essa há
ativação do componente comportamental da empatia, pois além dela compreender que os
outros animais estavam com fome, ela se propôs a tomar uma atitude a fim de sanar a fome
dos mesmos.
Em outra situação descrita a maioria dos respondentes acredita que cães são capazes
de perceber antecipadamente o retorno inesperado de seus tutores, pois eles são capazes de
notar sinais imperceptíveis aos sentidos humanos e também de aprender um comportamento
por repetições (Figura 15) não havendo então uma relação direta com empatia. Ou seja, a
audição e olfato apurado dos cães pode conferir a eles uma vantagem com relação aos seres
humanos em perceber o retorno de uma pessoa. Além disso, por condicionamento os cães são
capazes de aprender a rotina ou ritual de chegada de alguma pessoa.
Segundo os universitários, os cães não são os únicos animais capazes manifestar
empatia pelas pessoas (Figura 21). Porém, dentre os diferentes grupos de animais, os cães
foram os animais mais citados em ter a capacidade de sentir o que as pessoas sentem,
seguidos de gatos e cavalos. Cães e gatos são os animais domésticos presentes em maior
número em residências brasileiras (IBGE, 2013). Portanto, é de se esperar que através do
conhecimento adquirido devido ao convívio prolongado com esses animais, as pessoas sejam
capazes de notar peculiaridades em ambas as espécies. Como, por exemplo, a capacidade
desses animais em interpretar intenções e comunicar-se com outros indivíduos, habilidades
fundamentais na manifestação de respostas empáticas. Já os cavalos são amplamente
conhecidos como animais de terapia que dão suporte a pessoas com necessidades especiais,
mudando de atitude conforme a característica de quem o monta. Para isso, é necessário
comunicação, entendimento e ação com provável ativação de todos os componentes da
empatia uma vez que o movimento pendular dependerá da estabilidade física e emocional de
quem o conduz.
Proporcionalmente, mais mulheres do que homens de 17 a 35 anos e mais homens que
mulheres de 36 a 51 anos responderam ao questionário (Tabela 9). Na amostra, as mulheres
têm ou tiveram mais animais de estimação, declararam mais vezes não ter preferência por
algum tipo específico de cão, discordam totalmente mais vezes sobre a prática de eutanásia de
animais e consideraram a adoção mais do que homens (Tabelas 9). Outra ponderação foi a de
que mais vezes que eles, elas também acham que cães são capazes de sentir o que seus tutores
sentem em determinadas situações. A análise isolada destes resultados sugere que mulheres
empatizam com cães mais que homens. Para Baez et al. (2017), não se pode afirmar que
mulheres são mais empática, apesar delas externalizarem mais os sentimentos. Porém, apesar
79
da maioria dos respondentes serem mulheres (Figura 6), ficou claro no questionário que
homens e mulheres divergem em alguns aspectos, porém muito mais em intensidade do que
ter opiniões opostas. Por exemplo, mais homens do que mulheres discordam tolamente que
cães de rua são sofredores, em adição, ambos concordam parcialmente na mesma proporção
desse fato. Além disso, as demais proporções são de valores muito próximos (Tabela 9).
Fenômeno também visto em possibilidade de adotar um cão e em concordar que sentem
angústia ao ver um cão sofrendo (Tabela 9). Os homens da pesquisa discordaram mais que
mulheres sobre sentir angústia ao ver cães sofrendo, porém eles concordam parcialmente em
maior frequência, enquanto elas em concordar totalmente (Tabela 9). Há uma crença cultural
de que mulheres expressam mais seus sentimentos e são mais sensíveis emocionalmente, em
contrapartida os homens seriam mais agressivos e menos reativos (Simon & Nath, 2004),
sinais não identificados na investigação com relação à empatia sentida pelos seres humanos
por cães.
Entretanto, mulheres mais que homes acreditam que as pessoas podem se fazer
compreendidas por cães através do bocejo. A relação do bocejo e empatia é motivo de
diversos estudos científicos, se sabe que há influencia de neurônios espelho nesse fenômeno e
que esses neurônios estão presentes de forma determinante em respostas empáticas. Nesse
tópico diferente dos homens, mulheres percebem uma melhor relação entre o bocejo e a
capacidade cognitiva dos cães em esboçar uma resposta evolutiva e não aleatória. O ato
reflexivo de uma cadela que retorna para seu lar com comida para outros animais de seu
convívio, inclusive de outras espécies, foi interpretado por mais mulheres como uma
capacidade da cadela em racionalizar a condição do outro e tomar uma atitude para sanar a
preocupação, neste caso, a fome. Essa manifestação quando verdadeira, possuí relação direta
com o componente comportamental da empatia, uma vez que após racionalizar a condição do
outro, algo foi feito para ajudar a superar a dificuldade. Concomitante, mais mulheres creem
que essa atitude partiu de predisposições inatas para a realização da ação intuitiva, sem
reflexão, seria assim, uma resposta instintiva. Fêmeas de diversas espécies são capazes de
adotar filhotes de outras fêmeas que elas não conceberam e apresentar cuidados parentais
como se os filhos fossem seus (Segata, 2012). Quanto ao ato de perceber com antecedência o
retorno do tutor para casa, mais mulheres que homens afirmam que os cães são capazes de
entender racionalmente ou sentir o retorno deles. Cães possuem uma capacidade auditiva mais
apurada que os seres humanos, em um ambiente controlado como o lar é de se esperar que os
cães escutem com antecedência considerável sons emitidos pelos tutores. Por exemplo,
barulho do motor do carro ou do transporte que é utilizado rotineiramente. Eles podem
80
também identificar a forma que as pessoas pisam ao chão e o sons emitidos por esse fato.
Portanto, em um local que esteja um cão e um ser humano, é provável que os cães captem
dicas e informações a respeito do outro, antes da percepção das mesmas pelas pessoas ao seu
redor. Pode-se dizer, portanto, que no grupo universitário tanto mulheres, quanto homens
identificam sinais de empatia em cães e outros animais. Porém, mulheres levam uma
vantagem ao interpretar manifestações empáticas em animais.
Cabe ressaltar que pessoas que tem ou tiveram animais de estimação possuem ou já
possuíram mais cães que qualquer outro animal, proporção esperada segundo fontes do IBGE
(2013). O cão está inserido culturalmente e estruturalmente no contexto familiar dos
brasileiros e na maioria dos lares há mais cães do que crianças. As pessoas do estudo que não
possuem cães são indiferentes ao fato de cães de abrigo sofrerem ou não mais que cães de rua,
além de concordarem totalmente com a eutanásia de animais. Muitos cães que se encontram
em condição de abrigos públicos no Brasil são submetidos à eutanásia como forma de
controle populacional. Após pressão de grupos da sociedade de proteção a animais, diversos
municípios e estados brasileiros veem abolindo essa prática como solução para o problema de
superpopulação canina (Santana & Oliveira, 2006). Mesmos as pessoas que não possuem
animais de estimação criam a consciência cívil em prol do direito de existir dos animais.
Independente de ter sofrido ataque por algum cão, os respondentes concordam que cães de rua
são sofredores, adotariam um cão se tivessem a oportunidade e ambos concordam igualmente
que sentem angústia em ver cães em sofrimento (Tabela 10). Aparentemente o fato de ter
sofrido ataque por um cão não gerou na vítima um sentimento de hostilidade ou ressentimento
para com os cães e tão pouco influencia na percepção de manifestações empáticas feitas por
eles.
Por sua vez, pessoas que já tiveram algum animal de estimação afirmam que o fato de
cães comerem somente na presença dos seus tutores, cães que salvam e protegem pessoas do
ataque de outros cães ou animais e cães que se aproximam de seus tutores quando a pessoa
está triste, se deve, pois, os cães são capazes de entender racionalmente o que o indivíduo está
sentindo e passando. Outro argumento apresentados por eles é que os cães podem sentir o que
pessoas sentem. E por último que as pessoas podem se fazer compreendidas pelos cães através
da situação. Para os estudante que tiveram animais de companhia é possível deduzir que os
fatores relacionados aos componentes afetivo, cognitivo e comportamental da empatia estão
presentes nessas manifestações de comportamento o que explicaria a atitude de se aproximar
de uma pessoa triste, de defesa e a falta de apetite na ausência do tutor e do retorno da
vontade de comer na presença dele. Durante a coevolução, cães e seres humanos
81
desenvolveram uma comunicação não verbal formando através dela elos de trocas e
processamentos neurológicos bem elaborados. A previsão antecipada do retorno do tutor para
a casa, não parece ter uma relação com mecanismos empáticos para pessoas que possuem
animais de estimação, já que eles alegam que cães podem sentir o retorno e perceber sinais
imperceptíveis aos seres humanos, além de aprender o comportamento por repetições. Como
visto, cães possuem o sentido da audição mais apurado que os seres humanos e também são
capazes por condicionamento de estimar horários precisos de chegada de pessoas com rotinas
bem definidas.
3.6 Conclusão
Para os estudantes da Universidade de Brasília com acesso a internet e cadastrados na
rede social Facebook, os cães manifestam empatia. Eles enxergam os cães como seres
sencientes, capazes de compreender sentimentos e situações vividas pelas pessoas. O
questionário desenvolvido permitiu aos respondentes refletir sua percepção das habilidades
empáticas dos animais. Eles consideraram os cães como um animal altamente empático capaz
de manifestar comportamentos pró-sociais de ajuda, de proteção e de consolo.
Apesar das mulheres demonstrarem um entendimento maior do que os homens a
respeito de respostas empáticas em cães, ambos acreditam que cães e outros animais são
capazes de se manifestar empaticamente. Para eles, cães compreendem situações vividas pelo
outro e ao presenciar o outro em determinadas condições, são capazes de ativar em si mesmos
os três componentes básicos da empatia (afetivo, cognitivo e comportamental). Mesmos
aqueles alunos que já sofreram ataques de cães concordaram que em termos cognitivos, os
cães são capazes de interpretar e sentir o que os seres humanos sentem. Para esses estudantes,
as habilidades dos cães em colocar-se no lugar do outro são reais e extremamente refinadas.
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ambos os estudos confirmaram a capacidade empática dos cães. O estudo empírico
permitiu constatar a presença dos principais componentes da empatia como parte do
repertório comportamental de cães. A capacidade empática de cães vai além de sentir e
entender o que o outro está passando em sua presença. Cães são capazes de sentir o que o
outro sente através da interpretação de imagens audiovisual transmitida por uma televisão.
Essa habilidade, até então restrita aos seres humanos, abre precedente para novas pesquisas a
respeito de comportamentos pró-sociais em cães e humanos. A constatação de empatia em
cães é uma ferramenta valorosa para profissionais tanto da área de pesquisa como da área
clínica, pois permite entender desordens comportamentais caninas e humanas, uma vez que o
comportamento alterado de uma das partes pode influenciar o comportamento da outra.
Em consonância com esses achados, o questionário aplicado no universo universitário
revelou que alunos da UnB são capazes de relacionar experiências relatadas ou vividas com
os animais às teorias comportamentais e cognitivas. Para eles cães são seres capazes de
empatizar, inclusive com outras espécies animais, entre elas o próprio ser humano, espécie
com a qual eles se relacionam familiarmente há milhares de anos. O fato da maioria dos
respondentes afirmarem que já possuíram cão agrega e embasa a teoria à prática.
Atualmente, os cães possuem status de membros da família em muitos lares brasileiros
e lares por todo o mundo. Pesquisas como a desenvolvida são fundamentais para a
compreensão de como os cães alcançaram mais que outros animais uma adaptação de êxito
capaz de acelerar alguns processos evolutivos em um curto prazo. As respostas encontradas
auxiliam o entendimento da evolução das habilidades comunicativas e intuitivas da própria
espécie humana, uma vez que todos os processos biológicos fazem parte de uma cadeia
evolutiva. Ao trocar a vida em matilha pela proximidade de núcleos familiares humanos, cães
e seres humanos gradativamente consolidaram seus laços sociais, passando a ter uma relação
simbiótica de codependência emocional e entendimento mútuo.
83
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APÊNDICE A – Questionário Médicos Veterinários
1) Qual é o seu gênero?
□ Feminino □ Masculino
2) Você possui ou já possuiu algum animal de estimação?
□ Sim □ Não
3) Você possui ou já possuiu algum cão?
□ Sim □ Não
Gostaríamos de saber o quanto você concorda ou não com cada uma desses questionamentos.
4) Você concorda com trabalhos que são desenvolvidos por ONGs de resgate de animais?
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
5) Você acha que cães de abrigos são sofredores?
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
6) Você acha que cães de rua são sofredores?
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
7) Você acha que cães de abrigos sofrem mais do que cães de rua?
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
8) Você é a favor da eutanásia (sacrifício) de animais?
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
9) Você adotaria um cão abandonado ou de rua se tivesse condições de criá-lo?
96
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
10) Você já visitou ou financia alguma instituição que abriga cães abandonados?
□ Sim □ Não
Para responder os itens subsequentes considere a seguinte afirmação:
Empatia é a capacidade que um indivíduo tem de compreender o sentimento ou reação de
outro indivíduo, colocando-se no lugar do outro. Ou seja, ―sentir o que o outro sente‖.
11) Cães apresentam que grau de empatia?
□ Nenhum □ Baixo □ Médio □ Alto
Gostaríamos de saber o quanto você concorda ou não com cada um desses questionamentos.
12) Você acredita que outros animais mamíferos, não humanos, têm empatia?
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
13) Ao ver um cão na rua magro ou ferido, você sente alguma angústia?
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
14) Ao ver um filhotinho de cachorro brincalhão, você se sente mais leve ou feliz?
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
15) Quando o proprietário de um cão está feliz ou triste, você acha que o cão dele é capaz de
absorver esses estados e compartilhar dos mesmos?
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
16) Quando um cão vê outro cão feliz, triste ou com medo, você acha que ele é capaz de absorver
e também apresentar esses estados?
□ Discordo totalmente
97
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
Para as perguntas 18 a 22 considere as afirmações a seguir:
Empatia: capacidade que um indivíduo tem de compreender o sentimento ou reação de outro
indivíduo.
Condicionamento: ensinamento muitas vezes por repetição, igual a ―adestramento‖.
Sexto sentido (premonição): capacidade de perceber acontecimentos através de habilidades
ocultas.
Instinto: predisposições inatas para a realização de determinadas sequências de ações
comportamentais. São respostas inconscientes, com padrões herdados.
Escolha um único item que em sua opinião represente o motivo mais provável para a
manifestação do comportamento exemplificado.
17) Alguns cães são capazes de perceberem antecipadamente o retorno inesperado de seus donos
para casa. O principal fator associado a esse evento seria?
□ Empatia □ Condicionamento
□ Sexto sentido (premonição) □ Instinto
□ Nenhum fator específico □ Não sei afirmar
18) É comum seres humanos bocejarem ao ver outro bocejar. Esse fenômeno também é relatado
entre cães e pessoas. O principal fator associado a esse evento seria?
□ Empatia □ Condicionamento
□ Sexto sentido (premonição) □ Instinto
□ Nenhum fator específico □ Não sei afirmar
19) Alguns proprietários relatam que seus cães somente comem em sua presença, podendo ficar
dias sem comer quando o mesmo está viajando. O principal fator associado a esse evento
seria?
□ Empatia □ Condicionamento
□ Sexto sentido (premonição) □ Instinto
□ Nenhum fator específico □ Não sei afirmar
20) Uma cadela em São Paulo ficou famosa ao aparecer na TV. Ela mora em um local com
poucos recursos, todos os dias ela atravessa a cidade para receber de uma voluntária uma
sacola com comida. Sem ter sido ensinada ela retorna ao seu lar e oferece o alimento para
animais de seu convivo, entre eles seus filhotes, outros cães e gatos. O principal fator
associado a esse evento seria?
□ Empatia □ Condicionamento
□ Sexto sentido (premonição) □ Instinto
□ Nenhum fator específico □ Não sei afirmar
21) É comum ver em jornais notícias de cães heróis que salvaram e protegeram pessoas do ataque
de outros cães ferozes. O principal fator associado a esse evento seria?
□ Empatia □ Condicionamento
□ Sexto sentido (premonição) □ Instinto
□ Nenhum fator específico □ Não sei afirmar
98
Considerando empatia em animais, o quanto você está de acordo com as afirmações a seguir?
22) Cão tem mais empatia que Gato.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
23) Cão tem mais empatia que Canário ou Periquito.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
24) Cão tem mais empatia que Cavalo.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
25) Cão tem mais empatia que Porco.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
26) Cão tem mais empatia que Boi e Vaca.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
27) Cão tem mais empatia que Peixe.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
99
APÊNDICE B – Questionário Universitários UnB
1) Qual o seu sexo?
□ Feminino □ Masculino
2) Qual a sua faixa etária?
□ Até 17 anos
□ De 18 a 24 anos
□ De 25 a 35 anos
□ De 36 a 50 anos
□ A partir de 51 anos
3) Considerando apenas três grandes áreas do conhecimento (tecnológicas; biológicas; sociais).
Em qual delas o curso superior que você frequenta se enquadra?
□ Tecnológicas □ Biológicas □ Sociais
4) Em que fase acadêmica você se encontra
□ 1° período da graduação □ 2° período da graduação
□ 3° período da graduação □ 4° período da graduação
□ 5° período da graduação □ 6° período da graduação
□ 7° período da graduação □ 8° período da graduação
□ 9° período da graduação □ 10° período da graduação
□ 11° período da graduação □ 12° período da graduação
5) Você possui ou já possuiu algum animal de estimação?
□ Sim □ Não
6) Você possui ou já possuiu algum cão?
□ Sim □ Não
7) Você já sofreu ataque de algum cão?
□ Sim □ Não
8) Que tipo de cão você prefere?
□ De raça
□ Sem raça definida (vira-lata)
□ Sem preferência (gosta dos dois)
□ Não gosto de cães
9) Que tipo de função para um cão você prefere?
□ Companhia
□ Guarda
□ Pastoreio
□ Caça
□ Sem função específica
Gostaríamos de saber o quanto você concorda ou não com cada uma dessas afirmações.
10) Cães de abrigos são sofredores.
100
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
11) Cães de rua são sofredores.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
12) Cães de abrigos sofrem mais do que cães de rua.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
13) Eu adotaria um cão abandonado ou de rua se tivesse condições de criá-lo.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
14) Quando há um problema, é aceitável abandonar cães na rua.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
15) Acho certa a prática de eutanásia de animais. (Eutanásia é a prática pela qual se abrevia a vida
de um enfermo incurável quando sujeito a intoleráveis sofrimentos físicos ou psíquicos de
maneira controlada e assistida por um especialista).
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
Para as questões 12 a 17 escolha um ou mais itens que em sua opinião represente o(s)
motivo(s) para a manifestação do comportamento exemplificado.
16) Alguns cães são capazes de perceberem antecipadamente o retorno inesperado de seus donos
para casa. Qual ou quais fatores estão associados a esse evento?
□ Os cães podem entender racionalmente quando seu dono está retornando para casa
101
□ Os cães podem sentir que seu dono está retornando para casa
□ Os cães podem prever que seu dono está retornando para casa
□ Os cães são capazes de perceber sinais imperceptíveis aos sentidos humanos
□ Os cães são capazes de aprender um comportamento por repetições
□ Os cães têm predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
□ Nenhum fator específico
□ Não sei afirmar
17) É comum seres humanos bocejarem ao ver outro bocejar. Esse fenômeno também é relatado
entre cães e pessoas. Qual ou quais fatores estão associados a esse evento?
□ Os cães podem entender racionalmente quando uma pessoa boceja e imitar
□ Os cães podem entender e sentir que uma pessoa está bocejando e bocejar por contágio
□ As pessoas podem se fazer compreendidas pelos cães através de seu bocejo
□ Os cães podem aprender esse comportamento por repetições e imitação
□ Os cães têm predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
□ Essa reação é aleatória, não tem relação direta com o bocejo humano
□ Nenhum fator específico
□ Não sei afirmar
18) Algumas pessoas relatam que quando estão tristes, chorosas, os seus cães se aproximam delas
e ficam quietos ao seu lado. Qual ou quais fatores estão associados a esse evento?
□ Os cães podem entender racionalmente o que o seu dono está sentindo
□ Os cães podem sentir que seu dono está sentindo
□ As pessoas podem se fazer compreendidas pelos cães através de suas situações
□ Os cães podem aprender esse comportamento por repetições
□ Os cães têm predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
□ Cães tendem a ficar próximo de seus donos, porém não percebem seu estado emocional
□ Nenhum fator específico
□ Não sei afirmar
19) Alguns tutores relatam que seus cães somente comem em sua presença, podendo ficar dias
sem comer quando o mesmo está viajando. Qual ou quais fatores estão associados a esse
evento?
□ Os cães podem entender racionalmente quando o seu dono está fora e por isso sentem
ansiedade que inibe o apetite
□ Os cães podem entender e sentir que seu dono está fora e pela falta de trocas emotivas
positivas não sente fome
□ As pessoas podem se fazer compreendidas pelos cães através de suas presença o que os
deixa calmo e estimula o apetite
□ Os cães podem aprender esse comportamento por repetições
□ Quando estão sozinhos os cães priorizam outras atividades
□ Nenhum fator específico
□ Não sei afirmar
20) Uma cadela em São Paulo ficou famosa ao aparecer na TV. Ela mora em um local com
poucos recursos, todos os dias ela atravessa a cidade para receber de uma voluntária uma
sacola com comida. Sem ter sido ensinada ela retorna ao seu lar e oferece o alimento para
animais de seu convivo, entre eles seus filhotes, outros cães e gatos. Qual ou quais fatores
estão associados a esse evento?
102
□ A cadela entendeu racionalmente que os animais do seu convívio estavam com fome e
precisavam de alimento
□ A cadela entendeu e sentiu que os animais do seu convívio estavam com fome e precisavam
de alimento
□ Os animais de seu convívio se fizeram compreendidos pela cadela através de sua situação
de fome
□ A cadela aprendeu esse comportamento por repetições
□ A cadela tem predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
□ A cadela tem a intenção de estocar alimento para ela, mas é surpreendida pelos animais de
seu convívio
□ Nenhum fator específico
□ Não sei afirmar
21) É comum ver em jornais notícias de cães heróis que salvaram e protegeram pessoas do ataque
de outros cães ou animais ferozes. Qual ou quais fatores estão associados a esse evento?
□ Os cães podem entender racionalmente quando uma pessoa está em perigo
□ Os cães podem entender e sentir que uma a pessoa está em sofrimento e com dificuldade
□ As pessoas podem se fazer compreendidas pelos cães através de suas situações (perigo)
□ Os cães são capazes de aprender um comportamento por repetições
□ Os cães têm predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
□ Os cães interferem por achar que a agressão seja contra eles mesmos
□ Nenhum fator específico
□ Não sei afirmar
Gostaríamos de saber o quanto você concorda ou não com cada uma dessas afirmações.
22) Sinto angústia ao ver um cão na rua magro ou ferido.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
23) Sinto-me mais leve ou feliz ao ver um filhotinho de cachorro brincalhão.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
24) Quando o proprietário de um cão está feliz ou triste, o cão dele é capaz de absorver esses
estados e compartilhar dos mesmos.
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
25) Quando um cão vê outro cão feliz, triste ou com medo, ele é capaz de absorver e também
apresentar esses estados.
□ Discordo totalmente
103
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
26) Cães mais do que peixes são capazes de sentir o mesmo que pessoas estão sentindo
(felicidade; tristeza; medo).
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
□ Nenhum dos dois é capaz
27) Cães mais do que bois são capazes de sentir o mesmo que pessoas estão sentindo (felicidade;
tristeza; medo).
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
□ Nenhum dos dois é capaz
28) Cães mais do que gatos são capazes de sentir o mesmo que pessoas estão sentindo (felicidade;
tristeza; medo).
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
□ Nenhum dos dois é capaz
29) Cães mais do que papagaios são capazes de sentir o mesmo que pessoas estão sentindo
(felicidade; tristeza; medo).
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
□ Nenhum dos dois é capaz
30) Cães mais do que cavalos são capazes de sentir o mesmo que pessoas estão sentindo
(felicidade; tristeza; medo).
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
□ Nenhum dos dois é capaz
104
31) Cães mais do que porcos são capazes de sentir o mesmo que pessoas estão sentindo
(felicidade; tristeza; medo).
□ Discordo totalmente
□ Discordo parcialmente
□ Não concordo nem discordo
□ Concordo parcialmente
□ Concordo totalmente
□ Nenhum dos dois é capaz
32) Em que grau os cães podem sentir e compreender o que pessoas estão sentindo (felicidade;
tristeza; medo)?
□ Nenhum □ Baixo □ Médio □ Alto
33) Qual desses animais é mais capaz de sentir o mesmo que pessoas estão sentindo (felicidade;
tristeza; medo)?
□ Nenhum □ Papagaio □ Peixe □ Gato
□ Cavalo □ Cão □ Porco □ Boi
105
APÊNDICE C – Representação dos números nas Tabelas 10, 11 e 12
Presente na Tabela 16 e Tabela 17
1.Os cães podem entender racionalmente quando seu dono está retornando para casa
2.Os cães podem sentir que seu dono está retornando para casa
3.Os cães podem prever que seu dono está retornando para casa
4.Os cães são capazes de perceber sinais imperceptíveis aos sentidos humanos
5.Os cães são capazes de aprender um comportamento por repetições
6.Os cães têm predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
7.Nenhum fator específico
8.Não sei afirmar
Presente na Tabela 16
1.Os cães podem entender racionalmente quando uma pessoa boceja e imitar
2.Os cães podem entender e sentir que uma pessoa está bocejando e bocejar por contágio
3.As pessoas podem se fazer compreendidas pelos cães através de seu bocejo
4.Os cães podem aprender esse comportamento por repetições e imitação
5.Os cães têm predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
6.Essa reação é aleatória, não tem relação direta com o bocejo humano
7.Nenhum fator específico
8.Não sei afirmar
Presente na Tabela 17
1.Os cães podem entender racionalmente o que o seu dono está sentindo
2.Os cães podem sentir que seu dono está sentindo
3.As pessoas podem se fazer compreendidas pelos cães através de suas situações
4.Os cães podem aprender esse comportamento por repetições
5.Os cães têm predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
6.Cães tendem a ficar próximo de seus donos, porém não percebem seu estado emocional
7.Nenhum fator específico
8.Não sei afirmar
Presente na Tabela 17
1.Os cães podem entender racionalmente quando o seu dono está fora e por isso sentem
ansiedade que inibe o apetite
2.Os cães podem entender e sentir que seu dono está fora e pela falta de trocas emotivas
positivas não sente fome
3.As pessoas podem se fazer compreendidas pelos cães através de suas presença o que os
deixa calmo e estimula o apetite
4.Os cães podem aprender esse comportamento por repetições
5.Quando estão sozinhos os cães priorizam outras atividades
6.Nenhum fator específico
7.Não sei afirmar
106
Presente na Tabela 16 e Tabela 18
1.A cadela entendeu racionalmente que os animais do seu convívio estavam com fome e
precisavam de alimento
2.A cadela entendeu e sentiu que os animais do seu convívio estavam com fome e precisavam
de alimento
3.Os animais de seu convívio se fizeram compreendidos pela cadela através de sua situação de
fome
4.A cadela aprendeu esse comportamento por repetições
5.A cadela tem predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
6.A cadela tem a intenção de estocar alimento para ela, mas é surpreendida pelos animais de
seu convívio
7.Nenhum fator específico
8.Não sei afirmar
Presente na Tabela 17
1.Os cães podem entender racionalmente quando uma pessoa está em perigo
2.Os cães podem entender e sentir que uma a pessoa está em sofrimento e com dificuldade
3.As pessoas podem se fazer compreendidas pelos cães através de suas situações (perigo)
4.Os cães são capazes de aprender um comportamento por repetições
5.Os cães têm predisposições inatas para a realização de ações intuitivas, sem reflexão
6.Os cães interferem por achar que a agressão seja contra eles mesmos
7.Nenhum fator específico
8.Não sei afirmar
107
APÊNDICE D – Resultados apresentados no 26th Human Behavior and Evolution Society
Conference (apresentação oral)
Empatia: um estudo preliminar sobre o ponto de vista de médicos veterinários
Empathy: a preliminary study about veterinarians‘ point of view.
Edilberto Martinez*, Angela Oliva Donato*
*Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Psicologia Social e
Institucional, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
1. Resumo
Cães e humanos dividem o mesmo nicho há pelo menos 30 mil anos. Pesquisas
sugerem que a empatia pode ser uma característica universal dividida por ambos. O objetivo
desse estudo foi estimar como veterinários entendem a empatia como um processo que faz
parte do comportamento de alguns animais, especialmente o cão. Cinquenta questionários
foram aplicados para estudantes e profissionais de veterinária. A maioria dos entrevistados já
tiveram cão como animal de estimação ou outros tipos de animais domésticos, por exemplo,
gatos. A maioria das respostas apontam que: cães possuem alto desenvolvimento empático;
cães são capazes de assimilar o estado emocional de seus tutores e de outros cães; outros
mamíferos não-humanos são capazes de ter empatia com o outro; cães demonstram mais
empatia que gatos. Apesar das semelhanças nas respostas, as mulheres, mais que os homens
associaram o comportamento de proteção dos cães à empatia. Apesar das poucas diferenças,
parece que profissionais e estudantes da área de veterinária tem ideias parecidas a respeito da
empatia em animais. Há uma concordância geral de que cães possuem mecanismos empáticos
mais afinados que outros grupos de animais domésticos. Talvez os longos anos de
coexistência com humanos permitiu a eles aprimorarem suas habilidades empáticas pré-
existentes.
Palavras-chaves: empatia, cães domésticos, psicologia evolucionista.
2. Abstract
Dogs and humans share the same niche for at least 30,000 years. Research suggests
that empathy can be a universal characteristic shared by both. The aim of this study was to
108
estimate how veterinarians understand empathy as an existing process underlying some
animals, especially in dogs. Fifty questionnaires were applied to veterinary students and
professionals. Most interviewed has owned dog as a pet or other domestic animals, such as
cats. The main results indicated indicate that: Dogs have a high empathic development; dogs
can assimilate emotional state of their owners and other dogs; other non-human mammals
have empathy to another; dogs show more empathy then cats. Although the similarities in
answers, women, more than men, attribute to empathy mechanism the protective behavior in
dogs. Despite a few differences, it seems that veterinary students and professionals have
similar ideas about empathy occurring in animals. There is a general agreement that dogs have
higher and more accurate empathy skills than other groups of domestic animals. Perhaps years
of coexistence with humans allowed them to improve their pre-existing empathic abilities.
Keywords: empathy, domestic dogs, evolutionary psychology
3. Introdução
O estudo da empatia de animais está em ascensão e tem recebido grandes
contribuições da perspectiva evolucionista. Preston e De Waal (2002) acreditam que a
empatia seja um fenômeno filogeneticamente contínuo com subclasses, ao alcance de todos os
mamíferos, como sugerido por Charles Darwin, há mais de um século atrás (1871/1982). Para
os seres humanos, atividades de confortar, ajudar e compartilhar podem ser motivadas por
respostas empáticas. Desde a descoberta da relação entre a empatia e os ―neurônios espelho‖,
estudos passaram a investigar as bases biológicas da empatia como parte do novo campo da
neurociência social (Decety & Ickes, 2009). A empatia pode ser subdividida de acordo com
Falcone (1999; 2003) em três dimensões: afetiva, cognitiva e comportamental. Em animais, as
emoções também têm sido medidas através do componente comportamental ou
neurofisiológico (Reimert, Bolhuis, Kemp & Rodenburg, 2013). Vários estudos com
diferentes espécies de primatas procuram por evidências destes comportamentos, como
indicadores de empatia emocional através do aprendizado vicário e modulação social (Edgar,
Nicol, Clark & Paul, 2012; Suchak & De Waal, 2012). Assim, a empatia pode ser uma
característica universal dos seres humanos e ainda ser compartilhada, de alguma forma, por
outras espécies sociais, a exemplo a dos cães (Canis lupus familiaris) (Silva & de Sousa,
2011). Existe uma relação direta entre o comportamento altruísta e empatia (Wilhelm &
Bekkers, 2010), apesar de relatos em noticiários de comportamentos de ajuda em cães e
outros animais, não existem estudos empíricos capazes de comprovar esse fenômeno.
109
A abordagem para além da empatia nos seres humanos, atualmente na literatura há um
controverso debate a respeito da empatia e da motivação do bocejo por contágio em cães.
Existem basicamente duas linhas, uma que aponta indícios de mecanismos empáticos
relacionados ao bocejo em cães (Demuru & Palagi, 2012) e outra que argumenta não existir
evidências concisas que levem a essa crença (O‘Hara & Reeve, 2011). Entretanto alguns
pesquisadores defendem a existência de formas rudimentares de empatia nesse fenômeno,
uma vez que os cães ajustam seus comportamentos aos dos seres humanos através da
modulação, decodificação e aprendizado dos sinais interespecíficos adquiridos durante os
milhares de anos de seleção e evolução (Hare & Tomasello 2005; Joly-Mascheroni, Senju &
Shepherd, 2008; Madsen & Persson, 2013; Romero, Konno & Hasegawa, 2013; Silva &
Sousa, 2011; Silva, Bessa, Sousa, 2012; Topál, Miklósi, Csányi & Dóka, 1998). Seria, pois,
em cães, o bocejo por contágio, modulado por componentes afetivos do comportamento,
levando a crer que formas rudimentares da empatia estão presentes. Durante a co-evolução
ambas as espécies desenvolveram de formas semelhantes dispositivos primitivos da relação
empatia-bocejo, permitindo o sincronismo do bocejo entre elas (Romero & Hasegawa, 2013).
O lobo (Canis lupus) é o ancestral comum do cão moderno (Pollinger et al., 2010;
Serpell, 1995). Há mais de 100 mil anos em diferentes regiões do mundo houve de forma
espontânea a aproximação entre os seres humanos e os lobos (Schleidt & Shalter, 2003;
Serpell, 1995; Vilà et al., 1997). As alterações posteriores a esse feito em ambas as espécies
são melhores compreendidas como coevolução social (Faragó et al., 2014; Miklósi & Gácsi,
2012; Miklósi & Topál, 2013; Schleidt & Shalter, 2003; Wang et al., 2013) que pode ser
entendida como alterações ocorridas no âmbito sócio ambiental, que levou ambas as espécies
a modificar a maneira com a qual elas interagiam com o ambiente e indivíduos do seu
convívio, ao passarem a trocar experiências para a sobrevivência e estruturas da composição
familiar, levando inclusive a mudanças gênicas. Como resultado desta evolução física e
social, os cães adquiriram a capacidade de compreender e comunicar com os humanos, sendo
mais bem sucedido do que qualquer outra espécie moderna (Berns, Brooks & Spivak, 2012).
Umas das primeiras evidências do vínculo emocional entre ser humano e cão ocorreu
em uma região do Oriente Médio, onde diversos fosseis de humanos abraçados com cães
foram encontrados e datados de 14 mil anos (Morey, 1994; Tchernov & Valla, 1997). Desde
sua domesticação os cães foram selecionados para diferentes funções, entre elas, proteção de
grupos humanos, pois afastavam e enfrentavam predadores ou alarmavam sobre a presença
deles nas cercanias das pessoas (Vilà et al., 1999). Apesar das controvérsias sobre a
domesticação dos cães (Lopes, 2012; Serpell, 1995), é provável que nossos ancestrais ao
110
saírem para caçar deixassem seu núcleo familiar sob os cuidados das mulheres. Nesse
contexto, os cães passaram a ter um importante papel social de proteção dos humanos. Existe
a possibilidade de o maior contato com mulheres ter influenciado a ontogênese desses animais
predispondo-os a interagirem mais com elas. Devido a processos histórico-sociais, existe
diferença na comunicação verbal entre homens e mulheres, tendo estas últimas maior
predisposição em empregar a linguagem como uma ferramenta relacional (Prato‐Previde,
Fallani & Valsecchi, 2006). Ainda segundo esses autores, as mulheres usam um número
maior de expressões verbais do que os homens e esse fenômeno também pode ser observado
na relação humano-cão. Complementando essa ideia, alguns trabalhos relatam que cães de
abrigo reagem mais defensivamente e agressivamente a homens desconhecidos do que a
mulheres desconhecidas e que mulheres tendem a se relacionar mais afetivamente com cães
do que homens (Lore & Eisenberg 1986; Wells & Hepper 1999; Blouin, 2012). Apesar do
sistema nervoso ocitonérgico ser equivalente entre homens e mulheres, os hormônios
esteroides femininos exercem grande influencia na liberação de ocitocina (Uvnas-Moberg &
Petersson, 2005). Estímulos emocionais estão diretamente ligados a liberação endógena de
ocitocina, isso explica as diferenças entre sexo e interpessoais sobre os efeitos da ocitocina no
comportamento do indivíduo (Argiolas & Gessa, 1991). Nas mulheres os comportamentos de
apego, afeto e cuidado relacionados a cães são mais desenvolvidos que em homens (Miura,
Bradshaw & Tanida, 2000; Prato‐Previde et al., 2006), de acordo com Paul e Podberscek
(2000), a diferença de opinião e atitude entre homens e mulheres para com os animais é um
fenômeno comum independentemente da cultura.
Diversas pesquisas sugerem que estudos com cão doméstico podem ajudar a explicar a
evolução da capacidade comunicativa humana, mediante as similaridades funcionais no
comportamento sóciocognitivo de ambos, como uma consequência das pressões seletivas
ambientais sofridas entre essas duas espécies (Cooper et al., 2003; Faragó et al., 2014;
Kubinyi, Virányi & Miklósi, 2007; Kuhl, 2011; Miklósi & Gácsi, 2012; Miklósi & Topál,
2013; Serpell, 1995; Wang et al., 2013). Seres humanos e os cães compartilham o mesmo
nicho a milhares de anos e desde então cães participam e interagem socialmente com eles,
desenvolvendo trocas e mecanismos recíprocos para o estabelecimento da comunicação
(Miklósi & Topál, 2013). A troca de nicho feita pelo lobo só poderia ser atingida se fosse
acompanhada por mudanças comportamentais. Deve-se ter em mente que em condições
ambientais similares há a possibilidade do surgimento de traços comportamentais
semelhantes, mesmo entre espécies distantes evolutivamente (Lorenz, 1974) que
compartilham do mesmo meio socioambiental. A seleção natural conduzida pelas
111
convergentes pressões ambientais pode ter funcionado de forma similar na configuração de
alguns genes no genoma de ambas as espécies (Wang et al., 2013). Os processos seletivos
durante a coevolução permitiu o amansamento dos cães e a capacidade de compreender pistas
humanas e seus estados emocionais. É possível presumir que as alterações ocorridas entre os
lobos e os cães, tenha sido um passo evolutivo no que diz respeito ao aumento das habilidades
de sociabilidade, cooperativas e comunicativas, similares às observadas no ancestral comum
do Homo sapiens (Kubinyi, Virányi & Miklósi, 2007). Ambas as espécies compartilham
semelhanças sociais, no que diz respeito aos cuidados com o núcleo familiar e provisão de
recursos alimentares e abrigo para sua prole e membros de seu convívio (Morey, 1994). A
seleção artificial agiu diretamente sobre a capacidade cognitiva de cães, atuando diretamente
nos genes envolvidos em processos neurológicos (Wang et al., 2013). Assim como, alterações
em componentes auxiliares de comportamento podem ter facilitado a manifestação das
habilidades cognitivas pré-existentes em um ambiente antropogênico (Cooper et al., 2003),
uma vez que ações dos seres humanos alteraram tanto o meio ambiente quanto características
filogenéticas dos cães.
Embora seja um constructo mental, a empatia influencia nas relações interpessoais e
entre pessoas e animais (Silva & Sousa, 2011). Os estudos de Custance e Mayer (2012) e
Spinka (2012) destacam que tanto animais quanto seres humanos são capazes de se relacionar
por trocas emocionais. Nos últimos anos ocorreu um aumento do uso de terapia animal em
pacientes acometidos por diferentes patologias dentro de algumas clínicas e hospitais por todo
o mundo (Koivusilta & Ojanlatva, 2006). Os resultados com esses pacientes indicam um
aumento no comportamento social e uma diminuição no comportamento agressivo ou na
melhora de índices fisiológicos durante o contato com cães e outros animais (Adams, 2010;
Chandler, 2012; Marcus et al., 2012; Perkins, Bartlett, Travers & Rand, 2008; Pichot, 2013;
Silva & de Sousa, 2011; Wells, 2009). Em cavalos, o sistema límbico bem desenvolvido está
relacionado com a capacidade em demonstrar afetividade. As variadas formas comunicativas
em cavalos permite a seres humanos criar um canal de linguagem convencional e acessível a
eles (Lermontov, 2004). Roberts (2002) observou a estrutura social dos cavalos e constatou
um sistema matriarcal no qual as éguas educam os jovens potros através da linguagem
corporal condicionada a respostas comportamentais e emocionais. Esse tipo de comunicação
foi apropriado por diversos centros terapêuticos como, por exemplo, a equoterapia terapia
com o uso do cavalo, onde esses animais são utilizados para a reabilitação psicomotora de
seres humanos (Janura, Peham, Dvorakova, & Elfmark, 2009; Medeiros & Dias, 2003).
Estudar a empatia em cães e outros animais pode ajudar a compreender características
112
humanas (Miklósi & Gácsi, 2012; Miklósi & Topál, 2013; Silva & de Sousa, 2011; Wang et
al., 2013), mas essa investigação é recente, além de controversa. Por não ser consensual,
mesmo em estudiosos da área podemos encontrar ideias díspares.
Tendo em vista estudos recentes sobre empatia, principalmente quando se pensa sobre
animais não humanos, fica-se com a duvida se há por parte de profissionais e técnicos de
áreas biológicas a incorporação de um constructo estudado inicialmente por psicólogos. A
empatia como uma ferramenta a ser trabalhada pode atuar além dos consultórios e dinâmicas
desenvolvidas por psicólogos e ser incluída como ferramenta, também, pelos os médicos
veterinários. No estudo de Tréz e Nakada (2008) sobre a percepção de professores e alunos
com a experimentação de animais, constatou-se que ao agrupar diferentes espécies em termos
de preferência para uso em experimentação, há uma prioridade para retirada de mamíferos dos
procedimentos e a sua substituição por insetos, anfíbios e répteis, sendo o cão o primeiro da
lista ausente. Claramente eles levaram em conta a familiaridade e relações mais próximas dos
grupos de animais com os seres humanos. Embora haja muitas pesquisas sobre o tema, não se
sabe o real impacto que elas têm na formação de profissionais que trabalham diretamente com
animais. Por essa razão, considera-se relevante fazer um mapeamento preliminar das
―opiniões‖ de profissionais que têm acesso à leitura especializada e, de certo modo, estariam
relativamente informados sobre esse tema. O objetivo do presente estudo foi fazer um
levantamento em uma população de estudantes e profissionais de medicina veterinária com a
finalidade de saber como eles entendem a empatia em alguns animais. A ideia norteadora
desta investigação foi descrever, de certo modo, o grau de conhecimento e crença que eles
apresentam sobre os mecanismos empáticos, especialmente em cães.
4. Material e Métodos
4.1 Participantes
A amostra foi constituída por estudantes de qualquer período, ex-alunos e professores
universitários, sendo 62% do sexo feminino e 38% do sexo masculino, do curso de Medicina
Veterinária da Universidade de Brasília (UnB) totalizando 50 entrevistados, aqueles
respondentes que não se encaixaram nesse perfil foram eliminados da amostra. Destaca-se que
há uma tendência de majoração do sexo feminino no curso: segundo Brasil (2013), em 2012,
72% dos alunos regulares eram mulheres.
113
4.2 Instrumentos
Foi aplicado um questionário estruturado com 27 perguntas de múltiplas escolhas e
com 17 opções de respostas do tipo Likert, quatro respostas dicotômicas e seis categóricas,
todas de resposta única e mutuamente exclusivas, sendo 10 delas do que diz respeito a
intimidade do entrevistado com cães e condições impostas a eles, e outras 17 eram sobre
empatia ou evidências dela em cães, assim como em outros animais. Os dados foram
coletados por via eletrônica, através da rede mundial de computadores (Internet).
4.3 Procedimentos
Uma página eletrônica da comunidade universitária de medicina veterinária da UnB
foi identificada em uma rede social de computadores, o Facebook. Durante os dias 22 de abril
de 2014 a 27 de abril de 2014, foi enviado e disponibilizado para a página o formulário
através de um endereço eletrônico para documentos no Google Doc. No cabeçalho do
formulário havia um termo de consentimento livre e esclarecido, além de uma solicitação na
qual enfatizava que apenas estudantes e profissionais de medicina veterinária deveriam
participar da pesquisa. Essa comunidade do Facebook é um grupo fechado e apenas médicos
veterinários com vínculos na UnB e estudantes ou ex-alunos de medicina veterinária da UnB
podem ser membros. A participação era livre e nenhum tipo de remuneração ou vantagem
pessoal foi oferecido para os participantes.
4.4 Análises Estatísticas
Foi realizada estatística descritiva dos dados e para testar se houve diferença estatística
entre os respondentes, para cada questão foi aplicado o teste estatístico qui-quadrado (χ²). Foi
aplicado o teste Mann-Whitney para saber se as amostras possuíam distribuições diferentes
quando considerados: o sexo; o participante com animal de estimação; o participante com cão
como animal de estimação.
5. Resultados
As respostas dos participantes foram agrupadas e analisadas segundo quatro
condições: respostas de todos os entrevistados; respostas dependentes do sexo dos
114
respondentes; respostas dependentes de ter em determinado momento o cão como animal de
estimação; respostas dependentes de ter em determinado momento algum animal de
estimação. Foram encontradas diferenças estatísticas em diversas respostas de todos os
entrevistados. Entretanto, quando o sexo era a variável em questão apenas no item relacionado
a trabalhos desenvolvidos em ONG‘s houve diferença estatística significativa. Porém, para as
situações de ter animal de estimação (seja cachorro ou outro) não foi encontrado nenhum item
com diferença estatística significativa entre os respondentes. A maioria dos respondentes
(98%) possui ou já possuiu algum animal de estimação, sendo o cão presente em 92% dos
lares (Tabela 1). A totalidade dos respondentes adotaria um cão abandonado ou de abrigo se
tivesse oportunidade. Todos informaram que ficariam comovidos ao ver um cão em
sofrimento e todos se sentem bem ao ver um filhote brincalhão. Mais de 90% deles acreditam
que mamíferos não humanos manifestam empatia e afirmam que cães são capazes de
assimilar estados emocionais de seus donos e de outros cães (Tabela 1).
Tabela 1. Opinião de todos os respondentes sobre a ocorrência de empatia em animais,
principalmente cães.
Características e opiniões dos respondentes % Z; χ2
Sexo Feminino 62 2,88; p>0,05
Possui animal de estimação 98 46,08; p<0,05
Possui cão 92 35,28; p<0,05
Concorda com ONG‘s 86 62,68; p<0,05
Cão de abrigo não sofre mais do que cão de rua 68 27,16; p<0,05
Adotaria cão abandonado 100 -
Concordam com eutanásia 84 58,84; p<0,05
Comovem-se com cães (brincalhões ou sofrendo) 100 -
Mamíferos manifestam empatia 94 82,84; p<0,05
Cães tem alto grau empático 72 37,96; p<0,05
Cães assimilam estados emocionais de outros 98 46,08; p<0,05
Ao serem questionados sobre situações verídicas, envolvendo cães, ocorridas em
diferentes situações do cotidiano, boa parte dos respondentes atribuiu à empatia a motivação
para a manifestação do comportamento exibido pelo cão em cada uma das situações.
Consideraram que é graças à capacidade empática que cães: protegem seres humanos de
agressão de outros animais; compartilham alimentos com membros do grupo sejam eles cães
ou não; comem apenas na presença de seus cuidadores; bocejam ao ver uma pessoa bocejando
(Tabela 2).
115
Tabela 2. Opinião de todos os respondentes sobre situações reais vivenciadas por cães e/ou
pessoas e qual a natureza da ação que os impulsionam.
(%) Empatia
Condicio-
namento
Premo-
nição
Nenhu
m Fator
Não sabe
afirmar
Z;
χ2
Proteger de ataques 74 6 4 4 12 92,20;
p<0,05
Levar comida 58 16 4 4 18 49,40;
p<0,05
Bocejar ao ver outro 32 12 0 10 46 17,68;
p<0,05
Comer na presença 40 2 36 6 16 29,8;
p<0,05
Retorno de pessoas 18 32 22 6 22 8,8;
p>0,05
A maior parte dos respondentes considera que cães apresentam e expressam mais
empatia quando comparados com aves e peixes (Tabela 3). Entretanto, na comparação com
gatos houve uma polarização e a diferença foi evidenciada apenas para os indecisos (Tabela
3). Já para equinos, bovinos e suínos não houve diferença estatística significativa entre as
respostas (Tabela 3).
Tabela 3. Opinião de todos os respondentes sobre a comparação entre cães e outros animais
quanto a habilidades empáticas.
Cães possuem
mais empatia que Concorda(%)
Não concorda
e nem
discorda(%)
Discorda(%) Z;χ2
Aves 58 22 20 13,72; p<0,05
Peixes 68 24 8 49,40; p<0,05
Gatos 54 10 36 14,68; p<0,05
Equinos 38 24 38 1,96; p>0,05
Suínos 48 30 22 5,32; p>0,05
Quando analisados por sexo: 62% das mulheres e 26% dos homens concordaram com
trabalhos desenvolvidos por ONG‘s de resgate de animais (U=208,50, Z= -2,85 e p<0,05),
sendo que 10% dos homens discordam dos trabalhos desenvolvidos nesses locais, enquanto
nenhuma mulher discordou.
116
6. Discussão
Por suposto, médicos veterinários e estudantes de medicina veterinária têm afinidade
por animais e possuem embasamento teórico sobre diferentes aspectos inerentes a eles em
geral. Quase a totalidade dos respondentes já possuiu algum tipo de animal de estimação
sendo o cão o mais comum entre eles (Tabela 1). A formação acadêmica e a proximidade com
esses animais respaldam os entrevistados na ponderação de assuntos ligados ao
comportamento e modo de vida dessas espécies.
Para a maioria dos entrevistados, cães de rua passam por mais dificuldades que cães
situados em abrigos (Tabela 1). É possível que a motivação dessa resposta seja fundamentada
no fato de, enquanto profissionais da área, saberem que o abrigo deve ser um local com
higiene e recursos alimentares básicos adequados para esses cães. Cães de rua urbanos devem
cobrir extensas áreas para encontrar recursos alimentares e guaridas seguras, além de competir
com outros cães por território e alimentos, por exemplo. Ao perambularem muitos correm os
riscos de serem atropelados, sofrerem outros tipos de traumas e injúrias, além de serem
acometidos por enfermidades devido seu crítico estado nutricional e de saúde. Por entenderem
que esse modo de vida não é ideal para esses animais, todos os entrevistados afirmaram que
adotariam cães de abrigo ou abandonados se tivessem oportunidades e meios adequados para
isso. Apesar da polêmica do tema, eutanásia de animais, assim como no estudo de Manzano et
al. (2007), a maioria dos entrevistados é favorável a prática desse método (Tabela 1). Isso
mostra que médicos veterinários estão cientes das suas obrigações, dos princípios básicos de
saúde pública, legislação de proteção aos animais e normas definidas pelo Conselho Federal
de Medicina Veterinária, onde se considera que a eutanásia, quando um procedimento
necessário, deve ser empregada de forma científica e tecnicamente regulamentada, e que deve
seguir preceitos éticos específicos (Conselho Federal de Medicina Veterinária, 2012).
A totalidade dos entrevistados respondeu que compartilha de sentimentos parecidos e
empatiza com cães em situações distintas como, por exemplo, quando expressam angústia
devido alguma injúria, ou em condição de brincadeiras (Tabela 1). Esses tipos de trocas
sociais entre pessoas e cães estimulam mecanismos relacionados com a dimensão emocional
da empatia. Quando positiva pode gerar bem-estar nos envolvidos, esse é um dos princípios
levados em conta na terapia animal com pacientes humanos, cães e outras espécies são
utilizados em alguns centros médicos para confortar e auxiliar na recuperação tanto física
quanto mental de pessoas lá internadas. Quase todos os entrevistados acreditam que
mamíferos não humanos são capazes de expressar empatia e afirmam que cães têm alto ou
117
médio grau dela e atribuem a eles a capacidade de assimilar estados emocionais de seus donos
e de outros cães (Tabela 1). Essas habilidades em cães podem ser explicadas devido à própria
evolução da espécie. Apesar da carência de estudos a respeito de contágio emocional em cães,
em acordo com dados empíricos, teóricos e de conhecimento popular, os entrevistados
consideram que eles possuem a capacidade de adquirir contágio emocional e são equipados
com uma complexa estrutura cognitiva.
A maioria dos respondentes considerou que cães agem em defesa de seres humanos
que estão sendo atacados ou prestes a sofrerem um ataque por outro animal, pois conseguem
compreender o perigo eminente e tomam a decisão de interferir em defesa de um ser humano
(Tabela 2). A percepção dos entrevistados sobre essa condição caracteriza a capacidade dos
cães em manifestar empatia cognitiva, pois de certa forma compreendem o cenário e tomam
uma atitude sem necessariamente sentir as mesmas sensações do outro e pode ter influência
da maneira que os mesmos foram domesticados para proteção do núcleo familiar contra
predadores. Esse comportamento é um benefício resultante da evolução social. Cães
modernos podem conter resquícios desses comportamentos e proteger pessoas de ataques de
outros animais instintivamente. Caso seja considerada a relação de proximidade e afeto entre
os envolvidos no exemplo a cima, talvez como em seres humanos, em cães, a empatia afetiva
pode ser complementada por componentes cognitivos que despertam e nutrem o envolvimento
afetivo presente em relações fortes.
A maioria dos entrevistados afirmou que a atitude da cadela de buscar comida para
membros de seu convívio, entre filhotes de cães e outros animais como gatos, se deve a
comportamentos empáticos (Tabela 2). O impulso altruísta relacionado a esse evento seria
uma resposta emocional e de ajuda imediata, como forma de solucionar a ansiedade pela fome
física do grupo. Em animais e humanos esses impulsos estão relacionados a aspectos
emocionais e comportamentais da empatia. Há também a possibilidade de essa resposta de
ajuda espontânea ter ocorrido devido ao altruísmo aprendido, resultante da aprendizagem
social e ao reforço positivo do comportamento.
No presente estudo a maioria dos respondentes não soube relacionar a algum
fenômeno específico o fato de cães bocejarem ao verem pessoas bocejando (Tabela 2).
Entretanto, quase um terço dos entrevistados está de acordo com alguns autores e
concordaram que a relação entre o bocejo e empatia não é exclusivo para os humanos. Ao ser
confrontados com a capacidade de alguns cães perceberem antecipadamente o retorno
inesperado de seus donos para casa, a maioria dos entrevistados justificou esse acontecimento
como uma resposta ao condicionamento (Tabela 2). Os respondentes consideram que os
118
animais podem sincronizar seus comportamentos com a rotina de pessoas de seu convívio
alterando seu estado nos horários próximos ao retorno delas para casa. Contudo, uma parcela
considerável dos entrevistados afirmou que cães o fazem devido a habilidades telepáticas
(premonição) (Tabela 2). De acordo com Sheldrake (1998), muitos proprietários de cães
acreditam que eles são capazes de perceber antecipadamente quando um membro humano de
seu convívio está por chegar a casa. Entretanto, deve-se levar em conta que cães possuem
sentidos como audição e olfato mais desenvolvidos que humanos, podendo então perceber o
retorno de alguém conhecido e não necessariamente antecipar de forma telepática.
Em nosso estudo ao comparar os cães com outros animais, os entrevistados acreditam
que as habilidades empáticas são maiores em cães do que em aves domésticas e peixes
(Tabela 3). É certo presumir que cães, mais que qualquer outra espécie doméstica, possuem
com os seres humanos um maior desenvolvimento cognitivo e comunicativo. Entretanto essa
mesma visão não foi constatada quando comparados com outras classes de animais
domésticos, como de companhia (gato) e de produção (suínos, bovinos e equinos). No geral,
os entrevistados não acreditam haver um maior desenvolvimento empático em cães que
nessas espécies (Tabela 3). Criadores de animais de companhia muita vezes são rotulados de
adoradores de cães ou adoradores de gato, sendo muito comum ver em notícias de internet a
polêmica entre eles, julgando qual animal é mais companheiro, fiel, brincalhão entre outras
qualidades. Essa mesma polarização ficou evidente no julgamento dos entrevistados a respeito
de quem tem mais empatia, cão ou gato (Tabela 3). Assim como os cães, os gatos convivem
há milhares de anos com os seres humanos e acredita-se que a separação com seu ancestral
comum se deu há mais de 10 mil anos (Beaver, 2003). Sendo assim, é esperado que
mecanismos parecidos que permitiram o desenvolvimento dos cães, agiram também nos
gatos, o que leva a pessoas sentirem e perceberem esses mesmos mecanismos empáticos em
gatos.
Com relação a animais de produção não houve diferença entre as opções de resposta
(Tabela 3). Talvez para bovinos e suínos um possível confundidor seja o fato de os
entrevistados serem estudantes ou profissionais médicos veterinários e terem testemunhado ou
aprendido que esses animais, por exemplo, percebem o sofrimento de um semelhante que está
na linha de abate em abatedouros. Ao ver um coespecífico ser abatido os animais se estressam
e como resultado instantâneo há o comprometimento da qualidade da carne a ser
comercializada. Isso ocorre devido a liberação em níveis altos de cortisol na corrente
sanguínea desses animais. Uma das normas do abate humanitário é a de que o animal
antecessor na linha de abate não veja o atual sofrer ou morrer (Ludtke et al., 2012). Já com
119
relação a cavalos, os entrevistados podem ter o conhecimento apurado de que eles vivem em
manadas e foram domesticados para atender a seres humanos há milhares de anos e se
comunicam através de uma desenvolvida linguagem corporal e emissão de sons. Os
entrevistados consideram que os cavalos e os cães não possuem diferença na acuidade dos
mecanismos empáticos (Tabela 3).
Segundo Kret e De Gelder (2012) as diferenças sexuais devem ser consideradas em
pesquisa que abordem o desenvolvimento afetivo, principalmente no âmbito da neurociência
afetiva, entretanto, foi encontrada diferença significativa de opiniões entre o sexo dos
respondentes em apenas um item. Um dado interessante é que nenhuma mulher declarou ser
contra os trabalhos desenvolvidos em ONG‘s. Concomitantemente, uma pequena parcela dos
homens se declarou contra esses trabalhos. Talvez por razões políticas e não afetivas
relacionadas a esse tipo de instituições. Quando os dados foram analisados quanto à posse de
cão ou de outro animal de estimação na vida particular, a maioria dos entrevistados afirmou
que já possuíram, entretanto, o fato de não ter possuído em nenhum momento da vida, não foi
um diferencial no que diz respeito às opiniões apresentadas. Nesta pesquisa, em geral, os
entrevistados independentes do sexo e da posse de cães ou de outro animal de estimação,
mantiveram o mesmo padrão de respostas.
A proximidade e afinidade de estudantes e profissionais médicos veterinários com
animais, em sua maioria antes mesmo do inicio do curso superior, permite a eles desenvolver
durante sua trajetória profissional um senso crítico bem elaborado sobre aspectos relacionados
a estados clínicos e psíquicos dos animais, uma vez que para compreender a fundo uma
patologia se faz necessário entender e observar como funciona o organismo como um todo. O
presente estudo corrobora a ideia de que esses profissionais e estudantes de maneira geral
estão de acordo que animais são capazes de reconhecer o estado de outros indivíduos. Para
eles, em cães, essa habilidade é mais apurada do que em outros grupos de animais. Estudos
mais específicos devem ser feitos para avaliar a profundidade do conhecimento técnico de
profissionais relacionados com estudos de animais sobre fatores relacionados a empatia para
gerar uma melhor condição de vida e bem-estar de animais domésticos e silvestres, além de
proporcionar um entendimento desses mesmos mecanismo em seres humanos, abrangendo
estados socioculturais relacionados a empatia.
120
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125
APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE
O (a) Senhor(a) está sendo convidado(a) a participar do projeto: Análise sobre o ponto
de vista da empatia comparativa em cães. O presente estudo tem como objetivo identificar a
capacidade de pessoas em perceber as habilidades empáticas e entender a empatia como um
processo intrínseco em alguns animais, especialmente cães. O seu nome não aparecerá e será
mantido o mais rigoroso sigilo através da omissão total de quaisquer informações que
permitam identificá-lo(a). O questionário será aplicado através de um formulário eletrônico.
Não existe obrigatoriamente um tempo pré-determinado para responder o questionário.
Informamos que o(a) senhor(a) pode desistir de participar da pesquisa em qualquer momento
sem nenhum prejuízo pessoal. Os dados e materiais utilizados na pesquisa ficarão sob a
guarda do pesquisador. Se o(a) senhor(a) tiver qualquer dúvida em relação à pesquisa, por
favor telefone para: Edilberto Nobrega Martinez, da instituição Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, telefone: (21) 99930-0306. Este projeto foi Aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa. Ao aceitar participar da pesquisa eletrônica, o(a) senhor(a) aceitará o TCLE.
O(a) senhor(a) não terá despesas e nem será remunerado(a) pela participação na pesquisa.
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APÊNDICE F – Identificação dos cães participantes
Balu, macho (Terrier Brasileiro) e Lulu, fêmea (Terrier Brasileiro)
Skinner, macho (Terrier Brasileiro) e Luna, fêmea (Terrier Brasileiro)
Draco, macho (Rhodesian Ridgeback) e Maia, fêmea (Rhodesian Ridgeback)
Bruck, macho (Rhodesian Ridgeback) e Kayla, fêmea (Rhodesia Ridgeback)