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O USO DOS MATERIAIS CURRICULARES EDUCATIVOS SOBRE MODELAGEM MATEMÁTICA NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES Wedeson Oliveira Costa 1 Universidade Estadual de Feira de Santana [email protected] Andréia Maria Pereira de Oliveira 2 Universidade Estadual de Feira de Santana [email protected] Resumo Neste artigo, nosso objetivo é compreender como os professores utilizam materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática em suas práticas pedagógicas. Esses materiais encontram-se disponíveis em um ambiente virtual denominado Colaboração Online em Modelagem Matemática (COMMa). Os dados referentes à pesquisa qualitativa foram coletados por meio da observação e da entrevista. A partir das análises dos dados, identificamos particularidades no uso dos materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática nas práticas pedagógicas dos professores no que se refere à interligação ao programa curricular da escola e como um norteador para a prática pedagógica. Os resultados evidenciam que a utilização dos materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática decorrem das finalidades estabelecidas pelos professores, permitem dar uma noção de como conduzir atividades de modelagem e auxilia na tomada de decisões para o desenvolvimento do ambiente de modelagem. Palavras-chave: Materiais Curriculares Educativos; Modelagem Matemática e Professores. Introdução A Internet possibilita novas formas de desenvolver atividades educacionais no ambiente escolar, bem como espaços de comunicação e discussão acerca das práticas pedagógicas na educação básica. Além disso, esse recurso de informação e 1 Bolsista de Iniciação Científica CNPq do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação (PPPG- UEFS) e aluno da Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Feira de Santana E-mail: [email protected] 2 Docente do Departamento de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Feira de Santana e do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual de Feira de Santana. E-mail: [email protected]

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VII CNMEM

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O USO DOS MATERIAIS CURRICULARES EDUCATIVOS SOBRE MODELAGEM MATEMÁTICA NAS PRÁTICAS

PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES

Wedeson Oliveira Costa1 Universidade Estadual de Feira de Santana

[email protected]

Andréia Maria Pereira de Oliveira2 Universidade Estadual de Feira de Santana

[email protected]

Resumo

Neste artigo, nosso objetivo é compreender como os professores utilizam materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática em suas práticas pedagógicas. Esses materiais encontram-se disponíveis em um ambiente virtual denominado Colaboração Online em Modelagem Matemática (COMMa). Os dados referentes à pesquisa qualitativa foram coletados por meio da observação e da entrevista. A partir das análises dos dados, identificamos particularidades no uso dos materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática nas práticas pedagógicas dos professores no que se refere à interligação ao programa curricular da escola e como um norteador para a prática pedagógica. Os resultados evidenciam que a utilização dos materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática decorrem das finalidades estabelecidas pelos professores, permitem dar uma noção de como conduzir atividades de modelagem e auxilia na tomada de decisões para o desenvolvimento do ambiente de modelagem. Palavras-chave: Materiais Curriculares Educativos; Modelagem Matemática e Professores.

Introdução

A Internet possibilita novas formas de desenvolver atividades educacionais no

ambiente escolar, bem como espaços de comunicação e discussão acerca das práticas

pedagógicas na educação básica. Além disso, esse recurso de informação e

1 Bolsista de Iniciação Científica CNPq do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação (PPPG-

UEFS) e aluno da Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Feira de Santana E-mail: [email protected]

2 Docente do Departamento de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Feira de Santana e do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual de Feira de Santana. E-mail: [email protected]

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comunicação pode configurar-se como espaços de ações e discussões acerca da

Educação Matemática.

Os ambientes virtuais1 da Internet além de subsidiar os professores sobre a

prática em sala de aula, também despertam para que eles desenvolvam as propostas

compartilhadas na virtualidade, tornando assim um espaço de desenvolvimento

profissional (BAIRRAL, 2007). Pesquisas têm sido realizadas para investigar como a

Internet modifica e/ou condiciona as práticas dos professores em atividades

matemáticas voltadas a geometria plana e espacial (BAIRRAL; GIMÉNEZ; TOGASHI,

2001), as práticas de modelagem matemática2 (BORBA et. al, 2007), dentre outras.

As discussões sobre a modelagem têm ocorrido cada vez mais em contextos

virtuais, em decorrência das dificuldades no contexto escolar oriundos da própria

prática docente, a insegurança do professor em trabalhar com a modelagem, além da

demanda de um ambiente virtual voltado para discutir e pesquisar colaborativamente

questões relacionadas à modelagem (BORBA et. al, 2007). Estudos têm evidenciado

essa insegurança dos professores em um ambiente de modelagem (OLIVEIRA;

BARBOSA, 2007), que é constituída quando eles se deparam com situações

imprevisíveis na sala de aula, bem como, às características inovadoras do ambiente de

modelagem, já que se diferencia da chamada “prática tradicional” do ensino de

matemática (BARBOSA, 2001).

Atualmente, encontram-se disponíveis três ambientes virtuais vinculados à

modelagem matemática, a saber: o Centro de Referência sobre Modelagem Matemática

no Ensino (CREMM3), o Centro Virtual de Modelagem (CVM4) e o Colaboração

Online em Modelagem Matemática (COMMa5). O CREMM é um ambiente virtual que

disponibiliza livros, produções acadêmicas (monografias, dissertações e teses) e artigos

em anais e revistas sobre pesquisas e práticas pedagógicas em modelagem matemática.

O CVM é um ambiente que possibilita interações virtuais por meio de fóruns,

hipertextos, chats, no qual ocorre troca de informações e experiências entre os usuários 1 De acordo com Bairral (2007), o ambiente virtual diz respeito a um sistema sócio-interativo

que envolve múltiplos elementos, de diferentes tipos e domínios: a comunidade constituída, as tarefas ou problemas, os discursos demandados, as colaborações estabelecidas, as ferramentas computacionais e situações concretas de aula que permitem aos usuários relacionarem em sua prática esses elementos.

2 Entendemos a modelagem matemática como “um ambiente de aprendizagem no qual os alunos são convidados a investigar por meio da matemática situações com referência na realidade ou em outras áreas da ciência”. (BARBOSA, 2007, p. 161)

3 Site: http://www.furb.br/cremm 4 Site: http://tidia-ae.rc.unesp.br/portal 5 Site: http://www.uefs.br/comma

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desse ambiente. O COMMa configura-se como um espaço de colaboração entre

professores e pesquisadores, em que o Grupo Colaborativo em Modelagem Matemática

(GCMM1) disponibiliza materiais curriculares educativos que são compostos por

atividades de modelagem que foram elaboradas e implementadas pelos professores

membros do grupo em suas práticas pedagógicas (PRADO et. al, 2009), de modo que

permite que outros professores suplementem esses materiais ao implementarem as

atividades em suas salas de aulas. A seguir, na próxima seção descreveremos acerca

desses materiais curriculares educativos produzidos pelo GCMM e a sua composição.

Nos ambientes virtuais, é notória uma atenção considerável nas pesquisas acerca

dos discursos e interações dos participantes (BORBA et. al, 2007; BAIRRAL, 2007).

Contudo, esses estudos não sinalizam sobre como os professores atuam nas salas de

aulas, em termos de mudanças nas práticas pedagógicas a partir do contato com esses

ambientes. Assim, utilizamos o COMMa, o qual é composto por materiais curriculares

educativos sobre modelagem matemática, que trazem as experiências e saberes de

professores do grupo que participaram da elaboração, implementação e análises desses

materiais, e por fim a socialização por meio da Internet.

Desta forma, buscamos analisar de que maneira os materiais curriculares

educativos sobre modelagem matemática são utilizados pelos professores em suas

práticas pedagógicas.

Materiais Curriculares Educativos

Para uma compreensão acerca dos materiais curriculares educativos e o uso na

prática pedagógica, Brown (2009) associa-os a uma música executada por inúmeros

artistas de formas distintas, em virtude das influencias culturais, fatores contextuais e

preferenciais. Apesar dos artistas, usarem partituras como base para apoiar as suas

práticas, durante a utilização da música é que ocorre parte do trabalho criativo. Esta

relação é similar com os materiais curriculares educativos e as práticas dos professores.

Os materiais curriculares educativos têm por finalidade a aprendizagem de

estudantes e professores. Nessa perspectiva, Steim e Kim (2009) argumentam que os

professores podem avaliar como ocorreu determinadas atividades num certo contexto e,

1 Projeto de extensão (Resolução UEFS/CONSEPE Nº. 120/2007) da Universidade Estadual de

Feira de Santana (UEFS) composto por 19 membros, entre pesquisadores da instituição, estudantes da Licenciatura em Matemática e professores da rede pública e privada da região de Feira de Santana, Bahia.

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daí, ter a possibilidade de levantar suposições sobre como poderia acontecer na sua sala

de aula, bem como inspirar a elaboração de novas atividades. Schneider e Krajcik

(2002) argumentam que os materiais curriculares educativos podem trazer descrições da

implementação em sala de aula, narrativas, registros dos alunos, comentários, etc.

Estudos mostram que a maneira como professores utiliza os materiais

curriculares educativos podem variar muito (REMILLARD, 2005), devido aos

diferentes objetivos apresentados pelos professores em contextos distintos. Nesse

sentido, Brown (2009) introduz o conceito de “capacidade de projeto pedagógico”

(PDC) para se referir “a capacidade de um professor em perceber e mobilizar recursos

existentes a fim de criar episódios pedagógicos. Desta forma, este conceito pode ajudar

a explicar porque dois professores altamente qualificados podem utilizar os mesmos

materiais curriculares de modos muito diferentes.

Tal conceito permite flexibilizar o uso dos materiais curriculares enquanto

mantém as expectativas para a aprendizagem do professor, reduzindo assim a tensão

entre o os controles externos, como a escola e a comunidade sob a autonomia do

professor em adaptar e improvisar os materiais.

Por isso, a necessidade de compreender melhor sobre o papel dos materiais

curriculares educativos, a fim de fornecer subsídios sobre sua utilização, já que a

implementação das atividades contidas nos materiais transcorrem por diferentes

ambientes, no que diz respeito à séries, instituições, classes sociais, comunidades, etc.

Diante dessas implicações, com a finalidade de promover o aprendizado dos

professores na incorporação da modelagem nas aulas, iremos em particular focar na

utilização dos materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática.

Materiais Curriculares Educativos sobre Modelagem Matemática

Os materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática é produzido

pelo Grupo Colaborativo em Modelagem Matemática (GCMM/UEFS), o qual elaboram

os materiais colaborativamente com a finalidade de apoiar os professores a

desenvolverem modelagem em suas aulas, por meio das experiências dos professores

membros do GCMM ao implementarem atividades de modelagem em suas práticas

pedagógicas e socializá-las por meio de um ambiente virtual denominado Colaboração

Online em Modelagem Matemática (COMMa). Além disso, eles são compostos por

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atividades de modelagem do caso 11, planejamentos da implementação feitos pelo

professor membro do GCMM, narrativas descrevendo como atividade foi implementada

na sala de aula, trechos de vídeos das aulas, registros de algumas resoluções dos alunos,

fórum e análises dos vídeos e registros feitas pelo GCMM.

Atualmente no ambiente virtual encontram-se disponíveis cinco atividades:

“Somos o que comemos?”, “Erradicação do Trabalho Infantil”, “Minha casa, minha

vida”, “Poupar água é investir no que existe de mais precioso: a Vida” e “Os efeitos da

maconha no organismo”. Neste artigo, focaremos nossas análises na utilização dos

materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática da atividade “Somos o

que comemos?”, em busca de tentar compreender como uma professora o utilizou em

prática pedagógica.

Contexto e Metodologia

Neste artigo, os dados apresentados foram coletados na aula da professora

Mara2, em uma escola da rede pública estadual, na cidade de Feira de Santana, na

Bahia. A coleta de dados ocorreu em duas aulas geminadas numa turma que

correspondia ao 6º e 7º ano do Ensino Fundamental. Essa turma tinha uma característica

peculiar, pois os alunos cursavam dois anos simultaneamente em um ano letivo, de

acordo com o Projeto de Regularização do Fluxo Escolar, cujo objetivo era a aceleração

dos estudos para alunos com atraso escolar.

A escolha deste contexto deveu-se a professora Mara ter tido um contato com os

materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática presentes no COMMa, a

partir da proposta da disciplina Instrumentalização para o Ensino de Matemática VIII

(INEM VIII) do curso de Licenciatura em Matemática da UEFS. A disciplina INEM

VIII traz no cronograma das atividades, uma experiência como professor na

implementação de uma atividade de modelagem. A professora da disciplina indicou o

ambiente virtual a fim de inspirá-la para a elaboração da atividade, daí a escolha da

professora Mara pela atividade sobre o tema Alimentação, em virtude de a escola estar

participando de um projeto sobre a alimentação dos alunos.

1 As atividades de modelagem, as quais o professor apresenta o problema, devidamente relatado

com dados quantitativos e qualitativos, cabendo aos alunos a investigação são nomeadas como Caso 1 (BARBOSA, 2003).

2 Pseudônimo adotado para a professora com o intuito de preservar sua identidade.

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Como o propósito deste estudo é compreender como os professores utilizam

os materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática produzidos

externamente aos seus contextos pedagógicos, essa pesquisa se insere numa abordagem

qualitativa, pois a intenção é analisar o uso dos materiais e não quantificá-los. Deste

modo, esta abordagem possibilitará compreender ou interpretar as ações voltadas à

prática docente, partindo do pressuposto de que “as pessoas agem em função de suas

crenças, percepções, sentimentos e valores e que seu comportamento tem sempre um

sentido, um significado que não se dá a conhecer de modo imediato” (ALVES-

MAZZOTTI, 2002, p. 131), precisando ser investigado. Assim, a observação tornou-se

um dos instrumentos de investigação mais apropriado, para que pudéssemos captar os

significados dos comportamentos observados.

Diante disso, utilizamos a filmagem da aula como procedimento de coleta afim

de que a observação pudesse ocorrer de forma repetidamente durante o estudo, em

busca de particularidades na prática pedagógica da professora Mara nos momentos da

aula. Ainda como instrumento, utilizamos a entrevista semiestruturada, as quais foram

baseadas nos estudos de Alves Mazzotti (2002), o qual se buscou entender os relatos da

professora acerca das análises sobre sua prática pedagógica, com base nos vídeos

apresentados durante a entrevista.

A entrevista seguiu-se com a seguinte dinâmica: inicialmente, apresentou-se os

vídeos presentes no ambiente virtual, e, posteriormente, os recortes dos vídeos da

implementação da atividade da professora entrevistada, com o intuito de relembrar

alguns momentos da atividade, que podia não ser lembrado durante a entrevista.

Ao final da filmagem da aula e posteriormente da entrevista, seguimos com a

transcrição desses dados a fim de trazer compreensões teóricas dos recortes escolhidos

com base no objetivo da pesquisa. Para analisar os dados foram realizadas leituras linha

por linha das transcrições da observação e da entrevista, seguido da elaboração das

categorias específicas relacionadas ao uso dos materiais curriculares educativos sobre

modelagem matemática (CHARMAZ, 2009).

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Materiais Curriculares Educativos sobre Modelagem Matemática nas práticas

pedagógicas dos professores1

Nesta seção, apresentaremos os dados referentes à prática pedagógica da

professora Mara, coletados a partir da implementação da atividade contida no material

curricular educativo sobre modelagem matemática e da entrevista, seguido das análises

dos discursos desses momentos. A dinâmica para a resolução da atividade escolhida

pela professora Mara foi de acordo como a apresentada nos materiais curriculares

educativos, o qual tratava acerca da alimentação dos alunos, com os dados quantitativos

e qualitativos sendo fornecidos na atividade, cabendo a eles a investigação e resolução

das questões. Assim, discutiremos duas categorias: o uso dos materiais curriculares

educativos interligado ao programa curricular da escola e o uso dos materiais

curriculares educativos com um norteador para a prática pedagógica.

O uso dos materiais curriculares educativos interligado ao programa curricular da

escola

Essa categoria representa a utilização dos materiais curriculares educativos sobre

modelagem matemática interligado a um projeto sobre o tema “Alimentação” que faz

parte do programa curricular da escola. A seguir, apresentaremos os dados referentes ao

momento em que a professora comunicou aos alunos que eles iriam fazer uma atividade

sobre alimentação, de acordo com o que já vinha sendo discutido durante a semana do

projeto.

Mara: A gente necessita ter uma boa alimentação, não é? Para a gente poder o quê? Se manter, não é? Para o nosso organismo estar em funcionamento direitinho. E quais foram às instruções que aqueles nutricionistas passaram para vocês, quem aqui ainda lembra?

Aluna 1: Comer muita verdura.

Nesse trecho, a professora Mara iniciou uma conversa informal com os alunos

acerca do tema, questionando-os sobre a necessidade de se ter uma boa alimentação,

para que o organismo possa se manter de acordo com as necessidades normais do ser

humano e estar em correto funcionamento. Durante esse anúncio, a professora retomou

as discussões realizadas por nutricionistas que participaram do projeto. Diante disso, a

1 Este artigo tem como foco compreender a utilização dos materiais curriculares educativos sobre

modelagem matemática em especial de uma professora da Educação Básica, neste caso, a professora Mara.

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professora questionou quais foram as instruções que eles passaram para os alunos e a

Aluna 1 respondeu que se deveria consumir verduras.

A partir do trecho apresentado, evidencia-se que a professora por meio do

contato com os materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática, pôde

inserir na disciplina de Matemática uma discussão sobre um tema não-matemático,

neste caso, o tema do projeto que era de caráter interdisciplinar. Na entrevista, a

professora Mara explicou como procederam as discussões com os alunos a partir da

inserção da atividade nesse projeto escolar. Além disso, como ela poderia iniciar a

conversa com os alunos nos momentos iniciais:

“O único contato que eles tinham era com aquele grupo de nutricionistas da

faculdade que já estavam aplicando o projeto. [...]1 O contato que eu tive

com eles foi esse daí na sala, para estar relembrando o que foi que eles

falaram, quais foram às instruções que eles deram... Para como é que os

meninos poderiam manter uma dieta saudável, não é? [...] Como eu já tinha

assistido alguns vídeos do COMMa, não é? Aí eu tive uma noção de como

era que a gente poderia estar fazendo o convite para estar desenvolvendo a

atividade de modelagem em sala de aula.” (ENTREVISTA). Nesse trecho da entrevista, a professora relatou que o contato dos alunos com o

tema foi por meio dos nutricionistas, que participaram do projeto interdisciplinar na

escola. O momento que ela discutiu o tema com os alunos foi somente a aula da

atividade. Assim, o seu papel era relembrar o que os nutricionistas haviam discutido

com eles nos momentos iniciais da atividade, sobre o que seria ter uma alimentação

saudável. Em outro trecho da entrevista, a professora mencionou que já tinha visto

alguns vídeos do COMMa, o que a possibilitou ter uma noção de como poderia realizar

essa conversa inicial com os alunos na atividade de modelagem.

Nesse sentido, esses trechos demonstram que os materiais curriculares

educativos sobre modelagem matemática favoreceram a inserção da disciplina

Matemática em projetos com temas relacionados a outras ciências, a partir do momento

que a professora Mara optou por inserir a atividade de modelagem no projeto escolar.

Desta forma, observa-se a utilização dos materiais curriculares educativos vinculados ao

programa curricular da escola, bem como a possibilidade de conexão entre ambos.

1 As reticências sinalizam pausas curtas no meio das falas, as reticências entre colchetes

sinalizam que ocorreram mais falas entre as que foram apresentadas nos dados e entre parênteses destacam as ações do indivíduo.

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O uso dos materiais curriculares educativos como um norteador para a prática

pedagógica

Essa categoria se refere aos momentos em que a professora Mara utilizou os

materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática como norteador para a

implementação da atividade em sua prática pedagógica, no sentido de obter orientações

acerca do fazer modelagem. A seguir, apresentaremos trechos em que a professora

deparou-se com a resistência dos alunos e questionamentos inesperados, os quais

impulsionaram uma mudança na sua postura durante a realização da atividade, neste

caso, no momento da leitura e interpretação das tabelas e na organização dos alimentos

por grupos alimentares.

Durante os dois momentos referidos, a professora Mara modificou a sua postura,

realizando uma ação similar a apresentada pela professora que socializou a sua

experiência da implementação da atividade por meio dos materiais curriculares

educativos.

O trecho abaixo se refere ao momento da leitura e interpretação das tabelas

presentes na atividade do MCE:

Mara: ... Então, eu vou pedir aí para vocês... Para cada grupo ler aí a

quantidade de... Os grupos, não é? As calorias que o nosso organismo precisa. Então lê aí Aluna 1 o Grupo 1. Quem aqui lê aí [...] Na tabela aqui, certo? Nessa tabela. O que é que o Grupo 1 diz?

Aluno 13: Cereais, pães... Mara: Ah... Um grupo ali leu. Aluno 13: Cereais, pães, raízes e tubérculos. Mara: Qual a quantidade de calorias que a gente tem que estar

ingerindo? Aluno 13: Cento e cinqüenta. Mara: E o número de porções diárias? Alunos: Oito.

Nesse trecho, a professora Mara mencionou que solicitaria que cada equipe lesse

os alimentos dos grupos alimentares e a quantidade de calorias que o organismo precisa

ingerir diariamente. Em seguida, a professora indicou qual equipe deveria ler,

solicitando para a Aluna 1 a leitura da tabela. Nesse momento, a leitura determinada não

foi realizada pela aluna. Diante disso, a professora Mara abriu a leitura para a turma,

deixando-a mais livre para quem quisesse realizá-la. Passado alguns instantes, o Aluno

13 realizou a leitura da tabela especificando quais os alimentos deste grupo. Depois

disso, a professora questionou qual a quantidade de calorias que precisa ser ingerido

diariamente nesse grupo e o aluno respondeu o que foi solicitado. Por fim, a professora

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apresentou outro questionamento, dessa vez acerca da quantidade de porções para o

mesmo grupo alimentar, sendo respondido nesse momento por parte dos alunos.

Após a solicitação da leitura que não foi realizada pela aluna, a dinâmica

escolhida pela professora Mara de realizar uma leitura compartilhada, ocorre de maneira

similar à apresentada nos materiais curriculares educativos, na qual a professora

convidou os alunos para realizarem a leitura da tabela, e, em seguida, questionava-os

acerca de cada item, de maneira mais aberta. Nesse sentido, esse trecho traz indícios de

que a professora Mara ao lidar com a resistência dos alunos na leitura da atividade, ela

retomou a dinâmica utilizada pela professora que socializou as suas experiências nos

materiais curriculares educativos. Nesse sentido, durante a entrevista questionou-se

acerca dessa dinâmica e a professora Mara relatou:

“O que eu pude notar na prática [da professora] é que ela foi fazendo a

leitura junto com os meninos e os meninos foram ajudando ela é... Fazendo a

leitura do texto. E já na minha [...] Só depois de tanto eu insistir, de tanto

pedir para eles lerem que eles foram lendo junto comigo e a leitura que eu

fui fazendo foi junto, não é? Eu fazendo a leitura e ao mesmo tempo tentando

indagar aos meninos o que é que eles tinham uma noção de porções, de

calorias” (ENTREVISTA).

Nesse trecho, Mara, inicialmente, relatou o que pôde observar na prática da

professora por meio dos Vídeos e Narrativa contidos nos materiais curriculares

educativos, o qual demonstra a professora realizando a leitura das tabelas passo a passo

em paralelo com os alunos. Contudo, durante a aula, os alunos apresentaram certa

resistência, possivelmente em virtude da postura imperativa no momento da solicitação

da leitura. Após a mudança da ação na prática pedagógica da professora, a atividade

seguiu adiante com a participação de um número maior de alunos, devido à socialização

da leitura, bem como por meio das indagações realizadas por ela.

No decorrer da aula, a professora Mara lidou com uma pergunta de uma aluna,

na questão que solicitava para os alunos organizarem os alimentos consumidos em

grupos alimentares:

Aluna 2: Professora e o café? Mara:

Onde é que a gente tem café aqui? (Olhando para a tabela dos Grupos Alimentares) Então, olha gente... Vamos observar aqui uma coisa. Ela me perguntou o café e o café à gente não tem nos grupos, então a gente vai colocar em outro grupo. Certo? A gente vai colocar no grupo “Outros”.

Quando a professora Mara observou que o café não se encontrava especificado

nos grupos alimentares da tabela, ela utilizou uma estratégia que a professora

11

apresentou na aba Narrativa nos materiais curriculares educativos, o qual foi negociado

com os alunos que os alimentos que não foram encontrados na tabela da ANVISA,

deveriam ser colocados em um grupo denominado de “Outros”:

“Durante a resolução das questões, principalmente a 2ª e a 3ª, surgiram questionamentos a respeito de alguns itens consumidos pelos alunos que não estavam na tabela de calorias da ANVISA (tabela 1) ou não constava na tabela de calorias elaborada por nutricionistas, por exemplo, café com leite, coca-cola, Nescau, cuscuz, balas. Diante disso, combinamos que esses itens receberiam a denominação de “Outros” e seriam colocados a parte” (NARRATIVA DOS MCE).

Além disso, na aba dos Registros dos alunos, encontram-se documentos que

expressam a soluções dos alunos utilizando esse artifício de separação dos grupos

alimentares. Assim como a professora dos materiais curriculares educativos sobre

alimentação, a professora Mara designou ao grupo alimentar a mesma denominação,

utilizando o termo “Outros”.

Desta forma, esses extratos indicam que a professora Mara seguiu a estratégia

similar criada pela professora que socializou suas experiências no COMMa, ao lidar

com a situação inesperada acerca da organização dos alimentos nos grupos alimentares.

Diante disso, observa-se que o contato com os materiais curriculares educativos sobre

modelagem matemática auxiliou a professora Mara na tomada de decisões no decorrer

da atividade, a fim de dar continuidade na resolução das questões pelos alunos.

Discussões

Nesta sessão, apresentaremos os resultados das análises dos dados em termos

das particularidades no uso dos materiais curriculares educativos sobre modelagem

matemática na prática pedagógica da professora Mara. Neste caso, a professora utilizou

os materiais curriculares educativos de duas maneiras: interligado ao programa

curricular da escola e como um norteador para a prática pedagógica.

Bel utilizou os materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática

conciliando-os ao programa curricular da escola, neste caso, a um projeto implementado

na unidade escolar cujo tema era Alimentação. O objetivo da professora era inserir a

disciplina de Matemática nesse projeto de caráter interdisciplinar, o qual os materiais

curriculares educativos puderam concretizar esse objetivo, já que a professora a partir

desse contato encontrou uma atividade, cujo tema era abordado na escola no momento.

12

Além disso, a professora afirmou que os vídeos contidos nos materiais

curriculares educativos permitiram que ela pudesse ter uma noção de como conduzir a

atividade de modelagem. Nesse sentido, a maneira como a professora utilizou os

materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática demonstra uma

possibilidade desse uso na prática pedagógica dos professores. Nesse caso, a conciliação

dos materiais curriculares educativos ao programa curricular da escola, deveu-se a

finalidade estabelecida pela professora de inserir Matemática no projeto escolar. Assim,

a utilização dos materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática decorre

das finalidades estabelecidas pelos professores. Sob essa questão, Edelson (2002)

afirma que “os professores definem como usar os materiais curriculares para atingir

seus objetivos” (p. 25).

Outras compreensões puderam ser extraídas, acerca do uso dos materiais

curriculares educativos, a partir de dois momentos no decorrer da aula: na resistência

dos alunos e nos questionamentos inesperados. No momento em que a professora

deparou-se com a resistência dos alunos na leitura das tabelas, ela utilizou a dinâmica da

leitura compartilhada, ao invés de solicitar que o aluno a realizasse. Dessa maneira, a

professora oportunizou uma dinâmica de leitura mais aberta à participação dos alunos,

como a apresentada pela professora que socializou as suas experiências nos materiais

curriculares educativos no ambiente virtual COMMa. Nesse sentido, as mudanças nas

ações da professora, bem como, as alterações na maneira de apresentar a atividade

foram preponderantes para diminuir a resistência dos alunos (SILVA et. al, 2007).

No momento em que a professora lidou com a pergunta de uma aluna sobre qual

grupo alimentar deveria ser colocado o café, ela utilizou uma estratégia que a professora

dos materiais curriculares educativos negociou em sua sala de aula. Nesse caso, a

professora ao lidar com os questionamentos não previstos, desenvolveu em sua aula a

mesma estratégia apresentada nos materiais curriculares educativos. Nesse sentido, o

contato com os materiais foi decisivo para orientá-la no desenvolvimento da atividade.

Tendo em vista que a professora retomou as práticas contidas nos materiais

curriculares educativos, podemos considerar que essas decisões durante a dinâmica do

ambiente de modelagem foram decorrentes das experiências apresentadas nos materiais

curriculares educativos sobre modelagem matemática que a auxiliaram em sua prática

pedagógica. Nesse sentido, este resultado é convergente ao apresentado por Schneider

13

& Krajcik (2002), quando afirmam que os professores aprendem em situações de

experiências.

Assim, percebemos que a utilização dos materiais curriculares educativos sobre

modelagem matemática nas práticas pedagógicas dos professores pode ocorrer de

maneiras distintas, e a apresentada neste estudo, contempla uma maneira, neste caso,

associando-o aos programas curriculares das escolas e como um norteador para a

prática pedagógica. Além disso, oportunizaram mudanças nas práticas pedagógicas da

professora, no que se refere à condução da atividade de modelagem e na tomada de

decisões.

Considerações Finais

Este estudo teve como objetivo compreender como os professores utilizam os

materiais curriculares educativos sobre modelagem matemática em suas práticas

pedagógicas. Para tanto, consideramos os discursos da professora no momento em que

ela utilizou os materiais curriculares em sua sala de aula e na entrevista.

As conclusões encontradas a partir dos estudos sobre a implementação da

atividade de modelagem contida nos materiais curriculares educativos pela professora

Mara, podem auxiliar os outros professores a utilizarem os materiais em suas práticas

pedagógicas no que se refere ao currículo escolar, bem como no desenvolvimento do

ambiente de modelagem, já que eles podem encontrar as mesmas situações em suas

práticas pedagógicas.

A análise do presente artigo apresenta somente a utilização dos materiais

curriculares educativos sobre modelagem matemática de uma professora da Educação

Básica, devido à demanda de professores utilizando os materiais curriculares

educativos, visto que o objetivo da pesquisa fora alcançado, ainda que em pequena

escala. Neste sentido, apontamos ainda a necessidade de melhor compreender como os

professores utilizam os materiais, a fim de ganhar evidências sobre suas possibilidades e

restrições no contexto escolar.

Referências

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