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A USP hoje e daqui a 20 anos Formas, Estados e Processos da Cultura na Atualidade Prof. Martin Grossman

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A USP hoje e daqui a 20 anos

Formas, Estados e Processos da Cultura na Atualidade

Prof. Martin Grossman

Escola de Comunicação e Arte ECA/USPGiovanna Devoraes Rossin

N° USP 7165592

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Introdução

Este ensaio tem como objetivo traçar análises e expectativas para a Universidade de São Paulo, a maior instituição de ensino superior e pesquisa do país, para daqui a 20 anos. Os meios de observação da estrutura e dos modelos institucionais atuais servirão como projeção para novos modelos para a universidade pública no futuro. É importante notar que seus fins se orientam pela atuação do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP).

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1- O espaço público

Não se sinta mal por eu viver em Brasília, não mesmo. Talvez você tenha razão em se espantar com o nosso péssimo transporte público e a nossa necessidade de andar de carro. Mas não estamos isolados.

Eu moro em uma cidade que todo mundo anda dentro de suas caixinhas conhecidas como carros, mas lotamos o maior parque urbano do mundo, todo santo final de semana. Lotamos os clubes também. Lotamos a orla.

Eu moro em uma cidade que me permite ter melhores amigos roqueiros, axezeiros, forrozeiros, católicos, evangélicos, homossexuais, héteros, e eles convivem bem, frequentam os mesmos lugares vez ou outra e têm a cabeça muito mais aberta para a diversidade.

Eu moro em uma cidade que tem um metrô horrível e eu nem sei pegar ônibus. Mas tem um monte de gente tentando mudar isso: gente que ajuda a gente a saber qual ônibus pegar, gente que defende a bicicleta como meio de transporte (afinal a cidade é fantástica para isso).

Eu moro em uma cidade que vem lutando para construir uma identidade, afinal somos muito jovens ainda. Que tem uma geração ávida por cultura, lazer e diversão. Que tem gente muito boa fazendo arte e gente lutando para que a arte seja valorizada.

Então não me venha dizer que se sente mal por mim, porque eu amo essa cidade com todos os problemas que ela apresenta (e não são poucos), mas sobretudo por todas as suas qualidades.

Os trechos da carta acima foram escritos pela brasiliana Carol Saores em resposta a uma matéria publicada no The New York Times esta semana (22/06). Carol, em seu blog Sobre Samba e Saudade, parece dirigir-se diretamente ao autor das críticas sobre Brasília, Patrick Gough, planejador de transporte urbano de San Francisco. Patrick disse que se sentia mal por quem vivia em Brasília. Disse também que “em um país conhecido por seu gosto pela improvisação, Brasília está em contraste chocante, uma cidade tão ordeira, que é difícil acreditar que esteja realmente no Brasil”. Considerou até uma cidade “un-brazilian”, ou “anti-brasileira”.

A cidade foi planejada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e inaugurada em 1960 pelo então presidente Juscelino Kubistschek, exatamente no centro geográfico do país. Observada de cima, tem a forma de um avião. Nas palavras de Marshall Berman, em Tudo o que é sólido se desmancha no ar (Companhia das Letras, 1982), “vista do ar, Brasília parecia dinâmica e fascinante (...). Vista do nível do chão, porém, do lugar onde as pessoas moram e trabalham, é uma das cidades mais insólitas do mundo. É a de enormes espaços vazios em que o indivíduo se sente perdido, tão sozinho quando um homem na Lua”.

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Discutir sobre o plano urbanístico de Brasília, a capital do Brasil que foi inteiramente projetada e arquitetada sob cunho modernista, muito lembra as discussões a respeito do plano urbanístico da Universidade de São Paulo. Criada em 1934, a USP é uma das instituições de ensino de maior reconhecimento do mundo e possui uma área de total de 76.314.505 m² (Anuário Estatístico do Portal USP, com base em dados de 2012). Do macrocosmo da capital federal ao microcosmo da USP, analisemos seus modelos institucionais e suas estruturas físicas, que embora não seja essencialmente modernista como aquela, dá abertura a um paralelo.

Há quem defenda que o planejamento do campus Butantã - sobretudo esse - da maior universidade do país estimula a segregação em relação à sociedade, tanto por causa dos muros que cercam seu imenso território, como se fossem “burgos”, quanto pelas unidades tão isoladas entre si. A crítica reside no fato de que a USP, como se não bastasse selecionar frequentadores pelo rígido filtro do vestibular, também faz uma seleção ao se fechar em si mesma, ainda que seja, antes de tudo, um local público.

“A USP já não se tornou um burgo ao se fechar para a cidade, tempos atrás, com um muro alto que impede aos contribuintes de fora de sua comunidade acadêmica terem acesso àquela enorme área verde nos finais de semana? E dar as costas à cidade fisicamente, ignorar a sociedade que a criou, é bastante simbólico do que acontece nos processos internos”, indagou o jornalista Leonardo Sakamoto no início de junho (02/06) em seu Blog do Sakamoto, do UOL.

Brasília, ainda nas palavras de Marshall Berman, “talvez fizesse sentido para a capital de uma ditadura militar, comandada por generais que quisessem manter a população a certa distância, isolada e controlada. Como capital de democracia, porém, é um escândalo”.

A questão é que, sem entrar em maiores detalhes sobre as intenções políticas envolvidas em tal debate, e à parte de argumentos radicais, a Universidade de São Paulo deveria, e poderia, ser um espaço que incentivasse mais o contato entre as diferentes unidades. Um espaço inovador que fosse interdisciplinar. Inovador e transformador: uma atuação que critica usando o que é criticado sobre ela mesma. Um local em que acontecessem mais debates entre alunos que seguem diferentes estudos. Alunos que são estimulados a inovar e são selecionados a ingressar na faculdade com tal ímpeto. A inovação.

2- Interdisciplinaridade

O convívio entre os diferentes ramos do conhecimento, das ciências exatas às humanidades, das biológicas às artísticas, é uma tendência da sociedade pós-moderna, no sentido da multiplicidade das possibilidades e contatos humanos. Portanto, deveríamos driblar as distâncias geográficas das faculdades uspianas e aproximarmos as trocas entre os alunos de diferentes seguimentos. Tanto entre os alunos da USP quanto entre os alunos de universidades de outros países. E, por que não, de outras instituições universitárias nacionais.

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O caminho que toma a discussão lembra ainda outra visão, que se refere ao ambiente moderno. Um tanto quanto paradoxal, é verdade. “Todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antiguidade e veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas: todas as novas relações se tornam inadequadas antes que cheguem a se ossificar. Tudo que é sólido se desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado, e os homens finalmente são levados e enfrentar (...) as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus companheiros humanos”, escreveu Karl Marx em Manifesto Comunista.

É preciso questionar e romper as barreiras da USP, que estão ainda sólidas demais; é preciso um projeto inovador interdisciplinar, pois.

A USP foi, é e ainda será por muitos anos a maior referência de estudo superior do país. Reconhecida nacional e internacionalmente e com postos significativos dos rankings estudantis internacionais. Em 2014, ficou em 29° lugar no Webmetrics Ranking of World Universities, que leva em conta os conteúdos disponibilizados na internet e em 1° também no ranking Webometrics que avalia somente as universidades da América Latina e no que classifica os países do Brics. No Academic of World Universities (ARWU), elaborado pelo Center for World-Class Universities da Shanghai Jiao Tong University, a USP ficou em 147° entre as 500 melhores universidades do mundo. Além de outros rankings de escala mundial, também obteve pela segunda vez o 1° lugar no Ranking Universitário Folha, criado pelo jornal Folha de São Paulo, que avalia 192 universidades brasileiras.  

No entanto, alguns modelos uspianos poderiam ser aprimorados. Este, o de incentivar as discussões interdisciplinares, é o mais importante. O potencial de sincretismo entre os 249 cursos de graduação, divididos em 42 unidades de Ensino e Pesquisa, com mais de 58 mil alunos é gigantesco. E tem condições de atingir outra dimensão. Em duas décadas, há de ser feito um bom planejamento para isso. Começando já. Até lá, acreditemos, estará concretizado, já que seus números são grandiosos e qualquer mudança requer tempo.   

Uma maneira de fazê-lo é promover os estudos em disciplinas optativas em outras unidades. Alguns cursos pedem mais créditos em optativas do que outros. Mas, no geral, todos os alunos poderiam se empenhar mais em tais atividades, que às vezes são deixadas em segundo plano em detrimento às disciplinas obrigatórias.

De um lado, fazer com que o conteúdo das matérias optativas seja esclarecido e melhor reconhecido pelos uspianos - alguns alunos nem sabem da existência de optativas que poderiam lhe interessar. De outro, facilitar a matrícula de um maior número de alunos, já que em muitos casos as turmas são pequenas e têm número de inscritos limitado, e ainda facilitar a matrícula em outros institutos que não o de origem. A começar pelo Júpiter Web, sistema no qual o aluno se matricula e acompanha seu rendimento escolar. Ao fazer matrícula online, os alunos muitas vezes fazem uma escolha quase arbitrária, por indicação ou comodidade. Eles acabam se matriculando naquelas em que mais lhe

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parecem acessíveis - e não necessariamente naquelas que teriam maior aproveitamento intelectual, maior prazer em assistir e melhor participação.

É difícil supor que isso de fato mudará nos próximos anos. Mas eis aqui um dos vários fatores a serem aperfeiçoados.

“Acredito que a comunicação e o diálogo ganharam um peso e uma urgência especiais nos tempos modernos, porque a subjetividade e a interioridade estão mais ricas e mais intensamente desenvolvidas, e ao mesmo tempo mais solitárias e ameaçadas do que em qualquer outro período da história. Nesse contexto, a comunicação e o diálogo se tornam necessidades críticas e também fontes fundamentais de deleite. Num mundo em que os significados se dissolvem no ar, essas experiências estão entre as poucas fontes de sentido com que podemos contar. Uma das coisas que podem tornar a vida moderna digna de ser vivida é o fato de que ela nos proporciona mais oportunidades (...). Precisamos aproveitar ao máximo essas possibilidades; elas deveriam determinar o modo como organizamos nossas cidades e nossa vida”. Uma linha que remete a pensadores com Georg Simmel, Martin Buber e Jurgen Habermas, de acordo com observação do próprio autor, Marshall Berman.

Aponto as disciplinas optativas como um dos grandes eixos a se desenvolver e crescer na USP daqui a 20 anos porque talvez elas representem o espaço e o tempo mais promissor para um diálogo entre os mais variados perfis de alunos. São alunos em diferentes períodos, nacionalidades e propósitos que se encontram com professores dispostos a seguir um modelo de aula mais livre, em que geralmente há mais diálogo - simplesmente pelo fato de não serem obrigatórias no curso, embora nada impeça que um aluno faça uma disciplina obrigatória em outro curso validando-a como uma optativa para a própria grade.

Outro meio de contato são as bibliotecas e museus da USP. Os cidadãos de São Paulo, bem como qualquer outro indivíduo livre, poderiam e deveriam utilizá-las com maior frequência e tempo. Em 2012, o Anuário Estatístico do Portal USP apontou que num total de 3.185.608 usuários das bibliotecas da USP, apenas 356.953 eram usuários externos. Em uma megacidade como São Paulo, o uso dos não-uspianos deveria ser muito maior do que o índice apontado. A população deveria transpor os tais muros e os próprios hábitos. Excelentes bibliotecas e espaços livres estão lá disponíveis. E continuarão.

3- Encontros internacionais

No final de junho (30/06), a comunidade uspiana recebeu por e-mail uma carta aberta da pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo, Maria Arminda do Nascimento Arruda.

Caros amigos da Tenda Cultural Ortega y Gasset,

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A primeira etapa do Projeto Tenda Cultural Ortega y Gasset, uma iniciativa da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, chegou ao fim. Durante 10 meses, a Tenda ocupou a Praça do Relógio no Campus do Butantã, em São Paulo, período em que abrigou e produziu 213 eventos e recebeu mais de 25 mil pessoas.

A Tenda Cultural, arrojada em sua concepção, foi inspirada no modelo e estrutura da Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP, criada pela Associação Casa Azul que, a convite da USP, desenvolveu o projeto arquitetônico da Tenda. Com um auditório para 540 pessoas, foyer e painel de LED externo, todos os espaços foram concebidos para proporcionar um ambiente acolhedor de fruição e debates, favorecendo o convívio acadêmico. Rapidamente, a Tenda assumiu um papel aglutinador e interdisciplinar com encontros, palestras, apresentações artísticas, mostras de filmes, festivais de teatro e música, concertos, seminários, saraus e exposições, oferecidos gratuitamente à comunidade universitária e à população da cidade de São Paulo. (...)

O trecho acima indica o feedback positivo recebido pelo Projeto Tenda Cultural Ortega y Gasset. Contudo, acredito, particularmente, que um evento interessante como esse, com propósitos vívidos e boa organização, deva crescer em número de participação e também criações. Quem sabe daqui a alguns anos, iremos receber na Tenda mais alunos e colaboradores internacionais? Além da própria comunidade uspiana, todos têm a ganhar. É mais uma opção para extrair da universidade o que ela tem de melhor.

Outro exemplo de iniciativa interdisciplinar que segue a linha transformadora - dentro do “pacote” troca de experiências, excelência acadêmica, pró-atividade e diálogo multifacetado - é o recente University-Based Institutes for Advanced Study, ou Ubias. Em português, Institutos de Estudos Avançados Baseados em Universidades.

Trata-se de um grupo seleto de 15 pesquisadores entre 30 e 40 anos de diferentes países e áreas do conhecimento que desenvolverão estudos sobre o tema tempo. A fase de seleção está em andamento e o primeiro encontro acontecerá em março de 2015.

Como não poderia ser diferente, a cooperação científica que reunirá 34 instituições de 19 países da Europa, América, Ásia, África, Oriente Médio e Oceania já atrai alta expectativa. Afinal, a rede Ubias contará com o acompanhamento de cientistas seniores aclamados para orientar uma elite pensante da nova geração. Não seria prematuro, portanto, imaginar que tal encontro internacional esteja mais avançado e concretizado daqui a algum tempo. Daqui a vinte anos, quem sabe, esses primeiros jovens pesquisadores são aqueles que estarão à frente da orientação para novos 15 selecionados. O fator de seleção, vale ressaltar, é extremamente estimulante - e não excludente.

A primeira edição da Academia Internacional possui como anfitrião os Estudos Avançados da USP e da Universidade de Nagoya, do Japão. As próximas edições, porém, ainda constituem um bom mistério. O projeto tem tudo para decolar.

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Por outro lado, se o tema de hoje é o tempo, abrangente e instigante, as possibilidades de tema são ainda incríveis. A comunidade científica internacional só tem a ganhar com as novas linhas e pensamentos reciclados que chegarão. Os alunos envolvidos e seus orientadores também. E idem para USP e seu Instituto de Estudos Avançados.

Se “é um projeto em pequena escala, mas com potencial para gerar um novo formato de atividade científica”, como definiu o diretor do IEA-USP Martin Grossmann, há um potencial para que tal iniciativa induza de fato a um novo formato de atividade científica. Esperamos que assim seja.

Haverá outros encontros, conforme a agenda: o segundo será na Universidade de Nagoya, em janeiro de 2016. E, de abril a dezembro de 2015, o projeto será levado adiante via internet.

No futuro, duas coisas, acredito, mudarão. O número de universidades participantes, que deverá ser maior; e o método de seleção dos 15 pesquisadores, já que tais métodos, naturalmente, serão constantemente questionados.   

De acordo com documento do próprio IEA-USP, “a Academia Internacional orienta-se por três metas: estimular a pesquisa conjunta entre institutos integrantes da Ubias; estabelecer redes de cooperação entre os líderes científicos da próxima geração; e explorar novas práticas acadêmicas coletivas e novos formatos de treinamento científico, colaboração e disseminação”. Trata-se de um dos próprios pilares para a inovação da universidade. Os debates abrirão portas para novos caminhos acadêmicos.

3- Intercâmbio

Outro tópico a ser explorado são os intercâmbios internacionais. Segundo dados do Anuário Estatístico da USP, em 2013, 1.313 estudantes de universidades estrangeiras estavam matriculados na USP, enquanto que 2.659 uspianos estudaram no exterior, em programas conveniados. São números baixos se considerarmos a quantidade de intercambistas que recebem outros países, sobretudo os pertencentes à União Europeia. Muitos deles são dirigidos pelo programa Erasmus Student Newtwork, presente em 37 países (incluindo Brasil), que oferece serviços a aproximadamente 180 mil estudantes internacionais por ano. Erasmus tem, desde 2005, um crescimento anual de 12%.

O rico intercâmbio cultural, intelectual e pessoal promovido por alunos de diversas nacionalidades em uma sala de aula e também fora dela deve ser algo mais explorado nos próximos anos. Afinal, vivemos na “era da convergência” (permeando conceitos de Henry Jenkins), na época em que a “aldeia global” (conceito de Marshall McLuhan) catalisa tais trocas. Se hoje o mundo viabiliza muitos mais intercâmbios e viagens internacionais do que 40, 50 anos atrás, espera-se que haja um crescimento ainda maior.

O número de intercambistas na USP e de uspianos em universidades estrangeiras cresceu nos últimos anos, seguindo a tendência do país todo. Alguns fatores colaboraram para isso, como a relevância do Brasil na mídia internacional e a

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importância do país nas esferas econômica, política e ambiental. Estrangeiros, de maneira generalizada, se interessam mais em estudar neste país. E passaram a estudar mais o português, assim como o mandarim, idioma que também vem ganhando relevância devido ao crescimento da China, que o tem como dialeto oficial.

Claro que estudar outro idioma abre as possibilidades de estudo e o leque de bagagem cultural, amplia o trabalho linguístico e permite trocas mais intensas com estrangeiros. Mas não só isso. O “estar lá”, viver lá fora com os próprios gostos, juízos e sensações é tão ou mais fundamental do que ingressar num ensino superior.  

Na cidade de Lyon, sudeste da França, há um bom modelo de orientação e recepção aos alunos intercambistas, algo que a USP poderia investir no futuro. O chamado Alter-Ego, da Université Lumière Lyon 2, é um comitê de relações internacionais que promove inúmeros atividades, festas, viagens e outros encontros entre lyonnaises e estudantes das mais variadas nacionalidades. É similar ao programa USP iFriends, mas muito maior. Apoiam-se fortemente nas plataformas onlines, mandando e-mails e respondendo às dúvidas dos intercambistas com eficiência e também através das redes sociais, que, sabiamente, é atendida com bastante responsabilidade e dedicação.  

Será que, em vinte anos, os muros (mais uma vez eles) serão ultrapassados com mais facilidade?

4- Crise na universidade pública

Para imaginarmos a USP daqui a duas décadas, outro prisma precisam ser analisado. Este ano, como foi bem discutido em colunas de grandes jornais e também pelas mídias sociais, a USP entrou em crise financeira e administrativa. Grande parte do corpo docente e demais funcionários entraram em greve. A questão da privatização da universidade pública entrou em discussão. Marco Antonio Zago, atual reitor, mandou um e-mail (15/06) a todos os estudantes para esclarecer algumas questões. No e-mail, lia-se:

Aos estudantes da Universidade de São Paulo:

Ciente das preocupações do corpo discente, provocadas pelas atuais discussões sobre a questão orçamentária e a greve de servidores e docentes, acredito serem necessários esclarecimentos que ajudem os alunos a compreenderem o momento político.

A atual greve decretada pelos sindicatos de servidores e de docentes da USP é resultado da decisão do Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas) de não conceder reajuste salarial neste momento, em virtude da situação financeira das três Universidades. Todas estão com mais de 95% dos respectivos orçamentos comprometidos com o pagamento de salários e outras vantagens pessoais. No caso da USP, esse percentual ultrapassa 100%.

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Para que se tenha ideia da gravidade desse quadro, basta dizer que o Tribunal de Contas do Estado, nos recentes julgamentos das contas das três Universidades, tem repetidamente advertido as Instituições sobre o excessivo comprometimento com os gastos de pessoal, entre os anos de 2007 a 2011, em que a folha de pagamento perfazia até 86% do total.Contrariamente ao que se procura difundir, a crise financeira é real. Durante o ano de 2013, houve apenas duas reuniões ordinárias do Conselho Universitário; não houve discussão e aprovação do orçamento de 2014.

Ao assumir a Reitoria, em janeiro de 2014, os atuais gestores encontraram um comprometimento sem precedentes do orçamento com gastos com pessoal: a USP desembolsa hoje, por mês, apenas com pagamento de pessoal, R$ 15 milhões a mais do que recebe de repasse da parcela que lhe cabe do ICMS do Estado.

(...) Quanto ao debate sobre pagamentos de mensalidades na Universidade, há que se enfatizar que eu e todos os membros da atual gestão jamais apoiamos essa opção como forma de resolver as dificuldades financeiras presentes. Pelo contrário, tenho alertado às representações de estudantes, servidores e docentes sobre os riscos de que um confronto sobre questões salariais leve à desqualificação das lideranças da USP no que se refere à capacidade de administrar uma crise financeira que, não tendo sido gerada pelos atuais gestores, nos cabe resolver. Mas, acredito ser importante que esta crise seja enfrentada sem desprestigiar a autonomia universitária. O enfraquecimento da USP nesse contexto representa o maior risco possível para o ensino universitário público gratuito e de qualidade. (...)

Acredito - e defendo - no caráter público da Universidade de São Paulo. Seja agora, seja daqui a vinte anos. Não creio que nesse futuro ela se torne uma instituição privada, nem parcialmente privada.

O primeiríssimo argumento contra mensalidades defende o fato de que pagar pelo estudo não é um fator decisivo para que o aluno valorize o ensino. “Quem diz isso só pode ignorar o que acontece nas caras escolas e universidades particulares!”, escreveu naquele mesmo artigo o Sakamoto, que dá aula em uma universidade privada paulistana, a PUC.  

De fato, isso não agregaria valor ou incentivo ao estudo. Pelo contrário, poderia até desestimulá-lo.

O segundo argumento, mais forte e real, encontra substância em, simplesmente, manter a definição de universidade pública, oras. Para Sakamoto, trata-se da “(...) defesa de um princípio: de que a universidade pública seja mantida principalmente com recursos públicos pois, independente de interesses particulares, ela deve ser um instrumento de desenvolvimento da democracia e da sociedade como um todo. E contar com

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independência para isso. O que inclui não cobrar mensalidades de quem pode ou não pode pagar por elas”.

É claro que cobrar mensalidades, ou tratá-la como empresa, ou fornecer espaço publicitário, ou utilizar dinheiro de “quem pode pagar”, traria recursos às universidades públicas. É provável que fizesse a diferença, ainda mais sob as atuais circunstâncias. Mas, aí, estaríamos resolvendo tudo bem ao jeitinho conhecido como brasileiro - “jeitinho brasileiro” já virou uma expressão. É tentar resolver às pressas - como dá - o que deveria ter sido resolvido ao longo do tempo, antes de as situações chegarem ao extremo. É remediar nossos problemas de forma errada.  

O perfil privatizado tem dado certo em muitos países com educação de excelências, como Alemanha, Holanda, França e Estados Unidos, apenas para citar alguns. Mas, são outros modelos estruturais, que vem da base, outros governos, outros parâmetros educacionais e outros ecossistemas sociais. Isso quer dizer que não necessariamente eles funcionariam aqui.

No Brasil, nós temos, por exemplo, as cotas universitárias. Em médio prazo, elas talvez fossem justificáveis, mas em longo prazo (daqui a vinte anos, consideremos), o ideal seria que essas porcentagens já estivessem em extinção, ou caminhando para isso. Ao invés de cotas, poderíamos todos estar caminhando com uma educação de base muito mais consistente. Uma educação de base de qualidade.

Como sabemos (sabemos?) que nada disso está sendo feito para melhorar a educação, as cotas se tornaram permanentes, e isso nem sempre é favorável para as universidades. Espacialmente para uma universidade de nível intelectual de elite, como a USP. Onde está o ensino de base de qualidade no país? As cotas não seria um fator preconceituoso por si mesma?

“O poder público tem a obrigação constitucional de manter a universidade pública, gratuita e de qualidade para todos e todas, independentemente da classe social. E garantir que este acesso não seja dado a alguns poucos beneficiários, como tem sido feito até hoje, mas aumentar o número de vagas para abraçar, com qualidade, quem realmente não pode pagar as escorchantes mensalidades de uma boa instituição privada”, defende Sakamoto.

Será que daqui a alguns anos ou décadas a USP aumentaria o seu número de vagas por cursos, a fim de abraçar, com qualidade, quem não pode pagar mensalidades de uma instituição privada? Difícil dizer. Mas ainda assim uma discussão legítima.

“Uma universidade pública, como qualquer órgão público, deve ser gerida pelos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade, eficiência e legalidade. Portanto, não fazer esbórnia com o dinheiro da sociedade. Mas também não ignorar as necessidades dessa sociedade nas decisões sobre qual conhecimento terá sua

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produção financiada. Conhecimento feito por quem que beneficia a quem?”, ainda por Sakamoto.

Esperemos que a USP não se torne paga. Nem chegue perto disso. Pelo contrário, consiga superar essa crise e continue dando recursos aos estudantes, investindo em pesquisas e publicações, fomentando a troca intelectual por palestras, eventos, prêmios e assim por diante.

Antes de tudo, e para chegar lá, porém, parece haver um longo caminho. Agora, no presente, o que devemos fazer é ter a “decência de recuperar o que deveria ser um dos maiores patrimônios do país ao invés de jogar fora o bebê com a água do banho”.

Conclusão

Estamos vivendo em mundo em que as mudanças são muito velozes. As informações chegam mais rapidamente, as ideias fluem pelo mundo como nunca se viu antes, as opiniões são compartilhadas quase instantaneamente, e alcançam lugares antes inatingíveis. A comunicação digital alcançou uma dimensão sem precedentes.

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O conceito de Cultura da Convergência, criado pelo norte-americano Henry Jenkins, ao publicar livro homônimo, estuda fenômenos que permeiam esse universo. Três deles são a convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva. O interessante é que a análise de Jenkins tem uma perspectiva antropológica e não tecnológica.

Procurei seguir essa mesma linha ao imaginar a Universidade de São Paulo daqui a vinte anos. Sem me delongar na questão de quais novas tecnologias teremos no futuro, algo que poderá ser tão diferente do presente quanto suas infinitas possibilidades. Não sabemos o que poderá acontecer.

A tarefa de imaginar a USP daqui a vinte anos é, portanto, difícil, delicada e improvável. Depende de contextos em constantes mudanças, de pessoas que têm poder de decisão e, claro, da conjuntura sociopolítica do próprio país. Além do que, tem tudo a ver com os conceitos levantados pela Cultura da Convergência.

Por isso, este trabalho se pautou em duas frentes. A primeira é tentar analisar estruturas que já existem e que provavelmente serão mantidas por algum tempo, indicando em que pontos elas poderiam ser aprimoradas, ou ao menos discutidas e questionadas. Em outras palavras, identificar tendências. É o caso dos intercâmbios e da administração de disciplinas optativas. A outra é a criação de novos e transformadores espaços para trocas intelectuais. O que significa apontar caminhos para modelos renovados. Caso do conceituado trabalho já iniciado da Ubias.

Acredito, como aluna, que a USP é um dos maiores legados do país para as próximas gerações. Não só para os estudantes, como nós, mas também todos os demais cidadãos brasileiros e até do mundo, visto que o potencial dos estudos, das pesquisas e dos serviços pode alcançar o mundo. Transpor barreiras, físicas ou intelectuais. É isso que esperamos. Mais transformação e mais trocas.

Bibliografia

“Tudo o que é sólido desmancha no ar – A aventura da modernidade”, Marshall Berman.

“Cultura da Convergência”, de Henry Jenkins.

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“Literatura e pós-modernidade: olhando para trás sem virar estátua de sal”, Maria Cristina Ribas http://www.unig.br/cadernosdafael/vol3_num7/ARTIGO%20MARIA%20CRISTINA%20CADERNOS%207.pdf

The New York Times – Junho 2014 http://www.nytimes.com/2014/06/23/sports/worldcup/world-cup-2014-brasilia-a-distinctly-un-brazilian-city.html?ref=worldcup&_r=3

Exame – Junho 2014 http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/brasilia-rebate-materia-do-new-york-times-com-forca

Instituto de Estudos Avançados da USPhttp://www.iea.usp.br/ http://www.iea.usp.br/noticias/academia-intercontinental-reunira-pesquisadores-de-varios-paises-para-estudos-interdisciplinares-sobre-o-tempo?utm_source=a%20seguir%2011&utm_medium=email&utm_campaign=ica

Anuário Controle do Portal da USP https://uspdigital.usp.br/anuario/AnuarioControle#

Institucional USPhttp://www5.usp.br/institucional/a-usp/historia/

USP iFriendshttp://www.usp.br/internationaloffice/index.php/usp-ifriends/

Blog do Sakamotohttp://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/page/4/

Blog Sobre Sambas e Saudadehttp://sobresambasesaudade.blogspot.com.br/2014/06/nao-se-sinta-mal-por-eu-morar-em.html?spref=fb