Cavalos
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Pelos olhos de um cavalo consegue-se alcançar a transparência. Um cavalo olha como quem
simplesmente é, sem os simulacros e encenações da vida ímpia.
Quando estão esfalfados deitam-se e sondam as entrelinhas da paisagem como quem não tem avareza, só o peso das horas sobre o lombo.
Em dias de tempo bom e bastante sol, as borboletas costumam brincar nas marcas das patas dos cavalos. Cheiram as marcas e vão pros voos contentes por haverem capturado do chão certa
força que só ali encontram.
Os cavalos acostumaram-se tanto consigo mesmos que fitam os horizontes sem despeito. Os arremessos dos
cavalos alados não lhes causam gastura.
O lombo dos cavalos
ressente-se com o peso
das ruindades humanas. Pesa-lhes
sobretudo a falta de
gentileza com
a vida
Com a noite imensa a alma dos cavalos se
funde a tudo que mergulha no sem fim dos relentos. Diz que é aí que capturam a
luz do vaga-lume cata-sonho, o que só
é concedido aos cavalos e, de século em século, a um ou outro ser humano.
É sabido que o cavalo de Tróia não se interessava por açúcar mascavo; porém, os outros cavalos em geral se esganam diante de um recipiente com a morena porção - nessa hora o mundo estaria
completo não fossem os cabrestos e as cercas de arame farpado.
Ao morrerem de velhice perdem os
dentes e são atacados pela febre puxadeira, que os
leva a procurar uma poça d'água que lhes alivie a sede final e lhes receba a alma; nem assim os cavalos perdem a elegância e
o aprumo.
Da primeira à última hora do dia são puro charme e crina. Pastam a campina como as crianças brincam, sem ciência do
quanto o presente vai ficando antigo nos embustes das estradas.
PS. Dedico estas linhas ao cavalo Pangaré, morto em 10.5.1969, do qual guardo um retrato em preto e branco, já
bem desbotado. -Eloí Bocheco-
Formatação: Nair Adelaide Bunn [email protected]