castro, J. F. P O contexto da aculturação português através do modelo de Rudmin: do encontro...
-
Upload
joaquim-filipe-peres-de-castro -
Category
Documents
-
view
78 -
download
2
description
Transcript of castro, J. F. P O contexto da aculturação português através do modelo de Rudmin: do encontro...
-
Joaquim Filipe Peres de Castro
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro
intercultural com o Japo at ao Luso-Tropicalismo
Vol. I
Universidade Fernando Pessoa
Porto, 2014
-
Joaquim Filipe Peres de Castro
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro
intercultural com o Japo at ao Luso-Tropicalismo
Vol. I
Universidade Fernando Pessoa
Porto, 2014
-
2014
Joaquim Filipe Peres de Castro
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
-
Joaquim Filipe Peres de Castro
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro
intercultural com o Japo at ao Luso-Tropicalismo
Vol. I
_________________________
Mestre Joaquim Filipe Peres de Castro
Tese apresentada Universidade Fernando
Pessoa como parte dos requisitos para
obteno do grau de Doutor em Cincias
Sociais, sob a orientao do Prof. Doutor
Milton Madeira e do Prof. Doutor Floyd
Webster Rudmin.
-
Resumo
JOAQUIM FILIPE PERES DE CASTRO: O contexto da aculturao portugus atravs
do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo at ao Luso-Tropicalismo
(Sob orientao do Prof. Dr. Milton Madeira e do Prof. Dr. Rudmin Floyd)
A investigao props dois objetivos: explorar e contextualizar a cultura
portuguesa da aculturao e deslocar a abordagem da aculturao para a aprendizagem
recproca, tendo em conta o modelo de Rudmin (2009). Aplicou-se o mtodo misto:
anlise de contedo, trabalho quantitativo e etnogrfico, mediante uma anlise
diacrnica e sincrnica, atravs de fontes primrias e secundrias. A anlise de contedo
s obras de Ferno Mendes Pinto e de Lus de Fris demonstrou que o discurso histrico
portugus acerca da aculturao reporta aprendizagem recproca, sendo diferente da
cultura anglo-saxnica. Porm, este discurso tambm caracterizado pelas relaes
assimtricas, sendo contradito pela e/imigrao portuguesas. Portanto, a tentativa de
contextualizar a cultura portuguesa da aculturao foi alargada aos referidos fenmenos.
Tornou-se ainda necessrio verificar qual a reao da maioria portuguesa s suas
mudanas culturais, tendo ainda em conta as apreenses dos emigrantes portugueses e
dos imigrantes cabo-verdianos, usando-se trs amostras distintas (maioria portuguesa,
imigrantes cabo-verdianos e emigrantes portugueses). Assim dispondo, a cultura
portuguesa da aculturao foi definida como funcionando atravs de duas avaliaes,
simultneas, uma ideal, a qual corresponde ao modelo de fuso e ao luso-tropicalismo, tal como ocorreu na aculturao jesutica no Japo do sculo XVI; e uma
outra avaliao, a real, correspondendo s apreenses desencadeadas pelas motivaes das trs amostras. A cultura luso-tropical funciona na cultura portuguesa
como uma ideologia consensual, preferindo as misturas culturais prprias do modelo da
fuso; no entanto, as atitudes culturais mudam consoante o estatuto social das amostras,
tornando-as relativas e seletivas, assistindo-se existncia de diferenas
inter/intragrupais, sendo que as culturas interagem de forma diferenciada. A cultura
portuguesa da aculturao distinta da anglo-saxnica, levantando a problemtica da
falta de equivalncia e apontando para a necessidade de se contextualizar as
investigaes provenientes da cultura anglo-saxnica mediante as decises de utilidade,
o background portugus e a evoluo do construto da aculturao. Investigaes
posteriores devero abordar a aculturao como um fenmeno interativo e dinmico, no
qual a aprendizagem reciproca regulada pelas motivaes aculturativas; sugeriu-se
assim o conceito de saudade, pois este permite verificar as misturas culturais e a
manuteno cultural, em simultneo.
Palavras-Chave: Aculturao, luso-tropicalismo, modelo de fuso, modelo de
Rudmin, aprendizagem, e/imigrao.
VI
-
Abstract
JOAQUIM FILIPE PERES DE CASTRO: The Portuguese acculturative context
through the Rudmin Model: From the Japanese encounter towards Luso-Tropicalism
(Under the orientation of Prof. Dr. Milton Madeira and Prof. Dr. Rudmin Floyd)
The research proposed two goals: to explore and contextualize the Portuguese
acculturative culture, and to displace the approach to acculturation as a reciprocal
learning phenomenon, according to the Rudmin Model (2009). It applied the mixed
method employing content analysis, quantitative, and ethnographic approaches through
a diachronic and synchronic analysis, and employed primary, and secondary sources.
The content analysis applied in the Ferno Mendes Pinto, and in the Lus de Fris
historical books emphasized that the Portuguese historical speech reported reciprocal
learning, being different regarding the Anglo-Saxon culture. However, the historical
speech is also characterized by asymmetric relationships, being also in contradiction
with the Portuguese e/immigration phenomena. Therefore, the attempt to contextualize
the Portuguese acculturative culture was enlarged to both phenomena. It was still
necessary to verify what was the Portuguese majority reaction regarding their own
cultural changes, taking still in account the Portuguese emigrants, and cape-Verdeans
immigrants concerns; thus applying three samples. The Portuguese acculturative culture
was characterized as functioning through two simultaneous appraisals; an ideal one, which corresponds to the fusion model, and to the Luso-Tropical theory, as it occurred
in the Jesuitical acculturation in Japan, during the XVI century. And another appraisal,
the real one, corresponding to the concerns triggered by the three samples motivations. The Luso-Tropical culture works in the Portuguese culture as a consensus
ideology, preferring the cultural mixtures feature from the fusion model. However, the
cultural attitudes changed according the samples social status. Therefore, the cultural
attitudes are relative, selective, and are displaying inter/intragrupal differences because
cultures are interacting in a differentiated way. The Portuguese acculturative culture is
different regarding the Anglo-Saxon one, leading the research to the lack of
equivalence, and reporting the need to contextualize the researches, which are coming
from the Anglo-Saxon culture taking in account the utility decisions, the Portuguese
background, and the acculturation construct evolution. Further researches would
approach acculturation as an interactive and dynamic phenomenon, in which the
reciprocal learning is regulated by the acculturative motivations. It was suggested the
Saudade as an emic concept because it allows to verify the cultural mixtures, and the
cultural maintenance, simultaneously.
Key words: Acculturation, Luso-Tropicalism, Fusion Model, Rudmin Model,
Learning, E/Immigration.
VII
-
JOAQUIM FILIPE PERES DE CASTRO: Le contexte d'acculturation portugais
travers le modle de Rudmin: de la rencontre interculturelle avec le Japon jusqu'au
luso-tropicalisme
(Sous la supervision du Prof. Dr. Milton Madeira et du Prof. Dr. Rudmin Floyd)
Rsum
Cette recherche a deux objectifs: explorer et contextualiser le processus
d'acculturation tel qu'il prend place dans la culture portugaise et dplacer cette approche
de lacculturation vers un phnomne dapprentissage rciproque, selon le modle de Rudmin (2009). Elle met en pratique la mthode mixte en employant lanalyse de contenu ainsi quun travail quantitatif et ethnographique par une analyse diachronique et synchrone et en utilisant des sources primaires et secondaires. Lanalyse de contenu applique aux livres historiques de Ferno Mendes Pinto et Fris a soulign que le
discours historique rapportait un apprentissage rciproque diffrent de la culture anglo-
saxonne. Cependant, le discours historique est aussi caractris par des relations
asymtriques qui sont en contradiction avec limmigration portugaise. Donc, la tentative de contextualiser a t largie ces deux phnomnes. Il tait toujours ncessaire de
vrifier la raction de la majorit portugaise quant ses propres changements culturels,
en prenant en compte constamment les migrants portugais et les proccupations des
immigrants du Cap-Vert, donc en utilisant trois chantillons. L'acculturation telle
quelle se dveloppe dans la culture portugaise a t caractrise comme fonctionnant travers deux valuations simultanes: lune idale qui correspond au modle de fusion et la thorie luso-tropicale; et lautre relle, qui correspond aux inquitudes dclenches par les trois chantillons. La culture luso-tropicale fonctionne dans la
culture portugaise comme une idologie, prfrant la fonction des mlanges culturels
provenant du modle de fusion. Cependant, les attitudes culturelles ont chang selon les
chantillons du statut social, donc, les attitudes culturelles sont relatives, slectives et
montrent des diffrences inter/intragroupes car les cultures interagissent de manire
diffrencie. Le processus est diffrent quant celui de la culture anglo-saxonne,
conduisant les recherches un manque dquivalence, et rapportant le besoin de contextualiser celles provenant de la culture anglo-saxonne en prenant en compte les
dcisions utilitaires, le contexte portugais et lvolution du concept de lacculturation. De nouvelles recherches approcheraient lacculturation comme un phnomne interactif et dynamique dans lequel lapprentissage rciproque est rgul par des motivations. Il a t suggr que la Saudade tait un concept car il permet de vrifier simultanment les
mlanges culturels et la maintenance culturelle.
Mots-cls: Acculturation, Luso-Tropicalisme, Modle de Fusion, Modle de
Rudmin, Apprentissage, E/Immigration.
VIII
-
Agradecimentos:
Os meus agradecimentos dirigem-se para a Nathalie de Oliveira, para a
Emmanuelle Leliepvre e ainda para a Rosinda Freitas Lopes de Metz. Gostaria tambm
de agradecer o fraterno acolhimento junto da comunidade cabo-verdiana no Porto,
especialmente, para a minha amiga e colega Lusa Correia, Daisy Correia E. Silva,
Iva Costa Almeida, ao Nelson Carvalho e ao Helton Barros. Agradeo ainda a Elizabeth
Silva, a Kyungmi Lee, e ao Doutor Joo Casqueira as suas colaboraes. Ao longo da
elaborao da tese de doutoramento foram contatados especialistas de diversas reas
cientficas. Tendo em conta o pano de fundo histrico da tese, agradeo ao Prof. Doutor
Teutnio de Sousa, ao Doutor Manuel Oll, Doutora Margaret Sarkissian, Doutora
Irene Pimentel, ao Doutor Antoni Ucerler e ao Doutor Robert Bernasconi. No que diz
respeito emigrao portuguesa agradeo os esclarecimentos do Doutor Albano
Cordeiro, do Doutor Albertino Gonalves, da Doutora Dulce Maria Soares Scott e da
Doutora Irene do Amaral. No que diz respeito temtica da imigrao agradeo ao
Doutor Pedro Gis e ainda ao Mestre Manuel Solla. Agradeo aos antroplogos Doutor
Miguel Vale de Almeida, Doutor Omar Ribeiro de Thomaz e Doutora Fabienne Wateau.
Agradeo tambm aos psiclogos Doutora Marta Arajo, Doutora Marisol Navas,
Doutor Ren Mokounkolo, Doutor Daniel Geschke, Doutor Hirohisa Takeno, e ainda ao
Doutor Walter Lonner e ao Doutor Dan Landis. Agradeo ao meu co-orientador Prof.
Doutor Rudmin Floyd os seus ensinamentos, exigncia e inovao cientfica,
finalmente, ao meu orientador principal, isto , ao Prof. Doutor Milton Madeira
agradeo os seus pequenos e grandes ensinamentos e o me ter dado uma lio de
persistncia cientfica e de vida perante as adversidades.
IX
-
ndice
Resumo .. VI
Abstract . VII
RsumVIII
Agradecimentos IX
Introduo geral 1
I. Enquadramento terico
1. Razes para se iniciar a investigao e a problemtica. 13
1.1 A cultura histrica portuguesa .13
1.2 A experincia do doutorando 15
1.3 As influncias culturais da globalizao 16
1.4 O vis ideolgico do modelo multicultural 18
1.5 A aculturao um processo de aprendizagem . 19
1.6 Notas finais.. 19
2. Apreenses na cultura portuguesa da aculturao. 21
2.1 Apreenses na literatura histrica .. 23
2.2 As contradies face emigrao portuguesa 24
2.3 As contradies face imigrao portuguesa. 26
2.4 Notas finais. 27
3. Do conceito de cultura at aculturao... 29
3.1 A cultura como seletiva e normativa.. 29
3.2 A cultura como uma temtica relacional. 30
3.3 Implicaes para a investigao 31
3.4 Alguns modelos e abordagens da aculturao 33
3.4.1 A difuso . 33
3.4.2 Modelo da assimilao.. 34
3.4.2.1 A assimilao e a discriminao.................... 35
X
-
3.4.3 Modelo multicultural 37
3.4.3.1 Modelo de Berry 37
3.4.3.2 Modelo Interativo da Aculturao (MIA). 46
3.4.3.3 Modelo Alargado da Aculturao
Relativa (MAAR).49
3.4.4 Modelo de fuso . 50
3.4.5 Modelo intercultural 54
3.5 Os modelos da aculturao cruzados pelas dimenses 55
4. Modelo da aculturao em trs estdios de Rudmin. 70
4.1 Motivaes aculturativas..73
4.1.1 Atitudes culturais. 73
4.1.2 Deciso de utilidade aculturativa. 74
4.1.2.1 Escolha aculturativa... 75
4.1.2.2 As motivaes e as intenes aculturativas75
4.1.2.3 Fronteiras culturais 77
4.1.3 Identidade tnica79
4.1.4 O Distress versus o eustress aculturativos............... 81
4.2 Aprendizagem aculturativa...83
4.2.1 Obter informao. 83
4.2.2 Imitao .. 84
4.2.3 Instruo . 86
4.2.4 Mentoring 86
4.3 As mudanas aculturativas nos indivduos . 87
4.4 Variveis de controlo.. 88
4.4.1 Discriminao.. 88
4.4.2 Estatuto socioeconmico . 90
II. Abordagem metodolgica
5. Objetivos gerais e secundrios.. 92
XI
-
6. Hipteses...... 95
7. Metateorias 100
8. Mtodo misto 102
9. Abordagens emic, etic e a Psicologia Indgena. 104
10. A influncia francesa na literatura acerca da emigrao portuguesa.. 107
10.1 Duas consequncias metodolgicas. 109
10.1.1 Nenhum modelo de aculturao adequado..109
10.1.2 A aprendizagem na manuteno cultural....112
11. O vis de construto e a equivalncia113
12. Anlise de contedo 118
12.1 Grounded Theory como uma ferramenta analtica....... 118
12.2 Psicologia Narrativa como uma ferramenta analtica 118
12.2.1 Os livros histricos como artefactos culturais 119
12.3 Anlise de contedo nos livros histricos portugueses. 122
13. Trabalho etnogrfico de campo.. 126
13.1 A comunidade cabo-verdiana do Porto. 127
13.2 Os emigrantes portugueses em Metz, Frana 128
14. Trabalho quantitativo.. 130
III. Componente emprica
15. Aculturao em Ferno Mendes Pinto
15.1 Aculturao portuguesa no alm-mar 135
15.2 A relao portuguesa com o Japo 137
15.3 Peregrinao de Ferno Mendes Pinto 141
15.4 O significado da Peregrinao para a literatura da aculturao 142
15.5 O significado da Peregrinao ao longo do tempo . 143
15.6 Ferno Mendes Pinto nos modelos de Rudmin e de Berry 144
15.7 Notas finais.. .... 158
XII
-
16. Aculturao em Lus de Fris
16.1 Introduo 159
16.2 Aculturao enquanto inculturao.. 159
16.3 Vida de Lus Fris 163
16.4 Historia do Japam 164
16.5 Histria do Japam nos modelos de Rudmin e de Berry . 165
16.6 Notas finais 181
17. Gilberto Freyre e o luso-tropicalismo
17.1 A plasticidade cultural como uma caraterstica central 186
17.2 Gilberto Freyre nos modelos de Rudmin e de Berry 188
17.3 Roger Bastide e a aculturao no Brasil.... 193
17.4 A globalizao como uma ideia teleolgica.. 194
17.5 A presumvel plasticidade portuguesa confrontada no questionrio..195
17.5.1 Caracterizao sociodemogrfica das amostras..196
17.5.2 Os dilemas do luso-tropicalismo. 200
17.6 O Luso-tropicalismo, a emigrao e a imigrao.. 203
17.7 Notas finais 210
18. Emigrao portuguesa
18.1 Breve descrio histrica da emigrao portuguesa 214
18.1.1 Fase precursora.. 214
18.1.2 Fase intercontinental e o Brasil...... 216
18.1.3 Fase continental e a Frana 217
18.1.4 Fase de declnio e a Unio Europeia.. 217
18.2 A anlise estatstica e as apreenses acerca da emigrao... 217
18.3 A biculturalidade como um problema na literatura da emigrao 222
18.4 A literatura da emigrao atravs dos modelos da aculturao. 225
18.5 A mudana transnacional e a importncia do estatuto social. 227
XIII
-
18.6 Resultados do questionrio.231
18.6.1 Concluses dos resultados do questionrio 242
18.7 A imitao e a manuteno cultural na casa francesa 243
18.8 A linguagem e a aculturao. 247
18.9 O que foi relevante no trabalho de campo em Metz?............................ 251
19. Imigrao em Portugal
19.1 Uma breve descrio histrica da imigrao portuguesa. 253
19.2 Apreenses aculturativas na literatura da imigrao..256
19.3 Breve descrio de Cabo Verde. 257
19.4 Breve descrio dos fluxos emigratrios cabo-verdianos.. 258
19.5 O contexto cabo-verdiano e os modelos da aculturao 259
19.6 Resultados da aplicao do questionrio263
19.7 Notas finais... 273
19.8 O que foi importante na aculturao cabo-verdiana?................. 275
20. Avalia Portugal de forma positiva o multiculturalismo?
20.1 Introduo.. 277
20.2 Existir uma cultura da identidade tnica, em Portugal?....................... 278
20.3 O que significa o multiculturalismo no contexto portugus?............... 289
20.4 Os modelos multicultural e de fuso no contexto portugus. 295
20.5 Notas finais..303
21. A aculturao
21.1 Breve olhar sobre a temtica da aculturao..305
21.2 A ambiguidade da aprendizagem na aculturao.. 310
21.3 O contexto portugus da aculturao ... 313
21.4 Resultados estatsticos da questo acerca da aculturao . 315
XIV
-
21.5 Notas finais 324
IV. Concluses
22. Discusso, limitaes, sugestes e concluses.327
22.1 Saudade como um construto emic. 355
22.2 Uma tentativa para definir a aculturao .. 257
22.3 Concluses finais358
V. Referncias bibliogrficas
Referncias bibliogrficas.. 366
XV
-
ndice de figuras
Figura 1. As estratgias aculturativas da minoria.. 39-146-166
Figura 2. As expetativas da aculturativas da maioria 39-146-166
Figura 3. As atitudes da maioria e da minoria no modelo de Berry. 40
Figura 4. O Modelo Interativo da Aculturao (MIA). 47
Figura 5. A dimenso da interao, posio da maioria.56
Figura 5.1. A dimenso da interao, posio da minoria. 57
Figura 6. A dimenso da direo 58
Figura 7. A dimenso da aprendizagem, posio da maioria 59
Figura 7.1. A dimenso da aprendizagem, posio da minoria. 59
Figura 8. A dimenso da manuteno, posio da maioria 61
Figura 8.1. A dimenso da manuteno, posio da minoria ... 61
Figura 9. A mudana cultural, em ambas as culturas 61
Figura 9.1. A mudana cultural, posio da maioria. 61
Figura 9.2. A dimenso da mudana, posio da minoria 62
Figura 10. A dimenso da mistura, posio da maioria 63
Figura 10.1. A dimenso da mistura, posio da minoria.. 63
Figura 11. A dimenso da apreenso, posio da maioria. 64
Figura 11.1. A dimenso da apreenso, posio da minoria 64
Figura 12. A dimenso dos domnios, posio da maioria 66
Figura 12.1. A dimenso dos domnios, posio da minoria. 66
Figura 13. A dimenso da diversidade, posio da maioria . 67
Figura 13.1. A dimenso da diversidade, posio da minoria . 67
Figura 14. A dimenso do dinamismo68
Figura 15. A dimenso das apreenses ticas, posio da maioria .. 69
Figura 16. O modelo de Rudmin..70-145-176
Figura 17. As componentes da investigao da aculturao .. 72-144
XVI
-
ndice de tabelas
Tabela 1: O nmero de sujeitos por amostra. 196
Tabela 2: A nacionalidade dos sujeitos. 197
Tabela 3: A raa. 197
Tabela 4: As faixas etrias 198
Tabela 5: A educao 198
Tabela 6: O gnero 199
Tabela 7: A experincia emigratria.. 199
Tabela 8: item 2.1 (Os portugueses causam empatia em todos os
povos)............................................................................................................ 201
Tabela 9: item 2.5 (Os portugueses adaptam-se a todas as culturas). 202
Tabela 10: item 8.11 (Eu sou racista).205
Tabela 11: item 8.12 (Em Portugal, h racismo)205
Tabela 12: item 2.3 (Ao misturarem-se os portugueses perdem
a sua prpria cultura).. 207
Tabela13: item 2.4 (Ao misturarem-se os portugueses mantm
a sua prpria cultura).. 207
Tabela 14: item 2.7 (A cultura portuguesa predomina sobre
as outras nas relaes interculturais). 209
Tabela 15: item 2.8 (A cultura portuguesa no predomina sobre as
outras nas relaes interculturais). 209
Tabela 16: item 4.1 (Deve adaptar-se nova cultura)233
Tabela 17: item 4.2 (Deve manter a sua prpria cultura).. 233
Tabela 18: Q1 e Q4 resultados no item 4.1, na amostra da maioria.. 234
Tabela 19: Q1 e Q4 resultados no item 4.2, na amostra da maioria.. 234
Tabela 20: Q1 e Q4 resultados no item 4.2, na amostra de emigrantes. 235
Tabela 21: item 4.3 (Deve misturar a sua cultura com a do pas de
acolhimento)... 236
Tabela 22: item 4.4 (Deve mudar a cultura do pas de acolhimento) 236
Tabela 23: item 4.5 (Deve mudar a sua prpria cultura). . 236
XVII
-
Tabela 24: Q1 e Q4 resultados no item 4.3, na amostra da maioria.. 237
Tabela 25: Q1 e Q4 resultados no item 4.3, na amostra de emigrantes. 238
Tabela 26: item 4.6 (Deve manter a sua cultura em casa ou em privado). 239
Tabela 27: item 4.7 (Deve adaptar-se nova cultura no trabalho
ou na escola).. 239
Tabela 28: Q1 e Q4 resultados no item 4.6, na amostra de emigrantes. 240
Tabela 29: item 4.8 (Deve abandonar a sua prpria cultura). 241
Tabela 30: Q1 e Q4 resultados no item 4.8, na amostra da maioria.. 241
Tabela 31: item 1.1 (Deve adaptar-se nova cultura)... 264
Tabela 32: item 1.2 (Deve manter a sua prpria cultura).. 264
Tabela 33: Q1 e Q4 resultados no item 1.2, amostra de imigrantes.. 265
Tabela 34: Q1 e Q4 resultados no item 1.1, na amostra de imigrantes 266
Tabela 35: item 1.3 (Deve misturar a sua cultura com a do pas) . . .... 267
Tabela 36: item 1.4 (Deve mudar a cultura do pas de acolhimento).267
Tabela 37: item 1.5 (Deve mudar a sua prpria cultura)... 267
Tabela 38: Q1 e Q4 resultados no item 1.5, na amostra de imigrantes. 269
Tabela 39: item 1.6 (Deve manter a sua cultura em casa ou em privado). 271
Tabela 40: item 1.7 (Deve adaptar-se nova cultura no trabalho ou
na escola) 271
Tabela 41: item 1.8 (Deve abandonar a sua prpria cultura). 273
Tabela 42: item 7.1 (Um grupo de pessoas com traos fsicos comuns)281
Tabela 43: item 7.2 (Um grupo de pessoas com a mesma cultura)281
Tabela 44: item 7.3 (Um grupo cultural com traos fsicos comuns) 281
Tabela 45: item 7.8 (Um grupo de pessoas com os mesmos hbitos
e costumes) 283
Tabela 46: item 7.9 (Um grupo de pessoas da mesma origem geogrfica)283
Tabela 47: item 7.10 (Um grupo de pessoas com a mesma religio) 283
Tabela 48: item 7.4 (Um grupo minoritrio). 284
Tabela 49: item 7.5 (Um grupo de pessoas que no so consideradas
iguais pela maioria)284
Tabela 50: item 7.6 (Um grupo social que alega ser diferente da maioria)285
Tabela 51: item 7.7 (Um grupo de pessoas que aprendeu a ser
diferente da maioria).. 287
XVIII
-
Tabela 52: item 5.1 (Diferentes culturas a conviverem no mesmo espao)...290
Tabela 53: item 5.2 (A tolerncia). 290
Tabela 54: item 5.3 (Viver e fazer coisas juntos).. 291
Tabela 55: item 5.4 (A adaptao cultura maioritria) 291
Tabela 56: item 5.7 (A manuteno das culturas minoritrias). 291
Tabela 57: item 5.8 (O financiamento das atividades culturais das
minorias pelo Estado). 292
Tabela 58: item 5.9 (Dar direitos legais s minorias).293
Tabela 59: item 5.6 (A igualdade entre todas as culturas). 294
Tabela 60: item 5.5 (A aprendizagem mtua entre as culturas). 294
Tabela 61: item 3.1 (A manuteno de todas as culturas). 295
Tabela 62: item 3.8 (A mudana cultural de todas as culturas). 296
Tabela 63: item 3.2 (A no mudana da cultura minoritria) 296
Tabela 64: item 3.9 (A mudana da cultura minoritria).. 296
Tabela 65: item 3.7 (A no mudana da cultura maioritria) 297
Tabela 66: item 3.14 (A mudana da cultura maioritria). 297
Tabela 67: item 3.5 (A adaptao nova cultura). 299
Tabela 68: item 3.12 (A no adaptao nova cultura) 299
Tabela 69: item 3.3 (A interao de todas as culturas apenas
na sociedade alargada)... 299
Tabela 70: item 3.10 (Uma nova cultura que nasce da interao entre
todas as culturas)... 300
Tabela 71: item 3.4 (A no interao entre as culturas) 301
Tabela 72: item 3.11 (A interao entre as culturas) 301
Tabela 73: item 3.6 (A no mistura entre culturas).. 302
Tabela 74: item 3.13 (A mistura das culturas).. 302
Tabela 75: item 6.1 item (Ser-se assimilado por outra cultura). 316
Tabela 76: item 6.2 (O fim da cultura minoritria) 316
Tabela 77: item 6.3 item (A manuteno de todas as culturas). 317
Tabela 78: Item 6.4 (A no interao entre as culturas) 317
Tabela 79: item 6.5 (A mistura entre as culturas).. 318
Tabela 80: item 6.6 (A interao entre todas as culturas).. 318
Tabela 81: item 6.7 (A adaptao ao local de trabalho). 319
XIX
-
Tabela 82: item 6.8 (Ser funcional na nova cultura).. 319
Tabela 83: item 6.9 (Que todas as culturas so iguais).. 320
Tabela 84: item 6.10 (Que h culturas que esto a influenciar outras).. 320
Tabela 85: item 6.11 (A aprendizagem entre as culturas).. 322
Tabela 86: item 6.12 (A no aprendizagem entre as culturas)322
Tabela 87: item 6.13 (O no progresso cultural).323
Tabela 88: item 6.14 (O progresso cultural)...... 324
XX
-
Vol II
ndice de anexos
1. Questionrio (Portuguese Elementary Acculturation Questionnaire)..........1
2. Tabelas dos resultados do questionrio...........10
Tabela 1: item 2.2 (Os portugueses no causam simpatia em todos os povos)...10
Tabela 2: item 2.6 (Os portugueses no se adaptam a todas as culturas)10
Tabela 3: item 8.1 (Os imigrantes esto a aumentar o desemprego)...10
Tabela 4: item 8.2 (Os imigrantes esto a diminuir o desemprego)10
Tabela 5: item 8.3 (Os imigrantes esto a explorar a segurana social portuguesa)...11
Tabela 6: item 8.4 (Os imigrantes no esto a explorar a segurana social portuguesa)11
Tabela 7: item 8.5 (Os imigrantes no esto a trazer nada de bom para Portugal).11
Tabela 8: item 8.6 (Os imigrantes esto a trazer muito de bom para Portugal)..11
Tabela 9: item 8. 7 (Os imigrantes esto a estragar a cultura portuguesa)..12
Tabela 10: item 8.8 (Os imigrantes esto a melhorar a cultura portuguesa).. 12
Tabela 11: item 8.9 (Os imigrantes so perigosos).12
Tabela 12: item 8.10 (Os imigrantes so pacficos)12
3. Testes paramtricos e no paramtricos
Tabela 13: Questo nmero 1, acha que, em Portugal, um imigrante.13
Tabela 14: Questo nmero 2, responda s seguintes afirmaes...14
Tabela 15: Question nmero 3, o multiculturalismo implica. 15
Tabela 16: Questo nmero 4, acha que um emigrante portugus?............................... 16
Tabela 17: Questo nmero 5, a palavra multicultural significa?.................................. 17
Tabela 18: Questo nmero 6, aculturao significa?.....................................................18
Tabela 19: Questo nmero 7, um grupo tnico ...?......................................................19
Tabela 20: Questo nmero 8, responda s seguintes afirmaes?.................................20
4. Testes ANOVA e Bonferroni Post-Hoc Multiple Comparisons
Tabela 21:Questo nmero 1, acha que, em Portugal, um imigrante?............................21
Tabela 22: Questo nmero 2, responda s seguintes afirmaes...22
XXI
-
Tabela 23: Questo nmero 3, o multiculturalismo implica....23
Tabela 24: Questo nmero 4, acha que um emigrante portugus?................................24
Tabela 25: Questo nmero 5, a palavra multicultural significa?...................................25
Tabela 26: Questo nmero 6, a aculturao significa?..................................................26
Tabela 27: Questo nmero 7, um grupo tnico ?.........................................................27
Tabela 28: Questo nmero 8, responda s seguintes afirmaes?.................................28
5. Tabelas dos resultados da base de dados do Observatrio da Emigrao
Tabela 29: cdigo temas..29
Tabela 30: cdigo temas e anos da publicaes......30
Tabela 31: cdigo temas e a lngua das publicaes...31
Tabela 32: cdigo temas e o pas de acolhimento32
Tabela 33: cdigo anos das publicaes......33
Tabela 34: cdigo lngua das publicaes...33
Tabela 35: cdigo lngua e anos da publicao.......33
Tabela 36: cdigo pas de acolhimento...34
Tabela 37: cdigo pas de acolhimento e anos das publicaes.... 35
6. Cdigos da anlise de contedo...36
7. Anlise de contedo a Ferno Mendes Pinto, parte de Tanegashima..39
8. As dimenses do construto da aculturao enquanto processo...55
Figura 1, a dimenso da interao, posio da maioria...55
Figura 1.1, a dimenso da interao, posio da minoria56
Figura 2, a dimenso da direo como processo.57
Figura 2.1, a dimenso da direo como processo, posio da maioria..58
Figura 2.2, a dimenso da direo como processo, posio da minoria..59
Figura 3, a dimenso da aprendizagem como processo, posio da maioria..60
Figura 3.1, a dimenso da aprendizagem como processo, posio da minoria...61
Figura 4, a dimenso da manuteno como processo, posio da maioria..63
Figura 4.1, a dimenso da manuteno como processo, posio da minoria..64
Figura 4.2, a manuteno cultural como processo em ambas as culturas64
Figura 4.3, a mudana cultural como processo em ambas as culturas65
XXII
-
Figura 4.4, a mudana cultural como processo, posio da maioria...66
Figura 4.5, a mudana cultural como processo, posio da minoria...66
Figura 5, a dimenso da mistura como processo, posio da maioria.67
Figura 5.1, a dimenso da mistura como processo, posio da minoria..68
Figura 6, a dimenso dos domnios como processo, posio da maioria....69
Figura, 6.1, a dimenso dos domnios como processo, posio da minoria70
Figura 7, a dimenso da diversidade como processo, posio da maioria..71
Figura 7.1, a dimenso da diversidade como processo, posio da minoria...72
Figura 8, a dimenso do dinamismo como processo...73
Figura 9, a dimenso das apreenses ticas como processo, posio da maioria73
XXIII
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
1
Introduo geral
Portugal iniciou os descobrimentos, os quais foram percebidos como sendo o
mais importante evento do ltimo milnio em sete pases europeus, nos Estados Unidos da
Amrica e no Japo (Pennebaker, Pez & Deschamps, 2006). A cultura portuguesa est
interligada com as relaes interculturais, constituindo-se como uma cultura privilegiada
para o desenvolvimento da Psicologia Intercultural. Assim dispondo, a cultura portuguesa
ou lusfona constitui-se como a principal fonte de conhecimento para a presente
investigao.
Esta investigao formulou dois objetivos gerais: o primeiro consiste em explorar e
contextualizar a cultura portuguesa da aculturao. O segundo objetivo geral consiste em
voltar definio da aculturao fornecida por Redfield, Linton e Herskovits (1936) e para
os legados de Powell (1880) e de Simons (1901a), ou seja, para a aculturao como um
fenmeno de aprendizagem recproco, tal como foi conceptualizado por Rudmin (2009).
Na presente investigao, o explorar e o contextualizar a cultura portuguesa da aculturao
levou-se a cabo, mormente, atravs da comparao com a cultura anglo-saxnica, pois esta
ltima a predominante na temtica da aculturao. A Psicologia Intercultural, tal como o
conhecimento cientfico (Popper, 2002; Vygotsky, 2002), fazem-se no encontro (ou no
confronto) com uma cultura distinta. A Psicologia Intercultural funciona atravs de
comparaes interculturais, pressupondo que ao conhecer uma cultura distinta ir
acrescentar e aprimorar a sua restrita perceo da realidade (Campbell, D. T., 1987;
Ember & Ember, 2009; Triandis, 2002). A Psicologia Intercultural, quando estabelece
comparaes interculturais, revela os limites do conhecimento duma determinada cultura
ou de si mesma, mas, em simultneo, nessa atitude emptica que se conhece (Rogers,
1957, 1975), acrescentando-se conhecimento e alargando a capacidade de compreender a
cultura distinta e a si prpria. Enfim, a Psicologia Intercultural pretende, deste modo,
acrescentar um sentido de tolerncia s diferentes culturas (Rudmin, 1991) em contato
intercultural.
Na presente investigao, a tentativa de contextualizar a cultura portuguesa da
aculturao pressupe que a cultura lusfona distinta face abordagem praticada na
cultura anglo-saxnica; pressupe tambm que ao se estabelecer (ou apenas se explorar) a
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
2
cultura portuguesa da aculturao, esta ltima ir complementar a cultura anglo-saxnica,
alargando o campo da ao da Psicologia Intercultural, aumentando o seu poder descritivo
e explicativo perante a extrema complexidade da realidade cultural envolvente, situando
ainda a cultura portuguesa da aculturao no ponto de vista da literatura anglo-saxnica
predominante.
Esta investigao elaborou-se ao longo de quatro momentos fundamentais, o
primeiro dos momentos desencadeado pela mera curiosidade. Um segundo momento
emergiu na forma de perplexidade intelectual e de obstculo metodolgico, pois a reviso
da literatura acerca da Psicologia Intercultural revelou que o contexto histrico portugus
no se adequava investigao dominante anglo-saxnica acerca da aculturao, sendo,
que, pelo contrrio, o contexto portugus da aculturao prximo das definies
fundamentais acerca do fenmeno da aculturao (Powell, 1880; Redfield, et al., 1936;
Simons. 1901a), pois o discurso histrico portugus reporta aprendizagem recproca e a
literatura anglo-saxnica dominante apenas enfatiza a aprendizagem da minoria face
cultura maioritria. Tratava-se, pois, neste segundo momento, de contextualizar o contexto
portugus da aculturao luz dessas teorizaes inaugurais e basilares acerca do
fenmeno da aprendizagem duma segunda cultura (Powell, 1880; Redfield, et al., 1936;
Simons, 1901a), aplicando o modelo de Rudmin (2009), na medida em que este se centra
na aculturao enquanto um fenmeno de aprendizagem recproco e motivado. Ao longo
da presente investigao, no entanto, uma segunda perplexidade e um terceiro momento
surgiram, uma vez que as definies iniciais do fenmeno (Powell, 1880; Redfield, et al.,
1936; Simons, 1901a) e a caraterstica luso-tropical (Freyre, 1986) de fuso da cultura
portuguesa esto em contradio com a realidade social portuguesa e, inclusivamente,
em contradio face investigao prvia acerca da emigrao portuguesa levada a cabo
pelo doutorando (Castro, J. F. P., 2008, 2011, 2012; Castro & Marques, 2003), e ainda
face reviso da literatura realizada aos fenmenos da imigrao e da emigrao
portuguesas. Portanto, o contexto portugus foi contextualizado como sendo marcado pela
cultura de misturas e de fuso (Simons, 1901a), isto , pelo luso-tropicalismo (Freyre,
1986), no qual a aprendizagem com dois sentidos emerge, mas tambm foi marcado pelas
fortes motivaes e relaes interculturais assimtricas, as quais se estendem at aos
fenmenos da emigrao e da imigrao, revelando que, para alm da cultura luso-tropical
(Freyre, 1986), conceptualizada em 1933, o contexto da aculturao portuguesa
caracterizado, em simultneo, mediante dois nveis avaliativos, isto , uma avaliao
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
3
ideal e outra real (Navas, Garca, Snchez, Rojas, Pumares & Fernndez, 2005),
correspondendo a avaliao realista aos atuais fenmenos da emigrao e da imigrao
portuguesas e a idealista ao luso-tropicalismo (Freyre, 1986) e ao passado histrico
portugus, terminando este por ser o quarto e derradeiro momento da tese, ou seja, que a
cultura portuguesa da aculturao funciona por misturas, tal como reportado na teoria
luso-tropical (Freyre, 1986) e na literatura histrica portuguesa, sendo prxima das
definies iniciais do fenmeno da aculturao (Powell, 1880; Redfield, et al., 1936;
Simons, 1901a) e do modelo de fuso (Arends-Tth & Van de Vijver, 2006a), mas que
tambm funciona mediante as dimenses doutros modelos, por exemplo, atravs da
manuteno cultural, a qual caraterstica do modelo multicultural (Berry, 1974, 1997).
Eis que ambos os objetivos gerais terminaram por conferir a forma dum estudo
exploratrio presente investigao, unindo, no entanto, ambos os objetivos gerais, isto ,
o explorar e o contextualizar a cultura portuguesa da aculturao e abordar a aculturao
como um fenmeno de aprendizagem recproco. A cultura portuguesa da aculturao
poder ser contextualizada como funcionando atravs das misturas culturais, as quais
foram idealizadas devido ao passado histrico portugus e porque a cultura e a aculturao
so processos dinmicos de criao cultural em todas as culturas em contato, no entanto a
cultura portuguesa da aculturao funciona tambm atravs da imposio cultural tpica do
modelo da assimilao, sobretudo, no que diz respeito aos imigrantes a residirem em
Portugal, e atravs do desejo da manuteno cultural do modelo multicultural junto,
sobretudo, dos emigrantes portugueses e da cultura portuguesa. A aprendizagem
intercultural opera em todos os modelos da aculturao, sendo que a aculturao muda as
culturas maioritrias e as minoritrias, em simultneo. Os quatro momentos da
investigao de doutoramento so descritos com mais detalhe, de seguida.
No primeiro momento, a investigao desencadeou-se, qui, a partir duma
conversa num caf de Shinjuku, Tquio, pois duas pessoas de diferentes culturas tinham
acabado de se conhecerem de forma fortuita, sendo que a inicial curiosidade mtua acerca
das diferenas e das semelhantes entre as suas culturas deu lugar a uma acesa discusso,
uma vez que as comparaes culturais implicam avaliaes positivas ou negativas acerca
das diversas culturas (Barth, 1969; Bartlett, 1923), ou seja, acerca desses mesmos
indivduos. O encontro do Japo no apenas estimulava a curiosidade acerca da cultura
nipnica, seno que tambm colocava em causa a cultura e as concees do mundo deste
doutorando, desencadeando nele uma curiosidade acrescida acerca da sua cultura em
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
4
confronto comparativo com outras culturas. Neste primeiro momento, levou-se a cabo
uma reviso da literatura intercultural acerca da relao intercultural entre o Japo e
Portugal, abarcando as obras de Mores (1993a, 1993b, 2006), de Janeira (1956, 1966,
1970a, 1970b, 1981), de Ferno Mendes Pinto (1989a, 1989b) e de Lus de Fris (1976,
1981, 1982, 1983, 1984), e ainda foi revista a literatura acerca da Psicologia Intercultural
do Journal of Cross-Cultural Psychology, nomeadamente, acerca da temtica da
aculturao.
No segundo momento da presente investigao, a curiosidade inicial deparou-se
com um obstculo metodolgico, pois a palavra aculturao foi cunhada por Powell
(1880) como uma temtica restrita aprendizagem duma segunda cultura. No entanto, o
fenmeno da aculturao, usualmente, no abordado em relao com a aprendizagem
intercultural. Em finais do sculo XIX, o conhecimento acerca das culturas estranhas (ou
ditas primitivas) era considerado essencial para se compreender a cultura ocidental atravs
dum elemento cultural comum aos seres humanos, isto , a linguagem (oral). A
aculturao aborda, pois uma temtica to importante como a aprendizagem entre
diferentes grupos culturais, ou seja, aborda o tema da formao da cultura e da sua
inovao mediante a aprendizagem. Contudo, a investigao psicolgica acerca da
aculturao, usualmente, no aborda a aculturao como um mero fenmeno de
aprendizagem intercultural, seno que atravs das apreenses socioculturais da dominao
ou da discriminao social (Rudmin, 2009), ou seja, este doutorando observou uma
contradio, pois as definies e as concees de Powell (1880), de Simons, (1901a) ou de
Redfield, et al. (1936) apontam para a aculturao como aprendizagem com dois sentidos,
no entanto, o fenmeno , raramente, abordado como tal na Psicologia Intercultural. A
reviso da literatura deparou-se, entretanto, com o artigo de Rudmin (2003b) acerca das
cento e vinte e seis taxonomias e descries do construto da aculturao e, mais tarde, com
o modelo de Rudmin (2009), no qual se definiu o construto da aculturao como sendo a
aprendizagem duma segunda cultura, independentemente, da direo da aprendizagem,
isto , no referido modelo a maioria e a minoria aprendem mutuamente uma com a outra.
Assim dispondo, numa segunda fase da investigao de doutoramento, aps a
curiosidade inicial e a primeira reviso da literatura, tratou-se de demonstrar que, na
cultura portuguesa, a aprendizagem recproca reportada, sendo, inclusivamente, que ela
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
5
parte da identidade histrica portuguesa (Loureno, E., 1978, 1988, 1989a, 1989b, 1994;
Martins, 1956; Mattoso, 1998; Saraiva, 1995, 1996; Silva, A. 2009). A investigao de
doutoramento, neste segundo momento, levou a cabo uma anlise de contedo (Bardin,
1979; Krippendorff, 2004) a algumas obras literrias portuguesas de valor histrico, isto ,
s obras de Ferno Mendes Pinto (1989a, 1989b) e de Lus de Fris (1976, 1981, 1982,
1983, 1984), empregando o modelo de Rudmin (2009), e ainda a Grounded Theory
(Glaser & Strauss, 1999, 2009; Strauss & Corbin, 1998) e a anlise narrativista (Bruner,
1990; Liu & Hilton, 2005; Moscovici, 1981, 1986) enquanto tcnicas metodolgicas.
No contexto portugus estudado, isto , na relao intercultural entre o Japo e
Portugal do sculo XVI, uma minoria europeia (a portuguesa) aprendia uma cultura
estranha (a japonesa), na inteno de mudar a referida cultura e, possivelmente, de a
assimilar ou de a misturar com a cultura europeia, sendo que, por sua vez, a cultura
japonesa aprendia a cultura e a religio europeias, mudando, at perseguio e expulso
trgica dos catlicos do Japo, do sculo XVII. A presente investigao de doutoramento
teria assim a vantagem de oferecer um ponto de vista oposto ao anglo-saxnico (Popper,
2002), ao desenvolver a cultura portuguesa da aculturao, situando-a no contexto da
Psicologia Intercultural, complementando a cultura anglo-saxnica. Contudo, o
doutorando estaria a fazer aquilo que McGuire (1973) alertou como sendo uma das
maiores ameaas Psicologia Social, ou seja, procurar at encontrar aquilo que,
previamente, se desejava ver. Portanto, o doutorando estaria a revelar os seus preconceitos
culturais (Bachelard, 1967) ou a sua conceo do mundo (Matsumoto, 2006). A
aculturao como aprendizagem recproca emerge na cultura portuguesa naturalmente,
uma vez que ela se constitui, presumivelmente, como uma ideologia consensual1, sendo
parte da identidade portuguesa, e tendo sido conceptualizada pelo brasileiro Gilberto
Freyre (1986), em 1933, designando-a, mais tarde, de luso-tropicalismo. Contudo, a
ideologia consensual do luso-tropicalismo tem, aparentemente, como contraditrio a
prpria realidade sociolgica portuguesa e as literaturas referentes aos fenmenos da
emigrao e da imigrao portuguesas, as quais so, maioritariamente, abordadas atravs
do modelo da assimilao e no atravs das misturas culturais, ou seja, atravs do modelo
de fuso (Arends-Tth & Van de Vijver, 2006a), sendo ainda que a literatura acerca da
1 No contexto da presente tese de doutoramento, a ideologia consensual deve ser entendida como sendo constituda por
percees e avaliaes culturais partilhadas, mas no como uma ideologia formalmente concetualizada. Para alm do
mais, as ltimas so tambm fenmenos culturais.
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
6
emigrao portuguesa distinta da literatura anglo-saxnica, uma vez que esta ltima
utiliza, usualmente, o modelo multicultural.
No terceiro momento, o primeiro objetivo geral da investigao de doutoramento
no se encontrava coberto, uma vez que a cultura da aculturao portuguesa no poderia
ser caracterizada como sendo uma cultura de misturas, pois a cultura luso-tropical, em
Portugal, entra em contradio com a realidade social e com as literaturas da emigrao
e da imigrao portuguesas. A aplicao do modelo da aculturao de Rudmin (2009), na
anlise de contedo, revelou ainda que a aprendizagem duma segunda cultura, apesar de
ter dois sentidos recprocos, se realiza mediante fortes motivaes e, no raramente,
atravs de relaes antagnicas. O modelo de Rudmin (2009) abarca as principais
temticas da aculturao, colocando como variveis de controlo o estatuto
socioeconmico e a perceo da discriminao, isto , o modelo de Rudmin (2009)
regressa s enunciaes iniciais de Powell (1880), de Simons (1901a) ou de Redfield, et
al. (1936), pois coloca a nfase numa matria inerentemente psicolgica, isto , a
aprendizagem. Contudo, o modelo de Rudmin (2009) tambm coloca a nfase nas
motivaes e nas intenes aculturativas, as quais foram descritas por Malinowski (1958)
como sendo fundamentais para se abordar o fenmeno da aculturao.
Eis que, no incio do terceiro momento, a nfase da investigao de doutoramento
se deslocou at s apreenses socioculturais acerca da dominao social ou das relaes
antagnicas, ganhando a investigao acerca da aculturao e o prprio construto da
aculturao conotaes ambguas, as quais se relacionam com o perodo colonial
portugus e com as relaes assimtricas de poder. Esta investigao de doutoramento
deparou-se, deste modo, com um segundo obstculo e perplexidade metodolgicas,
ganhando a investigao o seu terceiro momento, pois a cultura histrica portuguesa era
parcialmente contraditria face atual realidade sociolgica e, inclusivamente, perante a
investigao prvia do doutorando acerca da emigrao portuguesa (Castro, J. F. P, 2008,
2012; Castro & Marques, 2003). Assim dispondo, a cultura portuguesa da aculturao e o
luso-tropicalismo (Freyre, 1986), o qual serve de paradigma da primeira, ganham
contornos ambguos, tal como o construto da aculturao em si mesmo, sendo que essa
ambiguidade j se encontrava, por exemplo, presente nos trabalhos pioneiros da
Antropologia portuguesa (Leal, J., 2000b) acerca do fenmeno. O construto da aculturao
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
7
revela um significado ambguo, uma vez que, por um lado, emerge dos pontos de vista
humanista e universalista, os quais esto presentes na postura tica da Antropologia
(Malinowski, 1932), isto , preservar os legados culturais e, ao mesmo tempo, abarcar as
diferentes culturas no conhecimento ocidental, contudo, por outro lado, a aculturao
emergiu sob fortes conflitos culturais e interculturais, sob o domnio ocidental (Boas,
1962; Malinowski, 1958).
No que diz respeito ao primeiro objetivo geral da presente tese se, por um lado, a
cultura histrica portuguesa da aculturao se revelou distinta da anglo-saxnica, por outro
lado, restava saber se as presentes reaes temtica da aculturao o eram tambm.
Assim sendo, no sentido de explorar e de contextualizar a cultura portuguesa da
aculturao, deveria ser necessrio acrescentar as atuais reaes aculturao, isto , a
emigrao e a imigrao portuguesas, isto porque a realidade sociolgica, a reviso da
literatura s temticas da emigrao e da imigrao estavam a assinalar que a cultura
portuguesa da aculturao no preferia o modelo de fuso (Arends-Tth & Van de Vijver,
2006a) e as suas misturas culturais. O terceiro momento encontrou-se, pois, fundado em
razes de natureza sociolgica e tica, mas tambm em motivos metodolgicos devido
diferena entre o discurso histrico e a realidade atual, conduzindo a investigao de
doutoramento ao problema da falta de equivalncia (Ember & Ember, 2009; Poortinga,
1997), pois as diferentes realidades culturais remetem para diferentes abordagens e
modelos da aculturao, no permitindo estabelecer comparaes interculturais entre os
modelos da aculturao e no permitindo ou dificultando cumprir o primeiro objetivo
geral, isto , o explorar e o contextualizar a cultura portuguesa da aculturao. Assim
dispondo, assistiu-se necessidade de definir o prprio construto da aculturao no
sentido de aprofundar o contexto portugus da aculturao.
A incluso das temticas da emigrao e da imigrao portuguesas conduziram a
investigao de doutoramento at ao mtodo misto (Clark & Creswell, 2011), incluindo,
para alm da anlise de contedo (Allport, 1942a; Krippendorff, 2004), o trabalho
etnogrfico de campo e o quantitativo (Pasquali & Primi, 2003). Assim dispondo, no
trabalho quantitativo foram includas uma amostra de imigrantes cabo-verdianos a
residirem em Portugal e outra amostra de emigrantes portugueses a residirem em Metz,
Frana, para alm da amostra da maioria portuguesa. No que diz respeito ao trabalho
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
8
quantitativo, a diferena entre a cultura anglo-saxnica e a cultura portuguesa da
aculturao foi suposta assentar num vis de construto e uma falta de equivalncia (Ember
& Ember, 2009). Portanto, o trabalho quantitativo tinha como misso explorar as reaes
das diferentes amostras aos modelos de aculturao (a assimilao, o multicultural, a fuso
e o intercultural), tentando perceber qual era o modelo preferido na cultura portuguesa e
lusfona (cabo-verdiana). Tentou-se tambm observar como alguns construtos essenciais
temtica da aculturao eram reportados na cultura portuguesa e lusfona; assim, por
exemplo, o construto do multiculturalismo, em Portugal, por vezes, apresentado como
contendo interao, quando ele presume, na cultura anglo-saxnica, separao cultural, no
sentido de fomentar a manuteno cultural da cultura minoritria (Machado, I. J. R., 2006;
Rocha-Trindade, 2010a; Vala, Lopes & Lima, 2008). Para alm da diferena entre os
modelos de fuso e do multicultural, outros construtos estudados foram o da identidade
tnica, do multiculturalismo e da prpria aculturao. Os modelos da aculturao foram
revisitados e divididos pelas suas dimenses (Pasquali & Primi, 2003), tendo em conta as
posies aculturativas da maioria e da minoria, no sentido de elaborar dum questionrio
exploratrio, ou seja, o Portuguese Elementary Acculturation Questionnaire (PEAQ).
A realidade sociolgica e a reviso da literatura remetiam no apenas para um
vis de construto, seno que tambm para a existncia duma ideologia consensual presente
na cultura portuguesa da aculturao, conduzindo existncia de dois nveis de avaliao,
isto , uma avaliao ideal e outra real, as quais eram presumidas mudarem consoante
a posio social das amostras e das apreenses acerca das suas mudanas sociais. O nvel
ideal corresponde ao luso-tropicalismo (Freyre, 1986) e ao modelo de fuso (Arends-
Tth & Van de Vijver, 2006a) e o real varia consoante a posio social ou o estatuto
social2 das amostras face s respectivas mudanas aculturativas. A incluso dos imigrantes
cabo-verdianos e dos emigrantes portugueses no estudo, tanto no trabalho quantitativo
como no etnogrfico de campo, visava abarcar tanto quanto possvel a aculturao como
tendo dois sentidos, isto , facultando importncia ao segundo objetivo geral, sendo que a
aprendizagem condicionada pelas diferentes motivaes que cada grupo cultural assume
face s mudanas provenientes do processo aculturativo. Deste modo, os dois objetivos
gerais encontravam-se conectados, sendo que a incluso das motivaes mediante o
estatuto social, tentou resolver o dilema entre o luso-tropicalismo como ideologia
2 No presente trabalho o estatuto social remete para a posio ou reao face s mudanas culturais prprias ou alheias,
as quais so o efeito da aculturao. O estatuto social decorre da posio face a essas mesmas mudanas culturais,
encontrando-se prximo da conceo de Pierre Bourdieu (1992, 1997, 2001).
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
9
consensual e a realidade social portuguesa que aponta para a assimilao ou para o
modelo intercultural face ao fenmeno da imigrao.
No quarto momento, se concluiu que nenhum modelo da aculturao se adequa por
completo ao contexto portugus da aculturao e que as preferncias ou as atitudes
culturais (Berry, 1997) variam consoante as posies ou os estatutos sociais das amostras
(Navas, et al., 2005), revelando como as motivaes, nomeadamente, a apreenso com a
mudana cultural prpria (Bourhis, Moise, Perreault & Sencal, 1997), modelam a reao
ao processo da aculturao. A adaptao cultural e a aprendizagem apareceram nas
respostas ao questionrio altamente motivadas, tal como, de resto, a anlise de contedo
reportou, revelando diferenciao entre as amostras e as culturas, mas tambm uma
diferenciao intragrupal entre a amostra da maioria portuguesa e a dos emigrantes
portugueses, pois a perceo acerca das mudanas culturais das duas amostras foi distinta.
Portanto, as preferncias aculturativas so complexas e relativas (Navas, et al., 2005),
sendo que o processo de aculturao se revelou ainda seletivo, multidimensional e
negociado. Assim dispondo, as mesmas estratgias aculturativas no so sempre aplicadas
ou as mesmas opes no so preferidas quando a interao com outras culturas tem lugar
em diferentes domnios aculturativos e entre diferentes classes sociais, ou seja, o processo
aculturativo foi seletivo em ambas as culturas, sendo negociado pelos diferentes grupos
culturais, os quais reportaram diferenas intergrupais e intragrupais. A cultura portuguesa
da aculturao parece, desta forma, funcionar, em simultneo, atravs duma avaliao
ideal, a qual corresponde ao luso-tropicalismo (Freyre, 1986) e uma avaliao real, a
qual corresponde aos fenmenos aculturativos da imigrao e da emigrao portuguesas.
Conclui-se tambm que o prprio construto da aculturao tem sido, muitas vezes,
escassamente utilizado na cultura portuguesa devido ao passado das colonizaes
portuguesas. Os resultados do questionrio podero verter luz para futuras investigaes,
nomeadamente, no uso das dimenses do construto da aculturao no sentido de estudar o
fenmeno, tendo em considerao as especificidades da cultura portuguesa, a qual preferiu
as misturas culturais, a dimenso sociodemogrfica do modelo multicultural (Inglis,
1996), ou seja, diferentes culturas a viverem no mesmo espao, contudo preferiu apenas a
adaptao pblica dos imigrantes (Navas, et al., 2005) e tambm a manuteno cultural
dos emigrantes portugueses.
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
10
O trabalho etnogrfico de campo tambm mostrou que nenhum modelo de
aculturao se adequa em ambas as culturas ou grupos sociais abordados, isto , os cabo-
verdianos a viverem na regio do Porto, Portugal, e os emigrantes portugueses a viverem
em Metz, Frana, sendo que ambas as culturas revelaram misturas culturais no seu
quotidiano, apreenses com as suas mudanas e manuteno culturais, e ainda uma
deciso de utilidade no processo de adaptao s segundas culturas. Assim dispondo, os
modelos de fuso, o multicultural e o intercultural se realizam, em simultneo, reportando
a cultura e a aculturao como processos dinmicos de criao, de recriao e de
aprendizagem interculturais. Finalmente, no sentido de explorar e contextualizar a cultura
portuguesa da aculturao, foi delineado e sugerido um possvel construto que no apenas
reflete a cultura portuguesa e luso-tropical, seno que capaz de mostrar, em simultneo,
as misturas e a manuteno culturais, isto , a saudade. Na presente investigao
enfatizou-se tambm a importncia de se ter em considerao os contextos culturais
prprios em referncia com os predominantes, assim como da importncia da prpria
origem e evoluo do construto da aculturao na investigao da mesma.
No primeiro captulo da tese aborda-se o enquadramento terico da mesma, isto ,
as razes que conduziram investigao de doutoramento. O segundo captulo versa
acerca das apreenses com as mudanas culturais, pois para alm da aculturao ser
compreendida como um fenmeno de aprendizagem, muitas vezes, um processo
antagnico de interao e de trocas interculturais, as quais conduzem s mudanas sociais
e s apreenses e reaes motivacionais acerca das mesmas. No terceiro captulo
enfatizado a importncia do construto da cultura e a sua relao e implicaes para o
estudo da aculturao. Aps isto, so descritos os principais modelos da aculturao, isto
, o da assimilao, o multicultural, o da fuso e o intercultural, sendo que os modelos
foram divididos pelas suas dimenses em eixos e comparados, no sentido de construir um
questionrio exploratrio, isto , o (PEAQ). No captulo nmero quatro o modelo de
Rudmin (2009) foi tambm descrito, alargado e adaptado ao contexto portugus, pois foi
utilizado na anlise de contedo (Allport, 1942a; Allport & Odbert, 1936; Krippendorff,
2004), na forma de cdigos de anlise de contedo. Na presente investigao segue-se a
descrio da abordagem metodolgica, isto , das metateorias empregues, dos objetivos,
das hipteses do estudo e da razo do emprego do mtodo misto, assim como as
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
11
descries da anlise de contedo e do trabalho quantitativo, e do etnogrfico de campo,
abarcando os captulos cinco at ao quatorze.
Aps a descrio da metodologia aplicada, segue-se a descrio do trabalho
emprico, o qual se inicia com a anlise de contedo, e que emprega o modelo de Rudmin
(2009), nas obras literrias de Ferno Mendes Pinto (1989a, 1989b) do captulo quinze, e
na obra maior de Lus de Fris (1976, 1981, 1982, 1983, 1984) no captulo dezasseis. A
obra maior de Gilberto Freyre (1986) includa no sentido de contextualizar a cultura
portuguesa da aculturao, sendo que no captulo referente a este autor, ou seja, no
dezassete, a tcnica da anlise de contedo complementada pelo trabalho quantitativo,
no sentido de confrontar a teoria luso-tropical com as dimenses dos modelos da
aculturao, nomeadamente com o modelo de fuso. O captulo quinze acerca de Ferno
Mendes Pinto, o captulo dezasseis acerca da obra maior de Lus de Fris e o dezassete
acerca de Gilberto Freyre abarcam, grosso modo, o segundo momento da investigao de
doutoramento, pois tentam reportar e contextualizar a cultura portuguesa da aculturao
como sendo caracterizada pela aprendizagem recproca e pelas misturas culturais, unindo
ambos os objetivos gerais da presente investigao. No entanto, no captulo dezassete
dedicado a Freyre, o terceiro momento da presente investigao emerge, pois a suposta
caraterstica portuguesa de reportar aprendizagem intercultural mtua necessita de ser
confrontada com os fenmenos da emigrao e da imigrao portuguesas, e ainda face s
reaes mudana da cultura portuguesa. Para alm das escolhas aculturativas serem
distintas consoante o grupo cultural alvo de mudana social, a presumvel cultura
portuguesa de fuso levanta questes ticas, uma vez que as misturas culturais so feitas
apenas nas culturas em contato com a cultura portuguesa, e porque as relaes
interculturais pressupem uma relao assimtrica de poder, na qual a cultura portuguesa
detinha uma posio de domnio cultural.
Assim dispondo, o trabalho quantitativo e o terceiro momento da investigao de
doutoramento tm continuao na temtica da emigrao do captulo dezoito. A teoria
luso-tropical (Freyre, 1959, 1986) confrontada com a realidade atual mediante o uso
do trabalho quantitativo, pois pressuposto que a amostra de emigrantes portugueses
expresse elevadas apreenses com as suas mudanas culturais, no preferindo o modelo de
fuso. O trabalho etnogrfico de campo , aqui, includo, tendo sido realizado junto da
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
12
comunidade portuguesa em Metz, Frana. No captulo dezanove, a temtica da imigrao
prossegue a tentativa de verificar as contradies da teoria luso-tropical (Freyre, 1959,
1986), desta feita face aos imigrantes cabo-verdianos a viverem na cidade do Porto, com
os quais foi tambm levado a cabo trabalho etnogrfico de campo, sendo que era esperado
que os imigrantes cabo-verdianos reportassem elevadas apreenses acerca da sua mudana
social, apesar de preferirem as misturas culturais do modelo de fuso e da teoria luso-
tropical (Freyre, 1986). No captulo vinte, a tentativa de definir a cultura portuguesa da
aculturao prossegue, desta feita, no apenas em confronto com o teoria luso-tropical,
seno que com o modelo multicultural e com a cultura anglo-saxnica, tentando verificar
como os construtos do multiculturalismo e da identidade tnica funcionam no contexto
portugus, tentando ainda verificar se as amostras preferem os modelos de fuso ou o
multicultural ou ainda ambos os modelos. O contexto da aculturao portugus revela-se
diferente face ao anglo-saxnico, pois os construtos ganham um sentido distinto ao
proposto pelo modelo multicultural, sendo que a cultura portuguesa avalia de forma
positiva a interao, as misturas interculturais, em simultneo, com a manuteno cultural.
No captulo vinte e um o construto de aculturao que dividido em algumas das suas
dimenses e confrontado com as respostas das trs amostras, isto , a maioria portuguesa,
os emigrantes portugueses e os imigrantes cabo-verdianos. A cultura portuguesa da
aculturao revela as dificuldades e os desafios de abordar a aculturao como um
processo de aprendizagem recproco, permanecendo a explorao das formas de
aprendizagem recproca (Rudmin, 2009), talvez, como a principal limitao do estudo e
desafio futuro no mbito da cultura portuguesa ou lusfona. Na presente investigao,
finalmente, seguem-se a discusso e a concluso gerais, no qual proposto que a
aculturao seja abordada pelas suas caratersticas interativas e dinmicas.
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
13
I. Enquadramento terico
1. Razes para se iniciar a investigao e a problemtica
A investigao de doutoramento props dois objetivos principais. No primeiro
objetivo geral tratou-se de contextualizar e explorar a cultura portuguesa da aculturao.
No segundo objetivo geral pretendeu-se abordar a aculturao como um fenmeno de
aprendizagem intercultural (Rudmin, 2009). O primeiro objetivo geral implicava
estabelecer uma comparao com a cultura anglo-saxnica. Contudo, a presente
investigao deparou-se com um obstculo metodolgico e epistemolgico porque a
cultura histrica portuguesa, a experincia do doutorando e o processo de globalizao no
se adequavam literatura predominante, ou seja, literatura multicultural da cultura
anglo-saxnica. Portanto, os dois objetivos gerais encontravam-se ameaados devido
falta de equivalncia e ao vis de construto (Ember & Ember, 2009; Poortinga, 1997), na
medida em que os diferentes quadros tericos da cultura anglo-saxnica e da portuguesa
no permitiram estabelecer comparaes interculturais robustas. Para alm do mais, a
literatura multicultural aborda o fenmeno da aculturao atravs duma ideologia,
colocando questes ticas. As razes para se iniciar a investigao e a problemtica esto
expostas no presente captulo, o qual corresponde, grosso modo, ao segundo momento da
investigao de doutoramento.
1.1 A cultura histrica portuguesa
A presente investigao tem subjacente a cultura portuguesa, a qual est interligada
com as relaes interculturais, moldando a identidade lusa. Portugal iniciou os
descobrimentos, os quais foram percebidos como sendo o mais importante evento do
ltimo milnio3 em sete pases europeus, nos Estados Unidos da Amrica e no Japo
(Pennebaker, et al., 2006). Para alm do mais, Portugal foi o primeiro e o ltimo imprio
colonial europeu, uma vez que o imprio portugus ter comeado, em 1415, com a
3 A partir dum ponto de vista tico, necessrio afirmar que estas representaes sociais da histria so eurocntricas
porque a maior parte das respostas so acerca de eventos ocidentais (Liu, Goldstein-Hawes, Hilton, Huang, Gastardo-
Conaco, Dresler-Hawke, Pittolo, Hong, Ward, Abraham, Kashima, Kashima, Ohashi, Yuki, & Hidaka, 2005).
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
14
conquista de Ceuta (hoje, Ceuta um enclave espanhol no norte de frica) e terminou
apenas, em 1999, com a devoluo da administrao de Macau Repblica Popular da
China ou, em 2002, devido independncia de Timor-Leste. Os portugueses comearam a
deslocaram-se para o ultramar nas primeiras dcadas do sculo XV (Serro, 1985),
colonizando, conquistando e estabelecendo relaes comerciais em frica, na sia e nas
Amricas. O Brasil tornou-se independente, em 1822. Em consequncia, na cultura
portuguesa possvel falar no fenmeno da emigrao4, desde a independncia do Brasil.
Aps a revoluo democrtica portuguesa de 1974, e aps o processo de descolonizao,
Portugal comeou a constituir-se como sendo um destino de imigrantes, aumentando a sua
diversidade interna, para alm da presena de minorias5 mais antigas (Bastos, J. G. P.,
2007; Machado, F. L., 1992, 2003).
A cultura portuguesa presume que os portugueses so capazes e propensos a se
adaptarem culturalmente a todas as culturas. No contexto cultural portugus a interao
mtua reportada e encontra-se tambm reportado que os portugueses aprenderam no
contato com culturas distintas, inclusivamente, quando se constituram como sendo o
grupo cultural maioritrio (Lowndes, 2009; Marques, R. M. P., 2003; Souza, 2012). Braga
(1985), Dias, A. J. (1986) e, mais recentemente, Santos, B. S., (1991) enfatizam o esprito
aventureiro dos portugueses, a capacidade para fazerem misturas culturais (Dias, A. J.,
1986) e, ainda, a capacidade de aprenderem com outras culturas (Dias, 1986; Santos, B.
S., 1991). Em consequncia, perceber o fenmeno da aculturao como dispondo de dois
sentidos seria intrnseco cultura portuguesa. Contudo, no raramente, a adaptao
portuguesa foi levada a cabo atravs de relaes interculturais assimtricas e antagnicas
(Sabaratnam, 2001). Por exemplo, as classes sociais mais elevadas do Sri Lanka estavam
aculturadas cultura portuguesa e os portugueses aprendiam a lngua nativa e os seus
costumes (Sabaratnam, 2001), contudo a relao foi estabelecida mediante o uso da
violncia por parte dos portugueses. Assim dispondo, o contato intercultural foi um
processo com dois sentidos, porm foi antagnico. Na cultura portuguesa o fenmeno da
4 Os imigrantes podem ser definidos como indivduos no residentes que entraram em Portugal com a inteno de
estabelecerem residncia e os emigrantes como os portugueses que, presentemente, no residem, em Portugal. Para alm
da dimenso residencial e dos propsito da estadia, a imigrao pode ser definida atravs do tempo da estadia, pela
nacionalidade e pelo local de nascimento (Bilsborrow, Hugo, Oberai, & Zlotnik, 1997).
5 As palavras maioria e minoria so aplicadas na investigao. Contudo, as palavras mais corretas seriam a cultura
dominante e a dominada porque a questo gira em torno duma relao de poder assimtrica. Para alm do mais, muitas
vezes, a maioria menos numerosa do que a minoria (Simons, 1901a, 1901b).
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
15
aculturao ainda se relaciona como a apreenso acerca da evoluo da identidade
portuguesa (Arenas, 2005; Loureno, 1988).
Na presente investigao enfatizou-se, deste modo, o discurso histrico acerca do
fenmeno da aculturao, fornecendo importncia no apenas ao discurso histrico
portugus, seno que tambm evoluo histrica do construto da aculturao. Segundo
Coenders, Lubbers, Scheepers e Verkuyten (2008), no estudo da aculturao abordar o
discurso histrico to essencial como ter em conta o discurso poltico (Jackson, Brown
& Kirby, 1998; Pettigrew, 1998a) ou to til como abordar as condies econmicas no
sentido de contextualizar a investigao. Kramer (2000), Leal, J. (2011) e Rudmin (2003b,
2003c) tambm chamam a ateno para a presente amnsia face histria do construto
da aculturao.
De resto, a literatura dominante (multicultural e anglo-saxnica) apenas foca o
esforo da minoria para se adaptar culturalmente face maioria (Bhatia, 2007a; Geschke,
Mummendey, Kessler & Funke, 2010; Montreuil & Bourhis, 2001; Piontkowski,
Rohmann & Florack, 2002; Schnpflug, 2002). No entanto, no campo da Psicologia
Social, Moscovici (1996) estudou como uma minoria influncia uma maioria. No presente
desenho da investigao, a cultura portuguesa oferece um contexto cultural, no qual
possvel abordar a aculturao como dispondo de dois sentidos devido existncia de
imigrantes e de emigrantes portugueses, pois Portugal ocupa uma posio perifrica ou
intermdia no cenrio internacional (Santos, B. S., 1991). Em resumo, o contexto histrico
portugus acerca da aculturao no se adequa literatura dominante, uma vez que a
ltima apenas enfatiza o processo de aprendizagem da minoria (no europeia ou ocidental)
e evita abordar a aculturao como um processo antagnico com dois sentidos.
1.2 A experincia do doutorando
O doutorando proveniente do noroeste de Portugal, regio de fronteira com a
Galiza. Ele cresceu a ouvir e a falar portugus, galego, castelhano e, em menor grau,
francs (falado pelos emigrantes portugueses) e ingls (atravs dos meios de comunicao
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
16
social). O doutorando vivenciou que os habitantes de Melgao no eram conscientes de
que alguns dos seus problemas eram devidos aos efeitos da aculturao (Castro, J. F. P.,
2011; Castro & Marques, 2003). A aculturao dos emigrantes portugueses realizada
mormente, em Frana, provocou conflitos intragrupais em Melgao (Castro, J. F. P., 2011,
2012; Castro & Marques, 2003; Gonalves, A., 1996; Nunes, A., 2000; Nunes, J., 1997;
Wateau, 1992, 2000). Como Wieviorka (2011) escreveu: . . . immigrants might very well
act as mediators . . . and influence the culture of their society of origin . . .. (pp. 52-53). O
doutorando viveu fora do seu pas e experienciou diferentes tipos de aculturao, segundo
a cultura de destino e conforme o seu estatuto legal de turista, de imigrante ou de cidado
europeu. Ele reportou-se a si prprio atravs de diferentes etiquetas identitrias
(portugus, galego, europeu ou latino), no entanto nunca experienciou a aculturao como
um choque cultural (Oberg, 1960), pois, muitas vezes, a aprendizagem duma segunda
cultura no implica sofrer um choque cultural (Rudmin, 2009; Vieira & Trindade, 2008)
ou mudar a identidade tnica (Taft, R., 1981, 2007). Contudo, ele percebeu discriminao
subtil (Pettigrew & Meertens, 1995). Para alm disso, o doutorando tem desenvolvido
estudos acerca da emigrao portuguesa continental (Castro, J. F. P., 2008, 2011, 2012;
Castro & Marques, 2003) e a literatura dominante da aculturao no se coaduna com a
literatura acerca da emigrao portuguesa, pois esta ltima emprega, usualmente, o
modelo da assimilao e a literatura anglo-saxnica emprega, mormente, o modelo
multicultural (Berry, 1974, 1997), ou seja, a comparao entre ambas as literaturas e
culturas parece complexa e ameaada devido falta de equivalncia (Leung & Van de
Vijver, 2008), no sentido de explorar e contextualizar a cultura portuguesa da aculturao
em comparao com a anglo-saxnica.
1.3 As influncias culturais da globalizao
As atuais relaes interculturais so feitas atravs de mltiplas adaptaes culturais
num mundo em crescente globalizao, a qual se caracteriza pela interdependncia, pela
descentralizao, pelas influncias mltiplas (Kramer & Kim, 2009) e pela celeridade das
mudanas culturais. Contudo, as relaes interculturais no so abordadas como sendo um
processo no qual as pessoas de diferentes culturas aprendem umas com as outras. A
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
17
aculturao abordada sob o ponto de vista da dominao social, isto , no qual o grupo
minoritrio aprende, imita caratersticas culturais da maioria, perdendo a sua cultura.
Presentemente, o mundo encontra-se cada vez mais globalizado e o fenmeno da
aculturao poderia ser facilmente percebido como um processo com dois sentidos, uma
vez que alguns pases anteriormente colonizados esto a adquirir um papel relevante no
cenrio internacional, o qual abrange a Psicologia (Liu, 2011; Liu & Ng, 2007; Sinha,
1996). Contudo, numa cincia social to importante como a Histria, reportar as
influncias mtuas no comum (Lowndes, 2009; Sokolow, 2003; Souza, 2012;
Weatherford, 1988). O processo de globalizao tem incrementado a transmisso cultural
entre as culturas e tambm a capacidade dos imigrantes para manterem os seus legados
culturais devido enculturao realizada atravs dos meios de comunicao social e
maior facilidade dos movimentos entre os pases e as culturas. Bhatia e Ram (2001)
escreveram que as identidades globalizadas so negociadas e que possvel partilhar
caratersticas culturais e ainda construir novas culturas atravs das misturas culturais. Para
alm do mais, os fenmenos da emigrao e da imigrao esto tambm a afetar os pases
europeus (Almeida, J. C. P., 2003, 2004, 2006; Levine, 2004), levantando apreenses
acerca das mudanas culturais devidas aos referidos fenmenos (Wieviorka, 2011).
Contudo, na literatura dominante as apreenses da maioria acerca da sua mudana cultural
no so, usualmente, abordadas (Geschke, et al., 2010). No sentido de ilustrar o acima
afirmado, a presente investigao recorre-se do estudo de Montreuil, Bourhis e
Vanbeselaere (2004), os quais relatam que a maioria flamenga da Blgica se encontra mais
propensa para receber imigrantes do que a maioria francfona do Quebeque porque a
maioria flamenga da Blgica no percebe ameaa sua manuteno cultural. A
comparao entre os dois pases recetores de imigrantes revela como as maiorias so
influenciadas pelos contextos polticos e histricos e que as maiorias revelam apreenses
acerca das mudanas culturais nas suas culturas, condicionando as suas atitudes face aos
imigrantes. Assim sendo, a globalizao estabelece a aculturao como sendo um processo
com dois (ou mais) sentidos, no qual a apreenso da maioria deve ser abordada (Almeida,
J. C. P., 2006), para alm da apreenso da minoria.
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
18
1.4 O vis ideolgico do modelo multicultural
A aculturao estudada como sendo fruto duma deciso individual (Berry,
Poortinga, Segall & Dasen, 2002; Berry & Sam, 1997) na literatura multicultural
dominante, conquanto que o discurso acerca da aculturao esteja imbudo num contexto
histrico repleto de conflitos interculturais. Em consequncia, a investigao dominante,
ou seja, a multicultural no contextualizada e no tem em ateno a diversidade e a
complexidade das culturas (Bowskill, Lyons & Coyle, 2007; Kramer, 2000; Redding,
2001). O modelo multicultural apareceu para resolver os conflitos tnicos nas sociedades
norte americanas6. Contudo, o modelo multicultural evita abordar a aculturao como um
processo antagnico. Para alm disso, como Redding (2001) escreveu, o ponto de vista
liberal o dominante no campo da Psicologia, resultando numa contradio porque
aclama a diversidade cultural, sendo, no entanto, o ponto de vista dominante. A Psicologia
Intercultural opera atravs de comparaes entre as diferentes culturas, tentando alcanar
um nvel mais elevado de conhecimento (Ember & Ember, 2009), mas torna-se, por
vezes, numa abordagem etic7 imposta.
Para alm do mais, o modelo multicultural opera segundo uma ideologia partilhada
ou consensual (Bourhis, Montreuil, Barrette & Montaruli, 2009), percebendo a atitude da
integrao como sendo a opo ideal. No modelo multicultural a integrao da minoria
significa contato cultural com uma segunda cultura e, ao mesmo tempo, a manuteno da
primeira cultura. Contudo, a aculturao , ao mesmo tempo, percebida como
problemtica, pois presumida de colocar em perigo a sade mental dos imigrantes ou das
minorias, estabelecendo um paradoxo (Rudmin, 2009). A ideologia multicultural no tem
em considerao que a aculturao mais do que uma preferncia ou uma atitude cultural;
e que a aculturao essencialmente um processo de aprendizagem, o qual assenta em
contextos sociais (Kramer, 2000; Rudmin, 2009; Taft, R., 1957, 1963, 1981, 2007; Ward,
2010; Zagefka, Brown, Broquard & Martin, 2007). Por fim, a investigao acerca da
6 Na presente investigao, as culturas norte americanas abarcam a canadiana e a dos Estados Unidos da Amrica,
excluindo, portanto, a cultura mexicana. 7 A definio da palavra etic fornecida pela distino entre as abordagens etic e a emic, as quais foram cunhadas por
Pike: . . . the ETIC . . ., an author is primarily concerned with generalized statements about the data . . . classifies systematically all comparable data, . . . of all cultures in the world, into a single system . . . an EMIC one is in essence
valid for only one language (or one culture) at a time or . . . it is an attempt to discover, and to describe the pattern of that
particular language or culture . . . rather than an attempt to describe them in reference to a generalized classification . . . (Pike, 1954, p. 8).
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
19
aculturao dever ser cultural e socialmente inclusiva, sendo que, para alcanar este
desgnio, deve ter em ateno os contextos histricos e no estar centrada num ideal, tal
como sucede no modelo multicultural (Berry, 2001; Schalk-Soekar & Van de Vijver,
2008), ou ainda atravs dum resultado esperado tal como sucede nos modelos da
assimilao e tambm da fuso (Simons, 1901a; Teske & Nelson, 1974), seno que
dever, sobretudo, abordar o fenmeno da aculturao como um processo dinmico,
interativo e antagnico de aprendizagem, o qual est assente em contextos culturais.
1.5 A aculturao um processo de aprendizagem
Aculturao um processo de aprendizagem (Powell, 1880; Redfield, et al., 1936;
Rudmin, 2009). Contudo, na investigao predominante a aculturao confundida com
outras variveis como a discriminao ou o estatuto socioeconmico (Rudmin, 2009). O
biculturalismo ou a atitude de integrao tida como sendo a opo ideal (Berry, Kim,
Minde & Mok, 1987; LaFromboise, Coleman & Gerton, 1993; Nguyen & Benet-Martnez,
2007; Phinney, Horenczyk, Liebkind & Vedder, 2001) e a sade mental tida como
estando ameaada (Neto, 1985, 1994; Pussetti, 2010). Contudo, existe pouca evidncia de
que a aculturao cause apenas distress ou outro tipo de disfuno mental (International
Organization for Migration, 2003). A relao entre a sade mental e o poder est bem
descrita por Foucault (1972, 1991). Assim sendo, os investigadores podero centrar-se na
remediao das disfunes psicolgicas, sendo que a sua causa poder assentar em
relaes de poder assimtricas. No raras vezes, o contexto aculturativo conduz ao distress
devido ao baixo estatuto socioeconmico ou devido discriminao, mas aqueles ltimos
no so aprendizagem por si prprios (Rudmin, 2009).
1.6 Notas finais
Segundo Arends-Tth e Van de Vijver (2006a, 2006b), Cresswell (2009),
Matsudaira (2006), Rudmin (2003b, 2009), Rudmin e Ahmadzadeh (2001) e ainda Ward
(2008), a investigao acerca da aculturao est carenciada de teorias aplicveis e de
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
20
trabalhos empricos robustos. Na ausncia dum paradigma (Jahoda, 2002), a Psicologia
Intercultural deve esforar-se para acrescentar informao distintiva. A aculturao varia
consoante os contextos histricos, tal como Tsuda (2001) reporta acerca dos brasileiros de
origem japonesa, os quais vivem no Brasil. Liu (2008) referindo-se a ele prprio, escreveu
que no existe uma nica orientao cultural e que a preferncia aculturativa mudou
consoante o seu percurso de vida. Simons (1901a) escreveu que a aculturao um
fenmeno psicolgico de aprendizagem mais do que um fenmeno biolgico de misturas
ou apenas uma questo de poder. A inconsistncia entre a literatura dominante e as razes
expostas acima guiaram a presente investigao no sentido de analisar a literatura acerca
da aculturao, sendo que o presente estudo considera que as apreenses acerca das
mudanas culturais introduzidas pela aculturao so comuns a todas as culturas.
-
O contexto da aculturao portugus atravs do modelo de Rudmin: do encontro intercultural com o Japo
at ao Luso-Tropicalismo
21
2. Apreenses na cultura portuguesa da aculturao
A cultura um fenmeno dinmico e construdo atravs das inovaes dentro
duma nica cultura e atravs da aculturao entre culturas distintas. No entanto, as
mudanas culturais introduzidas pela inovao e pela aculturao levantam apreenses
acerca da manuteno cultural das culturas. No caso da aculturao, as apreenses
culturais so estendidas at relao entre as diferentes culturas, sendo que os efeitos da
aculturao podero ainda criar conflitos internos dentro duma nica cultura (Castro, J. F.
P., 2008, 2011, 2012; Gonalves, A., 1996). Bourhis, Moise, Perreault e Sencal (1997)
tm afirmado que dois grupos culturais em contato podem revelar baixo, mdio ou um
elevado nvel de apreenso e acerca das suas mudanas culturais. A interceo das atitudes
culturais da minoria e da maioria podero ser concordantes ou discordantes (Piontkowski,
et al., 2002), podendo, em consequncia, o resultado da interceo das atitudes dos dois
grupos ser consensual, problemtico ou conflituoso (Bourhis, et al., 1997).
Na literatura anglo-saxnica dominante, a aculturao , muitas vezes, apenas
abordada como uma escolha realizada pela minoria e a posio da maioria negligenciada
(Bourhis, et al., 1997; Geschke, et al., 2010; Machado I. J. R., 2006; Rocha-Trindade,
2010a; Rudmin, 2009). A apreenso da maioria acerca da sua mudana social no
explicitamente reportada, uma vez que, por exemplo, Ward (2010) emprega a expresso
coeso social para se referir mudana social da maioria Nova Zelandesa. No entanto,
Malinowski (1958) escreveu que, para se compreender o fenmeno da aculturao, a
investigao deveria verificar as intenes da maioria. Alguns pases