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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP CAROLINA ROCHA MALHEIROS A PROGRESSIVIDADE NOS IMPOSTOS (OS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA) (PERFIL CONSTITUCIONAL) MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

CAROLINA ROCHA MALHEIROS

A PROGRESSIVIDADE NOS IMPOSTOS

(OS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA)

(PERFIL CONSTITUCIONAL)

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

CAROLINA ROCHA MALHEIROS

A PROGRESSIVIDADE NOS IMPOSTOS

(OS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA)

(PERFIL CONSTITUCIONAL)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, como exigência parcial à obtenção do título de Mestre em Direito (Direito Tributário), sob a orientação da Professora Doutora Elizabeth Nazar Carrazza.

SÃO PAULO

2013

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________

____________________________________

____________________________________

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Ao Thiago Diniz Barbosa Nicolai,

com amor, pelo incentivo e

companheirismo.

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AGRADECIMENTOS

Essa dissertação não se realizaria sem o apoio e a ajuda de pessoas que merecem

os meus sinceros agradecimentos.

À Professora Doutora Elizabeth Nazar Carrazza, admirável professora, que da

profundidade do seu saber retira a simplicidade com que ensina e transmite conhecimento.

Seu trabalho de orientação, sempre atencioso, foi fundamental para o desenvolvimento deste

trabalho.

À Professora Doutora Julcira Maria de Mello Vianna, minha referência

acadêmica. Agradeço imensamente pelo incentivo e aprendizado. Suas aulas demonstram o

prazer por lecionar, fazendo surgir um interesse imenso pela vida acadêmica.

Agradecimentos especiais à Maria Ângela Lopes Paulino, Juliana Carvalho

Farizato, Maria Fernanda Pessatti de Toledo, Franco Messina e Guilherme Marzo, exemplos

de amizade, seriedade e dedicação nos momentos em que mais precisei. Meu sincero

agradecimento pelas valiosas colocações e apoio incondicional em mais esta etapa.

De igual modo é o agradecimento à Aline Sochan, amiga que tive a honra de

conhecer no curso de mestrado e que me acompanhou durante esta trajetória.

Sempre à minha família pela formação que me proporcionaram e pelo eterno

incentivo. À minha mãe pelo carinho e amparo do dia a dia.

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RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade o estudo da tributação progressiva no

direito positivo brasileiro e será tratado sob o enfoque da Constituição Federal de 1988. A

progressividade aplicada aos impostos é tema que demanda o estudo do sistema constitucional

brasileiro, integrado pelos princípios, normas de maior hierarquia que orientam a aplicação

das demais normas dentro do ordenamento jurídico. São diversos os princípios constitucionais

que informam o sistema jurídico e orientam a tributação. Dada a especificidade de cada

princípio, e visando a melhor compreensão do tema proposto, temos que merecem especial

destaque os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, os quais mais de perto

regem a progressividade nos impostos. Com o escopo de conferir êxito a esse objetivo, faz-se

necessária a análise do princípio da capacidade contributiva (contido no da igualdade),

exigindo que todos os contribuintes, por via dos impostos, contribuam na medida de suas

manifestações exteriores de riqueza. Para tanto, procuramos investigações nos critérios para

aferição e efetiva aplicação da capacidade contributiva nos impostos. Diante desses

elementos, tratando a progressividade do vetor para o exercício de uma tributação justa e

equitativa em matéria de tributária, empreenderemos nossos estudos à progressividade com

finalidade fiscal (decorrente do princípio da capacidade contributiva) e extrafiscal. E, uma vez

analisados todos os critérios que o tema requer, o resultado que se pretende atingir é a

aplicação da tributação progressiva em cada um dos impostos elencados nos artigos 153 a 156

da Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Progressividade. Igualdade. Capacidade contributiva. Impostos.

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ABSTRACT

The present work aims to study the progressive taxation on the Brazilian Statutory

Law and it will be treated under the focus of the Brazilian Federal Constitution of 1988. The

progressivity applied in taxes is an issue that demands the study of the Brazilian

Constitutional System, integrated by principles, which are rules of the highest hierarchy

guiding the application of the other rules within the legal system. There are several

constitutional principles that inform the legal system and guide the taxation. Due to the

specificity of each principle and seeking the best understanding of the proposed issue, we

believe that the principles of equality and ability to pay, which more closely rules the

progressivity of taxes, deserve a special highlight. In order to achieve such objective, it is

necessary to analyze the principle of ability to pay (contained in the principle of equality),

which requires all taxpayers, via tax payment, to contribute to the extent of their outward

manifestations of wealth. For this purpose, we have investigated the criteria for the

assessment and effective application of the principle of ability to pay in taxes. In view of these

elements, being the progressivity the vector for the exercise of a fair and equitable taxation in

tax matters, we will implement our studies on progressivity with tax purpose (arising from the

principle of ability to pay) and extra fiscal. Thus, once analyzed all the criteria that the subject

requires, the result to be achieved is the application of progressive taxation in each of the

taxes set forth on articles 153 to 156 of the Brazilian Federal Constitution of 1988.

Keywords: Progressivity. Equality. Ability to Pay. Taxes.

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ABREVIATURAS

CF/88 – Constituição Federal de 1988

CTN – Código Tributário Nacional

II – Imposto sobre importação de produtos estrangeiros

IE – Imposto sobre exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados

IR – Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza

IRPF – Imposto sobre a renda da pessoa física

IRRF – Imposto de renda retido na fonte

IPRJ – Imposto sobre a renda da pessoa jurídica

IPI – Imposto sobre produtos industrializados

IOF – Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores

mobiliários

ITR – Imposto sobre propriedade territorial rural

IGF – Imposto sobre grandes fortunas

ITCMD – Imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos

ICMS – Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de

serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação

IPVA – Imposto sobre propriedade de veículos automotores

IPTU – Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

ITBI – Imposto sobre a transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens

imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de

garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição

ISS – Imposto sobre serviços de qualquer natureza

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1 O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO ............................. 16

1.1 Sistema constitucional brasileiro ......................................................................... 16

1.2 Sistema constitucional tributário ......................................................................... 22

1.3 Princípios: conceito ............................................................................................. 25

2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE ............................................................................. 31

2.1 Conceito .............................................................................................................. 31

2.2 Princípio da igualdade ......................................................................................... 35

2.3 A aplicação do princípio da igualdade na tributação ............................................ 38

3 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ............................................... 43

3.1 Análise histórica do dispositivo Constitucional sobre a capacidade

contributiva no Direito Brasileiro ............................................................................ 43

3.2 Conceito .............................................................................................................. 45

3.2.1 Capacidade contributiva e capacidade econômica .......................................... 52

3.2.2 Critérios para aferição da capacidade contributiva ........................................... 55

3.3 O princípio da capacidade contributiva e a igualdade ......................................... 58

3.4 Destinatários do principio da capacidade contributiva ......................................... 63

3.5 Análise jurídica do artigo 145, §1º, da Constituição Federal de 1988 ................. 64

3.6 A aplicação do princípio da capacidade contributiva ........................................... 68

3.6.1 Mínimo vital ...................................................................................................... 70

3.6.2 Vedação ao efeito de confisco .......................................................................... 74

3.6.3 Personalização ................................................................................................. 79

3.6.4 Proporcionalidade e a progressividade ............................................................ 81

3.7 Seletividade em função da essencialidade ......................................................... 85

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3.8 Extrafiscalidade ................................................................................................... 91

3.9 Capacidade contributiva e os tributos vinculados .............................................. 100

4 A PROGRESSIVIDADE NOS IMPOSTOS ........................................................... 103

4.1 Noções da progressividade ............................................................................... 103

4.1.1 Progressividade fiscal e extrafiscal ................................................................ 109

4.2 Classificação dos impostos atinentes à análise da progressividade ................. 111

4.2.1 Impostos reais e pessoais .......................................................................... 114

4.2.2 Impostos diretos e indiretos ........................................................................ 117

4.2.3 Impostos fixos e graduados ........................................................................ 118

4.3 Imposto de Importação e Imposto de Exportação ............................................. 121

4.4 Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza ................................ 123

4.4.1 Pessoa física .................................................................................................. 131

4.4.1.1 Retenção na fonte ....................................................................................... 137

4.4.2 Pessoa jurídica ............................................................................................... 139

4.5 Imposto sobre produtos industrializados ........................................................... 142

4.6 Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos

ou valores mobiliários ......................................................................................... 147

4.7 Imposto sobre a propriedade territorial rural...................................................... 148

4.8 Imposto sobre grandes fortunas ........................................................................ 151

4.9 Imposto de competência residual da União....................................................... 152

4.10 Impostos Extraordinários ................................................................................. 153

4.11 Imposto de transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens e

direitos ................................................................................................................ 155

4.12 Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre

prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação ....................................................................................................... 159

4.13 Imposto sobre a propriedade de veículos automotores ................................... 167

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4.14 Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana .................................... 171

4.14.1 Progressividade fiscal................................................................................... 173

4.14.2 Progressividade extrafiscal ........................................................................... 176

4.15 Imposto de transmissão “inter vivos” a qualquer título, por ato oneroso, de

bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre

imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição . 181

4.16 Imposto sobre serviços de qualquer natureza ................................................. 183

CONCLUSÕES ....................................................................................................... 188

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 199

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12

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo o estudo do sistema constitucional, em especial o

sistema constitucional tributário, integrado pelos princípios da igualdade e da capacidade

contributiva, sendo este último um princípio específico do sistema tributário nacional, com

base no direito positivo brasileiro e na doutrina.

Dada a linha de pesquisa referente à efetividade do Direito Público e às limitações da

intervenção estatal, o tema da progressividade destaca-se por sua elevada importância como

norteador de uma estrutura tributária que tem por meta alcançar a justiça fiscal, tão almejada

por todos nós, na arrecadação dos impostos pelo Estado.

Entretando, o tema escolhido – progressividade nos impostos – sugere o estudo de

grande porção do Direito, dirigindo o intérprete a trilhar sobre uma variedade de institutos,

elementos e regras jurídicas, os quais, se percorridos em sua plenitude, por certo

prejudicariam o conhecimento científico. Não é por outra razão que foram realizados cortes

metodológicos, reduzindo a amplitude investigativa aos elementos necessários à compreensão

da progressividade aplicada a cada um dos impostos elencados na Constituição Federal de

1988.

E isso em razão de que toda ciência pressupõe um corte metodológico. Nas palavras

de Paulo de Barros Carvalho:

O conhecimento jurídico não refoge a esse imperativo epistemológico. Ao observarmos o fenômeno existencial de um determinado sistema de direito positivo, somos imediatamente compelidos a abandonar outros prismas, para que se torne possível uma elaboração coerente e cheia de sentido.1

Assim, para uma perfeita compreensão do tema, dividimos o trabalho em quatro

partes.

Em um primeiro momento, tornou-se imprescindível a análise do sistema

constitucional brasileiro, conduzido por uma Constituição Federal, sendo esta o fundamento

último de validade de todas as demais normas que compõem o ordenamento jurídico,

1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 44.

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composto de normas e princípios que se relacionam com um único objetivo, qual seja regular

a vida dos indivíduos em sociedade.

Diante do grande número de disposições no sistema constitucional brasileiro que

tratam de matéria tributária, analisamos o sistema constitucional tributário, visto que a

instituição de tributos de qualquer espécie é matéria constitucional, ante um sistema rígido de

distribuição de competências, visando atingir o valor supremo da segurança nas relações

jurídicas existentes entre o fisco e o contribuinte.

É certo que os impostos são fonte de recurso do Estado, sendo estes recursos

provenientes da riqueza do contribuinte. E para que o Estado obtenha riqueza para sua

manutenção, é necessário que este objetivo seja buscado por uma tributação adequada e não

indiscriminada que ultrapasse os limites constitucionais para sua imposição.

Pretende-se, no presente estudo, analisar o alcance dessa tributação adequada, de

forma a atender os princípios constitucionais, mais especificamente a progressividade

tributária em atendimento à justiça fiscal. Tratando-se de progressividade nos impostos, a

questão coloca-se no sistema constitucional tributário, não se podendo deixar de analisar os

princípios que integram o sistema e que informam a tributação.

Das breves noções sobre o sistema jurídico, faz-se uma abordagem do princípio da

igualdade, implementado como forma de atribuir tratamento igualitário àqueles que se

encontrem em determinada situação fática, como um ideal visado pela sociedade para que se

evite privilégios e iniquidades. A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 5º,

que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, de forma que a lei deve

ser editada em conformidade com a isonomia. Nesta parte, o estudo tem a intenção de trazer

uma noção sobre o princípio da igualdade, como um princípio fundamental do sistema

constitucional e, inclusive, do sistema constitucional tributário.

Significa dizer que a lei deve ser instrumento regulador da vida social, de forma a

tratar equitativamente os cidadãos, organizando a vida em sociedade. A sociedade faz surgir a

ideia de um Estado organizado, mas que também se apresenta pela existência de desigualdade.

E o direito deve considerar estas desigualdades e atribuir, em função delas, um tratamento

desigual entre as pessoas, de modo a fazer com que desigualdades naturais das pessoas sejam

atenuadas, protegendo os mais fracos. Neste contexto, está o Direito Tributário assumindo

posição de destaque ao visar a aplicação de uma tributação justa e igualitária.

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A partir daí passa-se ao estudo do princípio da capacidade contributiva, como um

princípio a ser observado pelo ordenamento jurídico de forma a realizar a justiça fiscal. Tal

princípio devidamente aplicado é capaz de promover uma tributação justa e equitativa, na

medida em que atua como meio de graduação dos impostos, além de se apresentar como

limitador da atividade tributária.

É nesse sentido que inicialmente faz-se uma abordagem da análise histórica do

dispositivo constitucional sobre a capacidade contributiva no direito brasileiro, trazendo o

histórico das Constituições que trataram sobre o assunto.

Em sua conceituação, busca-se distinguir as expressões relacionadas a este princípio, a

fim de que não se faça uso indevido delas.

Logo após o estudo, desenvolve-se a análise de questões que envolvem os critérios

para a aferição da capacidade contributiva, sendo este item de suma importância ao

aprofundamento do tema.

E, em razão de a capacidade contributiva constituir princípio cuja finalidade é a

tributação justa e igualitária, de forma a determinar que o contribuinte suporte a exação fiscal

de acordo com a amplitude econômica do evento realizado, é que se pode verificar que

decorre, diretamente, do princípio da igualdade no campo tributário.

Ainda a respeito da capacidade contributiva, o presente estudo irá analisar os

destinatários deste princípio consagrado pelo direito tributário e cada uma das expressões

contidas no dispositivo constitucional que trata do referido princípio, conforme disposto no

artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988.

A questão da aplicação do princípio – seguidamente tratada – é de grande importância,

visto que apresenta consequências práticas oriundas de sua normatização jurídica. O estudo

destaca que o princípio da capacidade contributiva impõe limites à intervenção estatal,

impedindo a tributação sobre o mínimo vital de sobrevivênvia dos indivíduos e a vedação de

tributação com efeito de confisco, assim como a necessidade de personalização e graduação

dos impostos, sempre que isso for possível. Destaca o presente estudo que a mera

proporcionalidade não é suficiente para alcançar uma tributação justa; a referida graduação

deve dar-se mediante a progressividade, tema proposto no presente trabalho.

Somente dentro do contexto estabelecido por tais limites haverá capacidade

contributiva apta a ser aplicada no sistema tributário brasileiro.

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Outro assunto abordado é a abrangência do princípio da capacidade contributiva, o

qual nem sempre é atendido em função da impossibilidade decorrente da estrutura do

imposto. É o que se observa ao analisar a extrafiscalidade e a seletividade em função da

essencialidade dos produtos, mercadorias e serviços.

Por fim, procura-se demonstrar que este princípio é infomador tão somente dos

impostos, havendo que os tributos vinculados a uma atuação estatal prestarem referência aos

seus princípios informadores.

Feitas estas análises, intrinsecamente necessárias ao deslinde do tema proposto, passa-

se à questão da progressividade nos impostos.

Para tanto, pretendemos demonstrar que a progressividade nos impostos é necessária e

benéfica ao ordenamento jurídico. O tema requer a distinção da progressividade fiscal,

inerente ao princípio da capacidade contributiva, da progressividade extrafiscal que atende

finalidades outras – econômicas, sociais e políticas – que não a graduação das alíquotas em

razão da manifestação de riqueza do contribuinte.

Em seguida, imprescindível a classificação dos impostos, limitando o presente estudo

àquelas classificações atinentes à análise da progressividade, visto que na doutrina são

inúmeras as classificações dos impostos que se pode encontrar.

Ao final, tecem-se considerações sobre a progressividade em cada um dos impostos

elencados na Constituição Federal de 1988, sendo eles dispostos nos artigos 153 a 156 da

Carta Magna. Destacamos, por oportuno, que o estudo visa aproximar, ao máximo, a análise

da progressividade nos impostos à concretude dos fatos regulados pelo Direito Positivo, em

prol de um discurso essencialmente jurídico, sem que haja, senão incidentalmente, referências

a questões políticas, sociais ou econômicas existentes em nosso País.

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1 O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

1.1 Sistema constitucional brasileiro

O Direito possui como função primordial regular o comportamento dos indivíduos de

forma a viabilizar o convívio social. A forma de se proporcionar esse convívio harmônico

entre os indivíduos parte da devida aplicação de normas que compõem o ordenamento

jurídico.

O conceito de sistema é abrangente e pode ser definido como um conjunto de

elementos interrelacionados com o objetivo de desempenhar uma função. Geraldo Ataliba, ao

tratar do sistema, dispôs que “os elementos integrantes de um sistema não lhe constituem o

todo mediante sua soma, mas, desempenham funções coordenadas, uns em função dos outros

e todos harmônicamente, em função do todo (sistema)”.2

Dado o conceito muito abrangente de sistema, adotaremos para o presente estudo o

sistema jurídico.

O sistema jurídico brasileiro é conduzido por uma Constituição Federal e composto de

normas e princípios, sendo necessário que estes se relacionem com um único objetivo, qual

seja, regular a vida dos indivíduos em sociedade.

Em análise do assunto, explana Elizabeth Nazar Carrazza que “o comportamento das

pessoas é o objetivo da regulação realizada pelas normas jurídicas”. E complementa a autora:

A norma jurídica, em suma, é uma regra de comportamento que produz efeitos obrigatórios na vida social, ao contrário de outras normas, como as de etiqueta, as morais, as religiosas etc., que, por não admitirem a chamada execução forçada, não podem ter o seu cumprimento determinado por terceiros.3

Assim, este sistema de normas, concebidas para regular a conduta dos indivíduos em

sociedade, busca um fundamento último de validade que é a Constituição. Geraldo Ataliba se

pronunciou a respeito do tema:

2 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, p. 7. 3 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª ed. 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 18.

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Ao conjunto de normas constitucionais de cada país se designa Constituição. Ensina a ciência do direito que as constituições nacionais formam sistemas, ou seja, conjunto ordenado e sistemático de normas, constituído em torno de princípios coerentes e harmônicos, em função de objetivos socialmente consagrados.4

Nas palavras de Carlos Ari Sundfeld:

(...) acima da lei, produzida pelo Estado, existe uma norma jurídica fundamental, que não é feita nem alterada por ele, estabelecendo os termos essenciais do relacionamento entre as autoridades e entre estas e os indivíduos: a Constituição (também chamada de Carta ou Lei Magna).5

Cabe esclarecer que a expressão sistema jurídico é maculada pelo vício da

ambiguidade, uma vez que é utilizada para denominar o sistema prescritivo do direito positivo

e o sistema descritivo da Ciência do Direito. Tais definições não se confundem e apresentam

peculiaridades.

O direito positivo “é o complexo de normas jurídicas válidas num dado país”6,

regulando a conduta das pessoas em suas relações, por meio de proposições. Por isso o direito

positivo é uma linguagem prescritiva. Nesse passo, o sistema do direito positivo é formado

pelo conjunto de normas jurídicas válidas, estruturadas segundo relações de subordinação-

hierarquia (liames verticais) e coordenação (vínculos horizontas), e unificadas por um vetor

comum, qual seja, a Constituição da República.

Para José Afonso da Silva, a constituição do Estado é a lei fundamental de forma a

organizar seus elementos essenciais. Vejamos:

Um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.7

Podemos então dizer que a Carta Magna é o fundamento do sistema do Direito

Positivo, de maneira que irá traçar a forma como todo o ordenamento jurídico (conjunto de 4 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, p. 3. 5 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed., 3ª tiragem, revista, aumentada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 40. 6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 34. 7 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 37-38.

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normas jurídicas) será desenvolvido. Por este motivo que se pode dizer que o sistema é

homogêneo e unitário na medida em que está relacionado, como um todo, à Constituição

Federal. A esse respeito destaca Roque Antonio Carrazza que “nos modernos Estados de

Direito o exercício dos poderes normativos é sempre circunscrito pela Constituição”.8

E à Ciência do Direito cabe descrever e interpretar o complexo dessas normas

jurídicas válidas, oferecendo seus conteúdos de significação e ordenando o procedimento dos

indivíduos na vida comunitária, ou seja, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho “é uma

sobrelinguagem ou linguagem de sobrenível. Está acima da linguagem do direito positivo,

pois discorre sobre ela, transmitindo notícias de sua compostura como sistema empírico”.9

Mais adiante, Paulo de Barros Carvalho, ao tratar do Direito Positivo e da Ciência do

Direito, esclarece:

(...) tal discurso, eminentemente descritivo, fala de seu objeto – o direito positivo – que, por sua vez, também se apresentada como um estrato de linguagem, porém de cunho prescritivo. Reside exatamente aqui uma diferença substancial: o direito posto é uma linguagem prescritiva (prescreve comportamentos), enquanto a Ciência do Direito é um discurso descritivo (descreve normas jurídicas).10 (grifo do autor)

No mesmo sentido, Aurora Tomazini de Carvalho destaca a referida diferença

conforme definição de Hans Kelsen que utilizava da “expressão ‘proposição jurídica’ para

referir-se às formulações da Ciência Jurídica e da elocução ‘norma jurídica’ para aludir-se aos

elementos do direito positivo”.11

Nessa linha de entendimento, salienta Lourival Vilanova que o Direito Positivo é um

sistema social, sendo um subsistema do sistema global que é a sociedade. Quando se trata de

estrutura do direito positivo afirma que o Direito é produto objetivo da cultura, fixado num

sistema de linguagem. Desta forma, Lourival Vilanova aduz:

(...) o direito positivo, se não é, tende a ser um sistema. Não é mero agregado de proposições normativas, simples justaposição de preceitos, caótico feixe de normas. A própria finalidade que tem de ordenar racionalmente a

conduta humana sujeita-o às exigências da racionalidade, de que a lógica é a

8 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 34. 9 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 35. 10 Ibidem, p. 35. 11 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito – o constructivismo lógico-semântico. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 93.

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expressão mais depurada. É da ordem da práxis, sem deixar de pertencer à “razão prática”.12 (grifo do autor)

Pois bem. Entendemos que as normas jurídicas, “significação que obtemos a partir da

leitura dos textos do direito positivo”13, não possuem a mesma importância dentro do

ordenamento jurídico. E isso em razão de se apresentarem de maneira hierarquizada no

sistema jurídico, em que o fundamento de validade da norma de menor hierarquia é baseado

na norma que a antecede hierarquicamente, formando uma espécie de pirâmide.

Resulta daí que a ordem jurídica não é um sistema de regras dispostas no mesmo

patamar; muito pelo contrário, é uma construção escalonada de diferentes níveis de normas

jurídicas onde a Constituição representa o escalão mais elevado do Direito Positivo.

Neste sentido, Hans Kelsen14 descreve os diferentes níveis das normas jurídicas de

forma hierarquizada com a denominada “pirâmide jurídica”, demonstrando que as normas

possuem fundamento de validade umas nas outras, sendo o ápice da pirâmide as normas

constitucionais, as quais atribuem fundamento de validade a todas as demais normas jurídicas.

Assim, adotando a estrutura piramidal de Kelsen, o sistema, pode-se dizer, é composto

de partes orientadas por um vetor comum, a Constituição da República. As normas

constitucionais situam-se no ápice da “pirâmide jurídica”. Trata-se de um conjunto de

elementos relacionados entre si perante uma referência determinada, fazendo surgir deste

conceito de sistema o ordenamento jurídico como um conjunto organizado de normas

jurídicas, sendo este unitário, coerente e completo.

Paulo de Barros Carvalho, ao analisar a hierarquia no sistema do direito posto,

esclarece:

(...) as normas se conjugam de tal modo que as de menor hierarquia buscam seu fundamento de validade, necessariamente, em outras de superior hierarquia, até chegarmos ao patamar da Constituição, ponto de partida do processo derivativo e ponto de chegada do esforço de regressão.15 (grifo do autor)

12 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª edição. São Paulo: Noeses, 2010, p. 54. 13 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 40. 14 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 240. 15 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. 2ª Edição. São Paulo: Noeses, 2008, p. 217.

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O ordenamento jurídico é composto por um conjunto de normas organizadas

hierarquicamente, onde as normas inferiores recebem respaldo de validade das normas

superiores (constitucionais), formando a chamada “pirâmide jurídica”.

Tratando a Constituição do fundamento último de validade de todas as demais normas

que compõem o ordenamento jurídico, é esta que regula a vida dos indivíduos em sociedade,

elencando os direitos individuais, coletivos e difusos e suas garantias.

José Afonso da Silva destaca a rigidez e supremacia constitucional ao esclarecer que

“a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que

todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por

ela distribuídos”. E conclui o referido jurista que é na lei suprema do Estado que “se

encontram a própria estrutura deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as

normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais

normas jurídicas”.16

Nesse senido destaca Carlos Ari Sundfeld que “a Constituição é o fundamento de

validade de todas as normas do ordenamento jurídico. Nisso consiste a supremacia da

Constituição”.17

Podemos então concluir que, no Brasil, o ponto máximo da hierarquia das normas

jurídicas está na Constituição, a qual atribui o fundamento de validade de todas as demais

normas do ordenamento jurídico brasileiro, condicionando a atuação do Poder Público em

todas suas funções estatais: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Neste sentido, aduz Roque Antonio Carrazza em estudo sobre o Sistema

Constitucional:

A Constituição, conforme acenamos, ocupa o nível supremo da ordem jurídica, acima do qual não se reconhece outro patamar de juridicidade positiva. É ela que enumera os princípios fundamentais, organizativos e finalísticos da comunidade estatal, definindo as relações do poder político, dos governantes e governados e – respeitados os direitos e garantias

16 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 45 (grifo do autor). 17 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª edição, 3ª tiragem, revista, aumentada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 40.

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21

individuais e sociais e o princípio da livre iniciativa – até das pessoas físicas e jurídicas.18

E como decorrência desse nível supremo da Constituição, Roque Antonio Carrazza

ressalta:

(...) é interdito ao Poder Legislativo – sob pena de ultrapassar o campo de sua competência – editar atos que não guardem, com ela, uma relação de total compatibilidade. Também os Poderes Executivo e Judiciário, que, afinal, têm a seu cargo a missão de aplicar a lei (lato sensu), devem irrestrita obediência aos padrões fixados pela Constituição, que, afinal de contas, é a Lei das Leis.19 (grifo do autor)

A obediência das normas inferiores à Lei das Leis também deve se atentar à questão

material, uma vez que o seu conteúdo deve ser compatível com a Constituição e à questão

formal, visto que a criação da norma jurídica deve se dar por órgão reputado competente pelo

sistema constitucional, segundo procedimento específico, de forma a assegurar a proteção dos

indivíduos de quaisquer arbitrariedades estatais.20

Deste modo, as normas constitucionais legitimam todo o ordenamento jurídico,

devendo obediência à Constituição, em sua criação, interpretação e aplicação. O que se

pretende afirmar é que o disposto na Constituição não é uma mera recomendação, mas sim

um conjunto de normas que devem ser incondicionalmente observadas por todos, ou seja, não

apenas pelos Poderes do Estado, como por todas as pessoas que se encontram sob a égide do

ordenamento jurídico, sob pena de se tornarem sem efeito os atos praticados.

18 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 34. 19 Idem. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 30. 20 Roque Antonio Carrazza destaca que “o descompasso entre uma norma inferior (lei, decreto, portaria, ato administrativo etc.) e a Constituição tem o nome técnico de “inconstitucionalidade” – que, como predica a melhor doutrina, pode ser material (intrínseca) ou formal (extrínseca). Material quando o conteúdo da norma inferior é incompatível com regra ou princípio constitucional (a invalidade tisna o próprio mérito da norma inferior). E formal quando a norma inferior é editada por autoridade, órgão ou pessoa incompetente ou sem a observância dos procedimentos adequados (nos termos, é claro, da própria Constituição). (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 40).

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22

1.2 Sistema constitucional tributário

O sistema constitucional brasileiro é composto por grande número de disposições que

tratam de matérias tributárias, formando o que denominamos de sistema constitucional

tributário. A instituição de tributos de qualquer espécie é matéria constitucional, diante de um

sistema rígido de distribuição de competências21, visando atingir o valor supremo da

segurança nas relações jurídicas tidas entre a Administração e os administrados.

Nas palavras de Geraldo Ataliba, a matéria tributária contida na Constituição forma

“um sistema parcial, inserto no sistema constitucional total”.22 Assim, inserido no sistema

constitucional brasileiro, temos o sistema tributário constitucional que dele extrai seus

fundamentos e condições de existência.

Por sistema constitucional tributário, Geraldo Ataliba definiu:

O conjunto de princípios constitucionais que informa o quadro orgânico de normas fundamentais e gerais do direito tributário, vigentes em determinado país. Se “sistema é um conjunto ordenado de elementos segundo uma perspectiva unitária”, o sistema constitucional tributário brasileiro é o conjunto ordenado das normas constitucionais que tratam da matéria tributária, matéria esta tomada como princípio de relação que as unifica.23

Em matéria tributária, os entes políticos podem atuar apenas dentro dos estritos termos

da competência que lhes foi outorgada pela Constituição Federal. Deste modo, a Constituição

Federal de 1988, fonte direta do direito tributário, confere ao legislador de cada pessoa

política (União, Estados, Municípios ou Distrito Federal) a autorização para edição de leis

gerais e abstratas, instituindo tributos conforme a atribuição de competências, praticamente

reproduzindo o que consta da Constituição.

21 A competência é a qualidade ou o poder que o legislador constituinte conferiu aos entes políticos para que possam criar tributos. Nos dizeres de Roque Antonio Carrazza “(...) competência tributária é a aptidão jurídica para criar, in abstracto, tributos. No Brasil, por injunção do princípio da legalidade, os tributos devem ser criados, in abstracto, por meio de lei, que deve descrever todos os elementos essenciais da norma jurídica tributária. (...) Portanto, competência tributária é a possibilidade jurídica de criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. (...) quem pode tributar, pode também aumentar o tributo, minorá-lo, isentá-lo, no todo ou em parte, ou não tributar, observadas, sempre, obviamente, as diretrizes constitucionais”. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 32-33 (grifo do autor). 22 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, p. 4. 23 Ibidem, p. 8.

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23

A respeito da edição de leis, José Afonso da Silva esclarece:

Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.24

Podemos conceituar o Sistema Constitucional Tributário como um conjunto de

disposições destinadas a regulamentar a atividade tributária do Estado, regendo as relações

jurídicas entre Estado e particular, relativas à instituição e arrecadação dos tributos, segundo a

distribuição do poder tributário à União, aos Estados-membros e aos Municípios e conforme

princípios e regras estabelecidos na Constituição, para ulterior detalhamento pelas normas

legais e infralegais.

Podemos dizer que o direito tributário se forma em torno do conceito de tributo que é

constitucionalmente pressuposto. Assim, nas palavras de Geraldo Ataliba, “o objetivo do

direito tributário é o estudo do direito tributário positivo ou objetivo. O instituto jurídico

central desse estudo é o tributo”.25

No Brasil, a Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) sistematiza o sistema

tributário até os dias atuais, regulando, em atenção à Constituição Federal, a matéria

tributária.

Nos termos do artigo 3º do referido Código Tributário Nacional, “tributo é toda

prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não

constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa

plenamente vinculada”.

Paulo de Barros Carvalho destaca seis significações diversas do vocábulo tributo. São

elas:

a) “tributo” como quantia em dinheiro; b) “tributo” como prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; c) “tributo” como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) “tributo” como sinônimo

24 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 46. 25 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 34.

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24

de relação jurídica tributária; e) “tributo” como norma jurídica tributária; f) “tributo” como norma, fato e relação jurídica.26

Ainda que considerada pela doutrina várias acepções do vocábulo tributo,

identificamos que o tributo será verificado pela associação harmônica da hipótese de

incidência e de sua base de cálculo, possibilitando identificar sua natureza jurídica.

Nesse sentido, é certo que a tributação é o principal meio de o Estado brasileiro

financiar-se, de forma a obter os recursos para atingir os fins que almeja à sociedade, tais

como a segurança, saúde, cultura, etc., ou seja, é a fonte de abastecimento os cofres públicos.

Esta finalidade almejada pela tributação é a transferência de dinheiro das pessoas privadas

para os cofres públicos em razão de um poder do Estado, proveniente de um comportamento

humano dos agentes públicos, dos próprios obrigados ou mesmo de terceiros.

Nesse âmbito, Geraldo Ataliba, ao tratar do tributo como instrumento jurídico de

abastecimento dos cofres públicos, destaca:

Serve o direito, portanto, de instrumento de tão importante desígnio estatal. As normas que constituem esta parte do direito se designam direito tributário, em seu conjunto. É nitidamente um sub-ramo do direito administrativo, porque regula relações jurídicas entre administração e administrados (Ruy Cirne Lima), o que é da essência do direito administrativo.27

Mas esta forma de obtenção de riquezas pelo Estado não enseja a cobrança

indiscriminada de tributos, devendo a tributação respeito aos principios e direitos

fundamentais dos contribuintes dispostos na Carta Magna.

É nessa linha que Sacha Calmon Navarro Coêlho destaca:

O tributo é um dever. Um dever de que natureza? Um dever obrigacional, cuja caracteristica é ser econômico, patrimonial. O levar dinheiro aos cofres públicos. O que se postula é puramente que esse dever seja idêntico para todos, importe em sacrifício igual a todos os cidadãos.28

Este respeito dá-se pelo fato de que o Estado exige dos indivíduos o pagamento de

tributos, mas em contrapartida os indivíduos devem receber do Estado, condições para que

26 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 51. 27 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 30. 28 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 10ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 237.

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25

tenham uma vida digna. É essa a finalidade da arrecadação de tributos pelo nosso País.

Exatamente a função de utilizar tais recursos financeiros, obtidos dos paticulares, para a

manutenção do Estado, viabilizando assegurar a saúde, segurança, cultura, etc. aos indivíduos.

É certo que os impostos são fonte de recurso do Estado, sendo estes recursos

provenientes do patrimônio (riqueza) do contribuinte. E para que o Estado obtenha riqueza

para sua manutenção, é necessária uma tributação adequada e não indiscriminada que

ultrapasse os limites constitucionais para sua imposição.

No entanto, verificamos muitas vezes certo abandono da pretensão de se buscar um

sistema tributário ideal, prevalecendo a otimização da tributação, em patente afronta aos

ditames constitucionais. Assim, a relação entre Estado e contribuinte é de extrema

importância e deve ser tratada de forma a atender os limites previstos na Constituição Federal,

de maneira a distribuir a carga tributária de forma adequada.

E o que se pretende no presente estudo é o alcance dessa tributação adequada, ou seja,

a análise de uma tributação justa e de forma a atender os princípios constitucionais, mais

especificamente a progressividade tributária em atendimento à justiça fiscal. Tratando-se de

progressividade nos impostos, a questão coloca-se no sistema constitucional tributário, não se

podendo deixar de analisar os princípios que integram o sistema.

1.3 Princípios: conceito

Em razão da necessidade de atender os ditames constitucionais para que se verifique

uma tributação adequada, importante o estudo dos princípios que regem o sistema

constitucional e, principalmente, o sistema tributário.

Destacamos que as normas constitucionais possuem hierarquia superior às demais

normas do ordenamento jurídico, mas tais normas constitucionais não possuem, dentre elas, a

mesma relevância. O que verificamos é que algumas normas veiculam regras, outras

verdadeiros princípios como diretrizes do ordenamento jurídico.

Assim, não têm as normas constitucionais a mesma importância, pois as que veiculam

princípios possuem grau de abstração elevado, traduzindo as diretrizes do ordenamento

jurídico, pairando sobre aquelas normas que contêm simples regras.

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26

O vocábulo princípio, traz a ideia de começo, e se faz presente no discurso científico,

uma vez que é o alicerce sobre o qual se constrói um sistema, ou seja, é a diretriz do

ordenamento jurídico.

No entendimento de Mary Elbe Queiroz:

O vocábulo princípio deriva do latim principium (principii) e significa “origem, começo, base, alicerce, causa, raiz, tronco, lançar alicerce”. Portanto, dentro de um sistema normativo, princípio é a primeira pedra ou fundamento que instaura e dá suporte ao nascimento de todas as demais normas dele integrantes.29 (grifo do autor)

Nos ensinamentos de José Afonso da Silva a palavra princípio, da expressão

princípios fundamentais, mencionada no Título I da Constituição, possui a noção de

“mandamento nuclear de um sistema”.30

Assim, o princípio jurídico é o alicerce do sistema normativo, conferindo-lhe

harmonia e servindo como critério para a sua exata compreensão. É como destaca Carlos Ari

Sundfeld: “os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico,

harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se”.31

Diante da posição hierárquica que os princípios constitucionais ocupam no

ordenamento jurídico, estes orientam a construção das normas jurídicas no plano geral e

abstrato e em nível individual e concreto, devendo os princípios serem observados por todo o

ordenamento jurídico, não se podendo conduzir normas infraconstitucionais em desacordo

com tais preceitos máximos.

Entendemos que os princípios são normas de maior hierarquia que orientam a

aplicação das demais normas dentro do ordenamento jurídico. Pode-se inclusive dizer que fere

o sistema o fato de ferir-se um princípio, visto tratar o princípio da base do ordenamento

jurídico.

Esclarece o tributarista Roque Antonio Carrazza:

Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes

29 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, Barueri-SP: Manole, 2004, p. 2. 30 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 91. 31 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª edição, 3ª tiragem, revista, aumentada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 143.

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27

do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com eles se conectam.32

O princípio é, portanto, norma jurídica carregada de forte conotação valorativa,

colocado no patamar hierárquico mais relevante no contexto jurídico. Nesse sentido, destaca

Aurora Tomazini de Carvalho:

(...) toda norma jurídica enquanto significação prescritiva (voltada à finalidade de disciplinar condutas), traz um valor, devido à força com que o dado axiológico está presente na linguagem do direito. A diferença é que chamamos de “princípio” aqueles valores que hierarquicamente colocamos num patamar de superioridade, ao organizarmos o sistema de tal modo que eles acabam exercendo significativa influência na construção, estruturação e aplicação das demais significações.33

Para Paulo de Barros Carvalho, o princípio “é o nome que se dá às regras do direito

positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente sobre a

orientação de setores da ordem jurídica”.34 Em complemento, o referido jurista, ao analisar os

princípios, encontra quatro definições na linguagem do Direito Positivo:

a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma.35

Verifica-se que os princípios são regras portadoras de vetor axiológico forte,

cumprindo papel relevante na compreensão e estruturação das proposições jurídicas.

Referidos “valores” são somente aqueles postos pelo legislador, ou seja, são núcleos

significativos abstratos, mas positivados no ordenamento. Por serem os princípios regras

jurídicas construídas pelo intérprete com alta conotação axiológica, discorrer sobre eles é

tratar de valores.

Para Elizabeth Nazar Carrazza o princípio “é uma regra implícita ou explícita do

sistema jurídico que lhe confere unidade e lógica. Por sua generalidade, condiciona a

32 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 45. 33 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito – o constructivismo lógico-semântico. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 501. 34 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 252. 35 Ibid., p. 257.

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28

interpretação de todas as normas nele contidas, fixando-lhes diretrizes”.36 Assim, os princípios

funcionam como verdadeiras normas jurídicas (forma), servindo também como valor ou

critério objetivo, presentes nas normas jurídicas (conteúdo).

Esclarece, ainda, Hugo de Brito Machado:

[prinípio é] uma norma dotada de grande abrangência, vale dizer, de universalidade, e de perenidade. Os princípios jurídicos constituem, por isto mesmo, a estrutura do sistema jurídico. São os princípios jurídicos os vetores do sistema.37

É nesse sentido a clássica citação de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre os

princípios:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofende-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.38

O que se pode verificar é que o vocábulo “princípio” permite uma infinidade de

significações, além de ser corriqueiro no discurso e meditações filosóficas. Sempre onde

houver pretensões científicas, o termo “princípio” se faz presente.

Desta forma, os princípios constitucionais servem de fundamento e diretriz às diversas

regras jurídicas pertencentes à ordem posta. O exame e a solução de questões jurídicas devem

ser conduzidos levando em consideração as prescrições principiológicas de forma direta ou

indireta, de maneira a verificar se as normas que regulam o fato estão em consonância com o

ordenamento supremo.

Podemos então dizer que nenhum ato normativo, legal ou infralegal, poderá prevalecer

se atritar com um princípio constitucional.

36 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, nota de rodapé, p. 20. 37 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. 4ª edição. São Paulo: Dialética, 2001, p. 14 38 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 546.

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29

Nesse sentido, Luís Roberto Barroso destaca: “o ponto de partida do intérprete há que

ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a

ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins”.39

Pretendemos salientar que a Constituição Federal, ao consagrar um princípio, está

impondo a sua obediência e não apenas recomendando a sua aplicação. Nessa linha de

entendimento, Elizabeth Nazar Carrazza esclarece que “os princípios constitucionais não são

meras sugestões literárias. São, pelo contrário, disposições cogentes”.40

Resulta do exposto que os princípios constitucionais são diretrizes do sistema jurídico,

dotados de força vinculante, que fixam o sentido e o direcionamento da ordem jurídica,

devendo ser respeitados para um perfeito funcionamento e orientação global do sistema. E

isso porque os princípios atribuem estrutura e coesão ao sistema jurídico.

O que se pode notar é a diversidade de princípios que norteiam o ordenamento jurídico

e inclusive a estrutura tributária, com o objetivo de regular as condutas intersubjetivas,

havendo que ser interpretados tais princípios sempre considerando o sistema. Conforme

destaca Paulo de Barros Carvalho, “a interpretação dos princípios, como normas que

verdadeiramente são, depende de uma análise sistemática que leve em consideração o

universo das regras jurídicas”.41

Cabe esclarecer que existem princípios constitucionais gerais, os quais exercem

significativa influência sobre o ordenamento jurídico como um todo, informando múltiplos

segmentos42. É o que ocorre com o princípio da igualdade em que, quando se fala em

igualdade, vem à mente a ideia de que todos os segmentos do direito devem cumpri-la. Ao

passo que os princípios constitucionais tributários informam o exercício do poder tributário no

Brasil, sendo especialmente dirigidos a este setor, como, por exemplo, o princípio da

capacidade contributiva.

São diversos os princípios constitucionais informadores do sistema jurídico e

orientadores da tributação. Dada a especificidade de cada princípio e, em face do estudo

proposto a respeito da progressividade nos impostos, temos que merecem especial destaque,

39 BARROSO, Luís Alberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 141. 40 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 39. 41 CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. Cadernos de Direito Tributário. São Paulo: Revista de Direito Tributário n. 55, jan./mar. de 1991, p. 155. 42 Idem. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 192.

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30

para o deslinde do presente estudo, os princípios da igualdade e da capacidade contributiva,

que mais de perto informam a progressividade nos impostos, aproximando-os, ao máximo, da

concretude dos fatos regulados pelo Direito Positivo, em prol de um discurso essencialmente

jurídico, sem que haja influências políticas e econômicas.

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31

2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE

2.1 Conceito

No Estado Democrático de Direito, a igualdade é implementada como forma de

atribuir tratamento igualitário àqueles que se encontrem em determinada situação fática, como

um ideal visado pela sociedade para evitar privilégios e iniquidades.

A democracia pode ser entendida como a realização de valores, dentre eles o da

igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade, como forma de organizar a

convivência humana dentro de um Estado de Direito. O Estado Democrático de Direito já é

acolhido pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º, demonstrando a preocupação

com a igualdade ao adotar o regime republicano como sistema de governo, constituído em

Estado Democrático de Direito e indicando seus fundamentos como a soberania, a cidadania,

a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o

pluralismo político. Para José Afonso da Silva, o Estado Democrático de Direito não

configura “mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está

proclamando e fundando”.43

Trata, portanto, a igualdade do corolário da República e via de consequência da

democracia.

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 5º,44 que todos são iguais

perante a lei, de forma que a lei deve ser editada em conformidade com a isonomia. Conforme

o raciocínio desenvolvido por Celso Antônio Bandeira de Mello:

O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.45

43 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 119. 44 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 45 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. 10ª Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 9.

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32

A lei deve ser instrumento regulador da vida social, de forma a tratar equitativamente

os cidadãos, organizando a vida em sociedade. A sociedade faz surgir a ideia de um Estado

organizado, mas que também se apresenta pela existência de desigualdade. E o direito deve

considerar estas desigualdades e atribuir, em função delas, um tratamento desigual entre as

pessoas, de modo a fazer com que desigualdades naturais das pessoas sejam atenuadas,

protegendo os mais fracos.

Neste contexto está o Direito Tributário, assumindo posição de destaque ao visar a

aplicação de uma tributação justa e igualitária. É por esta razão que Elizabeth Nazar Carrazza

aduz:

(...) no mundo fático não existe a igualdade absoluta. As desigualdades existem e decorrem da própria natureza. Devem, porém, ser minimizadas pelo Estado, no desempenho de suas funções, sempre que, ao lume da Carta Fundamental, sejam ilegítimas. Assim, por exemplo, a igualdade de oportunidades constitui postulado fundamental de todo sistema democrático. Não se pode aceitar que, com base nas desigualdades naturais, sejam dadas oportunidades diferentes a pessoas que se encontrem na mesma situação.46

A igualdade de oportunidades constitui postulado fundamental de todo sistema democrático.

Nas palavras do constitucionalista Celso Ribeiro Bastos, a igualdade funciona como um

verdadeiro princípio a informar todo o ordenamento jurídico e protege o indivíduo “contra

toda má utilização que possa ser feita com a ordem jurídica”, revestindo-se “da condição de

um autêntico direito subjetivo”.47

Mas o que é a igualdade e como sabemos se a igualdade foi cumprida? Pode-se

verificar que a igualdade e a desigualdade são conceitos relativos, visto que não são

analisados isoladamente, havendo a necessidade de se confrontar situações para verificar o

cumprimento ou descumprimento da igualdade. A igualdade é uma relação entre dois ou mais

sujeitos em razão de uma finalidade. Assim, o tratamento isonômico deve ser analisado dentro

de um grupo de indivíduos e não isoladamente, levando-se em consideração fatores legítimos

de discrímen.

Como, por exemplo, não se pode exigir imposto diverso de indivíduos em função,

única e exclusivamente, de possuirem estaturas diferentes, mas pode-se discriminar em razão

46 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 27. 47 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 290.

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33

do sexo para uma vaga da polícia feminina. Referida discriminação foi levada em conta por

um contexto para que se pudesse verificar a necessidade de tratar igualmente os desiguais.

Mas, conforme Humberto Ávila, para o Direito, “não importa apenas saber se as

pessoas são ou não são iguais (igualdade descritiva). É preciso saber, também, se as pessoas

devem ou não devem ser tratadas igualmente (igualdade prescritiva)” (grifo do autor).48

E essa igualdade prescritiva tratada por Humberto Ávila somente será verificada se

presentes elementos para a sua verificação, tais como os sujeitos, o critério de discrímen e a

finalidade que se quer alcançar, sendo, portanto, a igualdade medida por uma comparação.

Ao trazer um exemplo do direito tributário, Humberto Ávila destaca:

Duas pessoas podem ser compreendidas como iguais ou diferentes segundo o critério da capacidade econômica: deverão ser vistas como diferentes para pagar impostos, se uma delas tiver maior capacidade contributiva; devem ser tratadas igualmente para votar e para a obtenção de licença maternidade, porque a capacidade econômica é neutra relativamente à concretização dessas finalidades.49

Ainda podemos analisar a igualdade sob o aspecto formal e material. A igualdade

perante a lei, tratada sob o aspecto formal, aplica a igualdade de modo que todos os

indivíduos se submetam aos ditames da lei nas mesmas condições, de maneira uniforme e sem

levar em consideração os destinatários da lei. Verifica-se que a igualdade aplicada desta forma

não garante a igualdade plena, pois atribui igual tratamento às pessoas que são

intrinsecamente diferentes.

Por igualdade na lei entende-se a aplicação de tratamento isonômico àqueles que se

encontram em situações iguais e de forma diferente aos desiguais, na medida de suas

desigualdades. Esta é a igualdade, tratada sobre o aspecto material, que deve o sistema

democrático alcançar.

José Afonso da Silva lembra a distinção, emprestada do Direito estrangeiro e também

empregada por estudiosos brasileiros, entre a igualdade perante a lei e o da igualdade na lei:

(...) segundo essa doutrina, a igualdade perante a lei seria uma exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade na lei seria uma exigência dirigida tanto

48 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 41. 49 Ibidem, p. 41-42.

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34

àqueles que criam as normas jurídicas gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos.50

A respeito da referida diferença, Celso Antônio Bandeira de Mello destaca

ensinamentos de Hans Kelsen que “demonstou que a igualdade perante a lei não possuiria

significação peculiar alguma. O sentido relevante do princípio isonômico está na obrigação da

igualdade na própria lei, vale dizer, entendida como limite para a lei” (grifo do autor).51

O que se verifica é a dificuldade na aplicação da igualdade, de maneira igual aos

iguais, e desigual aos desiguais, nas situações fáticas analisadas, visto haver uma linha tênue

na determinação do que seria igual e desigual no tratamento jurídico dos indivíduos.

Para que se verifique a devida aplicação de tratamento diferenciado de modo a

identificar o que seria igual e desigual no tratamento jurídico, Celso Antônio Bandeira de

Mello estabelece:

As discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula

igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação

lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal

correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na

Constituição.52 (grifos do autor)

Significa afirmar que a ordem jurídica não se adequa à desequiparações injustificadas,

havendo que se exigir a aplicação da igualdade sem arbitrariedades. O tratamento jurídico de

forma igual ou diferenciada deve respeitar uma finalidade condizente com o ordenamento

jurídico, respeitando as garantias consagradas pela Constituição Federal, estando a igualdade

presente em todo o ordenamento jurídico como fundamento necessário para que se alcance a

justiça.

50 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 214. 51 Celso Antônio Bandeira de Mello ao citar Kelsen (Teoria Pura do Direito, tradução francesa da 2ª edição alemã, por Ch. Einsenmann, Paris, Dalloz, 1962, p. 190) (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo

Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. 10ª Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 10, nota nº 2). 52 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. 10ª Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 17.

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35

2.2 Princípio da igualdade

No Direito Positivo brasileiro, há valores que se delineiam pela concretização de

outros valores ou limites objetivos, sendo estes os denominados “sobreprincípios”, como é o

caso da igualdade.

O princípio da igualdade é um valor de sobrenível, sendo verdadeiro norteador do

ordenamento jurídico e posicionando-se no topo da pirâmide hierárquica dos valores

positivados.

A Constituição Federal de 1988 trata, no capítulo I, “dos direitos e deveres individuais

e coletivos” e estabelece, no artigo 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza”. Referido princípio da igualdade estabelece que todos são

iguais e garante a todos o direito à igualdade.

Conforme destaca Celso Antônio Bandeira de Mello:

(...) a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia individual (não é sem razão que se acha insculpido em artigo subordinado à rubrica constitucional “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” contra perseguições e, de outro, tolher favoritismos.53

Em uma interpretação literal, ao tratar o artigo 5º da CF/88 da igualdade perante a lei,

acaba por remeter à igualdade sob o aspecto formal, conforme anteriormente exposto, de

maneira que todos os indivíduos se submetam aos ditames da lei nas mesmas condições e de

maneira uniforme. Mas o que entendemos tratar o referido artigo é de uma igualdade na lei,

sob o aspecto material, considerando-se um contexto sintático, aplicando-se tratamento

isonômico aos indivíduos em situações iguais e de forma diferente aos desiguais.

As disposições dos artigos 3º, incisos III e IV54, 7º, incisos XXX e XXXI55, da CF/88,

demonstram que o objeto da igualdade no sistema constitucional é a igualdade tida sob o

53 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. 10ª Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 23. 54 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 55 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

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aspecto material, ou seja, a igualdade na lei, sendo clara a preocupação com o equilíbrio

social. Referido princípio também pode ser identificado no artigo 19, inciso III,56 da CF/88,

que veda a discriminação entre brasileiros.

Destacamos que o princípio da igualdade é mandamento fundamental do sistema

jurídico brasileiro, ou seja, o princípio básico do Estado Democrático de Direito, estampado

no artigo 1º, caput 57, da CF/88. Pelo princípio da igualdade todos os indivíduos devem ser

tratados de maneira que se vejam reconhecidas suas diferenças, e estas sejam consideradas

para fazer com que cada um tenha um tratamento adequado à sua condição.

Entendemos que a observância ao princípio da igualdade implica adoção de normas,

critérios de discriminação entre as pessoas. Dito critério de discriminação adotado deve ter

como fundamento um elemento valorado pela norma que resida em fatos; deve o fator de

discriminação adotado guardar uma relação de pertinência lógica com a situação que deu

origem ao fator de discriminação; deve tal fator de discriminação ter por finalidade reduzir as

desigualdades existentes entre as pessoas; e devem os fatores de discriminação adotados estar

de acordo com o estabelecido pela legislação.

Frize-se que os fatores de discriminação devem possuir pertinência lógica com a

finalidade da discriminação, sob pena de ver violado o princípio da igualdade. Nesse sentido é

que Celso Antônio Bandeira de Mello se pronuncia a respeito de que haverá ofensa ao

princípio da isonomia quando:

I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada. II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério diferencial. III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados. IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; 56 Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. 57 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

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37

V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita.58

Para Miguel Reale, a justiça é a condição primeira de todos os valores, sendo “a

tentativa renovada e incessante de harmonia entre as experiências axiológicas,

necessariamente plurais, distintas e complementares”.59 E complementa o ilustre jurista que “a

justiça é, em última análise, uma expressão ética do princípio de igualdade. [...] Ser justo é

julgar as coisas segundo o princípio da igualdade”.60

O princípio da isonomia requer, acima de tudo, um tratamento justo e consiste em

tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades e igualmente os iguais na

medida de suas igualdades. Assim, a lei irá determinar o fator de discriminação visando a

aplicação da igualdade, atendidos os preceitos constitucionais e estando referido fator

diretamente relacionado com o tratamento diferenciado.

E, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, “o intuito é garantir a tributação justa

(sobrevalor)”.61

Entendemos, portanto, que o fator de discriminação é necessário ao atendimento do

princípio da igualdade, não podendo haver tratamento idêntico àqueles indivíduos em

situações desiguais, garantindo a todos a igualdade de possibilidades. Esta premissa será

adotada no presente trabalho ao tratar da capacidade contributiva e à progressividade nos

impostos, visando uma tributação justa e equitativa.

Destacamos que o princípio da igualdade não estabelece que os indivíduos sejam

tratados absolutamente da mesma forma. Pelo contrário, é imprescindível que haja uma

discriminação, mas sendo esta justa e adequada ao sistema constitucional.

58 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. 10ª Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 47-48. 59 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 371. 60 Ibid., p. 123. 61 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2008, p. 266.

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38

2.3 A aplicação do princípio da igualdade na tributação

O Estado Democrático de Direito defende os direitos dos indivíduos diante do Poder

Público por meio da separação dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário. Nesse

sentido, a igualdade está diretamente relacionada à democracia e, por sua vez, sem a

igualdade não há que se falar em República. Por meio da igualdade é que se distingue um

regime democrático de um regime autoritário.

Na estrutura de um Estado Democrático de Direito, o Poder Legislativo, Executivo e

Judiciário, de forma independente e harmônica, garantem os direitos dos indivíduos frente ao

Estado.

Vale dizer, à lei cumpre desigualar situações atendendo suas peculiaridades,

pressupondo uma relação direta entre o elemento diferencial e o regime jurídico atribuído às

situações diferençadas. Afronta-se o primado da igualdade quando dispensado o mesmo

tratamento a fatos com caracteres distintos.

No âmbito do Direito Tributário, o princípio da igualdade encontra-se disposto no

artigo 150, inciso II, da CF/88 que assim dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Daí verificamos que o princípio da igualdade deixa de ser observado quando uma

norma tributária impõe, sem motivação, tratamento idêntico a situações que são diferentes.

O legislador, diante de suportes fácticos idênticos, deve submetê-los ao mesmo regime

jurídico. Igualmente o regime jurídico será distinto, de forma a atender as particularidades

próprias aos fatos.

Cumpre destacar que deve atender aos preceitos constitucionais no que tange à

igualdade não apenas o Legislativo, que não pode estabelecer desigualdades ilegítimas na

norma jurídica, mas também o Executivo e o Judiciário, como aplicadores do Direito.

A igualdade consubstancia um valor destinado ao legislador, compreendido este na sua

acepção mais ampla possível, ou seja, significando todos os órgãos que expedem normas

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jurídicas (Legislativo, Judiciário e Executivo). O Poder Executivo, ao realizar a vontade do

povo e o Poder Judiciário, por meio da decisão judicial, não devem negar vigência ao

princípio da igualdade.

Sobre a necessidade de atendimento do princípio da igualdade pelos aplicadores do

direito, José Artur Lima Gonçalves esclarece:

Aspecto importante a ser desde já fixado com relação ao princípio da isonomia é o consistente em ser ele dirigido precipuamente ao próprio legislador, que, desempenhando sua função, deve implementar a isonomia na própria lei [...], não se perca de vista que o legislador é o primeiro intérprete da Constituição. Todavia, devem igual obediência ao preceito isonômico o Judiciário, o Executivo e o próprio particular.62

A atividade do Estado está limitada ao disposto na Constituição, devendo os entes

federativos agir nos estritos termos de sua competência estabelecida pela Carta Magna.

Dadas estas considerações, resta patente que a isonomia e a legalidade caminham

conjuntamente num Estado Democrático de Direito. E isso em razão do princípio da

legalidade também tratar de um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, na

medida em que o Estado de Direito está ao império da lei, lei esta que realiza o princípio da

igualdade e da justiça como forma de buscar a adequação às condições sociais dos indivíduos.

A respeito do tema, Julcira Maria de Mello Vianna esclarece que o princípio da

legalidade “é corolário do princípio da igualdade, pois criar a lei é estabelecer a conduta de

forma igualitária, ou seja, igual para todos”.63

No mesmo sentido, Humberto Ávila destaca: “a conexão da igualdade com a

legalidade está no fato de a lei, por ser geral e abstrata, desconsiderar particularidades

individuais em favor de uma classe de contribuintes”. O referido autor faz uma crítica no

sentido de que “o problema não é a generalidade da lei, mas, precisamente, a sua

individualização: a suposta violação ao princípio da igualdade decorreria do fato de a lei, ao

pretender tratar cada um diferentemente, gerar uma dificuldade soberba para ser aplicada por

todos”. 64

62 GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 21-22. 63 VIANNA, Julcira Maria de Mello. Aspectos Constitucionais do IPVA. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP, 2002, p. 27. 64 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 114-115.

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40

E isso porque mediante lei é possível realizar intervenções que impliquem a alteração

da vida em sociedade. Noutros dizeres, a lei não deve ser tida apenas numa esfera normativa,

havendo que influir na realidade social, impondo mudanças sociais democráticas.

É nesse sentido que destacamos que, pelo princípio da estrita legalidade, tem-se a

garantia de que nenhum tributo será instituído ou aumentado a não ser em virtude de lei

(artigo 150, inciso I65, da CF/88), sendo um dos mais importantes limites aos governantes na

atividade da tributação. Significa dizer que o veículo introdutor da regra tributária no

ordenamento jurídico será sempre a lei, “estalecendo a necessidade de que a lei adventícia

traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritivos da relação

obrigacional”.66

Assim, conjuntamento ao princípio da legalidade deve caminhar o princípio da

igualdade em matéria tributária. E isso porque, no âmbito do Direito Tributário, se verifica

que os contribuintes devem ser tributados de forma a respeitar o princípio da igualdade e nos

termos do disposto em lei, sendo esta também isonômica.

O princípio da igualdade tributária relaciona-se com a justiça distributiva em matéria

fiscal, de maneira que haja uma repatição do ônus financeiro da forma mais justa possível.

Permite o princípio da igualdade a distinção, para que indivíduos sejam tratados na

medida de sua desigualdade. O objetivo é a proteção dos mais fracos, estando o Direito

Tributário na linha de frente neste sentido, tendo em vista que uma tributação justa enseja a

aplicação adequada da igualdade.

Entendemos, portanto, que todo o sistema tributário deve ser analisado sob a ótica do

princípio da igualdade, o qual exige que a lei, ao ser aplicada e editada, não discrimine os

contribuintes que se encontrem em situação equivalente, mas sim aqueles que não se

encontrem em situação equivalente, na medida de suas desigualdades. O princípio da

igualdade é a projeção na área tributária de que todos são iguais perante a lei, apresentando-se

como garantia de tratamento igualitário pela entidade tributante àqueles que se encontrem na

mesma situação.

65 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; 66 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 208.

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41

E entendemos que referido mandamento constitucional, no âmbito do direito

tributário, disposto no artigo 150, inciso II67, foi ainda mais destacado pelo legislador

constituinte ao tratar da capacidade contributiva dos indivíduos, nos termos do artigo 145,

parágrafo 1º68, da CF/88.

José Afonso da Silva, ao tratar da igualdade na tributação, destaca o princípio da

capacidade contributiva como aquele adequado e necessário para se atingir a igualdade

tributária. Nesse sentido, esclarece:

O princípio da capacidade contributiva, expressamente adotada pela Constituição (art. 145, §1º), segundo o qual a carga tributária deve ser distribuída na medida da capacidade econômica dos constribuintes, critério que implica: (a) uma base impositiva que seja capaz de medir a capacidade; (b) alíquotas que igualem verdadeiramente essas cargas.69

E conclui o ilustre jurista constitucional:

Não basta, pois, a regra da isonomia estabelecida no caput do art. 5º, pra concluir que a igualdade perante a tributação está garantida. O constituinte teve consciência de sua insuficiência, tanto que estabeleceu que é vedado

instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em

situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação

profissional ou função por eles exercida, independentemente da

denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II). Mas também consagrou a regra pela qual, sempre que possível, os impostos terão

caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do

contribuinte (art. 145, §1º). É o principio que busca a justiça fiscal na distribuição do ônus fiscal na capacidade contributiva do contribuinte.70 (grifo do autor)

Podemos, então, concluir que as regras dos artigos 5º, 150, II, e 145, §1º, todos da

CF/88, conjugados, buscam concretizar a justiça tributária, possibilitando um tratamento

diferenciado entre os contribuintes, levando em consideração, sempre que possível, as

67 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; 68 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. 69 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 220. 70 Ibidem, p. 221.

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condições pessoais e a graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte, em

atendimento ao princípio da igualdade.

E nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, ao tratar da igualdade na tributação:

Isto não significa, contudo, que todos os contribuintes devam receber tratamento tributário igual, mas, sim, que as pessoas, físicas ou jurídicas, encontrando-se em situações econômicas idênticas, ficarão submetidas ao mesmo regime jurídico, com as particularidades que lhe forem próprias.71

Entendemos que o princípio da igualdade garante um sistema tributário justo,

impedindo privilégios e arbitrariedades, de maneira a assegurar que situações equivalentes

venham a ser tratadas da mesma forma e, ao mesmo tempo, situações diferentes tenham

tratamento diverso. Sobremais, o princípio da igualdade exige que o legislador e o aplicador

da lei tributária adotem critérios de comparação de maneira a distinguir os contribuintes que

não se encontrem em situação equivalente.

Tal aplicação do princípio da igualdade se verifica na tributação, levando em

consideração a capacidade contributiva dos indivíduos. Conforme expresso no artigo 145, §1º,

da CF/88, o princípio da capacidade contributiva, que será tratado especificamente em

capítulo do presente estudo, é forma pela qual o princípio da igualdade é aplicado no sistema

constitucional tributário.

71 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2008, p. 266.

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3 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

3.1 Análise histórica do dispositivo Constitucional sobre a capacidade contributiva no

Direito Brasileiro

No Brasil, a Constituição Política do Império de 1824 tratou da capacidade

contributiva de forma sutil, ao dispor em seu artigo 179, inciso XV, que:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. XV. Ninguém será exempto de contribuir para as despezas do Estado em proporção dos seus haveres.

Já as Constituições da República de 1891, 1934 e de 1937 não dispuseram a respeito

da capacidade contributiva.

O dispositivo sobre a capacidade contributiva retornou ao texto constitucional a partir

a Constituição de 1946, a qual dispunha em seu artigo 202 que “Os tributos terão caráter

pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do

contribuinte”.

Regina Helena Costa, em análise da interpretação do mencionado artigo 202 da

Constituição de 1946, destaca as palavras de Themístocles Brandão Cavalcanti, ao esclarecer

que “o sentido da norma era ‘individualizar o imposto, atribuindo-lhe uma função política e

colocando o critério fiscal sob a influência preponderante de sua repercussão no terreno

social, subordinando o seu quantum à capacidade econômica do contribuinte’” (grifo do

autor).72

Aliomar Baleeiro, ao também analisar o conteúdo disposto no artigo 202 da

Constituição de 1946, destaca que não obstante o caráter programático do referido artigo,

72 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 19.

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44

reconhecia-se a capacidade de criar direitos subjetivos dos interessados, comandando a

atuação do legislador e do juiz.73

No entanto, a Emenda Constitucional nº 18 de 01.12.1965, que dispôs sobre a reforma

do sistema tributário, retirou a disposição a respeito da capacidade contributiva do texto

constitucional, acarretando na ausência de inclusão do referido dispositivo na Constituição de

1967 e na Emenda Constitucional nº 1/1969.

Ainda que silente dispositivo a respeito da capacidade contributiva, referido conceito,

para muitos estudiosos, sempre esteve inserido no princípio da igualdade. E isso porque a

igualdade, tratando-se de impostos, somente é devidamente aplicada quando considerada a

capacidade contributiva dos indivíduos submetidos à norma.

Ao tratar da questão histórica da disposição constitucional a respeito da capacidade

contributiva, destaca José Maurício Conti:

A Comissão Afonso Arinos, que deu início ao processo de elaboração da Constituição promulgada em 5.10.88, trouxe o princípio expresso no texto do Anteprojeto por ela confeccionado nos seguintes termos: “Art. 149. Os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados pela capacidade econômica do contribuinte segundo critérios fixados em lei complementar”. Ressalte-se, no texto do Anteprojeto, dois aspectos relevantes, que posteriormente se modificaram e não vieram a constar da atual Constituição. O primeiro deles é a referência a tributos, e não a impostos, de modo que o princípio teria aplicação mais abrangente. O segundo é a colocação da expressão “sempre que possível”, que, no caso, claramente referia-se apenas ao caráter pessoal.74

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a capacidade contributiva foi

retomada de forma expressa pelo texto constitucional, em seu artigo 145, §1º, com o seguinte

teor, que consagra o princípio da capacidade contributiva no sistema constitucional tributário

brasileiro:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses

73 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª edição rev. E compl. à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Atualizadora Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 711. 74 CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p. 39.

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45

objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Verifica-se mediante a análise histórica do termo, que a capacidade contributiva possui

como essência a exigência de que todos contribuam de acordo com a respectiva manifestação

de riqueza, sendo um medidor da carga tributária a recair sobre determinado contribuinte, em

atenção ao primado da igualdade.

3.2 Conceito

Como vimos, a capacidade contributiva é um conceito já juridicizado, consagrado pelo

Texto Constitucional de 1988 de modo explícito pelo artigo 145, §1º, sendo uma expressão

tributária, vinculada aos impostos, contida nas exigências do princípio geral da isonomia,

cabendo, portanto, analisar seu conteúdo, sentido e alcance.

A capacidade contributiva é a concretização da igualdade no direito tributário, no que

tange aos impostos. Refere-se ao tratamento que o Estado deve aos cidadãos, de maneira que

a tributação seja adaptada à riqueza dos contribuintes.

Mas a noção de capacidade contributiva não é facilmente ou mesmo igualmente

compreendida na doutrina brasileira. Trata-se de um conceito com alto grau de generalidade,

podendo ser interpretado de formas diversas, mas entendemos que com conceito semelhante.

A esse respeito, Regina Helena Costa em estudo específico sobre o tema, esclarece que

existe na doutrina entendimento diverso sobre o conceito da capacidade contributiva e

exemplifica:

Para Griziotti, percursor das preocupações jurídicas em torno do tema, o princípio indica a “potencialidade que possuem os submetidos à soberania fiscal para contribuir para os gastos públicos”. Rubens Gomes de Sousa definiu capacidade contributiva como a “soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades elementares de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas”. Emilio Giardina entende-a como a “possibilidade econômica de pagar o tributo”, enquanto Moschetti a vê como a “força econômica do contribuinte.75 (grifo do autor)

75 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 22-23.

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46

Verificamos que independentemente das significações destacadas pela doutrina, outra

interpretação não há a não ser aquela em que a capacidade contributiva possui como essência

a exigência de que os contribuintes contribuam de acordo com a respectiva manifestação de

riqueza.

Mas nem sempre foi assim. Nos primórdios, os tributos eram exigidos tão somente do

povo, não pagando tributos a nobreza e o clero. O pagamento dos tributos não se dava em

razão da manifestação de riqueza de cada indivíduo, com o objetivo de contribuir, visando um

bem comum, mas sim como forma de dominar o povo mostrando o poder da nobreza.

Somente com a consolidação do Estado Democrático de Direito, os tributos passaram

a ser exigidos de todos os indivíduos que possuíam capacidade de contribuir, visando o bem

comum, aplicando-se efetivamente o princípio da capacidade contributiva.

Ainda assim, a capacidade contributiva por muito tempo foi tida como propriamente

de natureza econômica e não efetivamente jurídica.

Conforme esclarece Elizabeth Nazar Carrazza:

[Tal fato] se deu, provavelmente, em razão das próprias origens do Direito Tributário (que se confundia com a Ciência das Finanças) e do tratamento, realmente mais econômico do que jurídico, que, em razão de seu próprio objeto, a ele era dispensado, quando do seu surgimento.76

Carlos Palao Taboada77, Catedrático da Universidade de Zaragoza / Espanha, lembrou

que a divulgação da capacidade contributiva na doutrina, como aspecto jurídico, se deu com o

tributarista italiano Benvenuto Grizziotti, o qual atraiu a atenção dos juristas para o conceito

da capacidade contributiva na ciência jurídica. Até então, a capacidade contributiva era tratada

tão somente pelo aspecto econômico, visando a distribuição da carga tributária de forma

adequada. Com a teoria de Benvenuto Grizziotti78, a capacidade contributiva passou a ser

76 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 43. 77 TABOADA, Carlos Palao. Isonomia e capacidade contributiva. Notas taquigráficas de aula e debates do VII Curso de Especialização em Direito Tributário, da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São Paulo e do IDEPE, realizada aos 7 de outubro de 1978. São Paulo: Revista de Direito Tributário n. 4, abril/junho de 1978, p. 127. 78 Aliomar Baleeiro também destaca a importante influência de Griziotti no estudo dos fatos fiscais. (BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª edição rev. E compl. à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Atualizadora Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 714).

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vista como forma de financiar os gastos públicos, acarretando na redução dos custos e

consequentemente aumentando o lucro aos indivíduos, ou seja, a capacidade contributiva.

A ideia da capacidade contributiva também foi muito bem analisada por Carlos Palao

Taboada79 ao tratar do estudo feito por Emilio Giardina, autor italiano, quem esclarece que a

tributação não poderia se dar com base em fatos destituídos de substância econômica, levando

em consideração questões alheias à tributação, devendo sempre atender ao princípio da

igualdade. Com o estudo de Emilio Giardina, a capacidade contributiva tomou força no

campo tributário e passou a ser tratada pela doutrina como um efetivo princípio.

O que se verifica é que a tributação está vinculada à condição econômica do

contribuinte, mais especificamente, aos fatos-signos presuntivos de riqueza80, estando a

capacidade contributiva diretamente relacionada à proteção do contribuinte, de forma que não

haja tributação excessiva comprometedora dos meios de sobrevivência ou mesmo dos direitos

fundamentais do sujeito passivo.

Luciano Amaro cita entendimento de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, quando

esclarecem: “a capacidade econômica corresponde à “real possibilidade de diminuir-se

patrimonialmente, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza

de lastro à tributação”.81

Nota-se que a capacidade contributiva procura atingir os indivíduos na medida de sua

capacidade de econômica de contribuir mediante o pagamento de tributos, sem comprometer

seus direitos fundamentais ou mesmo ser aplicada de forma excessiva. Contudo, essa

individualização está limitada, na medida em que as normas jurídicas de nível legal possuem

79 TABOADA, Carlos Palao. Isonomia e capacidade contributiva. Notas taquigráficas de aula e debates do VII Curso de Especialização em Direito Tributário, da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São Paulo e do IDEPE, realizada aos 7 de outubro de 1978. São Paulo: Revista de Direito Tributário n. 4, abril/junho de 1978, p. 128-129. 80 Como fatos signos presuntivos de riqueza, Alfredo Augusto Becker aduz que “o legislador tem o dever jurídico de escolher para a composição da hipótese de incidência tributária fatos que sejam signos presuntivos de renda ou capital acima do mínimo indispensável. Assim, para ocorrer a incidência basta a realização dos fatos signos presuntivos da capacidade contributiva”. (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito

Tributário. 3ª edição. São Paulo: Lejus, 1998, p. 263). 81 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 162. Citação de artigo “Intributabilidade das correções monetárias – capacidade contributiva, in Princípios tributários no direito

brasileiro e comparado, p. 142.

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como característica a generalidade82, aplicando-se as normas, portanto, a todos os indivíduos

ou mesmo a uma categoria destes que se encontrem na mesma condição de contribuir.

E como medir a capacidade de contribuir para o pagamento de tributos? Para

responder a esta pergunta, cumpre antes destacar que a capacidade contributiva pode ser

manifestada, a princípio, de forma objetiva (absoluta) ou subjetiva (relativa).

A capacidade contributiva é medida pelos fatos-signos presuntivos de riqueza,

conforme denominado por Alfredo Augusto Becker, e não pela disponibilidade financeira

propriamente dita. Esta situação de riqueza presumida verifica-se na capacidade contributiva

objetiva (absoluta). Isso porque a capacidade contributiva não deixa de ser uma presunção,

com base em indicadores que refletem a existência de riqueza daquele contribuinte, fazendo

presumir que quem realiza tal fato possui riqueza suficiente para ser alcançado pelo imposto

específico.

Com isto, a capacidade contributiva manifesta-se diante de fatos ou situações que

revelem, em um primeiro momento, que quem os realiza reúne condições objetivas para

suportar a carga econômica do imposto.

Conforme destaca Roque Antonio Carrazza acerca dos fatos-signos presuntivos de

riqueza:

(...) seriam fatos que, a priori, revelam que, quem os realiza, tem riqueza suficiente para ser alcançado pelo imposto específico. Esta é uma presunção absoluta, uma presunção iuris et de iure, uma presunção que não cede passo nem mesmo diante de prova em contrário. Se presente o fato signo presuntivo de riqueza, pouco importa se o realizador do fato imponível, dadas as suas condições pessoais, não tem condições para suportar a carga econômica do imposto. 83

Tal situação ocorre, por exemplo, com o contribuinte que é sorteado em um

determinado estabelecimento comercial e recebe um veículo de alto valor, não possuindo

referido contribuinte a condição econômica para arcar com o recolhimento do IPVA incidente

82 Elizabeth Nazar Carrazza, a respeito das normas genéricas, esclarece que “juridicamente, no Brasil, a lei deve ser genérica, em função do princípio da tripartição do Poder (ou separação das funções estatais), previsto no art. 2º, da CF. Este artigo, interpretado de permeio com os arts. 44 a 75, 76 a 91 e 92 a 126, também do texto Supremo, leva à conclusão de que só o legislador pode produzir normas genéricas e abstratas, que inovam inauguralmente a ordem jurídica, em oposição às individuais e concretas (que são os atos administrativos e as sentenças, de competência, respectivamente, dos Poderes Executivo e Judiciário, em especial)”. (CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 47). 83 CARRAZZA, Roque Antonio. A progressividade na ordem tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros Editores, nº 64, p. 45-46, 1994.

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sobre aquele veículo. Nesta situação, não há dúvida de que o contribuinte possui capacidade

contributiva para arcar com o pagamento do imposto, uma vez proprietário do veículo

automotor, mas não possui eventualmente a condição econômica para tanto. Nesta hipótese,

não haverá alternativa ao indivíduo a não ser se desfazer do bem em questão.

Julcira Maria de Mello Vianna sustenta:

A capacidade contributiva a que se refere o artigo 145 parágrafo 1º da Carta Magna é objetiva, e, portanto, se refere àquelas manifestações objetivas de riqueza como ter imóveis, possuir automóveis, etc. Assim, não está relacionada, esta capacidade contributiva, com as condições econômicas do contribuinte considerado de forma individualizada. Até porque a lei deve ser genérica, ou seja, geral e abstrata, e assim atinge todos aqueles que realizarem a situação prevista na lei, sob pena de privilegiar uma situação individualizada, desrespeitando-se o princípio republicano e o da igualdade.84

O que ocorre efetivamente na capacidade contributiva objetiva é que não importa se o

contribuinte que praticou o fato imponível85 do imposto reúne ou não condições econômicas

para o respectivo pagamento.

Em sentido diverso, a capacidade contributiva pode ser manifestada de forma subjetiva

(relativa) analisada com base nas condições pessoais do contribuinte, caso a caso, para arcar

com o pagamento do imposto. Esta análise leva em consideração a relação pessoal do

contribuinte com a sociedade, como a região onde mora, quantidade de dependentes, etc..

Assim, no exemplo dado acima com relação ao sorteio de um veículo de alto valor, o

contribuinte com menor poder aquisitivo e que necessita sustentar a família, não seria

tributado com a mesma carga tributária de outro contribuinte com maior poder aquisitivo, haja

vista sua condição econômica pessoal.

Para Paulo de Barros Carvalho, deve-se considerar, para que haja o cumprimento do

princípio constitucionalmente previsto da capacidade contributiva, aquela tida como objetiva

(absoluta). A esse respeito, o autor faz a seguinte observação:

84 VIANNA, Julcira Maria de Mello. Aspectos Constitucionais do IPVA. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP, 2002, p. 34-35. 85 Para Geraldo Ataliba, o “fato imponível, que há de ser um fato concreto, ocorrido hic et nunc, no mundo fenomênico, como acontecimento fático, sensível, palpável, concreto, material, apreensível e que corresponde à ‘imagem abstrata’ como diz A. D. Giannini que dele faz a lei”. Assim, a hipótese de incidência “é a descrição legal hipotética dos fatos aptos a determinarem o nascimento de obrigações tributárias – e fato imponível, como concretização, realização efetiva dos fatos descritos”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 67).

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Realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva absoluta ou

objetiva retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza. Esta é a capacidade contributiva que, de fato, realiza o princípio constitucionalmente previsto. Por outro lado, também é capacidade contributiva, ora empregada em acepção relativa ou

subjetiva, a repartição da percussão tributária, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento. Quando empregada no segundo sentido, embora revista caracteres próprios, sua existência está intimamente ilaqueada à realização do princípio da igualdade, previsto no art. 5º, caput, do Texto Supremo. Todavia, não custa reiterar que este só se torna exequível na exata medida em que se concretize, no plano pré-jurídico, a satisfação do princípio da capacidade contributiva absoluta ou objetiva, selecionando o legislador ocorrências que demonstrem fecundidade econômica, pois, apenas desse modo, terá ele meios de dimensioná-las, extraindo a parcela pecuniária que constituirá a prestação devida pelo sujeito passivo, guardadas as proporções da ocorrência.86 (grifo do autor)

Pretende Paulo de Barros Carvalho enfatizar que para a plena aplicação da capacidade

contributiva, há que se verificar a efetivação do nível pré-jurídico mediante a aplicação da

capacidade contributiva objetiva (absoluta) como ponto de partida e, após a escolha dos fatos

presuntivos de riqueza decorre a possibilidade de o legislador, subsequentemente, distribuir a

carga tributária de maneira equitativa, estabelecendo o grau de contribuição daqueles que

participaram do evento tributado, fazendo surgir a capacidade contributiva subjetiva

(relativa).

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho resume seu entendimento da seguinte forma:

Podemos resumir o que dissemos em duas proposições afirmativas bem sintéticas: realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva

absoluta ou objetiva retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza; por outro lado, tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva quer expressar a repartição do impacto tributário, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento.87

Aqueles que entendem que a capacidade contributiva disposta no artigo 145, §1º, da

CF/88 é subjetiva, consideram uma situação individualizada do contribuinte para suportar a

carga econômica do imposto. Conforme destaca Roque Antonio Carrazza88, neste sentido é o

86 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 216. 87 Ibidem, p. 409. 88 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 102, nota nº 59. (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 90).

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entendimento de Sacha Calmon Navarro Coêlho, para quem a capacidade contributiva à qual

alude o art. 145, §1º, da CF é subjetiva, devendo levar em conta, pois, a capacidade

econômica real do contribuinte, isto é, sua aptidão concreta e específica de suportar a carga

econômica do imposto.

Destacamos, a esse respeito, que apenas com a capacidade contributiva objetiva será

possível selecionar e dimensionar as ocorrências econômicas, ou seja, denotar os fatos signos

presuntivos de riqueza, extraindo a parcela pecuniária que será devida pelo contribuinte,

realizando-se o princípio da igualdade.

Ao considerarmos a capacidade contributiva objetiva, não significa dizer que

abandonamos ou mesmo desconsideramos a previsão constituiconal no sentido de que

“sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a

capacidade econômica do contribuinte” (art. 145 §1º). Pelo contrário, pretendemos que a

igualdade na tributação mediante a aplicação da capacidade contributiva objetiva seja

verificada como um critério para a padronização, levando em consideração aquelas

manifestações objetivas de riqueza. E a aplicação da capacidade contributiva objetiva serve,

precisamente, de instrumento para a realização da igualdade na tributação.

Nesse ponto, destaca Humberto Ávila: “mesmo quando a norma tributária, em busca

de igualdade da maioria, se distancia de cada um, a capacidade contributiva está ali, como

referência para a validade mesma da padronização”.89

Entendemos que, no direito tributário, a análise se limita à capacidade contributiva

objetiva, não havendo interferência na condição econômica particularizada do contribuinte.

Interessa que aquele contribuinte possui capacidade contributiva, uma vez existente

manifestação de riqueza, para arcar com a carga tributária, dada a realização do fato

imponível da relação jurídica tributária.

Nessa linha de entendimento, o presente estudo procura demonstrar que em razão da

ausência ou mesmo impossibilidade de uma individualização das normas jurídicas a ensejar a

tributação individualizada de cada contribuinte, a melhor maneira de chegar a uma adequada

tributação, alcançando a tão almejada justiça tributária, é por meio da verificação da

capacidade contributiva de forma objetiva, princípio este informador dos impostos.

89 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 192.

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3.2.1 Capacidade contributiva e capacidade econômica

A capacidade contributiva, muitas vezes identificável como capacidade econômica,

provém do fato de que ambas dizem respeito à dimensão econômica vinculada à realização do

fato imponível da relação jurídica tributária. Apesar de serem utilizadas conjuntamente, tais

expressões em verdade não se confundem.

Parte da doutrina estabelece esta distinção entre capacidade contributiva e capacidade

econômica. Nesse sentido, Ives Gandra da Silva Martins esclarece sobre a capacidade

contributiva:

[É] a capacidade do contribuinte relacionada com a imposição específica ou global, sendo, portanto, dimensão econômica particular de sua vinculação ao poder tributante, nos termos da lei”. E a capacidade econômica é “a exteriorização da potencialidade econômica de alguém, independente de sua vinculação ao referido poder. 90

Estevão Horvath também identifica esta distinção das expressões e esclarece:

Utilizaremos sempre as expressões “capacidade econômica” e “capacidade contributiva” como sinônimas. Em que pese a que seu significado originário seja ligeiramente diferente – correspondendo à capacidade econômica a potencialidade de obtenção de riqueza (renda, patrimônio, consumo) e à capacidade contributiva a aptidão para suportar e pagar um determinado(s) tributo(s) -, hoje em dia vemo-la usadas indistintamente.91

Por esse entendimento, interpretamos a capacidade contributiva como aquela derivada

de uma relação jurídica entre Fisco e Contribuinte, em que o primeiro detém um poder sobre o

segundo, de forma a fazer com que este último tenha um dever para com o primeiro. Refere-

se ao tratamento que o Estado deve aos cidadãos, de maneira que a tributação seja adaptada à

riqueza dos contribuintes. Assim, tem capacidade contributiva aquele contribuinte

juridicamente obrigado a cumprir determinada prestação de natureza tributária para com o

poder tributante.

Já a capacidade econômica é a real possibilidade de o contribuinte obter riqueza e

diminuir-se patrimonialmente, sem perder a possibilidade de persistir gerando riqueza como 90 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Capacidade Econômica e Capacidade Contributiva. In. Caderno de Pesquisas Tributárias 14. Ed. Resenha Tributária e Centro de Estudos de Extensão Universitária (Co-edição). São Paulo, 1989, p. 33 e seguintes. 91 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 67-68, nota nº 1.

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lastro à tributação. É representada pela capacidade que o contribuinte possui economicamente

de suportar o ônus tributário em razão de seus rendimentos auferidos.

Em análise sobre os referidos termos, entendemos que a capacidade contributiva deve

ser aplicada de forma concomitante à capacidade econômica, na medida em que o

contribuinte, ao realizar uma relação com o poder tributante, deverá possuir capacidade de

contribuir economicamente com o pagamento do imposto.

Noutras palavras, sempre haverá na relação existente entre o Estado e o contribuinte,

uma efetiva capacidade contributiva, havendo o contribuinte que arcar economicamente com

o pagamento do imposto.

Ocorre, muitas vezes, que apesar de possuir capacidade contributiva, o contribuinte

pode não possuir capacidade econômica para a quitação do imposto, uma vez que caso o

pagamento lhe seja obrigado, haverá certamente o atingimento do mínimo vital de

sobrevivência daquele indivíduo e de sua família.

Entendemos que no caso do atingimento do mínimo vital, o contribuinte possui

capacidade contributiva em razão dos atos que praticou com o Fisco, mas, por sua vez, não

possui capacidade econômica de contribuir com o pagamento do imposto, sob pena de atingir

seu mínimo vital de sobrevivência e uma vida digna.

Esta situação pode ser verificada com a isenção do imposto sobre a renda para aqueles

contribuintes que obtiveram rendimento mensal de até R$ 1.710,7892 (correspondente ao

rendimento anual de até R$ 20.529,36 para o ano-calendário de 201393).

Logo, houve efetivamente renda auferida pelo contribuinte, passível, em regra, de

tributação, ou seja, houve uma relação efetiva entre o Fisco e o contribuinte, existindo aqui

uma capacidade contributiva. Mas, em razão da legislação do imposto sobre a renda dispor

que a obtenção de renda anual até R$ 20.529,36 (ano-calendário de 2013), pelo contribuinte,

não sofrerá a tributação, isso significa dizer que tais contribuintes (enquadrados neste limite),

não possuem capacidade econômica de arcar com o pagamento do imposto.

Como exemplo da diferença de capacidade contributiva e capacidade econômica, José

Maurício Conti traz uma situação em que não haverá capacidade contributiva:

92 Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Aliquotas/ContribFont2012a2015.htm>. Acesso em: 20 out. 2013. 93 Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Aliquotas/ContribFont2012a2015.htm>. Acesso em: 20 out. 2013.

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Um cidadão que usufrui renda tem capacidade contributiva perante o país em que a recebeu; já um cidadão rico, de passagem pelo país, tem capacidade econômica, mas não tem capacidade contributiva, pois ele tem rendimentos suficientes para suportar tributos, mas não há nenhuma relação jurídica que o vincule ao Fisco do país pelo qual transita. Assim, não tem capacidade contributiva neste país.94

Verifica-se que a imposição tributária será imposta apenas ao indivíduo que esteja

legitimamente colocado na posição de sujeito passivo da obrigação tributária, ou seja,

somente ao sujeito que possui capacidade contributiva diante de uma relação jurídica com o

Fisco.

Nesse sentido, as palavras de José Maurício Conti:

Pode-se notar, ainda, uma diferença de abrangência entre estes conceitos. O conceito de capacidade econômica tem uma natureza mais voltada à ciência econômica e financeira; já o conceito de capacidade contributiva tem uma natureza essencialmente jurídica. No caso do disposto no Texto Constitucional, fez-se uso da expressão “capacidade econômica”, quando, no caso, a referência é à “capacidade contributiva”, pois trata-se apenas da capacidade econômica de pagar tributos. No entanto, não se pode dizer ter havido equívoco por parte do legislador, pois menciona no artigo 145, §1º “capacidade econômica do contribuinte” – tornando, dessa forma, mais preciso o conceito ao referir-se à capacidade econômica do contribuinte apenas daqueles que estão sujeitos à tributação.95

Significa dizer que sempre que houver uma relação entre o Fisco e o contribuinte,

podemos entender que se verificará a capacidade contributiva e nesse sentido que está a

disposição do artigo 145 §1º, da CF/88.

Cumpre destacar que a capacidade contributiva verificada é analisada de forma

objetiva (absoluta), visto tratar de uma presunção baseada em indicadores de riqueza do

contribuinte. A ausência de riqueza poderá ensejar a não incidência do imposto, mas

verificada a existência de fatos presuntivos de riqueza, não haverá que se considerar a

ausência de capacidade contributiva para arcar com o recolhimento do imposto.

Desta forma, adotaremos no presente trabalho a expressão capacidade contributiva ao

tratarmos da aptidão que possui o contribuinte para suportar determinada carga tributária,

94 CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p. 34. 95 Ibid., p. 36-37.

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dadas as manifestações objetivas de riqueza, com natureza essencialmente jurídica, presente

quando houver uma vinculação ao poder tributante com surgimento de uma cominação fiscal.

3.2.2 Critérios para aferição da capacidade contributiva

Conforme exposto, a Constituição Federal de 1988 assim define em seu artigo 145,

§1º:

Sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Nos termos do acima disposto, a Constituição Federal de 1988 enfatizou que será

considerado o critério econômico, levando em conta o patrimônio, os rendimentos e a

atividade econômica, para aferição da capacidade contributiva.

Mas como determinar qual é a referida capacidade econômica do contribuinte ou,

ainda, como estabelecer quem tem mais ou menos capacidade contributiva? Esse é um dos

questionamentos principais no processo de tributação.

Nesse ponto, cumpre destacar que o critério escolhido - ou os critérios escolhidos -

para aferição da capacidade contributiva, deverá integrar a hipótese de incidência do imposto

objeto de tributação, de forma a determinar o fato selecionado pelo legislador para indicar a

capacidade contributiva.

Não podemos esquecer que a capacidade contributiva é manifestada de forma objetiva,

medida pelos fatos presuntivos de riqueza e não pela disponibilidade financeira

individualizada do contribuinte. Assim, entendemos integrar os critérios para aferição da

capacidade contributiva o que efetivamente denota riqueza existente.

A esse respeito, José Maurício Conti destaca:

Basicamente pode-se considerar a existência de três critérios pelos quais se pode mensurar a capacidade contributiva: o primeiro deles seria a renda

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auferida; o segundo seria o consumo (ou renda despendida); e o terceiro seria o patrimônio (ou riqueza, ou renda acumulada).96

Klaus Tipke também esclarece:

Em princípio podem-se distinguir três indicadores da capacidade

contributiva, a: grandeza dinâmica de fluxo “renda” (incremento patrimonial); grandeza estática do estoque “patrimônio” (fundo de consumo e investimento); grandeza dinâmica de fluxo “consumo” (consumação de bens). 97 (grifo do autor)

Ainda assim, Klaus Tipke orienta sua teoria justificativa pela renda.

No mesmo sentido, João Paulo Fanucchi de Almeida Melo entende que “os países se

valem de três diferentes critérios: (i) renda; (ii) consumo e (iii) riqueza.”98.

E também Hugo de Brito Machado, analisando a questão:

A capacidade contributiva deve ser medida de diversas formas, tendo-se em vista diversos indicadores, entre os quais podem ser destacados a renda monetária, o patrimônio e o consumo. Por isto mesmo é que se há de afastar a idéia de um imposto único, que dificilmente colheria a verdadeira capacidade contributiva, evidenciada pelo menos por esses três indicadores. Um sistema tributário fundado no princípio da capacidade contributiva há de ter um imposto de renda progressivo, um imposto sobre as grandes fortunas e um imposto sobre o uso ou o consumo de bens e serviços suntuários.99

Entendemos, conforme anteriormente exposto, que a capacidade contributiva é

manifestada de forma objetiva, medida pelos fatos signos presuntivos de riqueza e não pela

disponibilidade financeira propriamente dita. Assim, entendemos integrar os critérios para

aferição da capacidade contributiva o que efetivamente denota riqueza existente e objetiva, ou

seja, a renda e o patrimônio do contribuinte.

A renda despendida, ou seja, o consumo, verificada nos impostos indiretos, não denota

manifestação objetiva de riqueza como forma de critério para aferição da capacidade

contributiva. Uma vez que nesta situação se denotaria riqueza do consumidor final e não do

96 CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p. 41. 97 TIPKE, Klaus. Direito tributário / Klaus Tiple, Joachim Lang; (colaboradores). Tradução da 18ª edição alemã, totalmente refeita, de Luiz Dória Furquim. Volume I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008, p. 210. 98 MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Princípio da Capacidade Contributiva: a sua aplicação nos casos

concretos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 135. 99 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. 4ª edição. São Paulo: Dialética, 2001, p. 80-81.

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contribuinte propriamente dito (contribuinte de direito). Nessa linha, as palavras de João

Paulo Fanucchi de Almeida Melo:

Na tributação sobre o consumo, como visto, a capacidade contributiva não se realiza de forma perfeita, tendo em vista que as condições pessoais e individuais daqueles que arcam com o ônus tributário não são levadas em consideração.100

Deve-se, portanto, o legislador levar em consideração a regra-matriz do imposto a ser

instituído e, se permitir, obedecer ao princípio da capacidade contributiva, diante da

verificação da efetiva presunção de riqueza do contribuinte nos impostos, como, por exemplo,

no IPVA pelo fato de o contribuinte ser proprietário de um veículo automotor, no IPTU por ser

proprietário de um bem imóvel, no ITCMD por receber uma herança de alto valor financeiro,

no Imposto sobre a Renda pela renda auferida, etc..

Destacamos que sempre se levará em consideração, para a verificação da existência de

capacidade contributiva, parâmetros econômicos, visto que o vínculo jurídico atrelado ao

Poder Público será sempre objeto de uma prestação pecuniária. Contudo, a aferição da

capacidade contributiva não se dá somente pela questão econômica decorrente da renda

auferida, mas também pela análise da propriedade, da atividade econômica, do bem

considerado para a exigência do imposto, ou seja, pela verificação objetiva dos sinais

exteriores de riqueza do contribuinte.

Roque Antonio Carrazza101 filia-se a este posicionamento no sentido de que a

capacidade contributiva revela-se com o próprio bem, porque a riqueza não advém apenas da

moeda corrente, mas do patrimônio, como um todo considerado.

Aqui, então, aplicamos a capacidade contributiva objetiva. Nesse sentido, a capacidade

contributiva se consubstancia na singela participação das pessoas em fatos que denotem sinais

de riqueza, ou seja, é medida pela presunção de que, por participar de fatos economicamente

expressivos, os indivíduos demonstram condições de contribuir ao Erário.

Concluímos que a Constituição Federal determinou os critérios para a aferição da

capacidade contributiva, sendo eles a renda e o patrimônio, como sinais objetivo de

manifestação de riqueza, cabendo à lei ordinária dispor sobre tais critérios para cada fato

100 MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Princípio da Capacidade Contributiva: a sua aplicação nos casos

concretos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 136. 101 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 102.

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imponível praticado pelo contribuinte, viabilizando a aplicação e cumprimento do princípio

da capacidade contributiva.

3.3 O princípio da capacidade contributiva e a igualdade

Diante dos conceitos apresentados, não restam dúvidas de que a norma que descreve a

observância da capacidade contributiva se coloca como princípio.

E a Constituição Federal de 1988 privilegiou o tratamento equânime do contribuinte

ao estabelecer a obediência ao princípio da capacidade contributiva disposta em seu artigo

145, §1º, de modo que o contribuinte deva ser tratado de forma diferenciada na medida em

que se dintingue dos demais contribuintes. Esta prescrição constitucional foi inserida nos

princípios gerais do Sistema Tributário Nacional e, portanto, sempre que possível o Poder

Legislativo deverá se atentar a esta determinação.

Conforme destaca Humberto Ávila:

A preferência ao tratamento particularizado, no Direito Tributário, cria uma presunção de igualdade particular, traduzida no dever de o ente estatal tratar igualmente os contribuintes, a não ser que haja uma razão, objeto de comprovação, para tratá-lo de modo diferente.102

E, em razão de que a capacidade contributiva constituir princípio cuja finalidade é a

tributação justa e igualitária, de forma a determinar que o contribuinte suporte a exação fiscal

de acordo com a amplitude econômica do evento realizado, é que se pode verificar decorrer,

diretamente, do princípio da igualdade no campo tributário.

Klaus Tipke destaca que “o principio da capacidade contributiva é mundialmente e em

todas as disciplinas da ciência da tributação reconhecido como princípio fundamental da

imposição justa”.103

Parte expressiva da doutrina sustenta que a igualdade absorve a capacidade

contributiva. Esse é o entendimento de Alberto Xavier, Paulo de Barros Carvalho, Geraldo

Ataliba e Roque Antonio Carrazza, conforme aduz Luciano Amaro:

102 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 197. 103 TIPKE, Klaus. Direito tributário / Klaus Tiple, Joachim Lang; (colaboradores). Tradução da 18ª edição alemã, totalmente refeita, de Luiz Dória Furquim. Volume I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008, p. 200-201.

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Nessa linha, Alberto Xavier entende que “o princípio da capacidade contributiva é simples aspecto em que se desdobra o princípio da igualdade e não regra autônoma”. Concordando assim com o pensamento de Paulo de Barros Carvalho (Os princípios, cit., p. 74, nota de rodapé), que é acompanhado por Geraldo Ataliba e Roque Carrazza.104

A esse respeito, devem ser tratados com igualdade aqueles que tiverem igual

capacidade contributiva, e com desigualdade os que revelem riquezas diferentes e, portanto,

diferentes capacidades de contribuir.

Ao defender a estrita relação da igualdade na tributação, Hugo de Brito Machado

destaca:

Realmente, aquele que tem maior capacidade contributiva deve pagar imposto maior, pois só assim estará sendo igualmente tributado. A igualdade consiste, no caso, na proporcionalidade da incidência à capacidade contributiva, em função da utilidade marginal da riqueza.105

Luciano Amaro ainda observa que outra parte da doutrina se baseia no fato de que o

princípio da capacidade contributiva é utilizado como forma de se alcançar a igualdade e não

o inverso, como acima destacado, sendo este, conforme destaca o autor, o entendimento de

Alcides Jorge Costa, quando aduz: “vê o princípio da capacidade contributiva como critério

para alcançar a igualdade, afirmando que igualdade tributária, no Brasil, consiste em tributar

da mesma forma todos os que têm a mesma capacidade contributiva”.106

Verifica-se efetivamente que o princípio da igualdade trata de um sobreprincípio,

sendo o princípio da capacidade contributiva decorrente diretamente deste. Tal fato não retira

a importância do princípio da capacidade contributiva que mantém seu caráter imponente no

âmbito do Direito Tributário.

Neste mesmo sentido, Regina Helena Costa esclarece:

Cremos que a igualdade está na essência da noção de capacidade contributiva, que não pode ser dissociada daquela. Podemos dizer que a capacidade contributiva é um subprincípio, uma derivação de um princípio

104 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 163, nota nº 63. 105 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 68. 106 AMARO, Luciano. Op. cit., p. 163, nota nº 63.

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mais geral, que é o da igualdade, irradiador de efeitos em todos os setores do Direito.107

Essa, também, a opinião de Estevão Horvath, ao destacar que “o princípio da

capacidade contributiva, a nosso ver, não pode nunca ser dissociado do princípio maior da

igualdade, até porque é aquele uma forma de aplicação deste in concreto”.108

Nessa linha de entendimento, temos que a adoção de uma postura ética por parte do

contribuinte verifica-se com o adimplemento das obrigações tributárias, e o Estado atua

eticamente quando observa os direitos e garantias do contribuinte ao exercer a imposição

tributária. Nesse sentido, as leis tributárias devem ser justas de forma a observar a igualdade

na carga impositiva.

Conforme destaca Betina Treiger Grupenmacher ao citar Klaus Tipke:

Não existe um critério uniforme de justiça para todo o Direito. Cada ramo do Direito deve aleger o seu, sendo que no Direito Tributário a justiça revela-se com a observância do princípio da capacidade contributiva. O walfarestate ou Estado de bem-social decorre naturalmente de um sistema tributário justo que observe o princípio da capacidade contributiva, o qual está inserido no §1º do artigo 145 da Constituição Federal e prevê que as imposições tributárias deverão ser graduadas segundo a capacidade econômica dos contribuintes. 109 (grifo do autor)

Assim, no primado da igualdade no âmbito do direito tributário, o tratamento desigual

deve levar em consideração a capacidade contributiva do indivíduo. Não se proíbe a distinção

no princípio da igualdade, ainda mais no âmbito do direito tributário. E isso porque o dever de

distinguir é primordial para que se alcance a tributação justa dos indivíduos de acordo com a

sua capacidade contributiva, sendo esta distinção aplicada, na tributação, de forma

progressiva, como se pretende demonstrar no presente estudo.

Ao tratar da progressividade nos impostos, não há como deixar de analisar a aplicação

do princípio da igualdade. Assim como exposto no sentido de que a capacidade contributiva

deriva do princípio da igualdade, também a progressividade é decorrente deste princípio. A

aplicação da progressividade na tributação, visando respeitar a igualdade, representa a forma

107 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 41. 108 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 68. 109 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro (Cadernos IDEFF Internacional) – Coimbra: Edições Almedina, 2012, p. 46.

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de se alcançar a justiça fiscal, buscando atingir os direitos fundamentais dispostos na

Constituição Federal.

Denota-se que o princípio da capacidade contributiva decorre do princípio da

igualdade. Noutros dizeres, a capacidade contributiva nada mais é do que a concretização do

princípio da igualdade no âmbito tributário, exigindo tratamento fiscal igual aos que ostentam

situações econômicas equivalentes e desigual aos que se encontram em situações econômicas

diversas, fazendo com que o encargo fiscal seja tanto maior quanto maior forem as

possibilidades econômicas das pessoas que o suportam, de forma a atender as diferenças

existentes em nosso País.

Tal relação se mostra patente na medida em que eventual ausência da noção de

capacidade contributiva no texto constitucional não retira a noção de igualdade do sistema

constitucional.

Roque Antonio Carrazza teceu, a respeito, importantes observações:

O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideiais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza. (...) Insistimos que o princípio da capacidade contributiva, intimamente ligado ao princípio da igualdade, é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance, em matéria de impostos, a tão almejada Justiça Fiscal. Em resumo, é ele que concretiza, no âmbito dos impostos, a igualdade tributária e a Justiça Fiscal.110 (grifo do autor)

Destacamos que o princípio da capacidade contributiva é um dos mecanismos mais

eficazes para alcançar a tão almejada justiça tributária. Assim, cada contribuinte irá arcar com

o ônus tributário adequado à sua capacidade de suportá-lo.

Cabe ressaltar o princípio da justiça fiscal como decorrente da equidade. Quando se

atinge a justiça fiscal, significa dizer que houve a distribuição equitativa do ônus tributário

entre os contribuintes. Entendemos que a obtenção de uma estrutura tributária ideal, sob o

110 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 96-98.

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ponto de vista da igualdade e da justiça fiscal, deve ocorrer por meio de aplicação do princípio

da capacidade contributiva.

Roque Antonio Carrazza, ao tratar do princípio da capacidade contributiva e da justiça

fiscal, destaca as ponderações de James Marins (Princípios Fundamentais do Direito

Processual Tributário, p. 52):

(...) realiza-se a justiça tributária: a) se a contribuição do cidadão se dá em conformidade com sua capacidade econômica e com a intensidade com que goza dos serviços públicos; b) se esta mensuração está prevista na legislação, uma vez que é obrigação que se comete ao legislador a sua adequada previsão no direito tributário substancial; c) se ocorre a efetiva aplicação do direito tributário substancial, com a realização incondicional de todas as normas adequadamente positivadas na forma como requerido pelo Direito.111

É o que Roque Antonio Carrazza, em exposição sobre o tema, indicou como isonomia

positiva: “é imperioso que a pessoa que revela possuir maior riqueza pague, em termos

proporcionais, mais imposto que aqueloutra que a exteriorize em menor intensidade (isonomia

positiva)”.112

Elizabeth Nazar Carrazza, ao atribuir exemplo a respeito da aplicação da capacidade

contributiva, para que ocorra uma tributação adequada, destaca entendimento de Geraldo

Ataliba:

No chamado princípio da capacidade contributiva. Um multimilionário tem muita capacidade contributiva, deve pagar muito imposto; um rico tem bastante capacidade contributiva, vai pagar muito imposto, o médio paga um pouco de imposto, o pobre não paga nada. Esta é a igualdade em matéria tributária, traduzida no princípio da capacidade contributiva.113

Esclarece, ainda, Betina Treiger Grupenmacher,114 que os princípios da igualdade e da

capacidade contributiva devem ser observados não somente com relação ao dever de pagar

tributos, mas também quanto à redução da carga tributária através da concessão de isenções e

incentivos fiscais, revelando a justiça no exercício da competência tributária.

111 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 114, nota nº 11. 112 Ibid, p. 114. 113 Elizabeth Nazar Carrazza. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 52, citação de Geraldo Ataliba, RDT/51, p. 152. 114 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro (Cadernos IDEFF Internacional) – Coimbra: Edições Almedina, 2012, p. 52.

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Entendemos, portanto, que os contribuintes devem, o quanto possível, concorrer para a

manutenção da coisa pública, conforme a capacidade contributiva revelada pela manifestação

de riqueza.

Podemos relacionar a capacidade contributiva à igualdade, na medida em que a

capacidade contributiva visa atender a distribuição da riqueza e a justiça social115, buscando a

proteção do contribuinte para que este seja tributado de maneira igualitária de acordo com a

respectiva manifestação de riqueza, sem que haja qualquer desobediência aos direitos

fundamentais do indivíduo. A capacidade contributiva mostra-se diretamente relacionada à

igualdade, não havendo que se considerar a capacidade contributiva sem a noção de

igualdade.

3.4 Destinatários do principio da capacidade contributiva

O princípio da capacidade contributiva possui como destinatário imediato o legislador

ordinário, o qual deve indicar nos impostos um caráter pessoal com base na capacidade

econômica dos contribuintes. A esse respeito, o princípio da capacidade contributiva, pode-se

dizer, trata-se de uma limitação ao poder de tributar estabelecida pela Constituição Federal,

visto não poder o legislador ultrapassar o conceito da capacidade contributiva na

regulamentação dos impostos com finalidade fiscal, sob pena de ferir o princípio da

igualdade. Assim, afirmamos que o artigo 145, §1º, da CF/88 vincula os órgãos legislativos.

O Poder Executivo, em sua competência na participação no processo legislativo, como

a regulamentação das leis, sanção e vetos de leis, também deve respeito ao princípio da

capacidade contributiva e, acima de tudo, ao princípio da igualdade.

Da mesma forma, o Poder Judiciário deve aplicar referido princípio da capacidade

contributiva em suas decisões, considerando as condições econômicas do contribuinte e a

respectiva capacidade contributiva.

No que tange aos contribuintes, a capacidade contributiva deve ser aplicada às pessoas

físicas e jurídicas, na medida em que a disposição constitucional não faz indicação expressa

no sentido de ser aplicada apenas a um ou a outro. 115 Conforme destacado por José Afonso da Silva: “Princípio da justiça social, referido no art. 170, caput, e no art. 193, como princípio da ordem econômica e da ordem social;” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito

Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 122).

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Verifica-se que Aliomar Baleeiro, ao interpretar o artigo 202 da Constituição de 1946,

tratou de capacidade contributiva, analisou que este conceito deve ser aplicado tanto às

pessoas físicas, quanto às pessoas jurídicas, visto que o termo contribuintes abrange ambos.

Conforme esclarece Geraldo Ataliba, o legislador deve colocar como sujeito passivo,

nos impostos, “alguém de alguma forma relacionado com o fato posto como aspecto material

da hipótese de incidência, de modo que se infira ser o titular da capacidade contributiva

onerada”.116

A esse respeito, destaca Regina Helena Costa:

O sujeito indicado no aspecto pessoal da hipótese de incidência tributária, titular da capacidade contributiva a ser apreendida, deve refletir-se, necessariamente, naquele ao qual incumbe arcar, efetivamente, com o gravame tributário.117

As pessoas jurídicas devem respeito ao pagamento da tributação, na medida de sua

capacidade contributiva, assim como ocorre com as pessoas físicas, tendo em vista que tal

determinação não indica tão somente a pessoa física ou jurídica, mas o sujeito passivo em

geral.

O que se constata, portanto, é que a capacidade contributiva deve ser observada por

todos que de uma forma ou de outra integram o sistema jurídico tributário.

3.5 Análise jurídica do artigo 145, §1º, da Constituição Federal de 1988

Analisaremos o princípio da capacidade contributiva, tal como positivado na

Constituição Federal de 1988. E para melhor compreensão do parágrafo 1º, do artigo 145, da

CF/88 no que tange à capacidade contributiva, cumpre transcrevê-lo:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses

116 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 6ª Ed. 12ª Tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, p. 88. 117 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 66.

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objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

A primeira análise que se faz ao artigo 145, §1º, da CF/88 diz respeito à expressão

“Sempre que possível”. Questionam-se quais as situações que o legislador constituinte visou

atingir ou dispensar neste preceito.

Destacamos, inicialmente, que o Direito se aplica à possibilidade, não havendo a

necessidade de se falar em “sempre que possível”. Ou seja, esta determinação está implícita

na norma jurídica, pois quando possível o Direito será plenamente aplicado, não havendo que

se falar em discricionariedade do legislador em sua aplicação.

Para o jurista Paulo de Barros Carvalho, o Direito só opera no campo do possível. E

isso porque no campo da deontologia os comportamentos serão sempre possíveis, operando-se

pelos modais obrigatório, proibido e permitido118.

No mesmo sentido ensina Elizabeth Nazar Carrazza, ao esclarecer:

Pode-se, portanto, afirmar que, mesmo que não escrita, esta cláusula (sempre que possível) estaria implícita na norma jurídica em apreço, como de resto em todas as normas jurídicas, já que, segundo a lição supra, nenhuma delas pode interferir no campo do necessário ou do impossível.119

A expressão “sempre que possível” pode ser analisada no sentido de que sempre que

houver a exigência do imposto, ou seja, sempre que a regra-matriz do imposto permitir e,

portanto, existente o aspecto material120 da hipótese de incidência121 tributária, o legislador

deverá obedecer ao princípio da capacidade contributiva.

A referida expressão, ao estar disposta no início do §1º, do artigo 145, da CF/88,

refere-se a duas situações: o caráter pessoal e a graduação segundo a capacidade econômica

do contribuinte. Tal também a opinião de Luciano Amaro:

118 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 46. 119 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 65. 120 Por aspecto material entende-se, nos ensinamentos de Geraldo Ataliba, a própria consistência material do fato; é a descrição dos dados substanciais que servem de suporte à hipótese de incidência. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 106). 121 Nos dizeres de Geraldo Ataliba, “a hipótese de incidência é a descrição legal de um fato: é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na lei, de um fato (é o espelho do fato, a imagem conceitual de um fato; é seu desenho)”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 58).

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O imposto deve levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte. A expressão “sempre que possível” cabe como ressalva tanto para a personalização como para a capacidade contributiva. Dependendo das características de cada imposto, ou da necessidade de utilizar o imposto com finalidades extrafiscais, esses princípios podem ser excepcionados.122

Podemos, então, concluir que a locução “sempre que possível” prescreve que se for da

índole do imposto, o legislador deverá obrigatoriamente criá-lo de forma a atender a

graduação de acordo com a capacidade econômica do contribuinte e ter caráter pessoal. Isso

quer dizer que sempre quando possível, o imposto deve obedecer ao princípio da capacidade

contributiva.

Quanto à expressão “os impostos terão caráter pessoal”, podemos notar que a

intenção do legislador constituinte foi no sentido de que os impostos pessoais tendem a atingir

melhor a justiça fiscal e, por sua vez, adequar-se ao princípio da capacidade contributiva.

Cumpre destacar que os impostos pessoais são aqueles em que o aspecto material da

hipótese de incidência leva em consideração certas qualidades dos possíveis sujeitos passivos.

Consideramos que, juridicamente, todos os impostos são pessoais, tendo em vista que quem

realiza o fato imponível é sempre uma pessoa e somente as pessoas podem ser sujeito de

direitos e obrigações.

Logo, sempre que possível os impostos devem apresentar o caráter pessoal

determinado pelo artigo 145, §1º, da CF/88, como forma de aprimorar a legislação na

imposição da carga tributária cada vez mais pessoal, considerando as respectivas diferenças

econômicas existentes entre os contribuintes.

Já com relação à expressão “serão graduados segundo a capacidade econômica do

contribuinte”, cumpre destacar que tal graduação deve ter como limite mínimo o mínimo vital

e como limitação máxima o não confisco, sempre em respeito aos direitos fundamentais do

contribuinte.

Nota-se que o princípio da capacidade contributiva não tem o papel de simplesmente

dar igualdade de tratamento aos contribuintes. Mais do que isso, referido princípio visa que

122 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 162. O autor cita Alcides Jorge Costa que, no mesmo sentido, registra que “há impostos incompatíveis com a graduação segundo a capacidade econômica” (Capacidade contributiva, RDT, n. 55, p. 301); Ricardo Lobo Torres anota que a capacidade contributiva deve ser mensurada de forma diferente em cada imposto, a depender das respectivas possibilidades técnicas, lembrando, ainda, que a ressalva visa a compatibilizar a capacidade contributiva com a extrafiscalidade (Curso de Direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p. 81).

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cada contribuinte não seja tributado além de sua capacidade econômica, seja este limite

mínimo (mínimo vital) ou mesmo máximo (não confisco).

Nas palavras de Betina Treiger Grupenmacher:

A capacidade contributiva tem como limite mínimo o mínimo existencial, vinculado à dignidade da pessoa humana, e como limite máximo a vedação da cobrança de tributo com efeito de confisco, garantia esta decorrente do direito de propriedade. 123

E complementa:

A Constituição brasileira garante ao cidadão e a sua família uma vida digna. Para que tal garantia seja efetivamente eficaz é necessário que as leis infraconstitucionais que instituem os tributos excluam de seu âmbito de incidência a renda consumida com as despesas necessárias para uma vida com dignidade. 124

Conclui-se que o princípio da capacidade contributiva, conforme destacado

anteriormente, é decorrente de forma direta do princípio da igualdade, aplicando-se aos

impostos de forma a incidir sobre as manifestações de riqueza dos contribuintes.

Cabe destacar que referido dispositivo constitucional (artigo 145, §1º) não faz menção

à progressividade propriamente dita, e sim à graduação segundo a capacidade econômica, que

são expressões diretamente relacionadas, visto que ao tratar de “graduação segundo a

capacidade econômica” o legislador pretende que seja realizada a progressividade.

Já a expressão “facultado à administração tributária, especialmente para conferir

efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da

lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”, destaca os

indicadores da capacidade contributiva do contribuinte, conforme anteriormente exposto,

havendo a necessidade de observar-se os direitos individuais e a lei, de forma a não violá-los.

123 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro (Cadernos IDEFF Internacional) – Coimbra: Edições Almedina, 2012, p. 48. 124 Ibidem, p. 48.

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3.6 A aplicação do princípio da capacidade contributiva

Dado o conceito de capacidade contributiva e a patente relação ao princípio da

igualdade, cumpre verificar a efetiva aplicação do princípio da capacidade contributiva no

âmbito do Direito Tributário.

A hipótese de incidência dos impostos está estritamente relacionada aos fatos signos

presuntivos de riqueza, devendo, portanto, a elaboração da norma jurídica atender à

capacidade econômica dos contribuintes.

Alejandro Altamirano aduz:

(...) a capacidade contributiva é uma “capacidade econômica genérica” aplicável a “fatos tributáveis que manifestem riqueza”. Não existe apenas o limite geral da proibição do não razoável, do incoerente e da arbitrariedade, que seriam limites óbvios, implícitos e internos, como também existe o limite do princípio da capacidade contributiva como limitação externa de sujeição a uma norma superior. 125

Isso se dá porque não trata a capacidade contributiva de uma causa da obrigação

tributária, visto que a obrigação tributária se dá com a realização de um fato jurídico

tributário. Muito pelo contrário, a capacidade contributiva é pressuposto de validade da regra

matriz de incidência tributária, tendo em vista a determinação para que haja a tributação

estritamente vinculada a fatos que demonstrem a existência de riqueza do contribuinte. Para

que a capacidade contributiva seja plenamente aplicada, há que se verificar a sua análise no

momento em que a lei incide sobre o fato jurídico.

A capacidade contributiva representa uma sensível restrição à discricionariedade

legislativa, na medida em que não autoriza, para a aplicação de impostos, fatos outros que não

sejam reveladores de riqueza. Entendemos que o princípio em questão é aplicado tanto para

limitar o poder de tributar, na medida em que o legislador não poderá ultrapassar o conceito

da capacidade contributiva na regulamentação dos impostos, sob pena de ferir o princípio da

igualdade, quanto para assegurar os direitos subjetivos dos contribuintes.

Assim, a verificação da aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva está

limitada aos direitos da liberdade e da segurança jurídica, na medida em que deve observar os

125 FERRAZ, Roberto Catalano Botelho (coord.) Princípios e Limites da Tributação. ALTAMIRANO, Alejandro C. As garantias constitucionais no processo penal tributário – São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.207.

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direitos individuais e a legalidade da atuação fiscal. E isso porque a Autoridade Fiscal possui

o dever de fiscalizar nos termos da lei, em atenção aos direitos individuais e de forma a

respeitar o devido processo legal, limitando-se a fiscalizar aquilo que será essencial para a

autuação fiscal.

E no que tange às disposições constitucionais sobre o assunto, verifica-se que a

capacidade contributiva está presente no Texto Constitucional de 1988 em seus artigos 153126,

155127 e 156128, indicando a aptidão para contribuir, ensejando a obrigação no pagamento de

impostos. Ainda, a Constituição Federal de 1988 indicou no artigo 145, §1º,129 a necessidade

de graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte.

Em outras disposições do texto constitucional, verificam-se desdobramentos da

capacidade contributiva. A esse respeito, pode-se indicar o disposto no artigo 3º, incisos I e

III130 e artigo 150, incisos II e IV131 da CF/88.

Referidas disposições do Texto Maior deixam patente o reconhecimento da

necessidade de aplicação do princípio da capacidade contributiva na exigência de impostos132.

O que se verifica é que a capacidade contributiva é claramente aplicada aos impostos, sendo,

inclusive, o princípio informador dos mesmos. E isso porque fazem menção à necessidade de

se atender à igualdade na tributação, a progressividade, o não confisco, preceitos estes

integrantes do princípio da capacidade contributiva.

126 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: 127 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

128 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: 129 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. 130 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 131 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; (...) IV - utilizar tributo com efeito de confisco; 132 “Inconstitucionais, portanto, os impostos que não revelam a capacidade contributiva – o que se dá, como queriam Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, sempre que sua base de cálculo não dimensiona ou mede um fato da

vida econômica, ou seja, algo que revele ou signifique riqueza do contribuinte. (CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 117).

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Entendemos que a eficácia do princípio da capacidade contributiva está estritamente

relacionada com a necessidade de se atender a uma tributação progressiva, graduando a

exigência dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte, preservando como

limite mínimo o mínimo vital do contribuinte, de modo que a tributação não atinja efeito

confiscatório.

3.6.1 Mínimo vital

Já na Constituição brasileira de 1824, verificava-se a aplicação do mínimo vital, uma

vez que se garantia “os socorros públicos” (artigo 179, inciso XXXI) e dizia que “a instrução

primária é gratuita a todos os cidadãos” (artigo 179, inciso XXXII).

Com a Constituição de 1946, o mínimo vital também estava previsto, conforme artigo

15, §1º, estabelecendo que “São isentos do imposto de consumo os artigos que a lei classificar

como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das

pessoas de restrita capacidade econômica”.

Referida norma foi retirada do texto constitucional, com a reforma do Sistema

Tributário pela Emenda Constitucional nº 18/1965, deixando de constar na Constituição de

1967, e Emenda Constitucional nº 01/1969, retornando ao texto na Constituição Federal de

1988, especialmente em seus artigos 3º, inciso III,133 e 6º134, como também no artigo 7º, inciso

IV135, estabelecendo o salário mínimo, sendo este montante o mínimo necessário de forma a

atender as necessidades vitais básicas dos trabalhadores urbanos e rurais. O salário mínimo é

o montante indispensável para a sobrevivência do indivíduo e de sua família.

Tais previsões constitucionais visam garantir a todos os indivíduos um padrão

aceitável de sobrevivência, remetendo à impossibilidade de tributação deste mínimo

133 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 134 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 135 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

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existêncial. Ricardo Lobo Torres se pronuncia no sentido de que “o problema do mínimo

existencial se confunde com a questão da pobreza e tem importância muito grande na história

da fiscalidade moderna”.136

É nesse sentido que conclui o autor que “o combate à miséria e à pobreza,

respectivamente, deve ser feito pelo fortalecimento dos instrumentos de garantia do mínimo

existencial e pela extensão das prestações positivas dos direitos sociais”.137

Assim, passível de inconstitucionalidade138 qualquer tributação exercida sobre

determinada manifestação da capacidade econômica de um contribuinte que o atinja nos

recursos que destinaria às suas necessidades vitais básicas, imprescindíveis à garantia de sua

sobrevivência e de sua família.

Nessa linha, destacamos as palavras de Roque Antonio Carrazza ao tratar do mínimo

vital:

Os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das pessoas (mínimo vital), garantidas pela Constituição, especialmente em seus arts. 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação, previdência social, transporte etc.), não podem ser alcançados pelos impostos. Tais recursos devem ser salvaguardados pela cuidadosa criação de situações de não-incidência ou mediante oportunas deduções, legislativamente autorizadas.139 (grifo do autor)

De forma a medir os recursos destinados à sobrevivência de um indivíduo, deve-se

levar em consideração as necessidades das pessoas dentro do contexto social, cultural e

econômico em que vivem, o que não é uma tarefa facilmente identificada. Por isso,

entendemos que a proteção do mínimo existencial está ancorada na ética e fundamenta-se no

exercício da liberdade, nos direitos humanos, na ideia de felicidade, fundamentos que

circundam os princípios da igualdade e da dignidade humana.

Para tanto, o Estado não pode se omitir das desisgualdades sócio-econômicas

existentes em nosso País, devendo atuar no sentido de garantir a igualdade de possibilidades 136 TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 3. 137 Ibidem, p. 17. 138 A respeito da inconstitucionalidade, cabe trazer a baila passagem de Roque Antonio Carrazza quando afirma que “inconstitucional é a lei (ou ato normativo de inferior tope) que contravém, em sua letra ou em seu espírito, prescrições, mandamentos, categorias ou princípios encartados na Constituição. Portanto, inconstitucional é, não só a norma jurídica que viola a letra expressa do Texto Supremo, mas a que atrita com seu espírito”. (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 30-31). 139 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 116-117.

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entre os indivíduos. E para que isso ocorra, há que se cumprir os dispositivos constitucionais

relativos à ordem social e econômica, visando que todos tenham uma vida digna, longe da

miséria. E, portanto, o que integra o montante correspondente ao mínimo vital, não é passível

de qualquer forma de tributação, ou seja, não pode ser considerado como renda ou proventos.

Conforme esclarece Betina Treiger Grupenmacher:

A renda correspondente ao mínimo existencial não é, no entanto, de fácil determinação. Muitos dos países democráticos do mundo, que contemplam o princípio da capacidade contributiva, têm se dedicado à importante tarefa de determinar com precisão o montante de rendimento correspondente ao mínimo existencial. 140

E ainda destaca, mais adiante:

(...) para fins de delimitação do mínimo existencial, importante ressaltar que a Constituição brasileira assegura a todos o direito à saúde, educação, moradia, previdência e assistência social. Tais prestações são deveres do Estado e quando suportadas pelo contribuinte devem ser integralmente dedutíveis do Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), haja vista que a tributação sobre estes custos traduz-se em concreta afronta ao princípio da capacidade contributiva. 141

A esse respeito, Ricardo Lobo Torres, em sua obra A idéia de liberdade no Estado

Patrimonial e no Estado Fiscal esclarece que “o imposto, item mais importante da receita do

Estado Fiscal, é, por conseguinte, uma invenção burguesa: incide sobre a riqueza obtida pela

livre iniciativa do indivíduo, mas nos limites do consentimento do cidadão”.142

Este limite de consentimento do cidadão, mencionado pelo autor, é o denominado

mínimo vital de sobrevivência.

Ainda no que tange à identificação do mínimo vital, Alfredo Augusto Becker

esclarece:

O dever jurídico que a regra constitucional impõe ao legislador ordinário não é apenas o de escolher fatos-signos presuntivos de renda ou capital para a composição da hipótese de incidência do tributo, mas também e

140 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro (Cadernos IDEFF Internacional) – Coimbra: Edições Almedina, 2012, p. 49. 141 Ibidem, p. 49. 142 TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 109.

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principalmente o dever de criar isenções tributárias que resguardem a imunidade tributária do mínimo indispensável de capital e renda.143

É nesse sentido que destacamos que a isenção tributária é uma forma de preservar o

mínimo vital. O legislador ordinário deve levar em consideração os fatos signos de riqueza tão

somente acima do mínimo indispensável para a sobrevivência do indivíduo no contexto social

em que vive. Está aqui a estrita relação com a capacidade contributiva, sendo o mínimo vital o

limite mínimo para a verificação se o contribuinte possui ou não condições econômicas de

arcar com o recolhimento do imposto decorrente da relação jurídica existente entre o Fisco e o

particular.

E a respeito do mínimo existencial e da estrita relação com a capacidade contributiva e

mesmo com a progressividade, Ricardo Lobo Torres esclarece: “com o advento do

capitalismo e do liberalismo aprofundam-se essas mudanças, estruturando-se juridicamente a

imunidade fiscal do mínimo existencial e os privilégios dos pobres”. E, mais adiante, conclui:

“no Estado Fiscal de Direito a tributação repousa no princípio da capacidade contributiva, e

não mais na só necessidade do governo. Esse princípio, emanado da idéia de justiça

distributiva, vai se concretizar no subprincípio da progressividade (...)”.144

Destacamos que o mínimo vital também deve ser observado para os tributos com

caráter extrafiscal. E isso porque não há que se falar em tributação sem limites, tanto mínimo

quanto máximo, independentemente do imposto possuir finalidade fiscal ou extrafiscal. Caso

contrário, se estará admitindo uma tributação de forma desproporcional e sem respeito à

graduação dos impostos.

Ainda vale dizer que o mínimo vital também se aplica à pessoa jurídica, sendo este o

montante correspondente ao indispensável para remunerar os empregados e manter o capital

de giro de forma a garantir a existência da empresa.

Concluimos, portanto, que não se pode retirar, do mínimo vital do indivíduo, qualquer

montante para compor a arrecadação do Estado, em função da ausência de capacidade

econômica do mesmo. E isso em razão do mínimo vital ser insuscetível de tributação, de

forma a garantir condições mínimas de existência dos indivíduos, podendo haver a tributação

apenas daquilo que ultrapassa o mínimo vital do contribuinte.

143 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª edição. São Paulo: Lejus, 1998, p. 499. 144 TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 123.

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A dificuldade que se coloca é a determinação do que compõe as necessidades básicas

do indivíduo e qual seria o montante a ser considerado como mínimo vital. Há aqui que

atender à razoabilidade. Por conseguinte, conforme esclarece Ricardo Lobo Torres, verbis:

“além de ser uma técnica de balanceamento de interesses na aplicação do direito, ligada ao

devido processo legal, assume também a característica de um princípio da legitimação, que

procura, nos juizos de lege ferenda, estabelecer soluções proporcionais e equilibradas”. E

complementa que “o princípio da razoabilidade torna-se importantíssimo para a construção do

conceito de mínimo existencial”.145

Certo é que tal conceito engloba as necessidades vitais do indivíduo e de seus

dependentes no que tange à vida, à saúde, à educação, à cultura, etc.. Conforme exposto, uma

indicação do mínimo vital de sobrevivência em nosso País é o salário mínimo, disposto no

artigo 7º, inciso IV, da CF/88.

Entendemos que tal limite se coloca pelo legislador, que deve respeito aos princípios

fundamentais e basilares dispostos na Carta Maior, dentre os quais o princípio da capacidade

contributiva, remetendo à necessidade de análise da possibilidade ou não daquele indivíduo

arcar com o pagamento do imposto, em atenção ao seu mínimo existencial.

3.6.2 Vedação ao efeito de confisco

A vedação constitucional da tributação com efeito de confisco é derivada da ideia de

capacidade contributiva e de igualdade, estando este limite expressamente disposto no artigo

150, inciso IV da CF/88:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV – utilizar tributo com efeito de confisco;

Trata-se de um princípio constitucional tributário que, sem dúvida, pode ser analisado

isoladamente, mas que está inserido ao da capacidade contributiva, como um pressuposto para

a sua adequada aplicação. Como destaca Estevão Horvath ao tratar da capacidade contributiva

e da não-confiscatoriedade, “os dois princípios em epígrafe possuem estreita relação entre si.

145 TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 169.

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Em nosso sentir, é como se um não existisse sem o outro e vice-versa, podendo até mesmo ser

considerados como superpostos”.146

O termo confiscar, conforme esclarece Estevão Horvath, “advém do latim confiscare

que, segundo o Dicionário Aurélio, significa apreender em proveito do fisco; arrestar”.147

A Constituição Federal utiliza a expressão “tributo com efeito de confisco” e não

simplesmente o confisco. Significa dizer que o princípio da não-confiscatoriedade limita a

expropriação de bens privados pelas pessoas políticas, ou seja, limita o poder de tributar do

Estado. Pode-se considerar como confiscatório o tributo que onere de forma demasiada o

contribuinte, de tal maneira que venha a violar seu direito de propriedade sem a

correspondente indenização, de forma a absorver parte considerável do respectivo patrimônio.

Não podemos esquecer que a ação de tributar excepciona o principio constitucional

que protege a propriedade privada (art. 5º, XXII148 e 170, II149, ambos da CF/88). A esse

respeito, destacamos que a Constituição Federal de 1988 garante o direito de propriedade,

sendo evidente que a tributação não pode torná-la inexistente, esta a razão de ser do princípio

do não confisco.

O confisco, puramente, é medida sancionatória e, nos termos do artigo 3º150 do Código

Tributário Nacional, o tributo não constitui sanção de ato ilícito. Já a vedação de tributação

com efeito de confisco está na própria natureza jurídica do tributo. Os tributos, por sua

natureza compulsória, devem obedecer aos limites autorizados pela Constituição Federal, de

forma que a transferência de recurso do indivíduo ao Estado seja legítima e não confiscatória,

ou seja, que não onere demasiadamente o contribuinte.

146 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 67. 147 Ibid, p. 46 (grifo do autor). 148 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade; 149 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II - propriedade privada; 150 Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

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Para tanto, referido princípio não visa impedir a tributação, o que ensejaria a vedação

ao poder de tributar, mas sim que tal tributação não anule ou mesmo subtraia mais do que uma

parte razoável da riqueza privada do contribuinte151.

Destacamos que a vedação ao efeito de confisco não se aplica tão somente aos

contribuintes pessoas físicas. Para as pessoas jurídicas, a tributação com efeito de confisco se

verifica na dificuldade de exploração ou mesmo impossibilidade de desempenhar suas

atividades econômicas, em função de uma tributação tão gravosa.

Concordamos, pois, com Roque Antonio Carrazza, que, ao tratar do tema, aduziu:

A ab-abrupta e excessiva majoração de sua base de cálculo, a ponto de dar ao contribuinte a impressão de que está sendo sancionado, agride o princípio da

não-confiscatoriedade, porque trará sérias repercussões em seu orçamento familiar (caso da pessoa física) ou em suas atividades e patrimônio (caso da pessoa jurídica), que levarão considerável tempo para serem neutralizadas152. (grifo do autor)

E para que haja esta tributação atendendo à capacidade contributiva dos indivíduos, os

impostos devem ser graduados de modo a não incidir sobre as fontes produtoras de riqueza

dos contribuintes, conforme ensina Mary Elbe Queiroz:

(...) o não-confisco funciona como uma limitação para o legislador, com a intenção de impedir que ele possa atribuir uma carga tributária aos contribuintes, que retire desses um valor tal que resulte em extorquir parte do respectivo patrimônio, ou em exaurir, mesmo que paulatinamente, a própria fonte produtora dos rendimentos.153

O tributo com efeito confiscatório é aquele que esgota (ou tem a potencialidade de

esgotar) a riqueza tributável das pessoas, ou seja, que não leva em conta, de maneira

adequada, a capacidade contributiva dos indivíduos.

Vê-se que o princípio da vedação de utilização do tributo com efeito de confisco está

intrinsecamente relacionado ao da capacidade contributiva, visando preservar a capacidade

151 Nesse sentido destaca Roque Antonio Carrazza que “a norma constitucional que impede que os tributos sejam utilizados ‘como efeito de confisco’, além de criar um limite explícito às discriminações arbitrárias de contribuintes, reforça o direito de propriedade.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional

Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 116) 152 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 117-118. 153 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, Barueri-SP: Manole, 2004, p. 42-43.

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econômica do contribuinte, não podendo compeli-lo a colaborar com gastos públicos que

ultrapassem as suas possibilidades.

Podemos então considerar que o princípio constitucional que veda a tributação com

efeito de confisco deriva da ideia de capacidade contributiva, pois ao assumir caráter

confiscatório, o imposto estará atingindo valor que excede a capacidade contributiva.

Nesse sentido, as lições de Estevão Horvath:

O confisco seria a violação, por excesso, da capacidade contributiva. A vedação de tributação com efeito de confisco reforça a idéia de um sistema tributário justo, mas não somente isso. Impede o excesso de tributo ou que se alcance alguém que não praticou o fato ou não demonstrou capacidade contributiva. Ocorre confisco quando se supõe existente uma riqueza que, na realidade, não existe.154

Há, portanto, que se respeitar a limitação da tributação com efeito confiscatório,

evitando-se a absorção total ou parcial do bem ou da renda do contribuinte de maneira

demasiada. Conforme esclarece Elizabeth Nazar Carrazza, “inaceitável a utilização de tributo

que venha a provocar a extinção da própria atividade geradora de recursos”.155

E essa limitação dar-se-á mediante a aplicação da razoabilidade na tributação, de modo

a não ultrapassar o limite de atuação do contribuinte a ponto de impossibilitar suas atividades

produtivas lícitas. Para Estevão Horvath, “a garantia da razoabilidade também é identificada,

por ser dela sinônima, com a chamada proibição de arbitrariedades”.156

Entendemos tratar a tributação com efeito confiscatório, a exigência tributária que

ultrapassa a possibilidade de o contribuinte colaborar com a arrecadação dos cofres públicos,

excedendo a capacidade contributiva do indivíduo.

É nesse sentido que Osvaldo Santos de Carvalho conclui:

Podemos aduzir que a garantia constitucional assegurada ao contribuinte por meio da vedação de “utilização” de tributo com “efeito confiscatório” busca proteger não somente os direitos de propriedade e a capacidade contributiva,

154 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 67. 155 Elizabeth Nazar Carrazza. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 70. 156 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 55 (grifo do autor).

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como também oferecer anteparo a qualquer situação que possa violar sua liberdade de atividade econômica.157

Para Roque Antonio Carrazza, “o princípio da não-confiscatoriedade exige do

legislador, conduta marcada pelo equilíbrio, pela moderação e pela medida, na quantificação

dos tributos, tudo tendo em vista um direito tributário justo”158.

O que se denota é a dificuldade de identificar o que seria ou não um tributo com efeito

confiscatório. A esse respeito, Roque Antonio Carrazza, a título exemplificativo, destaca:

É certo que, a priori, é impossível precisar a partir de que ponto o IR assume viés confiscatório. A análise, porém, de cada caso concreto, tendo em conta os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da função social da propriedade e da dignidade de pessoa humana, tem força bastante para revelar se atingiu as raias do confisco.159

Entendemos que a questão se coloca em cada caso concreto, no limite para atuação do

Fisco, de forma a não tornar a exigência fiscal confiscatória, dosando pela razoabilidade em

cada uma das situações. Resta, de fato, difícil estabelecer os limites, sempre existindo uma

zona nebulosa, na qual as soluções remeterão para o subjetivismo.

Essas as palavras de Hugo de Brito Machado:

(...) não obstante seja problemático o entendimento do que seja um tributo com efeito de confisco, certo é que o dispositivo constitucional pode ser invocado sempre que o contribuinte entender que o tributo, no caso, lhe está confiscando os bens.160

Compreendemos que, embora este conceito não seja preciso, pode-se considerar como

confiscatório o imposto que atinja o contribuinte de maneira a violar o direito de propriedade,

ou seja, absorvendo parte considerável do valor da propriedade, aniquilando a empresa ou

mesmo impedindo o exercício de atividade lícita e moral pelo contribuinte.

A observância do atingimento da tributação confiscatória, quer dizer, o limite

supracitado, pode-se dizer de plano, deve essencialmente estar condicionado ao princípio da

157 CARVALHO, Osvaldo Santos de. Não cumulatividade do ICMS e princípio da neutralidade tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 94. 158 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 116. 159 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 125. 160 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 70-71.

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razoabilidade161 em relação ao caso concreto, e deve ser observado pelo legislador ordinário

no momento da edição de normas tributárias, ainda aplicando-se os princípios da igualdade,

da capacidade contributiva, da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana.

Roque Antonio Carrazza, ao destacar este ponto, esclarece que se assim for verificado,

“o Poder Judiciário, quando devidamente provocado, declarará inconstitucional a lei que o

criou”.162 Dessa maneira, nos casos em que esta problemática se verificar, caberá ao Poder

Judiciário dizer se aquele tributo é ou não confiscatório, diante da provocação dos

interessados.

Concluimos, nesse sentido, que a tributação é garantida pelo sistema jurídico, mas não

pode ser utilizada como penalidade, razão pela qual se refuta o tributo com efeito

confiscatório.

3.6.3 Personalização

A personalização (caráter pessoal), disposta no artigo 145, §1º,163 da CF/88, está

contemplada pela capacidade contributiva e deve ser atendida pelo legislador de forma a

adequar, sempre que possível, a tributação às condições pessoais de cada contribuinte.

Não se trata da individualização (capacidade contributiva subjetiva), propriamente

dita, da exigência fiscal, mas a estruturação do modelo de incidência tributária, de forma a

adequar a aplicação de maneira condizente com aquela praticada pelo contribuinte, em razão

da manifestação de riqueza.

A esse respeito, Roque Antonio Carrazza destaca que se deve considerar, para fins de

tributação, a capacidade contributiva objetiva, mas também deve a norma jurídica instituidora

161 O princípio da razoabilidade encontra-se inserido no próprio conceito de Estado de Direito e deve ser considerado quando se trata de proibição ao confisco. Trata-se da necessidade, adequação e proporcionalidade da prestação exigida em face da finalidade visada. 162 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 119. 163 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (grifo nosso)

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do imposto de caráter pessoal, atentar às desigualdades próprias das diferentes categorias de

contribuintes. Para o referido autor:

O Poder Judiciário, de sua parte, ao aplicar contenciosamente a lei que criou in abstracto o imposto, não pode deixar de levar em conta tais desigualdades (isonomia negativa). Noutros termos, a aplicação do princípio da capacidade

contributiva pode e deve ser controlada pelo juiz, em cada caso concreto.164 (grifo do autor)

Entendemos que o legislador deve levar em consideração as manifestações de riqueza

para efeitos tributários, devendo sempre proceder a essa análise dentre as situações da vida

reveladoras de capacidade contributiva, referindo-se a essa quando definir os critérios de

medida do tributo. Para Enrico de Mita:

Qualquer fato pode tornar-se pressuposto de imposto quando o legislador, considerando-o economicamente relevante, o assume como índice da capacidade contributiva, capaz de justificar uma prestação tributária a ele associada. A noção de capacidade contributiva constitui, portanto, a justificativa, a ratio do imposto considerado singularmente.165

Observamos que a personalização, como forma de aplicação da capacidade

contributiva, deve alcançar todos os impostos, sendo estes sempre pessoais. Para Roque

Antonio Carrazza166, não há que se falar na diferenciação entre impostos reais e pessoais. Para

o autor, todos os impostos são pessoais na medida em que sempre quem realiza o fato previsto

na norma é uma pessoa, e somente as pessoas podem ser sujeito de direitos e obrigações.

Ainda, para parte da doutrina que considera a existência de impostos reais, ou seja,

aqueles impostos que supostamente não levam em consideração a condição do indivíduo,

Luciano Amaro esclarece que, para estes impostos reais, deve ser atendido o princípio da

personalização, via de consequência, da capacidade contributiva. Nesse sentido, aduz o autor:

A personalização do imposto pode ser vista como uma das faces da capacidade contributiva, à qual, sem dúvida, o imposto pessoal deve ser adequado. Mas os impostos reais (que consideram, objetivamente, a situação material, sem levar em conta as condições do indivíduo que se liga a essa situação) também devem ser informados pelo princípio da capacidade contributiva, que é postulado universal de justiça fiscal. Ou seja, não se

164 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 116. 165 FERRAZ, Roberto Catalano Botelho (coord.) Princípios e Limites da Tributação. DE MITA, Enrico. O

princípio da capacidade contributiva – São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 231. 166 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito tributário constitucional, p. 443 (nota de rodapé - NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 9ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 162).

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pode, na criação de impostos reais (como soem ser os impostos indiretos), estabelecer critérios de quantificação do gravame em termos que ofendam a presumível capacidade econômica do contribuinte, ou do contribuinte “de fato”, em função de quem, nos tributos indiretos, deve ser aplicado o princípio. Não há nenhuma razão pela qual pudessem ser desconsiderados, no caso de impostos indiretos, os valores que os princípios em análise buscam preservar, a pretexto de que a capacidade contributiva deva ser a do contribuinte de direito, ignorando-se o contribuinte “de fato”. Não fosse assim, o princípio poderia ser abandonado, para efeito de tributação de alimentos básicos e remédios, a pretexto de que os contribuintes de direito dos impostos aí incidentes são empresas de altíssimo poder econômico.167

Assim, a pessoalidade tem o caráter de demonstrar o poder do contribuinte arcar com

o ônus tributário, dadas as suas manifestações de riqueza. Este princípio também possui a

finalidade de identificar a pessoa a quem irá recair a tributação, ou seja, àquele que sofre o

ônus da tributação.

O que se verifica com a personalização é a necessidade de quantificar adequadamente

o montante devido em cada situação, de maneira que a exigência fiscal ocorra de forma

condizente com a motivação do contribuinte.

3.6.4 Proporcionalidade e a progressividade

A proporcionalidade prevê que o montante exigido deve ser proporcional à riqueza

evidenciada em cada hipótese de incidência. O que se verifica na proporcionalidade é a

aplicação de uma alíquota única sobre a matéria tributável variável, em que o imposto será

proporcionalmente maior quanto maior for a matéria tributável, embora a alíquota permaneça

sempre a mesma. As alíquotas proporcionais são iguais, ainda que haja alteração da base de

cálculo.

Cabe destacar que a alíquota é o critério legal, normalmente expresso em porcentagem

que, conjugado à base de cálculo, permite a verificação da quantia que o contribuinte deve

pagar (quantum debeatur) ao Fisco ou a quem lhe faça as vezes, a título de tributo.

Nesse sentido, as lições de Geraldo Ataliba:

A alíquota é um termo do mandamento da norma tributária, mandamento esse que incide se e quando se consuma o fato imponível dando nascimento à obrigação tributária concreta. Deve receber a designação de alíquota só

167 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 164.

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esse termo que se consubstancia na fixação de um critério indicativo de uma parte, fração – sob a forma de percentual, ou outra – da base imponível.168

Verificamos que o tributo proporcional é aquele estabelecido em porcentagem única

para todos os sujeitos passivos, sobre o valor da matéria tributável, aumentando o valor do

imposto apenas em função da variação da base de cálculo. Nesta hipótese, o que se demonstra

é que a diferença no montante a ser pago será detectada tão somente caso haja distinção na

base de cálculo.

Concluímos, no entanto, que a proporcionalidade não basta, por si só, para atender a

capacidade contributiva dos indivíduos na tributação, em razão de a aplicação de alíquotas

meramente proporcionais acarretar no fato de que indivíduos com possibilidades de contribuir

de forma diversa, acabarão por contribuir igualmente.

De forma a melhor entender a proporcionalidade, destacamos o seguinte exemplo

genérico: o contribuinte “A” possui uma renda de R$ 20.000,00 e o contribuinte “B” uma

renda de R$ 10.000,00. Aplicando-se uma alíquota de 5% sobre o ganho de cada um deles, o

contribuinte “A” arcará com o pagamento de R$ 1.000,00 e o “B” com o valor de R$ 500,00.

É patente que o contribuinte “B”, no exemplo apresentado, arcará com o pagamento

do imposto de forma mais prejudicial em questões econômicas do que o contribuinte “A”.

Ora, a diferença do imposto recolhido seria de R$ 500,00, sendo que a diferença da renda é de

R$ 10.000,00. Ou seja, os dois contribuintes arcarão com o pagamento igual do imposto,

apesar da desigualdade patrimonial existente entre eles.

Limitar a aplicação da capacidade contributiva com base na proporcionalidade apenas

atinge uma igualdade formal, em que contribuintes nas mesmas condições econômicas

arcarão com o mesmo valor do imposto a ser repassado ao Estado.

Mas conforme verificado anteriormente no presente estudo, buscamos a aplicação da

igualdade material como forma de alcançar a justiça fiscal, visto que por igualdade na lei

entende-se a aplicação de tratamento isonômico àqueles que se encontram em situações iguais

e de forma diferente aos desiguais, na medida de suas desigualdades.

Esta situação conduz, portanto, à aplicação de alíquotas diferenciadas em função da

variação da base de cálculo169 do imposto. E isso se dará mediante a aplicação da

168 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 113.

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progressividade, de forma a realizar plenamente a capacidade contributiva. O princípio da

capacidade contributiva somente será atendido se aplicada a progressividade; como no

exemplo acima exposto, se o contribuinte “A” pagar R$ 3.000,00 e o “B” R$ 500,00, ou seja,

na medida da manifestação de renda e patrimônio do contribuinte, fazendo com que este

contribuinte apenas contribua com o pagamento do imposto na medida de suas possibilidades.

A progressividade nos impostos consiste no modo de o legislador estruturá-los,

elevando as alíquotas à medida que aumenta a base de cálculo. Assim, ocorre a determinação

de alíquotas diversas, crescentes, na medida em que aumenta a base de cálculo do imposto.

Na progressividade existe a variação da matéria tributável, bem como a variação da alíquota,

sendo que esta última será maior quanto maior for o valor da matéria tributável.

Nesse sentido, Luciano Amaro destaca de forma precisa seu entendimento a respeito

do devido atendimento à capacidade contributiva:

A capacidade contributiva reclama mais do que isso [proporcionalidade], pois exige que se afira a justiça da incidência em cada situação

isoladamente considerada, e não apenas a justiça relativa entre uma e outra

das duas situações. O princípio da capacidade contributiva, conjugado com o da igualdade, direciona os impostos para a proporcionalidade, mas não se esgota nesta.170 (grifo do autor)

Procura-se, portanto, afastar a tributação meramente proporcional, uma vez que a

tributação, nesta hipótese, será a mesma, independentemente da capacidade contributiva de

cada contribuinte. Em termos numéricos, a tributação proporcional pode ser diferente, mas a

carga de tributação quando ocorre a mera proporcionalidade, é, patentemente, a mesma.

O que se impõe é a necessidade de aplicação da progressividade de forma a atender a

igualdade e, via de consequência, a capacidade contributiva, na medida em que permite a

efetivação de uma tributação mais justa, considerando que os indivíduos arcarão com o

pagamento dos tributos na medida da manifestação de sua riqueza. Assim, quanto mais

169 Base de cálculo é a expressão econômica da materialidade do tributo, estando relacionada com a hipótese de incidência. Para Geraldo Ataliba “é uma perspectiva dimensível do aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum

debetur”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 108). Cumpre esclarecer que para Geraldo Ataliba a base imponível (determinação em razão de existirem tributos cuja determinação quantitativa independe de cálculo) integra o aspecto material da hipótese de incidência. De forma diversa, Paulo de Barros Carvalho trata a base de cálculo no critério quantitativo do consequente da regra-matriz de incidência tributária. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito

Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 398). Mas ambos juristas concordam qur a tipologia dos tributos está armada sobre o binômio hipótese de incidência/base de cálculo. 170 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 165.

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capacidade contributiva for manifestada pelo contribuinte, maior deverá ser progressivamente

a tributação, a fim de que aqueles contribuintes em situações diferentes se sacrifiquem

igualmente em prol do desenvolvimento social.

É nesse sentido que Héctor Villegas opina: “as modernas tendências, todavia, têm

admitido progressividade sob o argumento de que ela contribui para a redistribuição da renda,

com sentido igualitário”.171

O jurista Aliomar Baleeiro, comentando a Constituição de 1946, aduziu a esse

respeito: “tributos graduados são os progressivos, ou seja, aqueles cuja alíquota cresce à

medida que se eleva a quantidade ou o valor da coisa tributada, em contraste com a relação

constante dos impostos simplesmente proporcionais”.172

Entendemos que a progressividade é a forma adequada de atingir a igualdade na

tributação, sendo este o ideal do ordenamento jurídico positivo.

Contudo, nem todos assim entendem. João Paulo Fanucchi de Almeida Melo destaca:

José Maurício Conti (1997, p. 76 e 77) anota que existem bons argumentos contra a utilização da progressividade no exercício do poder tributante, sendo certo de que a igualdade na tributação poderia ser alcançada facilmente por meio do exercício da proporcionalidade. Como primeiro argumento, os que não coadunam com a progressividade, assinalam que essa técnica penaliza os mais eficientes, ou seja, aqueles que trabalham e produzem mais. Argumentam, ainda, que a progressividade pode desestimular o trabalho, os esforços, a criatividade, a ousadia de quem cria e produz mais.173

Não se pode admitir a mera proporcionalidade mediante a aplicação da mesma

alíquota para todos os contribuintes, independentemente da respectiva capacidade econômica

para contribuir com o pagamento do imposto. Quem tem mais paga mais, na medida da sua

manifestação de riqueza.

Posicionamo-nos, portanto, no sentido de que a aplicação meramente proporcional da

tributação não alcança a tão almejada capacidade contributiva dos indivíduos. Eventual

tributação excessiva, onerando o contribuinte, será limitada pela não consfiscatoriedade, razão

pela qual não há argumentos para se sustentar que a progressividade não deve ser aplicada. 171 VILLEGAS, Héctor B. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Editora RT, 1980, p. 92. 172 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª edição rev. E compl. à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Atualizadora Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 751. 173 MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Princípio da Capacidade Contributiva: a sua aplicação nos casos

concretos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 173.

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Conforme esclarece a ilustre jurista Elizabeth Nazar Carrazza “a progressividade,

longe de ser danosa ao sistema, é a única forma encontrável para que se afastem as injustiças

tributárias, vedadas pela Constituição Federal”.174

Por conseguinte, a progressividade de alíquotas é indispensável para que se atenda ao

princípio da capacidade contributiva de forma adequada. Dessa forma, o contribuinte arcará

com a tributação na medida de sua capacidade contributiva e de forma progressiva.

Assim, por qualquer prisma que se analise, a tributação meramente proporcional não é

a mais adequada, tendo em vista que a desigualdade patrimonial existente entre os

contribuintes exige a aplicação de alíquotas variáveis de acordo com a base de cálculo do

imposto.

Na proporcionalidade cobra-se uma única alíquota de todos os contribuintes,

independentemente da respectiva capacidade contributiva. Já na progressividade, ocorre uma

majoração das alíquotas na medida em que aumenta a base de cálculo, ou seja, o quantum

tributável. Em outros termos, deve prevalecer, sempre que possível, a progressividade nos

impostos, em respeito à capacidade contributiva dos indivíduos, para que seja alcançada a

almejada justiça fiscal.

3.7 Seletividade em função da essencialidade

A seletividade está expressamente prevista na Constituição Federal de 1988 no artigo

153, §3º, inciso I175 para os Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) e no artigo 155,

§2º, inciso III176 no que tange ao Imposto sobre operações relativas à circulação de

mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (ICMS).

174 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 56. 175 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) IV - produtos industrializados; § 3º - O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do produto; 176 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;

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A seletividade é aplicada na medida em que a carga tributária deve ser inversamente

proporcional à essencialidade do produto, mercadoria ou serviço. Significa dizer: mediante a

comparação dos bens tributados, as alíquotas deverão variar conforme a essencialidade dos

mesmos.

A essencialidade remete à noção de adequação à vida do maior número de habitantes

do País e deve ser analisada pela finalidade, não pela destinação ou origem do produto,

mercadoria ou serviço.

Nessa linha, João Paulo Fanucchi de Almeida Melo destaca:

Quanto mais essencial for o produto, menor deve ser a carga tributária. O Estado, por sua vez, poderá impor carga mais alta sobre produtos dispensáveis ou supérfluos, que não são essenciais e que, uma vez não adquiridos, não refletirá nenhuma perda ao sujeito passivo de obrigação tributária e muito menos afetará o mínimo vital.177

Assim, no IPI e no ICMS, impostos indiretos178 que são, em razão da seletividade

expressa constitucionalmente, as alíquotas deverão variar, para mais ou para menos, podendo

chegar a zero, por conta da essencialidade do produto industrializado ou da mercadoria e

serviços, exercendo, portanto, a seletividade papel de suma importância na tributação de tais

produtos/mercadorias/serviços.

Tais considerações são importantes para verificarmos eventual relação da seletividade,

em função da essencialidade dos produtos, mercadorias e serviços, com a capacidade

contributiva e mesmo com a progressividade.

Destaca José Maurício Conti: “a seletividade é, como se pode notar, uma excelente

maneira pela qual o princípio da capacidade contributiva aplica-se aos impostos indiretos”.179

E como forma de medir a capacidade contributiva mediante a seletividade, José Maurício

Conti destaca:

177 MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Princípio da Capacidade Contributiva: a sua aplicação nos casos

concretos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 167. 178 Cumpre ressaltar que trata o IPI e o ICMS de impostos indiretos, em que a carga tributária repercute em uma terceira pessoa que não é o realizador do fato imponível. Neste fenômeno, o contribuinte de direito não absorve o impacto tributário, visto que repassado ao contribuinte de fato. Significa dizer que o contribuinte de direito é aquele que realizou o fato imponível e, portanto, que ocupa o polo passivo da obrigação jurídica tributária, como, por exemplo, o comerciante, o industrial ou o produtor. Já o contribuinte de fato é aquele que suporta a carga econômica do tributo, como é o caso do consumidor final do produto, mercadoria ou serviço. 179 CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p. 68.

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Isto porque, em princípio, os produtos essenciais são indispensáveis àqueles indivíduos que têm baixa capacidade contributiva, de modo que, pela seletividade, serão gravados com pouca ou nenhuma tributação. E, de outro lado, produtos supérfluos e de luxo poderão ter suas alíquotas fixadas de maneira mais gravosa, pois serão certamente adquiridos por indivíduos com grande capacidade contributiva, que suportarão maior carga tributária.180

Com o devido acatamento, não podemos coadunar com o referido entendimento, pois

a seletividade, em razão da essencialidade dos produtos, mercadorias e serviços, não indica a

capacidade econômica do contribuinte propriamente dito, como determina o artigo 145, §1º,

da Carta Magna. Na seletividade, a variação da carga tributária dar-se-á em função da efetiva

análise da essencialidade dos produtos, mercadorias e serviços, e não em razão da maior ou

menor capacidade contributiva do indivíduo.

E isso em razão de que, aproveitando o exemplo dado pelo autor José Maurício Conti,

os produtos essenciais, como produtos de alimentação básica e de higiene, são indispensáveis

àqueles indivíduos que têm baixa capacidade contributiva, mas também àqueles com maior

capacidade contributiva. Ninguém possui condições mínimas de sobrevivência sem artigos

básicos de higiene, alimentação e saúde, seja rico ou pobre. Assim como os produtos

supérfluos, como, por exemplo, o cigarro e a bebida alcoólica, são consumidos por

contribuintes de todas as faixas de renda, de todas as classes sociais, independentemente de

sua capacidade contributiva.

Podemos entender que a carga tributária será sempre a mesma, independentemente da

capacidade econômica do destinatário final do produto ou da mercadoria, que dificilmente

será identificado. Nesse sentido, João Paulo Fanucchi de Almeida Melo:

Ao contrário do que ocorre com os impostos diretos, as características pessoais do contribuinte “de fato” não podem ser visualizadas de forma adequada pelo legislador. Os produtos são gravados de acordo com a essencialidade/necessidade e seletividade. Se o produto for essencial para sobrevivência, rico ou pobre o comprará e, de fato, o ônus tributário assumido por ambos será igual. A capacidade contributiva, nesse caso, não pode ser verificada em máxima medida.181

180 CONTI, José Maurício. Princípios tributários da capacidade contributiva e da progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p. 68. 181 MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Princípio da Capacidade Contributiva: a sua aplicação nos casos

concretos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 166.

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E, nessa linha de entendimento, Roque Antonio Carrazza traz um exemplo

esclarecedor:

Se um multimilionário e um mendigo entrarem no bar da esquina e comprarem, cada um, um maço de cigarro da mesma marca, os dois pagarão o mesmo preço pelo maço e verão embutido no preço, o mesmo valor de ICMS. Um que tem megacapacidade contributiva e, o outro, que não tem nenhuma capacidade contributiva, já que espicaça a comiseração pública esmolando pelas ruas. No entanto, os dois suportarão a mesma carga econômica de ICMS.182

Foi nesse sentido que, linhas atrás, ao discorrermos a respeito dos critérios para a

aferição da capacidade contributiva, não consideramos o consumo como forma de medição

desta. E isso porque o consumo de produtos, mercadorias e serviços não denotam de forma

objetiva a manifestação de riqueza dos contribuintes.

Regina Helena Costa, ao citar os exemplos de Berliri em Principi di Diritto Tributário,

possui entendimento no seguinte sentido:

O consumo de certos bens revela riqueza, enquanto o de outros – como produtos de alimentação básica, higiene, saúde e vestuário – compõe o chamado “mínimo vital” (...) Assim, parece razoável que o mesmo imposto incida com o maior impacto sobre artigos de luxo e com pequena ou nenhuma intensidade sobre artigos de primeira necessidade.183

Entendemos, contudo, que esta riqueza tratada pela autora não é objetiva o bastante a

ensejar a verificação da capacidade contributiva do indivíduo. O consumo de certos bens pode

até revelar riqueza, mas não que este seja um critério objetivo para aferir a capacidade

econômica do contribuinte.

A seletividade é utilizada sim para onerar ou reduzir a carga tributária dos produtos,

mercadorias e serviços, sendo apenas estes levados em consideração para uma tributação mais

ou menos gravosa, em razão de serem supérfluos ou necessários, e não em função da

capacidade econômica do contribuinte.

Assim ocorre, por exemplo, com a tributação sobre a cesta básica (produto de compõe

o mínimo vital dos indivíduos) e sobre a bebida alcoólica (produto supérfluo e inclusive

182 CARRAZZA, Roque Antonio. A progressividade na ordem tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros Editores, nº 64, 1994, p. 53. 183 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 56.

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danoso à saúde) ensejando a aplicação de alíquotas menores ou maiores em razão de sua

essencialidade, podendo, inclusive, ser instrumento para estimular ou mesmo desestimular a

obtenção dos produtos, mercadorias e serviços pelos indivíduos. Nesse sentido, Roque

Antonio Carrazza esclarece que a seletividade é utilizada como:

(...) instrumento de ordenação político-econômica, estimulando a prática de operações (com produtos industrializados ou mercadorias) ou serviços havidos por necessários, úteis ou convenientes à sociedade e, em contranota, onerando outros que não atendam tão de perto ao interesse coletivo.184

O que podemos verificar é que na seletividade, aplicada apenas ao ICMS e ao IPI, a

preocupação com o consumo passa ao destinatário final, e não ao contribuinte de direito, ou

seja, aquele que realiza o fato imponível da obrigação tributária. Ainda, o que se mede na

seletividade é a essencialidade do produto, mercadoria e serviços para a adequação à vida do

maior número de habitantes do País, e não a capacidade contributiva do indivíduo sob o

aspecto de sua manifestação de riqueza. Assim, não se pode afirmar que há, nestas situações, a

medição da capacidade econômica do contribuinte.

Ainda que não se verifique a relação da capacidade contributiva com a seletividade,

podemos entender sim que a seletividade deve atender à igualdade. A esse respeito, Elizabeth

Nazar Carrazza esclarece:

[O princípio informador da seletividade] é o da igualdade de todos os cidadãos dentro do Estado Constitucional Democrático Brasileiro. O Estado que, de forma direta ou indireta, acaba por agravar situações consideradas inadmissíveis num Estado deste tipo (como a miséria absoluta, a marginalização do trabalhador, etc.), através da atividade tributária, por disposição expressa da Carta Magna, procura reduzir as distâncias existentes entre as diversas classes sociais.185

A seletividade trata de um mecanismo de controle da tributação de forma a não onerar

o consumidor final dos produtos industrializados, mercadorias e serviços essenciais,

atendendo à justiça tributária na medida em que busca a igualdade das situações econômicas

consideradas injustas pelo sistema jurídico.

Entendemos, portanto, que a seletividade significa estabelecer um sistema de alíquotas

diferenciadas do imposto indireto (IPI e ICMS) em razão da essencialidade do produto, 184 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 109. 185 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 59.

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mercadoria e serviço, sendo esta essencialidade medida pela efetiva necessidade daquele

produto, mercadoria ou serviço para que o indivíduo tenha respeitada uma vida digna diante

do suprimento de suas necessidades básicas de sobrevivência.

Cabe destacar que a seletividade poderá ser alcançada mediante quaisquer técnicas de

alteração quantitativa da carga tributária, como a variação da base de cálculo, criação de

incentivos fiscais, sendo a variação de alíquotas a forma mais observada. Assim, o ônus

econômico deve recair na razão inversa de sua necessidade, tomando-se como parâmetro a

essencialidade daquele produto, mercadoria ou serviço para a população.

Nesse sentido são as palavras de Eduardo Domingos Bottallo ao tratar da seletividade

no IPI:

(...) para sua efetiva realização, a seletividade no IPI poderá ser buscada mediante a utilização de quaisquer técnicas que possam redundar na modificação quantitativa da carga tributária: sistema de alíquotas diferençadas, variação de bases de cálculo, criação de incentivos fiscais e semelhantes. Contudo, acaba sendo confirmado, na prática, que, por intermédio da manipulação das alíquotas, mais facilmente se alcança a seletividade no IPI.186

Esse mecanismo de controle da tributação, verificado mediante a variação das

alíquotas dos produtos, mercadorias e serviços em razão, pura e simplesmente, de sua

essencialidade para os indivíduos, não se confunde com a progressividade em razão da

capacidade contributiva do indivíduo.

Com relação à diferenciação da seletividade e da progressividade, cabe destacar as

lições de Hugo de Brito Machado:

(...) progressivo é o imposto cuja alíquota cresce em função do crescimento de sua base de cálculo. Essa progressividade ordinária, que atende ao princípio da capacidade contributiva. (...) na progressividade tem-se que o imposto tem alíquotas que variam para mais em função de um elemento do fato gerador do imposto, em relação ao mesmo objeto tributado.187 (grifo do autor)

186 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 56. 187 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 412.

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E por seletividade, destaca o autor que é seletivo “o imposto cujas alíquotas são

diversas em razão da diversidade do objeto tributado”.188

Também para Aires Fernandino Barreto, a progressividade e a selevidade são institutos

distintos. Mas para o autor:

Na progressividade há a variação da matéria tributável e, conjugadamente, a variação também da alíquota, que será tanto maior quanto maior for o valor da matéria tributável. Esses institutos não se confundem com a seletividade. Está é diversa e pode envolver tanto a graduação, como a diferenciação, como a progressividade. Podemos ter alíquotas diferentes para produtos, consoante sua essencialidade. Essa distinção pode ser tanto entre dois produtos diferentes, como poderia haver também distinção em relação ao produto de mesmo tipo, mas de valor diferente.189

Concluimos que na seletividade a determinação das alíquotas diz respeito à

essencialidade do objeto tributado (produto, mercadoria e serviço) e, na progressividade, a

variação de alíquotas ocorre em função da variação da base de cálculo do imposto, de forma a

realizar plenamente a capacidade contributiva, na medida em que os indivíduos arcarão com o

pagamento dos tributos conforme a manifestação de sua riqueza.

Constata-se que a seletividade é uma técnica de implementar a justiça fiscal, mas não

se pode concluir que possui estrita relação sob a ótica da capacidade contributiva e da

progressividade, relacionada à exigência de que os contribuintes contribuam de acordo com a

respectiva manifestação de riqueza, visto não haver a verificação de manifestação efetiva de

riqueza do contribuinte (contribuinte de direito), mas sim a essencialidade dos produtos,

mercadorias e serviços consumidos pelo consumidor final (contribuinte de fato).

O que a seletividade busca é a ordenação político-econômica, estimulando ou

onerando operações com mercadorias, produtos e serviços em razão de sua essencialidade, em

atenção ao princípio da igualdade na tributação ao visar o interesse coletivo.

3.8 Extrafiscalidade

O tributo exerce função dentro do sistema que compõe o Estado, como forma de

alcançar uma finalidade. José Artur Lima Gonçalves assim destaca, ao dispor que 188 Ibidem, p. 412. 189 BARRETO, Aires Fernandino. A progressividade do ITBI (SISA). Conferências e debates. Revista de Direito Tributário nº 68, p. 184.

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“recolocando, adequadamente, a noção de tributo dentro de seu contexto sistemático de

instrumento para que o Estado alcance o fim para o qual foi criado, torna-se mais fácil

compreender as regras para funcionamento adequado e coerente deste instrumento”.190

Os tributos, via de regra, são utilizados como instrumento de fiscalidade, servindo

basicamente para obter receitas dos particulares aos cofres públicos, possibilitando que o

Estado tenha recursos para desenvolver as funções que lhe são atribuídas pela Constituição e

pelas leis, organizando, em sentido amplo, a vida social.

Tais recursos, obtidos com os impostos, suprem os custos e investimentos do Estado.

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho:

Fala-se em fiscalidade sempre que a organização jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou que governam certos aspectos de sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses – sociais, políticos ou econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva.191 (grifo do autor)

A tributação com finalidade fiscal possui como medida de comparação a capacidade

contributiva dos indivíduos, em razão de sua manifestação de riqueza. Nesse ponto, esclarece

Humberto Ávila ao aduzir que “a medida de aplicação da igualdade entre os contribuintes

com a finalidade de pagar impostos é a sua própria capacidade contributiva”.192

Mas nem sempre é assim. Os tributos também podem ser criados sem objetivos

primordialmente arrecadatórios, para estimular ou mesmo desestimular comportamentos que

interfiram nas atividades econômicas, sociais ou políticas em atenção ao interesse público,

como forma de intervencionismo estatal. Nestes casos, os tributos são aplicados como

instrumentos de extrafiscalidade.

Os impostos de caráter extrafiscal são aqueles que se destinam com maior ênfase aos

objetivos do Estado, sendo instrumento de atuação do Poder Público, induzindo o

comportamento dos indivíduos no controle de questões econômicas, políticas e sociais. A

respeito do tema, Geraldo Ataliba define a extrafiscalidade como “o emprego dos

190 GONÇALVES, José Artur. Tributação, Liberdade e Propriedade. In Direito Tributário homenagem a Paulo de Barros Carvalho (coordenador Luís Eduardo Schoueri). São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 244. 191 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 290. 192 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 160.

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instrumentos tributários – evidentemente, por quem os tem à disposição – como objetivos não

fiscais, mas ordinatórios”.193

Não significa dizer que os impostos com função extrafiscal também não visam, em

última análise, arrecadar dinheiro aos cofres públicos, mas seu objetivo principal é a

interferência no domínio econômico, social e político, buscando mais do que a mera

arrecadação de recursos financeiros. Entendemos não haver tributo que não preste a finalidade

fiscal, mas alguns possuem finalidades muito mais extrafiscais.

A esse respeito, cabe destacar a colocação de Paulo de Barros Carvalho, verbis:

Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro.194

Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, “extrafiscalidade é o emprego dos meios

tributários para fins não-fiscais mas ordinatórios, isto é para disciplinar comportamentos de

virtuais contribuintes, induzindo-os a fazerem ou a deixarem de fazer alguma coisa”. 195

A respeito da aplicação de medidas tributárias extrafiscais, Geraldo Ataliba esclarece:

A promoção de uma igualação social (eliminação de desigualdades), o favorecimento aos desvalidos, a criação de empregos, o desenvolvimento econômico, a melhoria das condições de vida, a proteção do meio ambiente, etc. são valores que merecem do constituinte especial encômio, sendo metas que podem e devem ser promovidas por medidas tributárias extrafiscais.196

Significa dizer que na extrafiscalidade o contribuinte é induzido a fazer o que visa o

interesse público e deixar de fazer aquilo que não seria útil à coletividade. Em síntese, a

extrafiscalidade se dá em prol dos interesses públicos.

193 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, p. 150. 194 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 291. 195 CARRAZZA, Roque Antonio. A progressividade na ordem tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros Editores, nº 64, 1994, p. 48-49. 196 ATALIBA, Geraldo. Progressividade e Capacidade Contributiva. In. Princípios Constitucionais Tributários – aspectos práticos e aplicações concretas. (coordenadores: Geraldo Ataliba e A.R. Sampaio Dória). V Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Cadernos de Direito Tributário. IDEPE. São Paulo: Revista de Direito Tributário, 1991, p. 54.

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94

Exemplo disso é o aumento, muitas vezes até exorbitante, da alíquota do imposto

sobre a importação de produtos para que se dê preferência à aquisição do produto similar

nacional. Esta majoração de alíquota objetiva estimular o consumo do produto nacional e não

a arrecadação de dinheiro aos cofres públicos. E nem sempre a extrafiscalidade visa aumentar

as alíquotas dos impostos. Pode ocorrer exatamente o inverso quando a pessoa política

concede incentivos fiscais, como, por exemplo, ocorre na Zona Franca de Manaus, onde as

empresas que lá se instalarem, são isentas do pagamento de impostos e até mesmo a remessa

de mercadorias e produtos àquela região, de forma a estimular o desenvolvimento daquela

área do País.

Embora não haja previsão expressa na Constituição Federal de 1988 a respeito da

utilização de tributos com finalidade extrafiscal, há que se notar valores implícitos neste

sentido. A esse respeito é o disposto no artigo 151, inciso I, da CF/88, ao permitir a concessão

de incentivos fiscais, conforme exemplo exposto, nos seguintes termos:

Art. 151. É vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; (grifo nosso)

Outras formas de manifestação implícita na Constituição Federal de 1988, a respeito

da possibilidade de aplicação de tributos para fins extrafiscais, são o disposto no artigo 153,

§4º, ao desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, e o quanto disposto no

artigo 170, inciso III, ao garantir a função social da propriedade.197

Também a respeito do tema, o jurista Eduardo Domingos Botallo esclarece que

“quando adequadamente utilizado, o tributo, deixando de cumprir funções apenas financeiras,

mostra-se plenamente capaz de estimular a consecução das metas para as quais se volta a

“ordem econômica” nos termos do art. 170 da Constituição”.198

Assim, visando regular a política econômica, o Poder Executivo poderá alterar as

alíquotas dos impostos extrafiscais, atendendo as limites previstos em lei.

197 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 144. 198 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 50.

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95

A esse respeito, o artigo 153, parágrafo 1º, da CF/88 estabelece que “é facultado ao

Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas

dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”. Tais impostos são: imposto sobre

importação de produtos estrangeiros (II), imposto sobre exportação, para o exterior, de

produtos nacionais ou nacionalizados (IE), imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o

imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores

mobiliários (IOF).

A arrecadação dos referidos impostos pelo poder público decorre de questões de

política econômica, variáveis de acordo com as determinações do Governo e não em razão da

manifestação presumível de riqueza dos contribuintes.

O ICMS também é utilizado com função extrafiscal. A esse respeito, Roque Antonio

Carrazza destaca:

O antigo ICM era um tributo uniforme, vale dizer, tinha as mesmas alíquotas, para todas as mercadorias. Só podia, pois, ser utilizado como instrumento de fiscalidade, carreando dinheiro aos cofres públicos, para que o Estado pudesse fazer frente as suas necessidades básicas. O atual ICMS, pelo contrário, deve ser um instrumento de extrafiscalidade, porquanto, a teor do art. 155, §2º, III, da CF, “poderá” ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.199

Eduardo Domingos Bottallo esclarece que se considera a “seletividade como meio de

implementação da extrafiscalidade”.200. Conforme destacamos linhas atrás, a seletividade,

verificada no ICMS e no IPI201, é aplicada na medida em que a carga tributária deve ser

inversamente proporcional à essencialidade do produto, mercadoria ou serviço, levando em

consideração os interesses coletivos, ou seja, visando aqui a aplicação da extrafiscalidade.

E, ainda, outros impostos, os quais serão abordados no capítulo seguinte do presente

estudo, também possuem função extrafiscal, além de possuirem a função fiscal. É o caso do

IPTU, por exemplo.

A esse respeito, questiona-se a aplicação do princípio da capacidade contributiva nos

impostos extrafiscais. Entendemos que, na extrafiscalidade, a variação das alíquotas dar-se-á

199 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 507. 200 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 53. 201 Conforme destaca Eduardo Domingos Bottallo “a extrafiscalidade se manifesta no IPI através do princípio de seletividade”. Cf. BOTTALLO, Eduardo Domingos. Op. cit., p. 53.

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conforme critérios outros que não em atendimento, de maneira direta ou mesmo indireta, à

capacidade contributiva do contribuinte.

Nesse sentido é o entendimento de Elizabeth Nazar Carrazza:

Através da chamada extrafiscalidade, o Estado atua buscando atingir os fins que lhe foram traçados pela Carta Suprema. Para tanto, utiliza-se dos impostos que incidem sobre fatos econômicos que, tendo em visto o interesse público, são agravados ou minorados em suas alíquotas, independentemente de se aferir a capacidade contributiva das pessoas.202

Tal, também, a opinião de Humberto Ávila ao tratar da finalidade extrafiscal dos

impostos e a sua medida de comparação para o atingimento da igualdade. Nesse ponto,

destaca o referido autor :

Quando, porém, os tributos se destinarem a atingir uma finalidade extrafiscal, porque instituídos com o fim prevalente de atingir fins econômicos ou sociais, a medida de comparação não será a capacidade contributiva. Ela deverá corresponder a um elemento ou propriedade que mantenha relação de pertinência, fundada e conjugada, com a finalidade eleita. Nesse sentido, deve-se buscar, nas outras finalidades que o ente estatal deve realizar, o parâmetro para a validação das medidas de comparação escolhidas. A manutenção do Estado federativo (art. 18), a garantia da segurança pública (art. 144), a preservação da ordem econômica (arts. 170 e ss), a implementação da política urbana (arts. 182 e 183), a garantia da função social da propriedade (arts. 184 a 191), a preservação da ordem social (arts. 193 a 231), a evolução da ciência e da tecnologia (arts. 218 a 224), a proteção do meio ambiente (art. 225) e da família (arts. 231 e 232), a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior (art. 237), entre tantos outros fins direta ou indiretamente previstos no ordenamento constitucional, é que irão permitir a verificação da compatibilidade da medida de comparação legalmente escolhida.203

No mesmo sentido é o entendimento de Paulo de Barros Carvalho ao dispor que nos

impostos com finalidade extrafiscal “o legislador dispensa tratamento mais confortável ou

menos gravoso”.204

Valéria Furlan traz a diferenciação da fiscalidade e da extrafiscalidade na tributação e a

aplicação da capacidade contributiva, ao esclarecer, verbis:

Assim, embora coexistam na tributação via impostos finalidades fiscais e extrafiscais, é cabível referida distinção, uma vez que sempre há um objetivo

202 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 67. 203 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 161. 204 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 290.

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preponderante sobre o outro. Essa classificação, ainda que demasiadamente ampla, serve para ressaltar que nos impostos ditos fiscais busca-se apenas abastecer os cofres públicos com o dinheiro proveniente de sua arrecadação. Sobressai, aqui, o princípio da capacidade contributiva, o qual deverá ser rigorosamente observado. Nos impostos extrafiscais quer-se atender prioritariamente a quaisquer outros fins, menos – ainda que esta se verifique – a arrecadação do dinheiro público. Nestes casos, muito embora possa vir a ser quase sempre despiciendo o respeito ao princípio da capacidade contributiva, especificamente, há, por outro lado, de ser sempre e necessariamente acatado o princípio geral da isonomia.205

E também se pronunciou nesse sentido Geraldo Ataliba, ao analisar a doutrina

estrangeira do autor Espanhol, Ferreiro Lapatza, que “os tributos devem corresponder, ainda

que nem sempre e nem em todos os casos (a ressalva é para a tributação extrafiscal), ao

princípio da capacidade contributiva”.206

Dessa maneira, na extrafiscalidade o legislador leva em consideração fatores outros –

econômicos, políticos e sociais – que não a capacidade contributiva, ou seja, não é revelada

nos impostos extrafiscais a manifestação presumível de riqueza dos contribuintes.

De forma diversa é o entendimento do autor italiano Enrico de Mita, no sentido de que

a tributação extrafiscal deve respeitar o princípio da capacidade contributiva:

Diante da tributação preordenada que visa fins extrafiscais, coloca-se o problema da legitimidade constitucional seja sob o ponto de vista do princípio da igualdade, seja daquele da capacidade contributiva. Ora, que os impostos de estímulo, quer os de desestímulo, são constitucionais quando o fim é digno de tutela do ponto de vista do ordenamento jurídico. Uma vez estabelecido que o fim é digno de tutela, a escolha do meio pré-selecionado é remetida à valoração discricionária do legislador. Estabelecer se uma isenção ou um outro regime facilitado é funcional respeito à política de poupança (que é tutelada pela Constituição) é um juízo político que escapa à censura de constitucionalidade. Mesmo a tributação extrafiscal deve respeitar o princípio da capacidade contributiva no sentido de que, ainda que sendo preordenada a metas extrafiscais, e mesmo sendo estas metas alcançadas exatamente quando a hipótese de incidência não se verifica, a tributação deve ter como

205 FURLAN, Valéria. IPTU. 2ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 176. 206 ATALIBA, Geraldo. Progressividade e Capacidade Contributiva. In. Princípios Constitucionais Tributários – aspectos práticos e aplicações concretas. (coordenadores: Geraldo Ataliba e A.R. Sampaio Dória). V Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Cadernos de Direito Tributário. IDEPE. São Paulo: Revista de Direito Tributário, 1991, p. 50.

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pressuposto um fato economicamente relevante, um fato que constitua manifestação de riqueza. 207

Entendemos, porém, que nos impostos extrafiscais não se busca o tratamento menos

gravoso àqueles contribuintes com manifestação de riqueza menor e vice-versa, mas sim a

regulamentação de questões políticas e econômicas no desenvolvimento do País como forma

de intervenção estatal em benefício da coletividade.

Destaca-se, portanto, que na extrafiscalidade a variação das alíquotas de forma

progressiva ocorre de acordo com critérios outros que não em atendimento à capacidade

contributiva. Esta é verificada e medida nos impostos com função fiscal. Assim, pode-se

verificar na tributação extrafiscal a exacerbada carga tributária para que os indivíduos se

sintam desestimulados a fazer algo que, apesar de ser algo lícito, não é de interesse da

coletividade. Trata de uma tributação – extrafiscal - para estimular e desestimular o

comportamento dos indivíduos por questões políticas e econômicas.

É nesse sentido que João Paulo Fanucchi de Almeida Melo destaca:

Enquanto na tributação fiscal a medida de comparação para ser adotada é a capacidade contributiva, a tributação extrafiscal, por sua vez, comporta a utilização de outras medidas de comparações, sendo certo que, uma vez adotadas sob o amparo de fundamentos e argumentos, não há que se falar em violação à igualdade.208

A respeito da não aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos

extrafiscais, Betina Treiger Grupenmacher denota que este afastamento se dá em seu sentido

estrito; no entanto, a sua relevância e legitimidade jurídica não podem ser negadas. E conclui:

Embora não se possa defender, em relação às exonerações tributárias, serem, a priori, instrumentos realizadores de justiça fiscal, no sentido de realizarem a redistribuição de riquezas, é possível concluir que realizam a justiça fiscal no seu conceito amplo, no qual está compreendida a justiça social.209

Concluimos que este afastamento da capacidade contributiva nos impostos extrafiscais

não deixa de atender à igualdade, sendo esta igualdade proporcional à medida dos objetivos

de política econômica do Estado, de forma a alcançar, gradualmente, a finalidade extrafiscal 207 FERRAZ, Roberto Catalano Botelho (coord.) Princípios e Limites da Tributação. DE MITA, Enrico. O

princípio da capacidade contributiva – São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 248. 208 MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Princípio da Capacidade Contributiva: a sua aplicação nos casos

concretos. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 183. 209 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro (Cadernos IDEFF Internacional) – Coimbra: Edições Almedina, 2012, p. 82.

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no controle de questões econômicas, políticas e sociais, de interesse no desenvolvimento do

País.

Cumpre, ainda, destacar que é vedada a tributação com efeito de confisco, ainda que

esta tributação tenha objetivos extrafiscais. Na tributação extrafiscal é necessário verificar se a

redução ou majoração da carga tributária não violam preceitos constitucionais basilares.

Nesse sentido são as palavras de Roque Antonio Carrazza:

A atividade mais importante é, por sem dúvida, a tributária. Os tributos são, de longe, a maior fonte de receita dos Estados modernos. No entanto, pelo menos no Brasil, só podem ser instituídos e arrecadados observados postulados básicos: legalidade, anterioridade, segurança jurídica etc. Não é porque o Estado, para sobreviver, precisa de recursos que os contribuintes podem, pura e simplesmente, ser expropriados.210

Entendemos, portanto, que a tributação com objetivo extrafiscal também deve respeito

à vedação constitucional de tributação com efeito de confisco. Em análise a respeito do tributo

com efeito confiscatório e da progressividade extrafiscal, Elizabeth Nazar Carrazza destaca:

Admitir-se a progressividade exacerbada, no campo da extrafiscalidade, de maneira quase irrestrita, é dar ao legislador carta branca. Parece mais consentâneo com o sistema normativo vigente, que a extrafiscalidade venha a ser utilizada dentro de limites de razoabilidade.211

Verifica-se, por conseguinte, que a extrafiscalidade deve ser aplicada conforme

limitações mínimas e máximas, nos limites da razoabilidade.

De qualquer forma, os tributos extrafiscais, assim como os fiscais, devem respeito aos

princípios constitucionais que informam a tributação, tais como a igualdade, a legalidade, a

não-confiscatoriedade, visto que ao interferir na conduta dos contribuintes, precisam

encontrar respaldo constitucional, em atenção a um Estado Democrático de Direito, como é

no nosso País. Ainda, há que o imposto extrafiscal, como condição de validade, obedece a

competência do legislador, tanto no que diz respeito à disciplina do tributo quanto à matéria

objeto de ordenação.

210 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 141, nota nº 1. 211 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 71.

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3.9 Capacidade contributiva e os tributos vinculados

No que tange à análise da aplicação ou não da capacidade contributiva aos tributos

vinculados212, entendemos que adequado está o entendimento pelo seu não cabimento. A

Constituição Federal de 1988 é clara ao referir-se apenas aos impostos em seu artigo 145, §1º,

que dispõe a respeito do princípio da capacidade contributiva, conforme exposto. Referido

artigo estabelece “Sempre que possível, os impostos...”. A partir da análise do dispositivo

constitucional, já é possível verificarmos a não adequação do princípio da capacidade

contributiva a outras espécies tributárias que não apenas aos impostos.

As taxas e a contribuição de melhoria, sendo tributos vinculados, devem respeito ao

princípio da retributividade e da proporcionalidade da atuação do Estado em relação ao

benefício obtido pelo contribuinte, respectivamente, e não à capacidade contributiva.

A jurista Regina Helena Costa sustenta que o ordenamento constitucional pátrio não

autoriza a aplicação da capacidade contributiva às taxas. A esse respeito, destaca com

propriedade a autora:

Sustentar a necessidade de observância do princípio da capacidade contributiva nas taxas é não atentar para a natureza dessas imposições tributárias. Significando uma contraprestação pela atuação do Poder Público,

212 Sob o prisma dos tributos, a Constituição Federal de 1988 prevê o campo tributário reservado a cada ente federativo. Assim, o artigo 145, da CF/88 estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir impostos, taxas em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição e contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. Paralelamente, os artigos 153, 155 e 156 da CF/88 estabelecem o campo tributário reservado a cada um dos entes federativos. Pode-se, portanto, verificar que a Constituição Federal de 1988 adota a classificação dos tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria. Noutros dizeres, a Constituição Federal de 1988 adota o critério tricotômico de classificação dos tributos. No que tange à classificação jurídica dos tributos, apesar do quanto expresso no artigo 145, da CF/88, o que se verifica é que os tributos são classificados pela doutrina de diversas formas, em razão dos diferentes critérios utilizados para classificar as espécies tributárias. Para Hugo de Brito Machado, os tributos podem ser classificados quanto à espécie, quando à competência impositiva, quanto à vinculação estatal, quanto à função. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 95). Interessa ao presente estudo a classificação quanto à vinculação do aspecto material da hipótese de incidência a uma atividade estatal ou não. Nesse sentido, o tributo vinculado é aquele cujo aspecto material da hipótese de incidência retrata uma atuação estatal. Assim, basta que o Estado atue para que o contribuinte seja compelido a pagar. Nessa linha, Geraldo Ataliba ressalta que “examinando-se e comparando-se todas as legislações existentes – quanto à hipótese de incidência – verificamos que, em todos os casos, o seu aspecto material, das duas, uma: a) ou consiste numa atividade do poder público (ou numa repercussão desta) ou, pelo contrário, b) consiste num fato ou acontecimento inteiramente indiferente a qualquer atividade estatal. Esta verificação permite classificar todos os tributos, pois – segundo o aspecto material de sua hipótese de incidência consista ou não no desempenho de uma atividade estatal – em tributos vinculados e tributos não vinculados”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 130).

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diretamente referida ao contribuinte, não se pode erigir nas taxas, como critério informador desses tributos, uma circunstância absolutamente alheia a essa atuação estatal. Vale dizer, se, com a taxa, se pretende remunerar a atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma, e não à capacidade contributiva do sujeito passivo, irrelevante para a hipótese de incidência ou para a graduação da taxa. Tanto assim é que o sujeito passivo da taxa, seja rico ou pobre, pagará o tributo na mesma proporção, consoante o serviço público oferecido ou a atividade de polícia desencadeada.213

E ainda complementa a referida jurista seu entendimento com relação aos tributos

vinculados:

(...) indiscutível que também as situações ensejadoras da obrigação de pagar tributos vinculados sejam presuntivas de riqueza, até porque inconcebível atuação estatal que não acarrete despesa. Ocorre que, conquanto sejam fatos de natureza econômica, a capacidade contributiva do sujeito destinatário dessa mesma atuação não é levada em consideração na instituição do tributo.214

Entendemos, no que tange à análise da aplicação ou não da capacidade contributiva,

aos tributos vinculados, que adequado está o entendimento exposto pela autora pela aplicação

tão somente aos impostos. E isso em razão da capacidade contributiva ser inerente ao

contribuinte, como ocorre com os impostos e diferentemente do que se verifica nos tributos

vinculados a uma atuação estatal, em que a remuneração reporta ao custo do serviço público

prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição, e não pela capacidade contributiva do

indivíduo.

Significa dizer que as taxas e contribuições não podem ser graduadas segundo a

capacidade econômica dos contribuintes, uma vez que apesar de também retirarem recursos

econômicos do contribuinte, o destino desses é para remunerar a atuação estatal. Assim, a base

de cálculo não mensura um atributo do contribuinte, mas sim a atividade praticada ou posta à

disposição pelo sujeito ativo.

Nesse sentido, Elizabeth Nazar Carrazza, ao analisar a aplicação do princípio da

capacidade contributiva, aduz que o referido princípio está relacionado tão somente aos

impostos. E elucida:

213 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva.3ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 57. 214 Ibidem, p. 57.

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Em matéria de tributos vinculados (taxas e contribuições) o critério é outro, uma vez que os fatos que eles alcançam não são fatos-signos presuntivos de riqueza, mas, sim, fatos relacionados à própria atuação do Estado. As taxas e as contribuições incidem sobre fatos regidos pelo direito público, isto é, sobre atuações estatais (o Estado presta um serviço público, o Estado pratica um ato de polícia, o Estado realiza uma obra pública etc.). Tais atuações estatais estão por óbvio, fora do comércio (extra commercium) e não revelam a riqueza das pessoas por elas alcançadas. Nem por isso, porém, o princípio da igualdade deixa aí de ser atendido, uma vez que, em tais tributos, o Estado visa ressarcir-se das despesas que teve, ao atuar em favor de um dado contribuinte.215

No mesmo sentido da aplicação da capacidade contributiva somente aos impostos,

Ricardo Lobo Torres atribui uma classificação qualitativa aos tributos. Para o referido autor:

Tributo contributivo é o que encontra a sua justificativa primordial na capacidade contributiva (= imposto); quando se basear no princípio do custo/benefício ou da equivalência, como acontece com as taxas e as contribuições, classificar-se-á como tributo comutativo ou retributivo.216

Desta forma, para os tributos vinculados a uma atuação estatal, há que se verificar seus

respectivos princípios informadores e não a capacidade contributiva do indivíduo. A

aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva deve ser regra para os impostos

(tributos não vinculados a uma atuação estatal).

A Constituição Federal assim definiu que os indivíduos que tenham capacidade

econômica, devem contribuir com as despesas do Estado para abastecer os cofres públicos, na

medida de sua capacidade contributiva, sem que haja prejuízo das necessidades de

subsistência próprias e de sua família. Assim, o fundamento da capacidade contributiva é a

aplicação justa da carga tributária, visando a redução das desigualdades sociais e a tão

almejada harmonia fiscal.

215 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 63. 216 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 376.

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4 A PROGRESSIVIDADE NOS IMPOSTOS

Dadas as considerações a respeito dos princípios da igualdade e da capacidade

contributiva, passará o presente estudo ao tema da progressividade e a sua aplicabilidade aos

impostos.

4.1 Noções da progressividade

A progressividade no âmbito do direito tributário deve ser utilizada como instrumento

de superação das injustiças e desigualdades sociais, em atenção às garantias fundamentais

dispostas na Constituição Federal. E isso por exigir que os contribuintes com maior

capacidade econômica recebam tratamento fiscal mais gravoso comparando com os

contribuintes de menor porte econômico, possibilitando, assim, uma melhor personalização

das exigências fiscais, como determina, expressamente, o artigo 145, §1º, da Constituição

Federal de 1988.

No sistema jurídico brasileiro, todos os impostos devem ser progressivos, de forma a

atender o princípio da igualdade e, sempre que possível, da capacidade contributiva, ainda que

alguns sejam mais passíveis de tratamento progressivo e outros menos. Isso porque pela

progressividade que a justiça fiscal no imposto será satisfeita. Noutros dizeres, a

progressividade é o instrumento para o exercício da tributação, de forma a efetivar a

realização da capacidade contributiva e da igualdade.

Geraldo Ataliba também se pronunciou a respeito do tema:

Logo, mesmo o leigo pode inferir com imediata lógica: cada imposto será regressivo ou progressivo, sempre e inescapavelmente, em maior ou menor grau. Todo imposto, destarte, no nosso sistema, deve ser progressivo, por imperativo constitucional. Não há exceção para esta regra, sob pena de negação não só das diretrizes específicas do “sistema tributário” (arts. 145 a 150 da CF) como – o que é mais grave – do espírito da Constituição de 1988. Este resulta claro, principalmente da colocação, pelo seu preâmbulo, da “igualdade e justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna”, o que veio a explicitar-se nos “objetivos da República” (art. 3º): I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

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III - ... reduzir as desigualdades sociais ....217

Entendemos que a tributação progressiva é a forma mais evidente de tornar efetivo o

princípio da capacidade contributiva, visto permitir a efetivação de uma tributação mais justa,

considerando que os indivíduos arcarão com o pagamento dos tributos na medida da

manifestação de sua riqueza.

A progressividade nos impostos consiste no modo de o legislador estruturá-los,

aumentando as alíquotas à medida que aumenta a base de cálculo. A progressividade será

efetivada mediante a variação da matéria tributável, decorrente da variação da alíquota, sendo

que esta última será maior quanto maior for o valor da matéria tributável.

A esse respeito, com a propriedade que lhe é peculiar, Roque Antonio Carrazza

ressalta:

As leis que criam in abstracto os impostos devem estruturá-los de tal modo que suas alíquotas variem para mais à medida que forem aumentando suas bases de cálculo. Assim, quanto maior a base de cálculo do imposto, tanto maior haverá de ser a alíquota aplicável, na determinação do quantum

debeatur. Noutros falares, a legislação deve impimir às alíquotas aplicáveis ao imposto um desenolvimento gradual, de sorte que serão percentualmente maiores, quanto maior for sua base de cálculo.218

A progressividade vem expressada explicitamente em alguns dispositivos da

Constituição Federal de 1988, como é o caso do Imposto de Renda (art. 153, §2º, I219), do

IPTU (art. 156, §1º220 e art. 182, §4º, II221) e do ITR (art. 153, §4º, I222). Isso levou a alguns

217 ATALIBA, Geraldo. Progressividade e Capacidade Contributiva. In. Princípios Constitucionais Tributários – aspectos práticos e aplicações concretas. (coordenadores: Geraldo Ataliba e A.R. Sampaio Dória). V Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Cadernos de Direito Tributário. IDEPE. São Paulo: Revista de Direito Tributário, 1991, p. 53. 218 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 100. 219 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III - renda e proventos de qualquer natureza; § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; 220 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) 221 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

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especialistas, data vênia, a nosso ver, equivocadamente, afirmarem que a progressividade

somente poderia existir quando expressamente disposta pela Constituição Federal.

Entendemos que a progressividade está intimamente relacionada à capacidade

contributiva e à igualdade, e o próprio artigo 145, §1º, da CF/88, estabelece que “Sempre que

possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade

econômica do contribuinte”, ou seja, sempre quando possível os impostos serão progressivos.

A progressividade é passível de aplicação a todos os impostos e não somente ao IR,

IPTU e ITR, como pretendem alguns especialistas sobre o tema. E isso porque a

progressividade é uma característica de todos os impostos, assim como os princípios da

legalidade e da igualdade tributária, e que apesar de não estar expressamente referido na

Constituição Federal, ao traçar as hipóteses de incidência genéricas, deve ser aplicado.

Parte da doutrina analisa a aplicação da progressividade apenas ao quanto disposto de

forma expressa no Texto Constitucional, não podendo admitir a progressividade em outras

situações não expressamente determinadas pela CF/88.

Hugo de Brito Machado traz a divergência a respeito da aplicação da progressividade

nos impostos. Comenta o autor:

Desde sua origem, muito mais remota do que muitos pensam, a progressiviade dos impostos tem tido defensores e opositores os mais destacados. A divergência está essencialmente centrada na forma de interpretar o princípio da isonomia. Seus defensores afirmam tratar-se de um instrumento de realização desse princípio, enquanto seus opositores afirmam que a progressividade viola tal princípio. Os opositores mais radicais da progressividade afirmam que o ônus do imposto deve ser suportado por todos os contribuintes na proporção da capacidade contributiva de cada um. Assim, se a capacidade contributiva é indicada pela renda, o imposto deve ser proporcional à renda de cada um, com alíquota única e sem isenção. Mesmo o denominado mínimo isento deve ser eliminado. Tal postura é coerente com a tese contrária à progressividade porque, na verdade, a isenção para a renda até determinado valor tem como resultado a progressividade do imposto, ainda que a parcela restante a renda

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; 222 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: VI - propriedade territorial rural; § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).

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seja tributada com a mesma alíquota. Mas é inadmissível, porque extremamente injusta. A progressividade efetivamente realiza o princípio da isonomia, ao menos para os que preconizam como instrumento da Justiça. Ninguém, em sã consciência, pode considerar justo cobrar-se imposto de renda de quem ganha apenas o necessário para o atendimento de suas necessidades mais primárias. A idéia de injustiça da rigorosa proporcionalidade entre um indicador de capacidade contributiva e o valor do imposto nos autoriza, então, a concluir afirmando que a progressividade é, realmente, uma forma justa de calcular os impostos.223

Aires Fernandino Barreto posiciona-se no sentido de que “a Constituição só autoriza a

progressividade nos casos em que expressamente a exigiu: Imposto sobre a Renda, Imposto

Territorial Rural ou em relação a impostos onde se exige a seletividade”. 224

Com o devido acatamento, discordamos desde posicionamento. A nosso ver,

independentemente de determinação expressa do Texto Constitucional a respeito da aplicação

da progressividade, esta deverá ser atendida, sempre que possível, a todos os impostos, em

função do primado da capacidade contributiva e da igualdade na tributação, visando uma

tributação justa e equitativa.

Nessa linha de entendimento, pela aplicação da progressividade a todos os impostos,

Régis Fernandes de Oliveira destaca: “não há qualquer proibição constitucional de que o

tributo seja progressivo”. E, mais adiante, complementa o referido autor: “a progressividade

na tributação atende ao princípio da igualdade e também acha compatibilidade com o

ordenamento jurídico em sua integralidade”.225

Vê-se, portanto, ser a progressividade um princípio que deve sim ser aplicado em

matéria tributária. A respeito da aplicação da progressividade a todos os impostos, são essas as

palavras de Geraldo Ataliba:

Como todos os impostos, sem nenhuma exceção, necessariamente são baseados no princípio da capacidade contributiva, todos são passíveis de tratamento progressivo. No Brasil, mais intensamente do que alhures, dado que a Constituição põe especial ênfase na necessidade de tratamento

223 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 321. 224 BARRETO, Aires Fernandino. A progressividade do ITBI (SISA). Conferências e debates. Revista de Direito Tributário nº 68, p. 184. 225 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. IPTU Progressivo, in RDT 43, p. 166.

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desigual às situações desiguais, na medida dessa desigualdade (art. 150, II).226

E, nesse passo, conclui Geraldo Ataliba:

Daí por que não se possa, juridicamente, no Brasil, sob a Constituição de 1988, censurar-se um imposto “pelo fato dele ser progressivo” (v. Fritz Neumark, Principios de la imposición, Ed. IEF, Madri, p. 219). Pelo contrário, a progressividade é constitucionalmente postulada.227

Regina Helena Costa, ao tratar sobre a progressividade no âmbito do Direito tributário,

destaca passagem do autor Ernesto Lejeune Valcárcel, quem afirma: “a progressividade do

sistema tributário não é mais do que uma exigência iniludível do princípio da igualdade”.228

Luciano Amaro também se pronuncia a respeito do tema:

A progressividade não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim um refinamento desse postulado.229

Explica o autor:

A proporcionalidade implica que riquezas maiores gerem impostos proporcionalmente maiores (na razão direta do aumento da riqueza). Já a progressividade faz com que a alíquota para as fatias mais altas da riqueza seja maior.230

Desta feita, a progressividade refere-se ao critério quantitativo do consequente da

regra-matriz de incidência tributária, mais precisamente à alíquota, determinando que esta

deva variar à medida que aumenta a base de cálculo, para a verificação do quantum debeatur.

Dessa forma, destaca o presente estudo a análise e posicionamento no sentido de que a

progressividade não se aplica tão somente para os impostos cuja Constituição Federal de 1988

expressamente determina (IPTU, IR e ITR), pelo contrário, aplica-se a progressividade das

226 ATALIBA, Geraldo. Progressividade e Capacidade Contributiva. In. Princípios Constitucionais Tributários – aspectos práticos e aplicações concretas. (coordenadores: Geraldo Ataliba e A.R. Sampaio Dória). V Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Cadernos de Direito Tributário. IDEPE. São Paulo: Revista de Direito Tributário, 1991, p. 49. 227 Ibid., p. 53. 228 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 78. (Ernesto Lejeune Valcárcel, Aproximación al princípio constitucional de igualdad tributária. Seis Estudios sobre Derecho Constitucional e Internacional Tributário. Madri, Editorial de Derecho Financeiro, 1980 (pp. 115-180). 229 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 165. 230 Ibidem, p. 165.

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alíquotas tributárias a todos os impostos, como requisito do princípio da igualdade,

alcançando a tão almejada justiça fiscal.

Com a máxima vênia aos que entendem de forma contrária, consideramos que são

melhor atendidas as disposições da Constituição Federal na hipótese de se aplicar a

progressividade a todos os impostos, não atritando esta hipótese, de forma alguma, com o

sistema jurídico brasileiro, visto ser a melhor maneira de afastar as injustiças sociais.

O que se deve analisar é que o silêncio da Constituição Federal de 1988 quanto à

determinação expressa de aplicação da progressividade a todos os impostos, não significa

dizer que haveria um impedimento para que os mesmos atendam à progressividade. O que fez

o legislador constituinte foi apenas destacar expressamente a progressividade para alguns

impostos. No entanto, o legislador constituinte poderia, sem qualquer barreira, estipular

expressamente a aplicação da progressividade a todos os impostos, como forma de

atendimento de maneira incondicional ao princípio da igualdade.

De fato, conforme será exposto, alguns impostos são mais facilmente adequados ao

tratamento de forma progressiva, mas o que se verifica é que os impostos devem se adequar

ao princípio da capacidade contributiva, sempre que isso for possível, em atenção à

determinação constitucional de tratamento igualitário aos indivíduos, na medida de sua

desigualdade, conforme indicado pelo princípio da igualdade anteriormente destacado.

Nesse sentido, a ausência de indicação expressa do legislador constituinte da aplicação

da progressividade a todos os impostos, não impede que assim se faça, sendo inclusive um

imperativo. E é nessa linha de entendimento que Regina Helena Costa aduz que “somente

mediante a instituição de alíquotas progressivas faz-se a desigualação entre situações

desiguais, cumprindo-se, outrossim, o princípio maior da igualdade (art. 150, II)”.231

Betina Treiger Grupenmacher, de forma clara, destaca a problemática proposta neste

trabalho, qual seja, a aplicação da progressividade nos impostos. Nesse sentido, ressalta:

Para que um sistema seja verdadeiramente justo, atuando como mecanismo de redistribuição de riquezas, a progressividade deve alcançar todos os tributos. No entanto, assim no Brasil, como em Portugal e em diversos outros Estados democráticos, a progressividade é uma realidade apenas em relação ao imposto incidente sobre os rendimentos, o que nos permite concluir, que nenhum destes sistemas constitucionais é, verdadeiramente,

231 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 3ª Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 98.

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justo, posto que não é redistributivo. E se assim é, ou seja, se grande parte dos impostos nos sistemas tributários mais avançados do mundo é apenas proporcional, porque manter a progressividade apenas em relação ao imposto incidente sobre o rendimento? Definitivamente motivo não há que o justifique, já que a progressividade do referido imposto, isoladamente, não é bastante em si mesma para reduzir as desigualdades sociais. Tal só se daria com um sistema integralmente progressivo. 232

Resta patente, portanto, a possibilidade, e até necessidade, de análise da aplicação da

progressividade, a princípio, a todos os impostos, sendo uma decorrência lógica do postulado

da capacidade contributiva e da igualdade na tributação, não havendo a necessidade de

menção expressa no texto constitucional para que haja a sua observância no sistema tributário

brasileiro.

Concluimos que a progressividade de alíquotas, longe de atritar com o sistema

jurídico, é a melhor forma de afastar as injustiças tributárias no campo dos impostos e,

consequentemente, cumprir a igualdade tributária, em atenção a uma harmonia fiscal.

Após a análise da progressividade com a função de permitir um estudo sintático-

analítico acerca do tema, o presente estudo passará à análise da mesma nos impostos, visto

que a interpretação (semântica) e a aplicação do Direito (pragmática) são necessárias à

compreensão do tema, caso contrário ter-se-ia apenas uma definição imprestável para a

Ciência do Direito.

4.1.1 Progressividade fiscal e extrafiscal

Conforme exposto, a progressividade é a variação de alíquotas aplicáveis ao imposto,

de forma que serão maiores, quando maior for a base de cálculo, determinando o montante

devido do imposto, o quantum debeatur.

Esta progressividade pode ser encontrada e aplicada nos impostos com função fiscal e

extrafiscal. Daí, denominaremos de progressividade fiscal e extrafiscal.

A progressividade fiscal é aquela inerente aos impostos, com a finalidade de repartição

equânime da carga tributária, na medida em que as alíquotas aumentam em virtude do

232 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro (Cadernos IDEFF Internacional) – Coimbra: Edições Almedina, 2012, p. 66.

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aumento da base de cálculo do imposto. Assim, quanto maior a base de cálculo, mais intensa

será a progressão da alíquota.

Pela progressividade fiscal, podemos verificar a instrumentalização do princípio da

capacidade contributiva, visando uma tributação equitativa, medida pela manifestação de

riqueza do contribuinte. A progressividade fiscal é aquela utilizada como instrumento de

realização do princípio da capacidade contributiva, aplicada aos impostos com finalidades

arrecadatórias, ou seja, visando arrecadar dinheiro dos particulares aos cofres públicos, para

suprir as necessidades do Estado.

Verifica-se que a progressividade fiscal é a inerente à capacidade contributiva, como

instrumento de superação das desigualdades sociais, em atenção às garantias fundamentais

dispostas na Constituição Federal, exigindo que os contribuintes com maior capacidade

econômica recebam tratamento fiscal mais gravoso, comparando com os contribuintes de

menor manifestação de riqueza.

No entanto, a progressividade pode se adequar às finalidades como instrumento de

política econômica, com a variação de alíquotas conforme interesses outros que não a

tributação de forma igualitária dos contribuintes. Neste caso, verificaremos a progressividade

extrafiscal.

A progressividade extrafiscal é perfeitamente lícita e aceita pelo ordenamento jurídico

e tem como objetivo a promoção de valores consagrados pela Constituição, com cunho social,

econômico e político mais relevante. Assim, a progressividade extrafiscal é aplicada aos

impostos incidentes sobre fatos econômicos que, em razão do interesse público, suas alíquotas

são agravadas ou minoradas, independentemente da aferição da capacidade contributiva dos

indivíduos, de forma a estimular ou mesmo desestimular os contribuintes.

A esse respeito, Elizabeth Nazar Carrazza destaca posicionamento de Geraldo Ataliba

sobre o tema:

A progressividade fiscal é aquela inerente ao próprio tributo, inserido dentro de um sistema carregado de preocupação social, como é o nosso. A progressividade extrafiscal tem em vista a promoção de diversos valores constitucionalmente consagrados (dentro os quais, os de cunho social são mais relevantes).233

233 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 91.

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E, ainda, com relação à progressividade extrafiscal complementa o referido jurista:

(...) se se compreende que a progressividade extrafiscal pode ser: a) realizadora de valores gerais constitucionalmente consagrados e b) especificamente instrumento de planejamento urbano; e se se leva em conta que esta última é constitucionalmente condicionada e limitada, já se vê que a progressividade extrafiscal é perfeitamente lícita, além de tradicional.234

Não se questiona a legalidade da progressividade extrafiscal, muito pelo contrário;

referida forma de progressividade é necessária no controle das políticas econômicas para

desenvolvimento do País como forma de intervenção estatal em benefício da coletividade,

mediante a variação de alíquotas para fins extrafiscais.

Podemos, então, destacar que a lei criadora de imposto progressivo está de acordo com

as prescrições constitucionais, consagradas pelo nosso sistema constitucional tributário, sendo

tal progressividade fiscal ou mesmo extrafiscal, de forma que haja uma devida tributação,

atendidas as finalidades de cada um dos impostos, conforme verificaremos a seguir.

4.2 Classificação dos impostos atinentes à análise da progressividade

Antes de tratarmos da aplicação da progressividade aos impostos, importante

esclarecer a classificação aplicada pela doutrina pátria e a que será útil para a análise.

Apesar da Constituição Federal de 1988 não ter classificado explicitamente os

impostos (tributo não vinculado a uma atuação estatal235), verifica-se a importância, ainda que

doutrinária, de uma classificação adequada.

Classificar consiste em ordenar espécies em determinado grupo, segundo critérios

previamente definidos. Nos dizeres de Roque Antonio Carrazza, “classificar é o procedimento

234 Ibid., p. 91. 235 Geraldo Ataliba destaca que “seguro para se comprovar estar-se em presença de imposto é o critério de exclusão; se, diante de uma exação, o intérprete verifica que não se trata de tributo vinculado, então pode afirmar seu caráter de imposto.Todo tributo não vinculado é imposto”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência

tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 138). Esta definição foi posta no enunciado do artigo 16, do Código Tributário Nacional que assim dispõe: “Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independentemente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

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lógico de dividir um conjunto de seres (de objetos, de coisas) em categorias, segundo critérios

preestabelecidos”.236

É imperioso trazer os ensinamentos de Geraldo Ataliba ao tratar da importância da

classificação, não podendo esta ultrapassar os limites do direito positivo. Neste contexto

destaca:

No Brasil, é de fundamental importância proceder com rigor na tarefa de identificar as peculiaridades de cada espécie, porque a rigidez do sistema constitucional tributário fulmina de nulidade qualquer exação não obediente rigorosamente aos moldes constitucionais estritos.237

O imposto, conforme disposto nos artigos 145, inciso I,238 da CF/88, e artigo 16239 do

CTN, é um tributo não vinculado, ou seja, tributo cujo aspecto material da hipótese de

incidência consiste na conceituação legal de um fato ou ato qualquer que não se constitua

numa atuação estatal. É nesse sentido que Geraldo Ataliba chama o imposto de um tributo

não-vinculado a uma atuação estatal.

Para Ricardo Lobo Torres, o imposto pode ser definido como:

Dever fundamental consistente em prestação pecuniária, que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva do princípio constitucional da capacidade contributiva e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas gerais, é exigido de quem tenha realizado, independentemente de qualquer atividade estatal em seu benefício, o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência especificamente outorgada pela Constituição.240

O imposto encontra seu fundamento de validade na competência tributária da pessoa

política, não havendo a necessidade, para que ele seja instituído ou cobrado, que o Poder

Público desenvolva, em relação ao contribuinte, qualquer atividade específica.

Neste sentido, esclarece Julcira Maria de Mello Vianna:

236 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 598. 237 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 124. 238 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; 239 Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. 240 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 377.

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Nos impostos, não há atividade estatal que beneficie o contribuinte ou responsável; os impostos se prendem a uma situação de fato que se refere única e exclusivamente ao contribuinte e ao seu âmbito de atividade sem ter qualquer relação com a atuação do Poder Público.241

É nesse sentido que juristas denominam o imposto de “tributo sem causa”242. E isso

não porque o mesmo não tenha fato imponível, mas porque não há necessidade de a entidade

tributante oferecer qualquer contraprestação direta a quem o paga.

O fato imponível do imposto é sempre realizado pelo contribuinte, sem nenhuma

relação específica com qualquer atividade do ente público. E sua base de cálculo é a medida

referencial do evento que constitui o fato imponível.

Conforme exposto no presente estudo, o princípio informador dos impostos é a

capacidade contributiva (artigo, 145, §1º, da CF/88) que exige sejam levados em conta índices

diretos ou indiretos de riqueza, economicamente apreciáveis, o que Alfredo Augusto Becker

denomina de fatos-signos presuntivos de riqueza.

Dadas estas considerações a respeito dos impostos, cumpre indicar que a doutrina

pátria atribui algumas formas de classificação dos impostos em decorrência dos diferentes

critérios adotados para tal classificação. São inúmeras as classificações que se conhecem243,

mas neste estudo iremos nos ater àquelas classificações que serão úteis ao desenvolvimento da

aplicação da progressividade aos impostos.

Dentre as classificações dos impostos adotadas pela doutrina pátria e atinentes ao

estudo da progressividade, estão: impostos reais e pessoais; impostos diretos e indiretos; e

impostos fixos e graduados.

241 VIANNA, Julcira Maria de Mello. Aspectos Constitucionais do IPVA. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP, 2002, p. 62. 242 “Deveras, o imposto encontra seu fundamento de validade, apenas, na competência tributária da pessoa política, não havendo necessidade, para que ele seja instituído e cobrado, de que o Poder Público desenvolva, em relação ao contribuinte, qualquer atividade específica. É nesse sentido que muitos juristas chamam o imposto de tributo sem causa.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 602-603). 243 Hugo de Brito Machado traz a classificação dos impostos pelo critério da competência para a sua instituição (federais, estaduais e municipais); pela forma de quantificação (fixos e graduados); de acordo com a natureza econômica do fato gerador respectivo. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 95 e 320).

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4.2.1 Impostos reais e pessoais

Considerando tratar o presente estudo da aplicação da capacidade contributiva e da

progressividade no âmbito do direito tributário brasileiro, uma classificação dos impostos de

suma importância ao tema em estudo é aquela que diz respeito à influência do aspecto

material ou pessoal da hipótese de incidência na estrutura do imposto.

A esse respeito, verifica-se que a capacidade contributiva, como princípio informador

dos impostos, transmite a personalização dos mesmos, ou seja, sempre que possível deve ser

verificada a condição pessoal do contribuinte o que se dará mediante a análise da respectiva

manifestação de riqueza, decorrente da renda e do patrimônio.

Esta forma de classificação dos impostos os divide em reais e pessoais. Os impostos

reais são aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência limita-se a descrever um

fato, independentemente do aspecto pessoal244, ou seja, são aqueles que tomam sob a

tributação, objetos ou coisas, ficando o contribuinte em “segundo plano”, em outras palavras,

são aqueles impostos que incidem sobre o consumo ou patrimônio do contribuinte.

Os impostos pessoais, por sua vez, são aqueles em que o aspecto material da hipótese

de incidência leva em consideração certas qualidades dos possíveis sujeitos passivos. Nesta

forma de classificação são estabelecidas diferenças na alíquota ou na base de cálculo dos

impostos, em função de características pessoais do sujeito passivo. Em outras palavras, os

impostos pessoais são aqueles em que é possível medir mais facilmente a capacidade

contributiva de quem efetivamente vai arcar com o ônus calculado, atendendo as condições

pessoais do contribuinte.

Nos impostos reais não significa dizer que a hipótese de incidência não possui aspecto

pessoal. Constata-se que o aspecto pessoal é indiferente à estrutura do aspecto material. Já nos

impostos pessoais, a associação dos aspectos pessoal e material da hipótese de incidência

244 Para Geraldo Ataliba, o aspecto pessoal ou subjetivo “é a qualidade – inerente à hipótese de incidência - que determina os sujeitos da obrigação tributária, que o fato imponível fará nascer”. “A determinação do sujeito ativo é discricionária; seu único limite é que se trate de pessoa com finalidades públicas”. E o sujeito passivo é “aquele que a Constituição designou, não havendo discrição do legislador na sua designação”. “Nos impostos, é a pessoa que revela capacidade contributiva, ao particular do fato imponível, promovendo-o, realizando-o ou dele tirando proveito econômico”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 80).

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tributária é intimamente relacionada de forma que não se pode conhecer este sem considerar

concomitantemente aquele.

Destacamos, portanto, que a classificação entre impostos reais e pessoais refere-se à

estrutura da regra matriz de incidência tributária, com ênfase na intensidade do aspecto

pessoal na exigência do imposto.

Para Geraldo Ataliba, são impostos reais:

(...) aqueles cujo aspecto material da h.i. limita-se a descrever um fato, ou estudo de fato, independentemente do aspecto pessoal, ou seja indiferente ao eventual sujeito passivo e suas qualidades. A h.i. é um fato objetivamente considerado, com abstração feita das condições jurídicas do eventual sujeito passivo; estas condições são desprezadas, não são consideradas na descrição do aspecto material da h.i. (o que não significa que a h.i. não tenha aspecto pessoal; tem, porém é indiferente à estrutura do aspecto material ou do próprio imposto).245

Já os impostos pessoais para o referido jurista, são:

(...) aqueles cujo aspecto material da h.i. leva em consideração certas qualidades, juridicamente qualificadas, dos possíveis sujeitos passivos. Em outras palavras: estas qualidades jurídicas influem, para estabelecer diferenciações de tratamento legislativo, inclusive do aspecto material da h.i. Vale dizer: o legislador, ao descrever a hipótese de incidência, faz refletirem-se decisivamente, no trato do aspecto material, certas qualidades jurídicas do sujeito passivo. A lei, nestes casos, associa tão intimamente os aspectos pessoal e material da h.i. que não se pode conhecer este sem considerar concomitantemente aquele.246

Podemos destacar que, sempre que possível, os impostos devem apresentar o caráter

pessoal determinado pela Constituição (artigo 145, §1º), como forma de aprimorar a

legislação na imposição da carga tributária cada vez mais pessoal, refletindo as condições

individuais de cada indivíduo, considerando as respectivas diferenças econômicas existentes

entre os contribuintes.

Elizabeth Nazar Carrazza traz o entendimento de Alfredo Augusto Becker, o qual é

contrário a essa divisão de impostos, uma vez que todo imposto é pessoal e pelo fato de

245 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. 12ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 141. 246 Ibidem, p. 142.

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incidir sobre direitos reais, não o torna um imposto real. Ao exemplificar, destaca a ilustre

jurista que “tributa-se o direito de propriedade e não o imóvel”. 247

Coadunamos com este posicionamento, que inclusive é tratado por Roque Antonio

Carrazza248, visto que, juridicamente, todos os impostos são pessoais porque sempre quem

realiza o fato previsto na norma é uma pessoa, e ainda somente as pessoas podem ser sujeito

de direitos e obrigações.

Assim, verifica-se efetivamente que a classificação em questão é relativa, pois

independentemente da determinação de impostos reais ou pessoais, de alguma forma toda a

carga tributária recai sobre pessoas.

Nota-se que a personalização do imposto deve ser observada sempre que o aspecto

material da hipótese de incidência o comportar, ainda que se esteja tratando de impostos

incidentes sobre o patrimônio do contribuinte.

E isso em razão dos impostos encontrarem limites no princípio da capacidade

contributiva que determina sejam levados em conta índices diretos ou mesmo indiretos de

riqueza, economicamente apreciáveis. Significa dizer que tudo que remete à manifestação

econômica de riqueza do contribuinte, deve ser levado em consideração para revelar ou fazer

presumir a capacidade econômica do indivíduo que realizou o fato imponível. São os fatos-

signos presuntivos de riqueza, assim denominados por Alfredo Augusto Becker.

Dessa forma, a dificuldade de verificação da pessoalidade em todos os impostos não

retira a necessidade de observância do princípio da capacidade contributiva. É necessário, de

forma a observar o princípio da isonomia e da capacidade contributiva, determinar a base de

cálculo e a alíquota dos impostos, de modo a considerar as qualidades pessoais do

contribuinte e, consequentemente, assegurar a adaptação do imposto aos índices de riqueza do

mesmo, em respeito à justiça fiscal.

247 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 66. 248 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 605, nota nº 45.

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4.2.2 Impostos diretos e indiretos

A classificação dos impostos diretos e indiretos foi criada pela ciência das finanças, a

partir da observação do fenômeno econômico da translação ou repercussão dos tributos, não

havendo relação jurídica, mas um critério puramente econômico.

E isso porque para o Direito não é importante saber quem efetivamente suportou a

carga econômica do imposto, mas sim aquele que realizou o fato imponível,

independetemente deste último ter suportado a carga econômica ou mesmo ter repassado o

valor do imposto para o preço final da mercadoria, produto ou serviço.

Os impostos diretos, ou que não repercutem em outra pessoa, são aqueles cuja carga

econômica do imposto é suportada pelo próprio contribuinte realizador do fato imponível.

Assim, o ônus tributário recai sobre a pessoa do contribuinte. São exemplos de impostos

diretos o Imposto sobre a Renda, o IPTU e o IPVA.

Já nos impostos indiretos, a carga tributária repercute em outra pessoa. Ou seja, são

aqueles que, embora a obrigação de pagar o imposto recaia sobre determinada pessoa, o ônus

tributário é efetivamente suportado por outro indivíduo. São exemplos de impostos indiretos o

ICMS e o IPI.

Em outros dizeres, nos impostos indiretos, a carga econômica não é suportada pelo

contribuinte (denominado contribuinte de direito), mas por terceira pessoa que não é o

realizador do fato imponível. Esta terceira pessoa é denominada de contribuinte de fato, sendo

ela o consumidor final da mercadoria ou do produto.

Como exemplo, Roque Antonio Carrazza destaca quanto ao ICMS:

Quem suporta sua carga econômica não é o patrimonio, por exemplo, do comerciante, que vendeu a mercadoria, mas o patrimônio do consumidor final desta mesma mercadoria. Este, ao adquirir a mercadoria, verá embutido em seu preço o quantum de ICMS que foi sendo recolhido, por todos os que realizaram as operações mercantis, que levaram o bem às suas mãos.249

Rubens Gomes de Sousa define, com clareza, referida classificação. Vejamos:

249 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 605, nota nº 45.

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(...) impostos diretos são suportados em definitivo pelo contribuinte obrigado por lei ao seu pagamento; indiretos os que são ou podem ser transferidos por aquele contribuinte para outra pessoa que por sua vez os transferirá ou suportará em definitivo; por isso se diz que no imposto indireto há dois contribuintes, o de direito (a pessoa obrigada por lei ao pagamento) e o de fato (a pessoa que arcará em definitivo com o ônus do imposto). Essa transferência do ônus fiscal de uma pessoa para outra chama-se a repercussão ou translação do imposto. A repercussão faz-se através do acréscimo do imposto ao preço das mercadorias ou serviços tributados, está sujeita à lei da oferta e da procura, isto é, só será possível quando as condições do mercado a permitirem: é portanto um conceito econômico e não jurídico. 250

A classificação mencionada possui relevância para identificar a pessoa que suportará a

carga tributária. Constata-se que a referida classificação possui apenas reflexos jurídicos, mas

trata efetivamente de uma classificação com relação econômica, visto que para o Direito o

contribuinte é aquele definido por Lei, portanto, sempre indicado como o contribuinte de

direito, responsável pelo pagamento do imposto conforme determinação legal.

4.2.3 Impostos fixos e graduados

Tratando o presente estudo da análise na progressividade nos impostos, não se pode

deixar de destacar a classificação em impostos fixos e graduados. Os primeiros são assim

considerados porque seu montante não se gradua em função da maior ou menor expressão

econômica revelada pelo contribuinte, diferentemente com o que ocorre nos impostos

graduados.

Esta classificação é proposta por Hugo de Brito Machado, esclarecendo que os

impostos fixos são quantificados diretamente pelo legislador em que uma única alíquota se

aplica a toda a matéria tributável. Já os impostos graduados são diversos. Em suas palavras:

(...) cada alíquota maior aplica-se apenas sobre a parcela de valor compreendida entre um limite inferior e outro superior, de modo que é preciso aplicar tantas alíquotas quantas sejam as parcelas de valor e depois somar todos esses resultados parciais para obter o imposto total a pagar.251

250 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária, cood. IBET. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 170. 251 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 28ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 322.

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119

O que se verifica é que os impostos fixos são inconstitucionais, tendo em vista que o

imposto deve ser graduado em razão da capacidade econômica do contribuinte e em atenção

ao princípio da igualdade na tributação.

Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, o imposto fixo burla o princípio da

capacidade contributiva. Confira-se:

Do exposto, facilmente percebemos que, também por burla ao princípio da capacidade contributiva, são inconstitucionais os chamados impostos fixos, isto é, aqueles cujo montante é apontado pela lei, de modo invariável, sem qualquer preocupação com as condições pessoais do contribuinte. É o caso, em certos Municípios, do ISS incidente sobre os serviços advocatícios, fixado, pela lei local, em X unidades (salários mínimos, unidades fiscais, valores de referência etc.) por ano, para cada advogado. Antes mesmo da ocorrência do fato imponível tributário, já se tem condições de saber o montante deste tributo, que será o mesmo quer o profissional tenha uma banca florescente, quer esteja ensaiando os primeiros passos na profissão. Com isso, neste Municípios, o ISS deixa de ter caráter pessoal, não sendo graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Manifesta inconstitucionalidade, porquanto o ISS deve necessariamente obedecer ao princípio em exame.252 (grifo do autor)

A necessidade de existência da base de cálculo dos impostos, ou seja, o critério para

medir, ao qual se aplicará um fator designado alíquota, é de suma importância para afastar a

possibilidade de aplicação de impostos fixos.253

A base de cálculo é elemento estrutural dos impostos, visto permitir identificar a sua

natureza jurídica e dimensão econômica.

Nesse sentido, as palavras de Aires Fernandino Barreto a respeito:

É que a necessidade de existência de base de cálculo, isto é, de critério para medir, de meio para calcular, de critério de aferição, ao qual se aplicará um fator designado alíquota, é relevante para que se afaste, desde logo, a possibilidade de existência dos chamados tributos fixos. A Constituição, estamos convencidos, não autoriza a existência de tributos fixos e, via de consequência, impostos fixos porque, estes sim, atentam, agridem, afrontam

252 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 122. 253 Também o imposto único deixaria de atender ao princípio da capacidade contributiva na medida em que seria cobrado de todos os indivíduos de forma única, visto que teria a mesma alíquota, independentemente da capacidade econômica do contribuinte. Ainda, o imposto único afrontaria o princípio federativo, em razão da autonomia financeira dos Estados e Municípios.

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120

assim o princípio da igualdade como o princípio da capacidade contributiva.254

A Carta Maior não autoriza a existência de impostos fixos, visto atentarem o princípio

da igualdade e da capacidade contributiva, diferentemente da progressividade mediante a

graduação das alíquotas, o que é compatível com o sistema constitucional tributário.

Podemos então destacar que os impostos devem ser graduados de acordo com critérios

certos e específicos de exteriorização de riqueza. Ao assim dispor, podemos verificar que os

impostos graduados podem ser classificados em:

(i) Proporcionais: aumenta a base de cálculo na mesma proporção em que

aumenta a alíquota. O montante do imposto aumenta de acordo com o

valor da matéria tributável e, via de consequência, a proporção permanece

constante.

(ii) Progressivos e regressivos: alíquotas diversas crescentes e decrescentes na

medida em que aumenta ou diminui a base de cálculo do imposto. Assim,

ocorre a variação da matéria tributável, bem como a variação da alíquota,

sendo que esta última será maior quanto maior for o valor da matéria

tributável.

Concluimos que a tributação mediante a aplicação de imposto com alíquota fixa

desconsidera as diferenças econômicas e sociais existentes entre os contribuintes, acarretando

na violação ao princípio da capacidade contributiva, em que cada contribuinte deve ser

tributado na medida de sua manifestação de riqueza, e afronta o princípio da igualdade, na

medida de tratar igualmente os contribuintes sem considerar suas desigualdades.

Entendemos que a forma de se alcançar a tributação de maneira a respeitar os

princípios da igualdade e da capacidade contributiva certamente ocorre mediante a aplicação

dos impostos graduados de maneira progressiva.

254 BARRETO, Aires Fernandino. A progressividade do ITBI (SISA). Conferências e debates. Revista de Direito Tributário nº 68, p. 182.

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4.3 Imposto de Importação e Imposto de Exportação

O imposto de importação, disposto no artigo 153, inciso I,255 combinado com o artigo

155, §3º256, da CF/88, incidente sobre o produto estrangeiro na entrada de mercadoria no

território nacional, bem como sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de

telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País e o imposto de

exportação, conforme artigo 153, inciso II257, da CF/88, incide sobre a exportação de produtos

nacionais ou nacionalizados para o exterior, são impostos que gravam o comércio exterior, ou

mesmo denominados como impostos aduaneiros, utilizados como instrumento de política

econômico-financeira e de comércio exterior.

Por tratarem de implicações de relacionamento do País com o exterior, ambos são de

competência privativa da União, visando regular as medidas alfandegárias no

desenvolvimento nacional e no comércio internacional, estimulando ou mesmo

desestimulando o comércio entre o Brasil e outros países, interferindo na política econômica

do País.

Predomina, portanto, nestes impostos, a função extrafiscal, verificada anteriormente

no presente estudo, visto tratarem muito mais de impostos com finalidade de proteção da

indústria nacional, como instrumento de política econômica relacionada com o comércio

internacional, do que efetivamente para arrecadação de dinheiro aos cofres públicos, como

fonte de receita do Estado. Não que esta última situação não ocorra, mas não é este o objetivo

efetivo que visou o Constituinte, ao tratar desses impostos.

O imposto de importação e de exportação, nos termos do artigo 153, §1º258, da

Constituição Federal de 1988, pode ter suas alíquotas alteradas pelo Poder Executivo,

255 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; 256 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) § 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. 257 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; 258 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

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atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, a fim de ajustá-lo aos objetivos da

política cambial e do comércio exterior.

Cumpre enfatizar que a alteração das alíquotas pelo Poder Executivo dar-se-á

mediante lei ordinária e não medida provisória. Em razão da urgência e relevância, o

constituinte permitiu que o Poder Executivo aumente ou diminua as alíquotas, sem que haja

necessidade de reexame pelo Poder Legislativo, mas isso não quer dizer que o Poder

Executivo pode, por meio de medida provisória, aumentar ou mesmo criar os impostos

enumerados no artigo 153, incisos I, II, IV e V (imposto de importação, imposto de

exportação, IPI e IOF)259.

Significa dizer que mudanças sócio-econômicas no País interferem na exigência dos

referidos impostos, podendo o Poder Executivo reduzir a zero ou aumentar as respectivas

alíquotas, como forma de manusear os interesses no desenvolvimento do Brasil. Conforme

mencionado por Hugo de Brito Machado260, a referida alteração de alíquota não é ato

discricionário do Poder Executivo, havendo a necessidade de indicar o objetivo a ser

alcançado, não bastando uma alegação genérica de forma a ajustar o imposto aos objetivos da

política cambial e do comércio exterior.

É nesse sentido que a progressividade das alíquotas do imposto de importação e de

exportação opera-se para incentivar ou mesmo desestimular o comércio exterior, e acordo

com os interesses do mercado. Ou seja, nada impede a fixação de alíquotas progressivas,

visando os objetivos extrafiscais dos referidos impostos. Assim, as suas alíquotas podem ser

alteradas para estimular a exportação de um determinado produto ou mesmo desestimular a

importação para que se consuma o produto similar nacional.

Tratando-se de impostos com natureza extrafiscal, os impostos de importação e de

exportação, não se submetem ao princípio da capacidade contributiva, visto que a variação

das alíquotas se dá conforme critérios de forma a induzir o comportamento dos indivíduos no

controle de questões econômicas e sociais, e não em razão da manifestação presumível de

riqueza dos contribuintes, concluindo-se que a essência da capacidade contributiva não é

aplicada aos impostos extrafiscais.

259 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 309. 260 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 328.

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E isso em razão da exigência do imposto de importação e de exportação não possuir a

intenção de se aplicar um tratamento menos ou mais gravoso àqueles contribuintes com

manifestação de riqueza menor ou maior, e sim regulamentar questões políticas e econômicas

no desenvolvimento do País.

Assim, a progressividade aplicada é a extrafiscal como instrumento de política

econômica com a variação de alíquotas conforme interesses outros que não em atendimento à

capacidade contributiva do contribuinte.

De forma diversa é o entendimento de Hugo de Brito Machado ao destacar que:

Embora não o digam expressamente a Constituição nem o Código, as alíquotas do imposto de importação devem variar conforme a essencialidade do produto, com o quê se estará pondo em prática o princípio da capacidade contributiva, ou, mais exatamente, capacidade econômica. Essas alíquotas são, de um modo geral, bastante elevadas exatamente para dificultar a entrada do produto nacional para competir no mercado.261 (grifo do autor)

Não significa dizer que a progressividade extrafiscal é inadequada. Pelo contrário, a

progressividade extrafiscal tem como objetivo a promoção de valores constitucionalmente

consagrados, sendo, no entanto, relevantes aqueles de cunho social e geral em benefício da

coletividade e não levando em consideração questões individuais dos contribuintes na medida

da manifestação das respectivas riquezas como instrumento de superação das desigualdades

sociais.

Verifica-se, portanto, que os impostos de importação e de exportação não possuem

estrita relação com a capacidade contributiva, sendo-lhes aplicada a progressividade, mas com

fins extrafiscais, mediante a fixação de alíquotas progressivas em razão de questões políticas e

econômicas no desenvolvimento do País.

4.4 Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza

O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza está disposto no artigo 153,

inciso III262, da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece que a competência impositiva

261 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 328. 262 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) III - renda e proventos de qualquer natureza;

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para instituir o referido imposto seja da União Federal, fixando em seu artigo 153, § 2º, inciso

I263, os princípios que norteiam referido imposto.

Referido imposto possui função predominantemente fiscal, ao tratar de um imposto

que figura como a principal fonte de receita tributária de nosso País, visando arrecadar

dinheiro aos cofres públicos para manutenção do Estado em atendimento à coletividade,

adotando como critério para a sua aferição a renda e proventos auferidos pelos contribuintes.

Mas pode o imposto sobre a renda atender a uma função extrafiscal como instrumento

de intervenção do Poder Público no domínio econômico. A esse respeito, Paulo de Barros

Carvalho traz um exemplo de aplicação do imposto sobre a renda com finalidade extrafiscal.

A legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (IR) permite o abatimento de verbas gastas em determinados investimento, tidos como de interesse social ou econômico, tal o reflorestamento, justamente para incentivar a formação de reservas florestais no país.264

Conforme destaca Roque Antonio Carrazza, o imposto sobre a renda pode ser utilizado

com função extrafiscal para “fomentar a defesa e a proteção da Ecologia e do meio ambiente,

a proteção da saúde e da assistência pública, a superação das desigualdades sociais etc.”.265 E

complementa o ilustre jurista:

De fato, viria ao encontro da idéia de preservação ambiental lei que permitisse fossem deduzidas da base de cálculo do IR as despesas da pessoa jurídica com o tratamento de lixo industrial, com a conservação de imóveis revestidos de vegetação arbórea (declarada de preservação permanente ou perpetuada, nos termos do art. 6º do Código Florestal) e com aquisições de equipamentos e máquinas que impedem a contaminação de rios ou da atmosfera (...). Além disso, a lei deveria assegurar que as despesas com educação, alimentação e transporte de funcionários (no caso das pessoas jurídicas) e com criação, saúde, bem-estar e cultura de filhos e dependentes (no caso das pessoas naturais) fossem totalmente deduzidas da base de cálculo do IR. Como vemos, os exemplos podem ser multiplicados, que são legião, e reforçam a idéia, acima exibida, de que o IR pode ser um excelente instrumento de execução de políticas sociais e de aprimoramento do homem.266

263 § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; 264 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 290. 265 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 145. 266 Ibidem, p.145-146.

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Mas como o próprio autor destaca, haveria a necessidade de previsão em lei para que

ocorram tais deduções.

Enquanto isso, no imposto sobre a renda, a função fiscal diante da aplicação da

capacidade contributiva assume posição privilegiada, visto ser impossível tributar o referido

imposto sem a atinência do substrato econômico do evento que sofre a repercussão e, ainda,

por sua forte índole de pessoalidade, sendo possível ao legislador apurar a renda tributável dos

contribuintes.

E as disposições do artigo 153, III e §2º, inciso I, da CF/88 visam atender o princípio

da capacidade contributiva no que tange ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer

natureza, ao prever a necessidade de aplicação da progressividade.

Destaca-se que a renda consiste em acréscimo patrimonial, de caráter pessoal e cuja

tributação deve ser graduada segundo a capacidade econômica do contribuinte, respeitando os

critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade. A renda e os proventos de

qualquer natureza devem representar ganhos ou riquezas novas, que se condensam na ideia de

acréscimos patrimoniais, verificados num dado período de tempo, indo além do mínimo vital

e não acarretando tributação com efeito de confisco.

Como ensina Roque Antonio Carrazza:

O vocábulo renda, do Latim reditus (em Latim vulgar, rendita), que deriva de reddere, algo que se repete, passou, com o significado, primeiro, de algo

que se produz na terra e, depois, de qualquer riqueza nova, ao Italiano reddito, e daí ao Espanhol renta e ao Francês revenue. Seguindo na mesma trilha, renda em Inglês é income (come in), denotando aquilo que “entra”; em Alemão é Einkonamen, significando “ingresso” ou “entrada.267 (grifo do autor)

Destacamos, ainda, nos dizeres do ilustre jurista Roque Antonio Carrazza:

(...) renda e proventos de qualquer natureza são os ganhos econômicos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela combinação de ambos e aurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em seu patrimônio, num certo lapso de tempo.268

267 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 37 nota nº 23. 268 Ibid., p. 39.

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O imposto sobre a renda é o imposto pessoal mais conhecido e importante dentro do

Sistema Tributário Brasileiro269. A avaliação dos impostos pessoais é muito mais eficaz no

caso do imposto sobre a renda. O indivíduo possui renda270 – então, com as suas

características pessoais, com o seu patrimônio, é possível medir, com muito mais certeza, a

capacidade contributiva.

Sob a ótica da capacidade contributiva objetiva, a partir da leitura do texto

constitucional é possível ter em mente um conceito de renda. A Constituição Federal de 1988

dispõe sobre os pressupostos para a definição do conceito de “renda”, na medida em que o

substrato material-econômico, sobre o qual recai a incidência tributária, deve necessariamente

revelar riqueza do contribuinte, enquanto que a definição de “renda” é construída pela

legislação complementar, especificamente pelo Código Tributário Nacional, em seus artigos

43 e 44271.

Nesse ponto, cumpre trazer a baila as palavras de Roque Antonio Carrazza, ao tratar da

aplicação da capacidade contributiva nos impostos de caráter pessoal. Destaca o autor:

Importante destacar, ainda, que o legislador deve, enquanto descreve a norma jurídica instituidora dos imposto de caráter pessoal (v.g., do imposto sobre a renda), não só escolher fatos que exibam conteúdo econômico (capacidade contributiva objetiva), como atentar às desigualdades próprias das diferentes categorias de contribuintes. Noutras palavras, a norma jurídica deve trazer em seu bojo elementos suficientes para que, no momento da aplicação ao caso concreto, as especificidades econômicas de cada contribuinte, isoladamente considerado, sejam levadas em conta (capacidade

contributiva subjetiva). A própria Constituição Federal sinaliza neste sentido quando manda dispensar tratamento privilegiado às cooperativas (art. 146,

269 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1996, p. 438. 270 Cabe destaca que renda não é juridicamente o mesmo que rendimento. Sendo o rendimento qualquer ganho isoladamente considerado e a renda é o excedente de riqueza obtida pelo contribuinte após deduzidos os gastos necessários à sua obtenção e mantença. (CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil

constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 39). 271 Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. § 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.

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III, “c”, da CF), às microempresas e empresas de pequeno porte (art. 146, III, “d”, da CF) etc.272 (grifo do autor)

Como forma de melhor atender ao referido imposto, em atenção do primado da

igualdade e da capacidade contributiva, a Constituição da República prescreve a utilização

dos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade que significam,

respectivamente: (i) o tributo atinge qualquer pessoa que obtenha acréscimo patrimonial, (ii) a

exação alcança todas as rendas, ou seja, devem ser computadas todas as situações fáticas

relacionadas ao contribuinte que importem em aumento patrimonial, e (iii) quanto maior a

base de cálculo, maior a alíquota aplicada.

Assim, a generalidade diz respeito à abrangência dos sujeitos, de modo que todas as

pessoas que aufiram renda submetam-se à imposição tributária, sem privilégios e

discriminações. A generalidade é pressuposto da igualdade, porque proíbe ao legislador

manter fora do âmbito de incidência da norma pessoas que demonstrem ter a mesma

capacidade econômica dos contribuintes sujeitados ao imposto.

Por generalidade entendemos que todas as pessoas, independente de qualquer

condição, cor, raça, credo, sexo, estado civil, que realizem fatos em concreto, previstos em

abstrato na hipótese da lei, submetam-se à incidência de imposto, exceto quando alcançadas

por imunidades e nos casos previstos em lei.

Ricardo Mariz de Oliveira destaca:

Generalidade significa que o imposto deve tratar por igual todo e qualquer aumento patrimonial, independentemente dos tipos de renda ou de proventos que contribuam para a sua formação, além de dever ser independentemente de quaisquer outras circunstâncias externas ao contexto da hipótese de incidência.273

Conforme ensina Roque Antonio Carrazza ao explicar o artigo 153, §2º, I da

Constituição Federal:

(...) por generalidade entendemos que o imposto há de alcançar todas as pessoas que realizam seu fato imponível. E isto independentemente de raça, sexo, convicções políticas, credo religioso, cargos ocupados etc. Noutros

272 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 104-105. 273 OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 253.

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falares, este critério veda discriminação e privilégios entre os contribuintes. 274 (grifo do autor)

Em matéria de imposto sobre a renda, Roque Antonio Carrazza ainda explica que

poderá haver, sem prejuízo do critério da generalidade, incentivos e benefícios fiscais,

“destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes

regiões do país”. 275

A universalidade refere-se à globalidade da renda, não importando a origem, a

natureza ou o modo técnico de apropriação, isto é, o conjunto de elementos que integram o

patimônio do contribuinte. Com relação ao imposto sobre a renda, quanto ao princípio da

universalidade, o imposto deve alcançar todos os ganhos ou lucros, de quaisquer espécies ou

gêneros, obtidos pelo contribuinte no território brasileiro e, também no exterior, desde que

respeitados os acordos que visam a evitar a bitributação internacional.

Conforme ensina Roque Antonio Carrazza:

O critério da universalidade também impede que apenas uma parte dos rendimentos obtidos pelo contribuinte seja levada à tributação, ainda que isto possa revelar-se, na prática, socialmente justo e economicamente adequado, como ocorreria caso os salários menos expressivos não fossem alcançados pelo imposto em tela. Pelo contrário, a renda e os proventos de qualquer natureza devem ser visualizados como um todo, de sorte a desvendar o real acréscimo patrimonial experimentado pelo contribuinte durante o período aquisitivo. Mais: não pode haver impostos, dependendo do tipo de rendimentos auferidos, de sua proveniência ou da qualificação jurídica de quem os recebe. 276

Mary Elbe Queiroz acrescenta que:

Relativamente ao imposto sobre a renda, a universalidade impõe que a incidência do imposto deverá alcançar todas as ‘rendas’ e ‘proventos’, de qualquer espécie, independentemente de denominação ou fonte, que deverão ser considerados no seu conjunto. O sentido mais adequado é que a apuração da base de cálculo do imposto, que deverá ocorrer em um dado instante, abranja o total de rendimentos que for percebido em determinado período de tempo fixado na lei (periodicidade) como necessário para que se possa aferir a real capacidade contributiva dos sujeitos. 277

274 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 68. 275 Ibidem, p. 69. 276 Ibid., p. 69-70. 277 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, Barueri-SP: Manole, 2004, p. 37.

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Assim, na universalidade o imposto sobre a renda deve alcançar todos os ganhos e

lucros obtidos pelo contribuinte, em atenção ao princípio da igualdade e da capacidade

contributiva, não podendo escapar ainda que parte desses ganhos e lucros, para que haja uma

avaliação global da capacidade econômica do contribuinte em arcar com o pagamento de

impostos.

E a progressividade é a maneira e o modo indicados pela Constituição Federal para

tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Assim como a generalidade e a

universalidade, a progressividade no imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza

é de observância obrigatória, conforme expressamente determinado pelo artigo 153, §2º,

inciso I, da CF/88.

Pretendermos destacar que o artigo 153, §2º, inciso I, da CF/88, encerra norma

cogente, de observância obrigatória. Logo, a lei poderá regular o modo como se dará a

progressividade no imposto sobre a renda, mas não poderá deixar de aplicar a

progressividade, sendo esta uma exigência constitucional.

A progressividade é a única técnica que permite a personalização dos impostos, como

determina, expressamente, o artigo 145, §1º, da Constituição Federal de 1988. A

progressividade fiscal é consequente da igualdade e da capacidade contributiva, por exigir que

os contribuintes com maiores rendimentos recebam tratamento fiscal mais gravoso

comparando com os contribuintes de pequeno porte econômico, possibilitando, assim, a

personalização do imposto sobre a renda. Para Roque Antonio Carrazza:

(...) quem tem rendimentos mais expressivos deve ser proporcionalmente mais tributado, por via de IR, do que quem os tem menores. E não nos parece despropositado sustentar que quem tem parcos rendimentos, apenas suficientes para sobreviver (digamos, ganha salário mínimo), está imune a tal tributação. Por quê? Simplesmente porque o assalariado mínimo, por força do que estatui a Constituição, ganha o mínimo indispensável (mínimo

vital) para manter-se e a seus familiares. Sendo assim, não tem capacidade econômica de suportar qualquer ônus tributário.278 (grifo do autor)

Tratando-se, portanto, do imposto sobre a renda, quanto maior for a base de cálculo do

referido imposto (renda líquida auferida ou lucro obtido), maior terá que ser a alíquota

aplicável na determinação do quantum debeatur, atendendo-se, assim, a progressividade

fiscal.

278 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 71.

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A progressividade se refere ao critério quantitativo do consequente da regra-matriz de

incidência tributária, mais precisamente à alíquota, determinando que esta deva variar à

medida que aumenta a base de cálculo.

O texto supremo impõe as diretrizes da capacidade contributiva relativa à tributação

em geral e, especificamente, ao imposto sobre a renda nos termos do disposto no artigo 153,

§2º, inciso I, da CF/88, e que, por isso, devem ser seguidas e implementadas pelo legislador

infraconstitucional ao definir a base de cálculo da exação. Nesse ponto, a lei poderá regular

como se dará a progressividade no referido imposto, mas nunca poderá deixar de aplicar esta

exigência determinada constitucionalmente.

Desse modo, os critérios da universalidade, generalidade e progressividade assumem

relevante papel na confirmação do conceito de renda, uma vez que impõem limitações para a

demarcação das situações fáticas que determinarão o acréscimo patrimonial, bem como na

fixação do quantum tributário a ser suportado pelo contribuinte, tudo com o intuito de

finalizar uma tributação justa e igualitária. Tais critérios, conjugados, imprimem caráter

pessoal ao imposto sobre a renda, graduando-o de acordo com a capacidade econômica dos

contribuintes, nos termos do disposto no artigo 145, §1º, da CF/88, e atuando como forma de

melhor distribuição da carga tributária, em atenção a uma tributação justa.

Considerando mais especificamente o tema em estudo, pode-se verificar que o referido

imposto deve obedecer a capacidade contributiva e que, para tanto, deve ser progressivo,

sendo esta progressividade fiscal.

A questão que se apresenta, então, é a possibilidade de determinar o número de

alíquotas necessárias para a caracterização da progressividade, ou seja, a quantidade de

alíquotas necessárias para que se alcance a devida progressividade das alíquotas do imposto

em atenção à justiça tributária.

Geraldo Ataliba, ao tratar do assunto esclarece que, “para obedecer-se ao princípio da

progressividade, as alíquotas do imposto sobre a renda devem ser inúmeras, desde um

percentual baixo (p. ex.: 5%) até um teto (p. ex.: 60%)”.279 Tal análise se faz necessária sob

pena de colocar em situação de igualdade, contribuintes com realidades patentemente

distintas.

279 ATALIBA, Geraldo. Repostas Sintéticas às Questões. (VI Congresso de Direito Tributário – Texto dos Expositores). In: Revista de Direito Tributário, nº 60, p. 44.

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131

A progressividade consiste em aumentar a alíquota conforme aumenta a base de

cálculo do imposto. Assim, quanto maior for a quantidade de alíquotas, maior será o respeito

ao princípio da capacidade contributiva no imposto sobre a renda, ou seja, a progressividade é

o corolário e modo de realização dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, no

direito tributário. Tem o seu fundamento na busca da harmonia fiscal e social, na medida em

que procura equilibrar as desigualdades sociais. O substrato deste princípio reside em fazer

com que os que tenham mais, os que podem arcar com um maior ônus na distribuição da

carga tributária, contribuam com o pagamento de mais imposto.

4.4.1 Pessoa física

No caso do imposto de renda pessoa física, a alíquota do imposto, até o ano de

1987280, era de fato progressiva, variando de 5% até 50%, dependendo do valor da renda

líquida. Tais alíquotas progressivas incidiam sobre cada faixa de renda de sorte que no cálculo

do imposto, as diversas alíquotas progressivas eram aplicadas.

Com a Lei nº 7.713/1988, alterada pela Lei nº 9.250, de 26/12/1995 (artigo 3º), tais

alíquotas foram substituídas por apenas duas: 15% (quinze por cento) e 25% (vinte e cinco

por cento).

Relativamente aos fatos geradores ocorridos durante os anos-calendário de 1998 e

1999, conforme dispõe a Lei nº 9.532/1997 em seu artigo 21, com vigência prorrogada pela

Lei nº 9.887/99 para os fatos geradores ocorridos até o ano-calendário de 2002, a alíquota

incidente no imposto sobre a renda da pessoa física era de 0% (alíquota zero), 15% (quinze

por cento) e 27,5% (vinte e sete e meio por cento).

A partir de 1º de janeiro de 2009, por força da Medida Provisória nº 451/2008281,

convertida na Lei nº 11.945/2009, foi instituído no Brasil cinco alíquotas para o IRPF: 0%,

7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%, oferecendo, ainda assim, pouca versatilidade para o contribuinte.

Observamos que atualmente (ano-calendário de 2013), aquele contribuinte que recebe

acima de R$ 4.271,59282 por mês está submetido à alíquota de 27,5%. Ora, o contribuinte que

280 Lei nº 7.450, de 23 de dezembro de 1985 - Altera a legislação tributária federal e dá outras providências. 281 Medida Provisória 451, de 15.12.2008 que em seu artigo 15 alterou os incisos III e IV do art. 1º da Lei nº 11.482, de 31.5.2007.

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132

recebe R$ 4.271,59 por mês está na mesma situação do contribuinte que recebe por mês R$

100.000,00. Conforme anteriormente exposto, a Constituição Federal determina, pelo

princípio da igualdade, que os indivíduos sejam tratados de forma igual na medida de sua

igualdade, ou seja, estando na mesma situação. No exemplo dado, os contribuintes

encontram-se na mesma situação? Não haveria a necessidade de haver uma diferenciação pela

situação em que cada um se encontra? Parece-nos que sim.

O próprio artigo 145, §1º, da CF/88 prevê a necessidade de graduação dos impostos

conforme a capacidade econômica do contribuinte, significando dizer, portanto, pela

necessidade de se aplicar devidamente a progressividade nos impostos. E, no imposto sobre a

renda, a progressividade ocorrerá na medida em que quanto maior a renda líquida do

contribuinte, maior a alíquota que este deverá suportar.

Podemos verificar que a existência, atualmente, de cinco alíquotas sobre valores

pequenos e muito próximos entre si é inviável para suprir os rendimentos mensais possíveis

das pessoas físicas, em desatendimento ao primado da igualdade na tributação.

Contrário a este entendimento, Luciano Amaro entende que a tabela com duas ou três

alíquotas seria progressiva, pois em verdade preveria “um número infinitamente grande de

alíquotas, porque a alíquota que implementa a progressividade é a alíquota referida à renda de

cada contribuinte e não os pedaços da renda de cada contribuinte”. Todavia, mais adiante

afirma referido jurista que “progressiva ela é; o que realmente ocorre é que ela é muito

rapidamente progressiva”.283

De fato, a tabela que prevê cinco alíquotas conduz a várias alíquotas efetivas. No

entanto, como as alíquotas são poucas, a diferença de tributação entre os rendimentos

submetidos à alíquota máxima será pequena, reduzindo-se à medida que os valores

aumentam. A existência de cinco alíquotas ainda é muito pouco considerando todo o universo

de rendimentos mensais que as pessoas físicas podem auferir.

O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas será

calculado de acordo com tabela progressiva anual, correspondente à soma das tabelas

progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

282 Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/ContribFont2012a2015.htm>. Acesso em: 10 ju. 2013. 283 AMARO, Luciano. Imposto sobre a Renda (VI Congresso de Direito Tributário – Mesa de Debates) in Revista de Direito Tributário, nº 60, p. 216-7.

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133

Mas este sistema de alíquotas só aparentemente atende ao critério da progressividade

do imposto sobre a renda da pessoa física, tendo em vista que a partir de certo patamar de

renda, a progressividade dita por faixas deixa praticamente de existir, ou seja, a partir de uma

renda anual de R$ 51.259,08284, as alíquotas acabam por praticamente coincidir.

Roque Antonio Carrazza, faz a comparação e ensina:

Atualmente (ano-calendário 2013), por força da Lei 12.469, de 26.8.2011, que acrescentou um inciso VII ao art. 1º da Lei 11.482, de 31.5.2007, há no Brasil cinco alíquotas para o IRPF: a) 0% (alíquota zero) para quem tem rendimentos mensais de até R$ 1.710,78; b) 7,5% para quem obtem rendimentos mensais entre R$ 1.710,79 e R$ 2.563,91; c) 15% para quem experimenta rendimentos mensais entre R$ 2.563,92 e R$ 3.418,59; d) 22,5% para quem aufere rendimentos mensais entre R$ 3.418,60 e R$ 4.271,59; e e) 27,5% para quem tem rendimentos mensais superiores a R$ 4.271,59. Já é uma tentativa, tíbia embora, de imprimir-se ao IRPF caráter pessoal, graduando-o de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes. Escrevemos “tíbia” porque cinco alíquotas e, ainda por cima, sobre valores pequenos e extremamente próximos entre si é, segundo estamos convencidos, muito pouco para abarcar, de modo satisfatório, o universo de rendimentos mensais possíveis das pessoas físicas. Ademais, tal “equiparação” agride o próprio princípio da isonomia, já que, nos rendimentos mensais superiores a R$ 4.271,60, pessoas em situações econômicas diversas são tributadas sob a mesma alíquota de 27,5%.285 (grifo do autor)

Como vimos, a progressividade no IR pode ser verificada pela variação das faixas de

renda tributável, o que se dará mediante a indicação de alíquotas para cada uma das faixas.

Ainda, a progressividade do IRPF pode ser mais bem atendida mediante a indicação das

deduções admitidas. Tais indicadores devem ser considerados pelo legislador

infraconstitucional de forma a aplicar a sistemática da progressividade estabelecida pelo Texto

Constitucional, visando à devida exigência do referido imposto em atenção ao princípio da

capacidade contributiva e da igualdade, buscando uma tributação com caráter pessoal, de

forma a alcançar a justiça fiscal.

Nas palavras de Roque Antonio Carrazza:

284 Tabela Progressiva para o cálculo anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física para o exercício de 2014, ano-calendário de 2013. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/TabProgressiva2012a2015.htm>. Acesso em: 10 set. 2013. 285 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 136-137.

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134

(...) para que a progressividade no imposto sobre a renda se cumpra, é preciso, ainda, que a lei autorize às pessoas que têm rendimentos, certas deduções que lhes garantam a subsistência e a de seus dependentes: deduções com alimentação, com vestuário, com lazer, com instrução, com tratamento médico e assim por diante. Do contrário, o imposto deixa de ser sobre a renda e passa a ser sobre rendimentos. Ora, a Constituição não deu à União competência para criar imposto sobre rendimentos. Aliás, o imposto sobre rendimentos é um imposto inconstitucional, porque não atende aos reclamos instantes do princípio da capacidade contributiva.286

Ao exemplificar tal assertiva, Roque Antonio Carrazza complementa:

Admitamos que duas pessoas trabalhem numa mesma empresa e ganhem o mesmo salário. A primeira é solteira, não tem filhos, goza de boa saúde; a outra é casada, tem filhos em idade escolar e, o que é pior, a sogra doente e sem recursos mora em sua companhia. Pois bem, esse último contribuinte, se não puder deduzir as despesas necessárias, estará sendo tributado desigualmente, porque seu imposto não será, no caso, sobre a renda, mas sobre rendimentos, e imposto sobre rendimentos – repito – no Brasil é inconstitucional, porque não atende ao princípio da isonomia.287

As deduções permitidas ao imposto sobre a renda atenuam a progressividade, mas não

podemos dizer serem suficientes para que se alcance o devido respeito à capacidade

contributiva. A aplicação da parcela a deduzir à alíquota nominal, enseja a verificação da

alíquota efetiva do imposto, o que leva o IRPF a melhor atender o critério da progressividade,

mas de qualquer forma, a partir de certo patamar a alíquota efetiva acaba sendo a mesma.

A esse respeito, cabe destacar exemplo de Paulo Ayres Barreto, apresentado por Roque

Antonio Carrazza288 ao tratar da progressividade no IRPF:

Paulo Ayres Barreto (“O imposto sobre a renda: pessoa física, pessoa jurídica e regime de fonte”, Curso de Iniciação em Direito Tributário, p. 129) apresenta-nos tabela que comprova que, a partir da remuneração mensal de R$ 30.000,00, as alíquotas do IRPF acabam sendo praticamente as mesmas:

Remuneração (R$) Alíquota nominal (%) Alíquota efetiva (%)

6.000,00 27,5 20,4 30.000,00 27,5 26,1

100.000,00 27,5 27,1

1.000.000,00 27,5 27,46

286 CARRAZZA, Roque Antonio. A progressividade na ordem tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros Editores, nº 64, 1994, p. 52. 287 Ibidem, p. 52. 288 Idem. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 97, nota nº 41.

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135

Assim, no IRPF é imperioso que a legislação permita o abatimento, da base de cálculo,

das despesas necessárias, próprias ou de seus dependentes econômicos, à moradia, à

preservação ou recuperação da saúde, ao vestuário, ao transporte, e assim por diante. Cabe, no

entanto, destacar que tais deduções devem levar em consideração a realidade. Ora, os valores

dedutíveis com educação, por exemplo, são extremamente baixos e não condizem com a

realizade do custo de uma educação em escolas de bom nível em nosso País. Esta parcela a

deduzir, aplicada à alíquota nominal, remete à aplicação da progressividade no IRPF. Mas de

qualquer forma, a partir de certo montante, a alíquota efetiva do imposto acaba sendo a

mesma.

Reiteramos que o referido imposto deve permitir as deduções que garantam a

subsistência do contribuinte e de seus dependentes, sob pena de tornar-se um imposto sobre

receitas brutas (sem que haja a subtração da renda global, dos gastos necessários do

contribuinte e de sua família), ferindo o princípio da igualdade e da capacidade contributiva.

Dessa maneira, verificamos que a Lei Maior garante especial proteção à família (art.

226), portanto, o IR deve ser dosado de modo a não atingir as despesas necessárias à plena

assistência aos cônjuges ou conviventes, bem como à criação e educação de filhos menores ou

dependentes.

A esse respeito, Betina Treiger Grupenmacher destaca:

(...) para fins de delimitação do mínimo existencial importante ressaltar, que a Constituição brasileira assegura a todos o direito à saúde, educação, moradia, previdência e assistência social. Tais prestações são deveres do Estado e quando suportadas pelo contribuinte devem ser integralmente dedutíveis do Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), haja vista que a tributação sobre estes custos traduz-se em concreta afronta ao princípio da capacidade contributiva.289

O que se verifica é que a progressividade diz respeito à necessidade de graduação das

alíquotas em função da alteração da matéria tributável, visando o tratamento igual entre as

pessoas, de forma a tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, permitindo,

desta forma, a personalização dos impostos, conforme dispõe o artigo 145, §1º da

Constituição Federal, já que compele o legislador a considerar as necessidades e

289 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro (Cadernos IDEFF Internacional) – Coimbra: Edições Almedina, 2012, p. 49.

Page 136: Carolina Rocha Malheiros.pdf

136

características de cada contribuinte, reduzindo as diferenças nas situações isoladamente

consideradas.

É exatamente a progressividade que permite ao legislador aliviar, substancialmente, a

carga tributária dos mais pobres290. E a maneira de demonstrar a aplicação da progressividade

de forma a tornar o imposto cada vez mais pessoal, será por meio de elevação das alíquotas

incidentes de acordo com as diversas faixas de renda.

Conforme ensina Aliomar Baleeiro:

É exatamente a tributação progressiva, graduada de acordo com a capacidade econômica de cada contribuinte, que permite, recomenda e viabiliza o benefício atribuído àqueles que, pela idade avançada, condições de saúde e perda da capacidade de ganho, merecem tratamento fiscal mais suave. 291

A progressividade das alíquotas do imposto sobre a renda faz com que o imposto seja

cada vez mais personalizado, respeitando o princípio da capacidade contributiva. É nesse

sentido que Mary Elbe Queiroz acrescenta:

Em relação à pessoalidade, à progressividade, à generalidade, à universalidade e à capacidade contributiva, é relevante, ainda, salientar a respectiva afronta consagrada por meio de tributação definitiva e em separado dos demais rendimentos, com base em alíquotas fixas e, em alguns casos, até mesmo inferiores às da tabela progressiva.292

A complexidade da legislação do imposto sobre a renda tem por fim tornar o imposto

mais justo, ou seja, mais pessoal. O presente estudo não visa à análise da legislação

infraconstitucional, mas tão somente toma como base as premissas constitucionais. De todo

modo, apesar de todas as alterações na legislação tributária federal, ainda assim o imposto

sobre a renda das pessoas físicas está longe de encontrar os princípios fundamentais da

pessoalidade e progressividade ideais.

290 Roque Antonio Carrazza destaca que “a tributação por via de imposto de renda deve, pois, deixar intocado o mínimo vital do contribuinte, isto é, aquela porção de riqueza que lhe garante, e a seus dependentes, uma existência digna de um cidadão”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário.

29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 142). 291 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 294. 292 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, Barueri-SP: Manole, 2004, p. 376.

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137

Verifica-se, portanto, que a progressividade busca alcançar o valor da redistribuição de

riquezas. Neste sentido, Gustavo Sampaio Valverde, analisando o preâmbulo do Texto

Constitucional, bem como os incisos I e III de seu artigo 3º, conclui:

De uma análise sistemática da Constituição emergem diversos valores que justificam a instituição de alíquotas progressivas para o Imposto de Renda com vista a promover a redistribuição de riquezas na sociedade. É precisamente isso que justifica a progressividade nesse caso.293

Ainda cumpre destacar que não se justifica o argumento de que, proporcionalmente, o

valor que cada um assume é diferente, pois, apesar de numericamente maior, o peso

proporcional do imposto sobre a renda torna-se menor em relação aos que possuem maior

acréscimo patrimonial.

Verificamos que existe uma tentativa efetiva de se imprimir a progressividade ao

imposto sobre a renda, mas que ainda deve ser aperfeiçoada. Esta análise leva-nos a sustentar

pela necessidade de serem multiplicadas as alíquotas do IRPF, distribuindo a carga tributária.

Os rendimentos tributáveis que levam a cinco faixas de alíquotas de imposto sobre a renda da

pessoa física (0%, 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%), não conseguem medir a real capacidade

contributiva dos contribuintes nem conferir as respectivas peculiaridades pessoais, o que

resulta, ao invés de igualdade, em distorções e injustiças fiscais, onerando exatamente aqueles

com menor capacidade de contribuir.

4.4.1.1 Retenção na fonte

No imposto de renda retido na fonte (IRRF) as pessoas físicas têm seus rendimentos

sujeitos à tributação do imposto sobre a renda retido pela fonte pagadora, a qual é responsável

pela retenção do imposto, de acordo com as alíquotas aplicáveis pela tabela progressiva

mensal, e repasse aos cofres públicos, sob pena de caracterizar crime de apropriação

indébita.294

293 VALVERDE, Gustavo Sampaio. O Princípio da Progressividade na Constituição Federal. Congresso Brasileiro de Direito Tributário, XV. IDEPE. São Paulo: IDEPE, 2001, p. 187. 294 Artigo 11 da Lei nº 4.357, de 16 de julho de 1964.

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Destacamos que na retenção na fonte, o contribuinte continua sendo a pessoa que

obteve a renda, sendo o responsável pela retenção do imposto apenas um terceiro encarregado

por lei a repassar o imposto retido aos cofres federais.

A incidência na fonte do IR, prevista nos artigos 157, inciso I, e 158, inciso I295, ambos

da CF/88, é a antecipação do pagamento do imposto de renda pelo sujeito passivo que deverá,

ao final do ano calendário, apurar o valor recolhido e realizar o ajuste necessário, podendo

referido ajuste gerar um imposto a pagar ou mesmo uma restituição do imposto recolhido a

maior.

Roque Antonio Carrazza ao tratar do assunto, revela:

Havendo lei autorizadora, porém, o recolhimento do IR pode dar-se no curso do período de aquisição, ou seja, antes de ultimada a ocorrência do fato

imponível. Tal recolhimento antecipado verifica-se mediante retenção na

fonte (pelo substituto) ou pagamento espontâneo (efetuado pelo próprio contribuinte). Depois, por ocasião do ajuste anual (Declaração Anual de Rendimentos) haverá compensação com o débito do imposto devido no exercício e, quando for o caso, restituição do montante a maior antecipado.296 (grifo do autor)

O que se verifica com o IRRF é que apesar de respeitar a tabela progressiva, acaba por

não atender a progressividade efetivamente, tendo em vista que o imposto é retido com base

em parcela do acréscimo patrimonial e não sobre a sua totalidade no respectivo ano-base.

A esse respeito Roque Antonio Carrazza, ao tratar da progressividade, faz uma crítica

à tributação do imposto de renda exclusivamente na fonte na medida em que:

O imposto sobre a renda não comporta tributação em operações isoladas que possam ser praticadas pelo contribuinte. Dito de outro modo, não pode levar em conta senão a totalidade dos resultados de suas atividades, quer se traduzam em aplicações financeiras, quer decorram de outros desempenhos, operacionais ou não, que o contribuinte venha a realizar. (...)

295 Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal: I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; Art. 158. Pertencem aos Municípios: I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; 296 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 43, nota nº 34.

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Melhor explicando, a técnica consistente em tributar exclusivamente na fonte os rendimentos auferidos numa única operação jurídica atropela o comando constitucional de que a base de cálculo do imposto sobre a renda deve levar em conta a totalidade dos resultados alcançados pelo contribuinte em cada período de apuração.297 (grifo do autor)

Verificamos, portanto, que a tributação na fonte acaba por tributar meros ingressos,

deixando de considerar a real existência de acréscimo patrimonial obtido pelo contribuinte

naquele ano-base, e, por conseguinte, impossibilitando o efetivo atendimento ao princípio da

capacidade contributiva e da progressividade na tributação.

Esta situação deve ser regularizada mediante a compensação quando vier a ser apurada

a renda líquida anual do contribuinte, quando da ocorrência do respectivo ajuste anual, visto

que a base de cálculo do imposto sobre a renda deve considerar o acréscimo patrimonial

global, devendo, neste momento, ajustar-se aos princípios tributários da capacidade

contributiva e do não confisco.

4.4.2 Pessoa jurídica

Como vimos, o imposto sobre a renda deve ter por hipótese de incidência o fato de

uma pessoa, em razão do trabalho, do capital ou da combinação de ambos, obter rendimentos

líquidos dentro de um determinado período. Para a pessoa jurídica, este rendimento líquido é

denominado de lucro.

Assim, a base de cálculo possível do IRPJ é o lucro, que representa receitas menos

custos e despesas, obtido durante o exercício financeiro ou, conforme previsão em lei, em

período menor. Referido lucro é apurado pela contabilidade da empresa, sendo tais registros

lançados nos livros e documentos próprios, conforme previsão legal.

Tratando-se, portanto, da pessoa jurídica, somente enquanto validamente a mesma

aufere lucros (variação patrimonial positiva), poderá ser tributada pelo imposto sobre a renda,

sendo a referida carga tributária maior, a medida que maior for o lucro obtido pela pessoa

jurídica, ou mesmo não haverá a tributação pelo IRPJ se a empresa não obtiver lucro naquele

período.

297 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 125, nota nº 76.

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Podemos verificar, portanto, que o lucro é o índice da capacidade contributiva no

imposto sobre a renda da pessoa jurídica.

A aplicabilidade da capacidade contributiva no IRPJ se verifica ao estabelecer a

variação da carga tributária em razão do lucro auferido pela pessoa jurídica, e, ainda, pela

possibilidade de isenção na tributação do IR sobre o lucro destinado a investimentos ou

mesmo sobre o lucro distribuído aos sócios, uma vez que já teria sido tributado pela pessoa

jurídica.298

Há que se considerar, inclusive, a possibilidade de dedução dos custos, gastos e

despesas inerentes à manutenção da empresa, sendo somente após verificado o resultado

positivo.

Ainda, não pode ser objeto de tributação as indenizações recebidas, que apenas

recompõem o patrimônio da empresa lesada. Submeter indenizações sofridas pela pessoa

jurídica à tributação pelo imposto sobre a renda é impor à empresa sacrifícios econômicos

superiores à sua capacidade contributiva, por ensejar a tributação sobre ingresso que não

incorpora o patrimônio da pessoa jurídica, ou seja, a tributação neste sentido levaria em conta

valores que não compõem o lucro da empresa.

Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza, ao tratar do princípio da capacidade

contributiva no imposto sobre a renda da pessoa jurídica, aduz:

(...) o princípio da capacidade contributiva está a exigir que também no IRPJ o contribuinte deduza da base de cálculo do tributo o montante de imposto pago antecipadamente, as despesas com vale-transporte, as despesas com o Programa de Assistência ao Trabalhador/PAT, e assim por diante. Assim, a lei de regência do IRPJ não pode, sob pena de incontornável inconstitucionalidade, transformar em matéria tributável indenizações recebidas, que apenas recompõem o patrimônio da empresa lesada; tampouco perdas sofridas (ou parte delas), que lhe acarretaram diminuição patrimonial; ou, ainda, créditos (ou parte deles) que, embora vencidos, não foram satisfeitos pelos deveres ou cuja realização se mostre incerta. Realmente, submeter indenizações, perdas sofridas ou créditos de liquidação duvidosa à tributação por meio de IRPJ é impor à empresa sacrificios

298 Conforme esclarece Roque Antonio Carrazza: “a legislação determina venham excluídos, dos rendimentos tributáveis das pessoas físicas, os resultados econômicos obtidos pelas empresas de que são titulares. Para que se compreenda: o imposto atinge apenas a renda da sociedade; seus resultados positivos, atribuídos aos sócios ou acionistas, sob a forma de lucros ou dividendos, não são alcançáveis pelo IRPF. Esta sistemática é elogiável, porque evita dualidade de incidências – o que implicaria, em termos econômicos, bis in idem. Integrando-se a tributação da empresa e da pessoa física, o IR recolhido pela primeira torna-se uma antecipação do montante devido pela última – e, com isso, fecha-se a porta da fraude, nem sempre fácil de ser apurada”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 51).

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econômicos superiores à sua capacidade contributiva, que fatalmente levam ao comprometimento de seu patrimônio – o que é vedado pela Constituição Federal.299 (grifo do autor)

Assim, o imposto deve ser recolhido sobre o efetivo lucro da pessoa jurídica. Referido

lucro é apurado aplicando-se acréscimos e deduções previstas na legislação para que se

verifique o efetivo acréscimo patrimonial obtido pela pessoa jurídica. E isso em razão de que

apenas o patrimônio novo (lucro = resultado positivo) pode compor a base de cálculo do IRPJ,

sendo este patrimônio verificado mediante a comparação do balanço de um período e do

imediatamente anterior, apresentado pela pessoa jurídica.

Nesse sentido, as pessoas jurídicas e as pessoas físicas a elas equiparadas,

domiciliadas no País, deverão apurar o IRPJ com base no lucro tributável que poderá ser real,

presumido ou arbitrado300, sendo tributado à alíquota de 15% sobre o lucro apurado (sendo

referida alíquota vigente desde o ano-calendário de 1996), com adicional de 10% sobre a

parcela do lucro que exceder R$ 20.000,00 / mês.301

Significa dizer que as alíquotas no IRPJ também devem atenção ao critério da

progressividade e, consequentemente, ao atendimento do princípio da capacidade

contributiva. Ocorre que, como se verifica, a referida alíquota de 15% sobre o lucro obtido no

período de apuração é única para todas as pessoas jurídicas, havendo um adicional de 10%,

levando à conslusão que a progressividade não é aplicada plenamente, visto sua limitação à

apenas esta faixa de alíquota, independentemente do lucro experimentado pela pessoa

jurídica. 299 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 143. 300 Cabe destacar a diferente de lucro real, presumido e arbitrado, exposto de forma clara por Roque Antonio Carrazza: “o lucro, para fins de tributação por meio de IRPJ, é sempre real, embora em determinadas circunstâncias seu montante possa ser arbitrado, desde que se faculte à empresa demonstrar, pelos meios em Direito admitidos, qual foi, no período de apuração, seu efetivo acréscimo patrimonial (que levará ao cálculo correto do montante do tributo devido) ou, até, que ele inexistiu (hipótese em que nada deverá pagar, a este título). Melhor dizendo, o contribuinte cuja estrita fiscal apresenta-se imprestável, atrasada ou inexistente terá contra si lavrado auto de infração e será tributado pelo lucro arbitrado, podendo, todavia, enquanto não se tornar definitivo o lançamento, regularizar as demonstrações contábeis, de modo a recolher o imposto em consonância com a renda realmente obtida. Por outro lado, situações há em que, por opção do contribuinte que atende aos requisitos legais, a tributação em tela se perfaz sobre o montante presumido de sua renda, também chamado lucro presumido. O quantum debeatur, no caso, é calculado aplicando-se, à receita bruta anual da empresa, coeficientes legalmente definidos, que variam conforme a natureza da atividade por ela realizada. Salientamos, porém, que, conquanto apta a vir tributada com base no lucro presumido, a pessoa jurídica não pode ser impedida de recolher o imposto pelo lucro real ou de eximir-se de tributação demonstrando haver sofrido prejuízos no ano-calendário. Também não pode ter negada, ainda que pela lei, a possibilidade de, a qualquer tempo, retratar-se da opção”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e

temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 104-105). 301 Lei nº 9.249, de 1995 (artigo 3º, caput e §1º).

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142

Em outros dizeres, não será uma alíquota o suficiente para dizer respeitado o caráter

progressivo do IRPJ, graduando-o de acordo com a capacidade econônica da empresa, em

afronta aos ditames constituionais que não se limitam aos contribuintes pessoas físicas.

Ao tratar do assunto, Roque Antonio Carrazza destaca exemplo de Paulo Ayres

Barreto:

A título exemplificativo, a pessoa jurídica que aufere um lucro de R$ 1.000.000,00, num determinado ano, estará sujeita à alíquota efetiva de 24,8%. Se o lucro for de R$ 10.000.000,00, a alíquota real será de 24,98%, se for de R$ 100.000.000,00, a alíquota será de 24,99%. Dessa forma, indaga-se: está atendida a pregressividade do imposto? Jamais se poderia admitir que o acréscimo de uma casa decimal na alíquota refletiria efetiva progressividade, de tal sorte que a resposta a esta indagação só pode ser negativa.302

Referido exemplo nos faz notar que as grandes empresas auferidoras de lucros

exorbitantes supotam, proporcionalmente, a mesma carga tributária, no que tange ao imposto

sobre a renda, se compararmos com as empresas de porte menor e com lucros reduzidos.

Podemos confirmar, portanto, que o IRPJ da forma como hoje aplicado, deixa de

obedecer ao critério da progressividade e, via de consequencia, ao princípio da capacidade

contributiva e da igualdade.

Não há, todavia, meios para determinar precisamente quantas alíquotas seriam

necessárias para realizar, à perfeição, o valor da redistribuição das rendas e atender à

progressividade. Necessário se faz que sejam criadas novas alíquotas, de modo que o imposto

sobre a renda seja cada vez mais pessoal, respeitando, assim, o princípio da capacidade

contributiva, para que se possa realizar a tributação de modo progressivo.

4.5 Imposto sobre produtos industrializados

O Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), de competência da União, nos termos

do artigo 153, inciso IV,303 da Constituição Federal de 1988, é utilizado como forma de

equalização do preço das mercadorias estrangeiras com as nacionais, incidindo sobre a

302 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). 3ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 107-108. 303 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: IV - produtos industrializados;

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143

produção e a circulação do produto industrializado. Trata-se de um tributo não-cumulativo304,

nos termos do artigo 153, §3º, II,305 da Constituição Federal de 1988, visto que haverá a

compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações

anteriores.

Nos termos do artigo 153, §1º306 da CF/88, é facultado ao Poder Executivo, atendidas

as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas do referido imposto,

mediante lei ordinária.

Destacamos que o referido artigo 153, §1º, da CF/88, permite ao Poder Executivo

alterar as alíquotas do imposto, e não estabelecê-las, de forma a adequá-las aos critérios da

justiça fiscal e, no caso do IPI, ao princípio da seletividade.

Nesse ponto uma das críticas do jurista Roque Antonio Carrazza, ao aduzir que o

“Executivo não pode sequer fixar as alíquotas do imposto sobre a importação, do imposto

sobre a exportação, do IPI e do IOF. O que pode é muito menos: apenas variar, entre um piso

e um teto, as alíquotas já fixadas pela lei”.307

Em razão de sua função extrafiscal, de maneira a impulsionar a produção interna do

País, a Constituição Federal de 1988 lhe atribui regime jurídico tributário próprio, diante da

aplicação de alíquotas seletivas em função a essencialidade dos produtos. O cumprimento da

seletividade no IPI se dá mediante a variação de alíquotas, conforme estabelece o artigo 153,

§3º, I,308 da Constituição Federal de 1988, em função da essencialidade do produto. Isto quer

dizer que o IPI deve ter alíquotas diferentes em razão da essencialidade do produto sobre o

304 Paulo de Barros Carvalho ao tratar do princípio da não-cumulatividade aduz que: “impõe técnica segundo a qual o valor de tributo devido em cada operação será compensado com a quantia incidente sobre as anteriores, mas preordena-se à concretização de valores como o da justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva e uniformidade na distribuição da carga tributária sobre as etapas de circulação e de industrialização de produtos”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 220). 305 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) IV - produtos industrializados; (...) § 3º - O imposto previsto no inciso IV: (...) II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; 306 Art. 153. (...)§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. 307 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 335. 308 Art. 153. (...) § 3º - O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;

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144

qual incide. Ou seja, as alíquotas devem ser inversamente proporcionais à essencialidade dos

produtos.

Eduardo Domingos Bottallo esclarece que o IPI:

Vem sendo utilizado como instrumento de ordenação político-econômica, seja favorecendo a realização de operações havidas por necessárias, úteis ou convenientes à sociedade, seja dificultando, por meio de incidências mais pesadas, a prática de outras, que não se mostrem capazes de ir ao encontro do interesse coletivo.309

Assim, quanto mais essencial o produto, menor deverá ser a alíquota a incidir e,

consequentemente, o imposto e vice-versa.

Hugo de Brito Machado310 esclarece que, para atingir esse objetivo da aplicação da

seletividade em razão da essencialidade do produto no IPI, a legislação ordinária adota uma

tabela de classificação dos produtos, denominada de Tabela de Incidência do Imposto sobre

Produtos Industrializados – TIPI. Pela referida tabela, as alíquotas do imposto variam de 0 a

300, sendo esta alíquota mais elevada incidente sobre o cigarro. Contudo, verificamos que o

princípio da seletividade nem sempre é observado, em razão da grande quantidade de

produtos com alíquota zero.

As alterações de alíquotas nos produtos denunciam as vontades políticas por detrás das

escolhas, que são indicadas na TIPI. Conforme destaca Paulo de Barros Carvalho, o sistema

da TIPI está “aparelhado para classificar os produtos de acordo com as avaliações nacionais,

em que a estimativa específica dos bens é sopesada em função do papel que seu

aproveitamento representa para a sociedade brasileira, num dado momento histórico”.311

Na TIPI estão os fatores de distinção dos produtos, fundados no valor de sua

essencialidade, apurado pelo mecanismo da seletividade, propiciando aferir o índice de

utilidade social e pessoal do produto.

A seletividade é, portanto, aplicada na medida em que o montante exigido deve ser

inversamente proporcional à essencialidade do produto. Significa dizer que a variação da

309 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 53. 310 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 351. 311 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário Linguagem e Método. 2ª Edição. São Paulo: Noeses, 2008, p. 614.

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145

alíquota no IPI se dá mediante a essencialidade do produto, não sendo, portanto, aferível e

graduada pela maior ou menor capacidade contributiva do indivíduo.

Cabe destacar que ao aplicar a seletividade no IPI, não há que se falar na adequação à

progressividade. Coaduna com esse entendimento Roque Antonio Carrazza, ao esclarecer:

Com exceção daqueles poucos impostos (como o ICMS e o IPI) cujas regras-matrizes constitucionais os incompatibilizam com a progressividade, todos os demais devem ser progressivos, para que se possam ter caráter pessoal e ser graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes.312 (grifo do autor)

Constata-se que a seletividade de alíquotas do IPI não remete a noção de capacidade

contributiva, visto que não é verificável para a apuração do imposto a manifestação efetiva de

riqueza do contribuinte de direito neste imposto tido como indireto, mas um enfoque

puramente econômico do consumidor final (contribuinte de fato) decorrente da essencialidade

do produto.

E isso em razão da seletividade do IPI não levar em conta os interesses do produtor

(contribuinte de direito), mas os do consumidor final (contribuinte de fato), por favorecer os

consumidores finais, que são os que, de fato, suportam a carga econômica do imposto.

Nesse sentido são as lições de Elizabeth Nazar Carrazza:

Nos chamados impostos sobre o consumo, em que o encargo econômico (do imposto) é repassado para o preço final do produto ou da mercadoria, não se leva em conta a capacidade contributiva (do contribuinte de direito). Neles, a própria Constituição Federal busca a igualdade de todos, com a igualação das situações consideradas injustas pelo sistema jurídico, através da seletividade (que é um instrumento de que se vale para aplicação do princípio da igualdade genericamente considerado, por força do qual os mais fracos merecem a proteção do Estado e do Direito).313

No IPI, a seletividade é um mecanismo de controle da tributação de forma a não

onerar o consumidor final dos produtos industrializados essenciais, atendendo à justiça

tributária ao buscar a igualdade e o atendimento às necessidades básicas dos indivíduos. Por

312 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 99, nota nº 57. 313 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 107.

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146

isso que sobre produtos essenciais deve haver um tratamento fiscal brando, ou mesmo a

exoneração tributária.

Cabe ponderar as lições de Julcira Maria de Mello Vianna:

O princípio da seletividade previsto no artigo 153 parágrafo 3º, inciso I da Constituição Federal estabelece que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) deverá incidir com maior ou menor intensidade, em função da essencialidade do produto, ou seja, determinando a seletividade em função da essencialidade dos produtos. Exemplo: produtos que compõem a cesta básica do trabalhador podem deixar de ter a incidência do IPI por força do princípio da seletividade que, sem dúvida, está se relacionando com o princípio da capacidade contributiva. Logo, essa utilização de alíquotas em função da essencialidade do produto apresenta-se como traço caracterizador da capacidade contributiva, pois em função da essencialidade do IPI acaba tendo maiores alíquotas para aqueles produtos menos essenciais; “contrario sensu”, sofrem menor tributação, ou seja, terão tributação menos onerosa os produtos essenciais.314

Entendemos que a seletividade é utilizada sim para onerar ou reduzir a carga tributária

dos produtos, sendo estes levados em consideração para uma tributação mais ou menos

gravosa, em razão de serem supérfluos ou necessários, e não em função da capacidade

econômica do contribuinte. E isso porque não consideramos a renda despendida (consumo)

como forma de aferição da capacidade contributiva, conforme destacado em item específico

do presente estudo.

A renda despendida, ou seja, o consumo, verificada nos impostos indiretos, não denota

manifestação objetiva de riqueza como forma de critério para aferição da capacidade

contributiva, visto que se verificaria a riqueza do consumidor final e não do contribuinte

propriamente dito (contribuinte de direito) e, ainda, nem sempre o consumo denota riqueza.

Os impostos que incidem sobre os chamados bens de consumo, como é o caso do IPI,

admitem, de certa maneira, a elevação das alíquotas de forma exacerbada, de acordo com

interesses políticos e econômicos do Poder Público. Pode-se concluir que a seletividade

aplicada aos tributos indiretos, como é o caso do IPI, é uma forma de atuação para obtenção

do objetivo caracterizador da extrafiscalidade.

E, conforme anteriormente exposto, o IPI possui função extrafiscal por ser utilizado

como forma de equalização do preço dos produtos estrangeiros com os nacionais. Também

314 VIANNA, Julcira Maria de Mello. Aspectos Constitucionais do IPVA. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP, 2002, p. 37-38.

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147

por sua função extrafiscal, não há que se falar na obediência ou, melhor, possibilidade de

obediência ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que referido imposto incide

sobre fatos econômicos que, em razão do interesse público, tem as alíquotas agravadas ou

minoradas independentemente de se aferir a capacidade contributiva do indivíduo.

Desta forma, podemos entender que o IPI deve atender ao princípio da seletividade em

função da essencialidade do produto, tratando-se de um imposto com função extrafiscal e,

portanto, que não se alinha ao primado da capacidade contributiva, mas que deve atendimento

ao princípio da igualdade em atendimento a uma tributação justa.

4.6 Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores

mobiliários

O Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, disposto no artigo 153, inciso

V,315 da Constituição Federal de 1988, incide sobre operações financeiras, quais sejam, as

operações de crédito, as operações de câmbio, as operações de seguro, as operações relativas a

títulos e valores mobiliários. Ainda, incidirá sobre o ouro, na operação de origem, quando

utilizado como ativo financeiro ou instrumento cambial.

Cabe destacar que o referido imposto, nos termos do artigo 153, §1º316, da CF/88, pode

ter suas alíquotas alteradas pelo Poder Executivo, atendidas as condições e os limites

estabelecidos em lei.

Significa dizer que o IOF é imposto de caráter extrafiscal, por regular o fluxo

monetário da economia do País, diante de controle efetivado pelo Poder Executivo que

manipula as alíquotas para ajustar a conjuntura econômica. Assim, o IOF não tem como

objetivo principal arrecadar dinheiro aos cofres públicos.

Nos dizeres de Hugo de Brito Machado:

O IOF é muito mais um instrumento de manipulação da política de crédito, câmbio e seguro, assim como de títulos e valores mobiliários, do que um

315 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; 316 § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

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148

simples meio de obtenção de receitas, embora seja bastante significativa a sua função fiscal, porque enseja a arrecadação de somas consideráveis.317

Tratando-se, portanto, de um imposto com finalidade extrafiscal, o IOF não atende ao

princípio da capacidade contributiva, visto que considera para sua aferição fatos econômicos,

portanto independentemente da capacidade contributiva, a qual é manifestada pela riqueza do

contribuinte.

E suas alíquotas serão variadas atendendo a uma progressividade extrafiscal, vez que

em função do controle efetivado pelo Poder Executivo, haverá a manipulação das alíquotas

ajustando-as à conjuntura econômica do País, de forma a estimular ou mesmo desestimular as

operações.

4.7 Imposto sobre a propriedade territorial rural

O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural é de competência da União, nos

termos do artigo 153, inciso VI,318 da Constituição Federal de 1988, e incide sobre a

propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana

do município.319

Poderá o ITR ser fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem nos

termos do artigo 153, §4º, inciso III,320 da CF/88, desde que não implique redução do imposto

ou mesmo renúncia fiscal. Nestes casos em que há transferência da competência de

317 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 357. 318 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) VI - propriedade territorial rural; 319 O conceito de zona rural está, por exclusão, indicado no §1º do artigo 32 do Código Tributário Nacional que assim dispõe tratar a zona urbana: “Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II - abastecimento de água; III - sistema de esgotos sanitários; IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.” 320 Art. 153. (...) § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.

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administrar aos Municípios, caberá a estes a totalidade do produto arrecadado (artigo 158,

inciso II321 da CF/88).

A progressividade do ITR verifica-se pelo disposto no inciso I do §4º do artigo 153322

da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece que o imposto “será progressivo e terá

suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas”.

A Lei nº 9.393/1996, que dispõe sobre o referido imposto, estabelece que o percentual

do ITR aumente na medida de grandeza da área do imóvel e diminua em razão de sua

apropriada utilização. A menor incidência será de 0,03% para os imóveis com área total até 50

hectares e grau de utilização maior que 80%, e a maior incidência será de 20% para área

superior a 5.000 hectares e grau de utilização até 30%.

TABELA DE ALÍQUOTAS

Área total do imóvel

(em hectares) GRAU DE UTILIZAÇÃO - GU ( EM %)

Maior que

80

Maior que

65 até 80

Maior que

50 até 65

Maior que

30 até 50 Até 30

Até 50 0,03 0,20 0,40 0,70 1,00

Maior que 50 até 200 0,07 0,40 0,80 1,40 2,00

Maior que 200 até 500 0,10 0,60 1,30 2,30 3,30

Maior que 500 até 1.000 0,15 0,85 1,90 3,30 4,70

Maior que 1.000 até 5.000 0,30 1,60 3,40 6,00 8,60

Acima de 5.000 0,45 3,00 6,40 12,00 20,00

Assim, podemos constatar que o grau de utilização é verificado na relação do

percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável, sendo que as alíquotas

podem variar de 0,03% até 20%. Essa alíquota aumenta na medida em que a área é maior,

321 Art. 158. Pertencem aos Municípios: (...) II - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III; 322 Art. 153 (…) § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas;

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150

indo até 0,45%, se o imóvel tem área superior a 5.000 hectares, se o imóvel tem mais de 80%

dessa área utilizável. A alíquota aumenta também na medida em que diminui a proporção da

área utilizada, em relação à área total do imóvel, de maneira que para um imóvel com área

superior a 5.000 hectares, com até 30% utilizada, o ITR terá alíquota de 20%.

Constata-se que a progressividade do ITR é aplicada em função da devida utilização

das propriedades rurais, mediante o aproveitamento e cultivo das terras, estimulando o

proprietário rural, sob pena de recolhimento majorado do imposto e até mesmo de ser

obrigado a desfazer-se das terras. Assim, a progressividade do ITR é o instrumento de política

fundiária, buscando o interesse da coletividade e, portanto, com finalidade extrafiscal.

Verifica-se, portanto, o ITR possui função predominantemente extrafiscal, como

instrumento auxiliar do disciplinamento estatal da propriedade rural. Assim, aplica-se uma

progressividade extrafiscal por desestimular a existência de propriedades improdutivas que

não levam em consideração o interesse da coletividade, ou seja, não cumprem a função social

da propriedade, restando sobre estas propriedades a aplicação de alíquotas elevadas em função

do menor grau de utilização e da área da propriedade.

Importante salientar as palavras de José Afonso da Silva, ao definir a função social da

propriedade como uma estrutura do direito à propriedade e não ao exercício do direito ao

proprietário. Nesse sentido, define a função social como “a própria configuração estrutural do

direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na

predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens”.323

Ainda, o inciso II, do §4º, do artigo 153 da CF/88, estabelece que “não incidirá sobre

pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua

outro imóvel”.324 O mínimo vital ou mínimo existencial do contribuinte de tal imposto se

verifica sobre pequenas glebas rurais quando exploradas por proprietário que possua somente

este imóvel e, portanto, para tais casos haverá a imunidade tributária.

323 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 283. 324 Lei nº 9.393/1996 - Art. 2º Nos termos do art. 153, § 4º, in fine, da Constituição, o imposto não incide sobre pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, pequenas glebas rurais são os imóveis com área igual ou inferior a : I - 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense; II - 50 ha, se localizado em município compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental; III - 30 ha, se localizado em qualquer outro município.

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151

Nesse ínterim, podemos também verificar no ITR a aplicação da progressividade fiscal

em função do valor da propriedade (valor fundiário325) e, portanto, da manifestação de riqueza

do contribuinte em razão do patrimônio, ou seja, verificada a capacidade contributiva

objetiva.

Roque Antonio Carrazza foi ao ponto ao afirmar que “nos impostos sobre a

propriedade (como o IPVA, o IPTU, o ITR, o imposto sobre grandes fortunas etc.), a

capacidade contributiva revela-se com o próprio bem”.326

Esta progressividade fiscal do ITR busca a adequação do tributo à capacidade

contributiva dos contribuintes, proprietários do imóvel localizado na zona rural.

Resta claro, portanto, que o ITR é um imposto que atende à capacidade contributiva

revelada pelo bem, mediante a progressividade fiscal de suas alíquotas, mas que também pode

ser utlizado como instrumento de extrafiscalidade, mediante a progressividade extrafiscal,

aplicando-se alíquotas elevadas em função do menor grau de utilização e da área da

propriedade, como forma de desestimular a existência de propriedades improdutivas.

4.8 Imposto sobre grandes fortunas

O Imposto sobre grandes fortunas (IGF), inaugurado pela Constituição Federal de

1988, estabelece a competência da União para instruir, nos termos do artigo 153, inciso VII327

da CF/88, e terá, por meio de lei complementar, definido seus elementos para aplicação.

Referido imposto até o momento não foi instituído e nem editada a lei complementar

para definir o que se deve entender como grande fortuna. Mas, poderá sê-lo instituído, a

qualquer momento, de forma a incidir, podemos entender, sobre o patrimônio financeiro, de

grande valor, do contribuinte.

Apesar de ainda não ter sido regulamentado, certamente referido imposto deverá

atender ao princípio da capacidade contributiva, manifestada pelo patrimônio financeiro de

grande valor do contribuinte e, via de consequência, à progressividade fiscal de suas

325 CTN - Art. 30. A base do cálculo do imposto é o valor fundiário. 326 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 102. 327 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

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alíquotas, com base na maior ou menor manifestação presumível de riqueza do contribuinte,

aplicando-se uma tributação justa, sempre em atendimento à vedação de tributação com efeito

de confisco.

4.9 Imposto de competência residual da União

A competência para a instituição de imposto não especificamente previsto é

denominado de residual. A Constituição Federal de 1988 enumerou no artigo 153 os impostos

que a União pode instiuir, conforme anteriormente exposto. No entanto, além daqueles

previstos, a União poderá instituir impostos não previstos no artigo 153, conforme prescreve o

artigo 154, inciso I328 da Carta Magna.

Dessa forma, a CF/88 atribuiu à União a competência para instituir, mediante lei

complementar, impostos que não os já expostos, desde que sejam não-cumulativos e que não

possuam base de cálculo e mesmo fato gerador dos impostos discriminados. Esta

determinação constitucional faz-se necessária de forma a evitar a bitributação, que ocorre

quando dois entes tributantes exigem tributos sobre a mesma hipótese de incidência.

Destacamos que o imposto de competência residual da União deve ser instituído por

meio de lei complementar, conforme previsto pela Constiutição Federal de 1988, e não

mediante medida provisória (artigo 62, caput e §1º inciso III329 da CF/88). Isso em razão do

artigo 69330 da CF/88 exigir quorum de aprovação qualificado para a lei complementar e a

medida provisória, por sua vez, exigir a aprovação por maioria simples, o que ensejaria

afronta ao disposto na Carta Magna, por não atender a vontade da maioria, bem como em

função da vedação de edição de medidas provisórias sobre matéria reservada à lei

complementar.

A esse respeito, cabe trazer à baila as palavras de Roque Antonio Carrazza:

328 Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; 329 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: III – reservada a lei complementar; 330 Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.

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153

(...) o objetivo de obstacularizar a criação ou aumento de impostos de competência residual da União e de empréstimos compulsórios seria contornado por meio da edição de medidas provisórias aprováveis pela maioria simples dos congressistas. Esta é uma interpretação que, segundo pensamos, não pode prevalecer, porque afronta o escopo da Lei Suprema de submeter a tributação, por via de empréstimos compulsórios e de impostos residuais da União, à vontade majoritária da Nação (cujos representantes têm assento no Congresso Nacional). Neste sentido, aliás, dispôs a Emenda Constitucional 32/2001, que, malgrado suas imperfeições, introduziu um inciso III no §1º do art. 62 da Carta Constitucional, estabelecendo ser vedado à medida provisória cuidar de matéria “reservada à lei complementar”.

Ao assim serem instituídos eventuais impostos pela competência residual da União,

deve-se respeito ao princípio da capacidade contributiva, isto é, deve descrever, na hipótese de

incidência dos novos tributos, fatos que revelem aptidão econômica por parte dos virtuais

contribuintes.

Logo, a União, ao criar os impostos residuais, não pode deixar de observar a diretriz

constitucional disposta no artigo 145, §1º, sob pena de inconstitucionalidade por não

descrever os fatos-signos presuntivos de riqueza, sendo inclusive aplicada, sempre que

possível, a graduação mediante a progressividade fiscal de suas alíquotas conforme variar a

sua base de cálculo, em atenção ao princípio da igualdade na tributação.

4.10 Impostos Extraordinários

Os impostos extraordinários, nos termos do artigo 154, II331, CF/88, poderão ser

instituídos pela União, mediante lei ordinária, somente quando o País estiver diretamente

envolvido na guerra externa332 ou encontrar-se prestes a nela entrar. Vale destacar que a guerra

externa capaz de justificar a instituição do imposto é aquela da qual o nosso País participa,

não havendo a possibilidade de instituição do referido imposto caso a guerra se verifique entre

outros países, ainda que acarrete em consequências para a economia brasileira.

331 Art. 154. A União poderá instituir: (...) II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação. 332 Artigo 49, inciso II e artigo 84, inciso XIX, da CF/88.

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154

Com a iminência ou no caso de guerra externa, o Presidente da República decretará o

estado de sítio, conforme disposto no artigo 137333 da CF/88, sendo que tal decretação do

estado de sítio pode vir acompanhada da criação do imposto extraordinário a ser exigido dos

indivíduos.

Ainda, se a União criar um imposto extraordinário, compreendido na competência de

outro ente, este último não estará impedido de continuar a exercitá-la. Trata-se de bitributação

autorizada pela Constituição Federal. O princípio da reserva de competência impositiva

desaparece em favor da União, mediante a existência de guerra externa ou em sua iminência.

E isso em razão do interesse maior da defesa da soberania nacional.

Desta forma, as hipóteses de incidência dos impostos extraordinários podem ser

livremente estabelecidas pelo legislador, podendo inclusive instituir vários impostos distintos

uns dos outros, cada qual com inteira autonomia e com regime jurídico próprio, sendo comum

apenas do fato de que seu pressuposto é a existência de guerra externa ou encontrar-se prestes

a nela entrar.

O produto arrecadado só pode ter uma destinação: o atendimento ao esforço de guerra,

não se aplicando a restrição do art. 167, IV334, da CF/88, segundo o qual nenhum imposto

pode ter sua receita vinculada a órgão, fundo ou despesa. Muito pelo contrário, os impostos

extraordinários devem, necessariamente e obrigatoriamente, ter tal vinculação.

Referido imposto é temporário e deve ser suprimido gradativamente na medida em que

desaparecerem os motivos que deram causa a exigência do imposto. Nesta hipótese, a União

irá revogar, após celebrada a paz ou afastada a iminência de guerra externa, a lei instituidora

do imposto extraordinário.

333 Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta. 334 Art. 167. São vedados: (...) IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

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155

As bases de cálculo e alíquotas dos impostos extraordinários podem ser estabelecidas

livremente pelo legislador ordinário, havendo que se considerar que a base de cálculo deve

representar o aspecto dimensível da situação de fato definida na hipótese de incidência do

imposto e as alíquotas devem ser, sempre que possível, graduadas de forma a atender a

capacidade contributiva dos indivíduos, ou seja, aplicando-se uma progressividade fiscal, mas

podendo haver a aplicação da progressividade extrafiscal caso a espécie tributária que o

imposto espelhar tenha finalidade extrafiscal.

A existência de guerra externa ou sua iminência não justifica o desrespeito ao

princípio da igualdade e da capacidade contributiva, havendo que se exigir o recolhimento do

referido imposto, atendidas as condições econômicas dos contribuintes, verificadas pela

manifestação presumível de riqueza, de forma a não onerar demasiadamente os contribuintes,

inclusive em atenção ao mínimo vital e a vedação da tributação com efeito de confisco. O fato

de haver guerra ou sua iminência não abandona as garantias constitucionais que possuem os

contribuintes.

4.11 Imposto de transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens e direitos

A Constituição Federal de 1988 uniu o imposto causa mortis ao sobre doação, visto

que ambos consistem na transmissão gratuita de bens, atribuindo aos Estados e ao Distrito

Federal a competência para instituir referido imposto, nos termos do artigo 155, inciso I335, da

CF/88.

O fato imponível do referido imposto é a efetiva transmissão de bens e direitos pela

morte do titular (transmissão causa mortis) ou por liberalidade do titular de transmissão de

bens e direitos a outra pessoa de forma gratuita (doação).

Quando se trata de bem imóvel e respectivos direitos, o imposto compete aos Estados

da situação do bem ou ao Distrito Federal e, quando se tratar de bem móvel, títulos e créditos,

compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou naquele em que tiver

335 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

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156

domicílio o doador, ou ao Distrito Federal, nos termos do quanto disposto no artigo 155, §1º,

incisos I e II336 da Constituição Federal de 1988.

Ainda, a competência para a cobrança do ITCMD será regulada por lei complementar,

se o doador tiver domicílio ou residência no exterior e se o autor da herança possuía bens, era

residente ou mesmo domiciliado ou, ainda, se teve o inventário processado no exterior (art.

155, §1º, inciso III337).

Por força de expressa previsão constitucional disposta no artigo 155, §1º, inciso IV338,

da CF/88, a alíquota máxima do ITCMD será fixada pelo Senado Federal, que editou a

Resolução nº 9, de 05/05/1992, estabelecendo como alíquota máxima o percentual de 8%.

A Resolução nº 9, de 05/05/1992 em seu artigo 2º, ainda dispõe que “as alíquotas dos

impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada

herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal”. Assim, salvo esta

determinação constitucional de fixação da alíquota máxima do ITCMD pelo Senado Federal,

prevalece a liberdade dos Estado e Distrito Federal para o estabelecimento das alíquotas.

Questiona-se que referida norma do artigo 2º da Resolução nº 9, de 05/05/1992 acaba

por negar vigência à Constituição Federal, na medida em que o Senado Federal apenas

poderia dispor a respeito da fixação da alíquota máxima do referido imposto, não podendo se

estender à fixação da progressividade. Patente é a necessidade de aplicar-se o princípio da

legalidade, não podendo o Senado Federal ultrapassar as determinações dispostas pelo Texto

Constitucional, ou seja, não poderia este dispor a respeito da progressividade das alíquotas do

ITCMD.

Ainda, verifica-se que a progressividade disposta pela Resolução 9/92 apenas abrange

transmissões para herdeiros, não restando especificado que tal progressividade também se

aplica às doações de bens e direitos.

336 Art. 155. (...) § 1.º O imposto previsto no inciso I: I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal; 337 Art. 155. (…) § 1.º O imposto previsto no inciso I: III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar: a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior; b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior; 338 Art. 155. (...) §1º. (...) IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;

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157

No entanto, ainda que o Senado Federal tenha extrapolado a determinação

constitucional a ele atribuída, verifica-se que o imposto causa mortis, ao incidir sobre o

patrimônio de herdeiros e legatários, procura respeitar o princípio da capacidade contributiva

e, consequentemente, alinha-se aos mandamentos constitucionais que determinam a

progressividade das alíquotas na medida da base de cálculo, ou seja, do montante tributável

deste imposto.

Entendemos que havendo obrigatoriedade implícita na Carta Magna para a aplicação

da progressividade das alíquotas nos impostos, o Senado Federal ao assim dispor na

Resolução 9/92, apenas explicitou tal determinação constitucional, de forma a realizar o

princípio da capacidade contributiva.

No Estado de São Paulo, a Lei nº 10.705/2000, na redação original do artigo 16,

utilizou-se da progressividade de alíquotas ao prever a aplicação da alíquota de 2,5% até a

base de cálculo correspondente a 12.000 Ufesps, e de 4% sobre a base de cálculo acima nesse

limite. Ocorre que a partir de 1º/1/2002, por força da Lei Estadual nº 10.992/2001, que

modificou o referido artigo 16, passou a vigorar a alíquota única de 4%, em desatendimento à

progressividade que deve haver na tributação e, via de consequencia, à capacidade

contributiva dos invidíduos.

No que tange à análise da capacidade contributiva, nos impostos sobre a propriedade,

tal capacidade revela-se com o próprio bem. Neste sentido é o exemplo dado por Roque

Antonio Carrazza:

Conheci pessoa que, por herança de família, tinha valioso quadro de pintor flamengo do século XVII. Um dia, ela vendeu seu quadro e, com o dinheiro apurado, comprou belíssimo apartamento. Esta pessoa, que, tirante o quadro, poderia ser considerada pobre, tinha – graças ao mesmo quadro – capacidade contributiva. Tanto tinha que, transformando o quadro em moeda corrente, adquiriu um imóvel luxuoso.339

Assim, o princípio da capacidade contributiva deve levar em consideração a aptidão

abstrata de arcar com o pagamento do imposto. Isto é, recebida uma herança em valor

elevado, ainda que por meio de uma propriedade, pode-se considerar que tal contribuinte

possui capacidade contributiva para arcar com o pagamento do imposto que lhe dará causa.

339 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 103.

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158

A respeito da progressividade do ITCMD, o Supremo Tribunal Federal já manifestou

pela sua possibilidade, em julgamento do Recurso Extraordinário nº 562.045340, por maioria

de votos, pelo Tribunal Pleno. No referido julgamento, a questão da progressividade do

ITCMD foi analisada sob o enfoque da capacidade contributiva, segundo o qual o indivíduo

deve contribuir para a manutenção do Estado na medida de sua capacidade contributiva, sem

haver desrespeito ao mínimo vital de sobrevivência. Entendimento desfavorável da minoria

dos julgadores se deu no sentido de que somente a Constituição poderia autorizar outras

hipóteses de tributação progressiva em impostos reais, posição esta que, conforme exposto no

presente estudo, não podemos coadunar. 341

Consideramos necessária a progressividade das alíquotas do ITCMD em função do

valor objeto de transmissão, ou seja, tendo em vista o valor do quinhão, do legado ou dos bens

doados aos beneficiários. Quanto maior o valor envolvido na transmissão dos bens ou

direitos, mais elevada haverá que ser a alíquota em atenção à capacidade contributiva objetiva

do indivíduo.

Vale dizer que a capacidade contributiva e a aplicação da progressividade não será

medida pela totalidade dos bens transmitidos ou mesmo pelo autor da herança ou do doador,

340 Julgamento realizado em 06/02/2013, com ata de julgamento publicada em 14/02/2013, estando pendente de acórdão. “Decisão: Colhidos o voto-vista do Ministro Marco Aurélio e os votos dos Ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski (Relator) e Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. Redigirá o acórdão a Ministra Cármen Lúcia. Não participaram da votação os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli por sucederem, respectivamente, aos Ministros Ellen Gracie, Eros Grau e Menezes Direito, todos com voto em assentada anterior. Plenário, 06.02.2013”. 341 Informativo 694 STF “Em conclusão, o Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário, interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, para assentar a constitucionalidade do art. 18 da Lei gaúcha 8.821/89, que prevê o sistema progressivo de alíquotas para o imposto sobre a transmissão causa mortis de doação - ITCD — v. Informativos 510, 520 e 634. Salientou-se, inicialmente, que o entendimento de que a progressividade das alíquotas do ITCD seria inconstitucional decorreria da suposição de que o § 1º do art. 145 da CF a admitiria exclusivamente para os impostos de caráter pessoal. Afirmou-se, entretanto, que todos os impostos estariam sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, mesmo os que não tivessem caráter pessoal. Esse dispositivo estabeleceria que os impostos, sempre que possível, deveriam ter caráter pessoal. Assim, todos os impostos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal, poderiam e deveriam guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo. Aduziu-se, também, ser possível aferir a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCD, pois, tratando-se de imposto direto, a sua incidência poderia expressar, em diversas circunstâncias, progressividade ou regressividade direta. Asseverou-se que a progressividade de alíquotas do imposto em comento não teria como descambar para o confisco, porquanto haveria o controle do teto das alíquotas pelo Senado Federal (CF, art. 155, § 1º, IV). Ademais, assinalou-se inexistir incompatibilidade com o Enunciado 668 da Súmula do STF (“É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”). Por derradeiro, esclareceu-se que, diferentemente do que ocorreria com o IPTU, no âmbito do ITCD não haveria a necessidade de emenda constitucional para que o imposto fosse progressivo. RE 562045/RS, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 6.2.2013. (RE-562045)”.

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159

mas sim se levando em consideração a capacidade contributiva daquele contribuinte receptor

do bem transmitido. Inclusive, a aplicação das alíquotas progressivas em cada caso deve

considerar o valor dos bens recebidos por cada sucessor, individualmente, de forma a atender

o disposto no artigo 145, §1º, da CF/88, ou seja, segundo a capacidade econômica do

contribuinte manifestada pela riqueza.

Resta patente que a observância da capacidade contributiva no ITCMD é

perfeitamente possível e necessária, bem como que a função primordial do referido imposto é

fiscal342, com a finalidade de arrecadar dinheiro aos cofres públicos. Assim a necessidade de

aplicação da progressividade fiscal no ITCMD, com base na manifestação presumível de

riqueza do contribuinte (acréscimo patrimonial) decorrente do valor objeto da transmissão

causa mortis ou doação, como decorrência da aplicação do princípio da capacidade

contributiva e da igualdade.

4.12 Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações

de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação

O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de

serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS343), de

competência dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do artigo 155, inciso II344, da

342 Para Hugo de Brito Machado “a função do imposto sobre herança e doações é fiscal. Ele tem a finalidade de gerar recursos financeiros para os cofres públicos. Isto não quer dizer que não possa ter função extrafiscal. Todo tributo pode. No caso do imposto sobre heranças e doações, a função extrafiscal possível consiste em desestimular o acúmulo de riqueza, ou, em outras palavras, desestimular a concentração da renda. Basta a instituição de alíquotas progressivas, com percentuais bastante elevados para os valores mais expressivos. Tal progressividade, como adiante será explicado, deve ser em função da parcela de bens recebida por cada herdeiro, legatário ou donatário. Não em função da totalidade dos bens deixados pelo autor da herança, ou doados”. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição, revista atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 377). 343 A sigla ICMS, conforme aduz Roque Antonio Carrazza, alberga cinco impostos diferentes: a) O imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo, compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre cerviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. Dizemos diferentes, porque estes tributos têm hipóteses de incidência e bases de cálculo diferentes. (...) Mas, embora estes impostos não se confundam, possuem um ‘núcleo central comum’, que permite seja estudados conjuntamente. Todos, por exemplo, deverão, obedecer ao ‘regime da não-cumulatividade’”. (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 40-41). 344 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

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160

Constituição Federal de 1988, incide sobre o valor acrescido em cada operação de circulação

de riqueza.

Tratando de um imposto de competência estadual e distrital, os Estados e o Distrito

Federal, mediante lei ordinária, podem instituí-lo e sobre ele dispor. Cabendo destacar que a

União está autorizada a criar o ICMS, nos termos do artigo 154, inciso II, da CF/88 (impostos

extraordinários), conforme anteriormente exposto.

Nos termos do artigo 155, §2º, inciso I e II345 da Constituição Federal de 1988, trata-se

de um imposto não-cumulativo em que, pelo mecanismo da compensação, sendo esta uma

compensação financeira e não tributária propriamente dita, incide sobre o valor total de cada

operação, dele se abatendo o crédito correspondente ao montante cobrado nas operações

anteriores.

Siginifica dizer que o ICMS deve necessariamente sujeitar-se ao princípio da não-

cumulatividade, conforme expressamente disposto na Carta Maior, de forma que ele incida

sobre o valor acrescido da mercadoria, ou seja, sobre o lucro bruto. Assim, a incidência do

ICMS em cada operação ou prestação fulmina no surgimento de uma relação de crédito, em

que será abatido, ao recolher o imposto, o valor do ICMS devido nas operações ou prestações

anteriores.

Esclarece Roque Antonio Carrazza:

O ICMS ‘será não-cumulativo’ simplesmente porque em cada operação ou prestação é assegurada ao contribuinte, de modo peremptório, pela própria Carta Suprema, uma dedução (abatimento) correspondente aos montantes cobrados nas operações ou prestações anteriores.346

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; 345 Art. 155. (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; 346 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 403.

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161

O objetivo aqui visado é, conforme exposto por Roque Antonio Carrazza, beneficiar o

consumidor final (contribuinte de fato347), “a quem convêm preços mais reduzidos e menos

gravemente onerados pela carga tributária”.348

No ICMS, tratando-se de um imposto indireto, quem suporta a carga tributária não é o

contribuinte de direito (realizador do fato imponível e que integra a relação jurídica

tributária), mas sim o contribuinte de fato (consumidor final da mercadoria ou serviço). O

contribuinte de direito é aquele realizador do fato imponível e, portanto, que ocupa o polo

passivo da obrigação jurídica tributária, como, por exemplo, o comerciante. E o contribuinte

de fato é quem suporta a carga econômica do tributo, como é o caso do consumidor final da

mercadoria.

Ao analisar a tributação indireta verificada no ICMS, Roque Antonio Carrazza

esclarece haver impostos que, por sua natureza, não permitem que se atenda o princípio da

capacidade contributiva, como é o caso do ICMS. Neste sentido o referido autor destaca:

É o caso do ICMS, que, positivamente, com ele não se coaduna. De fato, a carga econômica deste imposto é repassada para o preço da mercadoria. Quem a suporta não é o contribuinte (o comerciante, o industrial ou o produtor que praticou a operação mercantil), mas o consumidor final da mercadoria. Este, ao adquiri-la, vê repassada , no preço, a carga tributária do ICMS. Ora, tal carga é idêntica para todos os consumidores finais, sejam eles ricos ou pobres.349 (grifo do autor)

Como se vê, o ICMS é um imposto que onera o consumo e, conforme destacamos no

presente estudo, o consumo (renda despendida) não é forma de medição da capacidade

contributiva, visto que independentemente desta, a carga econômica será sempre a mesma.

Nessa linha de entendimento, Roque Antonio Carrazza traz um exemplo já

mencionado anteriormente, mas que merece destaque:

347 Roque Antonio Carrazza faz uma ressalta que merece destaque no sentido de que “como, economicamente, o ICMS é transferido para o adquirente, pelo mecanismo dos preços, sua carga tributária acaba sendo suportada, em definitivo, pelo consumidor final. Mas este é simples contribuinte de fato, já que não integra a relação jurídica tributária. Nesta acepção – meramente econômica -, o ICMS (tanto quanto o IPI) é um imposto que onera o consumo”. (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 403, nota nº 5). 348 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 402. 349 Idem. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 120.

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162

(...) se um multimilionário e um mendigo entrarem no bar da esquina e comprarem, cada um, um maço de cigarro da mesma marca, os dois pagarão o mesmo preço pelo maço e verão embutido no preço, o mesmo valor de ICMS. Um que tem megacapacidade contributiva e, o outro, que não tem nenhuma capacidade contributiva, já que espicaça a comiseração pública esmolando pelas ruas. No entanto, os dois suportarão a mesma carga econômica de ICMS.350

Osvaldo Santos de Carvalho, ao tratar do ICMS e o princípio da capacidade

contributiva, esclarece que “não seria possível graduar as alíquotas do ICMS de acordo com a

capacidade contributiva do consumidor final, já que este está fora da relação jurídica

tributária”351.

Em razão desta dificuldade de se analisar a capacidade econômica do consumidor final

(contribuinte de fato) da mercadoria, visando proteger o referido consumidor final do

acréscimo excessivo do imposto no preço final da mercadoria, a Constituição Federal dispôs

em seu artigo 155, §2º, inciso III352 que o ICMS poderá353 (deverá) ser seletivo em função da

essencialidade das mercadorias e dos serviços.

Significa dizer que o ICMS deve ser um instrumento de extrafiscalidade, em que as

mercadorias e serviços de primeira necessidade devem ser menos onerados pelo ICMS se

comparados com os supérfluos. Como vimos, os impostos que incidem sobre os chamados

bens de consumo, como é o caso do ICMS, admitem, de certa maneira, a elevação das

alíquotas de forma exacerbada, de acordo com interesses políticos e econômicos do Poder

Público.

Hugo de Brito Machado faz uma crítica à forma como a seletividade tem sido aplicada

no ICMS e destaca:

350 CARRAZZA, Roque Antonio. A progressividade na ordem tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros Editores, nº 64, 1994, p. 53. 351 CARVALHO, Osvaldo Santos de. Não cumulatividade do ICMS e princípio da neutralidade tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 123. 352 Art. 155. (...)§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços; 353 Conforme exposto por Roque Antonio Carrazza, o “poderá” disposto no artigo 155, §2º, inciso III, da CF/88 equivale juridicamente a um peremptório “deverá”, visto que não se está diante de uma mera faculdade do legislador, mas de uma norma cogente, de observância obrigatória. E quando a Constituição confere à pessoa política um poder, ela está impondo um dever. É por isso que se costuma falar que as pessoas políticas têm poderes-deveres (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 507).

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Observa-se, porém, que a norma constitucional pertinente à seletividade do ICMS tem sido violada pelos Estados, que, interessados mais na arrecadação que no respeito ao Direito, preferem elevar as alíquotas sem considerar a essencialidade dos produtos ou serviços, tendo em vista simplesmente a comodiadade da arrecadação, como acontece com os combustíveis, a energia elétrica e os serviços de comunicação.354

Podemos entender que a seletividade aplicada aos tributos indiretos, como é o caso do

ICMS, é uma forma de atuação para obtenção do objetivo caracterizador da extrafiscalidade.

E, ainda, por sua função extrafiscal, não há que se falar na obediência ou, melhor,

possibilidade de obediência ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que referido

imposto incide sobre fatos econômicos que, em razão do interesse público, suas alíquotas são

agravadas ou minoradas independentemente de se aferir a capacidade contributiva do

indivíduo.

A respeito da função extrafiscal do ICMS, são as palavras de Roque Antonio Carrazza:

O antigo ICM era um tributo uniforme, vale dizer, tinha as mesmas alíquotas, para todas as mercadorias. Só podia, pois, ser utilizado como instrumento de fiscalidade, carreando dinheiro aos cofres públicos, para que o Estado pudesse fazer frente as suas necessidades básicas. O atual ICMS, pelo contrário, deve ser um instrumento de extrafiscalidade, porquanto, a teor do art. 155, §2º, III, da CF, “poderá” ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.355

Desta forma, ressaltamos que o ICMS deve atender ao princípio da seletividade em

função da essencialidade do produto, tratando-se de um imposto com função extrafiscal.

Suas alíquotas deverão variar, para mais ou para menos, podendo chegar a zero, em

razão da essencialidade da mercadoria e do serviço, exercendo, portanto, a seletividade papel

de suma importância no controle da tributação da mercadoria de acordo com a sua

essencialidade, sempre observados os limites fixados pelo Senado Federal, conforme será

demonstrado a seguir.

Roque Antonio Carrazza traz posicionamento do qual concordamos no sentido de que

“a essencialidade de que aqui se cogita tem por escopo favorecer os consumidores finais, que,

como não se contesta, são os que suportam a carga econômica do ICMS”.356

354 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição, revista atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 395. 355 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 507.

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164

A seletividade em função da essencialidade significa levar em conta a finalidade da

mercadoria ou do serviço, o que se dará mediante um sistema de alíquotas diferenciadas do

imposto indireto, de maneira inversa à essencialidade da mercadoria e do serviço, sendo esta

essencialidade medida pela efetiva necessidade daquela mercadoria ou serviço para que o

indivíduo tenha respeitada uma vida digna diante do suprimento de suas necessidades básicas

de sobrevivência. A referida essencialidade também pode dar-se em função da variação de

bases de cálculo e pela criação de incentivos fiscais. Mas de fato a aplicação do sistema de

alíquotas diferenciadas alcança de forma mais fácil a seletividade no ICMS.

Verificamos que a seletividade é uma técnica de implementar a justiça fiscal, mas não

se pode concluir possuir estrita relação, sob a ótica da capacidade contributiva, à exigência de

que os contribuintes contribuam de acordo com a respectiva manifestação de riqueza, visto

não considerar a manifestação efetiva de riqueza do contribuinte (contribuinte de direito), mas

sim a essencialidade da mercadoria e do serviço.

Nesta linha de entendimento, a respeito da não aplicação do princípio da capacidade

contributiva no ICMS e da necessidade de adequação à seletividade, Osvaldo Santos de

Carvalho destaca:

Pensamos que o ICMS está foram do alcance do primado da capacidade contributiva e atina para o princípio da igualdade quando a determinação de seu aspecto quantitativo obedece ao ditame da seletividade (CF, art. 155, § 2º, III), outro princípio que deriva do princípio da isonomia tributária. Ademais, a adoção de alíquotas diferenciadas para o ICMS de acordo com o porte do contribuinte e baseado em seu faturamento, por exemplo, no afã de atender ao princípio da capacidade contributiva dos contribuintes do ICMS, distorceria sobremodo o fim desejado pelo constituinte, também porque comprometeria o princípio da igualdade tributária, na medida em que os consumidores finais de igual porte econômico seriam tratados diversamente se adquirissem mercadorias ou tivessem serviços prestados por contribuintes de dimensões distintas.357

A seletividade é utilizada sim para onerar ou reduzir a carga tributária das mercadorias

e serviços, sendo estes levados em consideração para uma tributação mais ou menos gravosa,

em razão de serem supérfluos ou necessários, e não em função da capacidade econômica do

contribuinte.

356 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 509. 357 CARVALHO, Osvaldo Santos de. Não cumulatividade do ICMS e princípio da neutralidade tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 122.

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165

O que a seletividade busca é a igualdade na tributação em situações econômicas

diversas verificadas no sistema jurídico, em razão da essencialidade das mercadorias e

serviços, em atenção do princípio da igualdade.

Para o jurista Roque Antonio Carrazza:

Infelizmente, até o momento, não tem havido uma graduação efetiva das alíquotas do ICMS, até porque se tem aceito que a seletividade em função da essencialidade das mercadorias ou dos serviços é facultativa. A idéia que predomina – e que nos parece absurda – é no sentido de que o Constituinte , neste ponto, fez mera recomendação ao legislador ordinário, para ser seguida segundo suas conveniências. Pode contrário, o princípio da seletividade permite a adequação do ICMS aos critérios da justiça fiscal, já que, como vimos, não leva em conta os interesses dos comerciantes ou prestadores (contribuinte de direito), mas os dos consumidores finais (contribuintes de

fato).358 (grifo do autor)

Nesse sentido, Elizabeth Nazar Carrazza esclarece que o princípio informador da

seletividade “é o da igualdade de todos os cidadãos dentro do Estado Constitucional

Democrático Brasileiro”.359

Pela seletividade, quanto maior a essencialidade das mercadorias e serviços, menor

será a exigência do imposto em questão e, no mesmo sentido, quanto menor a essencialidade,

ou seja, mais supérfluo, maior será a exigência do ICMS.

Cumpre observar que a seletividade no ICMS refere-se à mercadoria ou ao serviço,

propriamente ditos, e não à destinação ou mesmo a fase de circulação, motivo pelo qual a

alíquota de uma mercadoria, por exemplo, não poderá variar conforme a etapa da circulação

ou em função da sua destinação.

De forma a regulamentar a aplicação das alíquotas no ICMS, a Constituição Federal de

1988 estabeleceu limitações a esta faculdade ao atribuir ao Senado Federal estabelecer as

alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação, e facultando a

disposição de alíquotas mínimas nas operações internas e máximas nas mesmas operações

internas para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados. Com efeito, assim

estabelece o artigo 155, §2º, incisos IV e V360, da CF/88. No caso do ICMS, salientamos que

358 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª edição, revista e ampliada, até a EC 67/2011, e de acordo com a Lei Complementar 87/1996, com suas ulteriores modificações. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 513. 359 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 59. 360 Art. 155. (...) §2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)

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166

também as alíquotas devem ser fixadas por meio de lei ordinária dos Estados e do Distrito

Federal.

Assim, ao Senado Federal, por meio de resolução, compete fixar as alíquotas mínimas

do ICMS para as operações internas, devendo os Estado e o Distrito Federal respeitar o

patamar estabelecido, na exigência do imposto. E, ainda, o Senado Federal poderá editar

resolução estabelecendo as alíquotas máximas do imposto, nas operações internas, de forma a

neutralizar abusos verificados entre os Estados ou entre estes e o Distrito Federal. Claro está

que o Senado não poderá fixar alíquotas do ICMS, mas tão somente estabelecer as alíquotas

mínimas e máximas.

Note-se que tais resoluções do Senado Federal se restringem às alíquotas mínimas e

máximas nas operações internas. Para as operações interestaduais e de exportação, as

alíquotas serão fixadas livremente pelos Estados e pelo Distrito Federal, sempre em atenção

ao princípio da não-confiscatoriedade, como já tratamos anteriormente.

E, conforme estabelece o artigo 155, §2º, inciso VI361, da CF/88, a Resolução do

Senado está limitada a fixar as alíquotas mínimas nas operações internas, não menores que as

alíquotas estipuladas para as operações interestaduais, de forma a evitar o que denominamos

de “guerra fiscal” entre os Estados e entre estes e o Distrito Federal evitando um desestímulo

na realização de operações interestaduais.

Nesse ponto, as resoluções do Senado que fixam alíquotas mínimas e máximas do

referido imposto estadual deverão ser seletivas em função da essencialidade das mercadorias

ou dos serviços.

O que podemos, então, afirmar é que ao aplicar a seletividade no ICMS, não se deve

falar na adequação à progressividade. É nesse sentido que Roque Antonio Carrazza, ao tratar

da aplicação da progressividade aos impostos, destaca:

IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; 361 Art. 155. §2º. VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

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167

(...) com exceção daqueles poucos impostos (como o ICMS e o IPI) cujas regras-matrizes constitucionais os incompatibilizam com a progressividade, todos os demais devem ser progressivos, para que se possam ter caráter pessoal e ser graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes.362 (grifo do autor)

Verificamos, portanto, que o ICMS deve atender ao princípio da seletividade em

função da essencialidade da mercadoria e serviços, tratando-se de um imposto com função

extrafiscal e, portanto, que não se alinha ao primado da capacidade contributiva, uma vez que

incide sobre fatos econômicos que, em razão do interesse público, suas alíquotas são

agravadas ou minoradas independentemente de se aferir a capacidade contributiva do

indivíduo, mas deve atenção ao princípio da igualdade em atendimento a uma tributação justa

e equitativa.

4.13 Imposto sobre a propriedade de veículos automotores

O imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) de competência dos

Estados e do Distrito Federal, nos termos do artigo 155, inciso III,363 da Constituição Federal

de 1988, incide sobre a propriedade de veículo automotor, seja o proprietário pessoa física ou

jurídica.

Tratando-se de um imposto sobre a propriedade, aplica-se a capacidade contributiva

objetiva, manifestada pelo patrimônio, levando em consideração o objeto da tributação e o

fato de que o contribuinte que possui aquele veículo automotor, certamente tem a capacidade

de contribuir mediante o pagamento do respectivo imposto.

A base de cálculo do imposto é o valor venal (valor mercantil) do veículo automotor e

será apurada pelos dados do veículo, tal como o ano de fabricação, modelo, marca, etc., e não

em função da condição pessoal do proprietário. Cumpre destacar que, em se tratando de

veículo novo, a base de cálculo será o valor indicado na nota fiscal diante da transmissão da

propriedade do veículo.

362 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 99, nota nº 57. 363 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) III - propriedade de veículos automotores.

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168

Assim, independentemente da capacidade econômica, o proprietário do veículo

automotor terá capacidade contributiva para arcar com o pagamento do imposto (visto que

aplicamos a capacidade contributiva objetiva com base em indicadores que refletem a

existência de riqueza daquele contribuinte, fazendo presumir que quem realiza tal fato, possui

riqueza suficiente para ser alcançado pelo imposto específico). Em outras palavras, não será

considerada a situação pessoal do contribuinte, proprietário do veículo automotor, para que

ocorra a exigência do IPVA.

Nesse sentido, esclarece Roque Antonio Carrazza:

Em relação aos impostos sobre a propriedade (imposto territorial rural, imposto predial e territorial urbano, imposto sobre a propriedade de veículos automotores etc.), a capacidade contributiva revela-se com o próprio bem, porque a riqueza não advém apenas da moeda corrente, mas do patrimônio, como um todo considerado. (...) Todos haverão de concordar comigo que não tem sentido dizer que alguém que ganhou de presente um automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo do ano, tem que pagar menos IPVA porque é pobre. Não. Se esta pessoa não tem como pagar o IPVA incidente sobre seu veículo de luxo, deve, na pior das hipóteses, vendê-lo. Nunca, porém, ser dispensado do pagamento do IPVA, por falta de capacidade contributiva. Até porque capacidade contributiva ela tem, já que, como disse, a capacidade contributiva se revela no patrimônio como um todo considerado, e não apenas por meio do exame da conta bancária.364

A esse respeito, a alíquota aplicada à base de cálculo (valor venal do veículo

automotor), permite a verificação do valor do imposto a ser recolhido aos cofres públicos.

Assim, a alíquota do IPVA deve buscar a aplicação da progressividade em atenção à igualdade

na tributação e à capacidade contributiva manifestada pelo próprio bem, conforme o artigo

145, §1º, da CF/88, baseada na manifestação presumível de riqueza do contribuinte, tratando-

se de uma presunção absoluta (iuris et de iuri). O que se pretende destacar é a indevida

aplicação de alíquotas meramente proporcionais no referido imposto.

Neste sentido, Julcira Maria de Mello Vianna365 traz um exemplo esclarecedor

referente à alíquota do imposto calculada sobre o valor venal de acordo com a legislação

paulista, Lei nº 6.606 de 20-12-1989, que apesar de alterações introduzidas pelas Leis nº

7.002/1990, 7.644/1991, 8.052/1992, 8.205/1992, 8.490/1993, 9.459/1996, 12.181/2005 e 364 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 103. 365 VIANNA, Julcira Maria de Mello. Aspectos Constitucionais do IPVA. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP, 2002, p. 123-125.

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169

13.032/2008, mantém a aplicação de alíquotas meramente proporcionais. Destaca que a

referida legislação prevê a aplicação em seu artigo 7º que a alíquota do imposto, calculada

sobre o valor venal é de:

I - 5,0% (cinco por cento) para embarcações, aeronaves e automóveis de esporte e de corrida; II - 4,0% (quatro por cento) para automóveis de passeio e camionetas de uso misto; III - 3% (três por cento) para automóveis de passeio, de esporte, de corrida e camionetas de uso misto, movidos a álcool, gás natural ou eletricidade; IV - 2,0% (dois por cento) para qualquer outro veículo inclusive motocicletas e ciclomotores; V - 1,5 % (um e meio por cento) para os veículos de carga, categoria caminhões com capacidade superior a 1 tonelada; VI - 6,0% (seis por cento) para automóveis de passeios movidos a “diesel”; VII - 1,0% (um por cento) para qualquer veículo indicado nos incisos precedentes com mais de 20 (vinte) anos de fabricação, excetuando-se as aeronaves.

Com a indicação das alíquotas pela legislação paulista, Julcira Maria de Mello Vianna

destaca:

Pela análise feita dos dispositivos acima podemos notar que o legislador adotou a proporcionalidade para a aplicação das alíquotas do IPVA. No entanto, poderia o legislador, nesse caso, aplicar alíquotas progressivas, critério econômico de se aplicar maior carga tributária àqueles que se encontrem em melhor situação econômica, conforme o artigo 145 parágrafo 1º da Constituição Federal. Há entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no sentido de só ser possível a aplicação de alíquotas progressivas em impostos de caráter pessoal e não nos reais. (...) Já expusemos aqui o nosso posicionamento, entendendo que todos os impostos podem ser pessoais, na medida em que se considera aquela pessoa física ou jurídica que realiza o fato previsto na norma hipotética. Porém, mesmo considerando os impostos reais, ou seja, aqueles que não levam ou não tem qualquer referência às condições pessoais do sujeito passivo, entendemos ser admissível à aplicação de alíquotas progressivas também nesses impostos assim classificados. 366

A referida previsão de alíquotas pela legislação paulista deixa de considerar a

capacidade contributiva objetiva, exteriorizada pela manifestação de riqueza do contribuinte

em face da propriedade do veículo, para exigir a mesma alíquota independentemente do valor

do veículo. Assim, o contribuinte do IPVA, proprietário de um veículo automotor no valor de

366 VIANNA, Julcira Maria de Mello. Aspectos Constitucionais do IPVA. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP, 2002, p. 123-125.

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170

R$ 60.000,00 pagará o mesmo imposto de outro contribuinte que possua um veículo no valor

de R$ 20.000,00.

Certo que a forma de se alcançar a justiça fiscal é por meio da aplicação de alíquotas

progressivas.

O IPVA tem função predominantemente fiscal de maneira a arrecadar dinheiro aos

cofres púbúblicos. Nesse passo, verifica-se aplicável a progressividade fiscal367 das alíquotas

do referido imposto, calculada sobre o valor venal do veículo automotor, em atendimento ao

princípio da capacidade contributiva (artigo 145, §1º da CF/88), uma vez que possui maior ou

menor capacidade contributiva objetiva o contribuinte, de acordo com o veículo de sua

propriedade.

E isso em razão da capacidade contributiva objetiva, no caso do IPVA, ser tratada pelo

patrimônio do contribuinte considerado como um todo. Apesar do IPVA ser considerado por

parte da doutrina, conforme anteriormente exposto neste trabalho, como um imposto real, o

que discordamos por possuírem todos os impostos caráter pessoal, o veículo automotor

representa um fato signo presuntivo de manifestação de riqueza do contribuinte, acarretando a

possibilidade e até necessidade de aplicação da progressividade fiscal em atenção aos

princípios da capacidade contributiva e da igualdade.

A respeito da progressividade, a Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003,

acrescentou na Constituição Federal de 1988 a previsão de que o IPVA terá alíquotas mínimas

fixadas pelo Senado Federal (inciso I do §6º do artigo 155368 da CF/88) e que o referido

imposto poderá (deverá) ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização dos

veículos automotores (inciso II369 do §6º do artigo 155 da CF/88).

Cumpre destacar as palavras de Roque Antonio Carrazza:

A locução “poderá ter” há de ser considerada sinônima de “deverá ter”, já que tal interpretação vem ao encontro do princípio da capacidade

contributiva, informador da tributação por meio de impostos. De fato, apenas para exemplificar, revela maior disponibilidade de riqueza o proprietário de

367 Cumpre destacar que o IPVA possui finalidade fiscal na medida em que a arrecadação deste imposto será revertida aos cofres públicos dos Estados e dos Municípios (artigo 158, inciso III da CF/88 – Pertencem aos Municípios 50% (cinquenta por cento) do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios). 368 Art. 155. (...) § 6º O imposto previsto no inciso III: I - terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal; 369 Art. 155. (...) § 6º O imposto previsto no inciso III: II - poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização.

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veículo automotor estrangeiro de alto luxo, que o de automóvel nacional modesto. Ora, é jurídico que o primeiro, por revelar maior aptidão econômica, venha proporcionalmente mais tributado, por meio do IPVA, que o último. (grifo do autor)

Entendemos que referida previsão expressa na CF/88 (inciso II do §6º do artigo 155)

enseja a verificação da progressividade de alíquotas do referido imposto, sendo, a nosso ver,

esta progressividade extrafiscal na medida em que adota como parâmetro o tipo e utilização

do veículo automotor para a graduação das alíquotas.

Nesta situação, verifica-se a função extrafiscal, visto que o objetivo é outro, como por

exemplo, o combustível utilizado, não possuindo a finalidade de arrecadação de dinheiro aos

cofres públicos, mas sim incentivar o consumo de um ou outro combustível conforme

interesses políticos ou econômicos do País.

A aplição das alíquotas progressivas em função da utilidade e valor do veículo, não

leva em consideração a capacidade contributiva do proprietário do veículo automotor, mas

interesses econômicos, políticos e sociais de interesse da coletividade.

O que podemos concluir é que o IPVA atende a finalidade fiscal de arrecadar dinheiro

aos cofres públicos, em atenção à capacidade contributiva manifestada pelo patrimônio

(veículo automotor) havendo que suas alíquotas serem progressivas. Mas quando o referido

imposto visa regular fatos de interesses econômicos, políticos e sociais, haverá a aplicação do

IPVA com função extrafiscal, utilizando-se então da progressividade em atenção a esta

finalidade, ao adotar como parâmetro para a graduação das alíquotas, o tipo e utilização do

veículo automotor.

4.14 Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana

O IPTU, de competência dos Municípios, conforme disposto no artigo 156, inciso I370,

do CF/88, tem como hipótese de incidência o fato de uma pessoa ser próprietária de imóvel

(prédio ou terreno) urbano.

370 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana;

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172

Segundo o ensinamento de Elizabeth Nazar Carrazza, no caso do IPTU “a base de

cálculo deve – por injunção constitucional – referir-se, de algum modo, à propriedade do

imóvel urbano”. Assim, a sua base de cálculo será o valor venal do imóvel. E complementa:

Sua base de cálculo em concreto é o valor venal (efetivo) que, ano a ano, o imóvel urbano tem. É no lançamento do imposto que se apura qual, de fato, o valor de mercado do imóvel urbano. Portanto, disso deve se ocupar, não a lei (que já firmou critérios gerais e abstratos), mas a Administração Fazendária, que, mediante perícias, levantamentos, plantas de valores etc., vai verificar, in concreto (caso a caso), quanto vale o imóvel “A”, quanto vale o imóvel “B”, quanto vale o imóvel “C” e assim avante.371 (grifo do autor)

Cumpre destacar, a esse respeito, que se o contribuinte entender excessiva a base de

cálculo apurada para o imóvel, terá o direito subjetivo de recorrer ao judiciário para que se

decida se a Administração Pública cumpriu ou não com a lei tributária.

Pois bem. O IPTU é um imposto que prestigia a progressividade, nos termos do artigo

156, §1º, I e II,372 da CF/88, conforme redação trazida pela Emenda Constitucional nº

29/2000. Como demonstrado ao longo deste trabalho, a progressividade das alíquotas

tributárias pode ter natureza fiscal ou extrafiscal e o IPTU, entendemos, é compatível com as

duas hipóteses.

A progressividade do IPTU deverá ocorrer em razão do valor do imóvel, obedecendo a

uma progressividade fiscal, conforme disposto no inciso I, do § 1º, do artigo 156 da CF/88,

atendendo à capacidade contributiva manifestada pelo patrimônio do contribuinte e, ainda,

pode ser aplicada devido à localização e uso do imóvel, de forma a assegurar a função social

da propriedade, atendendo a uma progressividade extrafiscal, conforme disposto no inciso II,

do § 1º, do artigo 156, e artigo 182, §§ 2º e 4º inciso II373, ambos da CF/88.

371 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 88-89. 372 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. 373 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. (...) § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (...)

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173

A respeito da distinção, Ricardo Lobo Torres:

A questão da progressividade do IPTU comporta duas abordagens distintas, conforme se leve em consideração a progressividade fiscal subordinada à capacidade contributiva e à idéia de justiça tributária, e a progressividade

extrafiscal, afastada do núcleo da capacidade contributiva e atrelada à função social da propriedade, com finalidade extrafiscal.374

Em atenção ao tema proposto, o presente estudo passará de imediato a analisar a

relação do IPTU com a progressividade, podendo ser esta fiscal ou extrafiscal.

4.14.1 Progressividade fiscal

A função do IPTU é tipicamente fiscal, com objetivo de obter recursos financeiros aos

cofres dos Municípios.

Trata de um imposto progressivo em razão do valor de sua base de cálculo, ou seja, em

atendimento ao valor do imóvel, como instrumento de política fiscal tendente à realização do

princípio da capacidade contributiva, nos termos do artigo 156, §1º, inciso I375, da CF/88.

Significa dizer que o referido imposto exige atenção ao principio da capacidade

contributiva, sendo esta aferida pelo próprio imóvel (pelo patrimônio) e não diretamente da

renda do proprietário. E isso porque deve-se considerar a base de cálculo, perspectiva

dimensível do aspecto material da hipótese de incidência, o valor venal do imóvel urbano,

nos termos da lei municipal.

Nesse sentido, as lições de Elizabeth Nazar Carrazza:

O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana incide sobre o direito de propriedade de imóvel urbano. Por incidir sobre o direito de propriedade, a capacidade contributiva a que alude a Constituição Federal – e que o legislador ordinário deverá levar em

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: (...) II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; 374 TORRES, Ricardo Lobo. Proporcionalidade, progressividade e seletividade no IPTU. XVI Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Revista de Direito Tributário n. 85, p. 343-344. 375 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel;

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174

conta ao criar o imposto – é de natureza objetiva. Refere-se a uma manifestação objetiva de riqueza do contribuinte (ter um imóvel).376

A tributação pelo IPTU deve estar condicionada ao próprio imóvel e não ao dinheiro

que efetivamente possui o proprietário do imóvel. Do contrário, poderiam existir proprietários

de imóveis de luxo em bairro central da cidade e que se negassem a pagar o IPTU por alegar

que não possuem rendimentos suficientes para arcar com o pagamento do imposto,

acarretando numa situação de incerteza e insegurança na tributação sobre a propriedade

predial e territorial urbana.

Cumpre, novamente, ressaltar as palavras de Roque Antonio Carrazza:

Em relação aos impostos sobre a propriedade (imposto territorial rural, imposto predial e territorial urbano, imposto sobre a propriedade de veículos automotores etc.), a capacidade contributiva revela-se com o próprio bem, porque a riqueza não advém apenas da moeda corrente, mas do patrimônio, como um todo considerado. Se uma pessoa tem, por exemplo, um apartamento que vale um milhão de dólares, ela tem capacidade contributiva, ainda que nada mais possua. Apenas, sua capacidade contributiva está imobilizada. A qualquer tempo, porém, esta pessoa poderá transformar em dinheiro aquele bem de raiz.377

Cabe destacar que no momento do lançamento do imposto a Administração

Fazendária, mediante a análise individual dos imóveis, verificará a base de cálculo em

concreto, sendo esta o valor venal do imóvel localizado em área urbana. A apuração do valor

de mercado dos imóveis não deve necessariamente alterar a sua base de cálculo, devendo a

Administração Fazendária verificar o efetivo valor venal do imóvel, sob pena de se apurar de

forma indevida a sua base de cálculo e consequentemente o imposto. Partindo desse

pressuposto, cabe à Fazenda Municipal verificar, nos termos da lei, a base de cálculo do

IPTU, podendo o contribuinte insurgir-se contra o lançamento caso verifique que o valor de

seu imóvel é inferior ao que considerado na tributação.

Dadas estas considerações, o que se verifica é que o IPTU possui, como base de

cálculo, o valor venal do imóvel tributado e a alíquota será maior ou menor, de forma a

respeitar os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e, inclusive, a

progressividade.

376 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 92. 377 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 103.

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Ao assim entender, Roque Antonio Carrazza destaca:

O proprietário de amplo e luxuoso imóvel, situado em bairro residencial, deve proporcionalmente ser mais tributado, por via de IPTU, do que o proprietário de casa modesta, localizada em bairro fabril. Quando dizemos “deve proporcionalmente ser mais tributado”, queremos significar que deve ser submetido a uma alíquota maior. Assim, se o imóvel urbano de “A” vale 1.000 e o imóvel urbano de “B” vale 10.000 e o primeiro paga 1 e o outro, 10, ambos estarão pagando, proporcionalmente, o mesmo imposto, o que fere o princípio da capacidade contributiva. A Constituição exige, in casu, que “A” pague 1 e “B” pague, por hipótese, 30, já que, só por ser proprietário do imóvel mais caro, revela possuir maior capacidade contributiva do que “A”. Se ambos forem tributados com alíquotas idênticas, estarão sendo tratados desigualmente, porque em desacordo com a capacidade contributiva de cada qual.378

Pretendemos afirmar que o fato de o contribuinte ser proprietário do imóvel já

constitui uma presunção iuris et de iure da existência de sua capacidade contributiva.

A nosso ver, a capacidade contributiva não se revela somente pela renda, mas no

patrimônio considerado como um todo. Assim, ainda que se considere a classificação deste

imposto como real, como preferem alguns, há que se aplicar a progressividade fiscal, levando

em consideração o valor do imóvel, visto tratarem de manifestações de riqueza pessoais do

contribuinte, harmonizando de forma clara com o princípio da capacidade contributiva.

Se assim não fosse considerado, um proprietário de um apartamento de alto luxo,

aposentado e que recebe apenas sua aposentadoria previdenciária, pagaria menos IPTU (ou

mesmo não pagaria), se comparado com seu vizinho, um proprietário de grande fortuna,

empresário bem sucedido.

A respeito do tema, Elizabeth Nazar Carrazza se pronuncia no seguinte sentido:

Para que se obedeça ao princípio da capacidade contributiva, é necessário que o proprietário de imóvel de alto padrão, situado em bairro estritamente residencial, seja proporcionalmente mais tributado, por via de IPTU, que o proprietário de casa também luxuosa mas localizada na periferia. Tal procedimento se justifica em razão da diferença de valor venal de ambos os imóveis. A mera localização em região central ou periférica acarretará variação substancial no valor do bem tributado.379

378 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 125-126. 379 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 93.

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Isso nos leva a concluir que a propriedade de bens imóveis denota uma presunção

absoluta de capacidade contributiva do contribuinte.

Enrico de Mita esclarece:

Qualquer fato pode tornar-se pressuposto de imposto quando o legislador, considerando-o economicamente relevante, o assume como índice da capacidade contributiva, capaz de justificar uma prestação tributária a ele associada. A noção de capacidade contributiva constitui, portanto, a justificativa, a ratio do imposto considerado singularmente.380

E, ainda, complementa referido autor italiano:

Os fatos economicamente relevantes, tomados majoritariamente em consideração pela lei tributária, são o patrimônio (riqueza possuída), a renda (riqueza adquirida), a transferência, o consumo de riqueza. Trata-se de entidades tomadas em consideração, com categorias lógicas próprias, inclusive daquele ramo da economia que é a ciência das finanças.381 (grifo do autor)

Assim, sempre que possível o legislador deverá adequar aos impostos às condições

pessoais do contribuinte, viabilizando a aplicação do princípio da capacidade contributiva,

visto ser o princípio informador dos impostos. E para o IPTU, obedecer ao princípio da

capacidade contributiva, nos termos do artigo 145, §1º, da CF/88, deve ser progressivo.

Nesse sentido, o proprietário de um imóvel luxuoso deve ser mais tributado pelo IPTU

do que o proprietário de um imóvel de baixo padrão, em razão do valor do imóvel objeto de

tributação. E a referida tributação deverá possuir alíquotas progressivas e não apenas ocorrer

uma tributação proporcional, visto que se aplicada a mesma alíquota para ambos os casos, os

dois contribuintes serão tributados de maneira desigual, sem o atendimento ao princípio da

capacidade contributiva e da igualdade na tributação.

4.14.2 Progressividade extrafiscal

O IPTU também pode ser instrumento de extrafiscalidade ao estabelecer alíquotas

diferentes de acordo com a localização e uso do imóvel, nos termos do artigo 156, §1º, inciso

380 FERRAZ, Roberto Catalano Botelho (coord.) Princípios e Limites da Tributação. DE MITA, Enrico. O

princípio da capacidade contributiva – São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 231. 381 Ibidem, p. 231.

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II, da CF/88382, assegurando o cumprimento da função social da propriedade, bem como pelo

não atendimento da função social da propriedade no tempo (artigo 182, § 4º, inciso II383, da

CF/88).

A respeito da função extrafiscal do IPTU, Misabel Abreu Machado Derzi se pronuncia

no sentido de que: “para atender a problemas de seu particular interesse, entre os quais se

incluem os urbanísticos, o município pode regular o tributo que ora estudamos, com fins

extrafiscais, elegendo alíquotas progressivas”.384

Dessa maneira, o IPTU também possui uma função extrafiscal, conforme destaca

Hugo de Brito Machado, com o objetivo de “desestimular vultosas imobilizações de recursos

em terrenos para fins meramente especulativos, dificultando o crescimento normal das

cidades”.385

Impende notar, antes de mais nada, que a Constituição Federal de 1988, de forma a

demonstrar a sua preocupação com o social e por garantir o direito de propriedade, exige que

haja um atendimento a uma função social, passando o proprietário a sofrer limitações ao uso

de sua propriedade, visando o interesse da coletividade.

A função social da propriedade imobiliária urbana é cumprida quando atendidas as

exigências do plano diretor386 do Município, conforme expresso no artigo 182, §§1º e 2º387 da

382 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (...) II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. 383 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. (...) § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: (...) II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; 384 DERZI, Misabel Abreu Machado. Do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana / Misabel de Abreu Machado Derzi, Sacha Calmon Navarro Coelho. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 73. 385 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 408. 386 O plano diretor é obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes e consiste em aprovação pelo Poder Legislativo Municipal. É utilizado como instrumento de política de desenvolvimento e expansão urbana. O plano diretor deve determinar a área nele incluída para, somente após, exigir do proprietário o IPTU progressivo no tempo pelo inadequado aproveitamento do imóvel. 387 Artigo 182. (...) § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

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CF/88, que indicará a melhor localização e uso adequado do imóvel em área urbana do

município, como forma de ordenação da cidade.

Para Roque Antonio Carrazza, “o IPTU deve: a) ter alíquotas progressivas, em razão

do valor do imóvel; e b) ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do

imóvel, o que, a nosso ver, depende – agora sim – da edição do plano diretor do Município”. 388

Nesta situação não se considera a capacidade contributiva do proprietário do imóvel

urbano em razão do bem (patrimônio), mas sim, tratando-se de uma tributação extrafiscal, o

disposto no plano diretor para induzir o comportamento do contribuinte.

Tal a ressalva de Elizabeth Nazar Carrazza quando destaca que “o Município,

regulando, através da lei própria o uso das propriedades imobiliárias em seu território,

indicará, no plano diretor, qual a utilização consentânea dos imóveis em suas regiões”.389

Desse modo, a progressividade do IPTU de forma a assegurar a função social da

propriedade visa a tributação extrafiscal, induzindo o comportamento do contribuinte ao

estabelecido pelo plano diretor. Podemos entender que o cumprimento das exigências

expressas no plano diretor destaca-se por uma progressividade extrafiscal de natureza

preventiva, ou seja, a chamada progressividade em razão da função social da propriedade. E

isso porque esta progressividade vai depender da edição de um plano diretor pelo município,

visando ordenar o crescimento urbano e, se o contribuinte atender às exigências fundamentais

de ordenação da cidade, expressas no plano diretor, estará agindo de forma preventiva para

evitar a exigência do IPTU extrafiscal pelo não cumprimento da função social da propriedade

urbana.

Nesse sentido, as alíquotas do IPTU podem ser, por exemplo, maiores se o imóvel está

vazio, sem uso. O fato de o proprietário manter o referido imóvel alugado, em uso, o previnirá

de sofrer a tributação do IPTU por alíquotas maiores por não ter cumprido o estabelecido pelo

plano diretor daquele Município onde está localizado o imóvel, ou seja, nesta situação, o

IPTU será exigido com alíquotas diferentes em atenção às conveniências locais, determinadas

pelo plano diretor.

388 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e

atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 127. 389 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 96.

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Aqui está em tela a função social da propriedade e não a capacidade contributiva do

contribuinte, manifestada pelo valor do bem imóvel. Assim, o princípio da capacidade

contributiva, independentemente da existência do plano diretor do Município, exige que a

tributação do IPTU seja maior ou menor, conforme maior ou menor valor venal do imóvel

urbano. Já, o inciso II, do §1º, do art. 156, da CF, exige que, havendo plano diretor, as

alíquotas do referido imposto municipal variem, para menos ou para mais, na medida que o

imóvel urbano preencha melhor ou pior sua função social.

Ainda, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988, na tributação do IPTU

poderá haver a progressividade extrafiscal pelo não atendimento da função social da

propriedade “no tempo”, nos termos do artigo 182, §4º, inciso II390 da CF/88.

Esta, podemos denominar de progressividade extrafiscal de natureza punitiva, ou seja,

a chamada progressividade no tempo. E isso em razão do contribuinte manter o solo urbano

não edificado, subutilizado ou não utilizado, ou manter o mau aproveitamento do imóvel,

deixando de atender o quanto determinado pelo plano diretor, ou seja, não cumprindo a

função social da propriedade o que enseja a aplicação de sanção. Noutros dizeres, a

progressividade do IPTU no tempo possui caráter nitidamente sancionatório.

Logo, pelo inadequado aproveitamento do imóvel urbano, o Município aplicará de

forma sucessiva três sanções, quais sejam: I - o parcelamento ou edificação compulsórios; II -

imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III -

desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente

aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais,

iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais (art. 182, §4º,

inciso I a III, da CF/88).

Cabe aqui abrir um parêntese no sentido de que a progressividade em questão encontra

limite na proibição do confisco. Nesse sentido são as palavras de Elizabeth Nazar Carrazza,

quando destaca:

(...) poderá ser progressiva no tempo dentro de parâmetros de razoabilidade, para não incidir na vedação constitucional. Dito de outro modo, essa

390 Art. 182. (...) § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: (...) II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

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progressividade não pode levar a uma “expropriação às avessas”, ou seja, a uma desapropriação sem nenhuma indenização. A persistência do proprietário no uso inadequado de seu imóvel poderá levar o Poder Público a promover, não o confisco, mas a desapropriação para fins de reforma urbana, sem prévia e justa indenização (item III, supra).391

A progressividade do IPTU no tempo, como é denominada a disposição do inciso II do

§4º do artigo 182 da CF/88, permite que as alíquotas do IPTU aumentem progressivamente a

cada ano que o proprietário mantiver o indevido aproveitamento do imóvel, podendo acarretar

na perda da propriedade. Assim, a progressividade aqui considerada não se dá em função do

valor do bem (capacidade contributiva objetiva), mas tendo como elemento o tempo decorrido

sem que seja corrigido o uso inadequado do imóvel.

Referida progressividade no tempo trata, portanto, de uma progressividade extrafiscal

para assegurar a função social da propriedade, mas com caráter sancionatório. E isso porque

visa à imposição das regras urbanísticas aos proprietários do solo urbano não edificado,

subutilizado ou não utilizado que, caso não promovam o adequado aproveitamento do solo,

ou seja, caso não se ajuste às diretrizes do plano diretor, sofrerão a progressividade do IPTU

no tempo.

Cumpre destacar que não se trata de tributação sobre fato ilícito, repudiado pelo direito

tributário (artigo 3º do CTN), mas sim a exigência do IPTU sobre fato lícito (propriedade do

imóvel urbano), mas com caráter extrafiscal pelo inadequado aproveitamento da propriedade

urbana, pelo descumprimento da política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder

Público municipal.

Elizabeth Nazar Carrazza ao se pronunciar a respeito, esclarece que “como

decorrência disso, se o proprietário, atendendo aos ditames da lei, adequar seu imóvel às

exigências do plano diretor, nada mais sofrerá, a guisa de sanção”.392

Ainda, cabe ressaltar que a menção do artigo 182, §4º da CF/88 a “nos termos da lei

federal” não limita à aplicação da progressividade. Não entendemos adequado dispor que a

progressividade só poderia ser aplicada na existência da referida lei federal393. Pelo contrário,

entendemos que a sua ausência (lei federal) não impede que o Município discipline

legislativamente o assunto. E isso em razão de que a eventual ausência de lei federal não inibe

391 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 99. 392 Ibidem, p. 99. 393 Lei nº 10.257, de 10.7.2001 (Estatuto da Cidade).

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o Município de tomar as providências necessárias com base em lei local. Ainda, poderá o

Município suprir esta omissão, conforme dispõe o artigo 30, inciso II,394 da CF/88.

Destacamos, portanto, que a ausência da referida lei federal não impede o Município de

aplicar a progressividade no tempo.

Verifica-se que, conforme esclarece Elizabeth Nazar Carrazza em profundo estudo

sobre o tema, antes mesmo das alterações das disposições do IPTU pela Emenda

Constitucional nº 29, de 2000, alguns autores como Aires Barreto, entendem que a

progressividade do IPTU aplica-se tão somente à progressividade no tempo, com caráter de

penalidade para aquele que não der ao imóvel função de acordo com o plano diretor. Outros

autores, como Roque Antonio Carrazza, já entendiam ser possível a tributação progressiva de

caráter fiscal ou extrafiscal.395

Concluímos que ao IPTU é possível a aplicação da (i) progressividade fiscal,

relacionada à capacidade contributiva do contribuinte revelada pelo próprio bem (patrimônio),

em razão do valor do imóvel objeto de tributação; (ii) progressividade extrafiscal de caráter

preventivo em razão da função social da propriedade, exigindo alíquotas maiores ou menores

conforme o estabelecido pelo plano diretor do Município, de acordo com a localização e o uso

do imóvel, ou seja, na medida em que o imóvel urbano preencha melhor ou pior sua função

social; e, ainda, (iii) progressividade extrafiscal de caráter punitivo, pelo não atendimento da

função social da propriedade “no tempo”, o que enseja a aplicação de sanção, permitindo que

as alíquotas do IPTU aumentem progressivamente a cada ano que o proprietário mantiver o

inadequado aproveitamento do imóvel, podendo acarretar na perda da propriedade.

4.15 Imposto de transmissão “inter vivos” a qualquer título, por ato oneroso, de bens

imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os

de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição

O imposto de transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens

imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de

garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição, de competência dos Municípios está 394 Art. 30. Compete aos Municípios: (...) II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; 395 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª edição – 3ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 2000, nota de rodapé, p. 102/103.

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182

previsto no artigo 156, inciso II, da CF/88, e incide sobre as transmissões inter vivos que são

negócios jurídicos que envolvem transferência de propriedade de forma onerosa.

E isso porque a transferência de propriedade a título gratuito, ou seja, a doação e a

herança, está sujeita ao ITCMD de competência estadual, conforme anteriormente exposto.

A Constituição Federal de 1988 não dispõe expressamente de determinação para a

aplicação da progressividade de alíquotas no ITBI. No entanto, conforme já tratado no

presente estudo, o tema da progressividade dos impostos exige a análise do princípio da

capacidade contributiva (§1º do artigo 145, da CF/88) e do princípio da isonomia na

tributação (artigo 150, inciso II, da CF/88) e está a progressividade autorizada pela

Constituição, ao tratar em seu artigo 145, §1º que “sempre que possível, os impostos terão

caráter pessoal e serão graduados segunda a capacidade econômica do contribuinte”.

Por conseguinte, o valor do bem e dos direitos, objeto de transmissão, possui estrita

relação com a manifestação de riqueza do contribuinte e, via de consequência, enseja o

reconhecimento da aplicabilidade e até necessidade de atendimento do princípio da

capacidade contributiva.

O fato de o ITBI tratar de imposto, classificado pela doutrina como real, não retira a

possibilidade de se verificar a capacidade contributiva objetiva nesta forma de tributação,

manifestada pelo próprio bem. E isso porque a personalização do imposto deve ser observada

sempre que o aspecto material da hipótese de incidência o comportar, ainda que se esteja

tratando de impostos que incidem sobre o patrimônio do contribuinte, como é o caso do ITBI.

Trata-se o ITBI de um imposto com função predominantemente fiscal, visando a

obtenção de recursos financeiros aos cofres públicos.

Ao assim tratar, consideramos que as alíquotas do ITBI, que devem ser fixadas por lei

ordinária do Município competente, devem ser progressivas na medida em que aumenta a sua

base de cálculo, qual seja, valor venal do bem e dos direitos objeto de transmissão, atendendo

ao primado da capacidade contributiva revelada pelo próprio bem. A progressividade aqui

analisada é, portanto, a fiscal, sendo esta aplicada quanto se trata de exigência de tributos com

a finalidade de arrecadar dinheiro aos cofres públicos.

Entendemos que, apesar de não haver expressa determinação constitucional para

aplicar a progressividade, há o ITBI que se adequar à progressividade fiscal em atenção ao

princípio da capacidade contributiva (artigo 145, §1º da CF/88), manifestada aqui pelo

patrimônio do contribuinte (bens imóveis e direitos reais a ele relativos), que constituiu

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elemento objetivo exteriorizador da capacidade contributiva do sujeito passivo, variando as

alíquotas com base no valor venal do imóvel, em harmonia ao mencionado princípio da

capacidade contributiva e da igualdade na tributação.396

4.16 Imposto sobre serviços de qualquer natureza

O imposto sobre serviços de qualquer natureza, de competência dos Municípios,

conforme artigo 156, inciso III397, da CF/88, compreende serviços de qualquer natureza,

excetuados aqueles indicados no artigo 155, II, da CF/88, ou seja, o ICMS, estando tais

serviços definidos em Lei Complementar, atualmente pela Lei Complementar nº 116/2003.

Essa competência também deve ser alcançada pelo Distrito Federal em função de sua

competência cumulativa estabelecida no artigo 147398 da CF/88, visto que ao Distrito Federal

cabe instituir, cumulativamente, os impostos estaduais e municipais.

O artigo 146, inciso I, da CF/88 atribuiu à lei complementar o dever de dirimir

possíveis conflitos de competência entre os entes tributantes em âmbito nacional. É nesse

sentido que a Lei Complementar nº 116/2003 cumpre sua função em relação ao ISS.

Nos termos da Lei Complemetar nº 116/2003, o ISS é exigido pelo Município do local

do estabelecimento a partir do qual o serviço é prestado, com as 22 exceções previstas no

artigo 3º dessa lei, quando o imposto será devido no local indicado nas exceções399. Referido

artigo 3º assim dispõe: “O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do

estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador,

exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local”.

396 O STF, conforme a Súmula nº 656 (“É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão "inter vivos" de bens imóveis - ITBI com base no valor venal do imóvel”) possui entendimento pela inconstitucionalidade da progressividade de alíquotas do ITBI, em razão do posicionamento no sentido de que a Constituição Federal não autoriza a progressividade das alíquotas deste imposto, realizando-se o princípio da capacidade contributiva proporcionalmente ao preço da venda. Também no sentido firmado pelo STF, Aires Fernandino Barreto destaca que “o Texto Constitucional, em matéria de ITBI, não admite a progressividade; que em matéria de ITBI só é possível tributo proporcional, isto é, de alíquota única que se aplica aos diversos valores das transmissões imobiliárias”. (BARRETO, Aires Fernandino. A progressividade do ITBI (SISA). Conferências e debates. Revista de Direito Tributário nº 68, p. 185). 397 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. 398 Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais.

399 COSTA, Alcides Jorge. Estudos sobre IPI, ICMS e ISS. São Paulo: Dialética, 2009, p. 111.

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A esse respeito, o contribuinte do imposto, é o prestador do serviço (artigo 5º da Lei

Complementar nº 116/2003) visto tratar do realizador do fato imponível, ocupando o polo

passivo da relação jurídica tributária.

E, nos termos da Lei Complementar nº 116/2003 (artigo 4º):

Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

Referido imposto é devido na prestação remunerada de serviços de qualquer natureza

em favor de um terceiro, visto que a prestação de serviço em benefício próprio não enseja a

tributação deste o imposto por não indicar riqueza, nem mesmo aquele serviço prestado de

forma gratuita, aquele serviço prestado pelo empregado ao empregador ou mesmo o serviço

prestado entre pessoas políticas (artigo 150, VI, “a”, da CF/88).

Cumpre destacar que “serviço de qualquer natureza” é um servir enquanto fazer (uma

obrigação de fazer) e não uma obrigação de dar, motivo pelo qual o legislador complementar

não poderá incluir na lista de serviços tributáveis pelo ISS (Lei Complementar nº 116/2003)

atividade outra que não seja serviço, como se pretendeu com a indicação da locação de bens

móveis, já considerado pelo Supremo Tribunal Federal pela não incidência do ISS.400

Nos termos da referida Lei Complementar nº 116/2003 (artigo 1º), o ISS tem como

fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa à referida lei complementar,

ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador, podendo ainda

incidir sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos

explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o

pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.

Cabe destacar que a base de cálculo do ISS é, portanto, o valor do serviço prestado.

400 Súmula Vinculante nº 31 – STF “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.”

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Julcira Maria de Mello Vianna esclarece, nesse sentido: “apenas os valores relativos à

efetiva prestação de serviços, que são objeto de um contrato firmado entre as partes e revelam

capacidade contributiva, é que podem servir de base de cálculo para o ISS”.401

Nos termos do artigo 156, §3º, da CF/88, é reservada à lei complementar a fixação de

alíquota mínima e máxima (inciso I), a declaração de sua não-incidência nas exportações de

serviços para o exterior (inciso II) e a regulação da forma e das condições de como a isenção,

incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados (inciso III).

Mas enquanto a Lei Complementar não disciplinar nesse sentido, nos termos do artigo

88 do ADCT, com a redação dada pelo artigo 3º402 da Emenda Constitucional nº 37/2002, o

ISS terá alíquota mínima de 2% (dois por cento), exceto para os itens 32, 33 e 34 (construção

civil) da Lista de Serviços do Decreto nº 406/68. E o inciso II do artigo 8º403 da LC nº

116/2003 estabeleceu que a alíquota máxima é de 5%.

A respeito do tema, Julcira Maria de Mello Vianna:

Essas modificações trazidas pela Emenda Constitucional n. 37/02 ofendem ditames constitucionais, no sentido de impedir o livre exercício da competência tributária das pessoas políticas, que devem exercê-la de acordo com as necessidades de cada ente. Os limites dessa competência já foram balizados pelo legislador constituinte.404

E, nessa linha, conclui Julcira Maria de Mello Vianna:

A fixação de alíquotas mínimas, exigida por Emenda Constitucional (Poder Constituinte Derivado), a ser observadas pelos Municípios e pelo Distrito Federal, que, ao instituírem o ISS, devem respeitar, fere o princípio da autonomia municipal e o próprio princípio federativo, tolhendo, de tal modo,

401 Comentários à lei complementar n. 116/03: de advogados para advogados / Adolpho Bergamini, Diego Marcel Bomfim (coordenador). São Paulo: MP Editora, 2009, p. 289. 402Art. 3º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 84, 85, 86, 87 e 88: (...) Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo: I – terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; II – não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I. 403 Art. 8o As alíquotas máximas do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza são as seguintes: I – (VETADO) II – demais serviços, 5% (cinco por cento). 404 Comentários à lei complementar n. 116/03: de advogados para advogados / Adolpho Bergamini, Diego Marcel Bomfim (coordenador). São Paulo: MP Editora, 2009, p. 290.

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a liberdade ao exercício da competência e tais entes, que não poderia ser ofendida e tolhida por Emenda Constitucional.405

Mas da forma como o ISS vem sendo instituído, o que se pode observar é que são

aplicadas alíquotas fixas, o que acaba por burlar o princípio da capacidade contributiva.

Conforme exposto, os impostos fixos são assim considerados porque seu montante não se

gradua em função da maior ou menor expressão econômica revelada pelo contribuinte. Assim,

os impostos fixos são quantificados diretamente pelo legislador em que uma única alíquota se

aplica a toda a matéria tributável.

O que se verifica é que a Constituição não autoriza a existência de impostos fixos,

tendo em vista que agride o princípio da igualdade, na medida em que haverá a tributação sem

levar em consideração as diferenças econômicas e sociais existentes entre os contribuintes,

acarretando na violação ao princípio da capacidade contributiva em que cada contribuinte

deve ser tributado na medida de sua manifestação de riqueza.

Neste sentido, são as palavras de Paulo de Barros Carvalho:

O meio jurídico especializado não se tem mostrado sensível à tese que adotamos, prevalecendo entre nós alguns tributos fixos, como, por exemplo, o ISS, na faixa de incidência que atinge os profissionais liberais, e grande quantidade de taxas. Vemos nisso uma inconstitucionalidade vitanda, embora os tribunais não se hajam manifestado na apreciação específica desse problema. Uma das funções da base de cálculo é medir a intensidade do núcleo factual descrito pelo legislador. Para tanto, recebe a complementação de outro elemento que é a alíquota, e da combinação de ambos resulta a definição do debitum tributário. Sendo a base de cálculo uma exigência constitucionalmente obrigatória, a alíquota, que com ela se conjuga, ganha, também, foros de entidade indispensável. Carece de sentido a existência isolada de uma ou de outra.406 (grifo do autor)

Roque Antonio Carrazza também se pronuncia a respeito do tema:

Do exposto, facilmente percebemos que, também por burla ao princípio da capacidade contributiva, são inconstitucionais os chamados impostos fixos, isto é, aqueles cujo montante é apontado pela lei, de modo invariável, sem qualquer preocupação com as condições pessoais do contribuinte. É o caso, em certos Municípios, do ISS incidente sobre os serviços advocatícios, fixado, pela lei local, em X unidades (salários mínimos, unidades fiscais, valores de referência etc.) por ano, para cada advogado. Antes mesmo da

405 Comentários à lei complementar n. 116/03: de advogados para advogados / Adolpho Bergamini, Diego Marcel Bomfim (coordenador). São Paulo: MP Editora, 2009, p. 291. 406 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 397.

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ocorrência do fato imponível tributário, já se tem condições de saber o montante deste tributo, que será o mesmo quer o profissional tenha uma banca florescente, quer esteja ensaiando os primeiros passos na profissão. Com isso, neste Municípios, o ISS deixa de ter caráter pessoal, não sendo graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Manifesta inconstitucionalidade, porquanto o ISS deve necessariamente obedecer ao princípio em exame.407 (grifo do autor)

Entendemos que no ISS, por sua função essencialmente fiscal, a forma de se alcançar a

tributação de maneira a respeitar os princípios da igualdade e da capacidade contributiva,

certamente ocorre mediante a aplicação dos impostos graduados de maneira progressiva. E no

referido imposto municipal, podemos identificar que a capacidade contributiva é revelada pela

efetiva prestação do serviço, ou seja, considera-se o fato presuntivo de riqueza pelo valor

decorrente da prestação do serviço. Assim, há que se considerar a necessidade de aplicação da

progressividade fiscal em razão do valor do serviço prestado, visando uma tributação justa e

equitativa.

407 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 122.

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CONCLUSÕES

Seguem abaixo transcritas as conclusões elaboradas neste trabalho, na ordem em que

os temas foram abordados e segundo as premissas firmadas desde o início:

(CAPÍTULO 1 – O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO BRASILEIRO)

1. O Direito manifesta-se por meio de linguagem, selecionando os fatos sociais relevantes

que irão compor as hipóteses normativas, juridicizando os comportamentos dos indivíduos

de forma a viabilizar o convívio social. A forma de proporcionar o convívio harmônico

entre os indivíduos parte da devida aplicação de normas que compõem o ordenamento

jurídico.

2. O sistema jurídico brasileiro é conduzido por uma Constituição Federal e composto de

princípios e normas coordenados entre si, sendo necessário que estes se relacionem com o

objetivo de regular as relações sociais, garantindo a ordem geral.

3. A ordem jurídica não é um sistema de regras dispostas no mesmo patamar; muito pelo

contrário, é uma construção escalonada de diferentes níveis de normas jurídicas em que a

Constituição Federal representa o escalão mais elevado do Direito Positivo, servindo de

validade para todas as demais normas do sistema. O ordenamento jurídico é composto por

um conjunto de normas organizadas hierarquicamente, em que as normas inferiores

recebem respaldo de validade das normas superiores (constitucionais), formando a

chamada “pirâmide jurídica”.

4. O sistema constitucional brasileiro é composto por grande número de disposições que

tratam de matéria tributária, formando o sistema constitucional tributário.

5. A instituição de tributos de qualquer espécie é matéria constitucional, diante de um

sistema rígido de distribuição de competências, visando atingir o valor supremo da

segurança nas relações jurídicas tidas entre a Administração e os administrados.

6. A tributação é o principal meio de o Estado brasileiro financiar-se, de forma a obter os

recursos para atingir os fins que almeja à sociedade, tais como a segurança, saúde, cultura,

etc.. A finalidade almejada pela tributação não enseja a cobrança indiscriminada de

impostos, devendo respeito aos principios e direitos fundamentais dispostos na Carta

Magna, de maneira a distribuir a carga tributária de forma adequada.

7. Os princípios constitucionais compõem a viga estrutural do sistema jurídico, conferindo-

lhe harmonia e servindo como critério para a sua exata compreensão. Os princípios devem

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ser observados por todo o ordenamento jurídico, não se podendo conduzir normas

infraconstitucionais em desacordo com tais preceitos máximos.

8. Os princípios constitucionais podem ser gerais, sendo aqueles que exercem significativa

influência sobre o ordenamento jurídico como um todo, informando múltiplos segmentos,

como princípio da igualdade e, ainda, tributários, que são aqueles que informam o

exercício do poder tributário no Brasil, sendo especialmente dirigidos a este segmento,

como o princípio da capacidade contributiva.

9. Para o estudo a respeito da progressividade nos impostos, temos que merece especial

destaque os princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

(CAPÍTULO 2 – O PRINCÍPIO DA IGUALDADE)

10. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, demonstra a preocupação com a

igualdade ao adotar o regime republicano como sistema de governo, constituído em

Estado Democrático de Direito e indicando seus fundamentos como a soberania, a

cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa, o pluralismo político. Portanto, a igualdade é corolário da República e, via de

consequência, da democracia.

11. No Estado Democrático de Direito, a igualdade é implementada como forma de atribuir

tratamento igualitário àqueles que se encontrem em determinada situação fática, como um

ideal visado pela sociedade para que se evite privilégios e iniquidades. A Constituição

Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei, de forma

que a lei deve ser editada em conformidade com a isonomia.

12. O princípio da igualdade busca a redução das diferenças existentes entre os indivíduos,

cabendo ao legislador, como destinatário deste princípio, instituir a norma de maneira a

evitar discriminações.

13. A igualdade e a desigualdade são conceitos relativos, visto que não são analisados

isoladamente, havendo a necessidade de se confrontar situações para que se verifique o

cumprimento ou descumprimento da igualdade. O tratamento jurídico de forma igual ou

diferenciada deve ser analisado dentro de um grupo de indivíduos e não isoladamente,

respeitando as garantias consagradas pela Constituição Federal, estando a igualdade

presente em todo o ordenamento jurídico como fundamento necessário para que se

alcance a justiça fiscal.

14. Deve atender aos preceitos constitucionais no que tange à igualdade não apenas o

Legislativo, que não pode estabelecer desigualdades ilegítimas na norma jurídica, mas

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também o Executivo, ao realizar a vontade do povo e o Judiciário, por meio da decisão

judicial, como aplicadores do Direito.

15. A isonomia e a legalidade caminham conjuntamente num Estado Democrático de Direito.

E isso em razão do princípio da legalidade também tratar de um princípio basilar do

Estado Democrático de Direito na medida em que o Estado de Direito está ao império da

lei, lei esta que realize o princípio da igualdade e da justiça como forma de buscar a

adequação as condições sociais dos indivíduos. Pelo princípio da estrita legalidade, tem-se

a garantia de que nenhum tributo será instituído ou majorado senão em virtude de lei.

16. No âmbito do Direito Tributário, o princípio da igualdade encontra-se disposto no artigo

150, inciso II, da Constituição Federal de 1988. O princípio da igualdade deixa de ser

observado quando uma norma tributária impõe, sem motivação, tratamento idêntico a

situações que são diferentes.

17. O princípio da igualdade tributária relaciona-se com a justiça distributiva em matéria

fiscal, de maneira que haja uma repatição do ônus financeiro da forma mais justa possível.

O sistema tributário isonômico é aquele que observa a igualdade dos sujeitos passivos da

relação jurídica tributária, tanto no que diz respeito à instituição e aumento de tributos,

como no que se relaciona às minorações da carga tributária e que seja ainda neutro, no

sentido de que todos estejam sujeitos à mesma carga tributária, ou seja, sintam a

tributação na mesma intensidade.

18. O mandamento constitucional, no âmbito do direito tributário, disposto no artigo 150,

inciso II, foi ainda mais destacado pelo legislador constituinte ao tratar da capacidade

contributiva dos indivíduos, nos termos do artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição

Federal de 1988, buscando concretizar a justiça fiscal.

(CAPÍTULO 3 – O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA)

19. O princípio da capacidade contributiva foi tratado de forma expressa na Constituição

Federal de 1988, conforme disposto no artigo 145, §1º, estabelecendo a necessidade de

graduação dos impostos e possuindo como essência a exigência de que os indivíduos

contribuam de acordo com a respectiva manifestação de riqueza.

20. A tributação por meio dos impostos está vinculada à condição econômica do contribuinte,

mais especificamente, aos fatos-signos presuntivos de riqueza, estando a capacidade

contributiva, diretamente relacionada à proteção do contribuinte de forma com que não

haja tributação excessiva que comprometa os meios de sobrevivência ou mesmo os

direitos fundamentais do indivíduo.

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21. O princípio da capacidade contributiva, por expressa disposição constitucional, somente

se aplica aos impostos, sendo o princípio informador dos mesmos.

22. A capacidade contributiva é medida pelos fatos-signos presuntivos de riqueza e não pela

disponibilidade financeira propriamente dita. Esta situação de riqueza presumida se

verifica na capacidade contributiva objetiva (absoluta), com base em indicadores que

refletem a existência de riqueza daquele contribuinte, fazendo presumir que quem realiza

tais fatos ou situações, reúne condições objetivas para suportar a carga econômica do

imposto. A capacidade contributiva objetiva mostra-se a mais adequada a selecionar e

dimensionar as ocorrências econômicas, denotando os sinais objetivos de riqueza dos

contribuintes. Em sentido diverso, a capacidade contributiva manifestada de forma

subjetiva (relativa) considera uma situação individualizada do contribuinte para suportar a

carga econômica do imposto.

23. A capacidade contributiva, interpretamos como aquela derivada de uma relação jurídica

entre Fisco e Contribuinte, em que o primeiro detém um poder sobre o segundo, de forma

a fazer com que este último tenha um dever para com o primeiro. Possui capacidade

contributiva aquele contribuinte que está juridicamente obrigado a cumprir determinada

prestação de natureza tributária para com o poder tributante. E a capacidade econômica é a

real possibilidade de o contribuinte obter riqueza e diminuir-se patrimonialmente, sem

perder a possibilidade de persistir gerando riqueza como lastro à tributação. É

representada pela capacidade que o contribuinte possui economicamente de suportar o

ônus tributário em razão de seus rendimentos auferidos.

24. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 145, §1º, enfatizou que será considerado o

critério econômico, levando em conta o patrimônio, os rendimentos e a atividade

econômica, para aferição da capacidade contributiva. O critério escolhido para aferição da

capacidade contributiva deverá integrar a hipótese de incidência do imposto objeto de

tributação, de forma a determinar o fato selecionado pelo legislador para indicar a

capacidade contributiva. Integram os critérios para aferição da capacidade contributiva

aqueles que efetivamente denotam riqueza existente do contribuintem, sendo tais critérios

a renda e o patrimônio.

25. Em razão de a capacidade contributiva constituir princípio cuja finalidade é a tributação

justa e igualitária, de forma a determinar que o contribuinte suporte a exação fiscal de

acordo com a amplitude econômica do evento realizado, é que se pode verificar que

decorre, diretamente, do princípio da igualdade no campo tributário.

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26. A capacidade contributiva é a concretização do princípio da igualdade no âmbito

tributário, exigindo tratamento fiscal igual aos que ostentam situações econômicas

equivalentes e desigual aos que se encontram em situações econômicas diversas, fazendo

com que o encargo fiscal seja tanto maior quanto maior forem as possibilidades

econômicas das pessoas que o suportam, de forma a atender as diferenças existentes em

nosso País.

27. O artigo 145, §1º, da CF/88, não faz menção à progressividade propriamente dita, e sim à

graduação segundo a capacidade econômica, que são expressões diretamente relacionadas,

visto que quando o legislador trata de “graduação segundo a capacidade econômica”

pretender que seja realizada a progressividade.

28. A eficácia do princípio da capacidade contributiva está estritamente relacionada com a

necessidade de se atender a uma tributação progressiva, graduando a exigência dos

impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte, preservando como limite

mínimo o mínimo vital do contribuinte e de modo que a tributação não atinja efeito

confiscatório.

29. Mínimo vital é o mínimo necessário (em termos econômicos) para o atendimento das

necessidades vitais básicas dos indivíduos. Deve-se medir pelas necessidades dos

indivíduos dentro do contexto social, cultural e econômico em que vivem.

30. A não-confiscatoriedade limita a expropriação de bens privados pelas pessoas políticas.

Confiscatório é o tributo que onera de forma demasiada o contribuinte de tal maneira que

venha a violar seu direito de propriedade sem a correspondente indenização, de forma a

absorver parte considerável da riqueza privada do contribuinte.

31. A personalização (caráter pessoal) está contemplada pela capacidade contributiva e deve

ser atendida pelo legislador de forma a adequar, sempre que possível, a tributação às

condições pessoais de cada contribuinte. Não se trata da individualização, propriamente

dita, da exigência fiscal, mas a estruturação do modelo de incidência tributária de forma a

adequar a aplicação de maneira condizente com aquela praticada pelo contribuinte, em

razão da manifestação de riqueza.

32. A capacidade contributiva deve ser aplicada mediante a progressividade dos impostos que

consiste no modo de o legislador estruturá-los, aumentando as alíquotas à medida que

aumenta a respectiva base de cálculo. Quanto mais capacidade contributiva for

manifestada pelo contribuinte, maior será, progressivamente, a tributação, a fim de que

aqueles contribuintes que se encontrem em situações diferentes se sacrifiquem igualmente

em prol do desenvolvimento social.

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33. Por seletividade, prevista na Constituição Federal de 1988 para o IPI e para o ICMS,

entende-se que a carga tributária deve ser inversamente proporcional à essencialidade do

produto, mercadoria ou serviço. A seletividade pode ser alcançada mediante quaisquer

técnicas de alteração quantitativa da carga tributária, como a variação da base de cálculo,

criação de incentivos fiscais, sendo a variação de alíquotas a forma mais observada.

34. A aplicação da seletividade em razão da essencialidade dos produtos, mercadorias e

serviços não remete à capacidade econômica do contribuinte, uma vez que a variação da

carga tributária se dará em função da análise da essencialidade dos produtos, mercadorias

e serviços e não em razão da maior ou menor capacidade contributiva objetiva do

indivíduo, manifestada pela sua riqueza.

35. A finalidade primeira da tributação é obter receitas dos particulares aos cofres públicos,

possibilitando que o Estado tenha recursos para desenvolver as funções que lhe são

atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis, organizando, em sentido amplo, a vida

social. Essa é a função fiscal da tributação que possui como medida de comparação a

capacidade contributiva dos indivíduos, em razão de sua manifestação de riqueza.

36. A tributação possui também função extrafiscal, para estimular ou mesmo desestimular

comportamentos dos indivíduos no controle de questões econômicas, sociais ou políticas

em atenção ao interesse público, como forma de um intervencionismo estatal. A

arrecadação dos referidos impostos com finalidade extrafiscal pelo poder público, decorre

de questões de política econômica, variáveis de acordo com as determinações do Governo,

e não em razão da efetiva manifestação presumível de riqueza dos contribuintes. Não se

adequam ao princípio da capacidade contributiva os impostos com finalidade extrafiscal,

visto que a variação das alíquotas se dá conforme critérios outros - econômicos, sociais ou

políticos - que não em atendimento à capacidade contributiva do contribuinte revelada

pela manifestação presumível de riqueza.

37. O princípio da capacidade contributiva não se adequa a outras espécies tributárias que não

apenas aos impostos (tributos não vinculados a uma atuação estatal), devendo as taxas e a

contribuição de melhoria (tributos vinculados a uma atuação estatal) respeito ao princípio

da retributividade e da proporcionalidade da atuação do Estado em relação ao benefício

obtido pelo contribuinte, respectivamente.

38. A justiça fiscal será alcançada mediante a adequada aplicação do princípio da capacidade

contributiva e da igualdade e, para que isso ocorra, os impostos devem ser progressivos.

(CAPÍTULO 4 – A PROGRESSIVIDADE NOS IMPOSTOS)

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194

39. A progressividade das alíquotas tributárias, longe de atritar com o sistema jurídico, é a

única forma possível de se afastarem as injustiças tributárias, vedadas pela Constituição

Federal. A progressividade nos impostos consiste no modo de o legislador estruturá-los,

aumentando as alíquotas à medida que aumenta a base de cálculo.

40. A progressividade está expressamente disposta em alguns dispositivos da Constituição

Federal de 1988 como é o caso do Imposto de Renda (art. 153, §2º, I), do IPTU (art. 156,

§1º e art. 182, §4º, II) e do ITR (art. 153, §4º, I), mas não se restringe apenas a estes

impostos em que há expressa previsão constitucional. Independentemente de

determinação expressa do Texto Constitucional a respeito da aplicação da progressividade,

esta deverá ser atendida, sempre que possível, a todos os impostos, em função do primado

da capacidade contributiva e da igualdade na tributação, visando uma tributação justa e

equitativa.

41. A progressividade pode ser encontrada e aplicada nos impostos com função fiscal e

extrafiscal. Daí a progressividade também fiscal e extrafiscal. A progressividade fiscal é

aquela inerente aos impostos com finalidade arrecadatória de levar dinheiro aos cofres

públicos, com o objetivo de repartição equânime da carga tributária, na medida em que as

alíquotas aumentam em virtude do aumento da base de cálculo do imposto. Pela

progressividade fiscal verifica-se a instrumentalização do princípio da capacidade

contributiva, visando uma tributação equitativa, medida pela manifestação de riqueza do

contribuinte. A progressividade extrafiscal é perfeitamente lícita e aceita pelo

ordenamento jurídico e tem como objetivo a promoção de valores consagrados pela

Constituição Federal, com cunho social, econômico e político mais relevante. A

progressividade extrafiscal é aplicada aos impostos que incidem sobre fatos econômicos

que, em razão do interesse público, suas alíquotas são agravadas ou minoradas,

independentemente da aferição da capacidade contributiva dos indivíduos, de forma a

estimular ou mesmo desestimular os contribuintes.

42. Para análise da progressividade, visou o trabalho classificar os impostos, sendo tais

classificações dos impostos reais e pessoais, diretos e indiretos, assim como os fixos e

graduados.

43. Impostos reais são aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência limita-se a

descrever um fato, independentemente do aspecto pessoal. São aqueles que tomam sob a

tributação, objetos ou coisas, ficando o contribuinte em segundo plano. Impostos pessoais,

por sua vez, são aqueles em que o aspecto material da hipótese de incidência leva em

consideração certas qualidades dos possíveis sujeitos passivos. Nesta forma de

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classificação, são estabelecidas diferenças na alíquota ou na base de cálculo dos impostos,

em função de características pessoais do sujeito passivo. Destaca-se que, juridicamente,

todos os impostos são pessoais, visto que sempre quem realiza o fato previsto na norma é

uma pessoa e ainda somente as pessoas podem ser sujeito de direitos e obrigações.

44. Os impostos diretos, ou que não repercutem em outra pessoa, são aqueles cuja carga

econômica é suportada pelo próprio contribuinte realizador do fato imponível

(contribuinte de direito). Os impostos indiretos são aqueles que a carga econômica não é

suportada pelo contribuinte (denominado contribuinte de direito), mas por terceira pessoa

que não o realizador do fato imponível. Esta terceira pessoa é denominada de contribuinte

de fato, sendo ela o consumidor final da mercadoria ou do produto.

45. Os impostos fixos são assim considerados porque seu montante não se gradua em função

da maior ou menor expressão econômica revelada pelo contribuinte. São quantificados

diretamente pelo legislador em que uma única alíquota se aplica a toda a matéria

tributável. O que se verifica serem inconstitucionais, tendo em vista que o imposto deve

ser graduado em razão da capacidade econômica do contribuinte e em atenção ao

princípio da igualdade na tributação. Já os impostos graduados são aqueles em que cada

alíquota aplica-se apenas sobre a parcela de valor compreendida entre um limite inferior e

outro superior da base de cálculo.

46. Dadas estas considerações e todos os elementos necessários, analisamos cada um dos

impostos elencados na Constituição Federal de 1988.

47. No imposto de importação (II) e no imposto de exportação (IE), predomina a função

extrafiscal, visto tratarem de impostos com finalidade de proteção da indústria nacional,

como instrumento de política econômica relacionada com o comércio internacional.

Aplica-se a progressividade extrafiscal e não se submetem ao princípio da capacidade

contributiva, visto que a variação das alíquotas se dá conforme critérios de forma a induzir

o comportamento dos indivíduos no controle de questões econômicas e sociais e não em

razão da manifestação presumível de riqueza dos contribuintes, concluindo-se que a

essência da capacidade contributiva não é aplicada aos impostos com finalidade

extrafiscal.

48. O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR) é um imposto progressivo

com finalidade predominantemente fiscal, visando arrecadar dinheiro aos cofres públicos

para manutenção do Estado em atendimento à coletividade, adotando como critério para a

sua aferição a renda e proventos auferidos pelos contribuintes diante da aplicação da

capacidade contributiva.

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49. O imposto sobre produto industrializado (IPI) possui função extrafiscal, de maneira a

impulsionar a produção interna do País. A Constituição Federal de 1988 atribui ao IPI

regime jurídico tributário próprio, diante da aplicação de alíquotas seletivas em função a

essencialidade dos produtos, não se aplicando, portanto, a progressividade e a capacidade

contributiva, por levar em consideração fatores alheios à manifestação objetiva de riqueza

dos contribuintes.

50. O imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro (IOF) é de caráter extrafiscal por

regular o fluxo monetário da economia do País, sendo suas alíquotas variadas de forma a

atender a uma progressividade extrafiscal. O IOF não se adequa ao princípio da

capacidade contributiva, pois considera para sua aferição fatos econômicos, portanto

independentemente da capacidade contributiva manifestada pela riqueza do contribuinte.

51. O imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) como instrumento de política

fundiária e, portanto, finalidade extrafiscal, será progressivo e terá suas alíquotas fixadas

de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, mediante a

aplicação da progressividade extrafiscal. Pode-se também verificar no ITR a aplicação da

progressividade fiscal em função do valor da propriedade rural e, portanto, da

manifestação de riqueza do contribuinte em razão do patrimônio, aplicando-se a

capacidade contributiva objetiva revelada pelo bem imóvel.

52. O imposto sobre grandes fortunas (IGF) poderá ser instituído a qualquer momento,

devendo atender ao princípio da capacidade contributiva manifestada pelo patrimônio

financeiro de grande valor do contribuinte e, via de consequência, à progressividade fiscal

de suas alíquotas, com base no valor da grande fortuna.

53. O imposto de competência residual da União, ao ser instituído, deverá respeitar o

princípio da capacidade contributiva diante de fatos que revelem aptidão econômica por

parte dos contribuintes, aplicando-se, sempre que possível, a graduação mediante a

progressividade fiscal de suas alíquotas conforme variar a sua base de cálculo.

54. Os impostos extraordinários poderão ser instituídos pela União quando o País estiver

diretamente envolvido na guerra externa ou encontrar-se prestes a nela entrar, devendo

aplicar a progressividade cabível a espécie tributária que o imposto espelhar.

55. No imposto de transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens e direitos (ITCMD),

a capacidade contributiva revela-se com o próprio bem objeto de transmissão ou com a

doação, acarratando em um acréscimo patrimonial ao contribuinte, aplicando-se a

progressividade fiscal em função do valor da herança ou da doação.

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56. O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de

serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) possui

função extrafiscal e está fora do alcance do primado da capacidade contributiva, o que

acarreta a impossibilidade de obediência à progressividade fiscal. A Constituição Federal

de 1988 dispôs que o ICMS poderá (deverá) obedecer ao ditame da seletividade em

função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, não se aplicando, portanto, a

progressividade e o princípio da capacidade contributiva, por levar em consideração

fatores alheios à efetiva manifestação de riqueza dos contribuintes de direito.

57. O imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) está sujeito à

progressividade fiscal das alíquotas em razão do valor venal do veículo automotor, em

atendimento ao princípio da capacidade contributiva manifestada pelo patrimônio.

Referido imposto também poderá ter finalidade extrafiscal, aplicando-se a progressividade

extrafiscal, graduando-se as alíquotas em função do tipo e da utilização do veículo

automotor, não levando em consideração, nesta hipótese, a capacidade contributiva do

proprietário do veículo automotor, mas sim interesses econômicos, políticos e sociais de

interesse da coletividade.

58. No imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) é possível a aplicação

da (i) progressividade fiscal, relacionada à capacidade contributiva do contribuinte

revelada pelo próprio bem imóvel, em razão do valor venal do imóvel objeto de

tributação; (ii) progressividade extrafiscal de caráter preventivo, com o objetivo de

assegurar o cumprimento da função social da propriedade, exigindo alíquotas maiores ou

menores de forma a induzir o proprietário do bem imóvel a obedecer o estabelecido pelo

plano diretor do Município, de acordo com a localização e o uso do imóvel; e, ainda, (iii)

progressividade extrafiscal de caráter punitivo, pelo não atendimento da função social da

propriedade no tempo, permitindo que as alíquotas do IPTU aumentem progressivamente

a cada ano que o proprietário mantiver o inadequado aproveitamento do solo urbano.

59. No imposto de transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis,

por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia,

bem como cessão de direitos à sua aquisição (ITBI), verifica-se a obediência ao princípio

da capacidade contributiva manifestada pelo patrimônio do contribuinte (bens imóveis e

direitos reais a ele relativos), aplicando-se a progressividade fiscal mediante a variação

das alíquotas em razão do valor do bem imóvel transferido.

60. E o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), por sua função essencialmente

fiscal, deve observar o princípio da capacidade contributiva revelada pelo serviço

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prestado, mediante a aplicação da progressividade fiscal, devendo suas alíquotas variar em

razão do valor do serviço prestado, de forma a alcançar uma tributação justa de maneira a

respeitar o princípio da igualdade.

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