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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINAUDESC CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO FAED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA PPGH CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO CHICO NO BAIRRO CAMPECHE: EMBATES DE UMA HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE EM FLORIANÓPOLIS (1989-2011) FLORIANÓPOLIS 2016

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA– UDESC

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH

CAROLINA DO AMARANTE

A DERRUBADA DO BAR DO CHICO NO BAIRRO

CAMPECHE: EMBATES DE UMA HISTÓRIA DO TEMPO

PRESENTE EM FLORIANÓPOLIS

(1989-2011)

FLORIANÓPOLIS

2016

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CAROLINA DO AMARANTE

A DERRUBADA DO BAR DO CHICO NO BAIRRO

CAMPECHE: EMBATES DE UMA HISTÓRIA DO TEMPO

PRESENTE EM FLORIANÓPOLIS

(1989-2011)

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em História da

Universidade do Estado de Santa

Catarina como requisito parcial para a

obtenção do grau de Mestre em

História do Tempo Presente (Culturas

políticas e sociabilidades).

Orientadora: Professora Drª. Luciana

Rossato

FLORIANÓPOLIS

2016

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Francisco Alexandrino Daniel,

conhecido como "Seu Chico".

(In Memorian)

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a oportunidade de poder ter

escrito a história de um ser humano tão querido como foi o Seu

Chico, quem o conheceu sabe o que afirmo. E aos seus

familiares por me incentivarem com tal propósito! E quero aqui

neste espaço também agradecer as pessoas que me estenderam

a mão para que eu pudesse ter chego até aqui! Pois, pode

acreditar, não foi fácil, foi mais um desafio! Aliás, a vida é

feita deles...

Obrigada ao sempre apoio dos meus pais Selma e

Roque! E os meus irmãos Gabriela e Marco, que também me

apoiaram nos estudos, desde criança até esta etapa!

Agradeço também a minha amiga Camila de Oliveira

Easland, que sempre esteve ao meu lado e que me incentivou a

continuar os meus estudos, num momento de dificuldades tive

seu estímulo! Obrigada minha Tradutora Oficial!

Gostaria de agradecer também ao amigo e historiador

Daniel Lunardelli que sempre disse que eu poderia passar no

mestrado! A amiga e historiadora Kelly Yshida que sou muito

grata, pois desde o momento da seleção de mestrado até os

desafios da escrita da pesquisa ela nunca me negou ajuda!

Sempre me estendeu a mão, sinceramente sou muita grata pela

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sua sempre atenção e vontade em me ajudar! Obrigada

Kellinha!

A querida amiga Patrícia Volk Schatz que sempre me

incentivou, me escutou e também me ajudou muito dizendo

que o que eu precisasse eu poderia contar com ela! E sua ajuda

sempre esteve presente nesta jornada. Aliás, muito obrigada

por fazer parte desta pesquisa! A amiga Hellen Martins Rios

que juntamente com Patrícia Volk Schatz realizamos a

entrevista com Seu Chico em 2011 e me consentiram a

utilização da entrevista, enfim, sem o apoio de vocês eu não

teria chego até aqui! Obrigada Meninas!

Agradeço a amiga Simone de Novaes Costa Pereira,

pelas tardes com cafezinhos, frutas, chocolates e muitos pães

de queijo e principalmente pela disposição em me ajudar nas

minhas pesquisas acadêmicas e sempre de forma muito

paciente e humilde me ensinando novas perspectivas e olhares

sobre a História. Obrigada Simonezinha!

Agradeço a vizinha e amiga de longa data Monique

Osmarina Daniel que me permitiu conversas, novas

perspectivas sobre o Campeche, que ajudou muito nesta

pesquisa. A amizade dela foi fundamental no período de escrita

desta narrativa!

A amiga faediana, Nadir Machado, pela companhia nas

tardes de pesquisa na Biblioteca Pública do Estado de SC. A

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querida Danielle Inomata que tanto me incentivou a fazer a

seleção de Mestrado. E a manézinha do Pântano do Sul mais

divertida, Mariane Martins, por me ajudar na pesquisa com

empréstimos de livros, etc. Agradeço também as palavras de

incentivo do professor Edgar Garcia Junior para eu continuar a

pesquisa iniciada no TCC! E também ao professor Reinaldo

Lindolfo Lohn que também desde a época da graduação me

ajudou muito a encontrar referências bibliográficas sobre o

Campeche e não foi diferente na banca de qualificação!

Aproveito também o espaço para agradecer a todos os

entrevistados desta pesquisa, principalmente por cederem seu

tempo e espaço de suas casas para me receberem! Sem a ajuda

e atenção de todos vocês com certeza essa pesquisa não teria

acontecido!

E não podia faltar o agradecimento aos colegas da

turma de Mestrado 2014.2 que tornaram as disciplinas mais

leves e as minhas manhãs e tardes mais divertidas. Em especial

aos colegas Assis, Dioguinho, Iarinha, Fabinho, Pami, Tali e

Taninha!

Eu não poderia deixar de agradecer aos professores,

guias deste percurso acadêmico.

Agradeço a Profª Luciana Rossato, minha orientadora

neste Trabalho de dissertação de mestrado. Que aceitou

orientar meu tema! Professora, eu realmente gostei de ter tido

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você como orientadora, pois és extremamente correta e

prestativa, e isso faz muita diferença! Nesses dois anos a

relação orientadora e orientanda foi equilibrada e tranquila,

sinceramente não tenho nenhuma reclamação, muito pelo

contrário tenho que agradecê-la pela paciência em me ensinar

de uma maneira geral com as minhas dúvidas e dificuldades

acadêmicas, enfim! Professora continue assim extremamente

pontual também em responder os e-mails, pois nós orientandos

somos seres ansiosos! (hahaha).

Por fim, agradeço também aos professores, Dr.

Emerson César de Campos, o qual desde a época da graduação

acompanhou a minha vontade de pesquisar sobre o Campeche,

e neste momento da dissertação acompanhou o

desenvolvimento do trabalho. Além disso, a disciplina

lecionada por ele e pela Profª Gláucia de Oliveira Assis sobre o

tema de migrações me ajudou bastante na dissertação. E ao Dr.

Carlos José Espíndola, pelas dicas ao longo do trabalho e que

gentilmente mais uma vez aceitou participar de uma banca

minha. E que também já acompanhou a minha pesquisa! Tenho

certeza que seus conselhos serão muito importantes.

A Deus, por essa conquista!

Agradeço a CAPES, pela bolsa que sem dúvida me

ajudou.

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“Cada uno da lo que recibe

Y luego recibe lo que da,

Nada es más simple,

No hay otra norma:

Nada se pierde,

Todo se transforma.”

(Trecho da música Todo se transforma, Jorge

Drexler).

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RESUMO

Desde a inauguração do Bar do Chico, em 1983, foi construída

uma relação muito íntima entre o seu espaço e grande parte da

comunidade pertencente ao bairro do Campeche, situado no sul

da Ilha de Florianópolis - SC, (Brasil). Como o bairro ainda

iniciava seu processo de urbanização, a falta de infraestrutura e

de empreendimentos de lazer foi responsável por tornar o Bar

um ponto de encontro dos moradores da região. Desta forma,

foi polêmico para a comunidade local quando em 16 de julho

de 2010, o Bar foi derrubado. Dada esta situação, a presente

pesquisa tem como principal finalidade identificar o Bar como

um lugar de sociabilidades e, a partir desse evento, refletir a

luta pelo direito à cidade, configurada pela especulação

imobiliária e as disputas políticas em Florianópolis, envolvidas

no processo de instalação, derrubada e luta por sua memória.

Portanto, procura-se assim relacionar esses acontecimentos

com o contexto de urbanização do Bairro que se inicia a partir

da década de 1990, após a modernização da cidade de

Florianópolis. Para isso, será utilizada a abordagem da História

do Tempo Presente a fim de problematizar questões culturais e

urbanas ocorridas neste processo. Para a compreensão da

conjuntura histórica no que diz respeito ao contexto analisado,

este trabalho se propõe a utilizar da metodologia da história

oral, por meio das várias visões dos moradores do bairro. Além

disso, serão utilizadas outras fontes de análise, como

reportagens de jornais do período, estudos sobre o histórico do

Plano Diretor para a cidade de Florianópolis e para o

Campeche, propagandas das construções imobiliárias

encontradas em encartes ou outdoors, matérias de revistas, e

sites da internet relacionados ao tema.

Palavras-chave: Campeche. Bar do Chico. Urbanização.

Disputas Políticas.

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ABSTRACT

Since Chico‟s Bar opened in 1983, it has created a very

intimate relationship with the residents of the neighborhood of

Campeche, in the South of Florianopolis Island- SC (Brazil).

As the neighborhood was still becoming urbanized, the lack of

infrastructure and leisure establishments were responsible for

Chico‟s Bar becoming a meeting place for the residents of the

region. For this reason, it was controversial within the

community when the bar was demolished in July 16th 2010.

Given the situation, this research paper‟s purpose is to identify

Chico‟s Bar as a social meeting point, and after its destruction,

reflect on the residents‟ rights in the city set against real estate

speculation and Florianopolis‟ political disputes, involved in

the process of settlement, demolishment, and fight for the

memories of Chico‟s Bar. Thus, this research intends to relate

these events to the context of the neighborhood‟s urbanization,

which started in the 1990s, after Florianopolis‟ modernization

period. In order to achieve this research‟s purpose, the Present

Time History approach will be used to consider cultural, and

urban problems derived from this process. The Oral History

methodology, by way of various community members‟

perspectives will be used for the understanding of the historical

context of the events. In addition, this paper will make use of

journal articles from that period, studies on the history of the

Master Plan for Florianopolis and Campeche, and

advertisements for real estate speculation found in magazines,

billboards, magazines, and websites.

Keywords: Campeche. Chico‟s Bar. Urbanization. Political

Disputes.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Foto do Bar do Chico. Acervo de Lázaro Bregue

Daniel. ..................................................................................... 53

Figura 2 - Foto acervo da família de Seu Chico. A respectiva

foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p.

52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta

pesquisa. O objetivo da fotografia é mostrar o entrevistado Seu

Chico, figura de destaque no respectivo enredo histórico, em

seu bar na praia do Campeche. Em 13 de junho de 2011, Seu

Chico foi homenageado com a Medalha Manézinho da Ilha

Aldírio Simões. ........................................................................ 62

Figura 3 - Foto acervo da família de Seu Chico. Na fotografia

acima ele aparece ao lado do ator Marcos Palmeira. O local era

frequentado por turistas, além dos próprios moradores do

bairro. (AMARANTE, 2013, p. 39). Segundo o entrevistado

Ademir Damasco “o Seu Chico era uma pessoa muito

carismática, uma pessoa assim cultural, ele era um

multiplicador cultural.” (DAMASCO, 2015, p. 3). ................. 73

Figura 4 – Foto do acervo de Ademir Damasco, morador do

bairro do Campeche e entrevistado nesta pesquisa. Esta

fotografia mostra o Campeche no início da década de 1980.

Até então, a localidade possuía características rurais, como se

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observa pela presença das casas rústicas, do chão constituído

de areia da praia e da carroça de boi. ..................................... 116

Figura 5 – Figura produzida por Monique Osmarina Daniel, no

ano de 2015. Localização do bairro do Campeche em

Florianópolis. ......................................................................... 121

Figura 6 – Foto acervo de Geisa Silveira da Rocha, moradora

do bairro do Campeche. ......................................................... 155

Figura 7 – Outdoor de um dos muitos empreendimentos

imobiliários no bairro do Campeche no ano de 2015. A

localidade começa a ser alvo da especulação como se observa,

pela grande quantidade de construções, principalmente

condomínios de alto padrão. Foto acervo da autora. ............. 182

Figura 8 – A fotografia mostra a expansão da urbanização no

bairro do Campeche no ano de 2015, apesar do recorte

temporal desta pesquisa ir até o ano de 2011. Porém, a

localidade começa a apresentar este crescimento imobiliário,

como se observa pela presença dos condomínios e pelas

construções residenciais a partir da década de 2000. Foto

acervo do entrevistado desta pesquisa Thiago Kahl. ............. 190

Figura 9 - Foto acervo da autora. Foto realizada no mês de

outubro de 2014. O objetivo da fotografia é mostrar a pichação

contida no muro dos condomínios imobiliários Essence,

localizado no bairro Campeche. A pichação “Cidade a venda”

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demonstra um descontentamento pelas construções de

condomínios imobiliárias no bairro. ...................................... 208

Figura 10 - Foto realizada no mês de outubro de 2014. O

objetivo da fotografia é mostrar as pichações contidas no muro

de um terreno que futuramente será utilizado para a construção

de um condomínio imobiliário da Rua Avenida Pequeno

Príncipe, no bairro Campeche. A pichação “Cidade a venda”

demonstra um descontentamento pelas construções de

condomínios imobiliários no bairro Campeche e a outra

pichação “Hippies $” demonstra a existências desses conflitos

urbanos em Florianópolis. Foto acervo da autora. ................ 211

Figura 11 – Foto acervo da autora. Esta fotografia é do ano de

2015 e mostra os conflitos da expansão da urbanização no

bairro do Campeche. ............................................................. 222

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................... 25

2. O BAR DO CHICO: UMA ANÁLISE SOBRE OS

EMBATES E AS MEMÓRIAS ................................ 53

2.1 O BAR DO CHICO ..................................................... 61

2.2 AS ENTREVISTAS COM SEU CHICO E OS

NATIVOS DO BAIRRO CAMPECHE ...................... 84

2.3 AS ENTREVISTAS COM OS “DE FORA” QUE

MORAM NO BAIRRO CAMPECHE ...................... 105

3. O BAIRRO DO CAMPECHE: PROJETOS DE

FUTURO A PARTIR DOS PLANOS DIRETORES

APROVADOS ENTRE OS ANOS DE 1989 A

1999 ........................................................................... 115

3.1 O PLANO DIRETOR PARA OS BALNEÁRIOS E O

PLANEJAMENTO DO BAIRRO CAMPECHE ...... 121

3.1.1 A Cidade Nova do Campeche: proposta de

planejamento do IPUF para o bairro .................... 135

3.2 OS MOVIMENTOS COMUNITÁRIOS E AS

DISCUSSÕES DAS PROPOSTAS DOS PLANOS

DIRETORES PARA O BAIRRO DO CAMPECHE 154

4. O DESAPARECIMENTO DA IDEIA D’A CIDADE

NOVA DO CAMPECHE: UMA PERSPECTIVA

DOS FLUXOS CONTEMPORÂNEOS DE

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PESSOAS, CAPITAIS E IMAGENS DO

BAIRRO.................................................................... 177

4.1 O BAIRRO DO CAMPECHE: “AQUI É ONDE SEU

SONHO COMEÇA A SE TORNAR REALIDADE -

VIVA O BEACH LIFESTYLE” ............................... 182

4.1.1 “Beach Life Style”: Propagandas turísticas da Praia

do Campeche para “os de fora” do bairro ........... 189

4.2 O POINT DO RIOZINHO LOCAL DO SHOW DO

BEN HARPER: SONHAR ACORDADO AGORA

VIROU REALIDADE ............................................... 221

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................. 247

REFERÊNCIAS ....................................................... 257

ARTIGOS E LIVROS EM PERIÓDICOS

ELETRÔNICOS: ....................................................... 266

MONOGRAFIAS, DISSERTAÇÕES E TESES:...... 268

DOCUMENTOS JURÍDICOS: ................................. 269

DOCUMENTO AUDIOVISUAL: ............................ 272

JORNAIS: .................................................................. 272

LISTA DOS ENTREVISTADOS: ............................ 273

PANFLETOS DE PROPAGANDAS

IMOBILIÁRIAS: ....................................................... 275

REVISTAS: ............................................................... 276

SITES: ........................................................................ 277

ANEXOS ................................................................... 279

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1. INTRODUÇÃO

Sempre me admirei (até o limite do horror) do

modo como as sociedades desperdiçam seu

passado. Suas personagens mais significativas

passam como se fossem ninguém, como se

tanta experiência, vida, memória não servissem

mais que para esquentar os bancos das praças

ou aborrecer os outros com os seus conselhos.

(CASTILLO, 1997, p.6)

Foi no raiar de uma manhã de sexta-feira de inverno,

mais especificamente no dia 16 de julho de 2010, que o famoso

Bar do Chico na praia do Campeche1, localizado na região Sul

da Ilha de Santa Catarina (Brasil), veio a ser demolido.

1 A Praia do Campeche localiza-se no sul da Ilha de Santa Catarina, no

municipio de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina e limita-se

com os bairros Lagoa da Conceição, Joaquina, Rio Tavares, Costeira do

Pirajubaé e Tapera. A denominação Praia do Campeche, antigamente

conhecida como Praia do Mandú, teria surgido a partir de 1860, inspirada

no nome da Ilha que fica em frente, assim designada desde 1790. A origem

do nome Campeche estaria assim associada à existência de uma árvore de

caule avermelhado, utilizada como corante, chamada Pau Campeche. E é

até hoje um dos locais onde se pratica a tradicional pesca artesanal no sul da

Ilha de Florianópolis. (BARBOSA; BURGOS; TIRELLI, 2007). Ainda

segundo o Guia Ruas de Florianópolis do IPUF (1999, p. 101) “Há

diferentes versões sobre a origem deste nome. Uma delas justifica que o

nome Campeche deriva de uma árvore ou arbusto, o pau-campeche, cuja

madeira corante era empregada em tinturaria. Outra versão aponta o nome

Campeche como uma corruptela das expressões francesas „camp‟, „pêche‟.

„Camp‟ no sentido de campo, acampamento ou arraial de pescadores, e

„pêche‟, pescaria. Talvez o termo Campeche significasse arraial de

pescadores, indicando a região da grande ilha catarinense sobrevoada pelos

aviadores franceses que utilizaram aquele antigo campo de pouso no

Campeche.”.

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Naquele momento havia poucos pescadores na praia e diante

daquela ação esta ficou cheia de destroços de tijolos, madeiras

e de fragmentos de concreto. Esses “restos” de história logo se

misturaram às areias das dunas, onde ficaram as marcas e os

vestígios da construção.

Logo após a destruição do bar um silêncio se fazia

presente. Sem aviso as vozes de muitas pessoas foram caladas

e uma luta interrompida. O que foi possível escutar, por alguns

minutos, foi o som da demolição realizada pelas máquinas da

FLORAM (Fundação Municipal do Meio Ambiente de

Florianópolis). O frio e o silêncio pairavam no ar de um lugar

onde costumava-se ouvir sons de festas, luaus, reuniões

políticas, carnavais e celebrações de começo de ano. O som de

um lugar simples como o dono do bar, Seu Chico2, não se

podia mais escutar.

Seu Chico nasceu e viveu toda sua vida no bairro do

Campeche. Foi como pescador que manteve sua família,

composta por ele, a esposa e seus treze filhos. Conforme seu

2 As duas formas: “Seo Chico” e “Seu Chico” são corretas para denominar

essa testemunha oral, a forma escrita “Seo Chico”, optei no meu trabalho de

conclusão de curso e dá ênfase a forma como soava as pessoas da

comunidade o chamarem. Porém, nesta respectiva pesquisa priorizo a

maneira de chamar “Seu Chico”, pois esta se encontra no seu documento de

tentativa de tombar o bar como patrimônio histórico. Ver: Proposta de

Tombamento da “Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu

Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis.

Florianópolis, 24 de abril de 2001.

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relato, no início da década de 1980 os barcos industriais

começaram a “varrer” o mar, “tirando o pão da boca” dos

pescadores artesanais; foi quando ele buscou outras formas de

sustento. Naqueles dias, havia no Campeche apenas os ranchos

de pesca que acolhiam as canoas e as pessoas que ficavam no

local. Então, do rancho nasceu o Bar do Chico, localizado à

beira da praia do Campeche, feito de madeira e palha, que se

tornou ponto de encontro de grande parte da comunidade

pertencente ao bairro. Além disso, como não havia cercas no

local, este era um espaço liberado para as pessoas que vinham à

praia.3

Era também por ali que as pessoas celebravam o

começo do ano, a chegada do verão, da primavera, das tainhas,

o carnaval, enfim, era considerado pelos moradores locais

como um espaço de sociabilidade e um patrimônio cultural da

comunidade4. Servia como ponto de encontro dos moradores

da região, uma vez que o Campeche não dispõe de praças ou

locais alternativos de lazer. No dia 16 de julho de 2010, como

dito, o bar foi derrubado. Esse fato gerou repercussão em

3 Ver: blog Elaine Tavares: Palavras Insurgentes. Disponível em:

<http://eteia.blogspot.com.br/2010/07/derrubaram-o-bar-do-chico-mas-

ele.html>. Acesso em: 24 out. 2012. (AMARANTE, 2013, p. 12). Elaine

Tavares é também uma das entrevistadas dessa pesquisa. 4 Ver: Proposta de Tombamento da “Picada da Capela” e seus arredores e

do “Bar do Seu Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do Município

de Florianópolis. Florianópolis, 24 de abril de 2001.

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veículos de comunicação de Florianópolis, especialmente pela

ação ter sido justificada pela suposta irregularidade do

estabelecimento. Houve também consequências entre os

próprios moradores, mobilizando ações e reflexões acerca do

crescimento urbano no bairro.

Desde 1983 a comunidade utilizava o Bar do Chico

como uma verdadeira praça pública que o Campeche não

possui, onde ocorriam reuniões, atividades sociais, culturais e

até políticas. Muito além de um simples rancho de pesca ou

bar, o espaço se tornou uma referência para os moradores do

bairro, fazendo parte da identidade do local, conforme pode ser

percebido através da iniciativa dos moradores em tombar em

nível municipal o referido bar. 5

Assim, o objetivo principal deste estudo é identificar

quais os conflitos sociais, políticos e de memórias envolvidos

com o acontecimento analisado. Nesse sentido, a hipótese

apontada é a de que os embates verificados nas memórias e nas

falas dos entrevistados demonstram que a derrubada do Bar do

Chico serve como exemplo de uma política de luta pela

5 Essa forma de começar a narrativa permitiu a reconstrução do

acontecimento analisado a partir da descrição densa, ou seja, relatando

todos os detalhes. A respeito desse tema ver: DAVIS, Natalie Zemon.

“Culturas do Povo: sociedade e cultura no início da França Moderna.”

(1990). DUBY, G. “Domingo de Bouvines: 27 de julho de 1214” (1993);

GEERTZ, Clifford. “A interpretação das culturas.” (2008).

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preservação em contraposição ao planejamento urbano para o

Campeche. Outros aspectos que analisaremos nesta dissertação

é o papel da imprensa local na divulgação e tratamento do

acontecimento, a avaliação das construções discursivas da

publicidade voltada para o turismo, a identificação das

mudanças cotidianas para moradores do bairro a partir de

questões como a especulação imobiliária e disputas simbólicas

e, por fim, a partir das entrevistas, a investigação das disputas

de memórias em torno da derrubada do bar.

A minha vivência no bairro aqui examinado traz

inquietações particulares relacionadas à análise das fontes,

principalmente no que se refere à construção de fontes orais.

Desta forma, é indispensável refletir em termos de presença do

historiador em seu tema, pois “a proximidade das referidas

testemunhas, sua presença real e carnal, conduziu realmente os

historiadores a um maior rigor que seus colegas (presos ao seu

próprio engajamento moral, então talvez, mais rigorosos) ou

ela os conduziu a uma licença maior” (ROUSSO, 2007, p.

289). Por estar ciente das especificidades de tratar de um tema

próximo, há o cuidado em não ser saudosista, pois é devido à

minha presença desde o nascimento no bairro do Campeche,

que as fontes serão problematizadas, em um exercício de

análise crítica que exigirá investigar atentamente os vestígios

deixados por este passado ainda tão presente, buscando, além

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da memória dos envolvidos, outras fontes a serem

confrontadas. Nesta perspectiva, pode-se notar as

complexidades de se fazer História do Tempo Presente, suas

possibilidades, como o próprio uso de entrevistas, e seus

limites, como o envolvimento do historiador com o tema

pesquisado.

Em 2011 tive a oportunidade de entrevistar Seu Chico e

questioná-lo sobre seu bar e a derrubada do mesmo. Isto

ocorreu durante a realização da disciplina optativa História do

Tempo Presente e História Oral: pressupostos teórico-

metodológicos6, na graduação de História da Universidade do

Estado de Santa Catarina, ao realizar um trabalho sobre o

tema7. O entrevistado veio a falecer pouco tempo depois, no

mês de dezembro daquele mesmo ano. Desta forma, ao

entrevistá-lo, tinha-se como objetivo tornar compreensível, a

6 A disciplina optativa da graduação em História da UDESC (Universidade

do Estado de Santa Catarina) foi lecionada pela professora Dra. Viviane

Trindade Borges no primeiro semestre do ano de 2011. 7 A proposta de avaliação final da disciplina optativa História do Tempo

Presente e História Oral: pressupostos teórico-metodológicos, lecionada

em 2011, era a realização de um artigo com o objetivo de buscar um

acontecimento recente e a partir disso utilizar da metodologia da História

Oral para entrevistar os personagens envolvidos, e com isso, tentar

transformar a memória dos personagens em fontes para a História. A partir

da orientação da professora Dra. Viviane Trindade Borges, acabei dando

ênfase à derrubada do Bar do Chico e entrevistando o mesmo, que na época

já se encontrava idoso e doente.

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partir de suas memórias8, o que significava para ele o

acontecimento envolvendo seu bar, especialmente diante do

contexto de ações comunitárias dos moradores do Campeche

contra as tentativas de inserir empreendimentos imobiliários no

bairro.

Estas discussões foram motivadas pela disciplina citada

anteriormente, cujas aulas e leituras despertaram meu olhar

para um tema que me inquietava. Quando o trabalho de

realização de entrevistas foi proposto, lembrei de uma tarde em

que, indo em direção à praia, deparei-me com uma das

moradoras mais antigas do Campeche, Dona Nicota9, que,

assim como o Seu Chico, era minha vizinha. Naquela tarde de

verão ela estava embaixo de uma árvore, concentrada, fazendo

sua renda de bilro10

, e atrás de sua casa encontravam-se alguns

8 O historiador francês Pierre Nora aponta que “o que nós chamamos de

memória é, de fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque

material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável

daquilo que poderíamos ter necessidade de nos lembrar.” (NORA, 1993, p.

15). 9 Ana Honorata Wigganigo, mais conhecida como Dona Nicota é uma das

entrevistadas dessa pesquisa. 10

A testemunha oral Dona Nicota era rendeira e nativa do bairro Campeche.

Segundo o pesquisador Doralécio Soares: “as rendeiras descendem das

antigas famílias açorianas de pescadores que vieram para a ilha do Desterro

em meados do século XVIII, daí distribuindo-se pela costa de São Francisco

até Laguna. A renda de bilro – ou de almofada – trabalha com pontos no ar,

sem tecido pré-existente, diferentemente do bordado, onde os pontos são

feitos sobre um pedaço de tecido. Famílias inteiras do interior ilhéu têm a

sua base econômica na produção diária dos mais variados tipos de rendas de

almofada.” (SOARES, 2006, p. 129).

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dos muitos condomínios hoje existentes no bairro. Essa

imagem contraditória levantava questões a respeito dessas

construções desordenadas (ao menos em sua aparência) no

local, pois essa era uma região com características rurais até a

década de 1990 (AMARANTE, 2013, p. 19) e que, atualmente,

vem sendo ocupada por condomínios, conforme apontam os

relatos orais dos moradores, os jornais, os planos diretores, etc.

A partir da vontade de compreender o que significava o

desenvolvimento urbano do bairro, como um todo, tanto para

os moradores mais antigos do Campeche, como Seu Chico e

Dona Nicota, quanto para as gerações mais novas, como

Eduardo Daniel11

e Elaine Tavares12

, elaborei um trabalho de

conclusão de curso no ano de 201313

, com o objetivo principal

de analisar como dois eventos ocorridos no Campeche (a

derrubada do Bar do Chico, em 2010 e o show do cantor norte-

americano Ben Harper, no ano de 2011) reverberaram nas

discussões das transformações ocorridas no bairro.

11 Eduardo Daniel Rocha, mais conhecida como Dudu é um dos

entrevistados dessa pesquisa. 12

É também uma das entrevistadas dessa pesquisa. 13

O referido trabalho de conclusão de curso em História pela UDESC é:

AMARANTE, Carolina do. A Derrubada do Bar do Chico e o Show do

Ben Harper: Embates de uma História do Tempo Presente (2010-2011).

87f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação). Universidade do Estado

de Santa Catarina (UDESC) - Centro de Ciências Humanas e da Educação.

Curso de História. Florianópolis, 2013.

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A motivação desta dissertação surgiu, sobretudo, da

permanência de questionamentos acerca da conjuntura que fez

com que ocorresse a derrubada do Bar do Chico, em 2010. Por

exemplo, o fato de que o bairro vem apresentando uma

ocupação urbana de forma intensa e acelerada, transformando a

estrutura espacial da localidade, além das discussões acerca da

preservação ecológica e da cultura local, me levou a dar

continuidade à pesquisa. Para compor este cenário de disputa,

foram analisadas as diversas visões acerca do processo de

urbanização e não somente a perspectiva que defende o

Campeche preservado ecologicamente, ou seja, um bairro com

aspectos rurais, sem a interferência, por exemplo, dos

empreendimentos imobiliários e estabelecimentos comerciais,

para a compreensão do contexto histórico a respeito do

acontecimento estudado. 14

Além disso, o evento aqui analisado é considerado um

acontecimento recente na história da cidade de Florianópolis e

exige do pesquisador um refazer constante de seus

procedimentos, frente à multiplicidade e à efemeridade de

14 As entrevistas realizadas durante pesquisas no curso de Graduação em

História provêm de um projeto aprovado pelo CEPSH (Comitê de Ética em

Pesquisa Envolvendo Seres Humanos) e novas entrevistas com outras

testemunhas orais foram realizadas, e também selecionadas em função de

sua participação na conjuntura do acontecimento analisado e por sua

vivência no bairro.

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algumas fontes do tempo presente como sites da internet15

e

panfletos publicitários. Dessa forma, observa-se a

especificidade da História do Tempo Presente que seria a

presença ainda imediata e próxima dos fatos e das fontes as

quais colocam numerosos desafios metodológicos para o

historiador.

a abundância de instrumentos documentais

capazes de fornecer fontes ao trabalho do

historiador e que contribui para modificar a

própria natureza da noção de arquivos. Da

abundância das publicações de toda ordem à

profusão das fontes audiovisuais, passando pelo

depoimento oral, o historiador do presente é um

privilegiado com relação a seus confrades, pois

ele praticamente jamais corre o riso de se

encontrar privado dos documentos necessários

15 Diante do recorte foram encontrados materiais sobre a temática em sites

de grande visibilidade como o youtube. Pois, nesta pesquisa terei acesso a

trechos do documentário Desculpe pelo Transtorno: A História do Bar do

Chico de direção de Todd Southgate, mas torna-se relevante ressaltar que

este material foi produzido recentemente e não no período de análise da

respectiva dissertação. É ainda importante enfatizar que tanto

documentaristas quanto historiadores podem produzir uma história pública

que “seria o conjunto de ações que o profissional da história – ou de áreas

correlatas, desde que trabalhando conscientemente com história e memória

– empregam para difundir seus trabalhos entre um público não acadêmico

amplo” (SANTHIAGO, 2011, p. 97). Porém, os cuidados e técnicas

empregados por cineastas e historiadores são diferenciados, tendo em vista

que estes necessitam de metodologias distintas daquelas utilizadas por

cineastas ao construir uma narrativa. E, no caso de historiadores que

trabalham com testemunhas orais, cabe atentar para o fato de que “uma das

características da história oral é seu potencial para uso na história pública.”

(THOMSON, 2000, p. 61).

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para seu trabalho. (BERNSTEIN; MILZA,

1999, p. 129).

Diante do contexto da expansão urbana na cidade de

Florianópolis e o crescimento da ocupação no bairro do

Campeche, a partir do final da década de 1980, esta pesquisa

visa problematizar questões culturais e urbanas ocorridas neste

processo. A escolha desta temática está fundamentada na

abordagem da História do Tempo Presente16

, intencionando a

análise densa de um acontecimento17

: a derrubada do Bar do

Chico, no ano de 2010. Com estes deslocamentos temporais

não muito distantes, faz-se necessário um cuidado

metodológico diferenciado.

A Ilha de Santa Catarina se configura como um destino

turístico que atrai expressivo número de visitantes em busca de

qualidade de vida, junto à natureza. Ideia reiterada pela mídia

16 O pesquisador Henry Rousso, coloca que “é tão bem verdade que a

História do Tempo Presente encontra-se hoje exposta, justamente, pelas

próprias razões que proporcionaram seu sucesso: a proximidade e o peso

dos assuntos estudados na consciência coletiva, a importância da demanda

social, que recoloca o historiador em seu „papel cívico‟ ou em sua „função

social‟, seja esse papel aceito, desejado ou imposto.” (ROUSSO, 2007, p.

282-283). 17

A respeito da concepção de acontecimento o historiador francês Pierre

Nora, aponta que “Essa vasta democratização da história, que fornece ao

presente sua especificidade, possui sua lógica e suas leis: uma delas – a

única que aqui desejamos isolar – é que a atualidade, essa circulação

generalizada da percepção histórica culmina num fenômeno novo: o

acontecimento.” (NORA, 1979, p. 180).

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que constantemente veicula imagens da cidade, e

consequentemente do Campeche, atraindo investimentos de

capital e estimulando a expansão imobiliária. Nesse sentido, o

papel do poder público e a elaboração do plano diretor18

são de

suma importância para o entendimento da dinâmica de

configuração do espaço urbano.

As construções imobiliárias, cada vez mais presentes na

localidade, são os reflexos mais visíveis desse processo de

expansão da urbanização de Florianópolis em direção ao

Campeche. As transformações recentes e crescentes

demonstram que o contexto histórico contemporâneo é de um

planejamento urbano voltado para o turismo, contra o qual

parte da comunidade local luta (LOCH; SANTIAGO;

WALKOWSKI, 2008, p. 75). Os moradores mais antigos e o

Movimento Campeche Qualidade de Vida (MCQV) propõem

uma organização com participação própria, onde haja a

possibilidade de manutenção das belezas naturais do bairro e,

de certa maneira, da Ilha de Santa Catarina como um todo.

Além disso, o acontecimento citado no início mostra

que, no bairro, outros lugares de socialização foram criados e

18 A lei municipal, conhecida como Plano Diretor é elaborada pela

prefeitura em conjunto com a sociedade civil e encaminhada a Câmara de

Vereadores para aprovação. Este instrumento da política de

desenvolvimento municipal tem como finalidade determinar o que não pode

e o que pode ser construído em cada parte do mesmo.

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dentre eles há o Point do Riozinho19

, uma extensão da Praia do

Campeche que se tornou ponto de encontro da cidade. Este

local também frequentado por pessoas da comunidade do

bairro acabou ganhando repercussão na Ilha de Santa Catarina

pela presença dos turistas e de pessoas de outras regiões do

país.

Cabe ressaltar ainda que, quando ocorreu a derrubada

do Bar do Chico, destruiu-se o ponto de encontro e

socialização dos moradores da comunidade que se

identificavam com o Campeche por um estilo de vida com as

relações menos voltadas para o ritmo agitado do cotidiano

urbano. Estes aspectos foram tratados pela antropóloga Márcia

Fantin (2000) em sua obra Cidade Dividida: dilemas e disputas

simbólicas em Florianópolis, desvendando o ordenamento de

uma cidade dividida pela disputa pelo futuro, em propostas

antagônicas de seu planejamento.

Cidade pacata, cidade provinciana. Durante

muito tempo Florianópolis, capital do Estado de

19 Em 2010, a mídia florianopolitana, também ao sabor de gordos

patrocínios, criou a fantasia de um recanto de paraíso, o chamado

“riozinho”, que é um espaço na Praia do Campeche onde deságua um

pequeno rio local, o rio Rafael. Ali virou o ponto da temporada, com a

presença de artistas globais e outros “ilustres” endinheirados. Disponível

em: <http://www.globalgarbage.org/turmapontocom/2011/02/04/campeche-

se-mobiliza-contra-mega-exploracao/>. Acesso em: 01 mar. 2013.

(AMARANTE, 2013, p. 46).

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Santa Catarina, foi retratada através desses

adjetivos que condensavam uma certa imagem

de cidade. Até meados dos anos 70 era esse o

"jeito de ser" de Florianópolis. Nas duas

últimas décadas, contudo a cidade tem passado

por grandes mudanças e tais adjetivos já não

são mais apropriados para descrevê-la.

(FANTIN, 2000, p. 15).

A partir da citação, pode-se pensar que Florianópolis

passou por grandes transformações. Contudo, nem sempre

essas transformações são compreendidas de maneira positiva

por seus habitantes, talvez pelo fato de muitos considerarem a

Ilha de Santa Catarina um espaço de riquezas naturais que deve

permanecer assim. Mais especificamente é o que vem

ocorrendo na região do Campeche, que por ser uma planície,

ou melhor, um bairro que se constitui por ser uma praia, tem

uma valorização e uma demanda quanto à sua preservação.

Porém, a justificativa contrária seria a de que o turismo em

Florianópolis exerce atração como destino e que também é

considerada uma atividade econômica potencial que explicam

o rápido crescimento urbano através dos discursos de

promoção da cidade e de qualidade de vida.20

20 Os embates em torno do crescimento urbano do bairro Campeche serão

analisados com mais profundidade nos capítulos 2 e 3 da respectiva

dissertação. A respeito do tema da urbanização ver: DAVIS, Mike. “Cidade

de Quartzo: escavando o futuro em Los Angeles.” (1993).

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A partir das fontes orais21

, procura-se tornar

compreensível a densidade da conjuntura do acontecimento

pesquisado, procurando compreendê-lo na história do bairro e

da cidade de Florianópolis, analisando a narrativa daqueles que

viveram tais experiências e que sentiram suas consequências.

Assim, é possível contrapor as informações veiculadas pela

mídia catarinense a respeito do acontecimento e, além disso,

incluir versões da história mantidas em silêncio, evitadas e ou

esquecidas por parte das testemunhas desse contexto histórico

do bairro do Campeche.22

21 Após a gravação das entrevistas realizei as respectivas transcrições, a qual

escolhi por deixá-las com as mesmas palavras dos depoentes, porém com as

correções gramaticais necessárias, pois queria dar ênfase as suas respectivas

características de idade e de sotaque. Optei por deixar da mesma forma que

no trabalho de conclusão de curso com a respectiva temática, assim o fiz,

para ficar mais característico com o enredo histórico. As entrevistas foram

elaboradas em forma de texto procurando não afastar-se da narrativa criada

pelo entrevistado. 22

A esse parágrafo vale citar que “esses acontecimentos geraram o que

Giovanni Contini muito bem descreveu como uma „memória dividida‟.

Contini identifica, por um lado, uma memória oficial [...]; e, por outro lado,

uma memória criada e preservada [...] focada quase que exclusivamente no

seu luto, nas perdas pessoais e coletivas.” (PORTELLI, 2006, p. 105).

Desse modo, o historiador ao estranhar essas distintas memórias, ou seja,

essas fontes orais, como mais uma versão para confrontar com outros

registros, como jornais, etc, ou seja, como aponta a historiadora Verena

Alberti “Portelli fala de memória dividida, [...]. „Na verdade‟, diz ele,

„estamos lidando com uma multiplicidade de memórias fragmentadas e

internamente divididas, todas, de uma forma ou de outra, ideológica e

culturalmente mediadas‟. O reconhecimento da diversidade, constitui,

portanto, a melhor alternativa para evitarmos a polaridade simplificadora

entre „memória oficial‟ e „memória dominada‟ e realizarmos uma análise

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A partir da análise das memórias dos envolvidos no

evento da derrubada do Bar do Chico, coletadas através da

metodologia da História Oral23

é possível buscar outros

significados referentes à especulação imobiliária, à preservação

ambiental e aos conflitos referentes à urbanização no bairro do

Campeche. Segundo Durval Muniz de Albuquerque Júnior, “o

oral não deve ser oposto dicotomicamente ao escrito, como

duas realidades distintas e distantes, mas como formas plurais

que se contaminam permanentemente, pois haverá sempre um

traço de oralidade riscando a escritura e as falas sempre

carregarão pedaços de textos.” (ALBUQUERQUE JUNIOR,

2007, p. 230). Dessa forma, as fontes que fundamentarão a

seguinte pesquisa serão os documentos considerados oficiais

como os planos diretores para a cidade de Florianópolis e para

o Campeche, os processos judiciais e de tombamento

mais rica dos testemunhos obtidos em nossa pesquisa.” (ALBERTI, 2008, p.

167-168). 23

A pesquisadora Danièle Voldman, afirma que “assim deu-se ênfase

sobretudo à coleta do documento, nem sempre estabelecendo distinção

nítida entre termos e expressões tão variadas quanto „história oral‟, „fonte

oral‟, „arquivo oral‟, „relato de vida‟ e „testemunho‟, por um lado,

„entrevistado‟, „informante‟, „testemunha‟ e „investigado‟ , por outro. É bem

verdade que as três primeiras expressões estão muito próximas umas das

outras e poderíamos admitir uma similitude entre elas, ainda que definições

precisas permitam matizar os conceitos. Por exemplo, procuraremos

reservar a expressão „história oral‟ para o método que consiste em utilizar

palavras gravadas. Quaisquer que sejam os modos de registro e as

finalidades [...], a expressão „fonte oral‟ designará esse material, que se

distingue, por seu suporte, da fonte escrita.” (VOLDMAN, 2006, p. 248).

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relacionados ao Bar do Chico. Além disso, também serão

analisadas a repercussão da imprensa diária e a produção de

material publicitário, como encartes e outdoors das

propagandas das construções imobiliárias, matérias de revistas,

sites da internet e as fontes orais.

Sendo assim, emerge como problemática central a

análise da conjuntura do acontecimento pesquisado e, a partir

dela, a reflexão acerca de como as reverberações deste

repercutiram na imprensa local e como a publicidade alavancou

as transformações. Além disso, como a atividade turística teve

um crescimento significativo neste período, queremos

identificar quais mudanças ocorreram e como impactaram a

luta pelo direito à cidade. Estas questões se inserem em um

quadro configurado pelo crescimento da especulação

imobiliária e das disputas políticas em Florianópolis.

Destaca-se que estas reverberações não aconteceram de

forma independente e sem relação, por assim dizer, como

“acidentes”. Elas estão inseridas dentro do contexto do Plano

de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e

Região, do ano de 1989 e que buscava um ordenamento

voltado para o turismo. Portanto, é importante a pesquisa do

histórico dos planos diretores elaborado para a capital

catarinense e para o bairro, visto que a organização espacial da

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cidade de Florianópolis busca se regrar nestes planos, cuja

primeira versão é da década de 1950.

O Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares,

Campeche e região, elaborado pelo IPUF (Instituto de

Planejamento Urbano de Florianópolis) no ano de 1989, propôs

que Florianópolis apresentasse seu ordenamento voltado para o

setor turístico e, de certa forma, acabou deixando de lado os

interesses da comunidade residente no bairro, como se verifica

através da reivindicação desta a partir da elaboração da

proposta de desenvolvimento sustentável para a região com o

Plano Diretor Comunitário do ano de 1999 (LOCH;

SANTIAGO; WALKOWSKI, 2008).

Ao pesquisar os diferentes planos diretores de

Florianópolis e também do Campeche, pretende-se entender

como se deu suas implicações na perspectiva de disputas

políticas pelo direito à cidade a partir do processo de expansão

da urbanização de Florianópolis para o bairro e o contexto em

que se inseriram as reverberações atuais, como a derrubada do

Bar do Chico, no ano de 2010. Neste sentido, o foco se dá em

como este acontecimento foi sentido, a partir da “vinda” dos

migrantes de outras regiões para o Campeche e da construção

de novos empreendimentos imobiliários nos quais figuram a

ideia de “venda” do bairro.

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Os autores José Rodrigues Rocha (2004) e Amilton

Vergara de Souza (2004), em Plano Diretor de Florianópolis

Resenha Histórica, dão subsídios para questionar esta forma de

crescimento urbano e suas consequências compreendendo que

a região interior da Ilha em relação à área central só

recentemente vem sofrendo expressiva transformação espacial.

Sobre a compreensão do processo de expansão da

urbanização de Florianópolis em direção ao bairro Campeche

será analisado o respectivo acontecimento como consequência

desse processo. Neste debate, entram alguns aspectos

relacionados ao tema do direito à cidade diante da especulação

imobiliária e das disputas políticas em Florianópolis. Diante do

artigo do pesquisador Reinaldo Lonh (2007), intitulado Limites

da utopia: cidade e modernização no Brasil desenvolvimentista

(Florianópolis, década de 1950), buscarei mostrar, a partir a

proposta de planejamento urbano para a cidade de

Florianópolis, que diversos segmentos sociais detiveram o

poder material e simbólico para construir imagens idealizadas

da cidade.

Atuando no âmbito das ideias de superação

acelerada do subdesenvolvimento, a grande

preocupação dos autores do Plano Diretor era

identificar os pontos que estariam provocando o

„atraso‟ de Florianópolis, impedindo que

atingisse o pleno desenvolvimento. A ideia de

atraso, no período, foi uma das mais

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importantes invenções e um dos conceitos

empregados com frequência para distinguir

uma parte do país, que estaria avançando rumo

ao progresso, de um outro Brasil, preso a uma

configuração socioeconômica considerada

tradicional. A partir desses princípios,

Florianópolis era identificada ao atraso e, para

superá-lo, somente com sua entrada no mundo

industrial, ao transformar-se em um grande

centro urbano. Os „problemas‟ e as soluções

apontadas fazem parte de um contexto em que

se atribuiu um poder quase demiúrgico aos

técnicos e planejadores, considerados capazes

de intervir e fixar rumos para a sociedade

brasileira. (LOHN, 2007, p. 310).

A pesquisa a respeito das propagandas presentes nos

encartes e outdoors dos empreendimentos imobiliários no

Campeche apresenta uma ideia de futuro que possibilita

ampliar a compreensão de como estas mídias atuam como

agentes no processo de crescimento urbano.24

Sem dúvida, existem alguns acontecimentos

que, embora sejam reconhecidos como

presente, tendem a evocar o futuro em vez do

passado [...]. Mas não há presente incapaz de

evocar futuro ou passado se o lemos de maneira

a fazer isso. Então, tanto o futuro quanto o

passado emergem apenas em uma leitura do

24 A ideia temporal de futuro que aparece nestas propagandas é o que o

historiador alemão Reinhart Koselleck coloca como: “A primeira vista é

plausível a preferência pelo tempo em detrimento do espaço, nas teorias da

história. [...] Primeiro por uma razão geral: desde sempre, o historiador ao

perguntar como chegamos a situação atual, diferente da anterior, se

interessa por novidades.” (KOSELLECK, 2014, p. 76).

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presente; e um futuro ou um passado em

particular estão qualificados a serem evocados a

partir de um presente em particular, e são

casualmente relacionados ao presente em

particular a partir do qual podem ser evocados

[...]. (OAKESHOTT, 2003, p. 52).

Pois, muitas vezes, os anúncios publicitários são

destinados a atrair mais pessoas para o bairro através das

mensagens que propagam de que a felicidade, enquanto um

modo de vida e/ou uma realidade pode ser encontrada de

“frente para o mar”25

. Essa busca pela felicidade em um espaço

privilegiado pelas condições naturais também merece atenção,

pois está implícita a ideia de que as pessoas, atraídas pelas

propostas publicitárias, podem encontrar ali. Deste modo, as

propagandas parecem ter contribuído nesse processo de

“venda” do bairro como um excelente lugar para se viver, o

qual pode proporcionar uma melhor qualidade de vida através

do contato diário e direto das pessoas com o ambiente natural

da Praia do Campeche.

A metodologia da História Oral foi importante,

desvelando as memórias daqueles que de formas diferentes

vivenciam (ou vivenciaram) o desenvolvimento do bairro do

Campeche. As entrevistas foram fundamentais para a

25 Trecho de texto de uma propaganda impressa em panfleto da empresa

imobiliária Buzz, inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 7 –

Verão 2013. p. 26.

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compreensão do acontecimento aqui estudado. Desta forma, foi

possível criar novos registros sobre a existência do Bar do

Chico.

A História, que também não consegue se

dissociar da escritura, também redescobriu,

neste momento, a voz do passado, a história

oral. O mito da voz do povo, dos dominados,

dos marginalizados, dos despossuídos, volta a

servir de tropo narrativo que dá legitimidade e

unicidade ao discurso da História.

(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 234).

Assim sendo, com relação às possíveis “aproximações”

e “distanciamentos” que podem existir entre as diferentes

memórias, busca-se o princípio das condições coletivas da

memória (COSTA, 2009). Desse modo, as memórias

individuais atuam como limite das interferências coletivas, pois

cada memória individual, através de suas lembranças, por

exemplo, contribuiu na construção da memória coletiva. Para

este trabalho busca-se as circunstâncias coletivas da memória,

o que torna o confronto dos depoimentos e a análise das

diferentes falas fundamentais para constituição da narrativa.

Através das entrevistas foi possível compreender as

percepções daqueles que viveram a conjuntura histórica do

bairro durante o período em que o Campeche começou a passar

por transformações, principalmente a partir do processo de

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47

expansão da urbanização de Florianópolis. Tal processo se

intensifica na década de 1990 com a apresentação do Plano de

Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região,

e seus desdobramentos, com implicações na derrubada do Bar

do Chico no ano de 2010, compreende-se neste trabalho que:

Uma das principais vantagens da História oral

deriva justamente do fascínio da experiência

vivida pelo entrevistado, que torna o passado

mais concreto e faz da entrevista um veículo

bastante atraente da divulgação de informações

sobre o que aconteceu. Esse mérito reforça a

responsabilidade e o rigor de quem colhe,

interpreta e divulga entrevistas, pois é preciso

ter claro que a entrevista não é “retrato” do

passado. (ALBERTI, 2008, p. 170).

Assim, tornar as memórias dos entrevistados fontes para

se compreender a história do bairro tem por objetivo esclarecer,

além das causas do acontecimento, o significado do Bar do

Chico para o Campeche e os desdobramentos do processo de

urbanização da cidade de Florianópolis para o local, fenômeno

interpretado de formas variadas pelos entrevistados e

envolvidos. A partir da abordagem do historiador Philippe

Joutard, percebe-se tal importância:

Não se pode esquecer que, mesmo no caso

daqueles que dominam perfeitamente a escrita e

nos deixam memórias ou cartas, o oral nos

revela o “indescritível”, toda uma série de

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48

realidades que raramente aparecem nos

documentos escritos, seja porque são

consideradas “muito insignificantes” – é o

mundo da cotidianidade – ou inconfessáveis, ou

porque são impossíveis de transmitir pela

escrita. É através do oral que se pode apreender

com mais clareza as verdadeiras razões de uma

decisão; que se descobre o valor de malhas tão

eficientes quanto as estruturas oficialmente

reconhecidas e visíveis; que se penetra no

mundo do imaginário e do simbólico, que é

tanto motor e criador da história quanto o

universo racional. (JOUTARD, 2000, p. 33-34).

Dessa forma, procurarei analisar a maneira como as

testemunhas orais estruturam suas memórias. Neste sentido, a

ideia de memória coletiva de Maurice Halbwachs (2003), na

obra A Memória Coletiva, e de Michael Pollak (1989), no

artigo Memória, Esquecimento, Silêncio, serão fundamentais.

A análise da História Oral se voltará principalmente para os

temas que se repetem mais constante ao longo das entrevistas.

Halbwachs (2003) focou sua análise no social, avaliando os

quadros sociais da memória ou representações coletivas,

propondo que a memória individual não se constrói sozinha,

mas que as lembranças do indivíduo dependem das relações

múltiplas em que este se envolve, como as suas relações com a

família, com os membros de seu grupo social, com a escola,

com a igreja, com a profissão, enfim com grupos de convívio e

grupos de referência peculiares a esse. Já Pollak (1989) mostra

a importância do “silêncio” e ou do “não dito” nas entrevistas.

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As testemunhas orais foram selecionadas em função de

sua participação no acontecimento analisado as quais se

inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que

possam fornecer depoimentos significativos (ALBERTI, 2004).

Dessa forma, priorizou-se os entrevistados envolvidos no

acontecimento específico, procurando analisar como estes

rememoram tal fato, valorizando a subjetividade das

testemunhas orais. A intenção é utilizar as diversas visões

acerca da conjuntura de crescimento urbano para o bairro

Campeche de forma a compreender o acontecimento analisado.

A proposta de buscar apresentar as contradições e matizes a

respeito do contexto histórico do acontecimento analisado é

para confrontar mais de um discurso.26

Esta dissertação foi dividida em três capítulos: O Bar do

Chico: Uma análise sobre os embates e as memórias; O Bairro

do Campeche: Projetos de Futuro a partir dos planos diretores

aprovados entre os anos de 1989 a 1999 e O desaparecimento

da ideia d‟A Cidade Nova do Campeche: uma perspectiva dos

fluxos contemporâneos de pessoas, capitais e imagens do

bairro.

26 Os respectivos depoentes terão relevância nos capítulos 2 e 3, pois estes

apresentam como temática o histórico da expansão urbana de Florianópolis

para o bairro Campeche.

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O primeiro capítulo encontra-se subdividido em três

partes, todas focadas na análise das entrevistas realizadas, pois

como aponta o historiador François Dosse “a crescente atenção

dada ao modo como o acontecimento foi vivido por seus

autores assinala um interesse particularmente imenso para os

depoimentos individuais.” (DOSSE, 2013, p. 312). A primeira

delas intitulada “O Bar do Chico”, a segunda “As entrevistas

com Seu Chico e os nativos do bairro Campeche” e a terceira

“As entrevistas com os de „fora‟ que moram no bairro

Campeche”, mostram a importância destas fontes para a

construção desta pesquisa. Serão, portanto, problematizadas as

fontes orais e a importância de perceber as aproximações e os

afastamentos nas falas dos entrevistados com base em autores

que permitem criar novos caminhos para a História do Tempo

Presente, problematizando questões metodológicas e técnicas

da história oral, a fim de desvelar os limites dessas quanto

apreendidas como objeto de análise. Com elas busco

problematizar a forma como a comunidade reagiu ao

acontecimento.

O segundo capítulo “O bairro do Campeche: Projetos de

futuro a partir dos planos diretores aprovados entre os anos de

1989 a 1999” encontra-se subdividido em dois subcapítulos.

No primeiro subcapítulo “O plano diretor para os balneários e o

planejamento do bairro Campeche”, procuro analisar as

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transformações que o bairro Campeche vem sofrendo desde o

final da década 1980 em sua forma de ocupação, a partir da

expansão urbana de Florianópolis em direção ao local,

analisando os históricos dos planos diretores para o bairro do

Campeche, estimulando seu crescimento, apresentando como

se deu o processo de urbanização. Neste processo, tratarei de

mostrar o que constitui o plano diretor, sua história na cidade

de Florianópolis e no bairro. Também procuro mostrar a

influência do documento “A Cidade Nova do Campeche:

proposta de planejamento do IPUF para o bairro” no processo

de expansão da urbanização no interior da Ilha de Santa

Catarina. E, por fim, o segundo subcapítulo “Os Movimentos

Comunitários e as discussões das propostas dos planos

diretores para o bairro do Campeche”, discuto as influências

dos Movimentos Comunitários do Campeche no processo de

expansão da urbanização do local. Buscarei ainda

problematizar o que representava “O Bar do Chico”, para o

Campeche deste período e como sua respectiva derrubada

causou impactos simbólicos entre os moradores do bairro.

O terceiro capítulo encontra-se subdividido em duas

partes, as quais pretende-se analisar os fluxos contemporâneos

de pessoas, capitais e imagens no bairro do Campeche, na

perspectiva do bairro pertencer a uma cidade turística. A

primeira delas, “O bairro do Campeche: „Aqui é onde seu

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sonho começa a se tornar realidade - Viva o Beach Lifestyle‟”

analisarei algumas mensagens publicitárias que buscam

“vender” o bairro do Campeche como destino residencial e

compreender as consequências do acontecimento pesquisado

para a cidade de Florianópolis e para o bairro Campeche. E

ainda o subcapítulo dentro deste item “Beach Life Style”:

Propagandas turísticas da Praia do Campeche para „os de fora‟

do bairro” procura-se apresentar propagandas das construções

imobiliárias encontradas em encartes ou outdoors e algumas

revistas de turismo. E, por fim, o segundo subcapítulo “O Point

do Riozinho local do show do Ben Harper: Sonhar acordado

agora virou realidade”. Nelas busco mostrar, além do processo

de divulgação, verticalização e comercialização do bairro, que

outros lugares de sociabilidade foram criados no bairro

Campeche após a derrubada do Bar do Chico.

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2. O BAR DO CHICO: UMA ANÁLISE SOBRE OS

EMBATES E AS MEMÓRIAS

Figura 1 - Foto do Bar do Chico. Acervo de Lázaro Bregue

Daniel.

Na década de 1980, o bairro do Campeche passava por

um lento processo de urbanização e pela carência de

infraestrutura27

. Esse quadro contribuiu para que o Bar do

27 O Plano de Desenvolvimento Turístico do Aglomerado Urbano de

Florianópolis (AUF) do ano de 1981, especifica no item “5. Limitações da

Infraestrutura urbana ao desenvolvimento do Turismo: Nenhum dos

distritos considerados mais atrativos para o turismo no verão possui um

sistema satisfatório de abastecimento de água, o que poderá vir a tornar-se

uma limitação à expansão do setor a médio prazo. A inexistência de sistema

de tratamento de esgotos sanitários já prejudica a balneabilidade das Baías

Norte e Sul e ameaça a Lagoa da Conceição. A implantação imediata de um

sistema completo de esgoto na Lagoa é fundamental para manter sua

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54

Chico se tornasse um espaço de sociabilidade. O rancho de

canoas dos avós de Francisco Alexandrino Daniel28

tornou-se

bar em 1983 e passou a ser a principal fonte de renda da

família. Gradativamente destacou-se como o ponto de encontro

da comunidade local para comemorações de ano novo, chegada

das estações do ano, pesca da tainha e carnaval, ou seja, o bar

era considerado uma praça coletiva.

De acordo com o relato de Seu Chico, a partir da década

de 1980, os barcos industriais passaram a atuar no litoral Sul da

Ilha de Santa Catarina, prejudicando a fonte de renda dos

pescadores artesanais e levando a transformação do antigo

rancho de canoas no bar. Quase trinta anos depois de sua

inauguração, o Bar do Chico foi derrubado, o que gerou

polêmica no bairro, reverberando inclusive na imprensa da

capital catarinense.

É preciso destacar que o acontecimento da derrubada do

Bar do Chico ocorreu em uma conjuntura de expansão urbana e

de construção de condomínios residenciais que veiculam em

suas propagandas a qualidade de vida junto ao mar. O que se

pretende mostrar é a contradição entre a derrubada do bar por

destacada atratividade turística. As recentes melhorias no sistema viário

propiciaram bom nível de acessibilidade a maioria das praias da Ilha. Como

principal problema destaca-se ainda a falta de estacionamento em quase

todos os balneários.”. (IPUF, 1981, p. 6). 28

É o nome completo do entrevistado Seu Chico.

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55

supostas infrações ambientais e a sua substituição por

empreendimentos imobiliários de grande porte.

Assim, a partir das memórias de Seu Chico, analisadas

em trabalho anterior (AMARANTE, 2013) e citadas na

introdução desta dissertação, foi possível visualizar os

desdobramentos do acontecimento da derrubada do bar para o

bairro do Campeche e para a cidade de Florianópolis. Esse

evento em particular ressalta o debate sobre questões

ambientais que envolvem as Áreas de Preservação Permanente

(APP), culturais e urbanas inseridas na conjuntura de

crescimento do referido bairro.

Através da análise da entrevista realizada com Seu

Chico29

é que se tornou possível pensar na importância da

História Oral como metodologia de pesquisa, pois pessoas

consideradas comuns como Seu Chico passam a ter voz na

história. A sua memória, analisada aqui enquanto fonte,

permitirá refletir o significado do acontecimento da derrubada

do bar no ano de 2010 e como a expansão da urbanização do

centro de Florianópolis para os bairros, entre eles o Campeche,

29 A análise completa da entrevista com Seu Chico já havia sido realizada na

pesquisa de monografia, porém aqui nesta análise serão enfatizadas outras

partes da mesma.Ver: AMARANTE, Carolina do. A Derrubada do Bar do

Chico e o Show do Ben Harper: Embates de uma História do Tempo

Presente (2010-2011). 87f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação).

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) - Centro de Ciências

Humanas e da Educação. Curso de História. Florianópolis, 2013.

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é descrita por esse morador do bairro. Pode-se pensar na

função do historiador em registrar e analisar essas memórias a

partir dos apontamentos de François Dosse que nos lembra que

o dever de memória "lembra ao historiador sua função cívica, a

de um soldado sentinela que não produz sobre os grandes

traumatismos do passado um saber frio. Ele participa da

construção e depois da transmissão da memória social.”

(DOSSE, 2003, p. 292- 293).

Visando perceber como a conjuntura do evento

analisado foi sentida pelos moradores do bairro, foram

realizadas dezenove entrevistas: Francisco Alexandrino Daniel,

Ana Honorata Wigganigo, Elaine Tavares, Eduardo Daniel,

Norma Freitas, Thiago Kahl, Deise Amarante Muliterno,

Roberta Barreto Viana Stahl, Gabriela Wiest, Alonita Martinha

da Silva, Clarissa de Melo Vaia, Ires Buratti de Souza,

Gabriela Souza de Oliveira, Ademir Damasco, Ataíde Silva,

Tereza Cristina Pereira Barbosa, Lázaro Bregue Daniel.30

Além

30 As respectivas entrevistas foram realizadas na ordem dos nomes dos

depoentes citados e a importância de ressaltar que foram feitas dezenove é

para informar que estas serão utilizadas em todos os capítulos desta

pesquisa, porém vale também destacar que nem todas serão utilizadas neste

capítulo. Como é o caso das depoentes e moradoras dos novos condomínios

residenciais do bairro Campeche: Deise Amarante Muliterno, Roberta

Barreto Viana Stahl e Gabriela Wiest, que ao desligar o gravador

comentaram que já tinham ouvido falar do Bar do Chico e de uma polêmica

o envolvendo, mas não tiveram contato com este, porém, seus relatos terão

relevância e serão empregados no terceiro capítulo desta dissertação. Assim

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destes entrevistados, destacam-se as entrevistas com o

professor aposentado da UFSC (Universidade Federal de Santa

Catarina), Ivo Sostizzo31

, que durante doze anos lecionou a

disciplina de Planejamento Urbano no Departamento de

Geografia e com a professora da UDESC, Carmen Susana

Tornquist.32

O roteiro foi estruturado pensando em entrevistas

temáticas e esse tipo de entrevista versa “prioritariamente sobre

a participação do entrevistado no tema escolhido” (ALBERTI,

2004, p. 37).

A partir disso, pode-se perceber a importância de fazer

um roteiro de entrevista “que servirá de base para os roteiros

individuais dos entrevistados. O roteiro geral tem dupla função:

sistematizar os dados levantados durante a pesquisa exaustiva

a historiadora Verena Alberti coloca que “Convém, pois contar com

entrevistados de diferentes origens que desempenhem diferentes papéis

no universo estudado, a fim de variadas funções, procedências e áreas de

atuação sejam cobertas pela pesquisa.”(ALBERTI, 2008, p. 175). 31

O respectivo depoente foi entrevistado por entender das condições

urbanísticas do bairro Campeche, mas não sabia da existência do Bar do

Chico. Mas, por compreender em que condições de planejamento poderia se

encontrar o bar, seu relato será significativo nos próximos capítulos. A

pesquisadora DanièleVoldman coloca que “No mesmo intuito de

esclarecimento, não se deve designar toda pessoa entrevistada como uma

testemunha que dá um depoimento, sendo esta palavra tomada num sentido

relativamente estrito.” (VOLDMAN, 2006, p. 248). 32

Optei por deixar os nomes verdadeiros dos entrevistados, pois na

monografia com a respectiva temática (AMARANTE, 2013), assim o fiz,

para ficar mais característico com o enredo histórico. Além disso, nenhuma

informação comprometedora será disponibilizada nesta respectiva pesquisa

em respeito às testemunhas orais.

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58

sobre o tema e permitir a articulação desses dados com as

questões que impulsionam o projeto, orientando, dessa forma,

as atividades subsequentes.” (ALBERTI, 2008, p. 176). Assim

para se realizar um trabalho de história oral, deve-se ater que:

Nenhuma entrevista deve ser realizada sem uma

preparação minuciosa: consulta a arquivos, a

livros sobre o assunto, à vida do depoente,

leitura de suas obras, se houver alguma, bem

como referências sobre as principais etapas de

sua biografia. Cada entrevista supõe a abertura

de um dossiê de documentação. A partir dos

elementos colhidos, elabora-se um roteiro de

perguntas do qual o informante deve estar

ciente durante toda a entrevista. (BONAZZI,

2006, p. 236).

As dezenove entrevistas tiveram tempos de duração

variados33

. Através da análise destes depoimentos pretende-se,

mesmo considerando sua condição de narrativa de uma versão

do fato, que a história oral temática possibilite compreender “a

participação do entrevistado no tema escolhido” (ALBERTI,

2008, p. 175). A partir de Alberti (2008) observa-se que a

versão do acontecimento interpretada como uma construção da

realidade pode ser usada para questionar a perspectiva da

33 A entrevista realizada com Seu Chico deu uma hora e dezenove minutos

de gravação, a do entrevistado Ataíde Silva que teve a durabilidade de uma

hora, trinta e sete minutos e cinquenta segundos, foi a mais longa e a da

testemunha oral Clarissa de Melo Vaia teve durabilidade de nove minutos e

cinquenta e sete segundos.

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59

escrita da respectiva narrativa histórica, pois esta se utiliza das

várias visões parciais dos depoentes para a construção do

enredo de caráter histórico a respeito do acontecimento

analisado. A proposta de apresentar as várias contradições e

matizes a respeito do contexto histórico da derrubada do Bar do

Chico em 2010 objetiva confrontar mais de um discurso.

Para alcançar a formulação de hipóteses plausíveis na

escrita desta narrativa buscou-se resposta no texto O narrador.

Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, do filósofo

Walter Benjamin, em que o autor propõe que “uma experiência

quase cotidiana nos impõe a exigência dessa distância e desse

ângulo de observação. É a experiência de que a arte de narrar

está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas

que sabem narrar devidamente.” (BENJAMIN, 1987, p. 197).

Dessa forma, priorizou-se o envolvimento das testemunhas

orais entrevistadas no acontecimento específico, buscando

analisar como estas rememoram tal fato, valorizando a

subjetividade dos depoentes. Procurou-se aqui tomar as

memórias dos entrevistados como fontes para a história do

bairro, o que leva a compreender que estas não são uma

verdade histórica, mas uma ressignificação do passado.

A intervenção do historiador a que escolhe o

documento, extraindo-o do conjunto dos dados

do passado, preferindo-o a outros, atribuindo-

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60

lhe um valor de testemunho que, pelo menos

em parte, depende da sua própria posição na

sociedade da sua época e da sua organização

mental, insere-se numa situação inicial que é

ainda menos “neutra” do que a sua intervenção.

O documento não é inócuo. É antes de mais

nada o resultado de uma montagem, consciente

ou inconsciente, da história, da época, da

sociedade que o produziram, mas também das

épocas sucessivas durante as quais continuou a

viver, talvez esquecido, durante as quais

continuou a ser manipulado, ainda que pelo

silêncio. O documento [...] devem ser em

primeiro lugar analisados desmistificando lhe o

seu significado aparente. O documento é um

monumento. Resulta do esforço das sociedades

históricas para impor ao futuro – voluntária ou

involuntariamente – determinada imagem de si

próprias. No limite, não existe um documento-

verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao

historiador não fazer o papel de ingênuo. [...] É

preciso começar por desmontar, demolir esta

montagem, desestruturar esta construção e

analisar as condições de produção dos

documentos-monumentos. (LE GOFF, 1996, p.

547-548).

Assim, através da metodologia da História Oral, é

possível evitar que as memórias das testemunhas entrevistadas

que vivenciaram as transformações ocorridas no bairro e a

conjuntura do acontecimento analisado sejam apreendidas

como “documentos-monumentos” (LE GOFF, 1996), mas

compreendidas enquanto representações do passado aqui

estudado.

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61

O presente capítulo encontra-se subdividido em três

subcapítulos: “O Bar do Chico”; “As entrevistas com Seu

Chico e os nativos do bairro Campeche” e, por fim, “As

entrevistas com os de „fora‟ que moram no bairro Campeche”.

Nele procuro analisar as repetições e os afastamentos presentes

nos dezenove depoimentos, percebendo a questão da

urbanização do bairro e as reverberações causadas pela

derrubada do Bar do Chico.

2.1 O BAR DO CHICO

Quase oito anos depois de sua concepção,

estreou finalmente na capital, durante o

Florianópolis Audiovisual Mercosul, o

documentário „Desculpe pelo Transtorno: A

História do Bar do Chico‟. Idealizado pelo

cineasta Todd Southgate e o artista plástico

Ivan de Sá, conta a trajetória do famoso bar de

Franscisco Alexandrino Daniel, o Seu Chico,

que foi referência do Campeche durante mais

de 20 anos, até sua demolição em 2010. (Jornal

do Campeche e Sul da Ilha. – Florianópolis,

junho de 2015 – Ano 17 – n° 137, p. 2)

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Figura 2 - Foto acervo da família de Seu Chico. A respectiva

foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52),

porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta

pesquisa. O objetivo da fotografia é mostrar o entrevistado Seu

Chico, figura de destaque no respectivo enredo histórico, em

seu bar na praia do Campeche. Em 13 de junho de 2011, Seu

Chico foi homenageado com a Medalha Manézinho da Ilha

Aldírio Simões34

.

34 LEI N° 8610, DE 26 DE MAIO DE 2011. CONCEDE MEDALHA

MANEZINHO DA ILHA. Faço saber a todos os habitantes do Município de

Florianópolis que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte

Lei: Art. 1º Fica concedida ao Senhor Francisco Alexandrino Daniel (Seu

Chico) a Medalha Manezinho da Ilha Aldírio Simões. Art. 2° Esta Lei entra

vigor na data de publicação. Florianópolis, aos 26 de maio de 2011. DÁRIO

ELIAS BERGER PREFEITO MUNICIPAL. Disponível em:

<http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/diario/pdf/13_06_2011_17.46.01.6eec

266cbad7ad5773992964e4b61bd2.pdf> Acesso em: 15 jun. 2011.

Correspondente a LEI Nº 7040/2006 de maio de 2006, na qual consta no

Art. 1º “Fica criada a medalha „Manezinho da Ilha Aldírio Simões‟, a qual

será concedida àqueles cidadãos nascidos e/ou criados no município de

Florianópolis, com o reconhecimento próprio.” Disponível em

<sistemas.sc.gov.br/cmf/pesquisa/docs/2006/LPMF/LEI7040_06.doc>

Acesso em: 15 jun. 2011. (AMARANTE, 2013, p. 39).

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63

Francisco Alexandrino Daniel, conhecido como "Seu

Chico" nasceu em 15 de março de 1924, filho de Alexandrino

Pedro Daniel (Seu Doca) e Ana Infância Daniel, neto de João

Francisco Daniel e Onorata, que eram donos da gleba onde se

localiza o Bar do Chico, no bairro Campeche. Seu avô, João

Francisco Daniel faleceu em 1936 e suas terras foram sendo

repassadas para os filhos, netos e bisnetos.

Seu Chico, que se casou em 1946 com Dona Eva

Bregue, trabalhava como pescador artesanal. A partir de 1956,

passou a exercer a função de funcionário do Ministério da

Agricultura que, em convênio com a Prefeitura de

Florianópolis, na gestão do Prefeito Osmar Cunha, lotou-o na

Lagoa da Conceição até 1961. Atuando neste cargo, Seu Chico

foi transferido para o bairro do Saco Grande, entre 1961 e

1964, para Capoeiras até 1967 e, finalmente, para o centro da

cidade, entre 1967 e 1982. Depois desta trajetória no setor

público Seu Chico aposentou-se. Nascido e criado no bairro do

Campeche, Seu Chico, gostava de afirmar sua ascendência

açoriana35

, preservava a tradição de seus antepassados em

35 A historiadora Maria Bernadete Ramos Flores, aponta que a essa

característica da ascendência açoriana presente na Ilha de Santa Catarina

deve-se “Do mesmo modo, no século XVIII, o transporte de colonos

açorianos e madeirenses para Santa Catarina e Rio Grande do Sul foi uma

iniciativa do rei de Portugal para alargar seu domínio no Sul do Brasil,

contra o interesse dos espanhóis.” (2000, p. 27). Ainda, (2000, p. 40)

descreve que “A coroa financiou o transporte e o assentamento em Santa

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64

vários aspectos, dentre as quais a atividade de subsistência da

pesca artesanal36

, pois esta é atividade característica das

comunidades de origem açoriana estabelecidas no litoral

catarinense (LAGO, 1996). Segundo o depoimento de Lázaro

Bregue Daniel37

, filho de Seu Chico, o dono do bar era

reconhecido na comunidade do Campeche, pois:

Teve uma repercussão muito grande. Meu pai

recebeu vários artistas, a nível nacional e até

atores internacionais que passaram a frequentar

o bar na temporada. Tinha um ator americano,

que depois ficou morando aqui em

Florianópolis, inclusive ele dizia que o meu pai

era o pai adotivo dele. Meu pai era, além de um

Catarina e no Rio Grande do Sul de, aproximadamente, 6.000 colonos, entre

homens, mulheres e crianças.”. 36

Segundo o professor do Departamento de Geociências da UFSC, José

Messias Bastos “A pesca artesanal que [...] assiste a partir dos anos 60, com

a criação da SUDEPE (Superintendência Do Desenvolvimento Da Pesca)

não só sua marginalização com os incentivos fiscais concedidos à pesca

industrial embarcada como também a orquestração de uma política de

desmonte da estrutura de beneficiamento do pescado [...]. Por outro lado, a

capacidade de captura da pesca embarcada fez escassear o pescado na costa

catarinense contribuindo mais e mais para o aprofundamento da decadência

da pesca artesanal. Como não poderia deixar de ser, o processo contínuo de

destruição da estrutura mercantil pesqueira [...] fez suas populações

migrarem ou para cidade, à procura de novas alternativas de trabalho, ou

partirem para os grandes centros pesqueiros do Brasil.”. (BASTOS, 2000, p.

137-138). 37

Lázaro Bregue Daniel, é um dos entrevistados dessa pesquisa e atuou

como vereador pelo PT (Partido dos Trabalhadores). Disponível em:

<http://www.quadropolitico.com.br/DadosCandidato/2715980/LAzaro-

Bregue-Daniel>. Acesso em: 11 nov. 2012. Segundo o próprio entrevistado

“[...] e eu nessa época também comecei com o meu mandato de vereador,

em 93, [...].” (BREGUE DANIEL, 2015, p. 4-5).

Page 65: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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manezinho, um baita de um gozador né. O

nome do ator, [...], era O‟Neil 38

[...].[...] então

o pai disse vou ter que trocar esse nome, tu vai

ter que ter um nome de manezinho (risos), aí o

meu pai botou o nome de Zé Onil (risos), pra

ser filho de criação dele. E ele ficou

praticamente uns dois anos aí convivendo com

meu pai, além do bar ele começou a frequentar

a casa do meu pai, era muito amigo. (BREGUE

DANIEL, 2015, p. 3).

O colunista do Clube de Cinema, Andrey Lehnemann,

ao falar sobre o filme Desculpe pelo Transtorno: A História do

Bar do Chico, afirma que “Seo Chico parece não saber seu

papel. É apenas um homem. Mas um homem que despertou um

senso de por justiça em toda a população.” (Jornal Diário

Catarinense, 22 de ago. de 2015). O local onde estava

instalado o Bar do Chico era sobre as dunas da praia do

Campeche. O espaço começou a ser utilizado como rancho de

pesca a partir de 1940. Assim, no inicio da década de 1980,

quando os barcos industriais começaram a dominar o mar

(LAGO, 1996), Seu Chico diante das dificuldades econômicas

advindas devido o baixo valor de sua aposentadoria e, além

disso, com a pouca rentabilidade financeira gerada pela

atividade da pesca artesanal, achou necessário criar uma

38 Acredita-se que o nome do ator americano a qual Lázaro Bregue Daniel

se refere, mesmo havendo dúvidas em suas memórias, seria Edward Phillip

“Ed” O‟Neill, Jr, mais conhecido como Ed O‟Neill. A partir de descrições

físicas do ator pelo entrevistado conclui-se que seja este.

Page 66: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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alternativa de renda. A partir de 1983 tem início a história do

Bar do Chico quando foi construído um rancho rústico no local

para comercialização de produtos alimentícios e recepção de

surfistas, pescadores e banhistas, uma vez que inexistia

qualquer ponto de apoio ou posto de salva vidas nas

proximidades.39

Assim, Seu Chico passou a intercalar o uso do

local entre a atividade tradicional da pesca artesanal da tainha,

predominantemente no inverno, e como bar no verão, período

em que a renda proveniente da pesca sempre foi muito

reduzida.40

Segundo Lázaro Bregue Daniel, o Bar do Chico

surgiu no seguinte contexto:

Bom, o meu pai é pai de dezesseis filhos né, na

época treze vivos e pelo trabalho dele, que o

salário era pouco, ele não tinha condições de

sustentar os filhos. Então como ele era também

pescador, que era o complemento da nossa

alimentação e o complemento do salário dele,

[…] ele tinha o rancho de canoa, onde

pescavam e ele aproveitou o rancho pra fazer

um barzinho. No primeiro momento além de

vender alguma coisa e ter um lucro pra ajudar

no sustento da família, ele também servia para

os pescadores como abrigo, pra água, banheiro,

então esse foi o motivo. E o bar foi uma

39 Ver: Defesa dos Autos da FLORAM (Fundação Municipal do Meio

Ambiente), de infração n° 0176/98. p 1. 40

Sobre esta e outras informações do Bar do Chico como patrimônio

cultural da comunidade do Campeche ver: Proposta de Tombamento da

“Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu Chico” como

Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis. p. 4.

Page 67: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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surpresa até pra ele porque na época o bar

começou a crescer, as pessoas de fora que

vinham que não queriam a badalação

procuravam o barzinho, e um ia passando pro

outro, primeiro em Florianópolis né e de

repente ele foi crescendo de uma tal maneira

que se tornou um bar bem grande, onde vinha

gente não só de Florianópolis mas do estado, do

Brasil inteiro, e depois mais tarde, até do

exterior. (BREGUE DANIEL, 2015, p. 2).

O Bar do Chico, ainda em 1983, teve que adequar as

antigas instalações para a nova finalidade, cumprindo as

exigências legais do Poder Público Estadual e Municipal como

a construção de um rancho rústico, de madeira, com divisões

internas para a cozinha e balcão para atendimento ao público e

banheiro com acesso externo, também para uso do público em

geral. Ao lado do bar, havia apenas uma cobertura de madeira,

contendo ao fundo um pequeno palco, chamado “recanto

açoriano”, para apresentações musicais e outros eventos. 41

Por ser em local elevado e coberto próximo ao mar, o

rancho do Seu Chico era uma excelente área de observação

41 O local possuía iluminação pública fornecida pela CELESC, rede de água

fornecida pela CASAN, serviço de telefone público fornecido pela

TELESC. Além disso, sobre esta e outras informações do Bar do Chico

como patrimônio cultural da comunidade do Campeche ver: Proposta de

Tombamento da “Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu

Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis.

p. 2.

Page 68: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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para os "vigias"42

da tainha, que tem como principal função

observar o mar durante horas à espera de avistar os cardumes

de peixes, que chegam nesta região. Logo, o Bar do Seu Chico

mantinha estreitas ligações com os pescadores locais, além de

servir como fonte secundária de renda para a família Daniel.

No bairro Campeche era tradição a realização de festas

no Bar do Chico, conhecidas e divulgadas em toda a cidade. O

local era, principalmente no período do verão, um importante

ponto de encontro da comunidade local, surfistas e turistas que

buscavam um espaço para descanso, socialização e consumo.43

A principal festa promovida pelo Bar do Chico ocorria

nos dias de lua cheia, à beira de uma fogueira construída

coletivamente e com a apresentação de bandas de artistas

locais, sendo conhecida como “Luau do Bar do Chico”. A

jornalista Elaine Tavares destaca em seu depoimento as

memórias saudosas sobre essas festas: “Eu lembro daquelas

festas que aconteciam lá, os luaus, que eram os finais dos

42 Ao localizar os peixes, os "vigias" se apressam em avistar os pescadores

para colocar seus barcos no mar e lançar a rede, que depois será puxada por

todos da comunidade. Os que ajudam a puxar a rede recebem a sua parte de

pescado, ficando o restante para os pescadores que os vendem ali mesmo na

praia, em pequenos comércios ou para grandes comerciantes. Esta atividade

é característica da região (LAGO, 1996), conforme é ressaltado na Proposta

de Tombamento do Bar, ocorrida em 24 de abril de 2001. 43

Sobre esta e outras informações do Bar do Chico como patrimônio

cultural da comunidade do Campeche ver: Defesa dos Autos da FLORAM,

de infração n° 0176/98. p 1.

Page 69: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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nossos encontros de congressos, enfim, de debates políticos,

tudo acabava no Bar do Chico.” (TAVARES, 2012, p. 3).

O Bar do Chico sempre foi ponto de apoio para

atividades tradicionais da comunidade do Campeche, como o

Quinhão do Santo, que é uma antiga tradição dos pescadores de

destinar parte do resultado da pesca para a administração da

Igreja44

, a Encenação da Paixão de Cristo45

e o Carnaval do O

Nô Di, que geralmente se encerravam no largo da Capela de

São Sebastião ou no Bar do Chico.

E aí começa a história do bar, porque a

discussão, além de ser em outros locais ela

passou a ser, como todo mundo se reunia na

praia no verão, no bar. Passou a ser o ponto de

discussão, não só o ponto de discussão, mas pra

uma série de projetos, projetos culturais, tinha

44 A contribuição dos pescadores para a concretização da festa anual

realizada pela Igreja de São Sebastião, o santo padroeiro do bairro

Campeche, que denomina a antiga capela provavelmente construída em

1826. Essa prática é um registro concreto da profunda religiosidade

existente na cultura açoriana. Sobre esta e outras informações do Bar do

Chico como patrimônio cultural da comunidade do Campeche ver: Proposta

de Tombamento da “Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu

Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis.

p. 4. 45

A procissão saía da Igreja de São Sebastião, percorria o caminho histórico

da “Picada da Capela” até ao pico da duna ao lado do Bar do Chico, onde se

erguiam três cruzes. Depois da crucificação e morte, a comunidade

retornava para a Capela pelo mesmo caminho. Sobre esta e outras

informações do Bar do Chico como patrimônio cultural da comunidade do

Campeche ver: Proposta de Tombamento da “Picada da Capela” e seus

arredores e do “Bar do Seu Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do

Município de Florianópolis. p. 5.

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70

música, tinha encontro de pessoas, até a

encenação da Paixão de Cristo foi feita lá, e daí

começou uma briga entre nós e os

representantes da prefeitura. (BREGUE

DANIEL, 2015, p. 6).

De acordo com os depoimentos, alguns dos

frequentadores do Bar do Chico eram também pessoas ligadas

a partidos considerados de esquerda como o Partido dos

Trabalhadores (PT), de forma que “a gente não tinha lugar para

fazer reunião e como não tinha era tudo meio escondido. [...]

Era no Bar do Chico que a esquerda de Florianópolis ia fazer

seus encontros.”. (TAVARES, 2012, p. 3). A testemunha oral

Ataíde Silva relata que:

Então assim, ao Bar do Chico [...] vinha muito

o pessoal da cidade, muitos tinham uma relação

com a esquerda, com o PT, com o lado de

esquerda e tal, que foi até um dos motivos que

levou a derrubada do Bar do Chico, essa

ciumeira, né, essa identificação. (SILVA, 2015,

p. 3-4).

É possível observar a construção de um significado

político para o Bar do Chico como uma referência local para o

encontro de interessados em discussões partidárias e políticas.

Ainda como aponta Lázaro Bregue Daniel:

E no bar depois de certo tempo começou a

aparecer uma grande freguesia, que era a

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própria comunidade, que fez daquele local um

espaço deles, um ponto de encontro da

comunidade, não só para os finais de semana,

ou para os dias em que estavam na praia, para

beber uma cervejinha, comer um peixinho, mas

passou a ser encontro de amigos, onde começou

a ser discutido o problema da comunidade.

Nessa época, já a partir de 89, a prefeitura fez

um plano diretor que era para o Campeche.

Esse plano diretor foi feito lá no IPUF e ele

veio aqui apresentar para a comunidade para

pegar o respaldo dela. A resposta da

comunidade foi dizer “não é um plano bom”,

em outubro de 89, eu estava presente nessa

reunião, que tinha em torno de cem pessoas, as

pessoas correram com o IPUF daqui.

(BREGUE DANIEL, 2015, p. 3 - 4).

Na historiografia é possível recorrer aos apontamentos

de Ginzburg (2006) em sua obra O queijo e os vermes onde é

possível parafraseá-lo a respeito da temática do moinho como

um espaço de sociabilidade, difusão de pensamentos e

compartilhamentos de perspectivas culturais e políticas. O

moinho do Menocchio:

Contribuía para alimentá-lo o fato de o moinho

ser um lugar de encontros, de relações sociais,

num mundo predominantemente fechado e

estático. Um lugar de troca de ideias, como a

taverna e a loja. Com certeza, os camponeses

que se amontoavam nas portas do moinho, [...]

para moer os grãos, deviam falar sobre muitas

coisas. (GINZBURG, 2006, p. 181).

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72

As funções exercidas pelo moinho como lugar de

encontro para a troca de ideias e experiências aproxima-se do

papel do Bar do Chico para a comunidade do Campeche, uma

vez que ambos podem ser definidos como locais em que,

pessoas comuns podiam intercambiar questões referentes à

realidade vivida. Pois, se Menocchio conseguia pensar a

respeito da influência da Igreja Católica na vida da comunidade

italiana e pré-industrial de Montereale justamente por ter

acesso ao ambiente do moinho, o mesmo pode-se pensar sobre

o Bar do Chico, pois este foi uma referência para a

confraternização da esquerda de Florianópolis desejosa de

debater a respeito do crescimento do bairro do Campeche. De

acordo com o colunista do Clube de Cinema, Andrey

Lehnemann:

[...] na história de Seo Chico, a qual por vezes

confunde-se com a da praia. Nas filmagens

antigas, nos negativos de fotos, nas

personalidades que passaram pela Ilha, o

cineasta nos convida para compreendermos não

só o homem, mas o papel social da política

catarinense neste percurso. Um papel que

evidencia cada vez mais amedrontador no

decorrer do documentário – à medida que nos

aproximamos de Chico e de seu bar, o

Campeche e suas manifestações também se

tornam ressoantes. Assim como seus clamores

pela proteção de suas memórias, de suas

famílias e do que fez Santa Catarina se tornar

referência turística no Brasil. (Jornal Diário

Catarinense, 22 de ago. de 2015).

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Figura 3 - Foto acervo da família de Seu Chico. Na fotografia

acima ele aparece ao lado do ator Marcos Palmeira. O local era

frequentado por turistas, além dos próprios moradores do

bairro. (AMARANTE, 2013, p. 39). Segundo o entrevistado

Ademir Damasco “o Seu Chico era uma pessoa muito

carismática, uma pessoa assim cultural, ele era um

multiplicador cultural.” (DAMASCO, 2015, p. 3).

Os conflitos em torno da derrubada do bar perpassam a

década de 1990. Neste período, o filho do Seu Chico, Lázaro

Bregue Daniel, tornou-se vereador. Conforme os depoimentos

dos entrevistados, esta posição pública fez com que Lázaro

fosse alvo de adversários políticos.46

Além disso, alguns jornais

locais indicam que os embates políticos que envolviam o

46 Essa informação será ressaltada nos próximos subcapítulos deste

respectivo capítulo.

Page 74: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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vereador Lázaro teriam determinado a derrubada do Bar do

Chico. Como pode ser percebido nas afirmações do Jornal Da

Lagoa, de 2000, “o bar também foi criado antes das leis

municipais. Seria bom que a FLORAM mostrasse tanta

vontade contra as obras que realmente ameaçam o meio

ambiente - não somente contra o pai de um vereador da

oposição... (Seu Chico é pai do Vereador Lázaro do PT).”

(Jornal Da Lagoa, fev. de 2000).

A questão política também fica evidente no seguinte

trecho do Jornal A Notícia, de Florianópolis (SC), mostrando

que a proposta de tombamento do bar encontrava obstáculos:

A superintendente da FLORAM, Elizabeth

Amin Vieceli, acha que a “transformação em

patrimônio cultural de uma obra irregular, onde

funciona um bar sem autorização, vai abrir um

precedente perigoso em Florianópolis”. Ela

acha que se não for demolido, “poderá parecer

que isso não aconteceu porque o proprietário é

pai de um vereador”, disse, referindo-se ao

vereador Lázaro Daniel (PT). (Jornal A Notícia,

28 de fev. de 2000, p. 4).47

Com relação ao tombamento do Bar do Chico como

patrimônio cultural, histórico e turístico do município de

Florianópolis, foi construído um dossiê que continha um

47 Essas citações de jornais já foram apresentadas na monografia

(AMARANTE, 2013, p. 40), porém devido a sua importância ela é

enfatizada nesta pesquisa.

Page 75: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

75

abaixo-assinado, representando entidades e movimentos sociais

do Campeche e de Florianópolis em geral, bem como de Seu

Chico e Eva Bregue Daniel, compondo 1.441 assinaturas. A

proposta do tombamento se inseria justamente no contexto da

existência de locais que asseguram a preservação das

características da cultura regional e consequentemente

contribuem para o turismo. A proposta oficial para o

desenvolvimento do Campeche, a partir de 1989, foi elaborada

de acordo com a estratégia política local de incentivar a

vocação turística de Florianópolis, de forma que o projeto de

tombamento do Bar do Chico estaria inserido nas diretrizes do

Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche

e região, do mesmo ano.

No documento Proposta de Tombamento da “Picada

da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu Chico” como

Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis,

do ano de 2001, é ressaltado o “valor cultural” do bar,

reconhecido pelos florianopolitanos e visitantes como

importante espaço para manutenção de práticas e tradições

locais. Percebe-se a memória atuando em um processo de

reivindicação da preservação cultural, definindo o bar da praia

do Campeche como um local importante para reprodução das

práticas tradicionais da capital catarinense. Assim o significado

da proposta de tombamento do Bar do Chico propunha

Page 76: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

76

justamente ir contra a ideia de que “a eliminação física é o

ápice do antimonumento, que completa ao se tornar invisível

[...]” (MENESES, 2009, p. 459).

Contudo, o tombamento não se efetivou, sob a alegação

de que o Bar do Chico era uma construção irregular, dentro de

uma área considerada de APP. O bar foi criado antes da lei de

proteção ambiental, instituída no ano de 1985 (Decr. Municipal

nº 112, 31/5/85), que trata do Plano Diretor dos Balneários e

Interior da Ilha, tombando várias dunas do município,

inclusive as da praia do Campeche. Segundo o dossiê de

tombamento do bar, este instalou-se nas dunas

aproximadamente em 1940 e a edificação do bar ocorreu em

1983.

Diante desses acontecimentos, no dia 24 de abril de

2001 foi enviado ao IPUF, pela AMOCAM (Associação de

Moradores do Campeche), a Proposta de Tombamento da

„Picada da Capela‟ e seus arredores e do „Bar do Chico‟ como

patrimônio histórico – cultural do Município de Florianópolis,

que recebeu uma decisão contrária ao pedido de tombamento

do Bar do Chico. O parecer de n° 0877/2002 (Processo n°

1119/2002- IPUF- referente ao Ofício da AMC-003/2001

AMOCAM) alegava que o bar encontrava-se sobre faixa

marinha e área de dunas, definidas como APP.

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77

Como a resposta ao pedido de tombamento do Bar do

Chico foi negativa, a AMOCAM solicitou a reconsideração da

decisão pelo IPUF, com um processo protocolado48

em 19 de

julho de 2002, alegando que houve desconsideração da

manifestação da comunidade que tem o interese em preservar

os hábitos e os costumes que são praticados neste espaço,

arraigados na vida dos moradores antigos e absorvidos pelos

novos moradores, visitantes e turistas. 49

A respeito dos processos sobre a preservação e a

demolição do Bar do Chico, destaca-se que em maio de 1998

foi expedido o auto de infração 176/98 determinando a

condição “irregular” do estabelecimento, questão divulgada

pelos jornais da cidade de Florianópolis e detalhado por

Amarante (2013)50

.

48 Deferimento do Parecer do processo n° 0877/2002, contrário ao

tombamento do “Bar do Chico” e a “Picada da Capela”, exarado no

Processo n° 142 (1119/2002). Documento encontrado juntamente na cópia

do documento da Proposta de Tombamento da “Picada da Capela” e seus

arredores e do “Bar do Chico” como patrimônio histórico – cultural do

Município de Florianópolis. 49

Essas citações já foram apresentadas na monografia (AMARANTE,

2013), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa. 50

A importância de destacar que serão utilizados os mesmo jornais que

foram utilizados na construção da monografia com o respectivo tema

(AMARANTE, 2013), pois ao se iniciar o Mestrado na UDESC no semestre

de 2014.2 foi feito um levanto de jornais, na Biblioteca Pública do Estado

de Santa Catarina, em busca de mais notícias a respeito do Bar do Chico e

do bairro Campeche. A respeito do Bar do Chico não foram encontrados

novas notícias, mas pude ter acesso a mais algumas poucas, pois já tinha

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78

Conforme algumas informações, foi no dia 25 de

novembro de 1999 que a FLORAM, por meio de uma ação

civil pública, pediu a demolição do bar, confirmando a

irregularidade da construção, situada em uma APP, salientando

que esta era distante cerca de 800 metros do Sufoco‟s Bar51

,

demolido no ano anterior pelo mesmo motivo. (Jornal A

Notícia, 23 de jan. de 2000, p. 6).

No dia 30 de janeiro do ano de 2000 torna-se evidente o

apoio da comunidade do bairro, como afirma o jornalista Cacau

Menezes em sua coluna no Jornal Diário Catarinense:

Frequentadores do bar do Chico, no Campeche,

entre os quais professores universitários,

jornalistas e artistas, promovem às 11 da manhã

deste domingo um grande abraço em defesa de

sua manutenção. Bar obedece, de fato, os

padrões de qualidade estabelecidos pelas regras

do turismo. Por ser um point, que virou

tradição, merece preservação. Movimento é

justo. (Jornal Diário Catarinense, 30 de jan. de

2000, p. 63).

quase todas que a testemunha oral Lázaro Bregue Daniel me disponibilizou

o acesso. 51

O Sufoco‟s nasceu no verão de 1988/89 nas dunas da Praia do Campeche.

O nome surgiu devido às dificuldades para montar o Bar: era um sufoco

para atravessar as dunas. O Bar permaneceu na Praia do Campeche até o

ano de 1998, ressurgindo dois anos depois em seu atual endereço na

Avenida Campeche, em frente à Lagoinha Pequena. Disponível em:

<http://www.obaoba.com.br/florianopolis/bar/rio-tavares/sufocos-bar>.

Acesso em: 25 out. 2012.

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79

No entanto, continuando a seguir os rastros dos

vestígios a respeito do acontecimento analisado, verifica-se que

no dia 17 de fevereiro de 2000, a FLORAM teve o parecer

favorável ao pedido para demolir o Bar do Chico. Ignorando

assim os apelos da AMOCAM (Associação de Moradores do

Campeche) e de um abaixo assinado subscrito com mais de mil

assinaturas. (Jornal A Notícia, 21 de fev. de 2000, p. 5). No dia

25 de fevereiro do mesmo ano, o bar esteve prestes a ser

derrubado, como noticia o jornalista Cacau Menezes a respeito:

Ontem pela manhã, um grupo de funcionários

da FLORAM esteve, com a polícia, na Praia do

Campeche para a demolição do Bar do Chico.

Por sorte, os advogados e moradores presentes

no local tinham em mãos o despacho do

desembargador Sérgio Paladino52

, suspendendo

a liminar de demolição expedida pela juíza

Sônia Schmitz. O documento foi conseguido no

final da tarde de quinta-feira. (Jornal Diário

Catarinense, 26 de fev. de 2000, p. 35).

52 O desembargador Sérgio Paladino suspendeu o ato da tentativa de

derrubada do Bar do Chico a partir de um despacho que dizia a seguinte

informação “Trata-se de agravo de instrumento interposto por Francisco

Alexandrino Daniel contra decisão que deferiu liminar nos autos da ação

civil pública contra si intentada por FLORAM – Fundação Municipal do

Meio Ambiente de Florianópolis, determinando o desfazimento de um bar

localizado na Praia do Campeche. [...] Suspendo, pois, os efeitos da decisão

até o julgamento do agravo pela Câmera.”. Sobre esta e outras informações

ver: Agravo de instrumento n. 00. 002296-9, da comarca da Capital (Vara

dos Feitos da Fazenda pública e Acidentes de Trabalho). Florianópolis, 24

de fevereiro de 2000.

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80

Em uma matéria do dia 29 de maio do ano de 2002, o

Jornal Diário Catarinense publicou sobre mais uma das

tentativas de demolição do Bar do Chico, com o título

“Construção irregular chega a 56%”, na seção ambiente do

jornal.

O proprietário, Francisco Alexandrino Daniel, o

Seu Chico, que luta na Justiça desde 1999 para

que o empreendimento continue de pé, e

funcionando, conseguiu uma liminar evitando

“o prejuízo”, quando os funcionários da

FLORAM já haviam retirado parte do telhado.

“Estou ali há 20 anos e considero uma injustiça

à demolição do bar”, lamentou. (Jornal Diário

Catarinense, 29 de mai. de 2002).

Desde o ano de 2007 o processo de demolição estava

pendente, mas o bar permaneceu nas dunas até 2010. Dias

antes de ser demolido o proprietário do Bar do Chico recebeu

uma ordem de demolição, afirmando que o estabelecimento

seria derrubado até o dia 10 de julho. Como coloca o Jornal

Diário Catarinense:

O processo de demolição está para ser

cumprido desde 2007. Desta vez, a Fundação

Municipal do Meio Ambiente (FLORAM),

órgão da prefeitura, foi notificada pela Justiça.

Segundo o superintendente da fundação,

Gerson Basso, o imóvel terá de ser derrubado

até 10 de julho. (Jornal Diário Catarinense, 25

de jun. de 2010).

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81

Em cumprimento ao Processo de Demolição, o Bar do

Chico foi posto abaixo em 16 de julho do ano de 2010, uma

manhã da sexta-feira. O jornalista Cacau Menezes expôs “Não

teve jeito: a prefeitura derruba hoje o Bar do Chico, no

Campeche, point de gente cabeça feita que mora na Ilha e que

não se conforma com a violência.” (Jornal Diário Catarinense,

16 de julho de 2010). Sobre esse acontecimento torna-se

relevante considerar sua importância na respectiva análise,

como um fio condutor a ser pesquisado, pois contribuiu para

esclarecer esta temática trabalhada na historiografia porque

“ademais, o historiador marca muitas vezes sua temporalidade

e sua cronologia com essas descontinuidades sofridas,

encadeando o tempo através daquilo que o rompeu, quebrou,

interrompeu com acontecimentos dolorosos ou sangrentos.”

(FARGE, 2011, p. 14).

O lamento de alguns moradores ecoa também na

afirmação colocada em seu blog pelo jornalista do Diário

Catarinense, Cacau Menezes “Fechado, não era um bar. Era

uma identidade, agora entulho, memória.” (Blog Virtual Cacau

Menezes, 16 de jul. de 2010).

Depois da demolição, pode-se perceber uma

intensificação no movimento dos moradores locais contra as

construções em área de APP, o que possivelmente pode ter

Page 82: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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relação com a derrubada do tradicional bar em prol de

exigências ambientais. Exemplo disso foi o acontecimento que

motivou os moradores da praia do Campeche a realizarem o

protesto contra a construção de uma passarela nas dunas, bem

como a polêmica a respeito do show do artista norte-americano

Ben Harper realizado no Point do Riozinho, o que será

analisada no terceiro capítulo desta pesquisa.

Assim, frente à imagem que tenta vender o bairro do

Campeche como um excelente lugar para se viver, devido à

presença das belezas naturais, ocorre que a natureza e a

qualidade de vida urbana tornam-se alguns dos aspectos

vendidos pelo marketing imobiliário na capital catarinense.

Este processo é conduzido pelos grandes empreendedores do

mercado imobiliário e pelos governos estadual e municipal.

Desta maneira, vários empreendimentos e condomínios são

construídos em conjunto com algum aspecto físico ou

simbólico da natureza para atrair investidores e compradores,

ou seja, os migrantes que acabam visitando por turismo a Ilha

de Santa Catarina. (HENRIQUE, 2005). A partir

principalmente da construção de grandes empreendimentos

imobiliários, em alguns casos em APPs, a comunidade do

Page 83: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

83

bairro reage. É possível perceber essa posição na fala da

testemunha oral Ademir Damasco53

:

As pessoas foram através da rede social um dia

e houve a derrubada do deck. Tiraram todas as

madeiras e houve um motivo de resistência ali

que foi matéria nacional, que provou que a

comunidade do Campeche é muito política e

muito participativa. Talvez seja da cidade a

mais participativa. Isso é legal, porque hoje em

dia existem muitas reivindicações aqui por

causa desses movimentos. E o que as pessoas

fizeram foi tirar todas as madeiras que tinham

colocado e jogaram tudo para dentro do terreno

do condomínio Essence. O Essence ficou de

voltar pra fazer de novo, através da prefeitura,

mas eles viram que tinha um movimento

comunitário muito grande e eles desistiram da

construção, que era o certo. O Essence tinha o

deck de madeira ao lado do Bar do Chico, e não

precisava daquele deck, tanto é que foi provado

que não precisava. Isso foi um movimento que

houve. (DAMASCO, 2015, p. 6).

A testemunha oral Ademir Damasco continua seu relato

destacando que “isso foi um movimento que houve de

resistência. É como um paradoxo. Se derruba o Bar do Chico,

53 A testemunha oral Admir Damasco aponta que “Bom eu nasci em

Ratones que é uma comunidade aqui do norte da ilha, e depois morei na

Trindade um tempo e moro há trinta anos no Campeche.” (DAMASCO,

2015, p. 1). Além de que “eu participei de todos esses movimentos ali no

Campeche.” (DAMASCO, 2015, p.5), se referindo ao movimento de

derrubada do deck do condomínio Essence.

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porque vai fazer uma construção com decks que no fim vai

ficar uma coisa exclusiva?”. (DAMASCO, 2015, p. 6).

Desde 1983 toda a comunidade utilizava o local que se

tornou popular também entre visitantes à medida que o Sul da

ilha crescia e atraia um grande contingente de todo o Brasil e

do exterior que escolhiam o bairro para morar 54

Após a

derrubada, o Bar do Chico ficou na memória coletiva da

comunidade do bairro do Campeche.

2.2 AS ENTREVISTAS COM SEU CHICO E OS NATIVOS

DO BAIRRO CAMPECHE

Pouco tenho a dizer sobre a limitação mais

óbvia do historiador contemporâneo, ou seja, a

inacessibilidade de certas fontes, porque isso

me parece estar entre o menor de seus

problemas. (HOBSBAWM, 1998, p. 253)

Neste subcapítulo iremos analisar as memórias de Seu

Chico55

e de outros moradores nascidos no bairro Campeche,

pois tornaram-se, como aponta o historiador Pierre Nora,

54 Sobre esta e outras informações do Bar do Chico como patrimônio

cultural da comunidade do Campeche ver: Proposta de Tombamento da

“Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu Chico” como

Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis. p. 4. 55

No dia 14 de maio de 2011, num sábado cinzento, de outono, a entrevista

com Seu Chico foi realizada pelas mestres em História pela UFSC, Hellen

Martins Rios, Patrícia Volk Schatz e também pela autora da respectiva

pesquisa.

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85

“objeto de uma história possível.”. (NORA, 1993, p. 11). Desse

modo, é a partir destas memórias que se tornará possível

confrontar as discussões que motivaram a derrubada do bar, ou

seja, tornar-se-ão compreensíveis os vieses “de luta e de

expectativa e de que uma força invisível como a política pode

trazer abaixo memórias nativas, varrer os sonhos de um

pescador e alimentar a ganância empresarial.” (Jornal Diário

Catarinense, 22 de ago. de 2015).

Como antigo morador do bairro, esperava-se que Seu

Chico criticasse o crescimento urbano do Campeche porque

havia vivenciado um bairro com características rurais e de certa

forma preservado ecologicamente. Entretanto, este afirmou que

todos estes eram elementos importantes para o

desenvolvimento da região, pois como ele falou “não se pode

ficar pequeno pra sempre” (DANIEL, 2011, p. 8). Desta forma,

o historiador que se compromete em trabalhar com História

Oral deve encarar a possibilidade de não receber exatamente as

respostas que desejaria e que seriam importantes para seu

trabalho, mas deve encarar isso como nova possibilidade de

abordagem e mesmo como contraponto e extensão de sua

pesquisa. 56

56 A esse ponto é importante destacar, pois quando foi realizada a entrevista

com Seu Chico, tinha-se a certeza de que ele seria contra o desenvolvimento

urbano para o bairro Campeche. Pensando no problema de pesquisa pautado

Page 86: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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E quando não escrevemos sobre a Antiguidade

clássica ou o século XIX, mas sobre nosso

próprio tempo, é inevitável que a experiência

pessoal desses tempos modelem a maneira

como os vemos, e até a maneira como

avaliamos a evidência à qual todos nós, tão

obstante nossas opiniões devemos recorrer a

apresentar. (HOBSBAWM, 1998, p. 245).

Contudo, a partir da entrevista realizada com Seu

Chico em 2011 foi possível observar as reticências nas falas

relacionadas à derrubada do bar. O entrevistado explicou que

transformou o rancho de canoas em um bar depois da sua

aposentadoria no Ministério da Agricultura e como delegado

distrital. Quando questionado sobre as razões da derrubada do

bar ele esclareceu conhecer as irregularidades ambientais

no crescimento urbano desenfreado do bairro do Campeche, Seu Chico,

como um morador antigo, de acordo com a minha perspectiva, iria defender

a permanência das características passadas do lugar, o que não aconteceu

porque seu Chico considerava importante o crescimento, pois como ele

mesmo usou como analogia “não se pode ficar pequeno pra sempre”. A

antropóloga Márcia Fantin explica que muitos “nativos” da Ilha pensam

como Seu Chico porque “em contrapartida, entre os „nativos‟ das elites bem

como das camadas populares prevalece uma espécie de visão „mitificada‟

do progresso da cidade, ancorada no discurso de que é preciso mudar,

crescer, construir obras, fazer melhorias. [...] Para muitos pescadores

nativos, do interior da Ilha, o progresso era e é visto com bons olhos. Eles

agora não precisam ir a pé para deslocar-se ao centro da cidade. Basta pegar

um ônibus. Estradas, luz elétrica, água encanada, coleta de lixo, acesso a

posto de saúde, escolas para os seus filhos, tudo isso é muito bom. Além

disso, no verão dá para alugar a casinha para turistas, em especial os

argentinos, e ganhar uma „boa grana extra‟.” (FANTIN, 2000, p. 50).

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apontadas pela prefeitura e ressaltou não compreender o que

diferenciava a presença de seu bar e dos novos condomínios

residenciais, que também são localizados na área de APP.

Durante a entrevista realizada com Seu Chico, logo

após quase meia hora de conversa, ele finalmente respondeu,

com a voz embargada, parecendo que não queria falar do

assunto da derrubada do bar (2010). Ele se mostrou ciente de

ter acontecido por irregularidade ambiental, mas reportou,

constrangido, o motivo da derrubada por uma troca de telhas

que ele havia feito semanas antes. Logo após falar deste tema,

Seu Chico ficou mais distraído e disse, inclusive, “Às vezes eu

fico meio fora assim [...] voa longe [...], né.” (DANIEL, 2011,

p. 25). Na verdade Seu Chico não respondia da forma que eu

esperava como pesquisadora, e sim ocorreram muitos

“desvios” e “silêncios”. Era, portanto, um assunto que o

entristecia, mas talvez que também pudesse o expor a mal

entendidos.

Em face dessa lembrança traumatizante, o

silêncio parece se impor a todos aqueles que

querem evitar culpar as vítimas. E algumas

vítimas, que compartilham essa mesma

lembrança “comprometedora”, preferem, elas

também, guardar silêncio. Em lugar de se

arriscar a um mal-entendido sobre uma questão

tão grave, ou até mesmo de reforçar a

consciência tranquila e a propensão ao

esquecimento dos antigos carrascos, não seria

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melhor se abster de falar? (POLLAK, 1989,

p.6).

Esta resistência em falar do bar, no entanto, trouxe uma

questão pertinente do método utilizado para análise da fonte

oral: a possibilidade de analisar os lapsos, os esquecimentos, os

não ditos, os silêncios e os esforços de ocultação a partir da

perspectiva ética. Dessa forma, essas atitudes de fuga por parte

de Seu Chico podem ser interpretadas como medo de sofrer

perseguições políticas57

. A partir da entrevista com Seu Chico

torna-se possível pensar que seus silêncios e desvios, podem

ser compreendidos como uma forma de luto, pois como aponta

o historiador e sociólogo francês François Dosse:

O luto não é apenas aflição, mas a verdadeira

negociação com a perda do ser amado, um lento

e doloroso trabalho de assimilação e

desprendimento. Esse movimento de

rememoração pela lembrança e pelo

distanciamento, pelo trabalho do luto demonstra

que a perda e o esquecimento estão no centro

57 A questão das perseguições políticas levantadas aqui neste primeiro eixo

acaba abrindo um flanco de discussões, e dentre estas se pode destacar que

estas se inserem no contexto histórico “dos Movimentos Sociais

compreendida a partir de algumas das suas principais características, [...] na

contextualização em que surgem no Brasil, em Santa Catarina e em

Florianópolis, mais especificamente. [...] A democracia de base foi uma das

marcas importante desse período. [...] Nesse contexto nacional, chamo a

atenção para a atuação dos movimentos sociais que tem início nos anos 70,

perpassando pelos anos 80 e 90.” (FANTIN, 1997). No entanto essa questão

será levantada com mais detalhes nos outros capítulos desta dissertação.

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da memória para evitar-lhe perturbações. (2003,

p. 288).

As lembranças sobre a derrubada do bar provavelmente

traziam uma tristeza que era apresentada nos respectivos gestos

de fuga do assunto. Conforme seus familiares e vizinhos do

bairro Campeche, Seu Chico chegou a adoecer após o ocorrido,

uma experiência certamente indescritível para o entrevistado. 58

Assim, o morador e nativo59

do Campeche, Thiago Kahl60

,

58 A justificativa usada para apontar que Seu Chico foi vítima de “trauma”

foi a partir da análise da obra A Trégua de Primo Levi (2010) onde este

sendo um sobrevinte da Segunda Guerra Mundial, aponta que “Assim, a

hora da liberdade soou grave e acachapante, e inundou, a um só tempo, as

nossas almas de felicidade e doloroso sentimento de pudor, razão pela qual

quiséramos lavar nossas consciências e nossas memórias da sujeira que as

habitava; e de sofrimento, pois sentíamos que isso já não podia acontecer, e

que nada mais poderia acontecer de tão puro e bom para apagar o nosso

passado, e que os sinais da ofensa permaneceriam em nós para sempre, nas

recordações de quem a tudo assistiu, e nos lugares onde ocorreu, e nas

histórias que iríamos contar. Porque, e este é o tremendo privilégio de nossa

geração e do meu povo, ninguém pôde mais do que nós acolher a natureza

insanável da ofensa, que se espalha como um contágio. É absurdo pensar

que a justiça humana possa extingui-la. Ela é uma inexaurível fonte do mal:

quebra o corpo e a alma dos esmagados, os destrói e os torna abjetos; recai

como infâmia sobre os opressores, perpetua-se como ódio nos sobrevientes,

e pulula de mil maneiras, contra a própria vontade de todos, como sede de

vingança, como desmoronamento moral, como negação, como fadiga, como

renúncia.” (LEVI, 2010, p. 10-11). 59

A respeito do termo “nativo” a antropóloga Márcia Fantin aponta que

“quando se fala em „nativos‟ é preciso fazer algumas observações. É lugar-

comum classificar como „natvos‟ aqueles que nasceram na ilha cujas

famílias são hegemonicamente açorianas e já estão vivendo na cidade há

várias gerações. Entretanto, a categoria „nativo‟ conforme o contexto ora

alarga-se no seu sentido, ora estreita-se. Muitos filhos de famílias que

vieram „de fora‟ mas que nasceram no território ilhéu não são considerados

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aponta que “até hoje não há quem não fale do bar, não há quem

não fale no Seu Chico, no falecido Seu Chico e não fale na

própria doença que fez com que ele falecesse, duvido se não

agravou mais a doença com a derrubada desse bar.” (KAHL,

2014, p.7). Como coloca a historiadora francesa Arlette Farge

“o sofrimento é considerado desde então como a evidente

consequência deste ou daquele fato, ou de tal decisão política”

(FARGE, 2011, p. 14).

A partir dos gestos de Seu Chico, pode-se pensar nas

questões éticas de como o historiador pode fazer uso das

informações das entrevistas analisadas, e compreender que

“não existe uma única „maneira certa‟ de entrevistar, e a

maneira que o „bom senso‟ indica como „certa‟ para

entrevistar” (THOMSON, 2000, p. 48), por exemplo, quando

pergunta-se “por que o Bar do Seu Chico foi derrubado?”,

muitas testemunhas orais simplesmente responderam, como o

próprio Seu Chico (2011), que por mais de uma vez, falou que

“andava meio esquecido” e que “a memória não ajudava”

„nativos‟. Eles continuam sendo classificados como „de fora‟ especialmente

se seus pais são identificados desta forma no bairro e na cidade. Em

contrapartida há aqueles que nasceram em outros Estados ou cidades e que

vieram para a Ilha desde pequeninos e no entanto são considerados nativos.

Há também uma grande aproximação „identitária‟ entre os „nativos‟ e

aqueles que nasceram no litotal catarinense, sobretudo os de origem

açoriana.” (FANTIN, 2000, p. 42-43). 60

A entrevista com o nativo do bairro Campeche Thiago Kahl ocorreu no

dia 07 de setembro do ano de 2014.

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(DANIEL, 2011), salientando que a memória antiga

dificilmente falhava, mas que a memória mais recente pregava

peças, confundindo-o. Assim segundo o historiador australiano

Alistair Thomson (2000, p. 60) “o medo e a distorção afetam a

recordação individual e como os sobreviventes se angustiavam

no dilema entre o impulso de falar e o medo de fazê-lo. Para os

sobreviventes, recordar envolve luta dentro da vida política e

social de uma nação.”.

O posicionamento da autora de interrogar Seu Chico, no

acontecimento aqui analisado, se assemelha, ao que aponta

Ginzburg (1989) quando este estuda o exemplo de Freud, pois

seria possível pensar o uso da memória não revelada como o

testemunho de alguém que está em uma consulta, de maneira

que “eis que os inquisidores picavam as vítimas com as agulhas

para encontrar os estigmas diabólicos, e na mesma situação as

vítimas inventavam a mesma velha história comovente

(ajudadas talvez pelos disfarces sedutores). Assim, a vítima e o

torturador trazem ambos à memória a sua primeira

adolescência.” (GINZBURG, 1989, p. 212). E assim, por

querer saber mais dos acontecimentos busca-se “picar o

entrevistado”, ou seja, procura-se fazer as perguntas que muitas

vezes ficam sem respostas, vozes e falas. Porém, enquanto

pesquisadora precisa-se levar em conta questões éticas, na qual

“o historiador oral esteja atento às nuanças culturais quando

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realiza entrevistas dentro de sua própria sociedade”

(THOMSON, 2000, p. 50). Segundo os relatos de alguns dos

entrevistados desta pesquisa que apontam que a derrubada do

Bar do Chico tinha como um dos seus motivos o envolvimento

político do filho de Seu Chico, Lázaro Bregue Daniel61

, que na

época das ameaças de derrubada do bar era vereador, como o

próprio aponta “Muito pesado. Infelizmente foi assim, eu

gostaria que a briga fosse comigo. Mas, segundo o que dizem,

a briga foi uma vingança contra minha atuação na Câmara.”

(BREGUE DANIEL, 2015, p. 7).

61 A entrevista com o filho de Seu Chico e ex-vereador do PT, como

apontado acima, Lázaro Bregue Daniel ocorreu no dia 28 de junho de 2015,

em sua casa. Além disso, esta testemunha oral é de grande importância

nesta pesquisa, pois foi a partir desta que se pode elucidar muitos aspectos

do Bar do Chico e da sua derrubada, omitidos no depoimento realizado com

Seu Chico, certamente os silêncios deste relacionados ao trauma da perda de

seu bar. Lázaro assim relata a respeito do acontecimento analisado “ Assim,

praticamente entre eu, representando a comunidade [...]. Dizem que foi, eu

não posso dizer porque nunca demonstraram, mas ficou muito claro que a

briga era contra mim, mas como não tinham nada pra fazer porque eu fiz

um mandato de acordo com o que a comunidade queria, aquilo que eu

representava, como eles não tinham nada pra fazer contra mim, eles se

vingaram no meu pai que tinha esse barzinho em cima das dunas. É bom

dizer que esse barzinho, […] ele era um rancho de canoa do meu pai de

1950, por aí, e que a lei vem depois que o bar está instalado, então a

vingança vem em cima do meu pai.” (BREGUE DANIEL, 2015, p. 7). A

partir deste trecho do relato de Lázaro torna-se possível compreender os

silêncios e desvios de Seu Chico. A pesquisadora Beatriz Sarlo aponta “De

modo radical, não se pode representar os ausentes, e dessa impossibilidade

se alimenta o paradoxo do testemunho: quem sobrevive a um campo de

concentração sobrevive para testemunhar e assume a primeira pessoa dos

que seriam os verdadeiros testemunhos, os mortos. Um caso-limite, terrível,

de prosopopéia.” (SARLO, 2007, p. 35).

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Ainda a partir da entrevista com o morador do

Campeche e neto de Seu Chico, Eduardo Daniel Rocha, mais

conhecido entre os moradores do bairro como Dudu62

, fica

claro que a partir de algumas conversas que teve com seu avô,

o Seu Chico, a respeito da visão deste a respeito da derrubada

do bar, o qual teria dito: “Eu sei que o meu bar está em cima de

uma duna, tem um impacto [...]. [...] mas é um impacto

mínimo, mas assim se for para derrubar meu bar eu quero que

derrubem todos. Se é para se fazer justiça.” (ROCHA, 2012, p.

4). Desta forma, possivelmente, para Seu Chico era uma

injustiça o que tinham feito com seu bar, mas a partir das

palavras dos seus familiares e testemunhas orais, seu filho

Lázaro Bregue Daniel e seu neto Dudu, fica mais fácil

compreender que esses gestos de silenciar ao invés de

expressar o que significava o acontecimento para ele, eram,

62 A entrevista com Dudu ocorreu no dia 30 de agosto do ano de 2012 e,

atualmente (2015), Dudu ainda faz parte da diretoria da AMOCAM

(Associação de Moradores do Campeche). A escolha de entrevistar Dudu

foi porque no ano de 2012 ele começou a participar na diretoria da

AMOCAM. Além disso, é neto de Seu Chico, e por isso, acompanhou de

perto o acontecimento analisado e por sua luta pela não derrubada do bar do

seu avô. A análise completa da entrevista com Dudu já havia sido realizada

na pesquisa de monografia, porém aqui nesta análise serão enfatizadas

outros aspectos da entrevista. Ver: AMARANTE, Carolina do. A

Derrubada do Bar do Chico e o Show do Ben Harper: Embates de uma

História do Tempo Presente (2010-2011). 87f. Trabalho de Conclusão de

Curso (graduação). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) -

Centro de Ciências Humanas e da Educação. Curso de História.

Florianópolis, 2013.

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talvez, o sentimento de injustiça que o fazia calar-se e ou

desviar o assunto. Como se, ao relembrar as lembranças da

derrubada de seu bar, revivesse a sensação de injustiça, a qual

provocava um sentimento doloroso.63

Para o pesquisador

Michael Pollak (1989) a importância do relato dos familiares

das vítimas de traumas e/ou de pessoas que passaram por

desagradáveis experiências emocionais de tal intensidade que

ficaram com uma marca duradoura geralmente em suas mentes,

como no caso aqui analisado Seu Chico, seria a de:

A essas razões políticas do silêncio

acrescentam-se aquelas, pessoais, que

consistem em querer poupar os filhos de crescer

na lembrança das feridas dos pais. Quarenta

anos depois convergem razões políticas e

familiares que concorrem para romper esse

silêncio: no momento em que as testemunhas

oculares sabem que vão desaparecer em breve,

63 Sobre isto é importante destacar que quando foi realizado o Minicurso

História Oral, Memória e Migrações no Tempo Presente, ministrado pelo

Prof. Dr. Luis Fernando Beneduzi, dos dias 22 a 24 de junho de 2015 na

FAED (Centro de Ciências Humanas e da Educação) na UDESC, este

abordou o termo memória delegada, também denominada, segundo o

Professor, de “memória de segunda mão”, ou seja, tanto as memórias de

Lázaro Bregue Daniel quanto às de Dudu, neste caso, tem a função de

relatar por aqueles que não sobreviveram, no caso aqui Seu Chico. Ainda,

“por sua vez, Primo Levi avançava ainda mais longe: „Nós os

sobreviventes, não somos as verdadeiras testemunhas [...] mas eles, os

mulçumanos, os náufragos, é que são as testemunhas integrais, aqueles cujo

depoimento teria uma significação geral. A destruição conduzida a seu

termo, ninguém teria subsistido para narrá-la, como ninguém nunca voltou

para narrar a sua morte.” (LEVI, 1989, p. 82 apud HARTOG, 2011, p. 211).

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elas querem inscrever suas lembranças contra o

esquecimento. (POLLAK, 1989, p.6).

Portanto, foi possível perceber que Seu Chico dispunha-

se a tratar de diversos assuntos que não fossem o caso da

derrubada do seu bar. Assim, torna-se importante destacar que

as fontes orais também proporcionam momentos de

resistências, esquecimentos, lapsos de memória e silêncios

(FRANK, 1999).

Não acenavam, não sorriam; pareciam

sufocados, não somente por piedade, mas por

uma confusa reserva, que selava as suas bocas e

subjugava seus olhos ante o cenário funesto.

Era a mesma vergonha conhecida por nós, a

que nos esmagava após as seleções, e todas as

vezes que devíamos assistir a um ultraje ou

suportá-la: a vergonha que os alemães não

conheceram, aquela que o justo experimenta

ante a culpa cometida por outrem, e se aflige

que persista, que tenha sido introduzida

irrevogavelmente no mundo das coisas que

existem, e que a sua boa vontade tenha sido

nula ou escassa, e não lhe tenha servido de

defesa. (LEVI, 2010, p. 10).

Ao entrevistar Dona Nicota64

, que era uma das nativas

mais antigas do bairro Campeche, esta relatou sobre a

64 A entrevista com Dona Nicota ocorreu no dia 31 de agosto do ano de

2012 e a escolha de entrevistá-la, se deu por ser uma das moradoras e

nativas mais antigas do Campeche, foi porque já tendo uma idade mais

avançada, ela acompanhou os acontecimentos do bairro por muitas décadas

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derrubada do bar que “aí fizeram o Bar do Chico que depois foi

derrubado porque atacaram o Lazáro.” (WIGGANIGO, 2012,

p. 2). A partir das palavras de Dona Nicota torna-se perceptível

que ela tem como uma de suas memórias a percepção de que o

acontecimento analisado ocorreu devido a discussões políticas

que envolviam o filho de Seu Chico, Lázaro. Logo em seguida,

ela continua seu depoimento destacando que “toda a vida ficou

lá [...], mas de uns tempos pra cá começaram a falar que iriam

tirar aquele bar. Mas eu não gostei porque ele não estava

fazendo mal a ninguém. Agora nos outros lugares eles não

tiram. Foram tirar ele dali, né?” (WIGGANIGO, 2012, p. 2).

Assim, a responsabilidade ética por parte do historiador deve

ser a de um posicionamento “que não deixa de ouvir e recolher,

mas que deve se distanciar, que a virtude cardeal do bom

entrevistador, não deve cegá-lo nem privá-lo da lucidez.”

e eu tinha o interesse de tornar compreensível, a partir de suas memórias, o

acontecimento analisado, como ela enxergava e se essas novas

transformações, ela achava como algo positivo ou negativo, fazendo um

paralelo com a época de sua juventude, um período em que o Campeche era

menos habitado. Como ela sempre morou no bairro, acompanhando seu

crescimento imaginei que seria uma fonte valiosa. A análise completa da

entrevista com Dona Nicota já havia sido realizada na pesquisa de

monografia, porém aqui nesta análise serão enfatizadas outras partes da

mesma. Ver: AMARANTE, Carolina do. A Derrubada do Bar do Chico e

o Show do Ben Harper: Embates de uma História do Tempo Presente

(2010-2011). 87f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação).

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) - Centro de Ciências

Humanas e da Educação. Curso de História. Florianópolis, 2013.

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(JOUTARD, 2000, p. 43 - 44). Como afirma outra moradora e

nativa do bairro Campeche, Gabriela Souza de Oliveira65

:

Porque se tu fores observar, numa extensão de

praia gigante dessa, existiam o Sufocos e o Bar

do Chico. Então assim, o Sufocos infelizmente

eles derrubaram e o Bar do Chico vieram a

derrubar depois e o motivo foi porque o Lázaro

era vereador. Então, ele conseguiu segurar um

pouco mais, sabe? Mas, depois que tu

conseguires conversar com o Lázaro tu vai

perceber que ele tem uma opinião talvez mais

política da situação. Mas, eu vejo essa ligação

bem clara. Por isso que quando construiram o

deck do Essence, eu me revoltei por causa

disso. Porque eu vi a ligação direta com o Bar

do Chico, sabe? Construíram um deck que

beneficiava um condomínio. Então, eu fiquei

bem revoltada com essa questão do Seu Chico,

que veio a falecer um ano depois que o bar dele

foi derrubado. Infelizmente derrubaram porque

eu acho que não era bem visto pelos olhos de

certos moradores novos (risos). É eu acho que

pelo fato de ser um bar, de ser um reduto de

nativos, eu acho que ele não iria ser bem visto

aos pés de um condomínio, a beira da praia,

entendeste? (OLIVEIRA, 2015, p. 22-23).

Pensar a importância da História Oral é perceber que

essa permite dar voz às pessoas do bairro, ou seja, às pessoas

65 A entrevista com Gabriela Souza de Oliveira ocorreu no dia 13 de abril

do ano de 2015. A escolha de entrevistá-la se deu principalmente porque,

segundo a depoente “E faço parte de alguns movimentos dentro da

sociedade, dentro da comunidade. [...] Eu realizei os quatro mutirões de

limpeza da Lagoinha, da Lagoa Pequena, e mais a Feira do Cacareco.”

(OLIVEIRA, 2015, p. 1-2).

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comuns, pois esses eventos, se contados somente pela mídia

local, apresentarão um único significado. Para Alberti (2008, p.

166) a história oral possibilita "o conhecimento de experiências

e de modos de vida de diferentes grupos sociais. Nesse sentido,

o pesquisador tem acesso a uma multiplicidade de „histórias

dentro da história". A partir do relato de um dos moradores do

bairro Campeche, Thiago Kahl, pode-se compreender os

embates envolvendo o acontecimento:

O Bar abriu em início dos anos oitenta e ele

sempre foi o point, ou seja, era o ponto de

encontro de todos os que vinham aqui, dos

nativos e dos não nativos, dos famosos haoles,

que a gente trata aqui como haole. Mas assim,

era o único bar aqui “pras bandas do mato

dentro” 66

, porque esse bar tinha a sua beleza,

ele tinha uma vista maravilhosa para o mar,

para a Ilha do Campeche. Então, com a

derrubada do bar acabou tirando um pedaço de

todo mundo, ainda mais quando o deck foi

construído ao lado dele, isso gerou muita

revolta. Lembro que foi a Gabriela67

que

começou a espalhar tudo pelo facebook, que

estavam construindo o deck e eles iam construir

até a praia. Então, num momento único de

união, aquela frase a união faz a força tem o

seu real sentido, todo mundo foi como se

fossem as formigas trabalhando, cada uma

passando uma madeira, derrubando aquele

deck, porque é como se a derrubada fosse para a

construção daquele empreendimento grotesco,

66 O termo “pras bandas do mato dentro” faz referência à parte mais antiga

do bairro Campeche. 67

É também uma das entrevistadas dessa pesquisa.

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ignorante que tem ao lado, que eu não

concordo, eu não concordei com essa

verticalização, para mim é realmente um abuso

de poder, sabe? Então, ou seja, querer tirar o

bar que, tudo bem, estava em área de

preservação permanente, e logo depois desse

acontecimento querer construir um condomínio

naquela mesma área e ainda falar que é para

proteção de mangue, ou seja, querer aumentar

esse deck até a praia tirando aquele caminho

que todo mundo usava desde sempre. Então

para mim isso é um absurdo, não tem

cabimento. (KAHL, 2014, p. 5-6).

A partir da História Oral, procurei tornar compreensível

o acontecimento pesquisado, procurando inseri-lo na história

do bairro e da cidade de Florianópolis, analisando as memórias

daqueles que viveram tais experiências e que sentiram suas

reverberações. Assim, é possível contrapor as informações

veiculadas pela mídia catarinense a respeito do acontecimento,

com as falas e memórias de moradores e envolvidos,

permitindo a visualização e o registro das versões a respeito de

parte da história do bairro do Campeche. O trecho do relato da

moradora do bairro Campeche, Alonita Martinha da Silva68

, a

68 A entrevista com a nativa do bairro Campeche, Alonita Martinha da

Silva, ocorreu no dia 27 de outubro do ano de 2014. A escolha de

entrevista-la se deu também porque “o bar eu conheci desde que eu nasci,

acho que ele é mais antigo. E era sempre o ponto de encontro, de quem

morava aqui, tanto para os mais velhos irem lá, sentar, jogar dominó, ver o

mar, quanto para os mais novos também porque havia bastante lazer, havia

luau, vários encontros que eram marcados também à noite.” (DA SILVA,

2014, p. 1).

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respeito da derrubada do deck dos condomínios Essence que,

como apontado no subcapítulo anterior, foi apresentado pelos

jornais locais como uma das consequências da derrubada do

Bar do Chico.

Um deck até a praia, passando as dunas, e

chegando perto de onde estava o bar. Então a

gente se sentiu apunhalado porque um bar que

já estava antigo e era um espaço cultural que

acabou sendo derrubado. Agora estavam

deixando fazer uma coisa nova, desnecessária,

para não colocar o pé no chão de areia, para

chegar quase até a água, […] Então, a gente se

reuniu, várias pessoas criaram o evento no

facebook e foi discutindo o que era para ser

feito e se programou essa derrubada do deck,

tanto que no dia foi bastante gente, eu estava

junto, estavam várias emissoras de televisão

local. Elas chamaram a polícia, mas ela ficou lá

só olhando (risos), viram que era uma coisa que

não dava para impedir, pois eles eram daqui,

nos reconheceram e foram a favor da gente.

Ficaram olhando e a gente derrubou toda a

parte que estava em cima das dunas e da

vegetação. O que era dos condomínios, a gente

não pode mexer porque seria invasão particular,

mas, foi uma coisa bem legal porque juntou

muita gente e que acabaram ficando felizes por

derrubar aquilo e até hoje, não construíram

mais. Dá para ver que as pessoas tem esse

poder de ir contra isso e a gente tem que cada

vez mais fazer isso, se juntar para conseguir

diminuir essa invasão que está acontecendo

aqui. (DA SILVA, 2014, p. 5-6).

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Através da entrevista realizada com o nativo Ademir

Damasco69

foi possível compreender as percepções daqueles

que viveram no contexto histórico do bairro durante esse

período em que o Campeche começou a sofrer as

transformações a partir do processo de expansão da

urbanização de Florianópolis, a partir da década de 1990. Este

entrevistado coloca que o Bar do Chico era frequentado por

nativos do bairro, mas também, por pessoas do PT, ou seja, era

um espaço de sociabilidades.

E o Seu Chico era a referência do lugar porque

as pessoas gostavam de ir lá, pois era um lugar

muito eclético, onde se reuniam pescadores, o

pessoal que jogava futebol, o pessoal de

carnaval e tinha também uma ala política que se

reunia porque o filho dele era do PT e então ali

também ocorreu reuniões políticas. E tinha

muitos shows e eventos culturais. Além, dos

eventos de surf porque a gente fazia

campeonato ali. Então tudo era em volta do Bar

do Chico. O Bar do Chico oferecia na época

uma coisa que o município não dava para a

comunidade, que seria uma sombra, um

banheiro para as crianças, para as pessoas que

iam, para a gente guardar a chave do carro,

trocar a roupa, […] Portanto, ele funcionava

como um agregador num local onde não havia

nada para fazer. Tu ias lá ao Bar do Chico e tu

encontravas alguém lá. (DAMASCO, 2015, p.

3).

69 A entrevista com o nativo Ademir Damasco ocorreu no dia 19 de abril do

ano de 2015.

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Assim, tornar as memórias dos entrevistados fontes para

se compreender a história do bairro tem por objetivo esclarecer

as causas dos eventos, o significado simbólico do Bar do Chico

para a comunidade do Campeche e os desdobramentos do

processo de urbanização da cidade de Florianópolis para o Sul

da Ilha que transformou esse espaço. O nativo e morador do

bairro Campeche, Ataíde Silva70

, aponta que:

Ele criou um patrimônio chamado Bar do Chico

o qual criou uma identificação com o partido de

esquerda, essa é a relação. E ele incomodou

porque ali se relacionavam e se encontravam

pessoas consideradas do partido de esquerda.

Então, a elite da cidade de Florianópolis se

sentiu agredida, eles sentiram que ali havia um

mal que tinha que ser estancado. Então a

verdade é que aí a nossa luta histórica nasceu.

(SILVA, 2015, p. 3-4).

Dessa forma, a partir da memória de um dos moradores

do bairro Campeche e uma das lideranças da AMOCAM,

Ataíde Silva, pode-se perceber que o Bar do Chico era

considerado um espaço de sociabilidade, mas também de

70 A entrevista com o nativo Ataíde Silva ocorreu no dia 28 de maio do ano

de 2015. A escolha de entrevistá-lo se deu principalmente porque, segundo

o depoente ele é “vice-presidente da Associação de Moradores do

Campeche, atualmente e presidente da Associação de Surf do Campeche.”

(SILVA, 2015, p. 1).

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difusão de pensamentos entre o partido considerado de

esquerda, o PT.

Portanto, o Bar do Chico para a comunidade de

moradores nativos do bairro Campeche representava um elo de

identificação simbólico71

com a cultura local. Como aponta o

pesquisador Stuart Hall, a respeito das “identidades culturais –

aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso

„pertencimento‟ a culturas” (HALL, 2006, p. 8). De maneira

geral, a comunidade de nativos do bairro Campeche buscava

criar laços culturais, sociais, políticos, portanto, o Bar do Chico

era um espaço de sociabilidades, que produziu uma memória

coletiva por parte desta comunidade que frequentava o

ambiente. Nesse sentido, o sociólogo francês Maurice

Halbawachs (2003) ressalta que:

Para que nossa memória se auxilie com a dos

outros, não basta que eles nos tragam seus

depoimentos: é necessário ainda que ela não

tenha cessado de concordar com suas memórias

71 O pesquisador Ulpiano T. Bezerra de Menezes a respeito da

ressignificação simbólica aponta que “um lugar para Nora, vai do objeto

mais material e concreto, um artefato, uma paisagem, até o objeto mais

abstrato e construído intelectualmente. Pode ser um monumento, um

arquivo, um museu, uma personagem, uma instituição, uma canção, uma

dança, uma gestualidade, a etiqueta, a genealogia, um objeto sígnico, uma

personagem, uma paisagem, e assim por diante, desde que funcione como

uma unidade significativa, de ordem material ou ideal, movida de

preferência voluntariamente, transformando-se em elemento simbólico.”

(MENEZES, 2009, p. 450).

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e que haja bastante pontos de contato entre uma

e as outras para que a lembrança que nos

recordam possa ser reconstruída sobre o

fundamento comum. Não é suficiente

reconstituir peça por peça a imagem de um

acontecimento do passado para se obter uma

lembrança. É necessário que esta reconstrução

se opere a partir de dados ou de noções comuns

que se encontram tanto no nosso espírito como

no dos outros, porque elas passam

incessantemente desses para aquele e

reciprocamente, o que só é possível se fizeram

e continuam a fazer parte de uma mesma

sociedade. (HALBAWACHS, 2003, p. 34).

Além disso, a partir das entrevistas foi possível

perceber, como foi apontado pelos jornais que entre os motivos

para a derrubada do Bar do Chico, havia questões políticas, até

porque era um dos locais de encontro do PT em Florianópolis

para planejar, questionar, refletir a respeito do ordenamento da

cidade e do bairro do Campeche que estava crescendo de forma

acelerada, como será estudado nos próximos capítulos. E que a

consequente derrubada do deque do condomínio Essence foi

uma das consequências do acontecimento analisado, pois

significou uma manifestação por parte da comunidade contra o

que foi feito com o bar. Dessa forma, será importante

compreender os pontos de vista dos moradores do bairro

considerados de “fora”, no subcapítulo que se segue.

Page 105: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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2.3 AS ENTREVISTAS COM OS “DE FORA” QUE

MORAM NO BAIRRO CAMPECHE

As histórias dos migrantes têm sido sempre

uma parte fundamental da experiência da

migração, trabalhando com a imaginação de

futuros possíveis, mostrando como os

migrantes conviveram com as consequências de

sua migração e delas extraíram sentido.

(THOMSON, Alistair, 2002, p. 359)

A partir da epígrafe fica compreensível que a vinda de

migrantes para Florianópolis contribuiu para o crescimento ou

expansão da urbanização do bairro Campeche.72

Esses

migrantes são classificados como internos, pois “referem-se a

uma deslocação de uma área (província, região, município)

para outra, no interior do mesmo país” (CASTLES, 2005, p.

16). Assim, “as antes tão conhecidas e familiares caras que

circulavam pelas várias áreas da cidade, misturaram-se aos

poucos à multidão indistinta, agora também acentuada pela

chegada dos „estranhos‟ visitantes, turistas ou simplesmente

novos moradores.”. (CORADINI, 1992, p. 150 apud

CAMPOS; FALCÃO; LOHN, 2010, p. 269).

72 A questão das migrações e vinda de migrantes internos para Florianópolis

e mais especificamente para o bairro do Campeche será abordada com mais

aprofundamento no terceiro capítulo desta pesquisa.

Page 106: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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O respectivo subcapítulo se utiliza das várias visões

parciais dos entrevistados para a compreensão da conjuntura

histórica a respeito do acontecimento analisado. Fantin (2000)

trabalha com a ideia antagônica de que a cidade pode ser vista

por nós de uma forma e os outros de uma maneira distinta,

revelando contrastes de opiniões a respeito da expansão da

urbanização da cidade de Florianópolis em direção ao

Campeche entre os nativos e os de fora73

, os manezinhos e os

estrangeiros, assim colocado pela autora em sua obra.

O uso da metodologia da História Oral possibilitou

compreender o que alguns dos migrantes internos que vivem

no bairro pensam a respeito do processo de expansão da

urbanização de Florianópolis para o Campeche, “ou seja, em

um trabalho de história oral, a biografia, a trajetória individual,

não é coisa dada, mas construída à medida mesmo em que é

feita a entrevista.” (ALBERTI, 2000, p. 5). A testemunha oral e

73 O termo os “de fora” empregado pela antropóloga Márcia Fantin em sua

obra Cidade Dividida: Dilemas e Disputas Simbólicas em Florianópolis

assinala que “Nota-se aqui uma outra versão do sentimento de angústia que

ronda a cidade, veiculado principalmente por este grupo dos „de fora‟: trata-

se da agonia do progresso. São pessoas que, de certo modo, já viveram

(metaforicamente falando) a „morte da cidade‟ – especialmente os paulistas

e cariocas – que viveram ao máximo a degradação do espaço público, da

massificação, que já sentiram na pele a violência, o caos do trânsito, e não

querem que se repita a mesma situação na sua nova e linda cidade. Não

querem que Florianópolis se transforme em metrópole.” (FANTIN, 2000, p.

50).

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migrante interna Norma Freitas74

, aponta sobre o Bar do Chico

e seu contexto:

Então, o Bar do Chico eu conheci quando eu

vim pela primeira vez, oito anos atrás. Eu

sempre fiquei aqui no bairro do Campeche, aqui

sempre foi o meu ponto de referência e como

eu disse, há oito anos o bairro era muito

tranquilo e o Bar do Chico era a única coisa que

a gente tinha na praia porque o Campeche era

considerada uma praia semi-deserta.

Praticamente o pessoal que morava aqui ou que

vinha pra cá é que frequentava a praia, fora os

surfistas que vinham e iam embora. [...]

Quando eu vim para morar eu praticamente não

conhecia ninguém que morava aqui e o Bar do

Chico pra mim foi a referência, quero conhecer

alguém do bairro, vou ao Bar do Chico e ali

todo mundo se reunia, conversava com as

pessoas, [...]. Ficamos sem nada porque o

Campeche não tinha estrutura, tirando a parte

onde ficam os bares, no final da Pequeno

Príncipe. Pra gente que ficava aqui, entre o Rio

Tavares, o Campeche e o Novo Campeche, nós

não tínhamos nenhum local onde pudéssemos

comprar uma água, comprar uma bebida, comer

algum petisco na praia sem ter que sair e pegar

o carro para comprar. Então o Bar do Chico,

quando foi embora, eu disse que a gente perdeu

o ponto de encontro, ficou cada um no seu

cantinho e eu não vi necessidade na ocasião, eu

fiquei bem chateada de ter tirado isso, porque

74 A testemunha oral Norma Freitas é “eu sou fotógrafa profissional e aqui

na Ilha eu trabalho também como voluntária no mutirão de limpeza da

Lagoinha Pequena do Campeche e na Feira do Cacareco. Eu nasci em Belo

Horizonte, mas morei a minha vida toda praticamente em São Paulo.”

(FREITAS, 2014, p. 01). A entrevista foi realizada no dia 23 de ago. de

2014.

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ali era o lugar que eu tinha para conhecer

pessoas, era o lugar que eu tinha para poder me

juntar com mais alguém porque as praias do

Campeche elas eram desertas. (FREITAS,

2014, p. 3-4).

Durante a entrevista com outra moradora do Campeche,

Ires Buratti de Souza75

, quando perguntada como lembrava do

bairro no período em que passou a habitá-lo no final da década

de 1970, condição que permitiu à depoente acompanhar o

processo de instalação, derrubada e esforço pela preservação da

memória do Bar do Chico, esta respondeu que havia apenas

“vegetação, só mato tinha (risos). Só duas casas nessa rua.”

(SOUZA, 2015, p. 2). Ainda durante a mesma entrevista,

houve o questionamento acerca do acontecimento da derrubada

do Bar do Chico, ao qual esta respondeu “política. É por

política isso aí. Já ouvi falar muitas vezes essa parte” (SOUZA,

2015, p. 9). A partir desta fala torna-se importante perceber que

a:

história oral tem, mais que nunca, o imperativo

de testemunhar, tendo a coragem de

permanecer história diante da memória de

75 A entrevistada é natural de Xanxerê, interior do estado de Santa Catarina,

e é moradora do Campeche há mais de trinta anos, além de acompanhar o

crescimento do bairro e a conjuntura da derrubada do Bar do Chico, pois

como ela afirma na entrevista realizada: “Morava em Xanxerê, em

Xavantina. Lá era muito difícil, quase não tinha emprego e era na lavoura

[...]” (BURATTI, 2015, p. 3).

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testemunhos fragmentados que têm o

sentimento de uma experiência única e

intransmissível: é preciso combinar respeito e

escuta atenta, de um lado, com procedimentos

históricos, não importa quanto isto nos seja

penoso. (JOUTARD, 2000, p. 35).

Outro relato importante foi o da paulista e moradora há

trinta anos do bairro Campeche, Clarissa de Melo Vaia76

, que

apontou:

Eu frequentava bastante o Bar do Seu Chico

porque era o único ponto familiar aqui para nós

da praia. Era mais para as crianças, famílias,

nós tínhamos uma água, um restaurante, uma

comida boa, era um ponto bem familiar. E de

repente com o tombamento dele, nós ficamos

sem nenhuma referência para ir à praia e o mais

triste de tudo é esse crescimento porque eles

derrubaram o Bar do Seu Chico, que era um

ponto que servia a toda a nossa comunidade e

de repente vem o condomínio Essence com a

passarela deles. O argumento era que o bar

estava nas dunas. Mas aí vem o condomínio

Essence com a passarela deles, até em cima das

dunas. É bem triste isso, porque agora nós não

temos nenhum ponto familiar aqui para nós na

praia, nós temos que ir lá ao Point que

desfavoreceu todo o lado antigo do Campeche,

que é onde estava o Bar do Seu Chico, a parte

antiga do Campeche, onde realmente começou

o Campeche. (VAIA, 2014, p.1).

76 A testemunha oral Clarissa de Melo Vaia é “Eu sou de São Paulo capital,

mas moro há trinta anos no Campeche.” (VAIA, 2014, p. 01). A entrevista

foi realizada no dia 27 de out. de 2014.

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A entrevista com a gaúcha Elaine Tavares77

, ao relatar a

derrubada do Bar do Chico, demonstrou o significado deste

acontecimento:

Destruir aquilo era fundamental para esse

modelo de crescimento que estão colocando

hoje no Campeche. Porque aquilo ali

representava tudo aquilo que a gente defende.

Então assim, como é que tu destróis um povo?

Tu destróis pela cultura. Quando tu destróis

todos os elementos simbólicos que a

comunidade tem, aquela comunidade deixa de

ser comunidade e ela passa a ser só um lugar

onde vive um monte de pessoas. Destruir o Bar

do Chico era isso. Foi isso, porque de certa

maneira, nós continuamos lutando, estamos aí

pela luta do plano diretor, mas de certa maneira

se rompeu um laço muito poderoso.

(TAVARES, 2012, p. 7).

77 A entrevista com a jornalista Elaine Tavares que mora “há doze anos no

Campeche. Eu fazia parte desse movimento político, tanto da moradia

quanto do PT na época.” (TAVARES, 2012, p. 7). E o relato foi realizado,

pois “a partir de suas críticas referentes ao evento, em seu blog Elaine

Tavares: Palavras Insurgentes. Conforme Tavares, o acontecimento da

derrubada do bar ocorreu devido a questões políticas, além dos aspectos

ambientais também já citadas na monografia sobre o assunto. Desde então

passei a acompanhar suas críticas em seu blog.” (AMARANTE, 2013, p.

69). A análise completa da entrevista com Elaine Tavares já havia sido

realizada na pesquisa de monografia, porém aqui nesta análise serão

enfatizadas outros aspectos da entrevista. Ver: AMARANTE, Carolina do.

A Derrubada do Bar do Chico e o Show do Ben Harper: Embates de

uma História do Tempo Presente (2010-2011). 87f. Trabalho de Conclusão

de Curso (graduação). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

- Centro de Ciências Humanas e da Educação. Curso de História.

Florianópolis, 2013.

Page 111: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

111

Dessa forma, para essa testemunha oral, a “destruição”

estaria ligada ao estilo de vida que propõe o Plano

Comunitário para a Planície do Campeche, proposta para um

desenvolvimento sustentável, o qual recomenda a participação

da comunidade em conjunto com a sustentabilidade no

planejamento urbano para o bairro do Campeche, que será

analisado no próximo capítulo. Assim segundo o historiador

australiano Alistair Thomson:

Se as memórias forem tratadas como um objeto

de análise histórica, a história oral pode se

tornar “um processo de memória histórica” –

como as pessoas compreendem seu passado,

como vinculam a experiência individual e seu

contexto social, como o passado torna-se parte

do presente, e como os indivíduos o utilizam

para interpretar suas vidas e o mundo à sua

volta. (THOMSON, 2000, p. 53).

A entrevista com a catarinense Tereza Cristina Pereira

Barbosa78

a respeito da derrubada do Bar do Chico demonstra o

que representou o ocorrido:

78 A testemunha oral é “bióloga, oceanógrafa, doutora em oceanografia e

microbiologia e professora aposentada da Universidade Federal de Santa

Catarina, do departamento de ecologia e zoologia.” (BARBOSA, 2015, p.

1) e ainda “moradora do Campeche desde 1990. Mas, sou nativa de Santa

Catarina, pois moro há mais de quarenta anos em Florianópolis”

(BARBOSA, 2015, p. 1). Além disso, a respectiva entrevistada é uma das

autoras da obra utilizada nesta dissertação O Campo de Peixes e os

Senhores do Asfalto: memória das lutas do Campeche (2007).

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Acabou. Quer dizer, acabou eu digo aquele

grande movimento, aquela grande aglomeração,

porque eles foram direto ao ninho, para acabar

com aquilo. Quer dizer, como eu te disse havia

gente de fora, que vinha, por exemplo, da Bahia

que adorava o Bar do Chico, estava lá, mas não

fazia parte disso. Principalmente porque era o

único bar que existia ali e até hoje não tem

nada. Agora eles põem um monte de

barraquinhas horrorosas, que juntam um monte

de lixo. O Seu Chico separava lixo por lixo,

tirava cada bituca de cigarro dali, ele limpava

tudo. Tá certo, eu não posso dizer que era um

bar elegante, um bar de grande sociedade, mas

era um bar que supria as necessidades locais,

então gente que vinha da Bahia, gente que

vinha de qualquer lugar do mundo tinha o bar

como um apoio. E assim, conhecia o Seu Chico

e já adorava o Seu Chico porque ele era aquela

pessoa amável, querida, enfim. Quando eles

derrubaram o Bar do Chico, nós batalhamos por

aquele bar, foi uma luta, eu acho que eles

vieram cinco vezes para demolir, mas um

telefonava para o outro e avisava pela rádio

comunitária “gente, venham todos fazer o

abraço e tal”, aí chegava a polícia, vinham

aqueles caminhões, aqueles carros cheios de

policiais, mas a gente ficava ali e não deixava.

A gente avisava para todo mundo, vinha todo

mundo, largava tudo e vinha pra proteger o bar.

No dia que eles demoliram, exatamente, não sei

se você viu no filme, mas o próprio cara diz

assim “a gente vai fazer de madrugadinha,

quando não tiver ninguém que impeça isso.”

(BARBOSA, 2015, p. 16-17).

A partir desta entrevista é que se pode refletir também

sobre as dificuldades das questões éticas de se fazer História do

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113

Tempo Presente, suas possibilidades, como o próprio uso de

entrevistas, e seus limites, como o envolvimento do historiador

com o tema pesquisado. Dessa maneira, para a construção da

narrativa da história do acontecimento analisado, utilizou-se

das memórias como uma forma de representação do passado,

sendo que esta se construiu a partir das lembranças e ou

esquecimentos. Pois, “entre a atividade de narrar uma história e

o caráter temporal da experiência humana, uma correlação que

não é puramente acidental, mas apresenta uma forma de

necessidade transcultural” (RICOEUR, 2010, p. 93).

No entanto, é necessário relacionar essas considerações

à ideia de que mesmo os moradores do bairro do Campeche

considerados de “fora”, assim como os nativos, apresentam

uma memória coletiva a respeito do acontecimento estudado,

como aponta o sociólogo francês Maurice Halbwachs:

No primeiro plano da memória de um grupo se

destacam as lembranças dos acontecimentos e

das experiências que concernem ao maior

número de seus membros e que resultam quer

de sua própria vida, quer de suas relações com

os grupos mais próximos, mais frequentemente

em contato com ele. (HALBWACHS, 2003, p.

45).

Portanto, o historiador que se compromete em trabalhar

com História Oral precisa levar em conta tanto as questões

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éticas quanto ter a percepção que “contar histórias sempre foi a

arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias

não são mais conservadas. Quando o ritmo do trabalho se

apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire

espontaneamente o dom de narrá-las.” (BENJAMIN, 1987, p.

197).

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3. O BAIRRO DO CAMPECHE: PROJETOS DE

FUTURO A PARTIR DOS PLANOS DIRETORES

APROVADOS ENTRE OS ANOS DE 1989 A 1999

Eu sei que a minha cidade, no desejo de ser

grande; Esperneia, faz beicinho, como criança

teimosa... Nela, o progresso, esquivo, a passos

lentos se expande; Deixando-a, assim,

sobranceira, ingenuamente vaidosa; Minha

cidade, que abre as amplas, portas ao mar; Que

chora nas suas praias lamentos de terno amante;

Lembra, em sua roupagem, uma noite de luar;

Tecida com os fios de ouro de um sol quente,

esbraseante!; [...] Minha cidade faceira, onde o

verde é a mensagem; De fé em sua pujança, de

esperança em seu destino; Onde na velha

figueira cantam os pássaros na ramagem; E

rezam os crentes contritos, ao ouvirem a voz do

sino; Arranha-céus, braços longos que se

erguem para o espaço! Primeiras vigas

concretas do seu sonho de grandeza! (SILVA,

2007, p. 90 - 91)

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Figura 4 – Foto do acervo de Ademir Damasco, morador do

bairro do Campeche e entrevistado nesta pesquisa. Esta

fotografia mostra o Campeche no início da década de 1980.

Até então, a localidade possuía características rurais, como se

observa pela presença das casas rústicas, do chão constituído

de areia da praia e da carroça de boi.

O Bar do Chico foi aberto em 1983, período anterior ao

primeiro plano diretor elaborado pelo Instituto de Planejamento

Urbano de Florianópolis (IPUF)79

para o bairro Campeche,

79 O IPUF (2004, p. 134) que é, como já citado no primeiro capítulo dessa

dissertação, o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, se define

da seguinte maneira “Embora sua equipe técnica esteja bastante esvaziada,

o IPUF caracteriza-se por ser o órgão municipal com maior densidade de

técnicos habilitados a pensar o desenvolvimento do Município. Criado em

1977 para ser um órgão de planejamento integral e com visão

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quando este ainda sofria com a falta de infraestrutura e de

empreendimentos de lazer. Foi neste contexto que o bar se

tornou um ponto de encontro dos moradores da região. No final

da década de 1980, o bairro caracterizava-se por um lento

processo de urbanização e carência de serviços públicos. Esta

situação foi apontada no Plano de Desenvolvimento Campeche

(1995), no documento constava-se que “em termos de lazer, as

comunidades estão muito mal atendidas. Não há rede coletora

nem tratamento final adequado dos esgotos sanitários em toda

a região. Os postos de saúde são classificados como regulares

ou ruins.” (IPUF, 1995). Essa conjuntura contribuiu para a

criação de um plano diretor para a região e a consequente

determinação do Bar do Chico como um novo espaço de

sociabilidade na localidade, pois “no interior da Ilha as

comunidades parecem paradas, mas só até terem início os

processos que viriam perturbá-las, principalmente a partir dos

anos setenta” (IPUF, 2004, p.76). Como aponta a pesquisadora

Mara Coelho de Souza Lago, o “Campeche era, até há pouco

tempo, uma das comunidades agrícolas-pesqueiras típicas da

Ilha, localizada numa de suas partes mais planas, com grande

extensão (para os padrões ilhéus) de terras de plantio e pasto

metropolitana, o IPUF já elaborou planos diretores para todos os 438 km²

do território municipal e dois planos de desenvolvimento distritais,

utilizando uma política de desenvolvimento raramente explícita.”.

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para gado. Hoje está sendo intensiva e desordenadamente

ocupada.” (1996, p. 47).

Neste capítulo, o objetivo é demonstrar as propostas dos

planos diretores para a cidade80

e para o bairro através dos:

Plano de Desenvolvimento Turístico do AUF (Aglomerado

Urbano de Florianópolis) do ano de 1981; Diagnóstico do

Plano Diretor dos Balneários, 1984; Plano de Entremares:

Documentos da Participação Pública (De 01/11/1989 a

17/09/99); Plano de Desenvolvimento Campeche, 1992; Plano

de Desenvolvimento Campeche, 1995; Plano de

80 Historicamente verifica-se que Florianópolis passou por fases distintas de

urbanização intimamente relacionadas com as atividades econômicas e

administrativas que explicam as diferentes formas de ocupação do espaço.

A ocupação da Ilha de Santa Catarina iniciou-se com a vinda de imigrantes

açorianos entre os séculos XVIII e XIX. Desterro era a capital da província

catarinense, exercendo funções administrativas, promovendo a defesa do

litoral brasileiro e desenvolvendo atividades econômicas ligadas à pesca e a

agricultura (CABRAL, 1950, p. 503-608). Outras transformações da cidade

de Florianópolis ao longo dos anos de 1920 referem-se a construção da

Avenida Hercílio Luz conhecida como Avenida do Saneamento já que

realizou a desapropriação de cortiços coloniais do centro da capital

(PELUSO JR, 1991). E por último, nas décadas de 1930 e 1940 observa-se

a decadência da pequena produção mercantil açoriana e novos

investimentos em pesca industrial. Um novo surto de crescimento urbano

inserido na dinâmica econômica nacional do período pós 1950 (PELUSO

JR, 1991), será analisado na respectiva pesquisa. Ainda como complementa

o entrevistado, dessa pesquisa, Ivo Sostizzo, assim “Bom, o planejamento

urbano de Florianópolis, [...] em 54 houve um momento específico quando

foi contratada uma equipe de arquitetos de Porto Alegre que fez o chamado

Plano Diretor de Florianópolis 1954.” (SOSTIZZO, 2015, p. 2-3).

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Desenvolvimento Entremares,199781

em diálogo com as fontes

orais. Afinal, os modelos de urbanização propostos, tanto para

a cidade de Florianópolis quanto para o bairro Campeche, eram

questionados pela comunidade local e o Bar do Chico era o

local onde aconteciam estas discussões entre os moradores.

Assim a partir das décadas de 1970 e 1980 observou-se

um acelerado processo de urbanização e expansão de

infraestruturas básicas, de forma que a área central da cidade

expandiu-se e adensou-se. Paralelamente, o setor turístico

desenvolveu-se como um eixo econômico importante visando

as potencialidades naturais e históricas da Ilha, de forma que a

atividade passou a ser percebida por políticas públicas e pelas

propostas de planejamento urbano. Assim, a ideia de que o

bairro do Campeche seria “excelente lugar para se viver”

tornava-se contraditória para a AMOCAM (Associação de

Moradores do Campeche)82

, pois a entidade opunha-se ao

processo de promoção imobiliária e turística do bairro do

Campeche, o que desvelava contradições do fenômeno. Pois,

81 Todos esses planos diretores foram conseguidos no IPUF, pela autora da

respectiva análise, a partir de uma pesquisa realizada no instituto. 82

A AMOCAM “foi criada no dia 25 de abril de 1987 e surgiu da

necessidade de apontar, reivindicar e manifestar a vontade e as necessidades

da comunidade, representando-a junto às autoridades. A ideia de criar uma

entidade partiu de um grupo de moradores que via suas reivindicações, nos

anos de 80, serem ignoradas pelo Conselho Comunitário do Campeche.”

(AMARANTE, 2013, p. 32).

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para esta Associação, a qualidade de vida estaria precisamente

na manutenção na comunidade do Campeche como um bairro

que preserva sua natureza ecológica, ou seja, sem as

construções imobiliárias (MOREIRA, 2010).

É nesse contexto que a AMOCAM, através do Plano

Comunitário para a Planície do Campeche (1999),

compreende que a expansão imobiliária faz parte do processo

de crescimento da cidade. Porém, o que se questiona é a forma

como a especulação e o desenvolvimento urbano acontecem,

buscando justamente ordenar essa planície arenosa de maneira

sustentável. Em detrimento da forma desordenada proposta no

Plano de Desenvolvimento Integrado da Planície Entremares,

Campeche e região, elaborado pelo IPUF no ano de 1989, que

projetava uma cidade voltada para o setor turístico.

O presente capítulo tem seu título baseado nas

propostas de planos diretores para o bairro do Campeche e está

subdividido em dois subcapítulos: o primeiro é a análise das

transformações que o bairro Campeche vem sofrendo em suas

áreas de ocupação, desde o final da década 1980, a partir da

expansão urbana de Florianópolis. Nele, está a discussão e os

históricos dos planos diretores para o bairro do Campeche,

estimulando seu crescimento e o processo de urbanização. Ou

seja, o que representa o plano diretor, na história da cidade de

Florianópolis e no bairro. E, por fim, no segundo subcapítulo

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procuro mostrar as influências dos movimentos comunitários

do Campeche no processo em foco, problematizar o que

representava o Bar do Chico para o bairro neste período e

como sua respectiva derrubada causou impactos simbólicos,

políticos e sociais.

3.1 O PLANO DIRETOR PARA OS BALNEÁRIOS E O

PLANEJAMENTO DO BAIRRO CAMPECHE

Figura 5 – Figura produzida por Monique Osmarina Daniel, no

ano de 2015. Localização do bairro do Campeche em

Florianópolis.

O planejamento espacial da Ilha de Florianópolis teve

início na década de 1950, a partir do crescimento urbano

inserido na dinâmica econômica nacional do período pós 1950.

Reinaldo Lohn destacou que:

a promoção do crescimento urbano de

Florianópolis deveria representar mais do que

um simples desejo de aparecer com algum

destaque dentre as capitais brasileiras:

significava a apropriação de imagens pautadas

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pelos desejos de modernização que circulavam

através de meios de comunicação e discursos de

toda ordem, em âmbito nacional, acrescentando

novos sentidos. (2007, p. 303).

Os grupos hegemônicos da Capital de Santa Catarina

tentaram apontar a cidade para uma rota do desenvolvimento,

então entendida como parte do processo de industrialização ao

qual algumas outras regiões do país já se moldavam. Ou seja,

como afirmou o arquiteto Paulo Marcos Borges Rizzo,

“pretendia-se que a capital viesse a ser o principal pólo

integrador do Estado para equilibrar a força de atração de

outras metrópoles: São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.”

(RIZZO, 2005, p. 66). De maneira geral havia a pretensão de

transformar Florianópolis em região metropolitana com ênfase

nacional e, para tal fim, objetivavam a modernidade urbana.

A proposta geral das elites dirigentes era transformar

Florianópolis em cidade comercial, portuária, industrial e

administrativa. Lohn (2007) também apresentou que enquanto

o plano diretor previa o desenvolvimento econômico da cidade

através da indústria e do porto, o discurso da imprensa da

época era de que as camadas mais favorecidas desejavam

promover o turismo na cidade como principal atividade

econômica. Nesse primeiro momento do planejamento urbano

observa-se as perspectivas com o desenvolvimento do turismo

que Florianópolis apresentava:

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O desenvolvimento do turismo ou, melhor, o

seu surgimento, pode parecer a alguns uma

função fundamental para Florianópolis. (...)

Acreditamos, assim, que o turismo poderá ser

uma função acessória da cidade, que reúne

muitas condições para isso. Não pensamos que

tal função possa adquirir primazia sobre a

função econômica de produção e de

intercâmbio, única capaz, a nosso ver, de

sustentar uma grande urbe.”. (PAIVA,

RIBEIRO, GRAEFF, 1952, p.18-19).

O Código Municipal de Florianópolis, de 1955, foi o

primeiro plano diretor83

da cidade e restringia-se ao centro

tradicional e a parte do continente (PEREIRA, 2007, p. 8). Em

1955, a Câmara de Vereadores de Florianópolis aprovou este

plano que tentava introduzir a atividade portuária como

impulsionadora do desenvolvimento. Este tinha a conotação de

progresso calcado na industrialização para Florianópolis, pois

seu conteúdo estava voltado para tal expectativa, deixando de

lado o interior da Ilha. (BUENO, 2007).84

83 O pesquisador Almir Francisco Reis aponta que os planos diretores de

Florianópolis são “resultado em grande parte de processos informais de

crescimento, tem, no sítio e nas formas prévias de ocupação do território, as

diretrizes mais fortes a organizarem a sua expansão. Isso tem acontecido

apesar da existência em Florianópolis, desde os anos 1950, de legislação

urbanística consolidada em Planos Diretores.” (REIS, 2012, p. 192). 84

A respeito desse primeiro plano diretor para Florianópolis verifica-se que

o bairro do Campeche nem era visualizado enquanto proposta de

planejamento, porém vale destacar que na década de 1950, segundo o

pesquisador Almir Francisco Reis “na planície do Campeche, o

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Com o crescimento da cidade de Florianópolis emergiu

também a preocupação com a organização do espaço urbano. O

Código Municipal de Florianópolis, de 1955, foi elaborado

durante o governo Paulo Fontes, pelos arquitetos gaúchos

Edvaldo Pereira Paiva, Demétrio Ribeiro e Edgar Graeff,

quando a cidade tinha cerca de 70.000 habitantes e determinava

as regras para construções de residências, edifícios, transportes

e normas sanitárias. Este plano diretor ficou em vigência até o

ano de 1976, quando foi aprovado um novo plano para a cidade

de Florianópolis. (SOUZA, 2010, p. 71).

A preparação do plano de Florianópolis seguiu

os mesmos princípios utilizados pela equipe em

Porto Alegre. Após uma avaliação pessimista

da situação urbana do munícipio, considerado

sem identidade, pré-industrializado, com um

sistema viário obsoleto e um porto em

decadência, a equipe apresentou um plano

preliminar baseado na implantação de um porto

na parte continental da cidade que deveria ser o

elemento indutor do desenvolvimento urbano.

Ao lado do porto, deveria ser implantada uma

zona comercial e industrial e com o

parcelamento agrícola organizava-se em diversas frações, que apresentavam

diferentes direções de crescimento estruturadas por múltiplos caminhos.”

(REIS, 2012, p. 156). Ainda, o autor aponta que “a complexidade do

parcelamento original do Campeche pode ser observada na foto aérea de

1956. Os diversos módulos de cultivo estabelecem um tapete xadrez que

cobre toda a planície, avançando pelas encostas e dunas. O reconhecimento

do mosaico de propriedades agrícolas fica dificultado pelos nódulos de

cultivo e pelas várias direções dos caminhos e dos agrupamentos de

propriedades.” (REIS, 2012, p. 157).

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125

desenvolvimento da cidade, zonas residenciais

deveriam se estabelecer no continente. Esse

conjunto exerceria uma atração sobre o centro

tradicional (insular) que seguiria suas funções

de centro comercial, administrativo e de zona

residencial. (PAIVA, RIBEIRO, GRAEFF,

1952, p. 80 apud PEREIRA, 2010, p. 108).

Nesse momento, identifica-se que a especulação

imobiliária agravava os problemas urbanos da cidade e que

havia insuficiência de infraestrutura. A elite local que

preconizava a modernização da capital mantinha suas

propriedades em áreas estratégicas, como a Baía Norte. Em

relação ao primeiro plano diretor, Lohn (2007, p. 312) afirma

que “toda a concepção do plano é perpassada pela necessidade

de criar condições para o desenvolvimento industrial, única via

possível para promover a renovação urbana e alcançar a

modernidade.”.

Embora o Código Municipal de Florianópolis, do ano

de 1955, ter sido posto em prática muito pouco do que foi

proposto, esse plano foi uma das fontes para o planejamento

elaborado pelo arquiteto urbanista Luiz Felipe Gama d‟Eça85

85 Segundo Elson Manoel Pereira, doutor em Urbanismo e Professor do

Departamento de Geociências – CFH/ UFSC, “o período de estudo do

Gama d‟Eça coincide com o período de construção de Brasília (1957-1960):

ele participa dos debates sobre a nova capital, frequenta, segundo ele, as

reuniões das quais faziam parte Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e é

convidado a participar da empresa encarregada da construção de Brasília.

Mesmo não tendo aceitado o convite, essas experiências vão marcar

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em 1969. No entanto, foi no ano de 1967, que a prefeitura da

capital catarinense decidiu que a cidade precisava reavaliar o

plano diretor de 1955, pois ele estava gradativamente

esquecido. O Conselho de Engenharia, Arquitetura e

Urbanismo (CEAU) ligado à estrutura administrativa

municipal, começou então, um grande trabalho de

planejamento do território da capital catarinense considerando

também toda a área considerada como “Grande Florianópolis”,

ou seja, Florianópolis. (PEREIRA, 2010).

O Plano de Desenvolvimento Integrado da Região da

Grande Florianópolis foi coordenado pelo Escritório

Catarinense de Planejamento (ESPLAN), com uma perspectiva

de ordenamento metropolitana para a capital e também para a

região da Grande Florianópolis. Além disso, visava se

contrapor à polarização exercida por Porto Alegre e Curitiba.

Porém, tal planejamento continha diretrizes sobre a ordenação

espacial da área continental que não foram instituídas por Lei

Estadual ou Municipal. (ROCHA; SOUZA, 2004, p. 115). O

período dos anos 1960, de acordo com Pereira (2010), havia

determinado um rápido crescimento urbano com expansão da

construção civil. De acordo com Pimenta (2005), a implantação

profundamente a vida profissional de Gama d‟Eça. [...] Destacamos sua

visão de planejamento regional e o espaço dividido segundo as funções

urbanas: a grande metrópole funcional.”. (PEREIRA, 2010, p. 112).

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da UFSC e o término da BR 101 aceleraram o desenvolvimento

de Florianópolis. Nesta época, a Ilha de Santa Catarina passou

a ter, junto com o crescimento vegetativo da sua população,

movimentos migratórios como o turístico86

. Este, de caráter

sazonal, estava relacionado com as novas funções que a capital

catarinense passava a exercer com o desenvolvimento

industrial vivido pelo país e pelo estado de Santa Catarina.

(BASTOS, 2000).

Esse lento processo de crescimento seria

somente rompido após a Segunda Guerra

Mundial e, principalmente, após 1960, com o

crescimento do aparelho do Estado, o advento

da Universidade Federal de Santa Catarina, a

implantação da Eletrosul e das sedes de

empresas estatais. A expansão da área contígua

ao centro urbano torna-se inevitável, abrigando

não só as novas atividades econômicas e de

serviços, mas também os novos bairros

residenciais. (PIMENTA, 2005, p. 38-39).

O anteprojeto de Lei do Plano de Desenvolvimento

Integrado da Região da Grande Florianópolis foi enviado à

Câmara Municipal em 1970, porém permaneceu em tramitação

por seis anos, o que demonstra a dificuldade de um consenso.

(REIS, 2012, p. 174). No entanto, este plano diretor

86 A respeito das migrações ocorridas para a Ilha de Santa Catarina e mais

especificamente para o bairro do Campeche, serão analisadas com mais

profundidade no terceiro capítulo desta pesquisa.

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apresentava propostas de planejamento que impactavam o

bairro, como se verifica na fala da depoente Tereza Cristina

Pereira Barbosa: “na época era tudo considerado área rural

aqui, mas mesmo assim já havia um planejamento no Instituto

de Planejamento Urbano de Florianópolis, previsto para cá.

Projeto do Gama D`eça, que aí ele centralizava grandes prédios

em determinados lugares, como no Campeche e ali na Tapera.”

(BARBOSA, 2015, p. 8).87

Dessa forma, duas expansões

urbanas, que também não foram implementadas, mas de

destaque para pensar esta pesquisa foram:

uma, ao longo da BR-101, com a implantação

de setor militar, universitário, industrial e

pesqueiro, e outra o Setor Oceânico Turístico,

abrangendo desde a Joaquina até o Morro das

Pedras, englobando toda a Planície do

Campeche, com proposta de ocupação urbana

de caráter modernista, e configuração

verticalizada a partir de torres isoladas, nos

moldes do plano da Barra da Tijuca, no Rio de

Janeiro. O centro metropolitano desenvolver-

se-ia envolvendo as duas cabeceiras da nova

ponte proposta para a travessia Ilha-continente.

No plano é proposta, também, a localização de

porto no continente, próximo à ilha de

Anhatomirim. (REIS, 2012, p. 173).

87 O pesquisador Almir Francisco Reis, sobre o Plano de Desenvolvimento

da Área Metropolitana de Florianópolis, de 1969, que influenciou as

propostas de planos diretores para o bairro do Campeche, aponta que “a

ocupação da planície do Campeche, como expansão insular do centro da

cidade, permanecerá, porém como diretriz de praticamente todo os planos

diretores realizados posteriormente” (REIS, 2012, p. 174-175).

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O segundo plano diretor de Florianópolis, Plano

Diretor do ano de 1976, ou Plano Diretor da Lei n° 1440/76,

foi criado em 1976 e elaborado também pela ESPLAN. Mesmo

trazendo várias das diretrizes propostas do plano anterior, este

foi aprovado pela Câmera Municipal de Vereadores. A

principal proposta formulada foi a criação de um Órgão

Municipal de Planejamento, para implementar e gerir

permanentemente o processo de planejamento no município de

Florianópolis, dando origem ao IPUF, em 1977. (ROCHA;

SOUZA, 2004, p. 115).

O projeto então em tramitação, que deveria

substituir o Plano Diretor de 1954, estava

“emperrado” desde agosto de 1972. O plano

diretor em vigor, elaborado na gestão do

prefeito Paulo Fontes, era tido como “arcaico”,

pois não orientava as ações da administração

municipal no controle do crescimento da cidade

e da especulação imobiliária, a qual, segundo a

imprensa da época, “extrapola os limites do

suportável”. Se o projeto, tal como aprovado

em 1976, daria ou não conta do crescimento de

Florianópolis, não é possível dimensionar.

Sabe-se, contudo, que ele efetivamente sofreu

as “revisões” e “readaptações”, concretizadas

em numerosas emendas do projeto, no período

imediatamente posterior à sua elaboração.

(SILVA, 2010, p. 105).

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As principais obras desse plano diretor englobavam

apenas a área central e continente, sendo que as transformações

na sua paisagem foram sentidas de forma mais contundente no

centro da cidade, pois "no período anterior a 1970, a cidade

apresentava apenas construções baixas, com poucas

construções verticais e características de uma cidade

provinciana, sendo, nesse período que ocorreu o processo de

transformação da cidade” (CAMPOS, 2004, p. 117).88

Então,

diante destas modificações estruturais importantes de

Florianópolis o turismo tornou-se uma atividade potencial para

a região. Ainda é preciso destacar os interesses de setores

econômicos e políticos na agenda das atividades urbanas que,

por sua vez, promoveram a expansão imobiliária e do setor da

construção civil. Assim a

estruturação Urbana da Capital com pólo da

Região Metropolitana, sede da administração

pública estadual e principal centro de negócios,

88 A respeito das fases da urbanização de Florianópolis e sobre o processo

de transformação da cidade “as diversas instituições estatais – municipais,

estaduais e federais -, estabelecidas em Florianópolis dada a sua condição

de Capital mantinham-se no início dos anos 1970, concentradas

principalmente na área central da Ilha, centro comercial e administrativo.

Naquela época, já era muito significativo o papel de Florianópolis como

área administrativa, concentrando-se em Florianópolis cerca de um terço

dos servidores públicos do estado. Apesar dessa concentração espacial, já

era possível observar, no entanto, alguns desses edifícios localizados

próximos da baía norte, na direção de onde se localizava a então Avenida

Beira-Mar Norte.” (SUGAI, 2015, p. 124-125).

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serviços e turismo do Estado, através de um

significativo adensamento habitacional de

classe média e alta nas áreas centrais e Insular e

Continental, e da caracterização dos municípios

continentais como centros de apoio a Capital,

concentrando indústrias e populações

trabalhadoras. (ROCHA; SOUZA, 2004, p.

116).

De acordo com o que já foi apontado acima, o

planejamento urbano de 1976 propunha a descaracterização do

perfil do Centro Histórico de Florianópolis. A antropóloga

Márcia Fantin (2000), afirma que o plano diretor do distrito-

sede que ficou em vigor até o ano de 1998 elaborado em 1976,

sob a perspectiva do contexto desenvolvimentista, buscava

transformar Florianópolis num grande centro urbano-industrial

e portuário. A partir do Plano Diretor Sede pela Lei

Complementar n° 001/97, propunha-se justamente o contrário.

Este previa a criação de Áreas de Preservação Cultural, visando

a recuperação progressiva dos conjuntos de edificações antigas

do Centro Histórico que, por razões regimentais, teve a

nomenclatura de seu plano diretor alterada para Lei

Complementar citada acima. (REIS, 2012, p. 176).

Além disto, outra grande contradição do

planejamento urbano de Florianópolis é que,

após 30 anos de sua aprovação, encontramos

uma ocupação do solo bem diferente do que ele

preconizou. As inúmeras modificações de

zoneamento feitas por leis específicas que

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seguiram a lei de 1976 colocaram em xeque o

próprio plano. Assim em 1997, um novo plano

foi aprovado. O plano de 1997 revela uma certa

crise de referências dos técnicos envolvidos

com sua elaboração. (PEREIRA, 2010, p. 112).

Dessa forma, na década de 1990, o discurso presente no

plano de 1997 para a Capital, ou seja, para o centro tradicional,

passou a primar também pela preservação do patrimônio

cultural, muitas vezes entrando em conflito com a expansão

urbana. Algumas das medidas implementadas no plano diretor

sede de 1997 previam:

Descentralização das atividades econômicas do

Centro Histórico para os Centros de Bairro,

facilitando a acessibilidade dos moradores,

reduzindo a demanda por transportes coletivos

e diminuindo o congestionamento da área

central; [...] criação das Áreas Residenciais

Predominantes (ARP-0), [...]; criação das Áreas

de Preservação Cultural, visando a recuperação

progressiva dos conjuntos de edificações

antigas do Centro Histórico; [...] e

regulamentação da participação popular no

processo de planejamento (Planejamento

Participativo), novamente antecipando os

instrumentos regulamentados no Estatuto da

Cidade em 2001. (ROCHA; SOUZA, 2004, p.

119).

A partir do estudo dos três primeiros planos diretores

para a cidade de Florianópolis observa-se que foi privilegiado o

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ordenamento urbano para a região do distrito sede, ou seja, a

região do centro da capital e continente.

Durante praticamente todo o século XX, a

prática do planejamento urbano foi sustentada

por um conjunto de premissas técnicas, às quais

eram vistas como princípios amparados

cientificamente; o domínio do conhecimento

dessas premissas levou ao fortalecimento da

figura do urbanista que conduzia o processo de

planejamento do início ao fim. Isto ficou claro

em Florianópolis nos planos de 1954 e 1976. O

plano de 1997 foi uma espécie de crise de

planejamento: manteve-se muito das diretrizes

dos planos anteriores, embora já se

questionasse alguns de seus instrumentos, mas

ainda permanecíamos com um urbanismo de

referencial forte. Os resultados espaciais de

Florianópolis, no entanto começaram a colocar

em xeque seu urbanismo, embora isto tenha se

materializado no questionamento não do

urbanismo como técnica, mas do órgão

responsável por sua materialização em

Florianópolis – o IPUF. A experiência

participativa iniciada em 2006 revela um

momento de mudanças de processo no ato de

planejar a cidade. (PEREIRA, 2010, p. 118-

119).

Desta forma, foi importante uma retomada do processo

inicial de urbanização da Ilha de Santa Catarina que permitiu

observar o desenvolvimento da modernização da cidade,

apresentando como foco a região do centro e do continente.

Assim, foi possível observar sobre as características desse

desenvolvimento para a capital catarinense que:

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apesar de Florianópolis ter um grande e

“natural” potencial turístico, a cidade desperta

lenta e tardiamente para essa opção. Mesmo

vivendo seu primeiro boom de expansão na

década de 70, a discussão a respeito era

incipiente. É somente a partir dos anos 80 –

quando a cidade vive a euforia do turismo89

e

se defronta com um intenso fluxo de turistas –

que o debate acerca da vocação turística e da

necessidade de implantar políticas e obras infra-

estruturais ganha vulto. (FANTIN, 2000, p. 74).

Assim, a partir da análise dos planos diretores para

Florianópolis e das entrevistas realizadas, tem-se a intenção de

verificar que a transformação do Campeche, que cresceu

acompanhando o desenvolvimento da cidade, começou a

atender, a partir da década de 1990, ao projeto de ocupação

elaborado pelo IPUF. A partir da implantação do plano diretor,

a configuração da cidade de Florianópolis e,

consequentemente, do bairro, começou a sofrer transformações

significativas. Desta forma, o subcapítulo a seguir visa, a partir

dos planos diretores para a região do bairro Campeche,

investigar as discussões que essas propostas passaram sobre as

estruturas urbanas e também sobre as consequências para a

capital.

89 Grifo da autora.

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3.1.1 A Cidade Nova do Campeche90

: proposta de

planejamento do IPUF para o bairro

Na década de 1980, o IPUF elaborou planos urbanos

para a cidade e para outras localidades da Grande

Florianópolis91

, como verifica-se a partir dos Planos Diretores

de São José, Palhoça e Biguaçu (1980)92

; Plano de

90 O documento Atlas do Município de Florianópolis, do ano de 2004,

aponta que a ideia d‟ A Cidade Nova do Campeche foi desenvolvido pelo

Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis que "concebeu um

projeto completo para a criação do primeiro Parque Tecnológico de porte da

Grande Florianópolis na região do Campeche. Essa concepção industrial

inovará a paisagem no sul da Ilha, especialmente a do Campeche, buscando

vincular alta tecnologia com ecologia, indústria e preservação ambiental,

contribuindo para o eco-desenvolvimento dessa região.” (IPUF, 2004, p.

99). 91

A pesquisadora e professora do departamento de arquitetura e urbanismo

da UFSC, Maria Inês Sugai coloca que “uma referência enganosa, por

exemplo, diz respeito à delimitação territorial de Florianópolis. O município

é constituído pela Ilha de Santa Catarina, com área de 424,4 km², e abrange

também uma extensão territorial no Continente de 12,1 km², o que

totalizaria 436,5 km² [...]. Entretanto, a noção de que o território de

Florianópolis se limita apenas à Ilha de Santa Catarina, desconsiderando à

existência dos bairros situados no Continente, constitui forte representação

não apenas no imaginário dos turistas; parte considerável dos moradores da

área continental de Florianópolis e dos municípios vizinhos também

concebem apenas a Ilha quando desejam se referir a Florianópolis. No

entanto, no território continental de Florianópolis, habita parcela

representativa de sua população. Os dados dos censos gerais do IBGE de

1991 e de 2000 indicavam que, respectivamente, 32% da população e 26%

da população do município de Florianópolis habitavam essa área no

Continente que faz parte do seu Distrito Sede [...].”. (SUGAI, 2015, p. 28). 92

Ainda como complementa o entrevistado desta pesquisa, Ivo Sostizzo,

assim “o próprio IPUF nessa época, preocupado com a famosa conurbação

que estava muito evidente, também fez o plano diretor dos quatro

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Desenvolvimento Turístico do AUF (Aglomerado Urbano de

Florianópolis) do ano de 1981 93

; Plano Diretor da Trindade

(1982) 94

e, o que nos interessa nesta análise, o Diagnóstico do

Plano Diretor dos Balneários (1984). Foi neste momento que

se começou a ter uma perspectiva a respeito dos bairros do

interior da Ilha de Santa Catarina, como é o caso do Campeche.

Os primeiros planos aprovados (1954, 1971)

pouca importância deram ao interior da Ilha de

Santa Catarina, priorizando as relações do

centro urbano com a área continental da cidade.

Ressalte-se que o Plano de Desenvolvimento da

Área Metropolitana de Florianópolis,

desenvolvido a partir de 1967, estabelecendo a

municípios, em 1985, que foi entregue à São José, à Palhoça e à Biguaçu, o

plano de uso e ocupação do solo. E Florianópolis entendeu que tinha um

plano diretor pra todo território, porque já tinha o de 76 aprovado, que era

proposto em 70, aprovado em 76 que cobria o Centro, e o dos Balneários

que cobria todo o restante do território.” (SOSTIZZO, 2015, p.7). 93

A importância deste plano diretor se dá pelo fato que “este Plano propôs

uma estratégia de obras, programas e projetos para o desenvolvimento de

longo prazo do turismo em todo o AUF, visando quebrar a sazonalidade do

turismo de “praia” com equipamentos para o turismo cultural e o eco-

turismo.”. (ROCHA; SOUZA, 2004, p. 117). 94

Este plano diretor “estabeleceu diretrizes para a descentralização do

Centro Histórico de Florianópolis. [...] Este Plano abrangia as regiões do

Saco dos Limões, Pantanal, Trindade, Córrego Grande, Santa Mônica,

Itacorubi e Saco Grande.”. (ROCHA; SOUZA, 2004, p. 117). Ainda

segundo a perspectiva do próprio Plano de Desenvolvimento Turístico do

AUF do ano de 1981 seria a de que “[...] se coloca a necessidade imperiosa

de um Plano Global de Desenvolvimento Turístico da Região de

Florianópolis que não só induza ou incentive os futuros investimentos no

setor, como, particularmente, sirva de instrumento para nortear a

preservação da ecologia e a própria sustentação da economia regional.”.

(IPUF, 1981, p. 2).

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planície do Campeche como um de seus vetores

principais de crescimento, efetivamente refletiu

sobre a ocupação do interior insular, muito

embora tais reflexões não tenham comparecido

na proposta legislativa efetivamente aprovada

em 1971. É o Plano Diretor dos Balneários e do

Interior da Ilha de Santa Catarina (aprovado em

1985) que, pela primeira vez, buscou ordenar o

crescimento do interior insular como um todo.

Este plano reconheceu a decadência das

atividades tradicionais e a vocação da região,

demarcou as áreas de proteção ambiental,

estabeleceu limites de ocupação. (REIS, 2012,

p. 192).

Com o aumento populacional, acelerado e imprevisto

que ocorreu no interior da Ilha de Santa Catarina a partir da

década de 1980, esta região passou a ter atenção por parte dos

planejadores. É a partir desse contexto que ocorre a aprovação

do Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha, Lei

2.193/85. (BUENO, 2007). Nesse sentido, este plano diretor

dispunha sobre o zoneamento urbano e ocupação do solo dos

balneários da capital catarinense declarando-as como áreas de

interesse turístico (IPUF, 1985). A partir da citação abaixo

pode-se compreender como se encontrava organizado, neste

período, o planejamento urbano da cidade de Florianópolis:

A Ilha de Santa Catarina, podia ser dividida, até

pouco tempo, em duas grandes porções

funcionais: a Área Central (urbana) que sedia o

aparato político-administrativo estadual e as

atividades comerciais e de serviço e o interior

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da Ilha onde, tradicionalmente, conjugam-se as

atividades ligadas à agricultura de subsistência

e a pesca artesanal. Apesar de, historicamente,

o “interior” fornecer a cidade alguns produtos

básicos, ele permanecia relativamente isolado e

estável, com diversas pequenas comunidades

pesqueiras na orla litorânea e alguns núcleos

rurais nas porções interiores. (Diagnóstico do

Plano Diretor dos Balneários, 1984, p. 1).

Idealizado no início dos anos 1980 e aprovado em 1985,

o Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha, foi pensado

como parte do projeto elaborado no ano de 1981, a partir do

Plano de Desenvolvimento Turístico do AUF (Aglomerado

Urbano de Florianópolis). Este era uma parceria entre o

governo brasileiro, o BIRD (Banco Internacional para a

Reconstrução e o Desenvolvimento), Governo Alemão e outras

entidades, com a finalidade de investir no turismo a fim de

reduzir a sazonalidade, criar emprego e renda, minimizar os

efeitos prejudiciais à população local, valorizar o patrimônio

histórico e diminuir a ocupação irregular (ROCHA; SOUZA,

2004, p. 117). É nesta perspectiva que se pode compreender

que este plano diretor buscava pretensamente preservar as

chamadas tradições culturais95

da Ilha de Santa Catarina e

95 No Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha observa-se o interesse

especificamente na preservação das tradições “que, se por um lado o

turismo é, na verdade, uma das potencialidades mais concretas da Capital de

Santa Catarina, ele assume hoje uma característica predatória,

desequilibrando o sistema natural e desestruturando as comunidades

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promover o turismo, porém a ocupação clandestina ocorrida

neste momento descaracterizou esta proposta. Assim:

Essas áreas, além do objetivo de propiciar a

continuidade das atividades tradicionais, foram

propostas visando também conter a expansão

“desordenada” dos usos urbanos e turísticos,

processo em franco andamento naquele

momento. Com a acessibilidade melhorada e

sujeitas a enormes pressões imobiliárias, a

ocupação dessas áreas não foi contida por esta

estratégia, levando a sua ocupação de forma

clandestina a partir do loteamento sucessivo das

glebas coloniais. Este processo, que ocorreu por

toda a Ilha, foi particularmente violento nas

grandes planícies insulares, Campeche e Rio

Vermelho. Apesar de levantar algumas

alternativas de incentivo à pesca (criação de

cooperativas) e à agricultura (incentivos

governamentais), o plano não apresenta

nenhuma especulação de como estas atividades

poderiam ser integradas ao desenvolvimento

turístico. (REIS, 2012, p. 180).

Estes projetos de desenvolvimentos entendiam que “as

perspectivas futuras do litoral da Ilha de Santa Catarina estão,

tradicionais, não apresentando até então, resultados econômicos com maior

significado para a Região. As perspectivas futuras do litoral da Ilha de Santa

Catarina estão, no entanto, ligadas, sem dúvida, ao crescimento de seus

balneários como centros de turismo e lazer. A preservação dos recursos

naturais e dos núcleos, atividades e hábitos tradicionais (pesca, vilas,

folclore, etc...) é, portanto, condição fundamental, não só para a

sobrevivência de importante segmento da população e da cultura local,

como, ainda que paradoxalmente, para a própria sustentação destas áreas

como polos privilegiados de atração turística.” (Diagnóstico do Plano

Diretor dos Balneários, 1984, p. 5-6).

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no entanto, ligadas sem dúvida, ao crescimento de seus

balneários como centro de turismo e lazer” (Diagnóstico do

Plano Diretor dos Balneários, 1984, p. 1). Segundo Ivo

Sostizzo:

Já batia a porta de Florianópolis um fluxo

turístico significativo e os investidores

precisavam saber o que poderia ser feito nos

Balneários: Canasvieiras, Jurerê, Ingleses,

Barra da Lagoa e Campeche. Então foi proposto

em 1980, estudado pelo próprio IPUF e

aprovado em 85, o Plano Diretor dos

Balneários. Então o que o IPUF fez foi propor

um sistema de urbanização em cada Balneário,

por exemplo, em Jurerê, surge o Jurerê

Internacional, pois em Jurerê Nacional já tinha

um projeto de loteamento desde 70, de 60, mas

estava parado, [...] e abriram-se as comportas

dos investimentos em cada Balneário. Então,

ficou identificado o fluxo, a dinâmica

econômica de Florianópolis, que não mais se

continha ao centro histórico. Na verdade, há na

ilha um processo de conurbação a semelhança

das conurbações de outras cidades, só que aqui

na ilha não é uma conurbação de cidades, mas

uma conurbação de Balneários. (SOSTIZZO,

2015, p. 6).

A partir do Plano Diretor dos Balneários e Interior da

Ilha de 1985, pode-se observar um primeiro estudo das

características da estrutura do bairro do Campeche na década

de 1980. Pois, até então, os planejamentos urbanos

consideravam outras regiões da Ilha mais interessantes para

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pensar um ordenamento, como pode-se perceber a partir da

seguinte citação:

Pode-se afirmar que não existe mais no interior

da Costa Leste/Sul da Ilha grupos humanos

com características próprias – o fenômeno das

influências urbanas, sobretudo através da

economia vem penetrando nessas comunidades

e modificando a sua feição primitiva. Por

exemplo, temos atualmente, em algumas

localidades (Campeche, Armação), os

moradores “sazonais” ou veranistas, que pela

sua permanência temporária da localidade,

estão criando um outro setor de sub-emprego: o

vigia, o caseiro, a doméstica de temporada;

ocupações essas na maioria das vezes, mal

remuneradas. (Diagnóstico do Plano Diretor

dos Balneários, 1984, p. 14).

O Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha, de

1985, implanta um sistema de atualização do planejamento

espacial de Florianópolis, através da elaboração de Planos de

Urbanização Específica96

que detalha áreas urbanas do interior

96 Segundo o pesquisador Almir Francisco Reis, sobre os Planos

Específicos de Urbanização, “a partir da aprovação do Plano Diretor dos

Balneários (IPUF, 1985a), muitas áreas rurais foram transformadas em

áreas de expansão urbana, através de ocupações clandestinas e alterações

legais dos perímetros urbanos. Visando responder a esse movimento e

detalhar diretrizes de planejamento, o IPUF vem continuando seus trabalhos

com o desenvolvimento de Planos Específicos de Urbanização, destinados a

porções territoriais específicas da Ilha de Santa Catarina. Inúmeras razões

justificam a realização desses planos: a atualização do Plano Diretor dos

Balneários, passados já mais de 15 anos de sua criação, o reconhecimento

das diferenças existentes entre as localidades da Ilha (sítio, morfologia,

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da Ilha. Dessa forma, os planos específicos alteram

drasticamente os pressupostos e os cenários imaginados pelo

Plano Diretor dos Balneários (ROCHA; SOUZA, 2004). É

neste contexto dos Planos de Urbanização Específica que o

bairro do Campeche começou a apresentar efetivamente um

projeto de urbanização, pois até então, como se verifica, tinham

ideias e propostas, mas nada de efetivamente concreto, como

aponta Ivo Sostizzo:

O plano de 70 insinua que o Campeche deveria

ser o local da vez da expansão do centro. Em

1985, um profissional […] que é o arquiteto

Vergara se dedica e a coordenação do IPUF,

onde este concorda que se faça um plano do

Campeche, com grandes detalhamentos. E

quando aparecem as primeiras propostas o

embate se instala, criando uma […] relação

tempestuosa entre a proposta do IPUF, visto

como uma proposta de montar outra

urbanização à revelia dos interesses e dos

valores que a comunidade defendia. Então ali

ficou marcante a relação beligerante, de guerra.

(SOSTIZZO, 2015, p. 8).

processos de crescimento), o enquadramento legal das ocupações realizadas,

buscando equacionar os problemas derivados dos altos índices de

clandestinidade. Porém, a forma em que a cidade vem sendo planejada.”.

(REIS, 2012, p. 184).

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143

O Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares,

Campeche e região97

- elaborado pelo IPUF no ano de 1989, a

partir do viés dos Planos de Urbanização Específica e enviado

para apreciação na Câmara dos Vereadores em 1992 - teve seu

debate adiado por pressão da comunidade, possibilitando uma

melhor avaliação pelos moradores (MOREIRA, 2010). O Plano

era consequência da estratégia de promover o crescimento da

cidade de Florianópolis, e sua inscrição no mercado turístico

em nível nacional e internacional. Com isso, incentivava a

vocação turística e o desenvolvimento de indústrias de alta

tecnologia para o bairro do Campeche. (BARBOSA;

BURGOS; TIRELLI, 2003). E, ainda, a proposta se ampliava

na medida que “em termos de limites demográficos, os 450.000

habitantes propostos para a Planície do Campeche praticamente

dobram o limite de 230.000 habitantes do Plano Diretor dos

Balneários para a totalidade da ocupação do interior insular.”

(REIS, 2012, p. 187).

Como apontou, em entrevista, Lázaro Bregue Daniel,

foi no contexto de criação deste plano diretor que começaram

97 Para que haja uma maior compreensão da trajetória histórica do plano

diretor criado para o bairro do Campeche deve-se ater a seguinte citação do

Ofício DIPRE N° 424/98 do IPUF que esclarece que o Plano de

Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região foi

“concebido em 89, finalizado em 92, rejeitado em 95 e dividido em 97...”.

(IPUF, 1998, p. 2).

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os conflitos no bairro do Campeche e estes tiveram como

consequência a derrubada do Bar do Chico, em 2010.

E é importante dizer que o Campeche era uma

comunidade pequena. Florianópolis naquela

época tinha em torno de 230.000 habitantes e

eles tinham um plano diretor para um

assentamento de 450.000 [...] no Campeche, em

89. No plano deles havia várias avenidas na

beira da praia, em todo o Campeche e essas

avenidas eram em torno de uma largura de

sessenta metros, que pegavam a parte das dunas

e foi um dos grandes motivos para a

comunidade rechaçar. Como é que tu podes

deixar um filho teu de dez anos ir a praia, tendo

que atravessar uma autoestrada pra poder

chegar a praia? (BREGUE DANIEL, 2015, p.

4).

Então, em 1992, como parte das políticas de

desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região

de 1989, cria-se o Plano Específico do Parque Tecnológico do

Campeche, o qual visava consolidar a vocação tecnológica de

Florianópolis. (ROCHA; SOUZA, 2004).

Proposto pelo IPUF, o Plano Específico do Parque

Tecnológico do Campeche buscou disciplinar a expansão

urbana do Campeche, adequando a legislação, com a

transformação das áreas rurais em urbanas. O plano

apresentava uma ideia que previa uma população de cerca de

450.000 pessoas, num horizonte temporal de trinta anos,

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configurando uma cidade nova baseada no turismo e em

“indústrias limpas”, ou seja, os parques tecnológicos teriam

campus universitário, autódromo internacional, centro de

convenções, shopping centers, etc. (REIS, 2012).

Percebe-se que houve um interesse muito grande no

bairro durante a expansão urbana de Florianópolis e que isso é

notório perante a quantidade de planos que podem ser

levantados. Diante de uma conjuntura da cidade de

Florianópolis que se volta para o crescimento urbano, até

mesmo o Campeche entra nesse contexto e passa a ser alvo

também de uma demanda de turismo que é muito valorizada

nos aspectos históricos, econômicos e sociais. Dessa forma,

além desta região, no mesmo período histórico, outros projetos

de empreendimentos foram planejados numa perspectiva

turística: Jurerê Internacional, Costão do Santinho e Projeto do

Porto da Barra. (FANTIN, 2000).

Neste cenário de desenvolvimento turístico na capital

catarinense, a partir da implantação de novos projetos urbanos

pode-se estabelecer relações com o caso do bairro do

Campeche com o empreendimento implantado no norte Ilha de

Santa Catarina, durante as décadas de 1980 e 1990, o projeto

Jurerê Internacional que foi projetado na perspectiva de

“atender a uma demanda de consumo privado, de camada

média e alta, sem alterar significativamente o quadro de

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carências das comunidades ali sediadas, e sem valorizar um

aproveitamento mais racional dos recursos locais”

(FERREIRA, 2005, p. 111). Sobre este contexto histórico de

Florianópolis:

Nos anos 90, em meio ao processo de

globalização, o turismo torna-se agenda

imprescindível nos debates, aguçada ainda mais

com a organização do Mercosul, que se

descortina como um novo mercado a desafiar as

cidades – especialmente Florianópolis, que se

autodenomina “Capital Turística do Mercosul”.

Em sintonia com as transformações advindas do

processo de globalização da economia e

mutações no mercado de trabalho, que acena

para o crescimento do setor de serviços e novos

usos do tempo livre, reforça-se a discussão da

chamada vocação para o turismo (indicando

que Florianópolis „escolheu o caminho certo‟) e

da necessidade de incrementar a indústria do

entretenimento, do turismo e do lazer.

(FANTIN, 2000, p. 75).

É nessa conjuntura histórica que o Plano Específico do

Parque Tecnológico do Campeche, do ano de 1992 “retomava

o antigo projeto do Setor Oceânico Turístico, criado no Plano

Diretor da Área Metropolitana de Florianópolis (PDAMF) no

final da década de 60 e inicio dos anos 70” (MOREIRA, 2010,

p. 1.355). Como aponta o documento Plano de

Desenvolvimento Campeche (1992):

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Trata-se de concepção urbana integrada, de um

projeto de uma cidade-nova, com a capacidade

para cerca de 450.000 pessoas e capaz de

colocar Florianópolis no século XXI. Sua base

econômica serão as indústrias limpas do

próximo século, unindo o conceito de

Tecnopólis (alta tecnologia, educação e

residência) com as características paisagísticas

e culturais da Ilha (turismo). (IPUF, 1992, p. 3).

As ideias de parques tecnológicos, segundo o arquiteto

Paulo Marcos Borges Rizzo, inseriam-se no contexto de

procurar fazer de Florianópolis uma Tecnópolis98

, e o Plano

Específico do Parque Tecnológico do Campeche de 1992 foi

concebido como proposta destas políticas. Assim, “logo após o

lançamento do Mercosul, em 1991, a prefeitura de

Florianópolis alcunhou a cidade como „Capital Turística do

Mercosul‟ e definiu uma política de parques tecnológicos.”

(RIZZO, 2005, p. 71).

O resultado final pode ser considerado o Plano

de Desenvolvimento de uma cidade-nova no

98 Segundo o Plano de Desenvolvimento Campeche, 1995 o termo

Tecnópolis surge quando, “em março de 1983 o Parlamento Japonês

promulgou a chamada Lei das Tecnópolis, a qual previa a construção de 19

Tecnopólis independentes em todo o Japão, dentro de um maciço programa

de planejamento regional. Atualmente existem 26 Tecnópolis construídas

ou em construção no Japão. Em termos de planejamento o plano das

tecnópolis busca promover o Japão como uma nação baseada em

tecnologia, assegurar uma economia local mais autônoma e menos

dependente do setor público, e desenvolver regiões a partir da

potencialidade de cidades individuais.”. (IPUF, 1995, p. 61).

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Campeche, uma cidade baseada em turismo e

alta tecnologia e plenamente capacitada a

colocar Florianópolis no século XXI. A

concepção desta cidade-nova é moderna e

internacional, aproximando-se do conceito das

Tecnópolis criadas no Japão a partir de 1980. O

plano apresentado é, portanto uma rota para o

futuro, uma rota para a nossa Tecnópolis.

(IPUF, 1995, p. 2).

Esta tentativa de introduzir o bairro do Campeche, um

bairro até então com forma rural, em uma proposta de

urbanização segundo o modelo das Tecnópolis, tinha como

objetivo organizar este espaço com novas características

físicas, sociais, econômicas, legais e administrativas. Afinal,

como afirmava o Plano de Desenvolvimento Campeche (1992),

“como primeiro programa de desenvolvimento, a adequação

legislativa é fundamental, transformando a região de rural em

urbana, prevendo os espaços necessários à todas as funções

urbanas” (IPUF, 1992, p. 3). Estas, por sua vez, causariam

transformações e/ou choques socioculturais, como a derrubada

do Bar do Chico em 2010. Pois, desde a época do Plano

Específico do Parque Tecnológico do Campeche de 1992, a

comunidade do bairro contestava esse planejamento e o Bar do

Chico foi local de debates acerca deste plano diretor. A partir

da fala de Lázaro Bregue Daniel, pode-se observar que o

embate entre a comunidade do Campeche e o IPUF se inseria

nas ações dos bairros diante da cidade, que se refere aos

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Movimentos Populares, que agrupam as pessoas das

localidades em que moram no caso aqui analisado o Campeche,

e de certa forma unificando-o em torno de algumas lutas, como

se observa através dos movimentos sociais no bairro.

(FANTIN, 1997).

Parece que foi se não me engano, um arquiteto

do IPUF que foi fazer uma pós-graduação na

Inglaterra ou nos Estados Unidos e pegou isso

como um modelo para o Campeche. [...] Sim,

ele apresentou lá no IPUF, que aceitou e ele

veio empurrar goela abaixo para a comunidade.

Que bom que a comunidade naquela época

estava presente. Lembro que havia em torno de

cem pessoas que rechaçaram totalmente no

primeiro momento e eles nunca aprovaram

aquele projeto porque nós não deixamos.

(BREGUE DANIEL, 2015, p. 5).

A partir do documento do Plano de Desenvolvimento

Campeche (1995), torna-se possível compreender que o Plano

Específico do Parque Tecnológico do Campeche de 1992, foi

“a proposta do Vergara” (SOSTIZZO, 2015, p. 10). Ou seja,

esse plano diretor teria sido baseado em ideias do arquiteto

Amilton Vergara de Souza99

, que utilizava-se dos conceitos das

New Towns Britânicas100

. De maneira geral, a região do

99 O arquiteto Amilton Vergara de Souza fazia parte da equipe técnica do

IPUF. (IPUF, 1992). 100

Segundo o documento Plano de Desenvolvimento Campeche, (1995) o

termo New Towns nomea as cidades-novas da Grã-Bretanha, que

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Campeche foi projetada para ser A Cidade Nova do Campeche

a partir das ideias das Tecnópolis japonesas e das New Towns

britânicas.

Em síntese, as funções da região do Campeche

no contexto regional podem ser definidas como

área de expansão urbana e pólo de alta

tecnologia, podendo atuar secundariamente

como turístico. A necessidade de planejar uma

cidade com funções tecnológicas levou

naturalmente ao estudo de urbanizações

similares noutros locais do mundo, na busca de

um modelo de estruturação espacial adequado.

(IPUF, 1995, p. 56).

Dessa forma, o conceito d‟A Cidade Nova do

Campeche se propunha a projetar um bairro com características

específicas de uma zona de expansão urbana, em acelerado

processo de urbanização de áreas rurais para fins

residenciais.101

. Ivo Sostizzo aponta que:

"representam um dos grandes sucessos do planejamento urbano, um sucesso

que é reconhecido e aclamado em todo o mundo. Concebidas originalmente

como urbanizações periféricas auto-suficientes destinadas a descentralizar o

emprego industrial em áreas metropolitanas congestionadas, as New Towns

tornaram-se modelos urbanísticos para um novo modo de vida. Hoje cerca

de 7% da população da Grã- Bretanha vive em 28 cidades-novas, as quais

encontram-se em diversos estágios de desenvolvimento. As New Towns

Britâncias desenvolveram-se a partir de 1946 (NTA), baseadas nos

conceitos de cidade-jardim (Howard, 1898) e de unidade de vizinhança

(Perry, 1910), aos quais se acrescentaram objetivos de auto-suficiência e de

equilíbrio social.”. (IPUF, 1995, p. 61). 101

Essa questão será abordada com mais profundidade no terceiro capítulo

desta respectiva pesquisa.

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[...] cerca de 1990, [...] surgiu à ideia de fazer

os parques tecnológicos. O primeiro é o parque

tecnológico alfa, que é aqui no Itacorubi. Se

vocês em vez de pegarem aquele viaduto que

vai para João Paulo, olharem a direita, verão

vários prédios que o governo comprou naquela

área, instalou uma grande sede e várias

empresas pequenas se instalaram lá. A ideia era

o Campeche ser não a segunda, que ficou

prevista para Palhoça, mas a terceira proposta.

O Campeche poderia ser um dos espaços

notáveis por estar próximo do aeroporto, para o

transporte de equipamentos […] micros, então

significava uma oportunidade. Eu diria que a

ideia não era má, não era descabida. Era uma

coisa que eu diria que se acontecesse um

sapiens parque no Campeche, ou em Carianos,

seria uma grande oportunidade para a região

sul. (SOSTIZZO, 2015, p. 11-12).

A partir da perspectiva d‟A Cidade Nova do Campeche,

muito semelhante, por exemplo, da concepção da região

industrial do Vale do Silício nos Estados Unidos, foi formulado

o Plano Específico do Parque Tecnológico do Campeche, de

1992. Dessa maneira, torna-se compreensível quais eram as

propostas para o bairro, até então com aspectos rurais, que

nesse momento se direcionava ao processo de urbanização.

Logo, o Campeche passou a ser vislumbrado por interesses

complementares entre a população local e o capital

multinacional na ideia de se desenvolver o bairro através de um

novo espaço industrial e tecnológico. (RIZZO, 2005).

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Dessa forma, entende-se que o bairro do Campeche,

como qualquer outro lugar, está integrado com todo o globo.

Assim, ao se pensar nesta perspectiva, A Cidade Nova do

Campeche foi projetada como uma proposta das relações

sociais produzidas sob a ótica do sistema político e econômico

do capitalismo (RIZZO, 2005). Como evidência disto, o

documento Plano de Desenvolvimento Campeche (1995),

aponta:

Na primavera de 1989 a COPLAN-

Coordenadoria de Planejamento do IPUF –

recebeu a incumbência de elaborar um plano

para resolver os problemas das ocupações

clandestinas do Campeche. Logo tornou-se

evidente que as ocupações clandestinas

abrangiam não apenas ocupações marginais de

áreas de preservação permanente (dunas) e

áreas verdes adjacentes, mas principalmente

uma acelerada urbanização de áreas rurais, que

se estendia desde o Campeche e Rio Tavares

até a Tapera. Ao investigar a origem das

pressões contra os migrantes descobriu-se que

os interesses turísticos na região percebiam as

populações de menor poder aquisitivo como um

obstáculo à suas intenções de transformar o

Campeche numa nova Camboriú. Na verdade,

os interesses imobiliários buscavam ressuscitar

o Projeto Oceânico Turístico (1968), o qual

previa prédios de 26 pavimentos ao longo da

costa e a ocupação das dunas da Joaquina em

nome do turismo internacional. (Plano de

Desenvolvimento Campeche, 1995, IPUF, p. 2).

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A partir destas propostas que serão analisadas com mais

profundidade no capítulo a seguir, pode-se compreender que a

ideia de moldar o Campeche como uma Tecnópolis estava

inserida na perspectiva global do sistema econômico e político

do capitalismo. A comunidade do bairro lutava contra essas

modificações que eram visadas por uma política de longo prazo

pelas instituições do governo da cidade.

A polêmica envolvendo o órgão de

planejamento e as comunidades do Campeche

vem desde 1989 e continua sem solução. Nossa

hipótese é de que a complementariedade entre o

local e o global nos moldes propostos pela

prefeitura de Florianópolis não existe e que a

fórmula sintetizada por Borja e Castells dá-se

numa idealização dos circuitos globais e de que

os governos locais representariam em primeiro

lugar os interesses da maioria da população

urbana. Para estes, os governos locais

negociariam nas esferas supralocais os

interesses da população. Na escala mundial, não

há como se pensar em homogeneidade entre os

governos locais, mesmo nacional e

regionalmente, uma vez que governos são

representações políticas. (RIZZO, 2005, p. 74).

Portanto, foi nesta conjuntura de transformações

políticas, sociais, culturais e urbanas que ocorreram os debates

do futuro do bairro do Campeche no Bar do Chico, por parte da

comunidade local. O que se pode verificar é que o bar fazia

parte deste cenário histórico de um Campeche com forma rural,

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sem infraestruturas urbanas e de lazer. Mas, também era no Bar

do Chico que a comunidade local encontrou espaço para

discutir as propostas de planejamento para a região.

3.2 OS MOVIMENTOS COMUNITÁRIOS E AS

DISCUSSÕES DAS PROPOSTAS DOS PLANOS

DIRETORES PARA O BAIRRO DO CAMPECHE

Aqui neste subcapítulo serão analisadas as propostas de

planos diretores realizadas pela comunidade do bairro contra os

projetos elaborados pelo IPUF como a ideia de construção d‟A

Cidade Nova do Campeche102

. Este modelo de planejamento

urbano gerou repercussão e polêmicas entre os moradores

locais, como se observa na fala de Tereza Cristina Pereira

Barbosa: “E a partir dessa luta a comunidade acabou fazendo

102 A proposta d‟A Cidade Nova do Campeche segundo o IPUF (1993, p.

192) diz que “o Plano de Desenvolvimento do Campeche procura atender as

demandas de todas as classes sociais. Dessa forma não poderiam faltar os

centros de comércio de alto nível para atender as classes mais abastadas e

como atividade complementar ao turismo de baixa estação.” O

planejamento apontava ainda que “a futura criação do distrito do Campeche

gerará a implantação de uma administração local. Essa administração

deverá ser estruturada de forma moderna, pois irá atender a uma cidade de

450 mil habitantes, que não deverão deslocar-se ao centro de Florianópolis

para resolver seus processos administrativos.” (IPUF, 1993, p. 237). As

consequências desse ordenamento serão trabalhadas com mais profundidade

no terceiro capítulo desta pesquisa, onde será evidenciado as transformações

do bairro Campeche.

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um plano, pois esse movimento começou a apresentar

propostas.” (BARBOSA, 2015, p. 11).

Figura 6 – Foto acervo de Geisa Silveira da Rocha, moradora

do bairro do Campeche.103

103 A respeito das fotografias deste capítulo que são fontes de um recorte

temporal do bairro podem ser questionadas enquanto vestígios deste local.

Porém, estas se encaixam na narrativa aqui analisada, pois a autora do

respectivo estudo fez uma pesquisa no IPUF, durante o período de escrita

desta, e conseguiu levantar os planos diretores utilizados nesta análise,

porém os mapas de ocupação do Campeche que poderiam ser utilizados no

lugar destas imagens não se encontravam em bom estado de conservação.

No entanto, foi encontrado e até disponibilizado um trabalho de Pós

Doutorado que analisou também dados de quantidade de moradores e

moradias da cidade de Florianópolis, a este respeito pode-se colocar que a

população segundo bairros e distritos, no caso específico do Campeche,

verifica-se que “na década de 1990 esta região apresentava uma população

de 8.174 pessoas o que se observa um salto populacional no ano de 2010

com 34.738 pessoas.” (CAMPANÁRIO, 2007, p. 23). Esses dados deverão

ser analisados com mais profundidade no terceiro capítulo desta pesquisa.

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A fotografia mostra o Campeche no início da década de

1990. A partir do ano de 1989 tem-se efetivamente o primeiro

plano diretor para o bairro, ou seja, até então a localidade

apresentava características rurais e quase nenhum aspecto

efetivamente urbano. Nota-se que a Rua Avenida Campeche

não é asfaltada e havia a presença de carroças. Como aponta

Rizzo (2005, p. 63) a proposta d‟A Cidade Nova do Campeche

propunha “a qualidade de vida”, o que significaria, “não apenas

ao desenvolvimento econômico”, mas o desejo da cidade vir a

se constituir em uma referência internacional, em consquistar

um lugar de destaque no mundo ou, ao menos, na região

compreendida pelos países do Mercosul.

Estes debates trouxeram as vozes das associações

comunitárias104

e, como dito, um dos ambientes para essas

104 Como o contexto de discussões que envolveram a comunidade do bairro

do Campeche em torno Plano Específico do Parque Tecnológico do

Campeche de 1992 assim também pode-se citar e comparar os embates que

também se fizeram presentes no Projeto do Porto da Barra, pois “[...] a

discussão do Porto ultrapassou as fronteiras da Barra da Lagoa. Houve uma

rápida articulação de pessoas de toda a cidade, entidades, ONGs,

profissionais e órgãos técnicos, representantes de partidos para „barrar‟ o

projeto. Era o „retorno‟ da figura „dos contra‟. Da mesma forma, houve uma

movimentação entre diferentes setores, especialmente via meio de

comunicação local, „a favor‟ do Porto, ressuscitando velhas discussões, tal

como aquela de quem era „amigo‟ ou „inimigo‟ da cidade, que nunca deixou

de ser utilizada como repertório político da cidade.” (FANTIN, 2000, p. 83).

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discussões era o Bar do Chico. Como afirmou o entrevistado

Ataíde Silva:

Então, o Bar do Chico, [...] criou uma relação

estreita com a comunidade, um carinho,

simpatia pela pessoa do Seu Chico, por ser

nativo, e as pessoas que aqui vieram morar

queriam, na verdade, uma qualidade de vida

que eles encontravam aqui. Um Campeche

cidade jardim, um Campeche com famílias, [...]

Então, […] ficou um ponto de encontro, de

troca de ideias e tal. Até vou dizer que era um

lugar de reunião, de troca de ideias como não

havia em outros lugares. (SILVA, 2015, p. 3). 105

O Plano de Desenvolvimento Integrado da Planície

Entremares, para o Campeche e região, do ano de 1989, surgiu

com o intuito de impor um projeto de intervenções na área,

como apontado até então. É nessa conjuntura que ocorre a luta

pela participação comunitária nas decisões do desenvolvimento

do Plano Diretor do Campeche pelo IPUF, que resultou na “1ª

Carta dos moradores do Campeche sobre os projetos de

105 A partir da fala de Ataíde Silva pode-se observar que uma das propostas

e justificativas do Plano Específico do Parque Tecnológico do Campeche

de 1992, do IPUF (1993, p. 239) seria a revitalização das tradições e

portanto o espaço do Bar do Chico estaria inserido nesta ideia, pois “a

urbanização de áreas que contenham comunidades nativas não deve resultar

na destruição das tradições locais, mas produzir sua revitalização. Dessa

forma os novos moradores se situam na história e integram a sua cultura à

cultura existente. Por outro lado, o desenvolvimento turístico tendem a

produzir o desenraizamento cultural dos nativos caso não hajam ações para

preservar sua cultura”.

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urbanização da área”, elaborada em 1989 pela AMOCAM.

Essa carta continha um conjunto de propostas populares para o

planejamento da cidade. Nela está que:

Nós moradores do Campeche reunidos a partir

do dia 27 de novembro de 1989, para discutir as

propostas de urbanização de nossa comunidade,

apresentada pelo IPUF, até a presente data,

deliberamos os seguintes pontos: Em princípio,

rejeitamos os dois projetos apresentados pelo

IPUF por não atenderem às reivindicações

básicas da comunidade, uma vez que não foi

ouvida previamente, nem respeitarem sua

história e ecologia. (1° carta dos Moradores do

Campeche sobre os projetos de urbanização da

área (1989), Florianópolis, 21 de dez. de 1989

apud BARBOSA, BURGOS, TIRELLI, 2007,

p. 116 - 117).

Dessa forma, entre os anos de 1989 e 1999 é possível

perceber o envolvimento da comunidade nas discussões a

respeito do Plano Específico do Parque Tecnológico do

Campeche de 1992106

. Observa-se, neste processo, a

106 A proposta do Plano Específico do Parque Tecnológico do Campeche de

1992 segundo o IPUF (1993, p. 180) era que “uma tecnópolis só se

desenvolve quando integra 3 (três) setores básicos: empreendimentos de alta

tecnologia, centros universitários e de pesquisas, e zonas residenciais

específicas. Nesse sentido é essencial dotar a região do Campeche de um

Campus Universitário para suporte aos Parques Tecnológicos previstos”. E

ainda “o Parque- Tecnológico é a principal base econômica prevista para a

região do Campeche, já que seu Plano de Desenvolvimento caracteriza-se

como uma Tecnópolis. A disponibilidade de mão-de-obra qualificada no

município, os incentivos fiscais estadual e municipal, o Pólo Tecnológico

incipiente na cidade, a disponibilidade de área para empresas de grande

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apresentação de sugestões que não seriam satisfatoriamente

contempladas. É notório que houve embates entre a

comunidade do bairro Campeche e o IPUF sobre questões

como atendimento dos aspectos mais elementares, como

implantação imediata de redes de águas e esgoto, de maneira

ecologicamente compatível, melhoria dos postos de saúde,

ampliação de escolas, melhoria do transporte coletivo, dentre

outros, mas um pedido ganhava destaque: a criação de áreas de

preservação, por exemplo, das dunas da praia do Campeche,

pois estas corriam o risco de serem ocupadas dentro da ideia de

urbanização d‟A Cidade Nova. Os embates da comunidade do

bairro do Campeche contra o Plano Específico do Parque

Tecnológico do Campeche de 1992 resultou na criação do

Movimento Campeche Qualidade de Vida (MCQV)107

. Como

apresenta Tereza Cristina Pereira Barbosa:

porte, a localização estratégica em relação ao Mercosul e a alta qualidade de

vida na ilha, são todos fatores que justificam a atração exercida pelo Parque

Tecnológico do Campeche sobre empresas de todo o país e até do exterior.”

(IPUF, 1993, p. 177). Essas propostas de ordenamentos foram discutidas,

refletidas, como poderá ser observado ao longo do capítulo. 107

Observa-se no Documento à Comissão de Planejamento do Instituto

Urbano de Florianópolis, Florianópolis, 27 de julho de 1999 que o MCQV

“não representa apenas a AMOCAM, mas sim várias associações de

moradores, comunitárias ou de atividades da planície Entremares e que hoje

estão aqui representadas por si mesmo afim de reivindicar o direito de

participar e opinar no planejamento de sua região. [...] O Movimento

(Movimento Campeche Qualidade de Vida) é apartidário e fazem parte

da comissão hoje aqui representada moradores e associações do Porto da

Lagoa, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Campeche, Areias e Morro

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Esse movimento foi chamado Movimento

Campeche Qualidade de Vida. Esse movimento

não era só a AMOCAM, mas as diferentes

entidades, por exemplo, [...] a Associação de

Moradores do Rio Tavares, a AMPOLA que é a

Associação de Moradores do Porto da Lagoa, a

Associação do Canto da Lagoa, então todo

mundo vinha pra cá, o pessoal da Lagoa, a

Associação da Tapera, a Associação do Pântano

do Sul, da Armação, então isso começou a

trazer gente. Tudo pelo Movimento Campeche

Qualidade de Vida, que eram várias entidades,

não era a AMOCAM. A AMOCAM era uma

delas. Nesse período eu me candidatei como

presidente da Associação de Moradores do

Campeche e fui presidente da Associação,

nesse período a gente fez muita coisa.

(BARBOSA, 2015, p. 9-10).

A partir do MCQV ocorreu o I Seminário Comunitário

de Planejamento do Campeche em 1997, que resultou na

construção de uma nova proposta de plano diretor (MOREIRA,

2010). Dessa forma, a comunidade do bairro Campeche elabora

um plano alternativo, ou seja, propõe um ordenamento

diferente do que propunha o IPUF para a região, como se

observa na seguinte citação:

das Pedras. [...] Somos totalmente favoráveis a implementação de um

plano de Desenvolvimento para a região, entretanto precisamos de um

plano que seja de baixo custo e rapidamente exequível, uma vez que o

momento é de penúria financeira para o município e para o estado.”.

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161

A elaboração de um plano alternativo pela

comunidade só ocorreu porque as negociações

com o órgão de planejamento chegaram a um

impasse, embora ambos discursassem em

defesa da qualidade de vida. Em 1997, as

comunidades locais criaram um movimento

cuja ação principal tem sido a negação do plano

feito pelo IPUF e que leva o nome de

Movimento Campeche Qualidade de Vida. Isto

é, para aquelas comunidades, a luta por

qualidade de vida passa por rejeitar o plano

oficial, o que não é o mesmo que rejeitar o

planejamento, tanto é que apresentaram uma

contraproposta de plano. Isto ao menos indica

que existem concepções distintas sobre

qualidade de vida, que são também visões

distintas sobre a imagem da cidade e sobre os

desejos em relação ao seu futuro. (RIZZO,

2005, p. 62).

A mobilização do MCQV em torno do Plano Específico

do Parque Tecnológico do Campeche de 1992, pode ser notada

em alguns documentos como o Convite: Discussão sobre o

desenvolvimento do Sul da Ilha - marcado para o dia trinta de

novembro de 1996, das 13:30 às 18:00 hs na APAM (Areias do

Morro das Pedras) - que fazia o seguinte chamado: “você está

convidado para participar do processo de discussão e

proposição de um perfil de desenvolvimento do Sul da Ilha.”.

Além disso, outra fonte relevante é a Reunião Sobre o

Plano de Desenvolvimento do Campeche que convidava:

Visando discutir a filosofia do plano em

especial para a planície do Campeche, área

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162

chave para o desenvolvimento do Sul da Ilha,

foi proposto um seminário que contemplasse,

além dos trabalhos do IPUF, outros trabalhos

científicos elaborados para a região. Pretende-

se extrair deste seminário recomendações para

intervenções a curto, médio e longo prazo, dado

o rápido processo de urbanização da área.

Algumas sugestões como a necessidade deste

seminário ser didático e esclarecedor, a

necessidade de reuniões prévias nas

associações, a elaboração de questionário a ser

respondido pelos moradores e a perspectiva de

continuidade do trabalho na ótica também da

gestão participativa, estão devidamente

anotadas para serem incluídas no “desenho”

deste seminário. (Ajuda Memória: Reunião

Sobre o Plano de Desenvolvimento do

Campeche , 1996, p. 1-2).

Os movimentos sociais do bairro Campeche, com

destaque a AMOCAM e o MCQV, trabalhavam para as

reivindicações comunitárias e suas respectivas inserções, como

os aspectos legais e administrativos, a falta de controle e

punição de invasões em áreas preservadas e não urbanizáveis,

as quais eram tão importantes quanto a alteração de

zoneamento. O Ofício n° 009/97, encaminhado para o IPUF,

aponta de que maneiras estes movimentos atuavam:

Os moradores do Campeche, através de sua

Associação – AMOCAM – e com base nos

resultados das inúmeras reuniões sobre o Plano

Diretor, vêm solicitar a ampliação do prazo

estipulado para a manifestação da comunidade

àquele respeito, considerando o que segue: [...]

2° - Dada à complexidade da questão, estão

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163

organizando o Primeiro Seminário de

Planejamento do Campeche, em conjunto

com todos os órgãos públicos e entidades civis

envolvidas, a fim de propiciar aos moradores

melhor compreensão de todos os detalhes do

Plano proposto e, principalmente, ter condições

de apresentar propostas compatíveis com os

pareceres técnicos aguardados. (Ofício n°

009/97, Campeche, 08 de set. de 1997).

Como resposta o IPUF enviou, a partir do documento

de Ofício DIPRE n. 0654/97, para a presidente da COMDEMA

(Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente), Iara

Maria Chaves, os seguintes apontamentos:

O Instituto de Planejamento já está recebendo

propostas das demais associações, dentro do

prazo estabelecido no cronograma de trabalho,

pois as mesmas entendem também a

necessidade de encaminhamento urgente da

matéria. A Associação de Moradores do

Campeche recebeu o prazo até o dia 29/09/97

para sua manifestação e seu presidente foi

informado que, caso extremamente necessário,

poderá solicitar uma prorrogação. Nesse sentido

o pedido de prorrogação cabe exclusivamente a

Associação, após esgotado o prazo previsto.

(Ofício DIPRE n. 0654/97, Florianópolis, 24 de

setembro de 1997).

A partir do I Seminário Comunitário de Planejamento

do Campeche, em 1997, foram realizadas oficinas comunitárias

organizadas pelo MCQV, nas quais participaram cerca de 350

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164

pessoas. Discutiram as carências e buscaram soluções às

demandas da comunidade.

Mas eu acho que foi de 98 a 2000, ou foi de 97

a 99, que começamos esse movimento. Havia

esse povo todo e começamos a ter força, o povo

não sabe a força que tem. Essa força começou a

criar um problema na administração política da

cidade, com o prefeito, com os vereadores.

Porque se um vereador colocava uma coisa na

Câmara, nós sabíamos e íamos correndo lá.

Havia o Lázaro que era o nosso querido nativo,

que era o nosso vereador. O Lázaro dizia que

eles colocaram em votação um negócio e ia

todo mundo para a Câmara, chegávamos lá e

lotava. Os vereadores ficavam sem saber o que

fazer. Eu sei que aí a gente pedia a palavra,

falava e eu sei que muita coisa eles não

conseguiam aprovar. (BARBOSA, 2015, p.10).

Como resultado, o plano diretor proposto pelo poder

público foi rejeitado, surgindo outra proposta de planejamento

urbano. A população elaborou, em contraposição, o Plano

Comunitário para a Planície de Campeche – Proposta para

um Desenvolvimento Sustentável. O jornal comunitário Fala

Campeche108

, criado por iniciativa do MCQV e mantido pelo

108 A partir da fala da depoente Tereza Cristina Pereira Barbosa percebe-se

quais eram os principais meios de comunicação de divulgação das ideias do

Movimento Campeche Qualidade de Vida “Todo mundo começou a

trabalhar junto e pedimos a Prefeitura que ela viesse nos apresentar o plano

diretor aqui da região para a comunidade. Nisso nós começamos a juntar

muitas pessoas, porque a gente começou a fazer um jornalzinho, o Fala

Campeche e a gente começou a distribuir o jornal, isso começou em 97, [...]

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trabalho voluntário de seus colaboradores, tornou-se porta voz

do movimento, trazendo as discussões sobre o plano diretor

para a região e divulgou propostas, projetos em realização e,

principalmente, tornou visíveis problemas não resolvidos

(MOREIRA, 2010). A partir dele podemos observar esses

embates em torno do plano diretor para a região. A matéria de

agosto de 1999, intitulada Comunidade avança na definição do

futuro do Campeche, explicava que

Após rejeitar o plano do IPUF para a Planície

Entremares, a comunidade local envolveu-se na

elaboração de um plano alternativo, que foi

apresentado e aprovado em assembleia no dia

27 de novembro, no Centro Comunitário

Fazenda do Rio Tavares. A proposta baseou-se

nas recomendações do seminário de 1997 e de

uma série de contribuições técnicas que foram

amadurecendo nos últimos dois anos, incluindo

reuniões comunitárias aos sábados de tarde

durante os [...] meses. (Jornal Fala Campeche,

ago. de 1999, p. 4).

A partir do relato de Tereza Cristina Pereira Barbosa,

pode-se compreender que a comunidade do Campeche atuou de

as pessoas vinham [...], às vezes vinham mais de 600 pessoas para as

reuniões. Às vezes a reunião era na escola Brigadeiro, pequenininha e

lotava. [...] Então, o nosso atrativo era o jornal Fala Campeche e a gente

conseguiu fazer também a rádio Fala Campeche, a rádio comunitária. [...] E

isso começou a atrair as pessoas e claro, a AMOCAM estava junto. Mas

esse movimento foi chamado Movimento Campeche Qualidade de Vida.”

(BARBOSA, 2015, p. 9).

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maneira ativa contra as propostas de ordenamento do Plano de

Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região.

Dessa forma, a História Oral permite acessarmos uma

perspectiva dessa luta apreendida pela comunidade. A fala de

Ataíde Silva pontua algumas questões importantes neste

sentido109

:

Mais tarde o Conselho Comunitário veio a ser

extinto e a AMOCAM sobressaiu, em função

de sua luta. [...] A gente defendeu o plano

diretor dos balneários de oitenta e cinco que era

muito bom! Mas com o passar dos anos as

sacanagens dos vereadores foram alterando o

plano diretor através da alteração de

zoneamento e foram acabando com o plano

diretor de oitenta e cinco. Vindo hoje a fazer

outro plano. Então foi feito um na década de

noventa. Na década de noventa, [...] o plano

diretor dos balneários foi ficando para trás. [...]

Então […] lutamos e depois com o passar

desses anos, em oitenta e nove pra noventa, nós

tivemos conhecimento do plano diretor de

quatrocentas e cinquenta mil pessoas no

Campeche. Nós lutamos quase vinte anos

contra esse plano diretor de quatrocentas e

cinquenta mil pessoas só para o Campeche. E

nós ganhamos na justiça com a liminar que foi

apresentada no dia da votação para o presidente

da Câmara. Foi apresentada para o presidente

da Câmara essa liminar na qual um dos itens

109 A partir do documento Ofício Direx: 0429/1999 do IPUF observa-se que

as “Reuniões com a comunidade foram realizadas no período de junho a

outubro de 1997, tendo como interlocutores as 10 associações de moradores

que existem na planície, dentro das regras da Lei 080/98 que instituiu a

participação pública no processo do planejamento.”.

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167

fortes, no julgamento do juiz de reconhecer

dando a liminar em favor da comunidade, foi

que a Lagoa do Peri só tinha capacidade de

água para cento e quarenta mil pessoas. Então

havia a discordância, a incoerência, na ideia de

que a água era suficiente para cento e quarenta

mil pessoas e como ia abastecer quatrocentas e

cinquenta mil pessoas no Campeche. [...] Então,

conseguimos ganhar a liminar baseada nesses

pontos. (SILVA, 2015, p. 6, 7 e 8).

Continuando nessa perspectiva de analisar os embates

sobre a urbanização do Campeche, pode-se notar que “desde a

criação do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis

(IPUF), em 1977, a „participação comunitária‟ se colocou

como novo paradigma de planejamento urbano.” (REIS, 2012,

p. 176). Por meio das memórias de Lázaro Bregue Daniel

pode-se apontar que aconteceram embates e discussões do

plano diretor elaborado pelo IPUF, por parte da comunidade do

Campeche:

O meu pensamento é que todos os projetos tem

que ter uma ampla discussão com toda a

comunidade, pois ela também é aquela que vai

viver o novo plano diretor e tem que dizer

como é que quer. Não aqueles que fazem lá em

gabinete, vem empurrar goela abaixo e nós

temos que aceitar. Porque o IPUF fazia muito

disso e ainda faz. Inclusive, é bom ressaltar,

quando eles viram que não passou aqui no

Campeche, eles dividiram o plano em treze

projetos. [...] Todo esse plano que era pra tentar

passar, inclusive dois passaram. Passaram o do

Carianos e o do Ribeirão da Ilha, depois as

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pessoas reclamaram do projeto que eles não

discutiram na comunidade, vieram no tempo do

Grando110

e quem não se manifestou ficou no

prejuízo. (BREGUE DANIEL, 2015, p. 5-6).

Associações do Sul da Ilha de Florianópolis, como o

MCQV e a AMOCAM, elaboraram o Documento n° 1

intitulado “Problema Público no Campeche”, pedindo para

que houvesse a construção de um plano diretor para o

Campeche que fosse sustentável e relacionado com os

interesses da comunidade do bairro. Alguns dos problemas na

proposta do Plano de Desenvolvimento da Planície

Entremares, Campeche e região, do IPUF, segundo o

Movimento Comunitário do bairro Campeche, eram: a pouca

110 Aqui na fala do depoente Lázaro Bregue Daniel a respeito do ex-prefeito

Sérgio Grando, se torna importante fazer uma ressalva do contexto político

que o município de Florianópolis passava e que se inseria nas discussões de

pensar a cidade através de planos diretores baseados nos modelos de cidade-

metrópole, que propunha um modelo de cidade verticalizada, e o modelo de

cidade média, que pensava em romper com a dicotomia “zona central” e

“balneários” com isso, buscava pensar a cidade como um todo, ou seja, os

futuros da capital eram aqui debatidos. Segundo a antropóloga Marcia

Fantin “em 1993 a discussão do plano é retomada, porém sob nova situação:

a eleição de Sérgio Grando da Frente Popular para a prefeitura da capital. O

IPUF apresenta uma proposta para ser apreciada pela Câmara de

Vereadores. Como a conjuntura local convidava à participação popular,

surge um intenso e significativo movimento coletivo que pressionou o

Legislativo e o Executivo para que o Plano Diretor fosse discutido

publicamente. Comunidades, entidades e cidadãos, numa série de iniciativas

e encontros, discutiram a „cidade‟ e propuseram alterações. Mais de 159

emendas foram sugeridas. A tramitação do processo da Câmara de

Vereadores – presa nas teias da burocracia e nas amarras da falta de vontade

política – foi lenta e desmobilizadora.” (FANTIN, 2000, p. 65).

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169

oferta de espaços públicos, para lazer, recreação e esportes; e a

total inexistência de infraestrutura de saneamento básico e de

pavimentação de vias.

Pode-se verificar as propostas do Movimento

Comunitário no documento Campeche em Movimento entregue

ao IPUF em setembro de 1999:

a-Propusemos a criação do Parque Orla do

Campeche como alternativa para a preservação

das dunas, restingas e áreas de repouso e

nidificação de aves locais e migratórias, e em

substituição a via PI 108 (2) e o que recebemos

foi uma tímida mudança no traçado da referida

via sobre a área prevista pelo parque. b-Durante

anos vimos que não queremos a urbanização

desenfreada da planície Entremares, que não

aceitamos planejá-la para 450.000 ou 390.000

habitantes, mas sim para um limite hídrico

sustentável que direciona segundo a CASAN, à

147.000 pessoas. Cabe ao IPUF aceitar e

adequar o planejamento a estes condicionantes:

suprimindo o excesso de vias e reconhecendo

as áreas de interesse coletivo consagradas pela

comunidade. (Ex. campo de aviação), de

significação histórica (morro do Lampião e

campo de aviação) assim como todos os

ecossistemas naturais (APPs ou não) locais. [...]

d-Gostaríamos, outrossim, que o IPUF ao

menos tente viabilizar ou esboçar nossas

proposições em mapa, uma vez que não

disponibilizou os documentos informatizados,

mesmo após inúmeras solicitações. e-

Acreditamos ainda, que é possível moldar o

presente plano de Desenvolvimento da Planície

Entremares às expectativas da comunidade e

principalmente superar suas ilegalidades e

injustiças. Para tanto, é necessário que o IPUF

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170

esteja disposto a aceitar as propostas que estão

embasadas na legislação vigente, no

desenvolvimento sustentável econômico-social,

cultural e natural. (Documento à Comissão de

Planejamento do Instituto Urbano de

Florianópolis, Florianópolis, 23 de set. de

1999).

Este tipo de ocupação impede a maioria de seus

usuários de contarem com serviços urbanos mais adequados

para a população residente. Como se pode observar na citação

sobre o pedido de elaboração de um plano diretor adequado aos

desejos da comunidade do respectivo bairro:

Associação dos Moradores do Campeche

(AMOCAM), Conselho Comunitário do

Campeche, Grupo Pau Campeche, Fundação

Lagoa, Fundação Água Viva, Sociedade para a

Pesquisa e Educação Ambiental (SPEA),

Centro de Estudos da Cultura e Cidadania

(CECCA) e os movimentos: Campeche a

Limpo, Campeche Qualidade Vida e

Associação de Surf do Campeche. [...]

Precisamos urgentemente de um Plano

Diretor111

, antes que seja tarde e tudo esteja

perdido! Mas queremos um planejamento

compatível com as disponibilidades e

sustentabilidade da qualidade de vida! Neste

sentido, convidamos o Colegiado de

Gerenciamento Costeiro de SC, que em

dezembro de 1996, se comprometeu na

elaboração do Plano de Gerenciamento

Costeiro do Estado, as associações de

moradores e atual administradora da cidade,

111 Grifo do autor.

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171

para juntos, em conformidade com a resolução

001/86 – CONAMA e Leis Federais 7.661/88 e

artigo 225 da Constituição de 1988 e Lei

Federal 9.433/97 e em consideração aos estudos

técnicos ambientais, estabeleçam e executem

um programa de gerenciamento da Bacia

Hidrográfica do Campeche com vistas à

sustentabilidade dos nossos recursos, sob pena

de agir de maneira irresponsável para com as

gerações atuais e futuras. (Documento n° 1

intitulado “Problema Público no Campeche”,

Florianópolis, 15 de set. de 1997, apud

BARBOSA, BURGOS,TIRELLI, 2007, p. 176-

177).

As novas ideias para o planejamento da região foram

oficialmente registradas no relatório final do evento, conhecido

como Dossiê Campeche. A partir deste e de outros encontros e

debates dos moradores do bairro estabelecidos com o IPUF e a

Câmara de Vereadores, diante da exclusão das propostas e

diretrizes comunitárias, acabou surgindo, em novembro de

1999, o Plano Comunitário da Planície do Campeche,

proposta para um desenvolvimento sustentável, sendo entregue

para apreciação na Câmara de Vereadores em março de 2000.

(AMARANTE, 2013, p. 29).

As propostas do plano diretor para o bairro Campeche

foram expostas no Jornal Fala Campeche, em agosto de 1999,

em matéria cujo título era Plano do IPUF desrespeita a

Constituição e inúmeras leis:

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172

O Plano de Desenvolvimento da Planície

Entremares que hoje está na Câmara de

Vereadores foi encaminhado pela prefeitura ao

legislativo apesar de diversas ilegalidades e do

grave vício de origem de não considerar os

anseios, expectativas e ideias do povo daquele

lugar. A lógica deste plano rodo-imobiliário

está exatamente no fato de não servir às

pessoas, e sim ao desenvolvimento à qualquer

custo. [...] No plano do IPUF, veremos que

construção de uma avenida112

na região de

dunas e restingas, a instalação de um polo

tecnológico em área de manguezais, a

permissão de área turística e residencial

próxima à orla marítima etc., são desrespeitos à

legislação vigente. (Jornal Fala Campeche, ago.

de 1999, p. 6).

O MCQV mobilizou a sociedade civil contrária ao

Plano de Desenvolvimento Integrado da Planície Entremares

através de uma série de ações, dentre elas, o 1° Seminário

Comunitário do Campeche113

que estabeleceu, em 1997, as

112 A partir do documento Ofício Direx: 0429/1999 do IPUF observa-se que

as “O acesso público ás praias foi garantido pelo plano através da via PI -

108 que margeia, contendo estacionamentos e facilidades para pedestres.

Além disso, foram previstos 5 terminais turísticos com equipamentos de

apoio e estacionamentos junto à orla, em toda a sua extensão.” Ainda a

AMOCAM em documento de Ofício 011/99 – Amocam aponta que “A

permanência de tais projetos nesta comissão de Constituição e Justiça é de

relevante importância pois os mesmos assim como estão apresentados,

encontram-se repletos de inconstitucionalidades, como por exemplo: a

lotação da Via PI 108-2 por sobre dunas e restingas, [...] bem como por ter

ignorado a Constituição Estadual em seu artigo 25 do ADTC do Estado de

Santa Catarina.”. 113

É importante citar que “O II Seminário, que foi realizado nos dias 30 e

31 de março de 2007, se propôs a estabelecer novas diretrizes comunitárias

para elaboração do Plano Diretor com o objetivo de discutir e atualizar as

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173

diretrizes para o desenvolvimento da região. Estas consistiam

na deliberação de preservar os recursos naturais, com a

elaboração de um mapeamento completo das áreas de

preservação da planície do Campeche (AMARANTE, 2013, p.

32). Dois anos após esse acontecimento, frente à ameaça de

aprovação do Plano de Desenvolvimento Integrado da Planície

Entremares, altamente destrutivo e insustentável hidricamente,

a comunidade organizada em assembleia decidiu elaborar seu

próprio plano com base nos princípios apresentados no Dossiê

Campeche.

O Plano Comunitário para a Planície do Campeche,

proposta para um desenvolvimento sustentável tinha como

proposta a criação de uma infraestrutura urbana com fins

educativos e a promoção do desenvolvimento individual a

partir da educação; gerar empregos anuais e não só de

temporada; e também desenvolveria o patrimônio ambiental e a

cultura local, estimulando à expansão da economia familiar e

diretrizes do I Seminário. O II Seminário rejeitou a construção de grandes

edificações, desta forma optou-se pelo gabarito de dois andares, também

para garantir o “direito à paisagem”. Neste II Seminário ainda, surgiu à

proposta de “defeso”, ou seja, o não licenciamento de projetos com base no

plano rejeitado, o Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, bem

como o fim das alterações de zoneamentos, enquanto não fosse aprovado o

Plano Diretor Comunitário da Planície do Campeche para o distrito. A

identificação das áreas de preservação ambiental constitui-se em condição

essencial para definir os limites entre o natural e o urbano, dando condições

para a definição dos outros temas com base no respeito aos espaços

ambientalmente frágeis.”(AMARANTE, 2013, p. 30).

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174

do mercado regional. (BARBOSA; BURGOS; TIRELLI, 2003,

p. 158).

Ao longo deste capítulo foi possível perceber que as

propostas de transformações dos espaços urbanos, mais

especificamente no bairro do Campeche, são formadas a partir

de embates e existem contradições nelas. A partir da ação de

grupos sociais, geralmente os comunitários, que organizaram

as suas forças ativas, podemos compreender a atuação da

população nestes processos. Por isso, o espaço físico das

cidades passa a ser motivo de disputa de poder entre os grupos

ordenadores de propostas de planejamento do futuro destas

regiões e os residentes destes locais. O estudo dos planos

diretores de Florianópolis e, no caso, o da região da planície do

Campeche - em especial o plano diretor vigente desde o ano de

1989, o Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares

para a região do bairro Campeche - teve como objetivo

compreender que as ações do urbanismo buscavam modernizar

o bairro na ideia de Florianópolis tornar-se a “Capital Turística

do Mercosul” e, para isso, o Campeche alteraria suas estruturas

sociais, culturais e ambientais.

A partir da análise das diretrizes do Plano Diretor de

Desenvolvimento da Planície Entremares para o bairro

Campeche, é possível entender que o processo de planejamento

da urbanização serve como tentativa ordenadora do espaço

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175

físico no qual se desenrolam as atividades humanas da região.

Refletir a esse respeito é pensar as consequências ambientais,

urbanas e culturais que ocorreram no Campeche enquanto um

espaço rural. O Jornal Fala Campeche, de agosto de 1999,

intitulou de Sucessão de equívocos a matéria sobre as propostas

do plano diretor para o bairro:

A história da elaboração do Plano começou

errada: imitou a grade viária de uma “cidade

nova” inglesa de 1967, hoje ainda sem alma e

dando a impressão de viver numa maquete

vazia; pretendeu ao mesmo tempo planejar uma

“Tecnópolis” imitada do Japão.... [...] O plano

chega ao final de 1999 despedaçado pelos

pareceres jurídicos e técnicos – inclusive da

própria FLORAM (Fundação Municipal do

Meio Ambiente de Florianópolis). Os

moradores da Planície sabem o que querem.

Encerradas as “negociações”, novamente

rejeitaram o plano do IPUF em assembleia no

dia 2 de outubro, quando foi aprovada a

continuidade da elaboração do PROJETO DA

COMUNIDADE como Plano Diretor

alternativo a ser apresentado à Câmara

Municipal. (Jornal Fala Campeche, ago. de

1999, p. 6).

Portanto, as disputas em torno do Plano de

Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região

tiveram incidência na derrubada do Bar do Chico, em 2010. O

bar, que representava todo um modo de vida da comunidade do

Campeche, possibilitava que, a partir do convívio entre os

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176

moradores locais, emergissem discussões e ou embates que

questionavam e criticavam as políticas de modelo de

urbanização planejados para o futuro da Ilha de Santa Catarina

e para a região do Continente.

No bar surgiram discussões e questionamentos sobre o

ordenamento do bairro Campeche a partir da perspectiva do

Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche

e região - elaborado pelo IPUF no ano de 1989. Assim, o bar

seria justamente um local para esse encontro dos moradores

debaterem as questões que envolviam as propostas de

planejamentos urbanos analisados neste respectivo capítulo, ou

seja, existia nesse local uma identificação com o Plano

Comunitário da Planície do Campeche, proposta para um

desenvolvimento sustentável, do ano de 1999.

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177

4. O DESAPARECIMENTO DA IDEIA D’A CIDADE

NOVA DO CAMPECHE: UMA PERSPECTIVA DOS

FLUXOS CONTEMPORÂNEOS DE PESSOAS,

CAPITAIS E IMAGENS DO BAIRRO

Seu trabalho sempre se baseara no equivalente

simbólico dos fósseis – documentos antigos e

boatos históricos -, mas aquela imagem diante

dele representava o hoje. O tempo presente.

Sentia-se como um paleontólogo que dá de cara

com um dinossauro vivo. (BROWN, 2004, p.

17)

A proposta que o IPUF buscou construir para o bairro

d‟A Cidade Nova do Campeche, no qual o objetivo era

conceber um projeto completo para a criação de um Parque

Tecnológico de porte na região do Campeche, acabou não

sendo efetivada. Essa era uma concepção industrial que de

certa forma inovaria a paisagem no Sul da Ilha de Santa

Catarina, especialmente a do Campeche, buscando vincular alta

tecnologia com ecologia, indústria e preservação ambiental,

conforme já foi apontado no segundo capítulo desta

dissertação.

A forma como o bairro vem sendo ordenado, no período

do ano de 2000 a 2011, seria de certa forma a consequência da

falta de consenso entre as duas propostas apresentadas no

capítulo anterior. Pois, ao mesmo tempo em que o bairro do

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178

Campeche está sendo urbanizado verticalmente a partir de

condomínios de alto padrão, ainda percebe-se um bairro sem

infraestrutura para poder se locomover, por exemplo, com

segurança em suas calçadas, além de a comunidade local

permanecer mal atendida em termos de lazer e não há rede

coletora nem tratamento final adequado dos esgotos sanitários

em toda a região.114

Sendo assim, ainda existe uma mistura

entre a forma rural e a função urbana como marcas de sua

paisagem.

O Campeche, após os embates políticos por seu

ordenamento, apresenta fortes características de

114 Os problemas urbanos aqui analisados na Ilha de Santa Catarina, e mais

especificamente no bairro do Campeche, iniciados durante “o processo de

desmonte do Estado, que sofreu duro golpe com as reformas do ex-

presidente Collor de Mello no início dos anos de 1990, e que continuou

durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso através da

política de privatizações, produziu sérios problemas nos serviços públicos

do país, agravando ainda mais a crise social.” (SUGAI, 2015, p. 145).

Ainda, no “final da década de 1990, houve o fortalecimento das

organizações civis e das mobilizações sociais, o que começou a gerar uma

nova correlação de forças em benefício dos setores populares. Esse fato vem

definindo enfrentamentos em nível de poder local com repercussões no

plano intraurbano. [...] Esse conjunto de investimentos, [...], determinou

repercussões na área intraurbana favoráveis à ampliação dos processos

segregativos e à transferência de milhares de famílias de alta renda para

Florianópolis desde o final da década de 1990. No entando, e como

contrapartida, o fortalecimento das organizações civis, das associações de

moradores, das manifestações populares e as ações dos partidos de oposição

determinaram, no final da década de 1990, enfrentamentos importantes que

contestavam planos e obras do Estado e reinvindicavam participação nas

decisões e na definição da localização dos investimentos públicos.”

(SUGAI, 2015, p. 146 – 148).

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179

desenvolvimento urbano, no entanto esta região ainda

permanece com alguns aspectos rurais. Após essas questões

acerca do planejamento atual da região compreende-se que esta

apresenta um crescimento verticalizado, pois se percebe a

presença de grandes condomínios de alto padrão na localidade.

De maneira geral, esta região estaria mais aos moldes da

proposta elaborada pelo IPUF d‟A Cidade Nova do Campeche

do que das características de um bairro preservado

ecologicamente e/ou com a forma rural. Como se observa essas

características do bairro podem ser analisadas em um trecho do

documento do Plano de Desenvolvimento Campeche do ano de

1995.

A atuação da Prefeitura de Florianópolis tem

sido quase nula em termos de controle da

ocupação, mesmo nas áreas urbanas da região

do Campeche. Os loteamentos disfarçados em

desmembramentos ou condomínios são regra

geral, em zonas urbanas ou rurais, contando

com o beneplácito da Prefeitura. As edificações

irregulares, da ordem de dezenas por mês, são

encorajadas pela ausência da fiscalização e

punição, e pelas periódicas leis de regularização

de obras clandestinas aprovadas pela Câmara.

A própria degradação ambiental que já começa

a se esboçar na região, é incentivada pela falta

de fiscalização e educação ambiental, e pela

não implantação de parques e reservas

ecológicas por parte da Prefeitura. A coleta de

impostos é reduzida pela clandestinidade, por

um cadastramento desatualizado e pela

classificação rural da maioria das propriedades.

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180

A infraestrutura planejada não é implantada

pela carência de recursos e por políticas

populistas de não desapropriar ninguém. Em

decorrência, o planejamento de longo prazo é

inviabilizado pela falta de continuidade e ações

concretas. (Plano de Desenvolvimento

Campeche, 1995, p. 48).

É a partir desta conjuntura que os três eventos

abordados neste capítulo se inserem: as construções do

Loteamento Novo Campeche, a passarela do condomínio

Essence e o Show do Ben Harper, pois foram considerados,

além de espaços de sociabilidade de alto padrão dentro do

bairro, também áreas de promoção da região. A área do

Loteamento Novo Campeche, considerada pela comunidade

um local elitizado dentro do bairro, vem apresentando um

crescimento no número de obras nos últimos anos. Ainda, as

reações dos moradores do Campeche contra a construção da

passarela do condomínio Essence localizada em cima das

dunas e praticamente ao lado do antigo Bar do Chico era uma

entrada de acesso que dava de frente para o mar para os

moradores deste empreendimento e o show do Ben Harper

também realizado meses depois da derrubada do Bar do Chico

na extensão da praia do Campeche conhecido como o Point do

Riozinho.

Diante do exposto, o objetivo neste capítulo será o de

buscar compreender as mobilidades no tempo presente,

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181

analisando os trânsitos de pessoas, capitais e imagens que

sugerem movimento tanto pela dispersão de espaços

geográficos quanto pelo desejo de realocações em espaços

imaginados no respectivo processo de expansão da urbanização

para o bairro.

Para isto analisaremos propagandas, geralmente

encontradas em frente às construções dos condomínios, em

encartes de jornal, nos panfletos de venda dos

empreendimentos imobiliários e nas páginas da internet,

notícias de jornais e depoimentos orais. A partir da análise de

algumas mensagens publicitárias que procuram vender o

bairro, procura-se contextualizar de forma breve como se deu o

respectivo processo de crescimento do Campeche.

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4.1 O BAIRRO DO CAMPECHE: “AQUI É ONDE SEU

SONHO COMEÇA A SE TORNAR REALIDADE - VIVA O

BEACH LIFESTYLE”115

Figura 7 – Outdoor de um dos muitos empreendimentos

imobiliários no bairro do Campeche no ano de 2015. A

localidade começa a ser alvo da especulação como se observa,

pela grande quantidade de construções, principalmente

condomínios de alto padrão. Foto acervo da autora.

Após a sua derrubada efetiva, o Bar do Chico ficou na

memória coletiva da comunidade do bairro do Campeche,

115 Título baseado na propaganda da revista da empresa imobiliária Buzz,

inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 9 – Outono de 2014.

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conforme foi abordado com mais vagar no primeiro capítulo

desta pesquisa. Depois da demolição, pode-se perceber uma

intensificação no movimento dos moradores locais contra as

construções em áreas de APP, motivo oficial veiculado para a

derrubada do tradicional bar, sacrificado em nome da

preservação. Exemplo disso foi o acontecimento que motivou

os moradores da praia do Campeche em conjunto com a

AMOCAM a realizarem o protesto contra a construção de uma

passarela nas dunas, considerada uma APP, já citado na

primeira parte desta análise.

Assim, diante do projeto que tenta vender o bairro do

Campeche como um excelente lugar para se viver, como é

apresentado, por exemplo, na mensagem publicitária da

fotografia acima “Uma nova maneira de viver de frente para o

mar”, a partir principalmente da construção de grandes

empreendimentos imobiliários, em alguns casos em APPs, a

comunidade do bairro reage. Essa reação dos moradores parece

ter sido uma forma de não aceitação da justificativa pelo qual o

bar foi derrubado, ou seja, por estar localizado em dunas, ou

seja, em uma APP. Como se pode perceber na matéria do

Jornal Diário Catarinense:

Os moradores da praia do Campeche, no Sul da

Ilha, em Florianópolis, fizeram o segundo

protesto contra a construção de uma passarela

Page 184: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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nas dunas em Área de Preservação Permanente

(APP) na tarde deste sábado. O grupo utilizou

faixas e cartazes para mostrar a indignação com

as concessões das licenças ambientais da Fatma

e prefeitura. O deck de 350 metros faz parte de

um condomínio de alto padrão e está em fase de

conclusão. (Jornal Diário Catarinense, 01 de

out. de 2010).116

Em 2011 outro acontecimento ocorrido também em

área de APP, distante somente alguns poucos metros do antigo

Bar do Chico provocou a comoção dos moradores locais.

Refiro-me ao show do cantor norte americano Ben Harper, o

qual causou a reação dos moradores da comunidade e da

AMOCAM.

Nos dias 5 e 6 de fevereiro do ano de 2011, sábado e

domingo respectivamente, aconteceu o show do artista

internacional Ben Harper na praia do Campeche, mais

especificamente no famoso Point do Riozinho117

, que constitui

um pedaço da própria praia. O evento teve como palco uma

área de APP, muito próxima ao local onde funcionava o Bar do

Chico. Membros da comunidade do bairro do Campeche

116 A respectiva citação do Jornal Diário Catarinense já foi utilizada na

monografia (AMARANTE, 2013), porém esta vale ser enfatizada aqui nesta

análise devido a sua importância para compreender a conjuntura histórica

apontada neste terceiro capítulo. 117

O Point do Riozinho é o local da praia do Campeche por onde passa um

rio, chamado de Rio Rafael, conhecido por seu espaço badalado. Os

frequentadores desse local são geralmente os turistas e moradores vindos de

outros estados do Brasil. (AMARANTE, 2013, p. 46).

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reivindicaram que o show não fosse realizado. Além disso, a

comunidade contestava que o show era uma estratégia para

atrair, cada vez mais turistas e novos moradores, para a Ilha de

Santa Catarina, e principalmente para a região do bairro

Campeche, que vem sendo alvo de construção de grandes

condomínios imobiliários. (AMARANTE, 2013, p. 12 – 13).

Conforme já foi analisado, no segundo capítulo desta

pesquisa, ainda no final da década de 1980 o bairro do

Campeche, localizado no Sul da Ilha de Santa Catarina,

caracterizava-se por um lento processo de urbanização e

carência de serviços básicos. Então, o Campeche começou a

atender a partir da década de 1990, ao projeto de ocupação

elaborado pelo IPUF. A partir do Plano Diretor de

Desenvolvimento da Planície Entremares para o bairro

Campeche, é possível entender que o processo de planejamento

da urbanização serve como tentativa ordenadora do espaço.

Refletir a esse respeito é pensar as consequências ambientais,

urbanas e culturais que ocorreram no Campeche neste período.

Esta tentativa de introduzir o bairro em uma proposta de

urbanização a partir da implantação do Plano de

Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região,

foi a de observar que a configuração da cidade de Florianópolis

e consequentemente do Campeche, começaram a sofrer

transformações significativas.

Page 186: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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Desta forma, pode-se perceber que houve um interesse

muito grande no Campeche durante o período em que a cidade

de Florianópolis se volta para o desenvolvimento urbano com o

emblema de “Capital Turística do Mercosul” 118

e que isso é

notório diante da quantidade de propagandas de venda de

imóveis no bairro que podem ser levantadas. Logo, a região

passa a ser alvo também de uma demanda gerada pelo turismo

que é muito valorizada no sentido de mercado e de

movimentação econômica.

A capital catarinense no ano de 1993 foi promovida ao

status de “Capital Turística do Mercosul”. Acontecimento que

destacou Florianópolis, pois esta passou a ser reconhecida por

seu potencial no exterior. As imagens da cidade são criadas

com várias significações explícitas de encanto, magia, que são

induzidas pela linguagem dos divulgadores - os políticos,

empresários, comerciantes e promotores. O fato é que o ano de

1993 foi importante para o turismo de Florianópolis. Criar e

promover a cidade era dedicação e intenção de muitas pessoas

118 Segundo a arquiteta Maria Inês Sugai a concepção para a cidade de

Florianópolis como a “Capital Turística do Mercosul” surge “com o acordo

de criação do mercado comum entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o

Uruguai, em 1991, Florianópolis passou a ser divulgada pelo governo local

como “A Capital Turística do Mercosul”, que deveria consagrá-la como

polo turístico internacional e, ainda, como a sede de um novo polo de

investimentos e de indústrias de alta tecnologia.”. (SUGAI, 2015, p. 27).

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interessadas em construir, envolver e cativar o turista visitante.

(ZANELA, 1999).

Dessa forma, é nesta perspectiva de transformar a

cidade de Florianópolis como “Capital Turística do Mercosul”

é que se tem os primeiros planos diretores para o Campeche e

por consequência inicia-se a urbanização do bairro, e esta

pode-se evidenciar a partir do surgimento do loteamento Novo

Campeche. A infraestrutura do loteamento tem início a partir

do fim da década de 80 do século XX. A urbanização no bairro

propiciou valorização da região, elevando significativamente

os preços das terras locais. Desde a compra das terras em fins

dos anos 70, a empreendedora JAT Engenharia, a Nacional

Construtora e a Pedrita Planejamento e Construção Ltda.,

implantaram infraestrutura e novos empreendimentos, dentro

do loteamento, como pousadas, centro comercial e prédios, etc.

Tem-se no Loteamento Novo Campeche a existência de

belezas naturais e a busca por qualidade de vida como se

observa na seguinte propaganda que aponta que “na praia do

Novo Campeche, uma das praias mais bem frequentadas da

região sul da Ilha.” 119

. Os moradores do loteamento já vieram

para o lugar com relativa estabilidade material, e geralmente

são migrantes internos como gaúchos e paulistas por exemplo.

119 Propaganda da revista Ideal Floripa, ver: Revista Ideal Floripa, n° 13 –

2016.

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A investigação neste loteamento, entre tantos outros existentes

no bairro Campeche, tenta demonstrar os processos de

valorização do espaço e neste, suas particularidades e

similaridades. (NEVES, 2003).

O capital imobiliário passou a investir no sul da Ilha de

Santa Catarina promovendo o crescimento do bairro que se

tornou destino turístico e residencial. Nesse sentido é

perceptível o boom imobiliário no Campeche através da

multiplicação de condomínios fechados de alto padrão.

O presente capítulo “O desaparecimento da ideia d‟A

Cidade Nova do Campeche: uma perspectiva dos fluxos

contemporâneos de pessoas, capitais e imagens do bairro” tem

seu título baseado na proposta de urbanização para o bairro

pelo IPUF e como esta região vem se desenvolvendo a partir

dos embates entre este ordenamento e os objetivos da

comunidade local. O objetivo aqui é mostrar que o Campeche,

na perspectiva do bairro pertencer a uma cidade turística, vem

apresentando novas formas de circulação de pessoas, capitais e

imagens principalmente vindos dos investimentos imobiliários,

que implicam em novas práticas de mobilidade no tempo

presente e no estilo da vida cotidiana das pessoas que

vivenciam essas experiências.

Desta forma, refletir a esse respeito é pensar as

consequências ambientais, urbanas e culturais que o bairro foi

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sofrendo até o ano de 2011, e sendo os fluxos contemporâneos

de pessoas, capitais e imagens no Campeche, aqui analisados

enquanto reverberações deste processo. Por fim, a partir dos

respectivos trânsitos contemporâneos no bairro Campeche e de

maneira ampla, na cidade de Florianópolis pode-se

compreender que “a migração se transformou em um fenômeno

de mobilidade, afirmada por Flores (2010),” (TEIXEIRA;

BRAGA; BAENINGER, 2012, p. 32). Com isso, a

pesquisadora mexicana, coloca que a capacidade dos migrantes

em circular, apropriar-se de espaços, acaba produzindo o

território e as identidades sociais.

4.1.1 “Beach Life Style”: Propagandas turísticas da Praia

do Campeche para “os de fora” do bairro 120

Beach lifestyle é viver perto do mar, é valorizar

o contato com a natureza, é ter a oportunidade

de levar uma vida mais simples e completa,

trazendo para seu cotidiano momentos de puro

prazer e relaxamento, sem esquecer do conforto

do lar e da proximidade das convivências da

cidade. (BUZZ, Inteligência Imobiliária, 2014)

120 Título baseado na propaganda do panfleto da empresa imobiliária Buzz,

inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 9 – Outono de 2014.

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Figura 8 – A fotografia mostra a expansão da urbanização no

bairro do Campeche no ano de 2015, apesar do recorte

temporal desta pesquisa ir até o ano de 2011. Porém, a

localidade começa a apresentar este crescimento imobiliário,

como se observa pela presença dos condomínios e pelas

construções residenciais a partir da década de 2000. Foto

acervo do entrevistado desta pesquisa Thiago Kahl.

A partir da fotografia acima se observa, por uma vista

aérea, que o bairro apresenta um crescimento urbano acelerado

e de certa forma, desordenado, pois as construções dos

empreendimentos imobiliários próximos à vegetação da

planície litorânea da praia do Campeche estão ligadas a uma

contradição com relação ao acontecimento da derrubada do Bar

do Chico, no ano de 2010. Ambos tinham como localização as

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191

dunas do Campeche, ou seja, foram construídos em áreas

consideradas de APP. Contudo, é contraditório pensar que o

tradicional Bar do Chico tenha sido derrubado por ser

considerado uma ameaça ao meio ambiente e, meses depois, na

mesma zona de preservação, tenha sido autorizado a

construção do deck dos condomínios Essence. Essa contradição

foi ressaltada por alguns moradores, que se mobilizaram contra

a construção do deck e das várias outras construções de

empreendimentos imobiliários localizados em área de

preservação ambiental. Dessa forma, pode-se pensar no

desenvolvimento urbano no bairro com seus condomínios

imobiliários como a reverberação da proposta de planejamento

d‟A Cidade Nova do Campeche como se analisa no trecho da

fala do jornalista Sérgio da Costa Ramos:

Em 1989, o PD previa organizar o Campeche

em superquadras, contornadas por avenidas que

absorveriam o tráfego de passagem com

corredores de transporte coletivo – numa área

4,5 vezes maior do que a área continental do

município. Veio um novo prefeito e, junto com

os contras e seus mantras populistas, demoliu o

plano. O resultado é o Campeche de hoje...

(Jornal Diário Catarinense, 16 de jan. de 2015,

p. 4).

A partir da análise da fala do jornalista Sérgio da Costa

Ramos torna-se possível compreender sobre as transformações

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ocorridas no bairro dentro da proposta d‟A Cidade Nova do

Campeche, ou seja, vêem-se condomínios surgindo em

localidades que já não suportam nem a densidade preexistente,

mas que por estar à beira mar, ganham status e agregam renda,

gerando lucro a quem os vende. Em princípio as construções

são embargadas, mas as autoridades acabam por ceder. A

questão é se o município conseguirá suprir as futuras

necessidades por infraestrutura, uma vez que não consegue

suprir nem as carências já existentes. (FILHO, 1992; SANTOS,

1990).

Sendo assim, o crescimento populacional da cidade de

Florianópolis pode ocorrer pela densificação da ocupação do

solo urbano ou a transformação do espaço rural em urbano. O

fato é que quanto maior a cidade, maior sua complexidade

econômica e sua composição social. A planície litorânea do

Campeche vem sofrendo, desde o inicio da década de 1990,

transformações em suas áreas de ocupação urbana e no bairro

como um todo. As demandas que este crescimento produz e um

dos aspectos visíveis, a partir das duas últimas décadas, na

cidade de Florianópolis é a questão da especulação imobiliária.

Dessa maneira, pode-se compreender que o valor de um bem

depende do uso que lhe for atribuído, e quanto mais raro ele

for, mais caro será. Como no caso do bairro do Campeche que

por se constituir em uma praia o uso que se faz dessa

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localização por parte dos empreendimentos imobiliários seria a

boa vista, ou seja, a espetacular natureza e a qualidade de vida,

ou “a vista real do melhor momento da sua vida” 121

. (FILHO,

1992; SANTOS, 1990).

Segundo Márcia Fantin (2000), a principal atração

turística da Ilha de Santa Catarina são as suas belezas naturais.

Sendo assim, a procura por parte dos turistas seria a de apreciar

e curtir a natureza exuberante da capital catarinense a qual a

especulação imobiliária se aproveita destes migrantes internos

para negociar as paisagens privilegiadas, fazer

empreendimentos estratégicos rentáveis onde haja a

intervenção direta no meio ambiente natural da cidade de

Florianópolis. Apesar de este ser um cenário ameaçador que

coloca em jogo o futuro e as belezas naturais da cidade. Esta

divulgação e promoção da Ilha de Santa Catarina como uma

cidade turística acontecem geralmente por meio das

propagandas, como se observa, por exemplo, em uma revista

de grande circulação no Brasil que seria a Revista Viagem e

Turismo da editora Abril cujo título é “Guia: 101 lugares para

ser feliz” e classifica a cidade de “Florianópolis - Santa

Catarina” como “Grandes Cidades” e a descreve da seguinte

maneira:

121 Título baseado na propaganda do panfleto do condomínio residencial

Vila Itararé, ver: Panfleto Vila Itararé.

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Só no quesito praias, são 42. Tem as de água

morna e ondas mansas e as de mar frio e

agitado; as badaladas, com festas regadas a

champanhe, que varam a noite; e as familiares,

ideais para levar a criançada. Mas nem só de

água e areia vive a capital catarinense. O centro

histórico, com seus antigos edifícios e uma

grande figueira na praça central, é uma graça.

Por toda a cidade há restaurantes deliciosos que

servem desde frutos do mar até pizza e comida

japonesa. E gente bonita e atenciosa que torna o

lugar ainda mais encantador. (Revista Viagem e

Turismo: Guia 101 lugares para ser feliz, 2014 -

2015, p. 64).

A ideia de Florianópolis ser uma cidade turística e

proporcionar qualidade de vida aos seus habitantes aparece nas

mensagens de alguns encartes ou outdoors, como nos exemplos

do título do respectivo subcapítulo, da epígrafe acima e da

citação abaixo, que se refere ao trecho de um texto de uma

propaganda da Prefeitura de Florianópolis.

Florianópolis, a capital do Estado de Santa

Catarina, é conhecida como Ilha da Magia. [...]

É neste local que um povo amistoso e receptivo

desfila sua simpatia. O sorriso no rosto é fácil

de explicar: Florianópolis é uma das capitais

com a melhor qualidade de vida do Brasil. Uma

paisagem de sonho, povoada por barcos de

pesca, rendeiras, um rico folclore e vilarejos

repletos de tradição e história, onde o moderno

une-se ao histórico e, em conjunto com a

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natureza, compõem um cenário de emoção e

harmonia.122

Ainda em outro catálogo turístico do estado de Santa

Catarina a cidade é apresentada como um dos lugares da região

que apresenta melhor qualidade de vida, assim: “Florianópolis

é a capital com melhor qualidade de vida do país. Tem 100

praias, em muitas das quais se praticam esportes náuticos e

radicais. Intensa vida noturna, ótimos serviços urbanos,

aeroporto internacional e mais de trinta mil leitos para

hospedagem.” 123

. A perspectiva de promover a capital

catarinense a partir de suas belezas naturais, aspectos culturais

e boas condições de infraestrutura insere-se na proposta que

projeta Florianópolis como a “Capital Turística do Mercosul”,

pois esta ideia é voltada para atender aos migrantes, ou seja, a

demanda de pessoas voltada para o turismo da cidade.

(ROSSATO; MARTINS, 2013).

As mensagens publicitárias exemplificadas acima

enfatizando a qualidade de vida existente na cidade de

Florianópolis devido a sua exuberante natureza contribuíram

122 Trecho de texto de uma propaganda impressa em catálogo turístico da

Prefeitura de Florianópolis, ver: Catálogo Florianópolis a cidade mais

querida do Brasil, 2014. 123

Trecho de texto de uma propaganda impressa em catálogo turístico da

SANTUR (Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte), ver:

Catálogo Santa Catarina, Brasil: melhores destinos, 2014.

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para a vinda de novos moradores para a Ilha de Santa Catarina.

Assim a partir da promoção da cidade – e mais especificamente

do bairro - fica compreensível que a vinda de migrantes para

Florianópolis contribuiu para o crescimento e/ou expansão da

urbanização do Campeche, pois, segundo dados do IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população da

cidade no ano de 2010 era de 421.240 pessoas124

e neste

mesmo período o bairro apresentava uma população

aproximada de 34. 738 indivíduos (CAMPANÁRIO, 2007). 125

O turismo, a migração interna e mesmo a

imigração atraíram para a cidade um conjunto

de novos moradores, o que desencadeou

acirradas disputas por territórios e simbolismos

e importantes rearranjos nas diferentes redes

locais (de poder, de amizade, etc.), tendo como

principal objetivo a apropriação da cidade, de

seus usos, de seus sentidos, de sua memória e

de sua história. Num curto espaço de tempo,

que compreendeu no máximo três décadas,

Florianópolis ampliou a população residente,

passou por mudanças inusitadas para muitos de

seus antigos moradores, que viram desaparecer

quase por inteiro a cidade com a qual estavam

habituados, e acabou por assumir certas feições

124 Acesso em: 21 de mar. de 2016. Disponível em: <

http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=4205407>. 125

A respeito do crescimento da Ilha de Santa Catarina pela vinda de

turistas o Plano de Desenvolvimento Turístico com atualização em 1999

aponta que “As praias e as belezas naturais são os maiores atrativos que

motivam a vinda de turistas para a Florianópolis na alta estação, segundo

pesquisas realizadas em 1981 e 1997.” (Plano de Desenvolvimento

Turístico, 1999, p. 37).

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de um aglomerado urbano populoso,

cosmopolita e fundamentalmente impessoal.

(CAMPOS; FALCÃO; LOHN, 2010, p. 268).

Uma matéria do dia 28 de fevereiro do ano de 2009

deixa visível que a vinda de turistas para a cidade de

Florianópolis ocorre principalmente no período da temporada e

ou férias de verão que é dos meses de dezembro a fevereiro,

como afirma o colunista Cacau Menezes:

O turista que visita Florianópolis no verão não

vem sozinho. É o que mostra a pesquisa feita

pela Federação do Comércio de Santa Catarina

com os turistas da Capital catarinense, entre os

dias 21 e 26 de fevereiro de 2009. [...] O estudo

aponta que o local de origem dos turistas é

bastante diversificado, já que 29,3% vêm do

Rio Grande do Sul; 19,7% da Argentina; 16,9%

de São Paulo; 10,7% do Paraná; 8,9% de outros

municípios catarinenses; 1,7%, do Chile; 2,2%

do Uruguai; e 10,5% de outros estados. A safra

gaúcha deste Carnaval em Floripa, prestei bem

atenção, foi a melhor dos últimos tempos:

jovens mochileiros e descolados, a cara da raça

que vai pra Ibiza. É o beautiful people do RS

chegando cada vez mais. (Jornal Diário

Catarinense, 28 de fev. de 2009, p. 31).

Uma das razões para as transformações ocorridas no

bairro do Campeche a partir da década de 1990 seria a forte

vinda de migrantes. Sendo assim, esta ocorre pois a natureza, a

infraestrutura e a qualidade de vida urbana tornam-se alguns

dos aspectos vendidos pelo marketing imobiliário na capital

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catarinense. Este processo é conduzido pelos grandes

empreendedores imobiliários e pelos governos estadual e

municipal. Desta maneira, vários empreendimentos e

condomínios são construídos em conjunto com algum aspecto

físico ou simbólico da natureza para atrair investidores e

compradores, ou seja, os migrantes que acabam visitando por

turismo a Ilha de Santa Catarina. (HENRIQUE, 2005).

Juntamente com a forte onda de migrantes para

Florianópolis, buscando a capital de maior

qualidade de vida brasileira, e que vêm

provocando um forte processo de urbanização,

comprometendo o futuro de suas paisagens,

seus ecossistemas, seus habitantes, ou seja, tudo

o que é vendido pelo marketing turístico e

constitui o produto base da principal atividade

econômica local. (LOCH; SANTIAGO;

WALKOWSKI, 2008, p. 75).

O apoderamento da natureza pelas empresas do

mercado imobiliário da capital catarinense ocorre em um

processo de valorização monetária de condomínios e

loteamentos para a população de alta renda. Desta forma, a

“vinda” dos migrantes de outras regiões para o Campeche

somam-se a estes novos empreendimentos a ideia de “venda”

do bairro, ou seja, acaba-se por desenvolver um acesso

desigual à natureza na cidade a partir da aquisição desses

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espaços pelos migrantes que vem para a Ilha de Santa Catarina

por turismo, como se pode perceber na fala de Cacau Menezes:

Lá, a história passa pelo “seo” Deca e o

escritor-aviador Saint-Exupéry. O autor de O

Pequeno Príncipe talvez tenha sido o primeiro

estrangeiro a descobrir o que a família do Deca

já sabia há muitos anos: uma maravilha de

águas verde azuladas, cristalinas e violentas

quando venta de sul. Com uma belíssima ilha

em frente à praia, levando o mesmo nome,

outrora rica em peixes e lagostas, ainda é

possível acampar e visitar aquele pedaço de

paraíso. Com o tempo o Campeche foi

recebendo “novos estrangeiros”, [...], e por

causa dos baixos preços de suas terras sofreu

uma invasão descontrolada, [...]. Construções

clandestinas sobre as dunas, loteamentos

irregulares [...]. (Jornal Diário Catarinense, 18

de jan. de 2009, p. 55).

As propagandas parecem ter contribuído nesse processo

de venda do bairro como um excelente lugar para se viver, o

qual pode proporcionar uma melhor qualidade de vida através

do contato diário e direto das pessoas com esse ambiente

natural. A partir desta perspectiva cabe citar outro exemplo

destes anúncios como o catálogo da Construtora da ilha com o

título “Pura Vida: Casas de alto padrão no Sul da Ilha”:

Sunset Campeche: uma nova proposta de vida

– O Sunset Campeche é uma solução completa

para ter dias felizes, o ano inteiro. Localizado

em um loteamento de casas de alto padrão, o

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200

empreendimento tem diferenciais que a sua

família vai adorar, como lareira e varanda

gourmet. A sua casa é o coração da sua

família. No Sunset Campeche, os seus

momentos felizes não tem limites.126

Os exemplos são vários: “Agora existe um paraíso para

você morar! Aqui o futuro é um grande presente. Refúgio e

conforto em um só lugar.” 127

. Ainda a propaganda dos

condomínios Palm Beach Residence Campeche aponta: “Aqui

tem 100% de vida, a poucos metros do mar.” 128

.

As propagandas buscam influenciar a escolha das

pessoas, ressaltando os atrativos do bairro, buscando a vinda

daqueles que desejam se estabelecer na Ilha de Santa Catarina e

mais especificamente na praia do Campeche, a partir da

compra de imóveis. Ao enfatizar as qualidades do Campeche

busca-se, a partir da função apelativa das mensagens

publicitárias contidas nos encartes ou outdoors das construções

imobiliárias do bairro, apresentar a paisagem natural como um

bem de consumo para os futuros moradores. No trecho da

126 A propaganda faz parte do panfleto da empresa imobiliária Construtora

da ilha, ver: Catálogo “Construtora da ilha: material provisório”. E o trecho

em negrito faz parte da propaganda. 127

Título baseado na propaganda do panfleto da empresa imobiliária Punta

Ballena: Beach Residence, ver: Catálogo Punta Ballena: Beach Residence. 128

Propaganda impressa em panfleto da empresa imobiliária Palm Beach

Residence Campeche, ver: Panfleto Venha morar no 1° Condomínio Clube

do Campeche Sul, 2014.

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201

matéria intitulada “Florianópolis: Classe A” da revista Viagem

e Turismo a praia do Campeche é descrita da seguinte maneira:

Felizmente, Florianópolis tem 42 praias (mas,

por certas contagens, o número dobra), e nelas

há espaço para gente com interesses muito

diferentes. Mole, Joaquina, na costa leste, e

Campeche, no sul da ilha, por exemplo,

recebem um público mais interessado em açaí e

cerveja de garrafas de 600 mililitros do que em

champanhe e que troca um ingresso para ver

David Guetta por uma roda de violão. (Revista

Viagem e Turismo, dez. de 2012, p. 74 a 76).

As propagandas destinadas a atraírem pessoas para o

bairro têm geralmente como mensagem à ideia de que a

felicidade pode ser encontrada de frente para o mar. A essa

busca pela felicidade em um espaço privilegiado pelas

condições naturais também merece atenção, pois está incluindo

a proposta de que se esses migrantes podem encontrar a

prosperidade almejada, ou seja, subentende-se que esses não

vivem em um espaço com esses privilégios naturais e que dessa

maneira eles podem encontrar o que os tornaria feliz. Como

fica evidente na propaganda dos condomínios Essence, “sua

felicidade se completa junto à natureza e de frente para o mar”

129.

129 Anúncio de venda, do condomínio imobiliário Essence. Disponível em:

<http://essencecampeche.com.br/>. Acesso em: 30 set. 2012.

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A partir da década de 1990 quando surge a proposta

para Florianópolis como a “Capital Turística do Mercosul” é

que acaba aparecendo o turismo de classe e de qualidade em

detrimento do turismo de massa. O turismo classe A é

extremamente seletivo e privilegia turistas com boas condições

econômicas, dessa maneira tornando-se “desejáveis na cidade”.

Ao contrário do turismo de massa que atrai um público

numeroso, diversificado, em geral sem condições econômicas.

É nessa perspectiva que a cidade de Florianópolis busca a partir

do turismo de classe e de qualidade conquistar um “padrão

internacional” e manter sua competitividade (FANTIN, 2000).

Essa conjuntura torna-se evidente no trecho de uma revista de

grande circulação no Brasil como a Revista Viagem e Turismo

da editora Abril cujo título da matéria é “Florianópolis: Classe

A” e a descreve da seguinte maneira:

Beverly Hills brasileira. Assim Florianópolis

foi chamada pelo jornal O Globo neste ano,

quando o diário publicou reportagem baseada

em uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas

mostrando que a cidade tem o maior porcentual

de ricos entre as capitais brasileiras (27,7% da

população é da classe A, bem mais que os

19,5% do Rio e os 17,7% de São Paulo). Uma

Floripa elitista se revelou aí, com nativos

sugerindo que possuir lanchas é uma aspiração

ao alcance de muitos e que é preciso haver mais

“branco e dourado” e mais hotéis de grife para

a ilha melhorar. A reportagem virou um “trend

topic” na cidade, que, ficaria evidente depois,

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não está imune a problemas de outras capitais

do país, como ter ônibus queimados e sofrer

com hipotéticos toques de recolher, ações

orquestradas por uma facção criminosa nos

moldes do PCC paulista. Entretanto, a cidade

ter sido chamada de Beverly Hills brasileira deu

lenha a um debate atualíssimo: Florianópolis

deve virar uma cidade de feições consumistas

ou reforçar sua autenticidade e suas virtudes

naturais? Uma das boas discussões da última

campanha eleitoral foi o projeto para a

construção de um grande hotel de 22 andares,

dotado de centro de eventos e shopping, na

Avenida Beira-Mar Norte. Boa parte da

população defende um parque público ali, causa

abraçada pelo prefeito eleito, César Souza Jr., o

qual criticou o transtorno que o

empreendimento deve causar ao trânsito. Se

depender de boa parte dos turistas que vão nesta

época a Florianópolis, contudo, quanto mais

luxo, melhor. (Revista Viagem e Turismo, dez.

de 2012, p. 74 a 76).

As propagandas adquirem um valor muito grande como

uma ideia, um padrão de natureza moldado pelos interesses

capitalistas. No caso do trecho da reportagem citada acima em

que intitula Florianópolis como a Beverly Hills brasileira

pretende-se com isso, que a publicidade se proponha a oferecer

produtos e serviços para as classes com maior poder de

consumo, e que coloque as pessoas muito próximas da

natureza. Uma natureza, incorporada, produzida e vendida de

acordo com as leis e desejo do modo de produção capitalista.

(HENRIQUE, 2005).

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204

A estes aspectos existentes nas cidades, como a

segregação urbana, geradas por uma classe social e econômica

elitizada que acabam por residir ou comprar imóveis na Ilha de

Santa Catarina com o intuito de obter uma proximidade da

natureza aliada a qualidade de vida nas propriedades

imobiliárias privadas, terá seu acesso definido de maneira

desigual, entre, por exemplo, os empreendimentos de alto

padrão. Sendo assim, no caso de Florianópolis, ocorre um

processo de valorização dos loteamentos e condomínios

destinados à população de alta renda, a qual está sendo

seduzida pela propaganda da qualidade de vida e da natureza

do bairro e que geralmente acabam por serem pessoas vindas

de “fora” da capital catarinense. (HENRIQUE, 2005). Desta

forma, a vinda dos migrantes internos para a cidade de

Florianópolis acabou gerando consequências como a questão

do “localismo”, como se observa a partir da reportagem, que

apesar de não estar dentro do recorte temporal proposto nesta

análise, deve ser apontado como um evento que marcou estes

embates políticos pelo desenvolvimento urbano da cidade.

O recente episódio envolvendo um grupo de

surfistas do Campeche, em Florianópolis, que

agrediu outro surfista por considerar que a praia

deve ser reservada a praticantes locais, afronta

o bom senso e o espírito cosmopolita no qual o

Estado tenta se inserir no cenário mundial. [...]

O embate ideológico é uma das consequências

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dos bons índices de desenvolvimento que Santa

Catarina vem apresentando nas últimas décadas

e que resultaram em uma migração de pessoas

em busca de um lugar melhor para viver –

lugares ficaram mais cheios, áreas isoladas

ganharam imóveis, o trânsito complicou um

pouco mais, há mais pessoas, no caso de pontos

turísticos, disputando o melhor lugar etc. É

inegável que o desconforto aumentou. (Jornal

Diário Catarinense, 23 de ago. de 2014, p. 16).

A partir da citação pode-se perceber que o aspecto do

“localismo” faz parte da conjuntura de expansão da

urbanização da cidade que, como já foi apontado acima,

compreendeu no máximo três décadas, e que ampliou a

população residente, passou por transformações para muitos de

seus antigos moradores, que viram desaparecer quase por

inteiro a capital catarinense com a qual estavam habituados, e

acabou por assumir certas feições de um aglomerado urbano

populoso e cosmopolita. (CAMPOS; FALCÃO; LOHN, 2010).

A partir da citação acima fica compreensível que a

vinda de migrantes para Florianópolis contribuiu para o

crescimento e expansão da urbanização do bairro Campeche.

Segundo Flávio Villaça (2003) os mecanismos de mercado

imobiliário e o poder público produziram um espaço urbano

onde os mais ricos, ficam com as melhores localizações e

serviços, inclusive os públicos como, por exemplo, o

transporte, e os mais pobres ficam com as piores.

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Ainda, segundo Flávio Villaça (2003), a especulação

imobiliária gera desiquilíbrio nas cidades, distorcendo seu

espaço, ou seja, a dominação do ambiente urbano leva a

exclusão social. Quando esta exclusão social toma uma

dimensão espacial na escala da cidade, ela é chamada de

segregação urbana. A separação entre classes sociais e entre

funções no espaço urbano criou territórios diferenciados dentro

da cidade – uma exclusão não formal, mas que não deixa de

estar evidente. Como se houvessem barreiras imaginárias, os

moradores passam a conhecer seu lugar dentro desta ordem que

se estabeleceu se sentindo um invasor em determinados locais

– mesmo que estejamos nos referindo a locais públicos. A

partir da fala da entrevistada e migrante interna Norma Freitas

pode-se compreender esse contexto.

Da primeira vez que eu vim para a Ilha, há oito

anos, eu não morava ainda e eu só vinha

passear. E eu escolhi o Campeche porque eu

achava que era um bairro tranquilo, mais

afastado da parte mais turística, ou seja, era

bem tranquilo aqui, as pessoas eu me

identifiquei bastante e por isso que eu escolhi.

Hoje eu não vejo mais dessa forma, o

Campeche nesses oito anos que eu conheço e

desses quatro que eu moro aqui mudou

bastante. [...] Diferença no número de veículos,

o número de prédios, o estilo das pessoas

mudou muito porque eu me identificava muito

com as pessoas que tinham um estilo mais

simples, mais alternativo, sem muita

ostentação. E isso eu vejo ainda, mas não vejo

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mais tanto. E eu vejo que a cidade está

crescendo muito para o lado do Campeche, as

pessoas estão aproveitando aqui que tinha

justamente aquela tranquilidade e estão vindo

para cá. E assim eu temo porque como eu vim

de cidade grande e que lá tinha muito trânsito e

muito prédio, eu tenho medo que isso aconteça

aqui agora. (FREITAS, 2014, p.1-2).

O uso da respectiva citação nesta análise possibilitou

compreender o que alguns dos migrantes internos que vivem

no bairro pensam a respeito do processo de expansão da

urbanização de Florianópolis para o Campeche, “ou seja, em

um trabalho de história oral, a biografia, a trajetória individual,

não é coisa dada, mas construída à medida mesmo em que é

feita a entrevista.” (ALBERTI, 2000, p. 5).

Eu acho tudo isso inevitável, esse crescimento

não é exclusivo de Florianópolis. É em Joinville

que está crescendo enormemente, Ilhabela que

é uma cidade, que quando eu me mudei para lá

tinha dez mil habitantes, depois de dez anos

tinha trinta mil habitantes, quase quarenta.

Então assim, isso não é exclusivo de cidade

nenhuma do país, isso é inevitável. Ilhabela,

não tem nem ponte, tem balsa, mesmo assim as

pessoas se mudam e tem um morro que está

completamente dominado e devastado. Acho

que esse crescimento, só seria evitado se as

pessoas controlassem a natalidade, é o único

jeito. (WIEST, 2014, p. 2).

A imagem abaixo aliada a fala da entrevistada acima

coloca questões a respeito dessas construções imobiliárias no

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bairro do Campeche, pois essa foi uma região até a década de

1990 pouco urbanizada, e que atualmente vem sendo ocupada

por condomínios, conforme apontam as memórias, os jornais,

os planos diretores, etc.

Figura 9 - Foto acervo da autora. Foto realizada no mês de

outubro de 2014. O objetivo da fotografia é mostrar a pichação

contida no muro dos condomínios imobiliários Essence,

localizado no bairro Campeche. A pichação “Cidade a venda”

demonstra um descontentamento pelas construções de

condomínios imobiliárias no bairro.

Para Raquel Rolnik (1998) este cenário acaba

produzindo a segregação urbana que éproduto e produtora do

conflito social. O conflito entre as classes gera a segregação, e

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a própria segregação aumenta a diferença e a distância entre as

classes. O poder público teria a possibilidade de harmonizar

estas diferenças, pois ele tem a oportunidade de produzir e

moldar o espaço público. No entanto, as próprias autoridades

públicas brasileiras fazem parte destas classes média e alta, e

são por elas influenciadas. A partir do relato da gaúcha Roberta

Barreto Viana Stahl pode-se compreender esta conjuntura.

É um problema porque o ser humano sempre

quer mais, e mais. As pessoas com certeza

querem uma moradia legal num lugar bacana,

tipo no Novo Campeche que está cheio de

condomínios novos de alto padrão com vista

permanente para o mar. Pois, quem não quer

morar assim? Mas, ao mesmo tempo eu dava

tudo para parar o crescimento agora. (STAHL,

2014, p. 3).

Os depoimentos orais coletados permitem pensar que

“por exemplo, as narrativas dos migrantes evocam os

„imaginários culturais‟ sobre os futuros locais de destino e

explicam como esses imaginários são produzidos,

disseminados, recebidos e usados.” (THOMSON, 2002, p.

345). Dessa forma, percebe-se que a concepção que vincula a

qualidade de vida proporcionada pelo contato com as belezas

naturais da cidade de Florianópolis produz símbolos, criados

para fazer parte da vida real. A partir da seguinte memória de

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uma das moradoras do bairro Campeche que veio de “fora”

pode-se evidenciar esta conjuntura.

Bom, eu saindo de São Paulo capital já era

difícil para eu estar morando lá porque já estava

ficando muito urbano e eu queria sossego e foi

o que eu encontrei aqui em Floripa. Porque

quando eu cheguei aqui nós tínhamos quatro

ônibus por dia, para eu fazer uma ligação para

São Paulo eu tinha que ir até o centro da cidade,

nós não tínhamos correio, era uma vez por mês,

que eles colocavam as caixas todas na venda do

Seu Prachedes e às dez horas da noite era o

último ônibus do centro. Então [...] eu vim para

cá pelo sossego e eu estou vendo que daqui a

pouco eu estou saindo para o interior. Do jeito

que está crescendo a Ilha não é isso o que eu

quero também. (VAIA, 2014, p. 3).

É neste contexto que se torna importante o uso das

memórias dos migrantes internos e/ ou dos moradores vindos

de “fora” da cidade de Florianópolis para compreender quais

foram os interesses desses indivíduos na busca por outro lugar

para viver, na procura pelo sonho que começa a se tornar

realidade, o Beach Lifestyle. Então, neste processo acaba se

inserindo uma produção de discursos cheios de simbolismo,

por parte dos migrantes internos.

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Figura 10 - Foto realizada no mês de outubro de 2014. O

objetivo da fotografia é mostrar as pichações contidas no muro

de um terreno que futuramente será utilizado para a construção

de um condomínio imobiliário da Rua Avenida Pequeno

Príncipe, no bairro Campeche. A pichação “Cidade a venda”

demonstra um descontentamento pelas construções de

condomínios imobiliários no bairro Campeche e a outra

pichação “Hippies $” demonstra a existências desses conflitos

urbanos em Florianópolis. Foto acervo da autora.

As pichações “Cidade a venda” visualizadas na

fotografia possibilitam compreender que estas foram realizadas

na época da Operação Moeda Verde130

que foi a investigação

130 A Operação Moeda Verde foi deflagrada em maio de 2007, quando

agentes da Polícia Federal, por determinação da Justiça Federal começaram

a investigação que partiu de denúncias de fraudes num empreendimento em

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de compras de licenças ambientais junto aos órgãos públicos

por parte das empresas. Dessa forma, observa-se que

Florianópolis acaba tornando-se uma espécie de mercadoria a

qual uma das funções básicas dos governos locais tornou-se a

venda da cidade. Para Sugai (2015) a venda da cidade como

mercadoria faz com que os governos locais procurem por

recursos externos para que haja novos investimentos na região

e com isso, difundindo imagens favoráveis do município e

dessa maneira, buscando inserir a cidade nos circuitos

nacionais e/ou globais. Além disso, submetendo a cidade em

negociações financeiras entre as esferas públicas e privadas, ou

seja, atraindo investimentos de capital e estimulando a

expansão imobiliária na localidade. Como aponta a

antropóloga e professora da UDESC, Carmen Susana

Tornquist, com relação a este contexto de venda da cidade de

Florianópolis:

a expansão dessa especulação imobiliária em

Florianópolis ela fala muito do problema

Jurerê Internacional, que estaria localizado em APP. Os outros dois grandes

empreendimentos investigados foram o futuro campo de golfe no Costão do

Santinho, que estaria sobre o principal lençol freático do norte da Ilha de

Santa Catarina, e o que teve destaque na mídia catarinense foi a inauguração

do shopping Iguatemi, que fica em uma área de mangue. Disponível em:

<http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18

75 >. Acesso em: 23 mar. 2016.

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gravíssimo de acesso a moradia no Brasil. [...]

Floripa, revela bem a meu ver o que a gente, eu

já estou falando como professora agora, mas é

que a gente estuda a ideia da cidade

mercadoria. Os autores que falam do city

marketing, é uma cidade que virou um campo

de oportunidades de negócios.131

Então, são

investidores que vem e fatiam a cidade,

interferem no plano diretor, interferem em tudo

e quando não conseguem vencer na lei, eles vão

na prática mesmo e vão lá e fazem. E assim é

muito triste. (TORNQUIST, 2016).

Sendo assim, verifica-se que a absorção de capital pelo

desenvolvimento urbano está causando numerosos conflitos em

torno da captura por terras valiosas. Paralelamente, o setor

turístico desenvolveu-se como um eixo econômico importante

visando às potencialidades naturais e históricas da Ilha de

Santa Catarina, de forma que a atividade passou a ser

vislumbrada por políticas públicas e pelas propostas de

planejamento urbano. Assim, o processo de promoção

imobiliária e turística do bairro do Campeche, no Sul da área

insular, desvela contradições e tendências desse fenômeno.

131 A ideia de city marketing apontada na fala da seguinte entrevistada

refere-se “a cidade é uma mercadoria a ser vendida, num mercado

extremamente competitivo, em que outras cidades também estão à venda.

Isto explicaria que o chamado marketing urbano se imponha cada vez mais

como uma esfera específica e determinante do processo de planejamento e

gestão de cidades. Ao mesmo tempo, aí encontraríamos as bases para

entender o comportamento de muitos prefeitos, que mais parecem

vendendores ambulantes que dirigentes políticos.” (VAINER, 2000, p.78).

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Dessa maneira, observa-se que neste período do

desenvolvimento urbano do bairro há o desaparecimento da

proposta da Cidade Nova do Campeche a qual passa a dar lugar

aos discursos de venda da cidade e mais especificamente do

próprio bairro, ou seja, a urbanização analisada no Campeche,

a partir dos empreendimentos imobiliários faz parte de pólíticas

intraurbanas e/ou do marketing urbano da cidade para projetá-

la como mercadoria. O que permite analisar que este projeto de

viés capitalista se insere como ordenador espacial para a

cidade.

A partir do entendimento de que o turismo foi

historicamente construído como uma atividade econômica

potencial e que Florianópolis exerce atração como destino

sazonal e permanente observa-se que o rápido crescimento

urbano do Campeche se deu através dos discursos de venda da

cidade e de qualidade de vida. Sob essa perspectiva pode-se

observar a fala de uma moradora de um dos condomínios do

bairro do Campeche acerca desse crescimento urbano.

Eu acho que o progresso é sempre bom, só que

ele tem que ter um limite. Eu acredito que

quando se passa certo limite, o que estaria bom

começa a ser ruim. Então até eu procurei,

quando eu vim para o Campeche, essa

tranquilidade e agora eu vejo que ele está

crescendo. E eu imagino para quem já está aqui

há mais tempo que deve estar crescendo demais

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e de repente vai vir a se tornar o que a gente

vem fugindo e está começando a encontrar aqui

no Campeche. (MULITERNO, 2014, p.2).

Desta maneira, é importante ressaltar que a Ilha de

Santa Catarina apresentou características de uma cidade

predominantemente rural até meados dos anos 1980, ou seja, a

capital catarinense se constituía em um espaço rodeado por

atividades dedicadas a agricultura, a pesca e a criação de gado,

como já foi analisado nos capítulos anteriores desta

dissertação. Todo esse cenário foi alterado durante as últimas

décadas pela disseminação da economia capitalista que

estimulou a especulação imobiliária, a valorização das terras e

a mercantilização da natureza na cidade através da sua venda

pelos agentes do mercado imobiliário. (FALCÃO, 2010).

A área insular do município, onde se concentram os

balneários, os bairros de alto padrão, como atualmente vem

acontecendo com o bairro do Campeche, foi apontada nos

últimos anos como um oásis de qualidade de vida urbana no

Brasil. Uma forte campanha da mídia vende os benefícios da

vida ilhéu. A natureza, a infraestrutura, a educação, a

sofisticação e a segurança são os aspectos vendidos

pelo marketing de Florianópolis, comandados pelas grandes

empresas do mercado imobiliário e pelo poder público,

estadual e municipal. (HENRIQUE, 2005). A partir dos

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migrantes internos que vieram para Florianópolis em busca do

“oásis de qualidade de vida urbana no Brasil”, a metodologia

da história oral permite compreender como o desenvolvimento

turístico e seus decorrentes interesses imobiliários são

vivenciados por estes.

Eu adoro praia e eu gosto do sossego daqui.

Floripa apesar de ser uma cidade grande, ela

ainda tem um aspecto meio de interior. O ritmo

das pessoas é diferente, é mais lento. Eu sou de

Porto Alegre e eu amo lá. Lá a gente tem muita

festa, muito bar, muita mobilidade, muita

facilidade com tudo. [...] Não sou a favor de

crescer mais porque para mim uma casinha em

qualquer outro cantinho vale muito mais que

esse crescimento todo. Eu acho que eu já sai de

uma selva de pedra. Então, é em busca disso

que eu vim e não concordo muito, mas

infelizmente o ser humano vai querer sempre

mais e vai destruir tudo que tem pela frente.

(STAHL, 2014, p. 2).

A partir da fala da entrevistada e migrante interna da

cidade de Florianópolis acima, observa-se que elementos como

a natureza a partir da ideia de existência da praia do Campeche

e ainda a referência do aspecto da qualidade de vida na noção

de sossego e/ou tranquilidade presente na capital catarinense

são fatores que acabam promovendo os discursos vendidos

pelo marketing de Florianópolis, e que sem dúvida, são uma

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atração incomparável para o migrante.132

A partir do relato da

entrevistada Deise Amarante Muliterno pode-se observar esse

contexto.

Eu acredito que eu vim para Florianópolis, fez

um ano agora em agosto que eu estou aqui, pois

antes eu morava em Porto Alegre, procurando a

princípio uma melhora de qualidade de vida. E

em Florianópolis primeiramente eu morei na

Trindade e aí depois procurando essa qualidade

de vida eu escolhi vim morar no Campeche. [...]

Na verdade em Porto Alegre a rotina é bem

mais agitada e as pessoas também são muito

mais agitadas, mas existe uma necessidade de

as coisas estarem acontecendo e aqui existe

certa tranquilidade. [...] Eu acredito que são

coisas diferentes. Eu vim buscando mais uma

tranquilidade e uma qualidade de vida, mas aí

hoje eu também já penso no que seria a

qualidade de vida. Se for só o morar

tranquilamente. E eu acho que ainda existe

132 Segundo o documento do Plano Diretor Participativo – Leitura

Integrada da Cidade do ano de 2008 aponta que os elementos que a capital

catarinense possui “como, infraestrutura, recursos naturais preservados,

qualidade de vida, segurança, entre outros fatores, são sem dúvida, uma

atração incomparável para o migrante.”. Ainda o mesmo plano diretor

aponta que o perfil do migrante interno que vem para a Ilha de Santa

Catarina seria não somente as pessoas da área rural pobre e não

qualificados, mas também indivíduos das classes média e alta, com nível

superior completo e geralmente oriundos dos grandes centros urbanos do

país. O que se pode verificar é que geralmente esses migrantes são

provenientes de cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio

Grande do Sul, Paraná, entre outras. Ainda o plano continua descrevendo

que os motivos dessa vinda de migrantes internos para a capital catarinense

seria por motivos de estagnação das atividades econômicas em seus locais

de origem e ou por melhor qualidade de vida, o que este processo

migratório vem produzindo um incremento populacional significativo e

crescente na cidade de Florianópolis. (IPUF, 2008, p. 57).

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hoje, que é uma coisa que eu estou sentindo

falta que é uma infraestrutura, pois em Porto

Alegre tem uma infraestrutura bem melhor do

que em Florianópolis. Acredito que de repente

isso também é por causa desse grande êxodo,

desse grande número de pessoas que vieram

morar em Florianópolis e de repente a cidade

não está mais comportando esse número de

pessoas. (MULITERNO, 2014, p. 1-2).

A partir deste depoimento, fica evidente quando a

entrevistada afirma que veio para a Ilha de Santa Catarina pelo

aspecto da qualidade de vida. Desta forma, ao selecionar o que

do passado é importante pode-se adequar ao tempo presente.

Aqui no caso observa-se não um aspecto desinteressado, mas

que se volta para um aspecto vendido pelas propagandas de

turismo. Sendo assim, ainda verifica-se no relato da

entrevistada que o crescimento populacional na cidade de

Florianópolis vem ocorrendo com a vinda de migrantes

internos geralmente advindos do interior de Santa Catarina e de

outros estados brasileiros. Pois, na década de 1990, o “turismo

de sol e mar” consolidou-se no município, tornando-o um dos

principais polos turísticos do Brasil e do Mercosul. Logo, a

expansão da cidade e da infraestrutura de apoio ao turismo

preencheu as áreas continentais e dirigiu-se a todas as áreas

balneárias. (Plano Diretor Participativo – Leitura Integrada da

Cidade, 2008, p. 103).

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Dessa forma, pode-se compreender que o

acontecimento da derrubada do Bar do Chico no ano de 2010,

foi a destruição de um lugar que buscava preservar o bairro

contra o desenvolvimento urbano que se alastrou na cidade de

Florianópolis em direção ao Campeche, de forma a incentivar a

construção e à incorporação imobiliária que, juntamente com o

turismo, emprestaram maior dinamismo à construção de

imóveis. Em complemento, um grande contingente de pessoas

veio para cidade, sendo parte dele constituído por indivíduos de

elevado capital social e econômico, aproveitando assim as

ofertas de trabalho ou mesmo as condições de vida menos

estressantes em comparação a centros como Porto Alegre, São

Paulo ou Rio de Janeiro, ocasionando tensões de cunho

sociocultural. (FALCÃO, 2010).

A partir dessa perspectiva pode-se compreender que a

maioria dos migrantes que vem para a Ilha de Santa Catarina

pode usufruir do beach lifestyle133

, ou seja, podem comprar e

adquirir empreendimentos imobiliários. Dessa maneira,

observa-se na cidade de Florianópolis que os condomínios

imobiliários são os aspectos visíveis que fazem parte de um

133 A autora da respectiva pesquisa optou por usar várias vezes o termo

baseado na propaganda do panfleto da empresa imobiliária Buzz,

inteligência imobiliária, pois grande parte dos panfletos de venda dos

condomínios para o bairro do Campeche utiliza-se desse termo. Ver:

Revista Buzz Stile, n° 9 – Outono de 2014.

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movimento social de desenvolver e planejar urbanisticamente a

capital catarinense para a camada social e econômica “A” e

com isso, tornar os empreendimentos imobiliários em

mercadorias para serem produzidas e vendidas para as classes

média e alta.

Portanto, falar das questões de crescimento urbano do

Campeche a partir da promoção de venda do bairro a partir das

propagandas dos empreendimentos imobiliários é compreender

que o acontecimento analisado nesta pesquisa fez parte de um

movimento social que ocorre na cidade de Florianópolis a

partir da ideia de desenvolver e ordenar urbanisticamente a Ilha

de Santa Catarina, e mais especificamente o bairro analisado,

para as camadas sociais e econômicas média e alta e dessa

forma, deixando de lado as propostas de planejamento da

comunidade local.

Page 221: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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4.2 O POINT DO RIOZINHO LOCAL DO SHOW DO BEN

HARPER: SONHAR ACORDADO AGORA VIROU

REALIDADE134

O Beach lifestyle (estilo de vida praiano, em

português) é um modo de viver, uma atitude

que se toma em relação à existência. Morar na

praia deixa as pessoas mais relaxadas, casuais e

alegres. O ritmo é diferente, as prioridades são

outras e o tempo livre é usufruído junto à

natureza, que fornece emoção e energia positiva

para realizar as outras atividades. Mas não

interprete mal. Não estamos falando em

vagabundear o dia todo na praia, sem fazer

nada, apenas curtindo. Estamos falando de uma

vida normal, que inclui trabalho, família e

responsabilidades, mas de um jeito mais leve,

relaxado e prazeroso. Viver o beach lifestyle é

saber priorizar certas atitudes, como o contato

com a natureza, os esportes ao ar livre, os

momentos agradáveis com a família e com os

amigos, o conforto das roupas. (BUZZ,

Inteligência Imobiliária, 2014)

As propagandas fortalecem e fazem parte do discurso

capitalista, dessa maneira definindo funções para as cidades e

por consequências para os governos estaduais e municipais

locais, no caso específico de Florianópolis. As mensagens

publicitárias buscam inserir as localidades na esfera da

globalização da economia e para que esta finalidade seja

134 Título baseado na propaganda do panfleto da empresa imobiliária Reyes

Barreiros, Construções ver: Panfleto Reyes Barreiros, Construções – Jazz

Village I, II, III.

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garantida utiliza-se dos constantes investimentos e

consumidores, no caso estes são os migrantes internos e ou

como se refere à antropóloga Marcia Fantin (2000) das pessoas

de “fora”, dessa forma a capital catarinense insere-se no

processo de competição entre as cidades que passam a ser

tratadas como empresas. Sendo assim, a cidade de

Florianópolis passa a apresentar uma imagem manipulada para

o mercado imobiliário tornando-se assim a construção de uma

cidade-empresa. (SUGAI, 2015).

Figura 11 – Foto acervo da autora. Esta fotografia é do ano de

2015 e mostra os conflitos da expansão da urbanização no

bairro do Campeche.

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A fotografia acima monstra várias placas de venda da

casa da moradora, há mais de trinta vivendo no Campeche e

depoente dessa pesquisa, Ires Buratti de Souza que afirma

durante a entrevista que está vendendo a sua casa por dois

motivos: o primeiro seria a falta de condições financeiras de se

manter atualmente no bairro, até porque, “a grande maioria do

contingente de excluídos da região tem se fixado fora da Ilha e

os nativos e menos favorecidos vêm perdendo lugar nos

balneários mais atrativos para os grandes investimentos.”

(BUENO, 2007, p. 132). E a segunda razão seria a invasão de

empreendimentos imobiliários cercando a sua casa. Sendo

assim, os conflitos da expansão da urbanização presentes no

bairro do Campeche ficam compreensíveis na ideia que a

localização da terra ou dos condomínios é que torna importante

para a especulação imobiliária, pois esta entende que as

melhores localizações é que promovem o aumento dos preços e

por consequência a valorização dos empreendimentos em

determinados lugares da cidade. Como aponta a entrevistada e

moradora dessa pesquisa Gabriela de Souza de Oliveira:

Eu penso que se chegar alguém e te oferecer

para comprar o teu terreno que é na beira da

avenida principal e te dar dois apartamentos e te

dá mais um dinheiro, o nativo ainda vende.

Então assim, não se tem aquela consciência

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ainda. Pois, é um crescimento que é inevitável.

O bairro está crescendo e ele vai continuar

crescendo. O que a gente pode fazer é tentar

melhorar de alguma forma e brigar por essas

questões mais básicas, como o saneamento, que

aqui é bem precário. Então, são essas as lutas

que a gente tem que ter agora e a luta que eu

defendo também junto com o Ataíde que seria o

Plano Diretor da Comunidade porque se fores

ver o Plano Diretor da Prefeitura aqui no

Campeche, eles querem passar ruas nos lugares

que não tem muita noção. A gente que mora

aqui nessa rua para chegar à outra rua tem que

dar uma volta gigante. [...] Inclusive a

AMOCAM fazia algumas reuniões. Que eu

acredito que foram até bastantes pessoas da

comunidade e inclusive de pessoas fora. Eu fico

bem impressionada porque são pessoas que

vem de fora e querem lutar por um Campeche

melhor, por uma comunidade melhor, sobre

esse crescimento desordenado. (DE

OLIVEIRA, 2015, p. 5 – 6).

Acerca desta imagem e do que representa a invasão de

condomínios imobiliários na praia do Campeche pode-se

compreender que atualmente o bairro tem sido planejado na

proposta de tornar-se um bairro de alto padrão, parecido aos

moldes do balneário localizado no norte da Ilha de Santa

Catarina, Jurerê Internacional. Se a ideia é de transformar a

cidade de Florianópolis na “Capital Turística do Mercosul” o

bairro deveria se encaixar na proposta d‟A Cidade Nova do

Campeche a qual as suas respectivas reverberações podem ser

sentidas pelos moradores desta localidade, pois de certa forma

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já não conseguem manter um padrão de vida alto esperado para

esta região.

Conforme foi apontado até agora esta busca desta

padronização etilizada para um bairro até poucas décadas atrás

com características rurais propôs tornar a sua paisagem natural

como mercadoria, ou seja, procura-se expandir o crescimento

urbano e turístico no Campeche. Para tal finalidade, como foi

apresentado na seguinte pesquisa, utilizou-se como meio de

divulgar esta região com belezas naturais até então preservadas

a partir das propagandas. Porém, como foi possível analisar ao

se derrubar o Bar do Chico, destrói-se um local de

sociabilidades das pessoas que se identificavam com esse

Campeche com características rurais, ou seja, um bairro que

buscava se manter preservado da urbanização, ao contrário do

que se tem observado a partir do ano de 2000 com a

verticalização intensa do bairro.

De certa forma, a partir do acontecimento que destruiu

o tradicional Bar do Chico, o bairro passa a enfrentar de

maneira evidente o processo de segregação urbana a partir da

mercantilização da terra, onde esta passa a induzir a

urbanização no Campeche. Logo, observa-se que o

desenvolvimento que vem acontecendo, nas últimas décadas,

na Ilha de Santa Catarina, e de forma mais específica no bairro

do Campeche, tem demonstrado que este crescimento não traz

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automaticamente a redução das desigualdades, muito pelo

contrário aumenta-a, e esta se torna perceptível, por exemplo,

na fotografia acima. A partir da fala do entrevistado Lázaro

Bregue Daniel pode-se verificar este contexto.

Eu tenho uma explicação muito forte para isso.

Meu pai, eu sempre discutia com ele sobre

essas questões, ele era a favor do

desenvolvimento e aí quando começou a

construção do condomínio Essence, que era na

frente da casa deles e que eram quinze prédios.

Aí ele não conseguia mais olhar o mar, pois ele

levantava de manhã e a primeira coisa que ele

fazia era olhar. Meu pai era pescador e era

doente pelo mar, ele tinha que ir a praia todos

os dias. E aí quando ele estava doente e já não

tinha as pernas para caminhar até a praia, ele

olhava e dizia para mim “tu tinhas razão sabe,

porque hoje eu não consigo ver o mar, eu para

ver o mar eu tenho que ir lá à praia”. (BREGUE

DANIEL, 2015, p. 14).

As mensagens publicitárias acabam divulgando a bela

natureza da cidade de Florianópolis que acaba sendo uma

forma de atrair pessoas para comprarem empreendimentos

imobiliários que na maioria das vezes são construídos juntos a

praia do Campeche e assim esta torna-se acessível a um

público de pessoas das classes média e alta, pois como no

subtítulo acima “Sonhar acordado agora virou realidade”.

Tal circunstância nos leva a entender que pessoas com

condições econômicas mais baixas podem até estar

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vivenciando esta “realidade”, ou seja, podem até viver na praia

do Campeche, porém acabam por não terem como comprar um

imóvel de alto padrão como, por exemplo, alguns apartamentos

dos condomínios que estão sendo construídos na localidade.

Dessa forma, pode-se notar como a posse de um desses

imóveis acaba conferindo status social e econômico dentro do

processo de segregação urbana e de disputa entre as classes

sociais em torno da mercantilização do ambiente construído.

Ainda, nesta perspectiva analisa-se que as transformações

territoriais indicam um processo real onde a elite controla a

produção do ambiente urbano construído, desta forma gerando

uma segregação espacial onde esta acaba se localizando em

áreas consideradas “nobres” da cidade onde esta oferece a si

própria as melhores condições para a sua própria dominação.

Assim, o “Point do Riozinho” aparece como um desses

locais com status na cidade de Florianópolis e proporciona, a

partir também de propagandas de sua localização, a divulgação

do bairro Campeche. Como neste contexto insere-se a ideia de

que a partir das mensagens publicitárias poderia se atrair

pessoas de outras regiões do estado de Santa Catarina e ou do

Brasil para a compra desses terrenos e ou empreendimentos

imobiliários existentes no bairro. Assim sendo, os melhores

terrenos com excelentes localizações, ou seja, aqueles onde os

condomínios que tem vista de frente para a praia do Campeche,

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ficam com os que podem pagar mais. Como pode-se observar

na fala da entrevistada e moradora do bairro, Alonita Martinho

da Silva:

O Point do Riozinho eu acho que é uma coisa

da mídia comercial porque já estava meio cheio

o pico da Mole. E fizeram uma coisa meio que

Jurerê Internacional para trazer o pessoal que é

mais voltado pro norte da Ilha do que pro sul.

Eu acho que é uma jogada de marketing é isso

que eu penso. (DA SILVA, 2014, p. 3 - 4).

Por isso, percebe-se que a capital catarinense entra na

conjuntura da globalização na qual a localização, no caso da

praia do Campeche, por possuir uma bela natureza torna-se

mercadoria, consequentemente procura-se construir um

conjunto que sustente a imagem colocada à venda, acabando

por formar cidades e ou espaços preservados e com

características que se tornem símbolos da identidade que

compõem o desenvolvimento urbano.

As construções imobiliárias, cada vez mais presentes na

localidade, são os reflexos mais visíveis desse processo de

expansão da urbanização de Florianópolis em direção ao

Campeche. As transformações recentes e crescentes

demonstram que o contexto histórico contemporâneo seria de

um planejamento urbano voltado para o turismo, logo, estes

espaços e suas propagandas estão cheias de informações que se

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remetem a si mesmas, enfatizando o que elas são ou o que seria

interessante que elas fossem.

Assim sendo, começa-se a compreender a importância

que desempenha o plano diretor nesta conjuntura de segregação

espacial e também como campos de lutas que seria o espaço

urbano do bairro do Campeche. O Plano Diretor Participativo

– Leitura Integrada da Cidade, do ano de 2008 aponta que:

É importante salientar ainda que o turismo em

Florianópolis apresenta deficiências em relação

ao padrão de competitividade e de concorrência

de alguns estados brasileiros e, principalmente,

em relação ao padrão internacional. [...] Mas

uma tal expansão jamais ocorreria se a área não

possuísse uma grande riqueza ambiental,

paisagística, histórica e cultural,

incansavelmente destacada, aliás, pelo

marketing turístico. Isso significa que, apesar

da importância do criado aparato de serviços, as

possibilidades do setor de turismo estão

diretamente relacionadas à manutenção e

preservação desses elementos de atividade. A

representatividade do turismo como vetor de

transformação urbana transparece em diferentes

processos testemunhados nas últimas décadas

em Florianópolis. (Plano Diretor Participativo –

Leitura Integrada da Cidade, 2008, p. 112).

Assim sendo, a cidade de Florianópolis transmite a

imagem de ser um lugar repleto de atrativos naturais, e

consequentemente, apresentando um desenvolvimento urbano e

turístico sem riscos socioambientais, além de características

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culturais próprias, aparentemente sem violências e ou

desigualdades sociais e econômicas e ainda com um crescente

fluxo migratório de pessoas de camadas sociais de alta renda.

Dessa forma, para fortalecer este imaginário que se tem

promovido da capital catarinense como modelo de uma cidade

projetada aos padrões de modernização tecnológica

compreende-se que os poderes locais e os grupos empresarias,

aproveitando a oportunidade que a cidade estava sendo

reconhecida como a “Capital Turística do Mercosul” a partir da

década de 1990, desenvolveram uma forte estratégia de

marketing para ampliar o turismo e atrair também os

investimentos internacionais. (SUGAI, 2015).

Além disso, o evento citado no início mostrará que, no

bairro, outros lugares de socialização foram criados a partir da

vinda dos turistas e de pessoas de outras regiões do país para a

cidade de Florianópolis. Dentre eles há o Point do Riozinho,

uma extensão da Praia do Campeche que se tornou lugar de

encontro dos novos moradores da cidade. Recentemente, nos

dias 5 e 6 do mês de fevereiro de 2011, um show promovido

pela cervejaria Skol, com o cantor californiano Ben Harper e

com um público com cerca de oito mil pessoas, teve como

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palco este local que se encontra localizado em uma APP 135

. O

jornalista Cacau Menezes em seu blog fazia propaganda do

Point do Riozinho e também do show do Ben Harper como se

observa na citação abaixo:

Ovacionado, sábado no Pico do Riozinho, Ben

Harper merece agora uma placa: “Aqui Ben

Harper tocou, cantou e encantou. Jamais o

esqueceremos!”. O povo pirou. No inglês, é o

que chamam de sunshine. Algumas vezes a

UCLA, universidade de Los Angeles, já tinha

feito algo parecido nos seus jardins, mas na

beira da praia, com mulheres belíssimas, boas

ondas e muitos surfistas, com ilha de mar

transparente na frente de um palco colorido

montado embaixo das árvores, nunca tinha

visto. Nem em vídeo. Talvez na Austrália,

Hawaii... (Blog do Cacau Menezes, 06 de fev.

de 2011). 136

A relação feita entre os dois eventos foi enfática,

havendo a comunidade do bairro do Campeche questionado a

realização desse show, pois, contraditoriamente, a derrubada do

Bar do Chico recebeu como justificativa o argumento de ser

uma construção que infringia as leis ambientais. Ainda, a

135 Em 1985, dentro de uma política de proteção ambiental, o Município

tombou como patrimônio natural (Decr. Municipal n° 112, 31/05/85) as

várias dunas localizadas no município, dentre as quais, as dunas do

Campeche. 136

Disponível em: <

http://wp.clicrbs.com.br/cacaumenezes/2011/02/06/sunshine-no-

campeche/?topo=52,2,18,,200,67>. Acesso em: 31 de mar. de 2016.

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comunidade contestava que esse show era uma estratégia para

trazer cada vez mais turistas para a Ilha de Santa Catarina e,

principalmente, para a região do bairro Campeche, que vem

sendo alvo de construção de grandes condomínios imobiliários.

Após o acontecimento da derrubada do Bar do Chico,

no ano de 2010, e consequentemente a construção de

empreendimentos imobiliários no bairro Campeche ocorreu o

evento do show do cantor Ben Harper no Point do Riozinho,

em 2011. Esta reverberação do que propõe o Plano Diretor para

a cidade de Florianópolis, ou seja, pensar o ordenamento

espacial da Ilha de Santa Catarina por meio do setor turístico,

através do Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares

Campeche e região, ao qual se opõe ao Plano Comunitário da

Planície do Campeche, proposta para um desenvolvimento

sustentável. Com isso, levando a questionar o processo de

transformação de áreas com formas rurais em urbanas e de

aumento dos índices construtivos, mais adequado a viabilizar

especulações imobiliárias do que realmente ordenar a

ocupação. Como aponta a entrevistada Gabriela Souza de

Oliveira sobre a estratégia de marketing que foi o show do Ben

Harper no Point do Riozinho:

O Point do Riozinho foi um nome que criaram

pro marketing. E resolveram fazer um

marketing onde só vai gente sarada. E criaram

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um point. Eu acho, que por um lado que foi

bom para os donos daquele lugar. Eles

conseguiram levantar aquilo ali, pois aquele

lugar era um espaço bem morto. É um local

ótimo, que eu acho que eles quiseram mais

promover o espaço e a praia. Porque assim

querendo ou não o Show do Ben Harper

chamou muita gente, chamou a atenção do

Brasil todo. E dava para ver nos carros os

panfletos de vendas de novos prédios, de novos

edifícios, aqui no Campeche. Isso foi meio que

planejado. (DE OLIVEIRA, 2015, p. 24 – 25).

O chamado Point do Riozinho é o local, da praia do

Campeche por onde passa o chamado Rio Rafael, conhecido

por ter uma área badalada. Os frequentadores desse espaço são

basicamente turistas e moradores vindos de outros estados do

Brasil. Cabe ressaltar que, conforme as entrevistas, o local

começa a ganhar destaque, pois “o Cacau Menezes começa a

criar essa ideia né” (TAVARES, 2012, p. 8). Como aponta o

entrevistado desta pesquisa Ademir Damasco sobre o lugar:

Agora o Riozinho em si, o espaço dele é

particular. Ele é de uma família. [...] aquele

terreno ali tem dono. Tanto é que eu acho que

entra por um terreno particular também, ele não

tem entrada por ali. [...] O Ben Harper foi um

show feito num lugar particular, entendeu?

(DAMASCO, 2015, p. 26).

O Point do Riozinho ganha força através da imprensa,

pois o jornalista Cacau Menezes, que trabalha na emissora de

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televisão do estado de Santa Catarina, a RBS TV e tem um

blog, afirma que a praia Mole está “perdendo espaço” para um

novo local, o Point do Riozinho. Dessa forma, Cacau Menezes

ajudou a promover este espaço de socialização, que passa a ter

certo status entre a mídia catarinense e na cidade de

Florianópolis.

A partir da propaganda feita pelo influente jornalista,

muitas pessoas que frequentavam a praia Mole acabaram

migrando para o Point do Riozinho. Isso fica evidente em outra

matéria do jornalista, quando ele fala: “Praia Brava e Riozinho

bombando! [...] que o reduto é de novo como você tá vendo a

praia da moda e de lindas gatas nessa Ilha.” 137

.

A praia Mole é também muito conhecida na Ilha de

Santa Catarina pelas belas pessoas que visitam seu local,

compondo um espaço conhecido por ser frequentado por

pessoas jovens e badaladas. 138

A partir do momento em que o

jornalista Cacau Menezes começa a promover a ideia de que o

Point do Riozinho é que está “mais em alta”, ou seja, passando

137 Sobre esta e outras informações a cerca da opinião do jornalista Cacau

Menezes a respeito do Point do Riozinho ver: Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=EjKaN2HO-NI.>. Acesso em: 14 ago.

2012. 138

Sobre esta e outras informações acerca do Point do Riozinho ver:

Disponível em:

<http://www.viagemdeferias.com/florianopolis/praias/leste.php>. Acesso

em: 28 set. 2012.

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a ser muito frequentado por pessoas, aliás, as mais belas da

capital catarinense, cria-se um deslocamento dos

frequentadores da Mole para o Riozinho. Como se observa na

fala do entrevistado Thiago Kahl:

Então, é engraçado porque já chegaram a me

perguntar uma coisa que eu fiquei assim bem

indignado “onde é a praia do Riozinho?”. Daí

eu cheguei e falei para as pessoas “bom praia

do Riozinho eu nunca vi, o que eu sei é que

existe e que tem a praia do Campeche, onde

tem um pequeno metro quadrado, que se

estabeleceu com o nome de Riozinho, mas praia

do riozinho não existe.”. Estão querendo

colocar o Riozinho como se fosse a praia

inteira, a extensão inteira. Então, tudo na vida

tem seus prós e contras, e o que eu acho uma

pena que o investimento ali para aquela área,

pequena área do Riozinho é que tudo parece que

se concentrou ali, eventos, como por exemplo,

o show que tu acabasse de falar, tudo está

acontecendo ali, e assim grandes tribos, como

os que frequentavam a praia Mole, eles

começaram a frequentar o Riozinho. A praia do

Riozinho é onde a beleza dos corpos esculturais

começou a fazer parte daqui. Então, ao mesmo

tempo que eu acho um absurdo, ter esse

enfoque tão grande naquele metro quadrado que

poderia muita coisa ser melhorada e não ser

toda a verba de patrocinadores que ali estavam

só naquela área, que querem fazer tipo um

Jurerê Internacional e o que não é legal.

(KAHL, 2014, p. 6).

A realização de um show internacional nesse novo

espaço de badalação consagrou o lugar de forma definitiva.

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Perceber que se o ponto de encontro da comunidade local do

bairro não é mais o mesmo, cria-se outro ponto de encontro,

reconhecido por ser um espaço “badalado” e procurado

também por turistas e pelos novos moradores do Campeche. A

partir desta ideia pode ser relacionada ao relato de uma das

moradoras do bairro do Campeche.

Então aí aparece, o condomínio Essence com a

passarela deles, até em cima das dunas. É bem

triste isso porque agora nós não temos nenhum

ponto familiar aqui para nós na praia, nós temos

que ir lá ao Point que desfavoreceu todo o lado

antigo do Campeche, que é onde estava o Bar

do Chico. O lado, a parte antiga do Campeche,

onde realmente começou o Campeche. (VAIA,

2014, p. 1-2).

Andando pela beira da praia, o Bar do Chico e o Point

do Riozinho ficavam apenas a alguns metros de distância.

Conforme a reportagem do Jornal Diário Catarinense,

intitulada “Campeche ou Riozinho”, do dia primeiro de

fevereiro de 2011 “Pra quem não conhece bem a ilha pode ficar

a confusão: afinal, o show será na praia do Campeche ou no

Riozinho? Na verdade, nos dois. A praia onde o show está

previsto é a do Campeche, que fica no Sul da Ilha.” (Jornal

Diário Catarinense, 01 de fev. de 2011, p. 5).

O Point do Riozinho criou fama entre os moradores da

Ilha de Santa Catarina e também em outros estados do Brasil, e

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com isso, a cervejaria Skol, marca conhecida em todo o país,

promoveu um sorteio nacional através de seu site, em janeiro

de 2011, para a realização do show do cantor internacional Ben

Harper. Este, que é conhecido por seu estilo de músicas,

também e não somente, surf music, mas o blues, o reggae e o

soul, já havia estado em Florianópolis, onde tocou em 2007, no

local onde hoje é o Stage Music Park, em Jurerê Internacional.

O sorteio era disputado entre as cidades de Maresias, litoral

norte de São Paulo e Búzios no Rio de Janeiro, ao final o Point

do Riozinho acabou vencendo a disputa. (AMARANTE, 2013,

p. 49). Como afirma a moradora do bairro Campeche, Norma

Freitas:

E a campanha foi feita e Florianópolis ganhou.

Então seria um show gratuito, em um espaço

bem pequeno na verdade, para um show da

postura do Ben Harper. A gente até estranhou

como que seria feito um show ali naquele

espaço do Riozinho, que é bem pequeno, mas a

gente achou que seria alguma coisa

proporcional ao espaço, mas foi um evento

gigante, que teve, na minha opinião, uma

jogada de marketing muito grande porque teve

um patrocinador e acabou não sendo um show

de graça, foi um show que tinha que se trocar, ir

num lugar, entrar na internet, uma série de

burocracia e o show foi maior do que o

esperado. Muita gente ficou para fora, eu acho

que o Campeche não tem estrutura para esse

tipo de show que eles fazem aqui, foi muito

intenso, muitos veículos e muita gente ficou

para fora na praia, eu fui uma das que fiquei

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para fora, eu vi muita coisa ali, gente jogando

lixo no Riozinho, gente montando coisa na

restinga, gente sujando a praia. Eu vi tanta

coisa, entendeu e lógico a gente acaba

associando porque na época, o Bar do Chico foi

retirado porque estava na restinga, e hoje eles

fazem esses shows aí e no mesmo local um

pouco mais para frente, com essa mesma

intenção, de quebrar, estragar e nada de

preservação. (FREITAS, 2014, p. 5).

A data do show do Ben Harper estava marcada para os

dias 5 e 6 do mês de fevereiro de 2011 porém, com o anuncio

de sua apresentação, a comunidade do bairro do Campeche

começou a se mobilizar contra, não pela vinda do cantor, mas

pelo fato de este ser realizado na extensão do Point do

Riozinho, considerado uma APP. A partir da fala de Thiago

Kahl, entrevistado e morador do bairro, pode-se observar que o

evento na praia do Campeche representou uma forma de

divulgar a paisagem natural do lugar para as pessoas que

vinham para assistir ao show e dessa forma atrair investimentos

econômicos a partir da compra de imóveis nos condomínios

imobiliários da região.

Então, a Ilha parou de certa forma ou melhor

dizendo o Campeche parou. Filas enormes, a

comunidade de um lado, digamos assim do lado

esquerdo, da parte que não concordava,

indignada. Houve também o próprio

desmatamento para a construção do palco para

poder ter um quórum de pessoas que vieram do

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país inteiro, se não até da América Latina para

assistir esse show do Ben Harper e não foi só

dele foi do Donavom também. Ao mesmo

tempo que a gente tem um show, tem formas de

cultura, quem não quer estar aqui, mas também

eles fazem disso um abuso porque não tem

infraestrutura para enormes shows. A mata

nativa não tem que ser desmatada para poder

essas coisas estarem acontecendo aqui. Isso não

pode acontecer, nesse lado eu sou totalmente

radical, a gente tem que preservar o que a gente

tem. A Ilha como eu já falei está perdendo esse

misticismo, está perdendo essa natureza

deslumbrante com todas essas verticalizações,

com essa grande população, que não tem

suporte e a ilha tem limite. (KAHL, 2014, p. 7).

Quando o Bar do Chico foi destruído pelo motivo de

estar localizado em cima das dunas, ou seja, em APP, alguns

moradores alegaram que seria uma contradição a realização de

um show na localidade. O jornalista do Jornal Diário

Catarinense, Marcos Espíndola, que foi a favor da realização

do show escreveu uma sátira com o título “Por um

„Campetsi‟139

melhor!”, a respeito dos moradores da

comunidade local do Campeche, que reivindicaram a

realização do show do cantor Ben Harper, no Point do

Riozinho que afirma “Não nos esqueçamos da „República

Odara do Campeche‟, aquela turma que vive contrariada com

139 A palavra “Campetsi” escrita pelo jornalista Marcos Espindola, na

matéria do Jornal Diário Catarinense, é a forma como o jornalista está

imitando o sotaque local, dos nativos da Ilha de Florianópolis.

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tudo e todos.” E o jornalista ainda continua afirmando que

“Feliz é o povo do “delirante mundo” do Pascale e do Peixe,

que certamente receberia de braços abertos o Skol Praia

Music.” (Jornal Diário Catarinense, 02 de fev. de 2011, p. 8).

A partir dos comentários dos dois jornalistas podemos

perceber que a mídia parecia se posicionar contra a visão de

alguns moradores da comunidade do Campeche, não

transmitindo esta através da imprensa. Conforme colocado,

parte da comunidade local estava reivindicando que o show

não fosse realizado, respeitando a área de APP. Nesta

perspectiva, na segunda-feira, após o show do Ben Harper, saiu

uma nota no Jornal Diário Catarinense, sobre o

desconhecimento por parte de Ben Harper sobre as

reivindicações a respeito da não realização do show por parte

da comunidade do Campeche “disse que tomou conhecimento

das preocupações dos moradores do Campeche com as

questões ambientais relativas ao festival e endossou: “Depois

do show, vou me endereçar a essas pessoas.” (Jornal Diário

Catarinense, 07 de fev. 2011, p. 8).

Esse desconhecimento por parte do Ben Harper a

respeito dos acontecimentos do bairro, como coloca o artista,

“as preocupações dos moradores do Campeche com as

questões ambientais relativas ao festival”, mostra-se no trecho

da notícia do site da Revista Naipe que Ataíde Silva, também

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um dos entrevistados dessa pesquisa, aponta que “organizou

protestos e gritou alto contra a realização do show em área de

preservação ambiental. A Prefeitura dá atenção a eventos de

grandes corporações e faz pouco caso das necessidades da

comunidade durante o ano. ” 140

As ideias divulgadas pelas propagandas dos

empreendimentos imobiliários e dos condomínios, propõe um

modo de vida baseado na excelência da qualidade de vida na

praia do Campeche e de suas condições naturais. Contudo,

contraditoriamente, áreas de preservação são ameaçadas pela

urbanização e pela especulação imobiliária, que parece não

medir esforços para atrair o público para o Campeche,

realizando um evento para aproximadamente oito mil pessoas

em uma área de APP. 141

As propagandas procuram influenciar a escolha das

pessoas, ressaltando os atrativos do bairro, buscando a vinda

daqueles que desejam se estabelecer na Ilha de Santa Catarina e

mais especificamente na praia do Campeche, a partir da

compra de imóveis. Ao enfatizar as qualidades do Campeche

140 Sobre esta e outras informações a cerca da opinião do show do Ben

Harper no Point do Riozinho ver: Disponível em:

<http://revistanaipe.com/na-rua/a-bonanca/>. Acesso em: 12 nov. 2012. 141

Sobre esta e outras informações do show do Ben Harper ver no blog

Cacau Menezes. Disponível em:

<http://wp.clicrbs.com.br/cacaumenezes/2011/02/01/ingressos-para-o-

show-de-ben-harper/?topo=77,2,>. Acesso em: 11 nov. 2012.

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busca-se, a partir da função apelativa das mensagens

publicitárias contidas nos encartes ou outdoors das construções

imobiliárias do bairro, apresentar a paisagem natural como um

bem de consumo para os futuros moradores.

As construções imobiliárias, cada vez mais presentes no

bairro, são os reflexos mais visíveis desse processo de

expansão da urbanização de Florianópolis em direção ao

Campeche. As transformações recentes e crescentes

demonstram que o contexto histórico contemporâneo seria a de

um planejamento urbano voltado para o turismo, contra o qual

a comunidade do Campeche luta. Os moradores mais antigos

visam uma organização com participação própria, onde haja a

possibilidade de manutenção das belezas naturais do bairro e

de certa maneira, da Ilha de Florianópolis, ou seja, sem a

modificação desses espaços para construções de

empreendimentos imobiliários.

Além disso, os eventos analisados mostraram que no

bairro outros lugares de socialização foram criados a partir da

vinda dos turistas e de pessoas de outras regiões do país para a

cidade de Florianópolis. Como foi apresentado o Point do

Riozinho, extensão da Praia do Campeche, se tornou ponto de

encontro dos novos moradores da cidade. Cabe ressaltar ainda

que quando ocorreu à derrubada do Bar do Chico destruiu-se o

ponto de encontro e ou socialização dos moradores da

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comunidade que se identificavam com o Campeche por causa

das relações de sociabilidades e parentesco que ocorria naquele

local.

Portanto, neste capítulo foi possível analisar que nas

propostas de ordenamento para o Campeche existiram as

reações contrárias: embates e crises entre os moradores

considerados locais e os "de fora", houve a segregação urbana e

a venda dos terrenos, pichações, movimentos contra as grandes

construções, movimento contra o show do Ben Harper. E a

partir, disso pode-se analisar que o acontecimento da derrubada

do Bar do Chico fez parte desta conjuntura de urbanização que

buscava planejar o bairro.

O processo de urbanização do interior da Ilha de Santa

Catarina, mais especificamente do bairro Campeche, teve por

consequências a ocorrência de movimentos sociais, ecológicos

e também urbanos que se mais assemelharam as reações

contrárias a esse crescimento espacial da região. Dessa forma,

pode-se compreender e analisar que o acontecimento analisado

nesta dissertação se inseriu neste contexto de propostas de

planejamento para a localidade. Como se observa na fala da

entrevistada Carmen Susana Tornquist:

O Campeche, é um bairro que tem uma tradição

de resistência, conseguiu barrar por muitos anos

esse avanço e acho que está barrando ainda

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apesar de não muito, mas consegue pelo menos

deter um pouco dessa voracidade do capital,

mas o que eu acho mais triste e que dá vontade

de chorar mesmo quando a gente vai lá é que a

gente vê que não tem um monte de gente

morando nos condomínios. É especulação

imobiliária e quando a gente liga para esses

empreendimentos, um aluno meu fez essa

pesquisa, e ele ligava para as imobiliárias e a

primeira coisa que as imobiliárias falam, os

agentes, perguntam é para morar ou para

investir? Então, isso é o mais terrível de tudo

porque a gente poderia dizer que são pessoas

morando, a sociedade é capitalista, vem gente

com grana de outros lugares, mas ou é segunda

moradia ou nem isso. (TORNQUIST, 2016).

A proposta d‟A Cidade Nova do Campeche, como

apontado desde o início deste capítulo não foi posta em prática,

porém o bairro foi se transformando a partir de características

urbanas e isso acabou gerando repercussões e até mesmo os

movimentos sociais contrários a esta forma de ordenamento

sem consensos entre o plano do IPUF e as ideias da

comunidade local para a região.

Assim sendo, pensar que o acontecimento aqui

analisado insere-se na perspectiva da História do Tempo

Presente foi a de compreendê-lo que este faz parte de um

tempo passado ainda recente e que se projeta para um futuro

próximo, ou seja, como se as três dimensões temporais

estivessem interligadas, o que para o filósofo alemão Reinhart

Koselleck “as três dimensões temporais se conjugam na

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presencialidade da existência humana, ou, como dizia

Agostinho, em seu animus. O tempo só está presente como

algo sempre esquivo: o futuro, na expectatio futurorum, o

passado, na memoria praeteritorum.” (KOSELLECK, 2014, p.

231).

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa partiu da análise do acontecimento

recente da derrubada do Bar do Chico, no ano de 2010. Assim,

através da perspectiva da História do Tempo Presente pôde-se

pensar que a ciência histórica não se limita apenas às

interrogações do passado. É através dela que se busca estudar

os acontecimentos do presente, a fim de se levantar hipóteses

para sua compreensão. Este estudo buscou possibilitar a

explicação de fatos atuais e não apenas a disseminação de sua

informação, para que questões acerca de suas problemáticas

possam ser compreendidas e utilizadas posteriormente.

Um dos métodos utilizados foi a História Oral, uma

questão importante ao pensar sobre o uso desta metodologia foi

que ela, diferente da narrativa do historiador, acaba por resultar

em narrativas com um tempo fugidio. Nela, as diversas

estruturas de tempo se combinam, então há um fluxo livre de

associações no qual o entrevistado não cumpre exatamente uma

sequência linear cronológica. Outro ponto central na História

Oral, nesta pesquisa, foi a posição do historiador frente às

fontes vivas. No caso da entrevista com Seu Chico, o

personagem de destaque nesta análise histórica, foi motivo de

grande preocupação a forma como seria abordada a questão de

seu bar, pois já se sabia que isso lhe causava muita tristeza.

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Além disso, a metodologia da História Oral possibilitou a

percepção de que a memória modela e ao mesmo tempo é

modelada para produzir uma narrativa num sentido coletivo.

Pois, a partir dela foi possível analisar as várias formas de ver a

cidade e a urbanização no bairro do Campeche em sua

respectiva temporalidade e ou período histórico. Pode-se

afirmar, com base na análise do histórico do plano diretor para

Florianópolis e para o Campeche, que tornou-se perceptível o

processo da expansão da urbanização da cidade em direção ao

bairro, em uma transformação acelerada e tardia. Na região

central da Ilha de Santa Catarina, esse planejamento urbano já

havia começado desde a década de 1950 do século XX.

Possibilitando, assim, a compreensão de que a região interior

da Ilha em relação à área central, só recentemente vem

sofrendo expressiva transformação urbana.

A trajetória histórica da cidade de Florianópolis

evidencia o desenvolvimento de políticas e mensagens alusivas

ao potencial turístico-econômico da Ilha de Santa Catarina.

Desde a década de 1950 já se identificavam discursos que

evocavam a Florianópolis Turística para projeção dos atributos

naturais da região e estabelecimento de atividades e serviços

para os visitantes.

Assim, a partir da análise dos planos diretores para

Florianópolis foi possível observar a transformação dos bairros

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e balneários do interior da Ilha de Santa Catarina, que

cresceram acompanhando o desenvolvimento da cidade. Além

disso, é notável que a partir da década de 1990 também se

buscou atender o projeto de ocupação elaborado pelo IPUF.

Desde a implantação do plano diretor, a configuração da cidade

de Florianópolis e, consequentemente, dos bairros começou a

sofrer transformações significativas.

Historicamente, verificou-se, através da análise do

plano diretor, que o slogan “Florianópolis Capital Turística do

Mercosul” faz parte de uma trajetória de discursos e políticas

institucionais adotadas para a promoção da capital catarinense.

Sendo assim, o bairro do Campeche, localizado na região Sul

da Ilha de Santa Catarina, a partir do final da década de 1980,

inicia um plano de urbanização voltado para esta perspectiva.

Esta tentativa de introduzir o Campeche, uma região até então

rural, em uma proposta de urbanização seria a de organizar um

espaço com novas características físicas, sociais, econômicas,

legais e administrativas.

A partir do Plano de Desenvolvimento da Planície

Entremares, Campeche e região elaborado pelo IPUF no ano

de 1989, foi possível analisar que este teve como consequência

a estratégia de promover o crescimento urbano da cidade de

Florianópolis e sua inscrição no mercado turístico em nível

nacional e internacional. Com isso, incentivava a vocação

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turística e o desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia

para o bairro do Campeche.

As ideias de urbanização, que procuraram fazer de

Florianópolis uma Tecnópolis, a partir do Plano Específico do

Parque Tecnológico do Campeche de 1992 foi concebido como

proposta destas políticas. Pois, logo após o ano de 1991, a

prefeitura de Florianópolis alcunhou a cidade como “Capital

Turística do Mercosul” e acabou definindo uma política de

parques tecnológicos. A concepção final poderia ser

considerada o plano de desenvolvimento de uma cidade-nova

no Campeche, uma cidade baseada em turismo e alta

tecnologia e plenamente capacitada a colocar Florianópolis no

século XXI.

A proposta que o IPUF buscou construir para o bairro

d‟A Cidade Nova do Campeche, no qual o objetivo era

conceber um projeto completo para a criação de um parque

tecnológico de porte na região do Campeche, acabou não sendo

realizado. Porém, a forma como o bairro vem sendo ordenado,

do ano de 2000 a 2011, seria, de certa forma, consequência da

falta de consenso entre as duas propostas apresentadas nesta

análise. Pois, ao mesmo tempo em que o bairro do Campeche

está sendo urbanizado verticalmente através de condomínios de

alto padrão, ainda percebe-se um bairro sem infraestruturas

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básicas, ou seja, ainda existe uma composição rural e urbana

em sua paisagem.

Dessa forma, essa pesquisa apresentou uma atualização

sobre o debate relacionado a projeção de Florianópolis como

destino turístico nacional e internacional. Foi possível verificar

que a decadência de atividades tradicionais impulsionou a

formação de discursos e políticas preocupadas com o turismo e

que, gradativamente, a mídia e a publicidade passaram a atuar

como agentes na consolidação dessa atividade econômica,

principlamente após a projeção da cidade como “Capital

Turística do Mercosul”.

Pode-se perceber que houve um interesse expressivo no

bairro durante a expansão urbana de Florianópolis e que isso é

notório diante da quantidade de propagandas de venda dos

empreendimentos imobiliários que puderam ser levantadas.

Diante de uma conjuntura da cidade de Florianópolis que se

volta para o desenvolvimento, até mesmo o Campeche entra

nesse contexto e passa a ser alvo também de uma demanda de

turismo que é muito valorizada no sentido de mercado, de

movimentação econômica, ou seja, de Cidade à venda.

A pesquisa a respeito das propagandas presentes nos

encartes e outdoors dos empreendimentos imobiliários no

Campeche e a utilização destas como fontes, mostraram que

são destinadas a atrair mais pessoas para o bairro, a qual

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possibilitou a vinda de muitos migrantes de outras regiões do

país, em busca de tranquilidade e qualidade de vida junto à

natureza. Ao se deparem com as muitas belezas naturais da Ilha

de Santa Catarina acabam por se encantar pelo estilo de vida da

cidade e por consequência, são influênciados por propagandas

que promovem determinadas praias, como é o caso do

Campeche.

Deste modo, as propagandas parecem ter contribuído

nesse processo de divulgação do bairro como um excelente

lugar para se viver, o qual pode proporcionar um melhor modo

de vida através do contato diário e direto das pessoas com esse

ambiente natural da Praia do Campeche. Assim, ao se pensar

nesta perspectiva da expansão da urbanização da cidade em

direção ao bairro foi projetada como uma proposta das relações

sociais produzidas sob a ótica do sistema político e econômico

do capitalismo.

Dessa maneira, verificou-se que os discursos d‟A

Cidade Nova acabaram e passam a ter os de venda da região a

partir da perspectiva da “cidade mercadoria”, ou seja, que no

bairro Campeche existe a inteferência do capital financeiro

atuando nesta região. As construções imobiliárias, cada vez

mais presentes no bairro, são os indícios mais visíveis desse

processo de venda de Florianópolis. Ao longo da análise

observou-se no bairro a busca por uma padronização etilizada

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para uma região até poucas décadas atrás com características

rurais e que acabou tornando a sua paisagem natural como

mercadoria, ou seja, procurou-se expandir o crescimento

urbano e turístico no Campeche. Para tal finalidade, como foi

apresentado na seguinte pesquisa, os empreendimentos

imobiliários utilizaram-se das propagandas como meio de

divulgar esta região com belezas naturais.

Além disso, os eventos analisados mostraram que no

bairro outros lugares de socialização foram criados a partir da

vinda dos turistas e de pessoas de outras regiões do país para a

cidade de Florianópolis. Como foi apresentado o Point do

Riozinho, extensão da Praia do Campeche, que se tornou ponto

de encontro também dos novos moradores da cidade.

Assim, o primeiro capítulo permitiu uma análise sobre o

evento da derrubada do Bar do Chico a partir da pesquisa das

memórias dos envolvidos, apreendidas através da metodologia

da História Oral e da abordagem da História do Tempo

Presente. As entrevistas realizadas desvelam mais do que

informações sobre o acontecimento analisado, constituem

relatos das experiências daqueles que participaram, viveram,

presenciaram ou se inteiraram de situações ligadas ao tema e

que puderam fornecer depoimentos significativos. Ainda umas

das considerações a serem feitas se refere à possibilidade de ter

acesso as testemunhas orais. No caso da entrevista realizada

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com Seu Chico (2011), o depoimento trouxe informações

preciosas, pois permitiu refletir o que significou o

acontecimento da derrubada do bar para seu proprietário.

Mesmo que suas respostas foram com “desvio” e “silêncio”, foi

possível interpretar a partir desses gestos que era doloroso, para

Seu Chico, narrar a respeito do evento analisado. E ainda, a

partir dos outros entrevistados foi possível compreender os

vários significados do acontecimento analisado.

O segundo capítulo teve como foco central a análise da

retomada do processo inicial de urbanização da Ilha de Santa

Catarina, que permitiu observar o desenvolvimento da

modernização da cidade, apresentando como foco a parte do

centro. Assim, foi possível verificar sobre as características

desse desenvolvimento para a capital catarinense. O Plano

Diretor dos Balneários e Interior da Ilha de 1985 permitiu

observar um primeiro estudo das características da estrutura do

bairro do Campeche na década de 1980. Pois, até então, os

planejamentos urbanos consideravam outras regiões da Ilha

mais interessantes para pensar um ordenamento. A partir do

Plano Diretor de Desenvolvimento da Planície Entremares

para o bairro Campeche, foi possível entender que o processo

de planejamento da urbanização serve como tentativa

ordenadora do espaço físico onde refletir a esse respeito

significa também pensar as consequências ambientais, urbanas

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e culturais que ocorreram no Campeche enquanto um espaço

com forma rural. Esta tentativa de introduzir o bairro, em uma

proposta de urbanização seria a de organizar um espaço com

novas características físicas, sociais, econômicas, legais e

administrativas. Dessa forma, observou-se que um dos

objetivos dos planos diretores era acabar com as terras de uso

comum e privatizar o espaço, no caso específico, do bairro do

Campeche.

O terceiro capítulo através da problematização das

reminiscências dos depoentes foi possível mostrar significados

atuais ligados à especulação imobiliária, a preservação

ambiental e a dúbia relação entre esta e a modernização e/ou

expansão da urbanização de Florianópolis em direção ao

Campeche. Pois, o capital imobiliário passou a investir no sul

da Ilha de Santa Catarina promovendo o crescimento do bairro

do Campeche que tornou-se destino turístico e residencial.

Nesse sentido foi perceptível o boom imobiliário no Campeche

através da multiplicação de condomínios fechados de alto

padrão.

Portanto, foi possível perceber que as propostas de

transformações dos espaços urbanos, aqui mais

especificamente no bairro, são formadas a partir de embates e

existem contradições nelas. Por isso, o espaço físico das

cidades, passa a ser motivo de disputa de poder entre os grupos

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ordenadores de propostas de planejamentos para o futuro destas

regiões e os residentes destes locais. O estudo dos planos

diretores de Florianópolis e, no caso o da região da planície do

Campeche - em especial o plano diretor vigente desde o ano de

1989: o Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares

para a região do bairro Campeche - teve como objetivo

compreender que as ações do urbanismo buscavam modernizar

o bairro na ideia de Florianópolis tornar-se a “Capital Turística

do Mercosul” e, para isso, o Campeche alteraria suas estruturas

sociais, culturais e ambientais, porém foi através da

interferência do capital imobiliário, que esta região acabou

tornando-se assim uma mercadoria para venda e/ou para

negociações financeiras.

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DOCUMENTO AUDIOVISUAL:

Desculpe pelo Transtorno: A História do Bar do Chico.

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JORNAIS:

A Notícia. Florianópolis, 23 de janeiro de 2000.

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Da Lagoa. Florianópolis, fevereiro de 2000.

Diário Catarinense, 30 de janeiro de 2000.

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Diário Catarinense, 29 de maio de 2002.

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Diário Catarinense, 18 de janeiro de 2009.

Diário Catarinense, 28 de fevereiro de 2009.

Diário Catarinense, 25 de junho de 2010.

Diário Catarinense, 01 de out. de 2010.

Diário Catarinense, 01 de fevereiro de 2011.

Diário Catarinense, 02 de fevereiro de 2011.

Diário Catarinense, 07 de fevereiro 2011.

Diário Catarinense, 23 de agosto de 2014.

Diário Catarinense, 16 de janeiro de 2015.

Diário Catarinense. Florianópolis, 22 de agosto de 2015.

Do Campeche e Sul da Ilha. – Florianópolis, junho de 2015 –

Ano 17 – n° 137.

Fala Campeche. Florianópolis, agosto de 1999.

LISTA DOS ENTREVISTADOS:

BARBOSA, Tereza Cristina Pereira. Entrevista concedida a

Carolina do Amarante. Florianópolis, 14 de jun. de 2015.

Entrevista.

BREGUE DANIEL, Lázaro. Entrevista concedida a Carolina

do Amarante. Florianópolis, 28 de jun. de 2015. Entrevista.

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274

DAMASCO, Ademir. Entrevista concedida a Carolina do

Amarante. Florianópolis, 19 de abr. de 2015. Entrevista.

DANIEL, Francisco Alexandrino. Entrevista concedida a

Carolina do Amarante, Hellen Martins Rios e Patrícia

VolkSchatz. Florianópolis, 14 de mai. de 2011. Entrevista.

DA SILVA, Alonita Martinha. Entrevista concedida a Carolina

do Amarante. Florianópolis, 27 de out. de 2014. Entrevista.

FREITAS, Norma. Entrevista concedida a Carolina do

Amarante. Florianópolis, 23 de ago. de 2014. Entrevista.

KAHL, Thiago. Entrevista concedida a Carolina do Amarante.

Florianópolis, 07 de set. de 2014. Entrevista.

MULITERNO, Deise Amarante. Entrevista concedida a

Carolina do Amarante. Florianópolis, 12 de out. de 2014.

Entrevista.

OLIVEIRA, Gabriela Souza de. Entrevista concedida a

Carolina do Amarante. Florianópolis, 13 de abr. de 2014.

Entrevista.

ROCHA, Eduardo Daniel. Entrevista concedida a Carolina do

Amarante. Florianópolis, 30 de ago. de 2012. Entrevista.

SILVA, Ataíde. Entrevista concedida a Carolina do Amarante.

Florianópolis, 28 de mai. de 2015. Entrevista.

SOSTIZZO, Ivo Entrevista concedida a Carolina do Amarante.

Florianópolis, 12 de ago. de 2015. Entrevista.

SOUZA, Ires Buratti de. Entrevista concedida a Carolina do

Amarante. Florianópolis, 11 de abr. de 2015. Entrevista.

Page 275: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

275

STAHL, Roberta Barreto Viana. Entrevista concedida a

Carolina do Amarante. Florianópolis, 12 de out. de 2014.

Entrevista.

TAVARES, Elaine. Entrevista concedida a Carolina do

Amarante. Florianópolis, 29 de ago. de 2012. Entrevista.

TORNQUIST, Carmen Susana. Entrevista concedida a

Carolina do Amarante. Florianópolis, 01 de abr. de 2016.

Entrevista.

VAIA, Clarissa de Melo. Entrevista concedida a Carolina do

Amarante. Florianópolis, 27 de out. de 2014. Entrevista.

WIEST, Gabriela. Entrevista concedida a Carolina do

Amarante. Florianópolis, 05 de out. de 2014. Entrevista.

WIGGANIGO, Ana Honorata. Entrevista concedida a Carolina

do Amarante. Florianópolis, 31 de ago. de 2012. Entrevista.

PANFLETOS DE PROPAGANDAS IMOBILIÁRIAS:

Anúncio de venda, do condomínio imobiliário Essence.

Disponível em: <http://essencecampeche.com.br/>. Acesso em:

30 set. 2012.

Propaganda impressa em panfleto da empresa imobiliária Buzz,

inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 7 – Verão

2013. p. 26.

Propaganda do panfleto da empresa imobiliária Buzz,

inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 9 – Outono

de 2014.

Page 276: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

276

Propaganda impressa em panfleto da empresa imobiliária Palm

Beach Residence Campeche, ver: Panfleto Venha morar no 1°

Condomínio Clube do Campeche Sul, 2014.

Propaganda impressa em catálogo turístico da Prefeitura de

Florianópolis, ver: Catálogo Florianópolis a cidade mais

querida do Brasil, 2014.

Propaganda impressa em catálogo turístico da SANTUR

(Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte), ver:

Catálogo Santa Catarina, Brasil: melhores destinos, 2014.

Propaganda da revista Ideal Floripa, ver: Revista Ideal Floripa,

n° 13 – 2016.

Propaganda faz parte do panfleto da empresa imobiliária

Construtora da ilha, ver: Catálogo “Construtora da ilha:

material provisório”.

Propaganda do panfleto da empresa imobiliária Punta Ballena:

Beach Residence, ver: Catálogo Punta Ballena: Beach

Residence.

Propaganda do panfleto da empresa imobiliária Reyes

Barreiros, Construções ver: Panfleto Reyes Barreiros,

Construções – Jazz Village I, II, III.

Propaganda do panfleto do condomínio residencial Vila Itararé,

ver: Panfleto Vila Itararé.

REVISTAS:

Revista Viagem e Turismo: Florianópolis, Garopaba e Praia do

Rosa: o Réveillon e o verão mais que maneiros no litoral classe

A de Santa Catarina, o estado campeão do Prêmio VT

2012/2013, dez. 2012.

Page 277: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

277

Revista Viagem e Turismo: Guia 101 lugares para ser feliz,

2014 - 2015.

SITES:

Blog Virtual Cacau Menezes, 16 de jul. de 2010.

Blog Virtual Cacau Menezes, 06 de fev. de 2011.

Disponível em:

<http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/diario/pdf/13_06_2011_1

7.46.01.6eec266cbad7ad5773992964e4b61bd2.pdf> Acesso

em: 15 jun. 2011.

Disponível em

<sistemas.sc.gov.br/cmf/pesquisa/docs/2006/LPMF/LEI7040_

06.doc> Acesso em: 15 jun. 2011.

Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=EjKaN2HO-NI.>. Acesso

em: 14 ago. 2012.

Disponível em:

<http://www.viagemdeferias.com/florianopolis/praias/leste.php

>. Acesso em: 28 set. 2012.

Blog Elaine Tavares: Palavras Insurgentes. Disponível em:

<http://eteia.blogspot.com.br/2010/07/derrubaram-o-bar-do-

chico-mas-ele.html>. Acesso em: 24 out. 2012.

Disponível em:

<http://www.obaoba.com.br/florianopolis/bar/rio-

tavares/sufocos-bar>. Acesso em: 25 out. 2012.

Page 278: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

278

Disponível em:

<http://www.quadropolitico.com.br/DadosCandidato/2715980/

LAzaro-Bregue-Daniel>. Acesso em: 11 nov. 2012.

Disponível em:

<http://wp.clicrbs.com.br/cacaumenezes/2011/02/01/ingressos-

para-o-show-de-ben-harper/?topo=77,2,>. Acesso em: 11 nov.

2012.

Disponível em: <http://revistanaipe.com/na-rua/a-bonanca/>.

Acesso em: 12 nov. 2012.

Disponível em:

<http://www.globalgarbage.org/turmapontocom/2011/02/04/ca

mpeche-se-mobiliza-contra-mega-exploracao/>. Acesso em: 01

mar. 2013.

INSTITUTO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE.

Disponível em: <

http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=420

5407>. Acesso em: 21 de mar. de 2016.

Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&

artigo_id=1875 >. Acesso em: 23 mar. 2016.

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279

ANEXOS

ROTEIRO DE ENTREVISTAS “A DERRUBADA DO

BAR DO CHICO NO BAIRRO CAMPECHE: EMBATES

DE UMA HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE EM

FLORIANÓPOLIS (1989-2011)”

1- Qual seu nome todo?

2- Quantos anos você tem?

3- Qual a sua profissão?

4- Nasceu em Florianópolis?

5- Mora há quanto tempo no bairro do Campeche?

6- O que pensa das transformações ocorridas no bairro

Campeche (nos últimos dez anos)?

7- O que pensa da quantidade de condomínios construído

no bairro Campeche (nos últimos dez anos)?

8- Acredita que o bairro Campeche vem acompanhando o

crescimento de Florianópolis?

9- O que pensa sobre o acontecimento da derrubada do

Bar do Chico no bairro Campeche?

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280

M O D E L O 1

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA -

UDESC

GABINETE DO REITOR

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO

SERES HUMANOS – CEPSH

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO

O (a) senhor(a) está sendo convidado a participar de

uma pesquisa de iniciação científica, de mestrado, intitulada A

derrubada do Bar do Chico no bairro Campeche: embates de

uma História do Tempo Presente em Florianópolis (1990-

2010), que fará entrevista, tendo como objetivo investigar, a

partir da "derrubada do Bar do Chico" em 2010 – no bairro do

Campeche, localizado na cidade de Florianópolis (SC) – a luta

pelo direito à cidade, configurada pela especulação imobiliária

e pelas disputas políticas em Florianópolis, envolvidas no

processo de instalação, derrubada e esforço pela preservação de

sua memória. Com isso, identificar a partir do evento citado as

dinâmicas e consequências das transformações urbanas no

Campeche e assim contribuir para os estudos sobre as cidades

no período contemporâneo de 1990 a 2010. Serão previamente

marcados a data e horário para perguntas, utilizando entrevista.

Estas entrevistas serão realizadas na UDESC/FAED e não

haverá custo nenhum para os participantes. Não é obrigatório

responder a todas as perguntas.

Os riscos destes procedimentos serão mínimos, pois

envolverão entrevistas relacionadas à expansão e ou

crescimento da cidade de Florianópolis em direção ao bairro do

Campeche onde poderá haver emoção e até outras atitudes e ou

gestos por parte dos entrevistados. Porém, por envolver

questões ligadas a partir das memórias dos envolvidos, os

possíveis constrangimentos e dúvidas serão minimizados

Page 281: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

281

M O D E L O 1

através do apoio do pesquisador e de esclarecimentos da

pesquisa.

A sua identidade será preservada, pois cada indivíduo

será identificado por um número.

Os benefícios e vantagens em participar deste estudo

serão de caráter indireto, pois apresentará benefícios a

comunidade do bairro Campeche, uma vez que serão

analisadas as sociabilidades que foram se organizando em

torno do Bar do Chico, bem como a cultura ilhéu. Além disso,

a pesquisa permitirá discutir temas como o direito à cidade, a

especulação imobiliária e nas disputas políticas em

Florianópolis.

As pessoas que estarão acompanhando os

procedimentos serão os pesquisadores a estudante de mestrado

Carolina do Amarante, a professora e a pesquisadora

responsável Luciana Rossato, a qual o cpf é: 716.164.110-15; o

telefone para contato é: (48) 9149-9098 e o email é:

[email protected]; e que são historiadores.

O(a) senhor(a) poderá se retirar do estudo a qualquer

momento, sem qualquer tipo de constrangimento.

Solicitamos a sua autorização para o uso de seus dados

para a produção de artigos técnicos e científicos. A sua

privacidade será mantida através da não-identificação do seu

nome.

Este termo de consentimento livre e esclarecido é feito

em duas vias, sendo que uma delas ficará em poder do

pesquisador e outra com o sujeito participante da pesquisa.

Agradecemos a sua participação.

NOME DO PESQUISADOR PARA CONTATO: Carolina do

Amarante

NÚMERO DO TELEFONE: (48) 9621-7337 ou (48) 3237-

4076.

ENDEREÇO: Rua do Gravatá, n° 99, CEP: 88063-530,

Campeche, Florianópolis (SC).

Page 282: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

282

M O D E L O 1

ASSINATURA DO PESQUISADOR:

Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos –

CEPSH/UDESC

Av. Madre Benvenuta, 2007 – Itacorubi – Fone: (48)3321-8195

– e-mail: [email protected]

Florianópolis - SC

88035-001

TERMO DE CONSENTIMENTO

Declaro que fui informado sobre todos os

procedimentos da pesquisa e, que recebi de forma clara e

objetiva todas as explicações pertinentes ao projeto e, que

todos os dados a meu respeito serão sigilosos. Eu compreendo

que neste estudo, as medições dos experimentos/procedimentos

de tratamento serão feitas em mim, e que fui informado que

posso me retirar do estudo a qualquer momento.

Nome por extenso ___________________________________

__________________________________________________

Assinatura _________________________________________

Local: __________________ Data: ____/____/____ .

Page 283: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

283

M O D E L O 2

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA -

UDESC

GABINETE DO REITOR

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO

SERES HUMANOS – CEPSH

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO

O(a) seu(ua) filho(a)/dependente está sendo convidado

a participar de uma pesquisa de iniciação científica, de

mestrado, intitulada A derrubada do Bar do Chico no bairro

Campeche: embates de uma História do Tempo Presente em

Florianópolis (1990-2010), que fará entrevista, tendo como

objetivo investigar, a partir da "derrubada do Bar do Chico" em

2010 – no bairro do Campeche, localizado na cidade de

Florianópolis (SC) – a luta pelo direito à cidade, configurada

pela especulação imobiliária e pelas disputas políticas em

Florianópolis, envolvidas no processo de instalação, derrubada

e esforço pela preservação de sua memória. Com isso,

identificar a partir do evento citado as dinâmicas e

consequências das transformações urbanas no Campeche e

assim contribuir para os estudos sobre as cidades no período

contemporâneo de 1990 a 2010. Serão previamente marcados a

data e horário para perguntas, utilizando entrevista. Estas

entrevistas serão realizadas na UDESC/FAED e não haverá

custo nenhum para os participantes. Não é obrigatório

responder a todas as perguntas.

Os riscos destes procedimentos serão mínimos, pois envolverão

entrevistas relacionadas à expansão e ou crescimento da cidade

de Florianópolis em direção ao bairro do Campeche onde

poderá haver emoção e até outras atitudes e ou gestos por parte

dos entrevistados. Porém, por envolver questões ligadas a partir

das memórias dos envolvidos, os possíveis constrangimentos e

Page 284: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

284

M O D E L O 2

dúvidas serão minimizados através do apoio do pesquisador e

de esclarecimentos da pesquisa.

A identidade do(a) seu(ua) filho(a)/dependente será

preservada, pois cada indivíduo será identificado por um

número.

Os benefícios e vantagens em participar deste estudo

serão de caráter indireto, pois apresentará benefícios a

comunidade do bairro Campeche, uma vez que serão

analisadas as sociabilidades que foram se organizando em

torno do Bar do Chico, bem como a cultura ilhéu. Além disso,

a pesquisa permitirá discutir temas como o direito à cidade, a

especulação imobiliária e nas disputas políticas em

Florianópolis.

As pessoas que estarão acompanhando os

procedimentos serão os pesquisadores a estudante de mestrado

Carolina do Amarante, a professora e a pesquisadora

responsável Luciana Rossato, a qual o cpf é: 716.164.110-15; o

telefone para contato é: (48) 9149-9098 e o email é:

[email protected]; e que são historiadores.

O(a) senhor(a) poderá retirar o(a) seu(ua)

filho(a)/dependente do estudo a qualquer momento, sem

qualquer tipo de constrangimento.

Solicitamos a sua autorização para o uso dos dados

do(a) seu(ua) filho(a)/dependente para a produção de artigos

técnicos e científicos. A privacidade do(a) seu(ua)

filho(a)/dependente será mantida através da não-identificação

do nome.

Este termo de consentimento livre e esclarecido é feito

em duas vias, sendo que uma delas ficará em poder do

pesquisador e outra com o sujeito participante da pesquisa.

Agradecemos a participação do(a) seu(ua)

filho(a)/dependente.

NOME DO PESQUISADOR PARA CONTATO: Carolina do

Amarante

Page 285: CAROLINA DO AMARANTE A DERRUBADA DO BAR DO … · foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa.

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M O D E L O 2

NÚMERO DO TELEFONE: (48) 9621-7337 ou (48) 3237-

4076.

ENDEREÇO: Rua do Gravatá, n° 99, CEP: 88063-530,

Campeche, Florianópolis (SC).

ASSINATURA DO PESQUISADOR:

Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos –

CEPSH/UDESC

Av. Madre Benvenuta, 2007 – Itacorubi – Fone: (48)3321-8195

– e-mail: [email protected]

Florianópolis - SC

88035-001

TERMO DE CONSENTIMENTO

Declaro que fui informado sobre todos os

procedimentos da pesquisa e, que recebi de forma clara e

objetiva todas as explicações pertinentes ao projeto e, que

todos os dados a respeito do meu(minha) filho(a)/dependente

serão sigilosos. Eu compreendo que neste estudo, as medições

dos experimentos/procedimentos de tratamento serão feitas em

meu(minha) filho(a)/dependente, e que fui informado que

posso retirar meu(minha) filho(a)/dependente do estudo a

qualquer momento.

Nome por extenso ___________________________________

__________________________________________________

Assinatura _________________________________________

Local: __________________ Data: ____/____/____ .