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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA– UDESC
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH
CAROLINA DO AMARANTE
A DERRUBADA DO BAR DO CHICO NO BAIRRO
CAMPECHE: EMBATES DE UMA HISTÓRIA DO TEMPO
PRESENTE EM FLORIANÓPOLIS
(1989-2011)
FLORIANÓPOLIS
2016
CAROLINA DO AMARANTE
A DERRUBADA DO BAR DO CHICO NO BAIRRO
CAMPECHE: EMBATES DE UMA HISTÓRIA DO TEMPO
PRESENTE EM FLORIANÓPOLIS
(1989-2011)
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado de Santa
Catarina como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em
História do Tempo Presente (Culturas
políticas e sociabilidades).
Orientadora: Professora Drª. Luciana
Rossato
FLORIANÓPOLIS
2016
Francisco Alexandrino Daniel,
conhecido como "Seu Chico".
(In Memorian)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a oportunidade de poder ter
escrito a história de um ser humano tão querido como foi o Seu
Chico, quem o conheceu sabe o que afirmo. E aos seus
familiares por me incentivarem com tal propósito! E quero aqui
neste espaço também agradecer as pessoas que me estenderam
a mão para que eu pudesse ter chego até aqui! Pois, pode
acreditar, não foi fácil, foi mais um desafio! Aliás, a vida é
feita deles...
Obrigada ao sempre apoio dos meus pais Selma e
Roque! E os meus irmãos Gabriela e Marco, que também me
apoiaram nos estudos, desde criança até esta etapa!
Agradeço também a minha amiga Camila de Oliveira
Easland, que sempre esteve ao meu lado e que me incentivou a
continuar os meus estudos, num momento de dificuldades tive
seu estímulo! Obrigada minha Tradutora Oficial!
Gostaria de agradecer também ao amigo e historiador
Daniel Lunardelli que sempre disse que eu poderia passar no
mestrado! A amiga e historiadora Kelly Yshida que sou muito
grata, pois desde o momento da seleção de mestrado até os
desafios da escrita da pesquisa ela nunca me negou ajuda!
Sempre me estendeu a mão, sinceramente sou muita grata pela
sua sempre atenção e vontade em me ajudar! Obrigada
Kellinha!
A querida amiga Patrícia Volk Schatz que sempre me
incentivou, me escutou e também me ajudou muito dizendo
que o que eu precisasse eu poderia contar com ela! E sua ajuda
sempre esteve presente nesta jornada. Aliás, muito obrigada
por fazer parte desta pesquisa! A amiga Hellen Martins Rios
que juntamente com Patrícia Volk Schatz realizamos a
entrevista com Seu Chico em 2011 e me consentiram a
utilização da entrevista, enfim, sem o apoio de vocês eu não
teria chego até aqui! Obrigada Meninas!
Agradeço a amiga Simone de Novaes Costa Pereira,
pelas tardes com cafezinhos, frutas, chocolates e muitos pães
de queijo e principalmente pela disposição em me ajudar nas
minhas pesquisas acadêmicas e sempre de forma muito
paciente e humilde me ensinando novas perspectivas e olhares
sobre a História. Obrigada Simonezinha!
Agradeço a vizinha e amiga de longa data Monique
Osmarina Daniel que me permitiu conversas, novas
perspectivas sobre o Campeche, que ajudou muito nesta
pesquisa. A amizade dela foi fundamental no período de escrita
desta narrativa!
A amiga faediana, Nadir Machado, pela companhia nas
tardes de pesquisa na Biblioteca Pública do Estado de SC. A
querida Danielle Inomata que tanto me incentivou a fazer a
seleção de Mestrado. E a manézinha do Pântano do Sul mais
divertida, Mariane Martins, por me ajudar na pesquisa com
empréstimos de livros, etc. Agradeço também as palavras de
incentivo do professor Edgar Garcia Junior para eu continuar a
pesquisa iniciada no TCC! E também ao professor Reinaldo
Lindolfo Lohn que também desde a época da graduação me
ajudou muito a encontrar referências bibliográficas sobre o
Campeche e não foi diferente na banca de qualificação!
Aproveito também o espaço para agradecer a todos os
entrevistados desta pesquisa, principalmente por cederem seu
tempo e espaço de suas casas para me receberem! Sem a ajuda
e atenção de todos vocês com certeza essa pesquisa não teria
acontecido!
E não podia faltar o agradecimento aos colegas da
turma de Mestrado 2014.2 que tornaram as disciplinas mais
leves e as minhas manhãs e tardes mais divertidas. Em especial
aos colegas Assis, Dioguinho, Iarinha, Fabinho, Pami, Tali e
Taninha!
Eu não poderia deixar de agradecer aos professores,
guias deste percurso acadêmico.
Agradeço a Profª Luciana Rossato, minha orientadora
neste Trabalho de dissertação de mestrado. Que aceitou
orientar meu tema! Professora, eu realmente gostei de ter tido
você como orientadora, pois és extremamente correta e
prestativa, e isso faz muita diferença! Nesses dois anos a
relação orientadora e orientanda foi equilibrada e tranquila,
sinceramente não tenho nenhuma reclamação, muito pelo
contrário tenho que agradecê-la pela paciência em me ensinar
de uma maneira geral com as minhas dúvidas e dificuldades
acadêmicas, enfim! Professora continue assim extremamente
pontual também em responder os e-mails, pois nós orientandos
somos seres ansiosos! (hahaha).
Por fim, agradeço também aos professores, Dr.
Emerson César de Campos, o qual desde a época da graduação
acompanhou a minha vontade de pesquisar sobre o Campeche,
e neste momento da dissertação acompanhou o
desenvolvimento do trabalho. Além disso, a disciplina
lecionada por ele e pela Profª Gláucia de Oliveira Assis sobre o
tema de migrações me ajudou bastante na dissertação. E ao Dr.
Carlos José Espíndola, pelas dicas ao longo do trabalho e que
gentilmente mais uma vez aceitou participar de uma banca
minha. E que também já acompanhou a minha pesquisa! Tenho
certeza que seus conselhos serão muito importantes.
A Deus, por essa conquista!
Agradeço a CAPES, pela bolsa que sem dúvida me
ajudou.
“Cada uno da lo que recibe
Y luego recibe lo que da,
Nada es más simple,
No hay otra norma:
Nada se pierde,
Todo se transforma.”
(Trecho da música Todo se transforma, Jorge
Drexler).
RESUMO
Desde a inauguração do Bar do Chico, em 1983, foi construída
uma relação muito íntima entre o seu espaço e grande parte da
comunidade pertencente ao bairro do Campeche, situado no sul
da Ilha de Florianópolis - SC, (Brasil). Como o bairro ainda
iniciava seu processo de urbanização, a falta de infraestrutura e
de empreendimentos de lazer foi responsável por tornar o Bar
um ponto de encontro dos moradores da região. Desta forma,
foi polêmico para a comunidade local quando em 16 de julho
de 2010, o Bar foi derrubado. Dada esta situação, a presente
pesquisa tem como principal finalidade identificar o Bar como
um lugar de sociabilidades e, a partir desse evento, refletir a
luta pelo direito à cidade, configurada pela especulação
imobiliária e as disputas políticas em Florianópolis, envolvidas
no processo de instalação, derrubada e luta por sua memória.
Portanto, procura-se assim relacionar esses acontecimentos
com o contexto de urbanização do Bairro que se inicia a partir
da década de 1990, após a modernização da cidade de
Florianópolis. Para isso, será utilizada a abordagem da História
do Tempo Presente a fim de problematizar questões culturais e
urbanas ocorridas neste processo. Para a compreensão da
conjuntura histórica no que diz respeito ao contexto analisado,
este trabalho se propõe a utilizar da metodologia da história
oral, por meio das várias visões dos moradores do bairro. Além
disso, serão utilizadas outras fontes de análise, como
reportagens de jornais do período, estudos sobre o histórico do
Plano Diretor para a cidade de Florianópolis e para o
Campeche, propagandas das construções imobiliárias
encontradas em encartes ou outdoors, matérias de revistas, e
sites da internet relacionados ao tema.
Palavras-chave: Campeche. Bar do Chico. Urbanização.
Disputas Políticas.
ABSTRACT
Since Chico‟s Bar opened in 1983, it has created a very
intimate relationship with the residents of the neighborhood of
Campeche, in the South of Florianopolis Island- SC (Brazil).
As the neighborhood was still becoming urbanized, the lack of
infrastructure and leisure establishments were responsible for
Chico‟s Bar becoming a meeting place for the residents of the
region. For this reason, it was controversial within the
community when the bar was demolished in July 16th 2010.
Given the situation, this research paper‟s purpose is to identify
Chico‟s Bar as a social meeting point, and after its destruction,
reflect on the residents‟ rights in the city set against real estate
speculation and Florianopolis‟ political disputes, involved in
the process of settlement, demolishment, and fight for the
memories of Chico‟s Bar. Thus, this research intends to relate
these events to the context of the neighborhood‟s urbanization,
which started in the 1990s, after Florianopolis‟ modernization
period. In order to achieve this research‟s purpose, the Present
Time History approach will be used to consider cultural, and
urban problems derived from this process. The Oral History
methodology, by way of various community members‟
perspectives will be used for the understanding of the historical
context of the events. In addition, this paper will make use of
journal articles from that period, studies on the history of the
Master Plan for Florianopolis and Campeche, and
advertisements for real estate speculation found in magazines,
billboards, magazines, and websites.
Keywords: Campeche. Chico‟s Bar. Urbanization. Political
Disputes.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Foto do Bar do Chico. Acervo de Lázaro Bregue
Daniel. ..................................................................................... 53
Figura 2 - Foto acervo da família de Seu Chico. A respectiva
foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p.
52), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta
pesquisa. O objetivo da fotografia é mostrar o entrevistado Seu
Chico, figura de destaque no respectivo enredo histórico, em
seu bar na praia do Campeche. Em 13 de junho de 2011, Seu
Chico foi homenageado com a Medalha Manézinho da Ilha
Aldírio Simões. ........................................................................ 62
Figura 3 - Foto acervo da família de Seu Chico. Na fotografia
acima ele aparece ao lado do ator Marcos Palmeira. O local era
frequentado por turistas, além dos próprios moradores do
bairro. (AMARANTE, 2013, p. 39). Segundo o entrevistado
Ademir Damasco “o Seu Chico era uma pessoa muito
carismática, uma pessoa assim cultural, ele era um
multiplicador cultural.” (DAMASCO, 2015, p. 3). ................. 73
Figura 4 – Foto do acervo de Ademir Damasco, morador do
bairro do Campeche e entrevistado nesta pesquisa. Esta
fotografia mostra o Campeche no início da década de 1980.
Até então, a localidade possuía características rurais, como se
observa pela presença das casas rústicas, do chão constituído
de areia da praia e da carroça de boi. ..................................... 116
Figura 5 – Figura produzida por Monique Osmarina Daniel, no
ano de 2015. Localização do bairro do Campeche em
Florianópolis. ......................................................................... 121
Figura 6 – Foto acervo de Geisa Silveira da Rocha, moradora
do bairro do Campeche. ......................................................... 155
Figura 7 – Outdoor de um dos muitos empreendimentos
imobiliários no bairro do Campeche no ano de 2015. A
localidade começa a ser alvo da especulação como se observa,
pela grande quantidade de construções, principalmente
condomínios de alto padrão. Foto acervo da autora. ............. 182
Figura 8 – A fotografia mostra a expansão da urbanização no
bairro do Campeche no ano de 2015, apesar do recorte
temporal desta pesquisa ir até o ano de 2011. Porém, a
localidade começa a apresentar este crescimento imobiliário,
como se observa pela presença dos condomínios e pelas
construções residenciais a partir da década de 2000. Foto
acervo do entrevistado desta pesquisa Thiago Kahl. ............. 190
Figura 9 - Foto acervo da autora. Foto realizada no mês de
outubro de 2014. O objetivo da fotografia é mostrar a pichação
contida no muro dos condomínios imobiliários Essence,
localizado no bairro Campeche. A pichação “Cidade a venda”
demonstra um descontentamento pelas construções de
condomínios imobiliárias no bairro. ...................................... 208
Figura 10 - Foto realizada no mês de outubro de 2014. O
objetivo da fotografia é mostrar as pichações contidas no muro
de um terreno que futuramente será utilizado para a construção
de um condomínio imobiliário da Rua Avenida Pequeno
Príncipe, no bairro Campeche. A pichação “Cidade a venda”
demonstra um descontentamento pelas construções de
condomínios imobiliários no bairro Campeche e a outra
pichação “Hippies $” demonstra a existências desses conflitos
urbanos em Florianópolis. Foto acervo da autora. ................ 211
Figura 11 – Foto acervo da autora. Esta fotografia é do ano de
2015 e mostra os conflitos da expansão da urbanização no
bairro do Campeche. ............................................................. 222
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ......................................................... 25
2. O BAR DO CHICO: UMA ANÁLISE SOBRE OS
EMBATES E AS MEMÓRIAS ................................ 53
2.1 O BAR DO CHICO ..................................................... 61
2.2 AS ENTREVISTAS COM SEU CHICO E OS
NATIVOS DO BAIRRO CAMPECHE ...................... 84
2.3 AS ENTREVISTAS COM OS “DE FORA” QUE
MORAM NO BAIRRO CAMPECHE ...................... 105
3. O BAIRRO DO CAMPECHE: PROJETOS DE
FUTURO A PARTIR DOS PLANOS DIRETORES
APROVADOS ENTRE OS ANOS DE 1989 A
1999 ........................................................................... 115
3.1 O PLANO DIRETOR PARA OS BALNEÁRIOS E O
PLANEJAMENTO DO BAIRRO CAMPECHE ...... 121
3.1.1 A Cidade Nova do Campeche: proposta de
planejamento do IPUF para o bairro .................... 135
3.2 OS MOVIMENTOS COMUNITÁRIOS E AS
DISCUSSÕES DAS PROPOSTAS DOS PLANOS
DIRETORES PARA O BAIRRO DO CAMPECHE 154
4. O DESAPARECIMENTO DA IDEIA D’A CIDADE
NOVA DO CAMPECHE: UMA PERSPECTIVA
DOS FLUXOS CONTEMPORÂNEOS DE
PESSOAS, CAPITAIS E IMAGENS DO
BAIRRO.................................................................... 177
4.1 O BAIRRO DO CAMPECHE: “AQUI É ONDE SEU
SONHO COMEÇA A SE TORNAR REALIDADE -
VIVA O BEACH LIFESTYLE” ............................... 182
4.1.1 “Beach Life Style”: Propagandas turísticas da Praia
do Campeche para “os de fora” do bairro ........... 189
4.2 O POINT DO RIOZINHO LOCAL DO SHOW DO
BEN HARPER: SONHAR ACORDADO AGORA
VIROU REALIDADE ............................................... 221
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................. 247
REFERÊNCIAS ....................................................... 257
ARTIGOS E LIVROS EM PERIÓDICOS
ELETRÔNICOS: ....................................................... 266
MONOGRAFIAS, DISSERTAÇÕES E TESES:...... 268
DOCUMENTOS JURÍDICOS: ................................. 269
DOCUMENTO AUDIOVISUAL: ............................ 272
JORNAIS: .................................................................. 272
LISTA DOS ENTREVISTADOS: ............................ 273
PANFLETOS DE PROPAGANDAS
IMOBILIÁRIAS: ....................................................... 275
REVISTAS: ............................................................... 276
SITES: ........................................................................ 277
ANEXOS ................................................................... 279
25
1. INTRODUÇÃO
Sempre me admirei (até o limite do horror) do
modo como as sociedades desperdiçam seu
passado. Suas personagens mais significativas
passam como se fossem ninguém, como se
tanta experiência, vida, memória não servissem
mais que para esquentar os bancos das praças
ou aborrecer os outros com os seus conselhos.
(CASTILLO, 1997, p.6)
Foi no raiar de uma manhã de sexta-feira de inverno,
mais especificamente no dia 16 de julho de 2010, que o famoso
Bar do Chico na praia do Campeche1, localizado na região Sul
da Ilha de Santa Catarina (Brasil), veio a ser demolido.
1 A Praia do Campeche localiza-se no sul da Ilha de Santa Catarina, no
municipio de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina e limita-se
com os bairros Lagoa da Conceição, Joaquina, Rio Tavares, Costeira do
Pirajubaé e Tapera. A denominação Praia do Campeche, antigamente
conhecida como Praia do Mandú, teria surgido a partir de 1860, inspirada
no nome da Ilha que fica em frente, assim designada desde 1790. A origem
do nome Campeche estaria assim associada à existência de uma árvore de
caule avermelhado, utilizada como corante, chamada Pau Campeche. E é
até hoje um dos locais onde se pratica a tradicional pesca artesanal no sul da
Ilha de Florianópolis. (BARBOSA; BURGOS; TIRELLI, 2007). Ainda
segundo o Guia Ruas de Florianópolis do IPUF (1999, p. 101) “Há
diferentes versões sobre a origem deste nome. Uma delas justifica que o
nome Campeche deriva de uma árvore ou arbusto, o pau-campeche, cuja
madeira corante era empregada em tinturaria. Outra versão aponta o nome
Campeche como uma corruptela das expressões francesas „camp‟, „pêche‟.
„Camp‟ no sentido de campo, acampamento ou arraial de pescadores, e
„pêche‟, pescaria. Talvez o termo Campeche significasse arraial de
pescadores, indicando a região da grande ilha catarinense sobrevoada pelos
aviadores franceses que utilizaram aquele antigo campo de pouso no
Campeche.”.
26
Naquele momento havia poucos pescadores na praia e diante
daquela ação esta ficou cheia de destroços de tijolos, madeiras
e de fragmentos de concreto. Esses “restos” de história logo se
misturaram às areias das dunas, onde ficaram as marcas e os
vestígios da construção.
Logo após a destruição do bar um silêncio se fazia
presente. Sem aviso as vozes de muitas pessoas foram caladas
e uma luta interrompida. O que foi possível escutar, por alguns
minutos, foi o som da demolição realizada pelas máquinas da
FLORAM (Fundação Municipal do Meio Ambiente de
Florianópolis). O frio e o silêncio pairavam no ar de um lugar
onde costumava-se ouvir sons de festas, luaus, reuniões
políticas, carnavais e celebrações de começo de ano. O som de
um lugar simples como o dono do bar, Seu Chico2, não se
podia mais escutar.
Seu Chico nasceu e viveu toda sua vida no bairro do
Campeche. Foi como pescador que manteve sua família,
composta por ele, a esposa e seus treze filhos. Conforme seu
2 As duas formas: “Seo Chico” e “Seu Chico” são corretas para denominar
essa testemunha oral, a forma escrita “Seo Chico”, optei no meu trabalho de
conclusão de curso e dá ênfase a forma como soava as pessoas da
comunidade o chamarem. Porém, nesta respectiva pesquisa priorizo a
maneira de chamar “Seu Chico”, pois esta se encontra no seu documento de
tentativa de tombar o bar como patrimônio histórico. Ver: Proposta de
Tombamento da “Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu
Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis.
Florianópolis, 24 de abril de 2001.
27
relato, no início da década de 1980 os barcos industriais
começaram a “varrer” o mar, “tirando o pão da boca” dos
pescadores artesanais; foi quando ele buscou outras formas de
sustento. Naqueles dias, havia no Campeche apenas os ranchos
de pesca que acolhiam as canoas e as pessoas que ficavam no
local. Então, do rancho nasceu o Bar do Chico, localizado à
beira da praia do Campeche, feito de madeira e palha, que se
tornou ponto de encontro de grande parte da comunidade
pertencente ao bairro. Além disso, como não havia cercas no
local, este era um espaço liberado para as pessoas que vinham à
praia.3
Era também por ali que as pessoas celebravam o
começo do ano, a chegada do verão, da primavera, das tainhas,
o carnaval, enfim, era considerado pelos moradores locais
como um espaço de sociabilidade e um patrimônio cultural da
comunidade4. Servia como ponto de encontro dos moradores
da região, uma vez que o Campeche não dispõe de praças ou
locais alternativos de lazer. No dia 16 de julho de 2010, como
dito, o bar foi derrubado. Esse fato gerou repercussão em
3 Ver: blog Elaine Tavares: Palavras Insurgentes. Disponível em:
<http://eteia.blogspot.com.br/2010/07/derrubaram-o-bar-do-chico-mas-
ele.html>. Acesso em: 24 out. 2012. (AMARANTE, 2013, p. 12). Elaine
Tavares é também uma das entrevistadas dessa pesquisa. 4 Ver: Proposta de Tombamento da “Picada da Capela” e seus arredores e
do “Bar do Seu Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do Município
de Florianópolis. Florianópolis, 24 de abril de 2001.
28
veículos de comunicação de Florianópolis, especialmente pela
ação ter sido justificada pela suposta irregularidade do
estabelecimento. Houve também consequências entre os
próprios moradores, mobilizando ações e reflexões acerca do
crescimento urbano no bairro.
Desde 1983 a comunidade utilizava o Bar do Chico
como uma verdadeira praça pública que o Campeche não
possui, onde ocorriam reuniões, atividades sociais, culturais e
até políticas. Muito além de um simples rancho de pesca ou
bar, o espaço se tornou uma referência para os moradores do
bairro, fazendo parte da identidade do local, conforme pode ser
percebido através da iniciativa dos moradores em tombar em
nível municipal o referido bar. 5
Assim, o objetivo principal deste estudo é identificar
quais os conflitos sociais, políticos e de memórias envolvidos
com o acontecimento analisado. Nesse sentido, a hipótese
apontada é a de que os embates verificados nas memórias e nas
falas dos entrevistados demonstram que a derrubada do Bar do
Chico serve como exemplo de uma política de luta pela
5 Essa forma de começar a narrativa permitiu a reconstrução do
acontecimento analisado a partir da descrição densa, ou seja, relatando
todos os detalhes. A respeito desse tema ver: DAVIS, Natalie Zemon.
“Culturas do Povo: sociedade e cultura no início da França Moderna.”
(1990). DUBY, G. “Domingo de Bouvines: 27 de julho de 1214” (1993);
GEERTZ, Clifford. “A interpretação das culturas.” (2008).
29
preservação em contraposição ao planejamento urbano para o
Campeche. Outros aspectos que analisaremos nesta dissertação
é o papel da imprensa local na divulgação e tratamento do
acontecimento, a avaliação das construções discursivas da
publicidade voltada para o turismo, a identificação das
mudanças cotidianas para moradores do bairro a partir de
questões como a especulação imobiliária e disputas simbólicas
e, por fim, a partir das entrevistas, a investigação das disputas
de memórias em torno da derrubada do bar.
A minha vivência no bairro aqui examinado traz
inquietações particulares relacionadas à análise das fontes,
principalmente no que se refere à construção de fontes orais.
Desta forma, é indispensável refletir em termos de presença do
historiador em seu tema, pois “a proximidade das referidas
testemunhas, sua presença real e carnal, conduziu realmente os
historiadores a um maior rigor que seus colegas (presos ao seu
próprio engajamento moral, então talvez, mais rigorosos) ou
ela os conduziu a uma licença maior” (ROUSSO, 2007, p.
289). Por estar ciente das especificidades de tratar de um tema
próximo, há o cuidado em não ser saudosista, pois é devido à
minha presença desde o nascimento no bairro do Campeche,
que as fontes serão problematizadas, em um exercício de
análise crítica que exigirá investigar atentamente os vestígios
deixados por este passado ainda tão presente, buscando, além
30
da memória dos envolvidos, outras fontes a serem
confrontadas. Nesta perspectiva, pode-se notar as
complexidades de se fazer História do Tempo Presente, suas
possibilidades, como o próprio uso de entrevistas, e seus
limites, como o envolvimento do historiador com o tema
pesquisado.
Em 2011 tive a oportunidade de entrevistar Seu Chico e
questioná-lo sobre seu bar e a derrubada do mesmo. Isto
ocorreu durante a realização da disciplina optativa História do
Tempo Presente e História Oral: pressupostos teórico-
metodológicos6, na graduação de História da Universidade do
Estado de Santa Catarina, ao realizar um trabalho sobre o
tema7. O entrevistado veio a falecer pouco tempo depois, no
mês de dezembro daquele mesmo ano. Desta forma, ao
entrevistá-lo, tinha-se como objetivo tornar compreensível, a
6 A disciplina optativa da graduação em História da UDESC (Universidade
do Estado de Santa Catarina) foi lecionada pela professora Dra. Viviane
Trindade Borges no primeiro semestre do ano de 2011. 7 A proposta de avaliação final da disciplina optativa História do Tempo
Presente e História Oral: pressupostos teórico-metodológicos, lecionada
em 2011, era a realização de um artigo com o objetivo de buscar um
acontecimento recente e a partir disso utilizar da metodologia da História
Oral para entrevistar os personagens envolvidos, e com isso, tentar
transformar a memória dos personagens em fontes para a História. A partir
da orientação da professora Dra. Viviane Trindade Borges, acabei dando
ênfase à derrubada do Bar do Chico e entrevistando o mesmo, que na época
já se encontrava idoso e doente.
31
partir de suas memórias8, o que significava para ele o
acontecimento envolvendo seu bar, especialmente diante do
contexto de ações comunitárias dos moradores do Campeche
contra as tentativas de inserir empreendimentos imobiliários no
bairro.
Estas discussões foram motivadas pela disciplina citada
anteriormente, cujas aulas e leituras despertaram meu olhar
para um tema que me inquietava. Quando o trabalho de
realização de entrevistas foi proposto, lembrei de uma tarde em
que, indo em direção à praia, deparei-me com uma das
moradoras mais antigas do Campeche, Dona Nicota9, que,
assim como o Seu Chico, era minha vizinha. Naquela tarde de
verão ela estava embaixo de uma árvore, concentrada, fazendo
sua renda de bilro10
, e atrás de sua casa encontravam-se alguns
8 O historiador francês Pierre Nora aponta que “o que nós chamamos de
memória é, de fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque
material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável
daquilo que poderíamos ter necessidade de nos lembrar.” (NORA, 1993, p.
15). 9 Ana Honorata Wigganigo, mais conhecida como Dona Nicota é uma das
entrevistadas dessa pesquisa. 10
A testemunha oral Dona Nicota era rendeira e nativa do bairro Campeche.
Segundo o pesquisador Doralécio Soares: “as rendeiras descendem das
antigas famílias açorianas de pescadores que vieram para a ilha do Desterro
em meados do século XVIII, daí distribuindo-se pela costa de São Francisco
até Laguna. A renda de bilro – ou de almofada – trabalha com pontos no ar,
sem tecido pré-existente, diferentemente do bordado, onde os pontos são
feitos sobre um pedaço de tecido. Famílias inteiras do interior ilhéu têm a
sua base econômica na produção diária dos mais variados tipos de rendas de
almofada.” (SOARES, 2006, p. 129).
32
dos muitos condomínios hoje existentes no bairro. Essa
imagem contraditória levantava questões a respeito dessas
construções desordenadas (ao menos em sua aparência) no
local, pois essa era uma região com características rurais até a
década de 1990 (AMARANTE, 2013, p. 19) e que, atualmente,
vem sendo ocupada por condomínios, conforme apontam os
relatos orais dos moradores, os jornais, os planos diretores, etc.
A partir da vontade de compreender o que significava o
desenvolvimento urbano do bairro, como um todo, tanto para
os moradores mais antigos do Campeche, como Seu Chico e
Dona Nicota, quanto para as gerações mais novas, como
Eduardo Daniel11
e Elaine Tavares12
, elaborei um trabalho de
conclusão de curso no ano de 201313
, com o objetivo principal
de analisar como dois eventos ocorridos no Campeche (a
derrubada do Bar do Chico, em 2010 e o show do cantor norte-
americano Ben Harper, no ano de 2011) reverberaram nas
discussões das transformações ocorridas no bairro.
11 Eduardo Daniel Rocha, mais conhecida como Dudu é um dos
entrevistados dessa pesquisa. 12
É também uma das entrevistadas dessa pesquisa. 13
O referido trabalho de conclusão de curso em História pela UDESC é:
AMARANTE, Carolina do. A Derrubada do Bar do Chico e o Show do
Ben Harper: Embates de uma História do Tempo Presente (2010-2011).
87f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação). Universidade do Estado
de Santa Catarina (UDESC) - Centro de Ciências Humanas e da Educação.
Curso de História. Florianópolis, 2013.
33
A motivação desta dissertação surgiu, sobretudo, da
permanência de questionamentos acerca da conjuntura que fez
com que ocorresse a derrubada do Bar do Chico, em 2010. Por
exemplo, o fato de que o bairro vem apresentando uma
ocupação urbana de forma intensa e acelerada, transformando a
estrutura espacial da localidade, além das discussões acerca da
preservação ecológica e da cultura local, me levou a dar
continuidade à pesquisa. Para compor este cenário de disputa,
foram analisadas as diversas visões acerca do processo de
urbanização e não somente a perspectiva que defende o
Campeche preservado ecologicamente, ou seja, um bairro com
aspectos rurais, sem a interferência, por exemplo, dos
empreendimentos imobiliários e estabelecimentos comerciais,
para a compreensão do contexto histórico a respeito do
acontecimento estudado. 14
Além disso, o evento aqui analisado é considerado um
acontecimento recente na história da cidade de Florianópolis e
exige do pesquisador um refazer constante de seus
procedimentos, frente à multiplicidade e à efemeridade de
14 As entrevistas realizadas durante pesquisas no curso de Graduação em
História provêm de um projeto aprovado pelo CEPSH (Comitê de Ética em
Pesquisa Envolvendo Seres Humanos) e novas entrevistas com outras
testemunhas orais foram realizadas, e também selecionadas em função de
sua participação na conjuntura do acontecimento analisado e por sua
vivência no bairro.
34
algumas fontes do tempo presente como sites da internet15
e
panfletos publicitários. Dessa forma, observa-se a
especificidade da História do Tempo Presente que seria a
presença ainda imediata e próxima dos fatos e das fontes as
quais colocam numerosos desafios metodológicos para o
historiador.
a abundância de instrumentos documentais
capazes de fornecer fontes ao trabalho do
historiador e que contribui para modificar a
própria natureza da noção de arquivos. Da
abundância das publicações de toda ordem à
profusão das fontes audiovisuais, passando pelo
depoimento oral, o historiador do presente é um
privilegiado com relação a seus confrades, pois
ele praticamente jamais corre o riso de se
encontrar privado dos documentos necessários
15 Diante do recorte foram encontrados materiais sobre a temática em sites
de grande visibilidade como o youtube. Pois, nesta pesquisa terei acesso a
trechos do documentário Desculpe pelo Transtorno: A História do Bar do
Chico de direção de Todd Southgate, mas torna-se relevante ressaltar que
este material foi produzido recentemente e não no período de análise da
respectiva dissertação. É ainda importante enfatizar que tanto
documentaristas quanto historiadores podem produzir uma história pública
que “seria o conjunto de ações que o profissional da história – ou de áreas
correlatas, desde que trabalhando conscientemente com história e memória
– empregam para difundir seus trabalhos entre um público não acadêmico
amplo” (SANTHIAGO, 2011, p. 97). Porém, os cuidados e técnicas
empregados por cineastas e historiadores são diferenciados, tendo em vista
que estes necessitam de metodologias distintas daquelas utilizadas por
cineastas ao construir uma narrativa. E, no caso de historiadores que
trabalham com testemunhas orais, cabe atentar para o fato de que “uma das
características da história oral é seu potencial para uso na história pública.”
(THOMSON, 2000, p. 61).
35
para seu trabalho. (BERNSTEIN; MILZA,
1999, p. 129).
Diante do contexto da expansão urbana na cidade de
Florianópolis e o crescimento da ocupação no bairro do
Campeche, a partir do final da década de 1980, esta pesquisa
visa problematizar questões culturais e urbanas ocorridas neste
processo. A escolha desta temática está fundamentada na
abordagem da História do Tempo Presente16
, intencionando a
análise densa de um acontecimento17
: a derrubada do Bar do
Chico, no ano de 2010. Com estes deslocamentos temporais
não muito distantes, faz-se necessário um cuidado
metodológico diferenciado.
A Ilha de Santa Catarina se configura como um destino
turístico que atrai expressivo número de visitantes em busca de
qualidade de vida, junto à natureza. Ideia reiterada pela mídia
16 O pesquisador Henry Rousso, coloca que “é tão bem verdade que a
História do Tempo Presente encontra-se hoje exposta, justamente, pelas
próprias razões que proporcionaram seu sucesso: a proximidade e o peso
dos assuntos estudados na consciência coletiva, a importância da demanda
social, que recoloca o historiador em seu „papel cívico‟ ou em sua „função
social‟, seja esse papel aceito, desejado ou imposto.” (ROUSSO, 2007, p.
282-283). 17
A respeito da concepção de acontecimento o historiador francês Pierre
Nora, aponta que “Essa vasta democratização da história, que fornece ao
presente sua especificidade, possui sua lógica e suas leis: uma delas – a
única que aqui desejamos isolar – é que a atualidade, essa circulação
generalizada da percepção histórica culmina num fenômeno novo: o
acontecimento.” (NORA, 1979, p. 180).
36
que constantemente veicula imagens da cidade, e
consequentemente do Campeche, atraindo investimentos de
capital e estimulando a expansão imobiliária. Nesse sentido, o
papel do poder público e a elaboração do plano diretor18
são de
suma importância para o entendimento da dinâmica de
configuração do espaço urbano.
As construções imobiliárias, cada vez mais presentes na
localidade, são os reflexos mais visíveis desse processo de
expansão da urbanização de Florianópolis em direção ao
Campeche. As transformações recentes e crescentes
demonstram que o contexto histórico contemporâneo é de um
planejamento urbano voltado para o turismo, contra o qual
parte da comunidade local luta (LOCH; SANTIAGO;
WALKOWSKI, 2008, p. 75). Os moradores mais antigos e o
Movimento Campeche Qualidade de Vida (MCQV) propõem
uma organização com participação própria, onde haja a
possibilidade de manutenção das belezas naturais do bairro e,
de certa maneira, da Ilha de Santa Catarina como um todo.
Além disso, o acontecimento citado no início mostra
que, no bairro, outros lugares de socialização foram criados e
18 A lei municipal, conhecida como Plano Diretor é elaborada pela
prefeitura em conjunto com a sociedade civil e encaminhada a Câmara de
Vereadores para aprovação. Este instrumento da política de
desenvolvimento municipal tem como finalidade determinar o que não pode
e o que pode ser construído em cada parte do mesmo.
37
dentre eles há o Point do Riozinho19
, uma extensão da Praia do
Campeche que se tornou ponto de encontro da cidade. Este
local também frequentado por pessoas da comunidade do
bairro acabou ganhando repercussão na Ilha de Santa Catarina
pela presença dos turistas e de pessoas de outras regiões do
país.
Cabe ressaltar ainda que, quando ocorreu a derrubada
do Bar do Chico, destruiu-se o ponto de encontro e
socialização dos moradores da comunidade que se
identificavam com o Campeche por um estilo de vida com as
relações menos voltadas para o ritmo agitado do cotidiano
urbano. Estes aspectos foram tratados pela antropóloga Márcia
Fantin (2000) em sua obra Cidade Dividida: dilemas e disputas
simbólicas em Florianópolis, desvendando o ordenamento de
uma cidade dividida pela disputa pelo futuro, em propostas
antagônicas de seu planejamento.
Cidade pacata, cidade provinciana. Durante
muito tempo Florianópolis, capital do Estado de
19 Em 2010, a mídia florianopolitana, também ao sabor de gordos
patrocínios, criou a fantasia de um recanto de paraíso, o chamado
“riozinho”, que é um espaço na Praia do Campeche onde deságua um
pequeno rio local, o rio Rafael. Ali virou o ponto da temporada, com a
presença de artistas globais e outros “ilustres” endinheirados. Disponível
em: <http://www.globalgarbage.org/turmapontocom/2011/02/04/campeche-
se-mobiliza-contra-mega-exploracao/>. Acesso em: 01 mar. 2013.
(AMARANTE, 2013, p. 46).
38
Santa Catarina, foi retratada através desses
adjetivos que condensavam uma certa imagem
de cidade. Até meados dos anos 70 era esse o
"jeito de ser" de Florianópolis. Nas duas
últimas décadas, contudo a cidade tem passado
por grandes mudanças e tais adjetivos já não
são mais apropriados para descrevê-la.
(FANTIN, 2000, p. 15).
A partir da citação, pode-se pensar que Florianópolis
passou por grandes transformações. Contudo, nem sempre
essas transformações são compreendidas de maneira positiva
por seus habitantes, talvez pelo fato de muitos considerarem a
Ilha de Santa Catarina um espaço de riquezas naturais que deve
permanecer assim. Mais especificamente é o que vem
ocorrendo na região do Campeche, que por ser uma planície,
ou melhor, um bairro que se constitui por ser uma praia, tem
uma valorização e uma demanda quanto à sua preservação.
Porém, a justificativa contrária seria a de que o turismo em
Florianópolis exerce atração como destino e que também é
considerada uma atividade econômica potencial que explicam
o rápido crescimento urbano através dos discursos de
promoção da cidade e de qualidade de vida.20
20 Os embates em torno do crescimento urbano do bairro Campeche serão
analisados com mais profundidade nos capítulos 2 e 3 da respectiva
dissertação. A respeito do tema da urbanização ver: DAVIS, Mike. “Cidade
de Quartzo: escavando o futuro em Los Angeles.” (1993).
39
A partir das fontes orais21
, procura-se tornar
compreensível a densidade da conjuntura do acontecimento
pesquisado, procurando compreendê-lo na história do bairro e
da cidade de Florianópolis, analisando a narrativa daqueles que
viveram tais experiências e que sentiram suas consequências.
Assim, é possível contrapor as informações veiculadas pela
mídia catarinense a respeito do acontecimento e, além disso,
incluir versões da história mantidas em silêncio, evitadas e ou
esquecidas por parte das testemunhas desse contexto histórico
do bairro do Campeche.22
21 Após a gravação das entrevistas realizei as respectivas transcrições, a qual
escolhi por deixá-las com as mesmas palavras dos depoentes, porém com as
correções gramaticais necessárias, pois queria dar ênfase as suas respectivas
características de idade e de sotaque. Optei por deixar da mesma forma que
no trabalho de conclusão de curso com a respectiva temática, assim o fiz,
para ficar mais característico com o enredo histórico. As entrevistas foram
elaboradas em forma de texto procurando não afastar-se da narrativa criada
pelo entrevistado. 22
A esse parágrafo vale citar que “esses acontecimentos geraram o que
Giovanni Contini muito bem descreveu como uma „memória dividida‟.
Contini identifica, por um lado, uma memória oficial [...]; e, por outro lado,
uma memória criada e preservada [...] focada quase que exclusivamente no
seu luto, nas perdas pessoais e coletivas.” (PORTELLI, 2006, p. 105).
Desse modo, o historiador ao estranhar essas distintas memórias, ou seja,
essas fontes orais, como mais uma versão para confrontar com outros
registros, como jornais, etc, ou seja, como aponta a historiadora Verena
Alberti “Portelli fala de memória dividida, [...]. „Na verdade‟, diz ele,
„estamos lidando com uma multiplicidade de memórias fragmentadas e
internamente divididas, todas, de uma forma ou de outra, ideológica e
culturalmente mediadas‟. O reconhecimento da diversidade, constitui,
portanto, a melhor alternativa para evitarmos a polaridade simplificadora
entre „memória oficial‟ e „memória dominada‟ e realizarmos uma análise
40
A partir da análise das memórias dos envolvidos no
evento da derrubada do Bar do Chico, coletadas através da
metodologia da História Oral23
é possível buscar outros
significados referentes à especulação imobiliária, à preservação
ambiental e aos conflitos referentes à urbanização no bairro do
Campeche. Segundo Durval Muniz de Albuquerque Júnior, “o
oral não deve ser oposto dicotomicamente ao escrito, como
duas realidades distintas e distantes, mas como formas plurais
que se contaminam permanentemente, pois haverá sempre um
traço de oralidade riscando a escritura e as falas sempre
carregarão pedaços de textos.” (ALBUQUERQUE JUNIOR,
2007, p. 230). Dessa forma, as fontes que fundamentarão a
seguinte pesquisa serão os documentos considerados oficiais
como os planos diretores para a cidade de Florianópolis e para
o Campeche, os processos judiciais e de tombamento
mais rica dos testemunhos obtidos em nossa pesquisa.” (ALBERTI, 2008, p.
167-168). 23
A pesquisadora Danièle Voldman, afirma que “assim deu-se ênfase
sobretudo à coleta do documento, nem sempre estabelecendo distinção
nítida entre termos e expressões tão variadas quanto „história oral‟, „fonte
oral‟, „arquivo oral‟, „relato de vida‟ e „testemunho‟, por um lado,
„entrevistado‟, „informante‟, „testemunha‟ e „investigado‟ , por outro. É bem
verdade que as três primeiras expressões estão muito próximas umas das
outras e poderíamos admitir uma similitude entre elas, ainda que definições
precisas permitam matizar os conceitos. Por exemplo, procuraremos
reservar a expressão „história oral‟ para o método que consiste em utilizar
palavras gravadas. Quaisquer que sejam os modos de registro e as
finalidades [...], a expressão „fonte oral‟ designará esse material, que se
distingue, por seu suporte, da fonte escrita.” (VOLDMAN, 2006, p. 248).
41
relacionados ao Bar do Chico. Além disso, também serão
analisadas a repercussão da imprensa diária e a produção de
material publicitário, como encartes e outdoors das
propagandas das construções imobiliárias, matérias de revistas,
sites da internet e as fontes orais.
Sendo assim, emerge como problemática central a
análise da conjuntura do acontecimento pesquisado e, a partir
dela, a reflexão acerca de como as reverberações deste
repercutiram na imprensa local e como a publicidade alavancou
as transformações. Além disso, como a atividade turística teve
um crescimento significativo neste período, queremos
identificar quais mudanças ocorreram e como impactaram a
luta pelo direito à cidade. Estas questões se inserem em um
quadro configurado pelo crescimento da especulação
imobiliária e das disputas políticas em Florianópolis.
Destaca-se que estas reverberações não aconteceram de
forma independente e sem relação, por assim dizer, como
“acidentes”. Elas estão inseridas dentro do contexto do Plano
de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e
Região, do ano de 1989 e que buscava um ordenamento
voltado para o turismo. Portanto, é importante a pesquisa do
histórico dos planos diretores elaborado para a capital
catarinense e para o bairro, visto que a organização espacial da
42
cidade de Florianópolis busca se regrar nestes planos, cuja
primeira versão é da década de 1950.
O Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares,
Campeche e região, elaborado pelo IPUF (Instituto de
Planejamento Urbano de Florianópolis) no ano de 1989, propôs
que Florianópolis apresentasse seu ordenamento voltado para o
setor turístico e, de certa forma, acabou deixando de lado os
interesses da comunidade residente no bairro, como se verifica
através da reivindicação desta a partir da elaboração da
proposta de desenvolvimento sustentável para a região com o
Plano Diretor Comunitário do ano de 1999 (LOCH;
SANTIAGO; WALKOWSKI, 2008).
Ao pesquisar os diferentes planos diretores de
Florianópolis e também do Campeche, pretende-se entender
como se deu suas implicações na perspectiva de disputas
políticas pelo direito à cidade a partir do processo de expansão
da urbanização de Florianópolis para o bairro e o contexto em
que se inseriram as reverberações atuais, como a derrubada do
Bar do Chico, no ano de 2010. Neste sentido, o foco se dá em
como este acontecimento foi sentido, a partir da “vinda” dos
migrantes de outras regiões para o Campeche e da construção
de novos empreendimentos imobiliários nos quais figuram a
ideia de “venda” do bairro.
43
Os autores José Rodrigues Rocha (2004) e Amilton
Vergara de Souza (2004), em Plano Diretor de Florianópolis
Resenha Histórica, dão subsídios para questionar esta forma de
crescimento urbano e suas consequências compreendendo que
a região interior da Ilha em relação à área central só
recentemente vem sofrendo expressiva transformação espacial.
Sobre a compreensão do processo de expansão da
urbanização de Florianópolis em direção ao bairro Campeche
será analisado o respectivo acontecimento como consequência
desse processo. Neste debate, entram alguns aspectos
relacionados ao tema do direito à cidade diante da especulação
imobiliária e das disputas políticas em Florianópolis. Diante do
artigo do pesquisador Reinaldo Lonh (2007), intitulado Limites
da utopia: cidade e modernização no Brasil desenvolvimentista
(Florianópolis, década de 1950), buscarei mostrar, a partir a
proposta de planejamento urbano para a cidade de
Florianópolis, que diversos segmentos sociais detiveram o
poder material e simbólico para construir imagens idealizadas
da cidade.
Atuando no âmbito das ideias de superação
acelerada do subdesenvolvimento, a grande
preocupação dos autores do Plano Diretor era
identificar os pontos que estariam provocando o
„atraso‟ de Florianópolis, impedindo que
atingisse o pleno desenvolvimento. A ideia de
atraso, no período, foi uma das mais
44
importantes invenções e um dos conceitos
empregados com frequência para distinguir
uma parte do país, que estaria avançando rumo
ao progresso, de um outro Brasil, preso a uma
configuração socioeconômica considerada
tradicional. A partir desses princípios,
Florianópolis era identificada ao atraso e, para
superá-lo, somente com sua entrada no mundo
industrial, ao transformar-se em um grande
centro urbano. Os „problemas‟ e as soluções
apontadas fazem parte de um contexto em que
se atribuiu um poder quase demiúrgico aos
técnicos e planejadores, considerados capazes
de intervir e fixar rumos para a sociedade
brasileira. (LOHN, 2007, p. 310).
A pesquisa a respeito das propagandas presentes nos
encartes e outdoors dos empreendimentos imobiliários no
Campeche apresenta uma ideia de futuro que possibilita
ampliar a compreensão de como estas mídias atuam como
agentes no processo de crescimento urbano.24
Sem dúvida, existem alguns acontecimentos
que, embora sejam reconhecidos como
presente, tendem a evocar o futuro em vez do
passado [...]. Mas não há presente incapaz de
evocar futuro ou passado se o lemos de maneira
a fazer isso. Então, tanto o futuro quanto o
passado emergem apenas em uma leitura do
24 A ideia temporal de futuro que aparece nestas propagandas é o que o
historiador alemão Reinhart Koselleck coloca como: “A primeira vista é
plausível a preferência pelo tempo em detrimento do espaço, nas teorias da
história. [...] Primeiro por uma razão geral: desde sempre, o historiador ao
perguntar como chegamos a situação atual, diferente da anterior, se
interessa por novidades.” (KOSELLECK, 2014, p. 76).
45
presente; e um futuro ou um passado em
particular estão qualificados a serem evocados a
partir de um presente em particular, e são
casualmente relacionados ao presente em
particular a partir do qual podem ser evocados
[...]. (OAKESHOTT, 2003, p. 52).
Pois, muitas vezes, os anúncios publicitários são
destinados a atrair mais pessoas para o bairro através das
mensagens que propagam de que a felicidade, enquanto um
modo de vida e/ou uma realidade pode ser encontrada de
“frente para o mar”25
. Essa busca pela felicidade em um espaço
privilegiado pelas condições naturais também merece atenção,
pois está implícita a ideia de que as pessoas, atraídas pelas
propostas publicitárias, podem encontrar ali. Deste modo, as
propagandas parecem ter contribuído nesse processo de
“venda” do bairro como um excelente lugar para se viver, o
qual pode proporcionar uma melhor qualidade de vida através
do contato diário e direto das pessoas com o ambiente natural
da Praia do Campeche.
A metodologia da História Oral foi importante,
desvelando as memórias daqueles que de formas diferentes
vivenciam (ou vivenciaram) o desenvolvimento do bairro do
Campeche. As entrevistas foram fundamentais para a
25 Trecho de texto de uma propaganda impressa em panfleto da empresa
imobiliária Buzz, inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 7 –
Verão 2013. p. 26.
46
compreensão do acontecimento aqui estudado. Desta forma, foi
possível criar novos registros sobre a existência do Bar do
Chico.
A História, que também não consegue se
dissociar da escritura, também redescobriu,
neste momento, a voz do passado, a história
oral. O mito da voz do povo, dos dominados,
dos marginalizados, dos despossuídos, volta a
servir de tropo narrativo que dá legitimidade e
unicidade ao discurso da História.
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 234).
Assim sendo, com relação às possíveis “aproximações”
e “distanciamentos” que podem existir entre as diferentes
memórias, busca-se o princípio das condições coletivas da
memória (COSTA, 2009). Desse modo, as memórias
individuais atuam como limite das interferências coletivas, pois
cada memória individual, através de suas lembranças, por
exemplo, contribuiu na construção da memória coletiva. Para
este trabalho busca-se as circunstâncias coletivas da memória,
o que torna o confronto dos depoimentos e a análise das
diferentes falas fundamentais para constituição da narrativa.
Através das entrevistas foi possível compreender as
percepções daqueles que viveram a conjuntura histórica do
bairro durante o período em que o Campeche começou a passar
por transformações, principalmente a partir do processo de
47
expansão da urbanização de Florianópolis. Tal processo se
intensifica na década de 1990 com a apresentação do Plano de
Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região,
e seus desdobramentos, com implicações na derrubada do Bar
do Chico no ano de 2010, compreende-se neste trabalho que:
Uma das principais vantagens da História oral
deriva justamente do fascínio da experiência
vivida pelo entrevistado, que torna o passado
mais concreto e faz da entrevista um veículo
bastante atraente da divulgação de informações
sobre o que aconteceu. Esse mérito reforça a
responsabilidade e o rigor de quem colhe,
interpreta e divulga entrevistas, pois é preciso
ter claro que a entrevista não é “retrato” do
passado. (ALBERTI, 2008, p. 170).
Assim, tornar as memórias dos entrevistados fontes para
se compreender a história do bairro tem por objetivo esclarecer,
além das causas do acontecimento, o significado do Bar do
Chico para o Campeche e os desdobramentos do processo de
urbanização da cidade de Florianópolis para o local, fenômeno
interpretado de formas variadas pelos entrevistados e
envolvidos. A partir da abordagem do historiador Philippe
Joutard, percebe-se tal importância:
Não se pode esquecer que, mesmo no caso
daqueles que dominam perfeitamente a escrita e
nos deixam memórias ou cartas, o oral nos
revela o “indescritível”, toda uma série de
48
realidades que raramente aparecem nos
documentos escritos, seja porque são
consideradas “muito insignificantes” – é o
mundo da cotidianidade – ou inconfessáveis, ou
porque são impossíveis de transmitir pela
escrita. É através do oral que se pode apreender
com mais clareza as verdadeiras razões de uma
decisão; que se descobre o valor de malhas tão
eficientes quanto as estruturas oficialmente
reconhecidas e visíveis; que se penetra no
mundo do imaginário e do simbólico, que é
tanto motor e criador da história quanto o
universo racional. (JOUTARD, 2000, p. 33-34).
Dessa forma, procurarei analisar a maneira como as
testemunhas orais estruturam suas memórias. Neste sentido, a
ideia de memória coletiva de Maurice Halbwachs (2003), na
obra A Memória Coletiva, e de Michael Pollak (1989), no
artigo Memória, Esquecimento, Silêncio, serão fundamentais.
A análise da História Oral se voltará principalmente para os
temas que se repetem mais constante ao longo das entrevistas.
Halbwachs (2003) focou sua análise no social, avaliando os
quadros sociais da memória ou representações coletivas,
propondo que a memória individual não se constrói sozinha,
mas que as lembranças do indivíduo dependem das relações
múltiplas em que este se envolve, como as suas relações com a
família, com os membros de seu grupo social, com a escola,
com a igreja, com a profissão, enfim com grupos de convívio e
grupos de referência peculiares a esse. Já Pollak (1989) mostra
a importância do “silêncio” e ou do “não dito” nas entrevistas.
49
As testemunhas orais foram selecionadas em função de
sua participação no acontecimento analisado as quais se
inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que
possam fornecer depoimentos significativos (ALBERTI, 2004).
Dessa forma, priorizou-se os entrevistados envolvidos no
acontecimento específico, procurando analisar como estes
rememoram tal fato, valorizando a subjetividade das
testemunhas orais. A intenção é utilizar as diversas visões
acerca da conjuntura de crescimento urbano para o bairro
Campeche de forma a compreender o acontecimento analisado.
A proposta de buscar apresentar as contradições e matizes a
respeito do contexto histórico do acontecimento analisado é
para confrontar mais de um discurso.26
Esta dissertação foi dividida em três capítulos: O Bar do
Chico: Uma análise sobre os embates e as memórias; O Bairro
do Campeche: Projetos de Futuro a partir dos planos diretores
aprovados entre os anos de 1989 a 1999 e O desaparecimento
da ideia d‟A Cidade Nova do Campeche: uma perspectiva dos
fluxos contemporâneos de pessoas, capitais e imagens do
bairro.
26 Os respectivos depoentes terão relevância nos capítulos 2 e 3, pois estes
apresentam como temática o histórico da expansão urbana de Florianópolis
para o bairro Campeche.
50
O primeiro capítulo encontra-se subdividido em três
partes, todas focadas na análise das entrevistas realizadas, pois
como aponta o historiador François Dosse “a crescente atenção
dada ao modo como o acontecimento foi vivido por seus
autores assinala um interesse particularmente imenso para os
depoimentos individuais.” (DOSSE, 2013, p. 312). A primeira
delas intitulada “O Bar do Chico”, a segunda “As entrevistas
com Seu Chico e os nativos do bairro Campeche” e a terceira
“As entrevistas com os de „fora‟ que moram no bairro
Campeche”, mostram a importância destas fontes para a
construção desta pesquisa. Serão, portanto, problematizadas as
fontes orais e a importância de perceber as aproximações e os
afastamentos nas falas dos entrevistados com base em autores
que permitem criar novos caminhos para a História do Tempo
Presente, problematizando questões metodológicas e técnicas
da história oral, a fim de desvelar os limites dessas quanto
apreendidas como objeto de análise. Com elas busco
problematizar a forma como a comunidade reagiu ao
acontecimento.
O segundo capítulo “O bairro do Campeche: Projetos de
futuro a partir dos planos diretores aprovados entre os anos de
1989 a 1999” encontra-se subdividido em dois subcapítulos.
No primeiro subcapítulo “O plano diretor para os balneários e o
planejamento do bairro Campeche”, procuro analisar as
51
transformações que o bairro Campeche vem sofrendo desde o
final da década 1980 em sua forma de ocupação, a partir da
expansão urbana de Florianópolis em direção ao local,
analisando os históricos dos planos diretores para o bairro do
Campeche, estimulando seu crescimento, apresentando como
se deu o processo de urbanização. Neste processo, tratarei de
mostrar o que constitui o plano diretor, sua história na cidade
de Florianópolis e no bairro. Também procuro mostrar a
influência do documento “A Cidade Nova do Campeche:
proposta de planejamento do IPUF para o bairro” no processo
de expansão da urbanização no interior da Ilha de Santa
Catarina. E, por fim, o segundo subcapítulo “Os Movimentos
Comunitários e as discussões das propostas dos planos
diretores para o bairro do Campeche”, discuto as influências
dos Movimentos Comunitários do Campeche no processo de
expansão da urbanização do local. Buscarei ainda
problematizar o que representava “O Bar do Chico”, para o
Campeche deste período e como sua respectiva derrubada
causou impactos simbólicos entre os moradores do bairro.
O terceiro capítulo encontra-se subdividido em duas
partes, as quais pretende-se analisar os fluxos contemporâneos
de pessoas, capitais e imagens no bairro do Campeche, na
perspectiva do bairro pertencer a uma cidade turística. A
primeira delas, “O bairro do Campeche: „Aqui é onde seu
52
sonho começa a se tornar realidade - Viva o Beach Lifestyle‟”
analisarei algumas mensagens publicitárias que buscam
“vender” o bairro do Campeche como destino residencial e
compreender as consequências do acontecimento pesquisado
para a cidade de Florianópolis e para o bairro Campeche. E
ainda o subcapítulo dentro deste item “Beach Life Style”:
Propagandas turísticas da Praia do Campeche para „os de fora‟
do bairro” procura-se apresentar propagandas das construções
imobiliárias encontradas em encartes ou outdoors e algumas
revistas de turismo. E, por fim, o segundo subcapítulo “O Point
do Riozinho local do show do Ben Harper: Sonhar acordado
agora virou realidade”. Nelas busco mostrar, além do processo
de divulgação, verticalização e comercialização do bairro, que
outros lugares de sociabilidade foram criados no bairro
Campeche após a derrubada do Bar do Chico.
53
2. O BAR DO CHICO: UMA ANÁLISE SOBRE OS
EMBATES E AS MEMÓRIAS
Figura 1 - Foto do Bar do Chico. Acervo de Lázaro Bregue
Daniel.
Na década de 1980, o bairro do Campeche passava por
um lento processo de urbanização e pela carência de
infraestrutura27
. Esse quadro contribuiu para que o Bar do
27 O Plano de Desenvolvimento Turístico do Aglomerado Urbano de
Florianópolis (AUF) do ano de 1981, especifica no item “5. Limitações da
Infraestrutura urbana ao desenvolvimento do Turismo: Nenhum dos
distritos considerados mais atrativos para o turismo no verão possui um
sistema satisfatório de abastecimento de água, o que poderá vir a tornar-se
uma limitação à expansão do setor a médio prazo. A inexistência de sistema
de tratamento de esgotos sanitários já prejudica a balneabilidade das Baías
Norte e Sul e ameaça a Lagoa da Conceição. A implantação imediata de um
sistema completo de esgoto na Lagoa é fundamental para manter sua
54
Chico se tornasse um espaço de sociabilidade. O rancho de
canoas dos avós de Francisco Alexandrino Daniel28
tornou-se
bar em 1983 e passou a ser a principal fonte de renda da
família. Gradativamente destacou-se como o ponto de encontro
da comunidade local para comemorações de ano novo, chegada
das estações do ano, pesca da tainha e carnaval, ou seja, o bar
era considerado uma praça coletiva.
De acordo com o relato de Seu Chico, a partir da década
de 1980, os barcos industriais passaram a atuar no litoral Sul da
Ilha de Santa Catarina, prejudicando a fonte de renda dos
pescadores artesanais e levando a transformação do antigo
rancho de canoas no bar. Quase trinta anos depois de sua
inauguração, o Bar do Chico foi derrubado, o que gerou
polêmica no bairro, reverberando inclusive na imprensa da
capital catarinense.
É preciso destacar que o acontecimento da derrubada do
Bar do Chico ocorreu em uma conjuntura de expansão urbana e
de construção de condomínios residenciais que veiculam em
suas propagandas a qualidade de vida junto ao mar. O que se
pretende mostrar é a contradição entre a derrubada do bar por
destacada atratividade turística. As recentes melhorias no sistema viário
propiciaram bom nível de acessibilidade a maioria das praias da Ilha. Como
principal problema destaca-se ainda a falta de estacionamento em quase
todos os balneários.”. (IPUF, 1981, p. 6). 28
É o nome completo do entrevistado Seu Chico.
55
supostas infrações ambientais e a sua substituição por
empreendimentos imobiliários de grande porte.
Assim, a partir das memórias de Seu Chico, analisadas
em trabalho anterior (AMARANTE, 2013) e citadas na
introdução desta dissertação, foi possível visualizar os
desdobramentos do acontecimento da derrubada do bar para o
bairro do Campeche e para a cidade de Florianópolis. Esse
evento em particular ressalta o debate sobre questões
ambientais que envolvem as Áreas de Preservação Permanente
(APP), culturais e urbanas inseridas na conjuntura de
crescimento do referido bairro.
Através da análise da entrevista realizada com Seu
Chico29
é que se tornou possível pensar na importância da
História Oral como metodologia de pesquisa, pois pessoas
consideradas comuns como Seu Chico passam a ter voz na
história. A sua memória, analisada aqui enquanto fonte,
permitirá refletir o significado do acontecimento da derrubada
do bar no ano de 2010 e como a expansão da urbanização do
centro de Florianópolis para os bairros, entre eles o Campeche,
29 A análise completa da entrevista com Seu Chico já havia sido realizada na
pesquisa de monografia, porém aqui nesta análise serão enfatizadas outras
partes da mesma.Ver: AMARANTE, Carolina do. A Derrubada do Bar do
Chico e o Show do Ben Harper: Embates de uma História do Tempo
Presente (2010-2011). 87f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação).
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) - Centro de Ciências
Humanas e da Educação. Curso de História. Florianópolis, 2013.
56
é descrita por esse morador do bairro. Pode-se pensar na
função do historiador em registrar e analisar essas memórias a
partir dos apontamentos de François Dosse que nos lembra que
o dever de memória "lembra ao historiador sua função cívica, a
de um soldado sentinela que não produz sobre os grandes
traumatismos do passado um saber frio. Ele participa da
construção e depois da transmissão da memória social.”
(DOSSE, 2003, p. 292- 293).
Visando perceber como a conjuntura do evento
analisado foi sentida pelos moradores do bairro, foram
realizadas dezenove entrevistas: Francisco Alexandrino Daniel,
Ana Honorata Wigganigo, Elaine Tavares, Eduardo Daniel,
Norma Freitas, Thiago Kahl, Deise Amarante Muliterno,
Roberta Barreto Viana Stahl, Gabriela Wiest, Alonita Martinha
da Silva, Clarissa de Melo Vaia, Ires Buratti de Souza,
Gabriela Souza de Oliveira, Ademir Damasco, Ataíde Silva,
Tereza Cristina Pereira Barbosa, Lázaro Bregue Daniel.30
Além
30 As respectivas entrevistas foram realizadas na ordem dos nomes dos
depoentes citados e a importância de ressaltar que foram feitas dezenove é
para informar que estas serão utilizadas em todos os capítulos desta
pesquisa, porém vale também destacar que nem todas serão utilizadas neste
capítulo. Como é o caso das depoentes e moradoras dos novos condomínios
residenciais do bairro Campeche: Deise Amarante Muliterno, Roberta
Barreto Viana Stahl e Gabriela Wiest, que ao desligar o gravador
comentaram que já tinham ouvido falar do Bar do Chico e de uma polêmica
o envolvendo, mas não tiveram contato com este, porém, seus relatos terão
relevância e serão empregados no terceiro capítulo desta dissertação. Assim
57
destes entrevistados, destacam-se as entrevistas com o
professor aposentado da UFSC (Universidade Federal de Santa
Catarina), Ivo Sostizzo31
, que durante doze anos lecionou a
disciplina de Planejamento Urbano no Departamento de
Geografia e com a professora da UDESC, Carmen Susana
Tornquist.32
O roteiro foi estruturado pensando em entrevistas
temáticas e esse tipo de entrevista versa “prioritariamente sobre
a participação do entrevistado no tema escolhido” (ALBERTI,
2004, p. 37).
A partir disso, pode-se perceber a importância de fazer
um roteiro de entrevista “que servirá de base para os roteiros
individuais dos entrevistados. O roteiro geral tem dupla função:
sistematizar os dados levantados durante a pesquisa exaustiva
a historiadora Verena Alberti coloca que “Convém, pois contar com
entrevistados de diferentes origens que desempenhem diferentes papéis
no universo estudado, a fim de variadas funções, procedências e áreas de
atuação sejam cobertas pela pesquisa.”(ALBERTI, 2008, p. 175). 31
O respectivo depoente foi entrevistado por entender das condições
urbanísticas do bairro Campeche, mas não sabia da existência do Bar do
Chico. Mas, por compreender em que condições de planejamento poderia se
encontrar o bar, seu relato será significativo nos próximos capítulos. A
pesquisadora DanièleVoldman coloca que “No mesmo intuito de
esclarecimento, não se deve designar toda pessoa entrevistada como uma
testemunha que dá um depoimento, sendo esta palavra tomada num sentido
relativamente estrito.” (VOLDMAN, 2006, p. 248). 32
Optei por deixar os nomes verdadeiros dos entrevistados, pois na
monografia com a respectiva temática (AMARANTE, 2013), assim o fiz,
para ficar mais característico com o enredo histórico. Além disso, nenhuma
informação comprometedora será disponibilizada nesta respectiva pesquisa
em respeito às testemunhas orais.
58
sobre o tema e permitir a articulação desses dados com as
questões que impulsionam o projeto, orientando, dessa forma,
as atividades subsequentes.” (ALBERTI, 2008, p. 176). Assim
para se realizar um trabalho de história oral, deve-se ater que:
Nenhuma entrevista deve ser realizada sem uma
preparação minuciosa: consulta a arquivos, a
livros sobre o assunto, à vida do depoente,
leitura de suas obras, se houver alguma, bem
como referências sobre as principais etapas de
sua biografia. Cada entrevista supõe a abertura
de um dossiê de documentação. A partir dos
elementos colhidos, elabora-se um roteiro de
perguntas do qual o informante deve estar
ciente durante toda a entrevista. (BONAZZI,
2006, p. 236).
As dezenove entrevistas tiveram tempos de duração
variados33
. Através da análise destes depoimentos pretende-se,
mesmo considerando sua condição de narrativa de uma versão
do fato, que a história oral temática possibilite compreender “a
participação do entrevistado no tema escolhido” (ALBERTI,
2008, p. 175). A partir de Alberti (2008) observa-se que a
versão do acontecimento interpretada como uma construção da
realidade pode ser usada para questionar a perspectiva da
33 A entrevista realizada com Seu Chico deu uma hora e dezenove minutos
de gravação, a do entrevistado Ataíde Silva que teve a durabilidade de uma
hora, trinta e sete minutos e cinquenta segundos, foi a mais longa e a da
testemunha oral Clarissa de Melo Vaia teve durabilidade de nove minutos e
cinquenta e sete segundos.
59
escrita da respectiva narrativa histórica, pois esta se utiliza das
várias visões parciais dos depoentes para a construção do
enredo de caráter histórico a respeito do acontecimento
analisado. A proposta de apresentar as várias contradições e
matizes a respeito do contexto histórico da derrubada do Bar do
Chico em 2010 objetiva confrontar mais de um discurso.
Para alcançar a formulação de hipóteses plausíveis na
escrita desta narrativa buscou-se resposta no texto O narrador.
Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, do filósofo
Walter Benjamin, em que o autor propõe que “uma experiência
quase cotidiana nos impõe a exigência dessa distância e desse
ângulo de observação. É a experiência de que a arte de narrar
está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas
que sabem narrar devidamente.” (BENJAMIN, 1987, p. 197).
Dessa forma, priorizou-se o envolvimento das testemunhas
orais entrevistadas no acontecimento específico, buscando
analisar como estas rememoram tal fato, valorizando a
subjetividade dos depoentes. Procurou-se aqui tomar as
memórias dos entrevistados como fontes para a história do
bairro, o que leva a compreender que estas não são uma
verdade histórica, mas uma ressignificação do passado.
A intervenção do historiador a que escolhe o
documento, extraindo-o do conjunto dos dados
do passado, preferindo-o a outros, atribuindo-
60
lhe um valor de testemunho que, pelo menos
em parte, depende da sua própria posição na
sociedade da sua época e da sua organização
mental, insere-se numa situação inicial que é
ainda menos “neutra” do que a sua intervenção.
O documento não é inócuo. É antes de mais
nada o resultado de uma montagem, consciente
ou inconsciente, da história, da época, da
sociedade que o produziram, mas também das
épocas sucessivas durante as quais continuou a
viver, talvez esquecido, durante as quais
continuou a ser manipulado, ainda que pelo
silêncio. O documento [...] devem ser em
primeiro lugar analisados desmistificando lhe o
seu significado aparente. O documento é um
monumento. Resulta do esforço das sociedades
históricas para impor ao futuro – voluntária ou
involuntariamente – determinada imagem de si
próprias. No limite, não existe um documento-
verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao
historiador não fazer o papel de ingênuo. [...] É
preciso começar por desmontar, demolir esta
montagem, desestruturar esta construção e
analisar as condições de produção dos
documentos-monumentos. (LE GOFF, 1996, p.
547-548).
Assim, através da metodologia da História Oral, é
possível evitar que as memórias das testemunhas entrevistadas
que vivenciaram as transformações ocorridas no bairro e a
conjuntura do acontecimento analisado sejam apreendidas
como “documentos-monumentos” (LE GOFF, 1996), mas
compreendidas enquanto representações do passado aqui
estudado.
61
O presente capítulo encontra-se subdividido em três
subcapítulos: “O Bar do Chico”; “As entrevistas com Seu
Chico e os nativos do bairro Campeche” e, por fim, “As
entrevistas com os de „fora‟ que moram no bairro Campeche”.
Nele procuro analisar as repetições e os afastamentos presentes
nos dezenove depoimentos, percebendo a questão da
urbanização do bairro e as reverberações causadas pela
derrubada do Bar do Chico.
2.1 O BAR DO CHICO
Quase oito anos depois de sua concepção,
estreou finalmente na capital, durante o
Florianópolis Audiovisual Mercosul, o
documentário „Desculpe pelo Transtorno: A
História do Bar do Chico‟. Idealizado pelo
cineasta Todd Southgate e o artista plástico
Ivan de Sá, conta a trajetória do famoso bar de
Franscisco Alexandrino Daniel, o Seu Chico,
que foi referência do Campeche durante mais
de 20 anos, até sua demolição em 2010. (Jornal
do Campeche e Sul da Ilha. – Florianópolis,
junho de 2015 – Ano 17 – n° 137, p. 2)
62
Figura 2 - Foto acervo da família de Seu Chico. A respectiva
foto já foi apresentada na monografia (AMARANTE, 2013, p. 52),
porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta
pesquisa. O objetivo da fotografia é mostrar o entrevistado Seu
Chico, figura de destaque no respectivo enredo histórico, em
seu bar na praia do Campeche. Em 13 de junho de 2011, Seu
Chico foi homenageado com a Medalha Manézinho da Ilha
Aldírio Simões34
.
34 LEI N° 8610, DE 26 DE MAIO DE 2011. CONCEDE MEDALHA
MANEZINHO DA ILHA. Faço saber a todos os habitantes do Município de
Florianópolis que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte
Lei: Art. 1º Fica concedida ao Senhor Francisco Alexandrino Daniel (Seu
Chico) a Medalha Manezinho da Ilha Aldírio Simões. Art. 2° Esta Lei entra
vigor na data de publicação. Florianópolis, aos 26 de maio de 2011. DÁRIO
ELIAS BERGER PREFEITO MUNICIPAL. Disponível em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/diario/pdf/13_06_2011_17.46.01.6eec
266cbad7ad5773992964e4b61bd2.pdf> Acesso em: 15 jun. 2011.
Correspondente a LEI Nº 7040/2006 de maio de 2006, na qual consta no
Art. 1º “Fica criada a medalha „Manezinho da Ilha Aldírio Simões‟, a qual
será concedida àqueles cidadãos nascidos e/ou criados no município de
Florianópolis, com o reconhecimento próprio.” Disponível em
<sistemas.sc.gov.br/cmf/pesquisa/docs/2006/LPMF/LEI7040_06.doc>
Acesso em: 15 jun. 2011. (AMARANTE, 2013, p. 39).
63
Francisco Alexandrino Daniel, conhecido como "Seu
Chico" nasceu em 15 de março de 1924, filho de Alexandrino
Pedro Daniel (Seu Doca) e Ana Infância Daniel, neto de João
Francisco Daniel e Onorata, que eram donos da gleba onde se
localiza o Bar do Chico, no bairro Campeche. Seu avô, João
Francisco Daniel faleceu em 1936 e suas terras foram sendo
repassadas para os filhos, netos e bisnetos.
Seu Chico, que se casou em 1946 com Dona Eva
Bregue, trabalhava como pescador artesanal. A partir de 1956,
passou a exercer a função de funcionário do Ministério da
Agricultura que, em convênio com a Prefeitura de
Florianópolis, na gestão do Prefeito Osmar Cunha, lotou-o na
Lagoa da Conceição até 1961. Atuando neste cargo, Seu Chico
foi transferido para o bairro do Saco Grande, entre 1961 e
1964, para Capoeiras até 1967 e, finalmente, para o centro da
cidade, entre 1967 e 1982. Depois desta trajetória no setor
público Seu Chico aposentou-se. Nascido e criado no bairro do
Campeche, Seu Chico, gostava de afirmar sua ascendência
açoriana35
, preservava a tradição de seus antepassados em
35 A historiadora Maria Bernadete Ramos Flores, aponta que a essa
característica da ascendência açoriana presente na Ilha de Santa Catarina
deve-se “Do mesmo modo, no século XVIII, o transporte de colonos
açorianos e madeirenses para Santa Catarina e Rio Grande do Sul foi uma
iniciativa do rei de Portugal para alargar seu domínio no Sul do Brasil,
contra o interesse dos espanhóis.” (2000, p. 27). Ainda, (2000, p. 40)
descreve que “A coroa financiou o transporte e o assentamento em Santa
64
vários aspectos, dentre as quais a atividade de subsistência da
pesca artesanal36
, pois esta é atividade característica das
comunidades de origem açoriana estabelecidas no litoral
catarinense (LAGO, 1996). Segundo o depoimento de Lázaro
Bregue Daniel37
, filho de Seu Chico, o dono do bar era
reconhecido na comunidade do Campeche, pois:
Teve uma repercussão muito grande. Meu pai
recebeu vários artistas, a nível nacional e até
atores internacionais que passaram a frequentar
o bar na temporada. Tinha um ator americano,
que depois ficou morando aqui em
Florianópolis, inclusive ele dizia que o meu pai
era o pai adotivo dele. Meu pai era, além de um
Catarina e no Rio Grande do Sul de, aproximadamente, 6.000 colonos, entre
homens, mulheres e crianças.”. 36
Segundo o professor do Departamento de Geociências da UFSC, José
Messias Bastos “A pesca artesanal que [...] assiste a partir dos anos 60, com
a criação da SUDEPE (Superintendência Do Desenvolvimento Da Pesca)
não só sua marginalização com os incentivos fiscais concedidos à pesca
industrial embarcada como também a orquestração de uma política de
desmonte da estrutura de beneficiamento do pescado [...]. Por outro lado, a
capacidade de captura da pesca embarcada fez escassear o pescado na costa
catarinense contribuindo mais e mais para o aprofundamento da decadência
da pesca artesanal. Como não poderia deixar de ser, o processo contínuo de
destruição da estrutura mercantil pesqueira [...] fez suas populações
migrarem ou para cidade, à procura de novas alternativas de trabalho, ou
partirem para os grandes centros pesqueiros do Brasil.”. (BASTOS, 2000, p.
137-138). 37
Lázaro Bregue Daniel, é um dos entrevistados dessa pesquisa e atuou
como vereador pelo PT (Partido dos Trabalhadores). Disponível em:
<http://www.quadropolitico.com.br/DadosCandidato/2715980/LAzaro-
Bregue-Daniel>. Acesso em: 11 nov. 2012. Segundo o próprio entrevistado
“[...] e eu nessa época também comecei com o meu mandato de vereador,
em 93, [...].” (BREGUE DANIEL, 2015, p. 4-5).
65
manezinho, um baita de um gozador né. O
nome do ator, [...], era O‟Neil 38
[...].[...] então
o pai disse vou ter que trocar esse nome, tu vai
ter que ter um nome de manezinho (risos), aí o
meu pai botou o nome de Zé Onil (risos), pra
ser filho de criação dele. E ele ficou
praticamente uns dois anos aí convivendo com
meu pai, além do bar ele começou a frequentar
a casa do meu pai, era muito amigo. (BREGUE
DANIEL, 2015, p. 3).
O colunista do Clube de Cinema, Andrey Lehnemann,
ao falar sobre o filme Desculpe pelo Transtorno: A História do
Bar do Chico, afirma que “Seo Chico parece não saber seu
papel. É apenas um homem. Mas um homem que despertou um
senso de por justiça em toda a população.” (Jornal Diário
Catarinense, 22 de ago. de 2015). O local onde estava
instalado o Bar do Chico era sobre as dunas da praia do
Campeche. O espaço começou a ser utilizado como rancho de
pesca a partir de 1940. Assim, no inicio da década de 1980,
quando os barcos industriais começaram a dominar o mar
(LAGO, 1996), Seu Chico diante das dificuldades econômicas
advindas devido o baixo valor de sua aposentadoria e, além
disso, com a pouca rentabilidade financeira gerada pela
atividade da pesca artesanal, achou necessário criar uma
38 Acredita-se que o nome do ator americano a qual Lázaro Bregue Daniel
se refere, mesmo havendo dúvidas em suas memórias, seria Edward Phillip
“Ed” O‟Neill, Jr, mais conhecido como Ed O‟Neill. A partir de descrições
físicas do ator pelo entrevistado conclui-se que seja este.
66
alternativa de renda. A partir de 1983 tem início a história do
Bar do Chico quando foi construído um rancho rústico no local
para comercialização de produtos alimentícios e recepção de
surfistas, pescadores e banhistas, uma vez que inexistia
qualquer ponto de apoio ou posto de salva vidas nas
proximidades.39
Assim, Seu Chico passou a intercalar o uso do
local entre a atividade tradicional da pesca artesanal da tainha,
predominantemente no inverno, e como bar no verão, período
em que a renda proveniente da pesca sempre foi muito
reduzida.40
Segundo Lázaro Bregue Daniel, o Bar do Chico
surgiu no seguinte contexto:
Bom, o meu pai é pai de dezesseis filhos né, na
época treze vivos e pelo trabalho dele, que o
salário era pouco, ele não tinha condições de
sustentar os filhos. Então como ele era também
pescador, que era o complemento da nossa
alimentação e o complemento do salário dele,
[…] ele tinha o rancho de canoa, onde
pescavam e ele aproveitou o rancho pra fazer
um barzinho. No primeiro momento além de
vender alguma coisa e ter um lucro pra ajudar
no sustento da família, ele também servia para
os pescadores como abrigo, pra água, banheiro,
então esse foi o motivo. E o bar foi uma
39 Ver: Defesa dos Autos da FLORAM (Fundação Municipal do Meio
Ambiente), de infração n° 0176/98. p 1. 40
Sobre esta e outras informações do Bar do Chico como patrimônio
cultural da comunidade do Campeche ver: Proposta de Tombamento da
“Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu Chico” como
Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis. p. 4.
67
surpresa até pra ele porque na época o bar
começou a crescer, as pessoas de fora que
vinham que não queriam a badalação
procuravam o barzinho, e um ia passando pro
outro, primeiro em Florianópolis né e de
repente ele foi crescendo de uma tal maneira
que se tornou um bar bem grande, onde vinha
gente não só de Florianópolis mas do estado, do
Brasil inteiro, e depois mais tarde, até do
exterior. (BREGUE DANIEL, 2015, p. 2).
O Bar do Chico, ainda em 1983, teve que adequar as
antigas instalações para a nova finalidade, cumprindo as
exigências legais do Poder Público Estadual e Municipal como
a construção de um rancho rústico, de madeira, com divisões
internas para a cozinha e balcão para atendimento ao público e
banheiro com acesso externo, também para uso do público em
geral. Ao lado do bar, havia apenas uma cobertura de madeira,
contendo ao fundo um pequeno palco, chamado “recanto
açoriano”, para apresentações musicais e outros eventos. 41
Por ser em local elevado e coberto próximo ao mar, o
rancho do Seu Chico era uma excelente área de observação
41 O local possuía iluminação pública fornecida pela CELESC, rede de água
fornecida pela CASAN, serviço de telefone público fornecido pela
TELESC. Além disso, sobre esta e outras informações do Bar do Chico
como patrimônio cultural da comunidade do Campeche ver: Proposta de
Tombamento da “Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu
Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis.
p. 2.
68
para os "vigias"42
da tainha, que tem como principal função
observar o mar durante horas à espera de avistar os cardumes
de peixes, que chegam nesta região. Logo, o Bar do Seu Chico
mantinha estreitas ligações com os pescadores locais, além de
servir como fonte secundária de renda para a família Daniel.
No bairro Campeche era tradição a realização de festas
no Bar do Chico, conhecidas e divulgadas em toda a cidade. O
local era, principalmente no período do verão, um importante
ponto de encontro da comunidade local, surfistas e turistas que
buscavam um espaço para descanso, socialização e consumo.43
A principal festa promovida pelo Bar do Chico ocorria
nos dias de lua cheia, à beira de uma fogueira construída
coletivamente e com a apresentação de bandas de artistas
locais, sendo conhecida como “Luau do Bar do Chico”. A
jornalista Elaine Tavares destaca em seu depoimento as
memórias saudosas sobre essas festas: “Eu lembro daquelas
festas que aconteciam lá, os luaus, que eram os finais dos
42 Ao localizar os peixes, os "vigias" se apressam em avistar os pescadores
para colocar seus barcos no mar e lançar a rede, que depois será puxada por
todos da comunidade. Os que ajudam a puxar a rede recebem a sua parte de
pescado, ficando o restante para os pescadores que os vendem ali mesmo na
praia, em pequenos comércios ou para grandes comerciantes. Esta atividade
é característica da região (LAGO, 1996), conforme é ressaltado na Proposta
de Tombamento do Bar, ocorrida em 24 de abril de 2001. 43
Sobre esta e outras informações do Bar do Chico como patrimônio
cultural da comunidade do Campeche ver: Defesa dos Autos da FLORAM,
de infração n° 0176/98. p 1.
69
nossos encontros de congressos, enfim, de debates políticos,
tudo acabava no Bar do Chico.” (TAVARES, 2012, p. 3).
O Bar do Chico sempre foi ponto de apoio para
atividades tradicionais da comunidade do Campeche, como o
Quinhão do Santo, que é uma antiga tradição dos pescadores de
destinar parte do resultado da pesca para a administração da
Igreja44
, a Encenação da Paixão de Cristo45
e o Carnaval do O
Nô Di, que geralmente se encerravam no largo da Capela de
São Sebastião ou no Bar do Chico.
E aí começa a história do bar, porque a
discussão, além de ser em outros locais ela
passou a ser, como todo mundo se reunia na
praia no verão, no bar. Passou a ser o ponto de
discussão, não só o ponto de discussão, mas pra
uma série de projetos, projetos culturais, tinha
44 A contribuição dos pescadores para a concretização da festa anual
realizada pela Igreja de São Sebastião, o santo padroeiro do bairro
Campeche, que denomina a antiga capela provavelmente construída em
1826. Essa prática é um registro concreto da profunda religiosidade
existente na cultura açoriana. Sobre esta e outras informações do Bar do
Chico como patrimônio cultural da comunidade do Campeche ver: Proposta
de Tombamento da “Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu
Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis.
p. 4. 45
A procissão saía da Igreja de São Sebastião, percorria o caminho histórico
da “Picada da Capela” até ao pico da duna ao lado do Bar do Chico, onde se
erguiam três cruzes. Depois da crucificação e morte, a comunidade
retornava para a Capela pelo mesmo caminho. Sobre esta e outras
informações do Bar do Chico como patrimônio cultural da comunidade do
Campeche ver: Proposta de Tombamento da “Picada da Capela” e seus
arredores e do “Bar do Seu Chico” como Patrimônio Histórico-Cultural do
Município de Florianópolis. p. 5.
70
música, tinha encontro de pessoas, até a
encenação da Paixão de Cristo foi feita lá, e daí
começou uma briga entre nós e os
representantes da prefeitura. (BREGUE
DANIEL, 2015, p. 6).
De acordo com os depoimentos, alguns dos
frequentadores do Bar do Chico eram também pessoas ligadas
a partidos considerados de esquerda como o Partido dos
Trabalhadores (PT), de forma que “a gente não tinha lugar para
fazer reunião e como não tinha era tudo meio escondido. [...]
Era no Bar do Chico que a esquerda de Florianópolis ia fazer
seus encontros.”. (TAVARES, 2012, p. 3). A testemunha oral
Ataíde Silva relata que:
Então assim, ao Bar do Chico [...] vinha muito
o pessoal da cidade, muitos tinham uma relação
com a esquerda, com o PT, com o lado de
esquerda e tal, que foi até um dos motivos que
levou a derrubada do Bar do Chico, essa
ciumeira, né, essa identificação. (SILVA, 2015,
p. 3-4).
É possível observar a construção de um significado
político para o Bar do Chico como uma referência local para o
encontro de interessados em discussões partidárias e políticas.
Ainda como aponta Lázaro Bregue Daniel:
E no bar depois de certo tempo começou a
aparecer uma grande freguesia, que era a
71
própria comunidade, que fez daquele local um
espaço deles, um ponto de encontro da
comunidade, não só para os finais de semana,
ou para os dias em que estavam na praia, para
beber uma cervejinha, comer um peixinho, mas
passou a ser encontro de amigos, onde começou
a ser discutido o problema da comunidade.
Nessa época, já a partir de 89, a prefeitura fez
um plano diretor que era para o Campeche.
Esse plano diretor foi feito lá no IPUF e ele
veio aqui apresentar para a comunidade para
pegar o respaldo dela. A resposta da
comunidade foi dizer “não é um plano bom”,
em outubro de 89, eu estava presente nessa
reunião, que tinha em torno de cem pessoas, as
pessoas correram com o IPUF daqui.
(BREGUE DANIEL, 2015, p. 3 - 4).
Na historiografia é possível recorrer aos apontamentos
de Ginzburg (2006) em sua obra O queijo e os vermes onde é
possível parafraseá-lo a respeito da temática do moinho como
um espaço de sociabilidade, difusão de pensamentos e
compartilhamentos de perspectivas culturais e políticas. O
moinho do Menocchio:
Contribuía para alimentá-lo o fato de o moinho
ser um lugar de encontros, de relações sociais,
num mundo predominantemente fechado e
estático. Um lugar de troca de ideias, como a
taverna e a loja. Com certeza, os camponeses
que se amontoavam nas portas do moinho, [...]
para moer os grãos, deviam falar sobre muitas
coisas. (GINZBURG, 2006, p. 181).
72
As funções exercidas pelo moinho como lugar de
encontro para a troca de ideias e experiências aproxima-se do
papel do Bar do Chico para a comunidade do Campeche, uma
vez que ambos podem ser definidos como locais em que,
pessoas comuns podiam intercambiar questões referentes à
realidade vivida. Pois, se Menocchio conseguia pensar a
respeito da influência da Igreja Católica na vida da comunidade
italiana e pré-industrial de Montereale justamente por ter
acesso ao ambiente do moinho, o mesmo pode-se pensar sobre
o Bar do Chico, pois este foi uma referência para a
confraternização da esquerda de Florianópolis desejosa de
debater a respeito do crescimento do bairro do Campeche. De
acordo com o colunista do Clube de Cinema, Andrey
Lehnemann:
[...] na história de Seo Chico, a qual por vezes
confunde-se com a da praia. Nas filmagens
antigas, nos negativos de fotos, nas
personalidades que passaram pela Ilha, o
cineasta nos convida para compreendermos não
só o homem, mas o papel social da política
catarinense neste percurso. Um papel que
evidencia cada vez mais amedrontador no
decorrer do documentário – à medida que nos
aproximamos de Chico e de seu bar, o
Campeche e suas manifestações também se
tornam ressoantes. Assim como seus clamores
pela proteção de suas memórias, de suas
famílias e do que fez Santa Catarina se tornar
referência turística no Brasil. (Jornal Diário
Catarinense, 22 de ago. de 2015).
73
Figura 3 - Foto acervo da família de Seu Chico. Na fotografia
acima ele aparece ao lado do ator Marcos Palmeira. O local era
frequentado por turistas, além dos próprios moradores do
bairro. (AMARANTE, 2013, p. 39). Segundo o entrevistado
Ademir Damasco “o Seu Chico era uma pessoa muito
carismática, uma pessoa assim cultural, ele era um
multiplicador cultural.” (DAMASCO, 2015, p. 3).
Os conflitos em torno da derrubada do bar perpassam a
década de 1990. Neste período, o filho do Seu Chico, Lázaro
Bregue Daniel, tornou-se vereador. Conforme os depoimentos
dos entrevistados, esta posição pública fez com que Lázaro
fosse alvo de adversários políticos.46
Além disso, alguns jornais
locais indicam que os embates políticos que envolviam o
46 Essa informação será ressaltada nos próximos subcapítulos deste
respectivo capítulo.
74
vereador Lázaro teriam determinado a derrubada do Bar do
Chico. Como pode ser percebido nas afirmações do Jornal Da
Lagoa, de 2000, “o bar também foi criado antes das leis
municipais. Seria bom que a FLORAM mostrasse tanta
vontade contra as obras que realmente ameaçam o meio
ambiente - não somente contra o pai de um vereador da
oposição... (Seu Chico é pai do Vereador Lázaro do PT).”
(Jornal Da Lagoa, fev. de 2000).
A questão política também fica evidente no seguinte
trecho do Jornal A Notícia, de Florianópolis (SC), mostrando
que a proposta de tombamento do bar encontrava obstáculos:
A superintendente da FLORAM, Elizabeth
Amin Vieceli, acha que a “transformação em
patrimônio cultural de uma obra irregular, onde
funciona um bar sem autorização, vai abrir um
precedente perigoso em Florianópolis”. Ela
acha que se não for demolido, “poderá parecer
que isso não aconteceu porque o proprietário é
pai de um vereador”, disse, referindo-se ao
vereador Lázaro Daniel (PT). (Jornal A Notícia,
28 de fev. de 2000, p. 4).47
Com relação ao tombamento do Bar do Chico como
patrimônio cultural, histórico e turístico do município de
Florianópolis, foi construído um dossiê que continha um
47 Essas citações de jornais já foram apresentadas na monografia
(AMARANTE, 2013, p. 40), porém devido a sua importância ela é
enfatizada nesta pesquisa.
75
abaixo-assinado, representando entidades e movimentos sociais
do Campeche e de Florianópolis em geral, bem como de Seu
Chico e Eva Bregue Daniel, compondo 1.441 assinaturas. A
proposta do tombamento se inseria justamente no contexto da
existência de locais que asseguram a preservação das
características da cultura regional e consequentemente
contribuem para o turismo. A proposta oficial para o
desenvolvimento do Campeche, a partir de 1989, foi elaborada
de acordo com a estratégia política local de incentivar a
vocação turística de Florianópolis, de forma que o projeto de
tombamento do Bar do Chico estaria inserido nas diretrizes do
Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche
e região, do mesmo ano.
No documento Proposta de Tombamento da “Picada
da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu Chico” como
Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis,
do ano de 2001, é ressaltado o “valor cultural” do bar,
reconhecido pelos florianopolitanos e visitantes como
importante espaço para manutenção de práticas e tradições
locais. Percebe-se a memória atuando em um processo de
reivindicação da preservação cultural, definindo o bar da praia
do Campeche como um local importante para reprodução das
práticas tradicionais da capital catarinense. Assim o significado
da proposta de tombamento do Bar do Chico propunha
76
justamente ir contra a ideia de que “a eliminação física é o
ápice do antimonumento, que completa ao se tornar invisível
[...]” (MENESES, 2009, p. 459).
Contudo, o tombamento não se efetivou, sob a alegação
de que o Bar do Chico era uma construção irregular, dentro de
uma área considerada de APP. O bar foi criado antes da lei de
proteção ambiental, instituída no ano de 1985 (Decr. Municipal
nº 112, 31/5/85), que trata do Plano Diretor dos Balneários e
Interior da Ilha, tombando várias dunas do município,
inclusive as da praia do Campeche. Segundo o dossiê de
tombamento do bar, este instalou-se nas dunas
aproximadamente em 1940 e a edificação do bar ocorreu em
1983.
Diante desses acontecimentos, no dia 24 de abril de
2001 foi enviado ao IPUF, pela AMOCAM (Associação de
Moradores do Campeche), a Proposta de Tombamento da
„Picada da Capela‟ e seus arredores e do „Bar do Chico‟ como
patrimônio histórico – cultural do Município de Florianópolis,
que recebeu uma decisão contrária ao pedido de tombamento
do Bar do Chico. O parecer de n° 0877/2002 (Processo n°
1119/2002- IPUF- referente ao Ofício da AMC-003/2001
AMOCAM) alegava que o bar encontrava-se sobre faixa
marinha e área de dunas, definidas como APP.
77
Como a resposta ao pedido de tombamento do Bar do
Chico foi negativa, a AMOCAM solicitou a reconsideração da
decisão pelo IPUF, com um processo protocolado48
em 19 de
julho de 2002, alegando que houve desconsideração da
manifestação da comunidade que tem o interese em preservar
os hábitos e os costumes que são praticados neste espaço,
arraigados na vida dos moradores antigos e absorvidos pelos
novos moradores, visitantes e turistas. 49
A respeito dos processos sobre a preservação e a
demolição do Bar do Chico, destaca-se que em maio de 1998
foi expedido o auto de infração 176/98 determinando a
condição “irregular” do estabelecimento, questão divulgada
pelos jornais da cidade de Florianópolis e detalhado por
Amarante (2013)50
.
48 Deferimento do Parecer do processo n° 0877/2002, contrário ao
tombamento do “Bar do Chico” e a “Picada da Capela”, exarado no
Processo n° 142 (1119/2002). Documento encontrado juntamente na cópia
do documento da Proposta de Tombamento da “Picada da Capela” e seus
arredores e do “Bar do Chico” como patrimônio histórico – cultural do
Município de Florianópolis. 49
Essas citações já foram apresentadas na monografia (AMARANTE,
2013), porém devido a sua importância ela é enfatizada nesta pesquisa. 50
A importância de destacar que serão utilizados os mesmo jornais que
foram utilizados na construção da monografia com o respectivo tema
(AMARANTE, 2013), pois ao se iniciar o Mestrado na UDESC no semestre
de 2014.2 foi feito um levanto de jornais, na Biblioteca Pública do Estado
de Santa Catarina, em busca de mais notícias a respeito do Bar do Chico e
do bairro Campeche. A respeito do Bar do Chico não foram encontrados
novas notícias, mas pude ter acesso a mais algumas poucas, pois já tinha
78
Conforme algumas informações, foi no dia 25 de
novembro de 1999 que a FLORAM, por meio de uma ação
civil pública, pediu a demolição do bar, confirmando a
irregularidade da construção, situada em uma APP, salientando
que esta era distante cerca de 800 metros do Sufoco‟s Bar51
,
demolido no ano anterior pelo mesmo motivo. (Jornal A
Notícia, 23 de jan. de 2000, p. 6).
No dia 30 de janeiro do ano de 2000 torna-se evidente o
apoio da comunidade do bairro, como afirma o jornalista Cacau
Menezes em sua coluna no Jornal Diário Catarinense:
Frequentadores do bar do Chico, no Campeche,
entre os quais professores universitários,
jornalistas e artistas, promovem às 11 da manhã
deste domingo um grande abraço em defesa de
sua manutenção. Bar obedece, de fato, os
padrões de qualidade estabelecidos pelas regras
do turismo. Por ser um point, que virou
tradição, merece preservação. Movimento é
justo. (Jornal Diário Catarinense, 30 de jan. de
2000, p. 63).
quase todas que a testemunha oral Lázaro Bregue Daniel me disponibilizou
o acesso. 51
O Sufoco‟s nasceu no verão de 1988/89 nas dunas da Praia do Campeche.
O nome surgiu devido às dificuldades para montar o Bar: era um sufoco
para atravessar as dunas. O Bar permaneceu na Praia do Campeche até o
ano de 1998, ressurgindo dois anos depois em seu atual endereço na
Avenida Campeche, em frente à Lagoinha Pequena. Disponível em:
<http://www.obaoba.com.br/florianopolis/bar/rio-tavares/sufocos-bar>.
Acesso em: 25 out. 2012.
79
No entanto, continuando a seguir os rastros dos
vestígios a respeito do acontecimento analisado, verifica-se que
no dia 17 de fevereiro de 2000, a FLORAM teve o parecer
favorável ao pedido para demolir o Bar do Chico. Ignorando
assim os apelos da AMOCAM (Associação de Moradores do
Campeche) e de um abaixo assinado subscrito com mais de mil
assinaturas. (Jornal A Notícia, 21 de fev. de 2000, p. 5). No dia
25 de fevereiro do mesmo ano, o bar esteve prestes a ser
derrubado, como noticia o jornalista Cacau Menezes a respeito:
Ontem pela manhã, um grupo de funcionários
da FLORAM esteve, com a polícia, na Praia do
Campeche para a demolição do Bar do Chico.
Por sorte, os advogados e moradores presentes
no local tinham em mãos o despacho do
desembargador Sérgio Paladino52
, suspendendo
a liminar de demolição expedida pela juíza
Sônia Schmitz. O documento foi conseguido no
final da tarde de quinta-feira. (Jornal Diário
Catarinense, 26 de fev. de 2000, p. 35).
52 O desembargador Sérgio Paladino suspendeu o ato da tentativa de
derrubada do Bar do Chico a partir de um despacho que dizia a seguinte
informação “Trata-se de agravo de instrumento interposto por Francisco
Alexandrino Daniel contra decisão que deferiu liminar nos autos da ação
civil pública contra si intentada por FLORAM – Fundação Municipal do
Meio Ambiente de Florianópolis, determinando o desfazimento de um bar
localizado na Praia do Campeche. [...] Suspendo, pois, os efeitos da decisão
até o julgamento do agravo pela Câmera.”. Sobre esta e outras informações
ver: Agravo de instrumento n. 00. 002296-9, da comarca da Capital (Vara
dos Feitos da Fazenda pública e Acidentes de Trabalho). Florianópolis, 24
de fevereiro de 2000.
80
Em uma matéria do dia 29 de maio do ano de 2002, o
Jornal Diário Catarinense publicou sobre mais uma das
tentativas de demolição do Bar do Chico, com o título
“Construção irregular chega a 56%”, na seção ambiente do
jornal.
O proprietário, Francisco Alexandrino Daniel, o
Seu Chico, que luta na Justiça desde 1999 para
que o empreendimento continue de pé, e
funcionando, conseguiu uma liminar evitando
“o prejuízo”, quando os funcionários da
FLORAM já haviam retirado parte do telhado.
“Estou ali há 20 anos e considero uma injustiça
à demolição do bar”, lamentou. (Jornal Diário
Catarinense, 29 de mai. de 2002).
Desde o ano de 2007 o processo de demolição estava
pendente, mas o bar permaneceu nas dunas até 2010. Dias
antes de ser demolido o proprietário do Bar do Chico recebeu
uma ordem de demolição, afirmando que o estabelecimento
seria derrubado até o dia 10 de julho. Como coloca o Jornal
Diário Catarinense:
O processo de demolição está para ser
cumprido desde 2007. Desta vez, a Fundação
Municipal do Meio Ambiente (FLORAM),
órgão da prefeitura, foi notificada pela Justiça.
Segundo o superintendente da fundação,
Gerson Basso, o imóvel terá de ser derrubado
até 10 de julho. (Jornal Diário Catarinense, 25
de jun. de 2010).
81
Em cumprimento ao Processo de Demolição, o Bar do
Chico foi posto abaixo em 16 de julho do ano de 2010, uma
manhã da sexta-feira. O jornalista Cacau Menezes expôs “Não
teve jeito: a prefeitura derruba hoje o Bar do Chico, no
Campeche, point de gente cabeça feita que mora na Ilha e que
não se conforma com a violência.” (Jornal Diário Catarinense,
16 de julho de 2010). Sobre esse acontecimento torna-se
relevante considerar sua importância na respectiva análise,
como um fio condutor a ser pesquisado, pois contribuiu para
esclarecer esta temática trabalhada na historiografia porque
“ademais, o historiador marca muitas vezes sua temporalidade
e sua cronologia com essas descontinuidades sofridas,
encadeando o tempo através daquilo que o rompeu, quebrou,
interrompeu com acontecimentos dolorosos ou sangrentos.”
(FARGE, 2011, p. 14).
O lamento de alguns moradores ecoa também na
afirmação colocada em seu blog pelo jornalista do Diário
Catarinense, Cacau Menezes “Fechado, não era um bar. Era
uma identidade, agora entulho, memória.” (Blog Virtual Cacau
Menezes, 16 de jul. de 2010).
Depois da demolição, pode-se perceber uma
intensificação no movimento dos moradores locais contra as
construções em área de APP, o que possivelmente pode ter
82
relação com a derrubada do tradicional bar em prol de
exigências ambientais. Exemplo disso foi o acontecimento que
motivou os moradores da praia do Campeche a realizarem o
protesto contra a construção de uma passarela nas dunas, bem
como a polêmica a respeito do show do artista norte-americano
Ben Harper realizado no Point do Riozinho, o que será
analisada no terceiro capítulo desta pesquisa.
Assim, frente à imagem que tenta vender o bairro do
Campeche como um excelente lugar para se viver, devido à
presença das belezas naturais, ocorre que a natureza e a
qualidade de vida urbana tornam-se alguns dos aspectos
vendidos pelo marketing imobiliário na capital catarinense.
Este processo é conduzido pelos grandes empreendedores do
mercado imobiliário e pelos governos estadual e municipal.
Desta maneira, vários empreendimentos e condomínios são
construídos em conjunto com algum aspecto físico ou
simbólico da natureza para atrair investidores e compradores,
ou seja, os migrantes que acabam visitando por turismo a Ilha
de Santa Catarina. (HENRIQUE, 2005). A partir
principalmente da construção de grandes empreendimentos
imobiliários, em alguns casos em APPs, a comunidade do
83
bairro reage. É possível perceber essa posição na fala da
testemunha oral Ademir Damasco53
:
As pessoas foram através da rede social um dia
e houve a derrubada do deck. Tiraram todas as
madeiras e houve um motivo de resistência ali
que foi matéria nacional, que provou que a
comunidade do Campeche é muito política e
muito participativa. Talvez seja da cidade a
mais participativa. Isso é legal, porque hoje em
dia existem muitas reivindicações aqui por
causa desses movimentos. E o que as pessoas
fizeram foi tirar todas as madeiras que tinham
colocado e jogaram tudo para dentro do terreno
do condomínio Essence. O Essence ficou de
voltar pra fazer de novo, através da prefeitura,
mas eles viram que tinha um movimento
comunitário muito grande e eles desistiram da
construção, que era o certo. O Essence tinha o
deck de madeira ao lado do Bar do Chico, e não
precisava daquele deck, tanto é que foi provado
que não precisava. Isso foi um movimento que
houve. (DAMASCO, 2015, p. 6).
A testemunha oral Ademir Damasco continua seu relato
destacando que “isso foi um movimento que houve de
resistência. É como um paradoxo. Se derruba o Bar do Chico,
53 A testemunha oral Admir Damasco aponta que “Bom eu nasci em
Ratones que é uma comunidade aqui do norte da ilha, e depois morei na
Trindade um tempo e moro há trinta anos no Campeche.” (DAMASCO,
2015, p. 1). Além de que “eu participei de todos esses movimentos ali no
Campeche.” (DAMASCO, 2015, p.5), se referindo ao movimento de
derrubada do deck do condomínio Essence.
84
porque vai fazer uma construção com decks que no fim vai
ficar uma coisa exclusiva?”. (DAMASCO, 2015, p. 6).
Desde 1983 toda a comunidade utilizava o local que se
tornou popular também entre visitantes à medida que o Sul da
ilha crescia e atraia um grande contingente de todo o Brasil e
do exterior que escolhiam o bairro para morar 54
Após a
derrubada, o Bar do Chico ficou na memória coletiva da
comunidade do bairro do Campeche.
2.2 AS ENTREVISTAS COM SEU CHICO E OS NATIVOS
DO BAIRRO CAMPECHE
Pouco tenho a dizer sobre a limitação mais
óbvia do historiador contemporâneo, ou seja, a
inacessibilidade de certas fontes, porque isso
me parece estar entre o menor de seus
problemas. (HOBSBAWM, 1998, p. 253)
Neste subcapítulo iremos analisar as memórias de Seu
Chico55
e de outros moradores nascidos no bairro Campeche,
pois tornaram-se, como aponta o historiador Pierre Nora,
54 Sobre esta e outras informações do Bar do Chico como patrimônio
cultural da comunidade do Campeche ver: Proposta de Tombamento da
“Picada da Capela” e seus arredores e do “Bar do Seu Chico” como
Patrimônio Histórico-Cultural do Município de Florianópolis. p. 4. 55
No dia 14 de maio de 2011, num sábado cinzento, de outono, a entrevista
com Seu Chico foi realizada pelas mestres em História pela UFSC, Hellen
Martins Rios, Patrícia Volk Schatz e também pela autora da respectiva
pesquisa.
85
“objeto de uma história possível.”. (NORA, 1993, p. 11). Desse
modo, é a partir destas memórias que se tornará possível
confrontar as discussões que motivaram a derrubada do bar, ou
seja, tornar-se-ão compreensíveis os vieses “de luta e de
expectativa e de que uma força invisível como a política pode
trazer abaixo memórias nativas, varrer os sonhos de um
pescador e alimentar a ganância empresarial.” (Jornal Diário
Catarinense, 22 de ago. de 2015).
Como antigo morador do bairro, esperava-se que Seu
Chico criticasse o crescimento urbano do Campeche porque
havia vivenciado um bairro com características rurais e de certa
forma preservado ecologicamente. Entretanto, este afirmou que
todos estes eram elementos importantes para o
desenvolvimento da região, pois como ele falou “não se pode
ficar pequeno pra sempre” (DANIEL, 2011, p. 8). Desta forma,
o historiador que se compromete em trabalhar com História
Oral deve encarar a possibilidade de não receber exatamente as
respostas que desejaria e que seriam importantes para seu
trabalho, mas deve encarar isso como nova possibilidade de
abordagem e mesmo como contraponto e extensão de sua
pesquisa. 56
56 A esse ponto é importante destacar, pois quando foi realizada a entrevista
com Seu Chico, tinha-se a certeza de que ele seria contra o desenvolvimento
urbano para o bairro Campeche. Pensando no problema de pesquisa pautado
86
E quando não escrevemos sobre a Antiguidade
clássica ou o século XIX, mas sobre nosso
próprio tempo, é inevitável que a experiência
pessoal desses tempos modelem a maneira
como os vemos, e até a maneira como
avaliamos a evidência à qual todos nós, tão
obstante nossas opiniões devemos recorrer a
apresentar. (HOBSBAWM, 1998, p. 245).
Contudo, a partir da entrevista realizada com Seu
Chico em 2011 foi possível observar as reticências nas falas
relacionadas à derrubada do bar. O entrevistado explicou que
transformou o rancho de canoas em um bar depois da sua
aposentadoria no Ministério da Agricultura e como delegado
distrital. Quando questionado sobre as razões da derrubada do
bar ele esclareceu conhecer as irregularidades ambientais
no crescimento urbano desenfreado do bairro do Campeche, Seu Chico,
como um morador antigo, de acordo com a minha perspectiva, iria defender
a permanência das características passadas do lugar, o que não aconteceu
porque seu Chico considerava importante o crescimento, pois como ele
mesmo usou como analogia “não se pode ficar pequeno pra sempre”. A
antropóloga Márcia Fantin explica que muitos “nativos” da Ilha pensam
como Seu Chico porque “em contrapartida, entre os „nativos‟ das elites bem
como das camadas populares prevalece uma espécie de visão „mitificada‟
do progresso da cidade, ancorada no discurso de que é preciso mudar,
crescer, construir obras, fazer melhorias. [...] Para muitos pescadores
nativos, do interior da Ilha, o progresso era e é visto com bons olhos. Eles
agora não precisam ir a pé para deslocar-se ao centro da cidade. Basta pegar
um ônibus. Estradas, luz elétrica, água encanada, coleta de lixo, acesso a
posto de saúde, escolas para os seus filhos, tudo isso é muito bom. Além
disso, no verão dá para alugar a casinha para turistas, em especial os
argentinos, e ganhar uma „boa grana extra‟.” (FANTIN, 2000, p. 50).
87
apontadas pela prefeitura e ressaltou não compreender o que
diferenciava a presença de seu bar e dos novos condomínios
residenciais, que também são localizados na área de APP.
Durante a entrevista realizada com Seu Chico, logo
após quase meia hora de conversa, ele finalmente respondeu,
com a voz embargada, parecendo que não queria falar do
assunto da derrubada do bar (2010). Ele se mostrou ciente de
ter acontecido por irregularidade ambiental, mas reportou,
constrangido, o motivo da derrubada por uma troca de telhas
que ele havia feito semanas antes. Logo após falar deste tema,
Seu Chico ficou mais distraído e disse, inclusive, “Às vezes eu
fico meio fora assim [...] voa longe [...], né.” (DANIEL, 2011,
p. 25). Na verdade Seu Chico não respondia da forma que eu
esperava como pesquisadora, e sim ocorreram muitos
“desvios” e “silêncios”. Era, portanto, um assunto que o
entristecia, mas talvez que também pudesse o expor a mal
entendidos.
Em face dessa lembrança traumatizante, o
silêncio parece se impor a todos aqueles que
querem evitar culpar as vítimas. E algumas
vítimas, que compartilham essa mesma
lembrança “comprometedora”, preferem, elas
também, guardar silêncio. Em lugar de se
arriscar a um mal-entendido sobre uma questão
tão grave, ou até mesmo de reforçar a
consciência tranquila e a propensão ao
esquecimento dos antigos carrascos, não seria
88
melhor se abster de falar? (POLLAK, 1989,
p.6).
Esta resistência em falar do bar, no entanto, trouxe uma
questão pertinente do método utilizado para análise da fonte
oral: a possibilidade de analisar os lapsos, os esquecimentos, os
não ditos, os silêncios e os esforços de ocultação a partir da
perspectiva ética. Dessa forma, essas atitudes de fuga por parte
de Seu Chico podem ser interpretadas como medo de sofrer
perseguições políticas57
. A partir da entrevista com Seu Chico
torna-se possível pensar que seus silêncios e desvios, podem
ser compreendidos como uma forma de luto, pois como aponta
o historiador e sociólogo francês François Dosse:
O luto não é apenas aflição, mas a verdadeira
negociação com a perda do ser amado, um lento
e doloroso trabalho de assimilação e
desprendimento. Esse movimento de
rememoração pela lembrança e pelo
distanciamento, pelo trabalho do luto demonstra
que a perda e o esquecimento estão no centro
57 A questão das perseguições políticas levantadas aqui neste primeiro eixo
acaba abrindo um flanco de discussões, e dentre estas se pode destacar que
estas se inserem no contexto histórico “dos Movimentos Sociais
compreendida a partir de algumas das suas principais características, [...] na
contextualização em que surgem no Brasil, em Santa Catarina e em
Florianópolis, mais especificamente. [...] A democracia de base foi uma das
marcas importante desse período. [...] Nesse contexto nacional, chamo a
atenção para a atuação dos movimentos sociais que tem início nos anos 70,
perpassando pelos anos 80 e 90.” (FANTIN, 1997). No entanto essa questão
será levantada com mais detalhes nos outros capítulos desta dissertação.
89
da memória para evitar-lhe perturbações. (2003,
p. 288).
As lembranças sobre a derrubada do bar provavelmente
traziam uma tristeza que era apresentada nos respectivos gestos
de fuga do assunto. Conforme seus familiares e vizinhos do
bairro Campeche, Seu Chico chegou a adoecer após o ocorrido,
uma experiência certamente indescritível para o entrevistado. 58
Assim, o morador e nativo59
do Campeche, Thiago Kahl60
,
58 A justificativa usada para apontar que Seu Chico foi vítima de “trauma”
foi a partir da análise da obra A Trégua de Primo Levi (2010) onde este
sendo um sobrevinte da Segunda Guerra Mundial, aponta que “Assim, a
hora da liberdade soou grave e acachapante, e inundou, a um só tempo, as
nossas almas de felicidade e doloroso sentimento de pudor, razão pela qual
quiséramos lavar nossas consciências e nossas memórias da sujeira que as
habitava; e de sofrimento, pois sentíamos que isso já não podia acontecer, e
que nada mais poderia acontecer de tão puro e bom para apagar o nosso
passado, e que os sinais da ofensa permaneceriam em nós para sempre, nas
recordações de quem a tudo assistiu, e nos lugares onde ocorreu, e nas
histórias que iríamos contar. Porque, e este é o tremendo privilégio de nossa
geração e do meu povo, ninguém pôde mais do que nós acolher a natureza
insanável da ofensa, que se espalha como um contágio. É absurdo pensar
que a justiça humana possa extingui-la. Ela é uma inexaurível fonte do mal:
quebra o corpo e a alma dos esmagados, os destrói e os torna abjetos; recai
como infâmia sobre os opressores, perpetua-se como ódio nos sobrevientes,
e pulula de mil maneiras, contra a própria vontade de todos, como sede de
vingança, como desmoronamento moral, como negação, como fadiga, como
renúncia.” (LEVI, 2010, p. 10-11). 59
A respeito do termo “nativo” a antropóloga Márcia Fantin aponta que
“quando se fala em „nativos‟ é preciso fazer algumas observações. É lugar-
comum classificar como „natvos‟ aqueles que nasceram na ilha cujas
famílias são hegemonicamente açorianas e já estão vivendo na cidade há
várias gerações. Entretanto, a categoria „nativo‟ conforme o contexto ora
alarga-se no seu sentido, ora estreita-se. Muitos filhos de famílias que
vieram „de fora‟ mas que nasceram no território ilhéu não são considerados
90
aponta que “até hoje não há quem não fale do bar, não há quem
não fale no Seu Chico, no falecido Seu Chico e não fale na
própria doença que fez com que ele falecesse, duvido se não
agravou mais a doença com a derrubada desse bar.” (KAHL,
2014, p.7). Como coloca a historiadora francesa Arlette Farge
“o sofrimento é considerado desde então como a evidente
consequência deste ou daquele fato, ou de tal decisão política”
(FARGE, 2011, p. 14).
A partir dos gestos de Seu Chico, pode-se pensar nas
questões éticas de como o historiador pode fazer uso das
informações das entrevistas analisadas, e compreender que
“não existe uma única „maneira certa‟ de entrevistar, e a
maneira que o „bom senso‟ indica como „certa‟ para
entrevistar” (THOMSON, 2000, p. 48), por exemplo, quando
pergunta-se “por que o Bar do Seu Chico foi derrubado?”,
muitas testemunhas orais simplesmente responderam, como o
próprio Seu Chico (2011), que por mais de uma vez, falou que
“andava meio esquecido” e que “a memória não ajudava”
„nativos‟. Eles continuam sendo classificados como „de fora‟ especialmente
se seus pais são identificados desta forma no bairro e na cidade. Em
contrapartida há aqueles que nasceram em outros Estados ou cidades e que
vieram para a Ilha desde pequeninos e no entanto são considerados nativos.
Há também uma grande aproximação „identitária‟ entre os „nativos‟ e
aqueles que nasceram no litotal catarinense, sobretudo os de origem
açoriana.” (FANTIN, 2000, p. 42-43). 60
A entrevista com o nativo do bairro Campeche Thiago Kahl ocorreu no
dia 07 de setembro do ano de 2014.
91
(DANIEL, 2011), salientando que a memória antiga
dificilmente falhava, mas que a memória mais recente pregava
peças, confundindo-o. Assim segundo o historiador australiano
Alistair Thomson (2000, p. 60) “o medo e a distorção afetam a
recordação individual e como os sobreviventes se angustiavam
no dilema entre o impulso de falar e o medo de fazê-lo. Para os
sobreviventes, recordar envolve luta dentro da vida política e
social de uma nação.”.
O posicionamento da autora de interrogar Seu Chico, no
acontecimento aqui analisado, se assemelha, ao que aponta
Ginzburg (1989) quando este estuda o exemplo de Freud, pois
seria possível pensar o uso da memória não revelada como o
testemunho de alguém que está em uma consulta, de maneira
que “eis que os inquisidores picavam as vítimas com as agulhas
para encontrar os estigmas diabólicos, e na mesma situação as
vítimas inventavam a mesma velha história comovente
(ajudadas talvez pelos disfarces sedutores). Assim, a vítima e o
torturador trazem ambos à memória a sua primeira
adolescência.” (GINZBURG, 1989, p. 212). E assim, por
querer saber mais dos acontecimentos busca-se “picar o
entrevistado”, ou seja, procura-se fazer as perguntas que muitas
vezes ficam sem respostas, vozes e falas. Porém, enquanto
pesquisadora precisa-se levar em conta questões éticas, na qual
“o historiador oral esteja atento às nuanças culturais quando
92
realiza entrevistas dentro de sua própria sociedade”
(THOMSON, 2000, p. 50). Segundo os relatos de alguns dos
entrevistados desta pesquisa que apontam que a derrubada do
Bar do Chico tinha como um dos seus motivos o envolvimento
político do filho de Seu Chico, Lázaro Bregue Daniel61
, que na
época das ameaças de derrubada do bar era vereador, como o
próprio aponta “Muito pesado. Infelizmente foi assim, eu
gostaria que a briga fosse comigo. Mas, segundo o que dizem,
a briga foi uma vingança contra minha atuação na Câmara.”
(BREGUE DANIEL, 2015, p. 7).
61 A entrevista com o filho de Seu Chico e ex-vereador do PT, como
apontado acima, Lázaro Bregue Daniel ocorreu no dia 28 de junho de 2015,
em sua casa. Além disso, esta testemunha oral é de grande importância
nesta pesquisa, pois foi a partir desta que se pode elucidar muitos aspectos
do Bar do Chico e da sua derrubada, omitidos no depoimento realizado com
Seu Chico, certamente os silêncios deste relacionados ao trauma da perda de
seu bar. Lázaro assim relata a respeito do acontecimento analisado “ Assim,
praticamente entre eu, representando a comunidade [...]. Dizem que foi, eu
não posso dizer porque nunca demonstraram, mas ficou muito claro que a
briga era contra mim, mas como não tinham nada pra fazer porque eu fiz
um mandato de acordo com o que a comunidade queria, aquilo que eu
representava, como eles não tinham nada pra fazer contra mim, eles se
vingaram no meu pai que tinha esse barzinho em cima das dunas. É bom
dizer que esse barzinho, […] ele era um rancho de canoa do meu pai de
1950, por aí, e que a lei vem depois que o bar está instalado, então a
vingança vem em cima do meu pai.” (BREGUE DANIEL, 2015, p. 7). A
partir deste trecho do relato de Lázaro torna-se possível compreender os
silêncios e desvios de Seu Chico. A pesquisadora Beatriz Sarlo aponta “De
modo radical, não se pode representar os ausentes, e dessa impossibilidade
se alimenta o paradoxo do testemunho: quem sobrevive a um campo de
concentração sobrevive para testemunhar e assume a primeira pessoa dos
que seriam os verdadeiros testemunhos, os mortos. Um caso-limite, terrível,
de prosopopéia.” (SARLO, 2007, p. 35).
93
Ainda a partir da entrevista com o morador do
Campeche e neto de Seu Chico, Eduardo Daniel Rocha, mais
conhecido entre os moradores do bairro como Dudu62
, fica
claro que a partir de algumas conversas que teve com seu avô,
o Seu Chico, a respeito da visão deste a respeito da derrubada
do bar, o qual teria dito: “Eu sei que o meu bar está em cima de
uma duna, tem um impacto [...]. [...] mas é um impacto
mínimo, mas assim se for para derrubar meu bar eu quero que
derrubem todos. Se é para se fazer justiça.” (ROCHA, 2012, p.
4). Desta forma, possivelmente, para Seu Chico era uma
injustiça o que tinham feito com seu bar, mas a partir das
palavras dos seus familiares e testemunhas orais, seu filho
Lázaro Bregue Daniel e seu neto Dudu, fica mais fácil
compreender que esses gestos de silenciar ao invés de
expressar o que significava o acontecimento para ele, eram,
62 A entrevista com Dudu ocorreu no dia 30 de agosto do ano de 2012 e,
atualmente (2015), Dudu ainda faz parte da diretoria da AMOCAM
(Associação de Moradores do Campeche). A escolha de entrevistar Dudu
foi porque no ano de 2012 ele começou a participar na diretoria da
AMOCAM. Além disso, é neto de Seu Chico, e por isso, acompanhou de
perto o acontecimento analisado e por sua luta pela não derrubada do bar do
seu avô. A análise completa da entrevista com Dudu já havia sido realizada
na pesquisa de monografia, porém aqui nesta análise serão enfatizadas
outros aspectos da entrevista. Ver: AMARANTE, Carolina do. A
Derrubada do Bar do Chico e o Show do Ben Harper: Embates de uma
História do Tempo Presente (2010-2011). 87f. Trabalho de Conclusão de
Curso (graduação). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) -
Centro de Ciências Humanas e da Educação. Curso de História.
Florianópolis, 2013.
94
talvez, o sentimento de injustiça que o fazia calar-se e ou
desviar o assunto. Como se, ao relembrar as lembranças da
derrubada de seu bar, revivesse a sensação de injustiça, a qual
provocava um sentimento doloroso.63
Para o pesquisador
Michael Pollak (1989) a importância do relato dos familiares
das vítimas de traumas e/ou de pessoas que passaram por
desagradáveis experiências emocionais de tal intensidade que
ficaram com uma marca duradoura geralmente em suas mentes,
como no caso aqui analisado Seu Chico, seria a de:
A essas razões políticas do silêncio
acrescentam-se aquelas, pessoais, que
consistem em querer poupar os filhos de crescer
na lembrança das feridas dos pais. Quarenta
anos depois convergem razões políticas e
familiares que concorrem para romper esse
silêncio: no momento em que as testemunhas
oculares sabem que vão desaparecer em breve,
63 Sobre isto é importante destacar que quando foi realizado o Minicurso
História Oral, Memória e Migrações no Tempo Presente, ministrado pelo
Prof. Dr. Luis Fernando Beneduzi, dos dias 22 a 24 de junho de 2015 na
FAED (Centro de Ciências Humanas e da Educação) na UDESC, este
abordou o termo memória delegada, também denominada, segundo o
Professor, de “memória de segunda mão”, ou seja, tanto as memórias de
Lázaro Bregue Daniel quanto às de Dudu, neste caso, tem a função de
relatar por aqueles que não sobreviveram, no caso aqui Seu Chico. Ainda,
“por sua vez, Primo Levi avançava ainda mais longe: „Nós os
sobreviventes, não somos as verdadeiras testemunhas [...] mas eles, os
mulçumanos, os náufragos, é que são as testemunhas integrais, aqueles cujo
depoimento teria uma significação geral. A destruição conduzida a seu
termo, ninguém teria subsistido para narrá-la, como ninguém nunca voltou
para narrar a sua morte.” (LEVI, 1989, p. 82 apud HARTOG, 2011, p. 211).
95
elas querem inscrever suas lembranças contra o
esquecimento. (POLLAK, 1989, p.6).
Portanto, foi possível perceber que Seu Chico dispunha-
se a tratar de diversos assuntos que não fossem o caso da
derrubada do seu bar. Assim, torna-se importante destacar que
as fontes orais também proporcionam momentos de
resistências, esquecimentos, lapsos de memória e silêncios
(FRANK, 1999).
Não acenavam, não sorriam; pareciam
sufocados, não somente por piedade, mas por
uma confusa reserva, que selava as suas bocas e
subjugava seus olhos ante o cenário funesto.
Era a mesma vergonha conhecida por nós, a
que nos esmagava após as seleções, e todas as
vezes que devíamos assistir a um ultraje ou
suportá-la: a vergonha que os alemães não
conheceram, aquela que o justo experimenta
ante a culpa cometida por outrem, e se aflige
que persista, que tenha sido introduzida
irrevogavelmente no mundo das coisas que
existem, e que a sua boa vontade tenha sido
nula ou escassa, e não lhe tenha servido de
defesa. (LEVI, 2010, p. 10).
Ao entrevistar Dona Nicota64
, que era uma das nativas
mais antigas do bairro Campeche, esta relatou sobre a
64 A entrevista com Dona Nicota ocorreu no dia 31 de agosto do ano de
2012 e a escolha de entrevistá-la, se deu por ser uma das moradoras e
nativas mais antigas do Campeche, foi porque já tendo uma idade mais
avançada, ela acompanhou os acontecimentos do bairro por muitas décadas
96
derrubada do bar que “aí fizeram o Bar do Chico que depois foi
derrubado porque atacaram o Lazáro.” (WIGGANIGO, 2012,
p. 2). A partir das palavras de Dona Nicota torna-se perceptível
que ela tem como uma de suas memórias a percepção de que o
acontecimento analisado ocorreu devido a discussões políticas
que envolviam o filho de Seu Chico, Lázaro. Logo em seguida,
ela continua seu depoimento destacando que “toda a vida ficou
lá [...], mas de uns tempos pra cá começaram a falar que iriam
tirar aquele bar. Mas eu não gostei porque ele não estava
fazendo mal a ninguém. Agora nos outros lugares eles não
tiram. Foram tirar ele dali, né?” (WIGGANIGO, 2012, p. 2).
Assim, a responsabilidade ética por parte do historiador deve
ser a de um posicionamento “que não deixa de ouvir e recolher,
mas que deve se distanciar, que a virtude cardeal do bom
entrevistador, não deve cegá-lo nem privá-lo da lucidez.”
e eu tinha o interesse de tornar compreensível, a partir de suas memórias, o
acontecimento analisado, como ela enxergava e se essas novas
transformações, ela achava como algo positivo ou negativo, fazendo um
paralelo com a época de sua juventude, um período em que o Campeche era
menos habitado. Como ela sempre morou no bairro, acompanhando seu
crescimento imaginei que seria uma fonte valiosa. A análise completa da
entrevista com Dona Nicota já havia sido realizada na pesquisa de
monografia, porém aqui nesta análise serão enfatizadas outras partes da
mesma. Ver: AMARANTE, Carolina do. A Derrubada do Bar do Chico e
o Show do Ben Harper: Embates de uma História do Tempo Presente
(2010-2011). 87f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação).
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) - Centro de Ciências
Humanas e da Educação. Curso de História. Florianópolis, 2013.
97
(JOUTARD, 2000, p. 43 - 44). Como afirma outra moradora e
nativa do bairro Campeche, Gabriela Souza de Oliveira65
:
Porque se tu fores observar, numa extensão de
praia gigante dessa, existiam o Sufocos e o Bar
do Chico. Então assim, o Sufocos infelizmente
eles derrubaram e o Bar do Chico vieram a
derrubar depois e o motivo foi porque o Lázaro
era vereador. Então, ele conseguiu segurar um
pouco mais, sabe? Mas, depois que tu
conseguires conversar com o Lázaro tu vai
perceber que ele tem uma opinião talvez mais
política da situação. Mas, eu vejo essa ligação
bem clara. Por isso que quando construiram o
deck do Essence, eu me revoltei por causa
disso. Porque eu vi a ligação direta com o Bar
do Chico, sabe? Construíram um deck que
beneficiava um condomínio. Então, eu fiquei
bem revoltada com essa questão do Seu Chico,
que veio a falecer um ano depois que o bar dele
foi derrubado. Infelizmente derrubaram porque
eu acho que não era bem visto pelos olhos de
certos moradores novos (risos). É eu acho que
pelo fato de ser um bar, de ser um reduto de
nativos, eu acho que ele não iria ser bem visto
aos pés de um condomínio, a beira da praia,
entendeste? (OLIVEIRA, 2015, p. 22-23).
Pensar a importância da História Oral é perceber que
essa permite dar voz às pessoas do bairro, ou seja, às pessoas
65 A entrevista com Gabriela Souza de Oliveira ocorreu no dia 13 de abril
do ano de 2015. A escolha de entrevistá-la se deu principalmente porque,
segundo a depoente “E faço parte de alguns movimentos dentro da
sociedade, dentro da comunidade. [...] Eu realizei os quatro mutirões de
limpeza da Lagoinha, da Lagoa Pequena, e mais a Feira do Cacareco.”
(OLIVEIRA, 2015, p. 1-2).
98
comuns, pois esses eventos, se contados somente pela mídia
local, apresentarão um único significado. Para Alberti (2008, p.
166) a história oral possibilita "o conhecimento de experiências
e de modos de vida de diferentes grupos sociais. Nesse sentido,
o pesquisador tem acesso a uma multiplicidade de „histórias
dentro da história". A partir do relato de um dos moradores do
bairro Campeche, Thiago Kahl, pode-se compreender os
embates envolvendo o acontecimento:
O Bar abriu em início dos anos oitenta e ele
sempre foi o point, ou seja, era o ponto de
encontro de todos os que vinham aqui, dos
nativos e dos não nativos, dos famosos haoles,
que a gente trata aqui como haole. Mas assim,
era o único bar aqui “pras bandas do mato
dentro” 66
, porque esse bar tinha a sua beleza,
ele tinha uma vista maravilhosa para o mar,
para a Ilha do Campeche. Então, com a
derrubada do bar acabou tirando um pedaço de
todo mundo, ainda mais quando o deck foi
construído ao lado dele, isso gerou muita
revolta. Lembro que foi a Gabriela67
que
começou a espalhar tudo pelo facebook, que
estavam construindo o deck e eles iam construir
até a praia. Então, num momento único de
união, aquela frase a união faz a força tem o
seu real sentido, todo mundo foi como se
fossem as formigas trabalhando, cada uma
passando uma madeira, derrubando aquele
deck, porque é como se a derrubada fosse para a
construção daquele empreendimento grotesco,
66 O termo “pras bandas do mato dentro” faz referência à parte mais antiga
do bairro Campeche. 67
É também uma das entrevistadas dessa pesquisa.
99
ignorante que tem ao lado, que eu não
concordo, eu não concordei com essa
verticalização, para mim é realmente um abuso
de poder, sabe? Então, ou seja, querer tirar o
bar que, tudo bem, estava em área de
preservação permanente, e logo depois desse
acontecimento querer construir um condomínio
naquela mesma área e ainda falar que é para
proteção de mangue, ou seja, querer aumentar
esse deck até a praia tirando aquele caminho
que todo mundo usava desde sempre. Então
para mim isso é um absurdo, não tem
cabimento. (KAHL, 2014, p. 5-6).
A partir da História Oral, procurei tornar compreensível
o acontecimento pesquisado, procurando inseri-lo na história
do bairro e da cidade de Florianópolis, analisando as memórias
daqueles que viveram tais experiências e que sentiram suas
reverberações. Assim, é possível contrapor as informações
veiculadas pela mídia catarinense a respeito do acontecimento,
com as falas e memórias de moradores e envolvidos,
permitindo a visualização e o registro das versões a respeito de
parte da história do bairro do Campeche. O trecho do relato da
moradora do bairro Campeche, Alonita Martinha da Silva68
, a
68 A entrevista com a nativa do bairro Campeche, Alonita Martinha da
Silva, ocorreu no dia 27 de outubro do ano de 2014. A escolha de
entrevista-la se deu também porque “o bar eu conheci desde que eu nasci,
acho que ele é mais antigo. E era sempre o ponto de encontro, de quem
morava aqui, tanto para os mais velhos irem lá, sentar, jogar dominó, ver o
mar, quanto para os mais novos também porque havia bastante lazer, havia
luau, vários encontros que eram marcados também à noite.” (DA SILVA,
2014, p. 1).
100
respeito da derrubada do deck dos condomínios Essence que,
como apontado no subcapítulo anterior, foi apresentado pelos
jornais locais como uma das consequências da derrubada do
Bar do Chico.
Um deck até a praia, passando as dunas, e
chegando perto de onde estava o bar. Então a
gente se sentiu apunhalado porque um bar que
já estava antigo e era um espaço cultural que
acabou sendo derrubado. Agora estavam
deixando fazer uma coisa nova, desnecessária,
para não colocar o pé no chão de areia, para
chegar quase até a água, […] Então, a gente se
reuniu, várias pessoas criaram o evento no
facebook e foi discutindo o que era para ser
feito e se programou essa derrubada do deck,
tanto que no dia foi bastante gente, eu estava
junto, estavam várias emissoras de televisão
local. Elas chamaram a polícia, mas ela ficou lá
só olhando (risos), viram que era uma coisa que
não dava para impedir, pois eles eram daqui,
nos reconheceram e foram a favor da gente.
Ficaram olhando e a gente derrubou toda a
parte que estava em cima das dunas e da
vegetação. O que era dos condomínios, a gente
não pode mexer porque seria invasão particular,
mas, foi uma coisa bem legal porque juntou
muita gente e que acabaram ficando felizes por
derrubar aquilo e até hoje, não construíram
mais. Dá para ver que as pessoas tem esse
poder de ir contra isso e a gente tem que cada
vez mais fazer isso, se juntar para conseguir
diminuir essa invasão que está acontecendo
aqui. (DA SILVA, 2014, p. 5-6).
101
Através da entrevista realizada com o nativo Ademir
Damasco69
foi possível compreender as percepções daqueles
que viveram no contexto histórico do bairro durante esse
período em que o Campeche começou a sofrer as
transformações a partir do processo de expansão da
urbanização de Florianópolis, a partir da década de 1990. Este
entrevistado coloca que o Bar do Chico era frequentado por
nativos do bairro, mas também, por pessoas do PT, ou seja, era
um espaço de sociabilidades.
E o Seu Chico era a referência do lugar porque
as pessoas gostavam de ir lá, pois era um lugar
muito eclético, onde se reuniam pescadores, o
pessoal que jogava futebol, o pessoal de
carnaval e tinha também uma ala política que se
reunia porque o filho dele era do PT e então ali
também ocorreu reuniões políticas. E tinha
muitos shows e eventos culturais. Além, dos
eventos de surf porque a gente fazia
campeonato ali. Então tudo era em volta do Bar
do Chico. O Bar do Chico oferecia na época
uma coisa que o município não dava para a
comunidade, que seria uma sombra, um
banheiro para as crianças, para as pessoas que
iam, para a gente guardar a chave do carro,
trocar a roupa, […] Portanto, ele funcionava
como um agregador num local onde não havia
nada para fazer. Tu ias lá ao Bar do Chico e tu
encontravas alguém lá. (DAMASCO, 2015, p.
3).
69 A entrevista com o nativo Ademir Damasco ocorreu no dia 19 de abril do
ano de 2015.
102
Assim, tornar as memórias dos entrevistados fontes para
se compreender a história do bairro tem por objetivo esclarecer
as causas dos eventos, o significado simbólico do Bar do Chico
para a comunidade do Campeche e os desdobramentos do
processo de urbanização da cidade de Florianópolis para o Sul
da Ilha que transformou esse espaço. O nativo e morador do
bairro Campeche, Ataíde Silva70
, aponta que:
Ele criou um patrimônio chamado Bar do Chico
o qual criou uma identificação com o partido de
esquerda, essa é a relação. E ele incomodou
porque ali se relacionavam e se encontravam
pessoas consideradas do partido de esquerda.
Então, a elite da cidade de Florianópolis se
sentiu agredida, eles sentiram que ali havia um
mal que tinha que ser estancado. Então a
verdade é que aí a nossa luta histórica nasceu.
(SILVA, 2015, p. 3-4).
Dessa forma, a partir da memória de um dos moradores
do bairro Campeche e uma das lideranças da AMOCAM,
Ataíde Silva, pode-se perceber que o Bar do Chico era
considerado um espaço de sociabilidade, mas também de
70 A entrevista com o nativo Ataíde Silva ocorreu no dia 28 de maio do ano
de 2015. A escolha de entrevistá-lo se deu principalmente porque, segundo
o depoente ele é “vice-presidente da Associação de Moradores do
Campeche, atualmente e presidente da Associação de Surf do Campeche.”
(SILVA, 2015, p. 1).
103
difusão de pensamentos entre o partido considerado de
esquerda, o PT.
Portanto, o Bar do Chico para a comunidade de
moradores nativos do bairro Campeche representava um elo de
identificação simbólico71
com a cultura local. Como aponta o
pesquisador Stuart Hall, a respeito das “identidades culturais –
aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso
„pertencimento‟ a culturas” (HALL, 2006, p. 8). De maneira
geral, a comunidade de nativos do bairro Campeche buscava
criar laços culturais, sociais, políticos, portanto, o Bar do Chico
era um espaço de sociabilidades, que produziu uma memória
coletiva por parte desta comunidade que frequentava o
ambiente. Nesse sentido, o sociólogo francês Maurice
Halbawachs (2003) ressalta que:
Para que nossa memória se auxilie com a dos
outros, não basta que eles nos tragam seus
depoimentos: é necessário ainda que ela não
tenha cessado de concordar com suas memórias
71 O pesquisador Ulpiano T. Bezerra de Menezes a respeito da
ressignificação simbólica aponta que “um lugar para Nora, vai do objeto
mais material e concreto, um artefato, uma paisagem, até o objeto mais
abstrato e construído intelectualmente. Pode ser um monumento, um
arquivo, um museu, uma personagem, uma instituição, uma canção, uma
dança, uma gestualidade, a etiqueta, a genealogia, um objeto sígnico, uma
personagem, uma paisagem, e assim por diante, desde que funcione como
uma unidade significativa, de ordem material ou ideal, movida de
preferência voluntariamente, transformando-se em elemento simbólico.”
(MENEZES, 2009, p. 450).
104
e que haja bastante pontos de contato entre uma
e as outras para que a lembrança que nos
recordam possa ser reconstruída sobre o
fundamento comum. Não é suficiente
reconstituir peça por peça a imagem de um
acontecimento do passado para se obter uma
lembrança. É necessário que esta reconstrução
se opere a partir de dados ou de noções comuns
que se encontram tanto no nosso espírito como
no dos outros, porque elas passam
incessantemente desses para aquele e
reciprocamente, o que só é possível se fizeram
e continuam a fazer parte de uma mesma
sociedade. (HALBAWACHS, 2003, p. 34).
Além disso, a partir das entrevistas foi possível
perceber, como foi apontado pelos jornais que entre os motivos
para a derrubada do Bar do Chico, havia questões políticas, até
porque era um dos locais de encontro do PT em Florianópolis
para planejar, questionar, refletir a respeito do ordenamento da
cidade e do bairro do Campeche que estava crescendo de forma
acelerada, como será estudado nos próximos capítulos. E que a
consequente derrubada do deque do condomínio Essence foi
uma das consequências do acontecimento analisado, pois
significou uma manifestação por parte da comunidade contra o
que foi feito com o bar. Dessa forma, será importante
compreender os pontos de vista dos moradores do bairro
considerados de “fora”, no subcapítulo que se segue.
105
2.3 AS ENTREVISTAS COM OS “DE FORA” QUE
MORAM NO BAIRRO CAMPECHE
As histórias dos migrantes têm sido sempre
uma parte fundamental da experiência da
migração, trabalhando com a imaginação de
futuros possíveis, mostrando como os
migrantes conviveram com as consequências de
sua migração e delas extraíram sentido.
(THOMSON, Alistair, 2002, p. 359)
A partir da epígrafe fica compreensível que a vinda de
migrantes para Florianópolis contribuiu para o crescimento ou
expansão da urbanização do bairro Campeche.72
Esses
migrantes são classificados como internos, pois “referem-se a
uma deslocação de uma área (província, região, município)
para outra, no interior do mesmo país” (CASTLES, 2005, p.
16). Assim, “as antes tão conhecidas e familiares caras que
circulavam pelas várias áreas da cidade, misturaram-se aos
poucos à multidão indistinta, agora também acentuada pela
chegada dos „estranhos‟ visitantes, turistas ou simplesmente
novos moradores.”. (CORADINI, 1992, p. 150 apud
CAMPOS; FALCÃO; LOHN, 2010, p. 269).
72 A questão das migrações e vinda de migrantes internos para Florianópolis
e mais especificamente para o bairro do Campeche será abordada com mais
aprofundamento no terceiro capítulo desta pesquisa.
106
O respectivo subcapítulo se utiliza das várias visões
parciais dos entrevistados para a compreensão da conjuntura
histórica a respeito do acontecimento analisado. Fantin (2000)
trabalha com a ideia antagônica de que a cidade pode ser vista
por nós de uma forma e os outros de uma maneira distinta,
revelando contrastes de opiniões a respeito da expansão da
urbanização da cidade de Florianópolis em direção ao
Campeche entre os nativos e os de fora73
, os manezinhos e os
estrangeiros, assim colocado pela autora em sua obra.
O uso da metodologia da História Oral possibilitou
compreender o que alguns dos migrantes internos que vivem
no bairro pensam a respeito do processo de expansão da
urbanização de Florianópolis para o Campeche, “ou seja, em
um trabalho de história oral, a biografia, a trajetória individual,
não é coisa dada, mas construída à medida mesmo em que é
feita a entrevista.” (ALBERTI, 2000, p. 5). A testemunha oral e
73 O termo os “de fora” empregado pela antropóloga Márcia Fantin em sua
obra Cidade Dividida: Dilemas e Disputas Simbólicas em Florianópolis
assinala que “Nota-se aqui uma outra versão do sentimento de angústia que
ronda a cidade, veiculado principalmente por este grupo dos „de fora‟: trata-
se da agonia do progresso. São pessoas que, de certo modo, já viveram
(metaforicamente falando) a „morte da cidade‟ – especialmente os paulistas
e cariocas – que viveram ao máximo a degradação do espaço público, da
massificação, que já sentiram na pele a violência, o caos do trânsito, e não
querem que se repita a mesma situação na sua nova e linda cidade. Não
querem que Florianópolis se transforme em metrópole.” (FANTIN, 2000, p.
50).
107
migrante interna Norma Freitas74
, aponta sobre o Bar do Chico
e seu contexto:
Então, o Bar do Chico eu conheci quando eu
vim pela primeira vez, oito anos atrás. Eu
sempre fiquei aqui no bairro do Campeche, aqui
sempre foi o meu ponto de referência e como
eu disse, há oito anos o bairro era muito
tranquilo e o Bar do Chico era a única coisa que
a gente tinha na praia porque o Campeche era
considerada uma praia semi-deserta.
Praticamente o pessoal que morava aqui ou que
vinha pra cá é que frequentava a praia, fora os
surfistas que vinham e iam embora. [...]
Quando eu vim para morar eu praticamente não
conhecia ninguém que morava aqui e o Bar do
Chico pra mim foi a referência, quero conhecer
alguém do bairro, vou ao Bar do Chico e ali
todo mundo se reunia, conversava com as
pessoas, [...]. Ficamos sem nada porque o
Campeche não tinha estrutura, tirando a parte
onde ficam os bares, no final da Pequeno
Príncipe. Pra gente que ficava aqui, entre o Rio
Tavares, o Campeche e o Novo Campeche, nós
não tínhamos nenhum local onde pudéssemos
comprar uma água, comprar uma bebida, comer
algum petisco na praia sem ter que sair e pegar
o carro para comprar. Então o Bar do Chico,
quando foi embora, eu disse que a gente perdeu
o ponto de encontro, ficou cada um no seu
cantinho e eu não vi necessidade na ocasião, eu
fiquei bem chateada de ter tirado isso, porque
74 A testemunha oral Norma Freitas é “eu sou fotógrafa profissional e aqui
na Ilha eu trabalho também como voluntária no mutirão de limpeza da
Lagoinha Pequena do Campeche e na Feira do Cacareco. Eu nasci em Belo
Horizonte, mas morei a minha vida toda praticamente em São Paulo.”
(FREITAS, 2014, p. 01). A entrevista foi realizada no dia 23 de ago. de
2014.
108
ali era o lugar que eu tinha para conhecer
pessoas, era o lugar que eu tinha para poder me
juntar com mais alguém porque as praias do
Campeche elas eram desertas. (FREITAS,
2014, p. 3-4).
Durante a entrevista com outra moradora do Campeche,
Ires Buratti de Souza75
, quando perguntada como lembrava do
bairro no período em que passou a habitá-lo no final da década
de 1970, condição que permitiu à depoente acompanhar o
processo de instalação, derrubada e esforço pela preservação da
memória do Bar do Chico, esta respondeu que havia apenas
“vegetação, só mato tinha (risos). Só duas casas nessa rua.”
(SOUZA, 2015, p. 2). Ainda durante a mesma entrevista,
houve o questionamento acerca do acontecimento da derrubada
do Bar do Chico, ao qual esta respondeu “política. É por
política isso aí. Já ouvi falar muitas vezes essa parte” (SOUZA,
2015, p. 9). A partir desta fala torna-se importante perceber que
a:
história oral tem, mais que nunca, o imperativo
de testemunhar, tendo a coragem de
permanecer história diante da memória de
75 A entrevistada é natural de Xanxerê, interior do estado de Santa Catarina,
e é moradora do Campeche há mais de trinta anos, além de acompanhar o
crescimento do bairro e a conjuntura da derrubada do Bar do Chico, pois
como ela afirma na entrevista realizada: “Morava em Xanxerê, em
Xavantina. Lá era muito difícil, quase não tinha emprego e era na lavoura
[...]” (BURATTI, 2015, p. 3).
109
testemunhos fragmentados que têm o
sentimento de uma experiência única e
intransmissível: é preciso combinar respeito e
escuta atenta, de um lado, com procedimentos
históricos, não importa quanto isto nos seja
penoso. (JOUTARD, 2000, p. 35).
Outro relato importante foi o da paulista e moradora há
trinta anos do bairro Campeche, Clarissa de Melo Vaia76
, que
apontou:
Eu frequentava bastante o Bar do Seu Chico
porque era o único ponto familiar aqui para nós
da praia. Era mais para as crianças, famílias,
nós tínhamos uma água, um restaurante, uma
comida boa, era um ponto bem familiar. E de
repente com o tombamento dele, nós ficamos
sem nenhuma referência para ir à praia e o mais
triste de tudo é esse crescimento porque eles
derrubaram o Bar do Seu Chico, que era um
ponto que servia a toda a nossa comunidade e
de repente vem o condomínio Essence com a
passarela deles. O argumento era que o bar
estava nas dunas. Mas aí vem o condomínio
Essence com a passarela deles, até em cima das
dunas. É bem triste isso, porque agora nós não
temos nenhum ponto familiar aqui para nós na
praia, nós temos que ir lá ao Point que
desfavoreceu todo o lado antigo do Campeche,
que é onde estava o Bar do Seu Chico, a parte
antiga do Campeche, onde realmente começou
o Campeche. (VAIA, 2014, p.1).
76 A testemunha oral Clarissa de Melo Vaia é “Eu sou de São Paulo capital,
mas moro há trinta anos no Campeche.” (VAIA, 2014, p. 01). A entrevista
foi realizada no dia 27 de out. de 2014.
110
A entrevista com a gaúcha Elaine Tavares77
, ao relatar a
derrubada do Bar do Chico, demonstrou o significado deste
acontecimento:
Destruir aquilo era fundamental para esse
modelo de crescimento que estão colocando
hoje no Campeche. Porque aquilo ali
representava tudo aquilo que a gente defende.
Então assim, como é que tu destróis um povo?
Tu destróis pela cultura. Quando tu destróis
todos os elementos simbólicos que a
comunidade tem, aquela comunidade deixa de
ser comunidade e ela passa a ser só um lugar
onde vive um monte de pessoas. Destruir o Bar
do Chico era isso. Foi isso, porque de certa
maneira, nós continuamos lutando, estamos aí
pela luta do plano diretor, mas de certa maneira
se rompeu um laço muito poderoso.
(TAVARES, 2012, p. 7).
77 A entrevista com a jornalista Elaine Tavares que mora “há doze anos no
Campeche. Eu fazia parte desse movimento político, tanto da moradia
quanto do PT na época.” (TAVARES, 2012, p. 7). E o relato foi realizado,
pois “a partir de suas críticas referentes ao evento, em seu blog Elaine
Tavares: Palavras Insurgentes. Conforme Tavares, o acontecimento da
derrubada do bar ocorreu devido a questões políticas, além dos aspectos
ambientais também já citadas na monografia sobre o assunto. Desde então
passei a acompanhar suas críticas em seu blog.” (AMARANTE, 2013, p.
69). A análise completa da entrevista com Elaine Tavares já havia sido
realizada na pesquisa de monografia, porém aqui nesta análise serão
enfatizadas outros aspectos da entrevista. Ver: AMARANTE, Carolina do.
A Derrubada do Bar do Chico e o Show do Ben Harper: Embates de
uma História do Tempo Presente (2010-2011). 87f. Trabalho de Conclusão
de Curso (graduação). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
- Centro de Ciências Humanas e da Educação. Curso de História.
Florianópolis, 2013.
111
Dessa forma, para essa testemunha oral, a “destruição”
estaria ligada ao estilo de vida que propõe o Plano
Comunitário para a Planície do Campeche, proposta para um
desenvolvimento sustentável, o qual recomenda a participação
da comunidade em conjunto com a sustentabilidade no
planejamento urbano para o bairro do Campeche, que será
analisado no próximo capítulo. Assim segundo o historiador
australiano Alistair Thomson:
Se as memórias forem tratadas como um objeto
de análise histórica, a história oral pode se
tornar “um processo de memória histórica” –
como as pessoas compreendem seu passado,
como vinculam a experiência individual e seu
contexto social, como o passado torna-se parte
do presente, e como os indivíduos o utilizam
para interpretar suas vidas e o mundo à sua
volta. (THOMSON, 2000, p. 53).
A entrevista com a catarinense Tereza Cristina Pereira
Barbosa78
a respeito da derrubada do Bar do Chico demonstra o
que representou o ocorrido:
78 A testemunha oral é “bióloga, oceanógrafa, doutora em oceanografia e
microbiologia e professora aposentada da Universidade Federal de Santa
Catarina, do departamento de ecologia e zoologia.” (BARBOSA, 2015, p.
1) e ainda “moradora do Campeche desde 1990. Mas, sou nativa de Santa
Catarina, pois moro há mais de quarenta anos em Florianópolis”
(BARBOSA, 2015, p. 1). Além disso, a respectiva entrevistada é uma das
autoras da obra utilizada nesta dissertação O Campo de Peixes e os
Senhores do Asfalto: memória das lutas do Campeche (2007).
112
Acabou. Quer dizer, acabou eu digo aquele
grande movimento, aquela grande aglomeração,
porque eles foram direto ao ninho, para acabar
com aquilo. Quer dizer, como eu te disse havia
gente de fora, que vinha, por exemplo, da Bahia
que adorava o Bar do Chico, estava lá, mas não
fazia parte disso. Principalmente porque era o
único bar que existia ali e até hoje não tem
nada. Agora eles põem um monte de
barraquinhas horrorosas, que juntam um monte
de lixo. O Seu Chico separava lixo por lixo,
tirava cada bituca de cigarro dali, ele limpava
tudo. Tá certo, eu não posso dizer que era um
bar elegante, um bar de grande sociedade, mas
era um bar que supria as necessidades locais,
então gente que vinha da Bahia, gente que
vinha de qualquer lugar do mundo tinha o bar
como um apoio. E assim, conhecia o Seu Chico
e já adorava o Seu Chico porque ele era aquela
pessoa amável, querida, enfim. Quando eles
derrubaram o Bar do Chico, nós batalhamos por
aquele bar, foi uma luta, eu acho que eles
vieram cinco vezes para demolir, mas um
telefonava para o outro e avisava pela rádio
comunitária “gente, venham todos fazer o
abraço e tal”, aí chegava a polícia, vinham
aqueles caminhões, aqueles carros cheios de
policiais, mas a gente ficava ali e não deixava.
A gente avisava para todo mundo, vinha todo
mundo, largava tudo e vinha pra proteger o bar.
No dia que eles demoliram, exatamente, não sei
se você viu no filme, mas o próprio cara diz
assim “a gente vai fazer de madrugadinha,
quando não tiver ninguém que impeça isso.”
(BARBOSA, 2015, p. 16-17).
A partir desta entrevista é que se pode refletir também
sobre as dificuldades das questões éticas de se fazer História do
113
Tempo Presente, suas possibilidades, como o próprio uso de
entrevistas, e seus limites, como o envolvimento do historiador
com o tema pesquisado. Dessa maneira, para a construção da
narrativa da história do acontecimento analisado, utilizou-se
das memórias como uma forma de representação do passado,
sendo que esta se construiu a partir das lembranças e ou
esquecimentos. Pois, “entre a atividade de narrar uma história e
o caráter temporal da experiência humana, uma correlação que
não é puramente acidental, mas apresenta uma forma de
necessidade transcultural” (RICOEUR, 2010, p. 93).
No entanto, é necessário relacionar essas considerações
à ideia de que mesmo os moradores do bairro do Campeche
considerados de “fora”, assim como os nativos, apresentam
uma memória coletiva a respeito do acontecimento estudado,
como aponta o sociólogo francês Maurice Halbwachs:
No primeiro plano da memória de um grupo se
destacam as lembranças dos acontecimentos e
das experiências que concernem ao maior
número de seus membros e que resultam quer
de sua própria vida, quer de suas relações com
os grupos mais próximos, mais frequentemente
em contato com ele. (HALBWACHS, 2003, p.
45).
Portanto, o historiador que se compromete em trabalhar
com História Oral precisa levar em conta tanto as questões
114
éticas quanto ter a percepção que “contar histórias sempre foi a
arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias
não são mais conservadas. Quando o ritmo do trabalho se
apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire
espontaneamente o dom de narrá-las.” (BENJAMIN, 1987, p.
197).
115
3. O BAIRRO DO CAMPECHE: PROJETOS DE
FUTURO A PARTIR DOS PLANOS DIRETORES
APROVADOS ENTRE OS ANOS DE 1989 A 1999
Eu sei que a minha cidade, no desejo de ser
grande; Esperneia, faz beicinho, como criança
teimosa... Nela, o progresso, esquivo, a passos
lentos se expande; Deixando-a, assim,
sobranceira, ingenuamente vaidosa; Minha
cidade, que abre as amplas, portas ao mar; Que
chora nas suas praias lamentos de terno amante;
Lembra, em sua roupagem, uma noite de luar;
Tecida com os fios de ouro de um sol quente,
esbraseante!; [...] Minha cidade faceira, onde o
verde é a mensagem; De fé em sua pujança, de
esperança em seu destino; Onde na velha
figueira cantam os pássaros na ramagem; E
rezam os crentes contritos, ao ouvirem a voz do
sino; Arranha-céus, braços longos que se
erguem para o espaço! Primeiras vigas
concretas do seu sonho de grandeza! (SILVA,
2007, p. 90 - 91)
116
Figura 4 – Foto do acervo de Ademir Damasco, morador do
bairro do Campeche e entrevistado nesta pesquisa. Esta
fotografia mostra o Campeche no início da década de 1980.
Até então, a localidade possuía características rurais, como se
observa pela presença das casas rústicas, do chão constituído
de areia da praia e da carroça de boi.
O Bar do Chico foi aberto em 1983, período anterior ao
primeiro plano diretor elaborado pelo Instituto de Planejamento
Urbano de Florianópolis (IPUF)79
para o bairro Campeche,
79 O IPUF (2004, p. 134) que é, como já citado no primeiro capítulo dessa
dissertação, o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, se define
da seguinte maneira “Embora sua equipe técnica esteja bastante esvaziada,
o IPUF caracteriza-se por ser o órgão municipal com maior densidade de
técnicos habilitados a pensar o desenvolvimento do Município. Criado em
1977 para ser um órgão de planejamento integral e com visão
117
quando este ainda sofria com a falta de infraestrutura e de
empreendimentos de lazer. Foi neste contexto que o bar se
tornou um ponto de encontro dos moradores da região. No final
da década de 1980, o bairro caracterizava-se por um lento
processo de urbanização e carência de serviços públicos. Esta
situação foi apontada no Plano de Desenvolvimento Campeche
(1995), no documento constava-se que “em termos de lazer, as
comunidades estão muito mal atendidas. Não há rede coletora
nem tratamento final adequado dos esgotos sanitários em toda
a região. Os postos de saúde são classificados como regulares
ou ruins.” (IPUF, 1995). Essa conjuntura contribuiu para a
criação de um plano diretor para a região e a consequente
determinação do Bar do Chico como um novo espaço de
sociabilidade na localidade, pois “no interior da Ilha as
comunidades parecem paradas, mas só até terem início os
processos que viriam perturbá-las, principalmente a partir dos
anos setenta” (IPUF, 2004, p.76). Como aponta a pesquisadora
Mara Coelho de Souza Lago, o “Campeche era, até há pouco
tempo, uma das comunidades agrícolas-pesqueiras típicas da
Ilha, localizada numa de suas partes mais planas, com grande
extensão (para os padrões ilhéus) de terras de plantio e pasto
metropolitana, o IPUF já elaborou planos diretores para todos os 438 km²
do território municipal e dois planos de desenvolvimento distritais,
utilizando uma política de desenvolvimento raramente explícita.”.
118
para gado. Hoje está sendo intensiva e desordenadamente
ocupada.” (1996, p. 47).
Neste capítulo, o objetivo é demonstrar as propostas dos
planos diretores para a cidade80
e para o bairro através dos:
Plano de Desenvolvimento Turístico do AUF (Aglomerado
Urbano de Florianópolis) do ano de 1981; Diagnóstico do
Plano Diretor dos Balneários, 1984; Plano de Entremares:
Documentos da Participação Pública (De 01/11/1989 a
17/09/99); Plano de Desenvolvimento Campeche, 1992; Plano
de Desenvolvimento Campeche, 1995; Plano de
80 Historicamente verifica-se que Florianópolis passou por fases distintas de
urbanização intimamente relacionadas com as atividades econômicas e
administrativas que explicam as diferentes formas de ocupação do espaço.
A ocupação da Ilha de Santa Catarina iniciou-se com a vinda de imigrantes
açorianos entre os séculos XVIII e XIX. Desterro era a capital da província
catarinense, exercendo funções administrativas, promovendo a defesa do
litoral brasileiro e desenvolvendo atividades econômicas ligadas à pesca e a
agricultura (CABRAL, 1950, p. 503-608). Outras transformações da cidade
de Florianópolis ao longo dos anos de 1920 referem-se a construção da
Avenida Hercílio Luz conhecida como Avenida do Saneamento já que
realizou a desapropriação de cortiços coloniais do centro da capital
(PELUSO JR, 1991). E por último, nas décadas de 1930 e 1940 observa-se
a decadência da pequena produção mercantil açoriana e novos
investimentos em pesca industrial. Um novo surto de crescimento urbano
inserido na dinâmica econômica nacional do período pós 1950 (PELUSO
JR, 1991), será analisado na respectiva pesquisa. Ainda como complementa
o entrevistado, dessa pesquisa, Ivo Sostizzo, assim “Bom, o planejamento
urbano de Florianópolis, [...] em 54 houve um momento específico quando
foi contratada uma equipe de arquitetos de Porto Alegre que fez o chamado
Plano Diretor de Florianópolis 1954.” (SOSTIZZO, 2015, p. 2-3).
119
Desenvolvimento Entremares,199781
em diálogo com as fontes
orais. Afinal, os modelos de urbanização propostos, tanto para
a cidade de Florianópolis quanto para o bairro Campeche, eram
questionados pela comunidade local e o Bar do Chico era o
local onde aconteciam estas discussões entre os moradores.
Assim a partir das décadas de 1970 e 1980 observou-se
um acelerado processo de urbanização e expansão de
infraestruturas básicas, de forma que a área central da cidade
expandiu-se e adensou-se. Paralelamente, o setor turístico
desenvolveu-se como um eixo econômico importante visando
as potencialidades naturais e históricas da Ilha, de forma que a
atividade passou a ser percebida por políticas públicas e pelas
propostas de planejamento urbano. Assim, a ideia de que o
bairro do Campeche seria “excelente lugar para se viver”
tornava-se contraditória para a AMOCAM (Associação de
Moradores do Campeche)82
, pois a entidade opunha-se ao
processo de promoção imobiliária e turística do bairro do
Campeche, o que desvelava contradições do fenômeno. Pois,
81 Todos esses planos diretores foram conseguidos no IPUF, pela autora da
respectiva análise, a partir de uma pesquisa realizada no instituto. 82
A AMOCAM “foi criada no dia 25 de abril de 1987 e surgiu da
necessidade de apontar, reivindicar e manifestar a vontade e as necessidades
da comunidade, representando-a junto às autoridades. A ideia de criar uma
entidade partiu de um grupo de moradores que via suas reivindicações, nos
anos de 80, serem ignoradas pelo Conselho Comunitário do Campeche.”
(AMARANTE, 2013, p. 32).
120
para esta Associação, a qualidade de vida estaria precisamente
na manutenção na comunidade do Campeche como um bairro
que preserva sua natureza ecológica, ou seja, sem as
construções imobiliárias (MOREIRA, 2010).
É nesse contexto que a AMOCAM, através do Plano
Comunitário para a Planície do Campeche (1999),
compreende que a expansão imobiliária faz parte do processo
de crescimento da cidade. Porém, o que se questiona é a forma
como a especulação e o desenvolvimento urbano acontecem,
buscando justamente ordenar essa planície arenosa de maneira
sustentável. Em detrimento da forma desordenada proposta no
Plano de Desenvolvimento Integrado da Planície Entremares,
Campeche e região, elaborado pelo IPUF no ano de 1989, que
projetava uma cidade voltada para o setor turístico.
O presente capítulo tem seu título baseado nas
propostas de planos diretores para o bairro do Campeche e está
subdividido em dois subcapítulos: o primeiro é a análise das
transformações que o bairro Campeche vem sofrendo em suas
áreas de ocupação, desde o final da década 1980, a partir da
expansão urbana de Florianópolis. Nele, está a discussão e os
históricos dos planos diretores para o bairro do Campeche,
estimulando seu crescimento e o processo de urbanização. Ou
seja, o que representa o plano diretor, na história da cidade de
Florianópolis e no bairro. E, por fim, no segundo subcapítulo
121
procuro mostrar as influências dos movimentos comunitários
do Campeche no processo em foco, problematizar o que
representava o Bar do Chico para o bairro neste período e
como sua respectiva derrubada causou impactos simbólicos,
políticos e sociais.
3.1 O PLANO DIRETOR PARA OS BALNEÁRIOS E O
PLANEJAMENTO DO BAIRRO CAMPECHE
Figura 5 – Figura produzida por Monique Osmarina Daniel, no
ano de 2015. Localização do bairro do Campeche em
Florianópolis.
O planejamento espacial da Ilha de Florianópolis teve
início na década de 1950, a partir do crescimento urbano
inserido na dinâmica econômica nacional do período pós 1950.
Reinaldo Lohn destacou que:
a promoção do crescimento urbano de
Florianópolis deveria representar mais do que
um simples desejo de aparecer com algum
destaque dentre as capitais brasileiras:
significava a apropriação de imagens pautadas
122
pelos desejos de modernização que circulavam
através de meios de comunicação e discursos de
toda ordem, em âmbito nacional, acrescentando
novos sentidos. (2007, p. 303).
Os grupos hegemônicos da Capital de Santa Catarina
tentaram apontar a cidade para uma rota do desenvolvimento,
então entendida como parte do processo de industrialização ao
qual algumas outras regiões do país já se moldavam. Ou seja,
como afirmou o arquiteto Paulo Marcos Borges Rizzo,
“pretendia-se que a capital viesse a ser o principal pólo
integrador do Estado para equilibrar a força de atração de
outras metrópoles: São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.”
(RIZZO, 2005, p. 66). De maneira geral havia a pretensão de
transformar Florianópolis em região metropolitana com ênfase
nacional e, para tal fim, objetivavam a modernidade urbana.
A proposta geral das elites dirigentes era transformar
Florianópolis em cidade comercial, portuária, industrial e
administrativa. Lohn (2007) também apresentou que enquanto
o plano diretor previa o desenvolvimento econômico da cidade
através da indústria e do porto, o discurso da imprensa da
época era de que as camadas mais favorecidas desejavam
promover o turismo na cidade como principal atividade
econômica. Nesse primeiro momento do planejamento urbano
observa-se as perspectivas com o desenvolvimento do turismo
que Florianópolis apresentava:
123
O desenvolvimento do turismo ou, melhor, o
seu surgimento, pode parecer a alguns uma
função fundamental para Florianópolis. (...)
Acreditamos, assim, que o turismo poderá ser
uma função acessória da cidade, que reúne
muitas condições para isso. Não pensamos que
tal função possa adquirir primazia sobre a
função econômica de produção e de
intercâmbio, única capaz, a nosso ver, de
sustentar uma grande urbe.”. (PAIVA,
RIBEIRO, GRAEFF, 1952, p.18-19).
O Código Municipal de Florianópolis, de 1955, foi o
primeiro plano diretor83
da cidade e restringia-se ao centro
tradicional e a parte do continente (PEREIRA, 2007, p. 8). Em
1955, a Câmara de Vereadores de Florianópolis aprovou este
plano que tentava introduzir a atividade portuária como
impulsionadora do desenvolvimento. Este tinha a conotação de
progresso calcado na industrialização para Florianópolis, pois
seu conteúdo estava voltado para tal expectativa, deixando de
lado o interior da Ilha. (BUENO, 2007).84
83 O pesquisador Almir Francisco Reis aponta que os planos diretores de
Florianópolis são “resultado em grande parte de processos informais de
crescimento, tem, no sítio e nas formas prévias de ocupação do território, as
diretrizes mais fortes a organizarem a sua expansão. Isso tem acontecido
apesar da existência em Florianópolis, desde os anos 1950, de legislação
urbanística consolidada em Planos Diretores.” (REIS, 2012, p. 192). 84
A respeito desse primeiro plano diretor para Florianópolis verifica-se que
o bairro do Campeche nem era visualizado enquanto proposta de
planejamento, porém vale destacar que na década de 1950, segundo o
pesquisador Almir Francisco Reis “na planície do Campeche, o
124
Com o crescimento da cidade de Florianópolis emergiu
também a preocupação com a organização do espaço urbano. O
Código Municipal de Florianópolis, de 1955, foi elaborado
durante o governo Paulo Fontes, pelos arquitetos gaúchos
Edvaldo Pereira Paiva, Demétrio Ribeiro e Edgar Graeff,
quando a cidade tinha cerca de 70.000 habitantes e determinava
as regras para construções de residências, edifícios, transportes
e normas sanitárias. Este plano diretor ficou em vigência até o
ano de 1976, quando foi aprovado um novo plano para a cidade
de Florianópolis. (SOUZA, 2010, p. 71).
A preparação do plano de Florianópolis seguiu
os mesmos princípios utilizados pela equipe em
Porto Alegre. Após uma avaliação pessimista
da situação urbana do munícipio, considerado
sem identidade, pré-industrializado, com um
sistema viário obsoleto e um porto em
decadência, a equipe apresentou um plano
preliminar baseado na implantação de um porto
na parte continental da cidade que deveria ser o
elemento indutor do desenvolvimento urbano.
Ao lado do porto, deveria ser implantada uma
zona comercial e industrial e com o
parcelamento agrícola organizava-se em diversas frações, que apresentavam
diferentes direções de crescimento estruturadas por múltiplos caminhos.”
(REIS, 2012, p. 156). Ainda, o autor aponta que “a complexidade do
parcelamento original do Campeche pode ser observada na foto aérea de
1956. Os diversos módulos de cultivo estabelecem um tapete xadrez que
cobre toda a planície, avançando pelas encostas e dunas. O reconhecimento
do mosaico de propriedades agrícolas fica dificultado pelos nódulos de
cultivo e pelas várias direções dos caminhos e dos agrupamentos de
propriedades.” (REIS, 2012, p. 157).
125
desenvolvimento da cidade, zonas residenciais
deveriam se estabelecer no continente. Esse
conjunto exerceria uma atração sobre o centro
tradicional (insular) que seguiria suas funções
de centro comercial, administrativo e de zona
residencial. (PAIVA, RIBEIRO, GRAEFF,
1952, p. 80 apud PEREIRA, 2010, p. 108).
Nesse momento, identifica-se que a especulação
imobiliária agravava os problemas urbanos da cidade e que
havia insuficiência de infraestrutura. A elite local que
preconizava a modernização da capital mantinha suas
propriedades em áreas estratégicas, como a Baía Norte. Em
relação ao primeiro plano diretor, Lohn (2007, p. 312) afirma
que “toda a concepção do plano é perpassada pela necessidade
de criar condições para o desenvolvimento industrial, única via
possível para promover a renovação urbana e alcançar a
modernidade.”.
Embora o Código Municipal de Florianópolis, do ano
de 1955, ter sido posto em prática muito pouco do que foi
proposto, esse plano foi uma das fontes para o planejamento
elaborado pelo arquiteto urbanista Luiz Felipe Gama d‟Eça85
85 Segundo Elson Manoel Pereira, doutor em Urbanismo e Professor do
Departamento de Geociências – CFH/ UFSC, “o período de estudo do
Gama d‟Eça coincide com o período de construção de Brasília (1957-1960):
ele participa dos debates sobre a nova capital, frequenta, segundo ele, as
reuniões das quais faziam parte Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e é
convidado a participar da empresa encarregada da construção de Brasília.
Mesmo não tendo aceitado o convite, essas experiências vão marcar
126
em 1969. No entanto, foi no ano de 1967, que a prefeitura da
capital catarinense decidiu que a cidade precisava reavaliar o
plano diretor de 1955, pois ele estava gradativamente
esquecido. O Conselho de Engenharia, Arquitetura e
Urbanismo (CEAU) ligado à estrutura administrativa
municipal, começou então, um grande trabalho de
planejamento do território da capital catarinense considerando
também toda a área considerada como “Grande Florianópolis”,
ou seja, Florianópolis. (PEREIRA, 2010).
O Plano de Desenvolvimento Integrado da Região da
Grande Florianópolis foi coordenado pelo Escritório
Catarinense de Planejamento (ESPLAN), com uma perspectiva
de ordenamento metropolitana para a capital e também para a
região da Grande Florianópolis. Além disso, visava se
contrapor à polarização exercida por Porto Alegre e Curitiba.
Porém, tal planejamento continha diretrizes sobre a ordenação
espacial da área continental que não foram instituídas por Lei
Estadual ou Municipal. (ROCHA; SOUZA, 2004, p. 115). O
período dos anos 1960, de acordo com Pereira (2010), havia
determinado um rápido crescimento urbano com expansão da
construção civil. De acordo com Pimenta (2005), a implantação
profundamente a vida profissional de Gama d‟Eça. [...] Destacamos sua
visão de planejamento regional e o espaço dividido segundo as funções
urbanas: a grande metrópole funcional.”. (PEREIRA, 2010, p. 112).
127
da UFSC e o término da BR 101 aceleraram o desenvolvimento
de Florianópolis. Nesta época, a Ilha de Santa Catarina passou
a ter, junto com o crescimento vegetativo da sua população,
movimentos migratórios como o turístico86
. Este, de caráter
sazonal, estava relacionado com as novas funções que a capital
catarinense passava a exercer com o desenvolvimento
industrial vivido pelo país e pelo estado de Santa Catarina.
(BASTOS, 2000).
Esse lento processo de crescimento seria
somente rompido após a Segunda Guerra
Mundial e, principalmente, após 1960, com o
crescimento do aparelho do Estado, o advento
da Universidade Federal de Santa Catarina, a
implantação da Eletrosul e das sedes de
empresas estatais. A expansão da área contígua
ao centro urbano torna-se inevitável, abrigando
não só as novas atividades econômicas e de
serviços, mas também os novos bairros
residenciais. (PIMENTA, 2005, p. 38-39).
O anteprojeto de Lei do Plano de Desenvolvimento
Integrado da Região da Grande Florianópolis foi enviado à
Câmara Municipal em 1970, porém permaneceu em tramitação
por seis anos, o que demonstra a dificuldade de um consenso.
(REIS, 2012, p. 174). No entanto, este plano diretor
86 A respeito das migrações ocorridas para a Ilha de Santa Catarina e mais
especificamente para o bairro do Campeche, serão analisadas com mais
profundidade no terceiro capítulo desta pesquisa.
128
apresentava propostas de planejamento que impactavam o
bairro, como se verifica na fala da depoente Tereza Cristina
Pereira Barbosa: “na época era tudo considerado área rural
aqui, mas mesmo assim já havia um planejamento no Instituto
de Planejamento Urbano de Florianópolis, previsto para cá.
Projeto do Gama D`eça, que aí ele centralizava grandes prédios
em determinados lugares, como no Campeche e ali na Tapera.”
(BARBOSA, 2015, p. 8).87
Dessa forma, duas expansões
urbanas, que também não foram implementadas, mas de
destaque para pensar esta pesquisa foram:
uma, ao longo da BR-101, com a implantação
de setor militar, universitário, industrial e
pesqueiro, e outra o Setor Oceânico Turístico,
abrangendo desde a Joaquina até o Morro das
Pedras, englobando toda a Planície do
Campeche, com proposta de ocupação urbana
de caráter modernista, e configuração
verticalizada a partir de torres isoladas, nos
moldes do plano da Barra da Tijuca, no Rio de
Janeiro. O centro metropolitano desenvolver-
se-ia envolvendo as duas cabeceiras da nova
ponte proposta para a travessia Ilha-continente.
No plano é proposta, também, a localização de
porto no continente, próximo à ilha de
Anhatomirim. (REIS, 2012, p. 173).
87 O pesquisador Almir Francisco Reis, sobre o Plano de Desenvolvimento
da Área Metropolitana de Florianópolis, de 1969, que influenciou as
propostas de planos diretores para o bairro do Campeche, aponta que “a
ocupação da planície do Campeche, como expansão insular do centro da
cidade, permanecerá, porém como diretriz de praticamente todo os planos
diretores realizados posteriormente” (REIS, 2012, p. 174-175).
129
O segundo plano diretor de Florianópolis, Plano
Diretor do ano de 1976, ou Plano Diretor da Lei n° 1440/76,
foi criado em 1976 e elaborado também pela ESPLAN. Mesmo
trazendo várias das diretrizes propostas do plano anterior, este
foi aprovado pela Câmera Municipal de Vereadores. A
principal proposta formulada foi a criação de um Órgão
Municipal de Planejamento, para implementar e gerir
permanentemente o processo de planejamento no município de
Florianópolis, dando origem ao IPUF, em 1977. (ROCHA;
SOUZA, 2004, p. 115).
O projeto então em tramitação, que deveria
substituir o Plano Diretor de 1954, estava
“emperrado” desde agosto de 1972. O plano
diretor em vigor, elaborado na gestão do
prefeito Paulo Fontes, era tido como “arcaico”,
pois não orientava as ações da administração
municipal no controle do crescimento da cidade
e da especulação imobiliária, a qual, segundo a
imprensa da época, “extrapola os limites do
suportável”. Se o projeto, tal como aprovado
em 1976, daria ou não conta do crescimento de
Florianópolis, não é possível dimensionar.
Sabe-se, contudo, que ele efetivamente sofreu
as “revisões” e “readaptações”, concretizadas
em numerosas emendas do projeto, no período
imediatamente posterior à sua elaboração.
(SILVA, 2010, p. 105).
130
As principais obras desse plano diretor englobavam
apenas a área central e continente, sendo que as transformações
na sua paisagem foram sentidas de forma mais contundente no
centro da cidade, pois "no período anterior a 1970, a cidade
apresentava apenas construções baixas, com poucas
construções verticais e características de uma cidade
provinciana, sendo, nesse período que ocorreu o processo de
transformação da cidade” (CAMPOS, 2004, p. 117).88
Então,
diante destas modificações estruturais importantes de
Florianópolis o turismo tornou-se uma atividade potencial para
a região. Ainda é preciso destacar os interesses de setores
econômicos e políticos na agenda das atividades urbanas que,
por sua vez, promoveram a expansão imobiliária e do setor da
construção civil. Assim a
estruturação Urbana da Capital com pólo da
Região Metropolitana, sede da administração
pública estadual e principal centro de negócios,
88 A respeito das fases da urbanização de Florianópolis e sobre o processo
de transformação da cidade “as diversas instituições estatais – municipais,
estaduais e federais -, estabelecidas em Florianópolis dada a sua condição
de Capital mantinham-se no início dos anos 1970, concentradas
principalmente na área central da Ilha, centro comercial e administrativo.
Naquela época, já era muito significativo o papel de Florianópolis como
área administrativa, concentrando-se em Florianópolis cerca de um terço
dos servidores públicos do estado. Apesar dessa concentração espacial, já
era possível observar, no entanto, alguns desses edifícios localizados
próximos da baía norte, na direção de onde se localizava a então Avenida
Beira-Mar Norte.” (SUGAI, 2015, p. 124-125).
131
serviços e turismo do Estado, através de um
significativo adensamento habitacional de
classe média e alta nas áreas centrais e Insular e
Continental, e da caracterização dos municípios
continentais como centros de apoio a Capital,
concentrando indústrias e populações
trabalhadoras. (ROCHA; SOUZA, 2004, p.
116).
De acordo com o que já foi apontado acima, o
planejamento urbano de 1976 propunha a descaracterização do
perfil do Centro Histórico de Florianópolis. A antropóloga
Márcia Fantin (2000), afirma que o plano diretor do distrito-
sede que ficou em vigor até o ano de 1998 elaborado em 1976,
sob a perspectiva do contexto desenvolvimentista, buscava
transformar Florianópolis num grande centro urbano-industrial
e portuário. A partir do Plano Diretor Sede pela Lei
Complementar n° 001/97, propunha-se justamente o contrário.
Este previa a criação de Áreas de Preservação Cultural, visando
a recuperação progressiva dos conjuntos de edificações antigas
do Centro Histórico que, por razões regimentais, teve a
nomenclatura de seu plano diretor alterada para Lei
Complementar citada acima. (REIS, 2012, p. 176).
Além disto, outra grande contradição do
planejamento urbano de Florianópolis é que,
após 30 anos de sua aprovação, encontramos
uma ocupação do solo bem diferente do que ele
preconizou. As inúmeras modificações de
zoneamento feitas por leis específicas que
132
seguiram a lei de 1976 colocaram em xeque o
próprio plano. Assim em 1997, um novo plano
foi aprovado. O plano de 1997 revela uma certa
crise de referências dos técnicos envolvidos
com sua elaboração. (PEREIRA, 2010, p. 112).
Dessa forma, na década de 1990, o discurso presente no
plano de 1997 para a Capital, ou seja, para o centro tradicional,
passou a primar também pela preservação do patrimônio
cultural, muitas vezes entrando em conflito com a expansão
urbana. Algumas das medidas implementadas no plano diretor
sede de 1997 previam:
Descentralização das atividades econômicas do
Centro Histórico para os Centros de Bairro,
facilitando a acessibilidade dos moradores,
reduzindo a demanda por transportes coletivos
e diminuindo o congestionamento da área
central; [...] criação das Áreas Residenciais
Predominantes (ARP-0), [...]; criação das Áreas
de Preservação Cultural, visando a recuperação
progressiva dos conjuntos de edificações
antigas do Centro Histórico; [...] e
regulamentação da participação popular no
processo de planejamento (Planejamento
Participativo), novamente antecipando os
instrumentos regulamentados no Estatuto da
Cidade em 2001. (ROCHA; SOUZA, 2004, p.
119).
A partir do estudo dos três primeiros planos diretores
para a cidade de Florianópolis observa-se que foi privilegiado o
133
ordenamento urbano para a região do distrito sede, ou seja, a
região do centro da capital e continente.
Durante praticamente todo o século XX, a
prática do planejamento urbano foi sustentada
por um conjunto de premissas técnicas, às quais
eram vistas como princípios amparados
cientificamente; o domínio do conhecimento
dessas premissas levou ao fortalecimento da
figura do urbanista que conduzia o processo de
planejamento do início ao fim. Isto ficou claro
em Florianópolis nos planos de 1954 e 1976. O
plano de 1997 foi uma espécie de crise de
planejamento: manteve-se muito das diretrizes
dos planos anteriores, embora já se
questionasse alguns de seus instrumentos, mas
ainda permanecíamos com um urbanismo de
referencial forte. Os resultados espaciais de
Florianópolis, no entanto começaram a colocar
em xeque seu urbanismo, embora isto tenha se
materializado no questionamento não do
urbanismo como técnica, mas do órgão
responsável por sua materialização em
Florianópolis – o IPUF. A experiência
participativa iniciada em 2006 revela um
momento de mudanças de processo no ato de
planejar a cidade. (PEREIRA, 2010, p. 118-
119).
Desta forma, foi importante uma retomada do processo
inicial de urbanização da Ilha de Santa Catarina que permitiu
observar o desenvolvimento da modernização da cidade,
apresentando como foco a região do centro e do continente.
Assim, foi possível observar sobre as características desse
desenvolvimento para a capital catarinense que:
134
apesar de Florianópolis ter um grande e
“natural” potencial turístico, a cidade desperta
lenta e tardiamente para essa opção. Mesmo
vivendo seu primeiro boom de expansão na
década de 70, a discussão a respeito era
incipiente. É somente a partir dos anos 80 –
quando a cidade vive a euforia do turismo89
e
se defronta com um intenso fluxo de turistas –
que o debate acerca da vocação turística e da
necessidade de implantar políticas e obras infra-
estruturais ganha vulto. (FANTIN, 2000, p. 74).
Assim, a partir da análise dos planos diretores para
Florianópolis e das entrevistas realizadas, tem-se a intenção de
verificar que a transformação do Campeche, que cresceu
acompanhando o desenvolvimento da cidade, começou a
atender, a partir da década de 1990, ao projeto de ocupação
elaborado pelo IPUF. A partir da implantação do plano diretor,
a configuração da cidade de Florianópolis e,
consequentemente, do bairro, começou a sofrer transformações
significativas. Desta forma, o subcapítulo a seguir visa, a partir
dos planos diretores para a região do bairro Campeche,
investigar as discussões que essas propostas passaram sobre as
estruturas urbanas e também sobre as consequências para a
capital.
89 Grifo da autora.
135
3.1.1 A Cidade Nova do Campeche90
: proposta de
planejamento do IPUF para o bairro
Na década de 1980, o IPUF elaborou planos urbanos
para a cidade e para outras localidades da Grande
Florianópolis91
, como verifica-se a partir dos Planos Diretores
de São José, Palhoça e Biguaçu (1980)92
; Plano de
90 O documento Atlas do Município de Florianópolis, do ano de 2004,
aponta que a ideia d‟ A Cidade Nova do Campeche foi desenvolvido pelo
Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis que "concebeu um
projeto completo para a criação do primeiro Parque Tecnológico de porte da
Grande Florianópolis na região do Campeche. Essa concepção industrial
inovará a paisagem no sul da Ilha, especialmente a do Campeche, buscando
vincular alta tecnologia com ecologia, indústria e preservação ambiental,
contribuindo para o eco-desenvolvimento dessa região.” (IPUF, 2004, p.
99). 91
A pesquisadora e professora do departamento de arquitetura e urbanismo
da UFSC, Maria Inês Sugai coloca que “uma referência enganosa, por
exemplo, diz respeito à delimitação territorial de Florianópolis. O município
é constituído pela Ilha de Santa Catarina, com área de 424,4 km², e abrange
também uma extensão territorial no Continente de 12,1 km², o que
totalizaria 436,5 km² [...]. Entretanto, a noção de que o território de
Florianópolis se limita apenas à Ilha de Santa Catarina, desconsiderando à
existência dos bairros situados no Continente, constitui forte representação
não apenas no imaginário dos turistas; parte considerável dos moradores da
área continental de Florianópolis e dos municípios vizinhos também
concebem apenas a Ilha quando desejam se referir a Florianópolis. No
entanto, no território continental de Florianópolis, habita parcela
representativa de sua população. Os dados dos censos gerais do IBGE de
1991 e de 2000 indicavam que, respectivamente, 32% da população e 26%
da população do município de Florianópolis habitavam essa área no
Continente que faz parte do seu Distrito Sede [...].”. (SUGAI, 2015, p. 28). 92
Ainda como complementa o entrevistado desta pesquisa, Ivo Sostizzo,
assim “o próprio IPUF nessa época, preocupado com a famosa conurbação
que estava muito evidente, também fez o plano diretor dos quatro
136
Desenvolvimento Turístico do AUF (Aglomerado Urbano de
Florianópolis) do ano de 1981 93
; Plano Diretor da Trindade
(1982) 94
e, o que nos interessa nesta análise, o Diagnóstico do
Plano Diretor dos Balneários (1984). Foi neste momento que
se começou a ter uma perspectiva a respeito dos bairros do
interior da Ilha de Santa Catarina, como é o caso do Campeche.
Os primeiros planos aprovados (1954, 1971)
pouca importância deram ao interior da Ilha de
Santa Catarina, priorizando as relações do
centro urbano com a área continental da cidade.
Ressalte-se que o Plano de Desenvolvimento da
Área Metropolitana de Florianópolis,
desenvolvido a partir de 1967, estabelecendo a
municípios, em 1985, que foi entregue à São José, à Palhoça e à Biguaçu, o
plano de uso e ocupação do solo. E Florianópolis entendeu que tinha um
plano diretor pra todo território, porque já tinha o de 76 aprovado, que era
proposto em 70, aprovado em 76 que cobria o Centro, e o dos Balneários
que cobria todo o restante do território.” (SOSTIZZO, 2015, p.7). 93
A importância deste plano diretor se dá pelo fato que “este Plano propôs
uma estratégia de obras, programas e projetos para o desenvolvimento de
longo prazo do turismo em todo o AUF, visando quebrar a sazonalidade do
turismo de “praia” com equipamentos para o turismo cultural e o eco-
turismo.”. (ROCHA; SOUZA, 2004, p. 117). 94
Este plano diretor “estabeleceu diretrizes para a descentralização do
Centro Histórico de Florianópolis. [...] Este Plano abrangia as regiões do
Saco dos Limões, Pantanal, Trindade, Córrego Grande, Santa Mônica,
Itacorubi e Saco Grande.”. (ROCHA; SOUZA, 2004, p. 117). Ainda
segundo a perspectiva do próprio Plano de Desenvolvimento Turístico do
AUF do ano de 1981 seria a de que “[...] se coloca a necessidade imperiosa
de um Plano Global de Desenvolvimento Turístico da Região de
Florianópolis que não só induza ou incentive os futuros investimentos no
setor, como, particularmente, sirva de instrumento para nortear a
preservação da ecologia e a própria sustentação da economia regional.”.
(IPUF, 1981, p. 2).
137
planície do Campeche como um de seus vetores
principais de crescimento, efetivamente refletiu
sobre a ocupação do interior insular, muito
embora tais reflexões não tenham comparecido
na proposta legislativa efetivamente aprovada
em 1971. É o Plano Diretor dos Balneários e do
Interior da Ilha de Santa Catarina (aprovado em
1985) que, pela primeira vez, buscou ordenar o
crescimento do interior insular como um todo.
Este plano reconheceu a decadência das
atividades tradicionais e a vocação da região,
demarcou as áreas de proteção ambiental,
estabeleceu limites de ocupação. (REIS, 2012,
p. 192).
Com o aumento populacional, acelerado e imprevisto
que ocorreu no interior da Ilha de Santa Catarina a partir da
década de 1980, esta região passou a ter atenção por parte dos
planejadores. É a partir desse contexto que ocorre a aprovação
do Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha, Lei
2.193/85. (BUENO, 2007). Nesse sentido, este plano diretor
dispunha sobre o zoneamento urbano e ocupação do solo dos
balneários da capital catarinense declarando-as como áreas de
interesse turístico (IPUF, 1985). A partir da citação abaixo
pode-se compreender como se encontrava organizado, neste
período, o planejamento urbano da cidade de Florianópolis:
A Ilha de Santa Catarina, podia ser dividida, até
pouco tempo, em duas grandes porções
funcionais: a Área Central (urbana) que sedia o
aparato político-administrativo estadual e as
atividades comerciais e de serviço e o interior
138
da Ilha onde, tradicionalmente, conjugam-se as
atividades ligadas à agricultura de subsistência
e a pesca artesanal. Apesar de, historicamente,
o “interior” fornecer a cidade alguns produtos
básicos, ele permanecia relativamente isolado e
estável, com diversas pequenas comunidades
pesqueiras na orla litorânea e alguns núcleos
rurais nas porções interiores. (Diagnóstico do
Plano Diretor dos Balneários, 1984, p. 1).
Idealizado no início dos anos 1980 e aprovado em 1985,
o Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha, foi pensado
como parte do projeto elaborado no ano de 1981, a partir do
Plano de Desenvolvimento Turístico do AUF (Aglomerado
Urbano de Florianópolis). Este era uma parceria entre o
governo brasileiro, o BIRD (Banco Internacional para a
Reconstrução e o Desenvolvimento), Governo Alemão e outras
entidades, com a finalidade de investir no turismo a fim de
reduzir a sazonalidade, criar emprego e renda, minimizar os
efeitos prejudiciais à população local, valorizar o patrimônio
histórico e diminuir a ocupação irregular (ROCHA; SOUZA,
2004, p. 117). É nesta perspectiva que se pode compreender
que este plano diretor buscava pretensamente preservar as
chamadas tradições culturais95
da Ilha de Santa Catarina e
95 No Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha observa-se o interesse
especificamente na preservação das tradições “que, se por um lado o
turismo é, na verdade, uma das potencialidades mais concretas da Capital de
Santa Catarina, ele assume hoje uma característica predatória,
desequilibrando o sistema natural e desestruturando as comunidades
139
promover o turismo, porém a ocupação clandestina ocorrida
neste momento descaracterizou esta proposta. Assim:
Essas áreas, além do objetivo de propiciar a
continuidade das atividades tradicionais, foram
propostas visando também conter a expansão
“desordenada” dos usos urbanos e turísticos,
processo em franco andamento naquele
momento. Com a acessibilidade melhorada e
sujeitas a enormes pressões imobiliárias, a
ocupação dessas áreas não foi contida por esta
estratégia, levando a sua ocupação de forma
clandestina a partir do loteamento sucessivo das
glebas coloniais. Este processo, que ocorreu por
toda a Ilha, foi particularmente violento nas
grandes planícies insulares, Campeche e Rio
Vermelho. Apesar de levantar algumas
alternativas de incentivo à pesca (criação de
cooperativas) e à agricultura (incentivos
governamentais), o plano não apresenta
nenhuma especulação de como estas atividades
poderiam ser integradas ao desenvolvimento
turístico. (REIS, 2012, p. 180).
Estes projetos de desenvolvimentos entendiam que “as
perspectivas futuras do litoral da Ilha de Santa Catarina estão,
tradicionais, não apresentando até então, resultados econômicos com maior
significado para a Região. As perspectivas futuras do litoral da Ilha de Santa
Catarina estão, no entanto, ligadas, sem dúvida, ao crescimento de seus
balneários como centros de turismo e lazer. A preservação dos recursos
naturais e dos núcleos, atividades e hábitos tradicionais (pesca, vilas,
folclore, etc...) é, portanto, condição fundamental, não só para a
sobrevivência de importante segmento da população e da cultura local,
como, ainda que paradoxalmente, para a própria sustentação destas áreas
como polos privilegiados de atração turística.” (Diagnóstico do Plano
Diretor dos Balneários, 1984, p. 5-6).
140
no entanto, ligadas sem dúvida, ao crescimento de seus
balneários como centro de turismo e lazer” (Diagnóstico do
Plano Diretor dos Balneários, 1984, p. 1). Segundo Ivo
Sostizzo:
Já batia a porta de Florianópolis um fluxo
turístico significativo e os investidores
precisavam saber o que poderia ser feito nos
Balneários: Canasvieiras, Jurerê, Ingleses,
Barra da Lagoa e Campeche. Então foi proposto
em 1980, estudado pelo próprio IPUF e
aprovado em 85, o Plano Diretor dos
Balneários. Então o que o IPUF fez foi propor
um sistema de urbanização em cada Balneário,
por exemplo, em Jurerê, surge o Jurerê
Internacional, pois em Jurerê Nacional já tinha
um projeto de loteamento desde 70, de 60, mas
estava parado, [...] e abriram-se as comportas
dos investimentos em cada Balneário. Então,
ficou identificado o fluxo, a dinâmica
econômica de Florianópolis, que não mais se
continha ao centro histórico. Na verdade, há na
ilha um processo de conurbação a semelhança
das conurbações de outras cidades, só que aqui
na ilha não é uma conurbação de cidades, mas
uma conurbação de Balneários. (SOSTIZZO,
2015, p. 6).
A partir do Plano Diretor dos Balneários e Interior da
Ilha de 1985, pode-se observar um primeiro estudo das
características da estrutura do bairro do Campeche na década
de 1980. Pois, até então, os planejamentos urbanos
consideravam outras regiões da Ilha mais interessantes para
141
pensar um ordenamento, como pode-se perceber a partir da
seguinte citação:
Pode-se afirmar que não existe mais no interior
da Costa Leste/Sul da Ilha grupos humanos
com características próprias – o fenômeno das
influências urbanas, sobretudo através da
economia vem penetrando nessas comunidades
e modificando a sua feição primitiva. Por
exemplo, temos atualmente, em algumas
localidades (Campeche, Armação), os
moradores “sazonais” ou veranistas, que pela
sua permanência temporária da localidade,
estão criando um outro setor de sub-emprego: o
vigia, o caseiro, a doméstica de temporada;
ocupações essas na maioria das vezes, mal
remuneradas. (Diagnóstico do Plano Diretor
dos Balneários, 1984, p. 14).
O Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha, de
1985, implanta um sistema de atualização do planejamento
espacial de Florianópolis, através da elaboração de Planos de
Urbanização Específica96
que detalha áreas urbanas do interior
96 Segundo o pesquisador Almir Francisco Reis, sobre os Planos
Específicos de Urbanização, “a partir da aprovação do Plano Diretor dos
Balneários (IPUF, 1985a), muitas áreas rurais foram transformadas em
áreas de expansão urbana, através de ocupações clandestinas e alterações
legais dos perímetros urbanos. Visando responder a esse movimento e
detalhar diretrizes de planejamento, o IPUF vem continuando seus trabalhos
com o desenvolvimento de Planos Específicos de Urbanização, destinados a
porções territoriais específicas da Ilha de Santa Catarina. Inúmeras razões
justificam a realização desses planos: a atualização do Plano Diretor dos
Balneários, passados já mais de 15 anos de sua criação, o reconhecimento
das diferenças existentes entre as localidades da Ilha (sítio, morfologia,
142
da Ilha. Dessa forma, os planos específicos alteram
drasticamente os pressupostos e os cenários imaginados pelo
Plano Diretor dos Balneários (ROCHA; SOUZA, 2004). É
neste contexto dos Planos de Urbanização Específica que o
bairro do Campeche começou a apresentar efetivamente um
projeto de urbanização, pois até então, como se verifica, tinham
ideias e propostas, mas nada de efetivamente concreto, como
aponta Ivo Sostizzo:
O plano de 70 insinua que o Campeche deveria
ser o local da vez da expansão do centro. Em
1985, um profissional […] que é o arquiteto
Vergara se dedica e a coordenação do IPUF,
onde este concorda que se faça um plano do
Campeche, com grandes detalhamentos. E
quando aparecem as primeiras propostas o
embate se instala, criando uma […] relação
tempestuosa entre a proposta do IPUF, visto
como uma proposta de montar outra
urbanização à revelia dos interesses e dos
valores que a comunidade defendia. Então ali
ficou marcante a relação beligerante, de guerra.
(SOSTIZZO, 2015, p. 8).
processos de crescimento), o enquadramento legal das ocupações realizadas,
buscando equacionar os problemas derivados dos altos índices de
clandestinidade. Porém, a forma em que a cidade vem sendo planejada.”.
(REIS, 2012, p. 184).
143
O Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares,
Campeche e região97
- elaborado pelo IPUF no ano de 1989, a
partir do viés dos Planos de Urbanização Específica e enviado
para apreciação na Câmara dos Vereadores em 1992 - teve seu
debate adiado por pressão da comunidade, possibilitando uma
melhor avaliação pelos moradores (MOREIRA, 2010). O Plano
era consequência da estratégia de promover o crescimento da
cidade de Florianópolis, e sua inscrição no mercado turístico
em nível nacional e internacional. Com isso, incentivava a
vocação turística e o desenvolvimento de indústrias de alta
tecnologia para o bairro do Campeche. (BARBOSA;
BURGOS; TIRELLI, 2003). E, ainda, a proposta se ampliava
na medida que “em termos de limites demográficos, os 450.000
habitantes propostos para a Planície do Campeche praticamente
dobram o limite de 230.000 habitantes do Plano Diretor dos
Balneários para a totalidade da ocupação do interior insular.”
(REIS, 2012, p. 187).
Como apontou, em entrevista, Lázaro Bregue Daniel,
foi no contexto de criação deste plano diretor que começaram
97 Para que haja uma maior compreensão da trajetória histórica do plano
diretor criado para o bairro do Campeche deve-se ater a seguinte citação do
Ofício DIPRE N° 424/98 do IPUF que esclarece que o Plano de
Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região foi
“concebido em 89, finalizado em 92, rejeitado em 95 e dividido em 97...”.
(IPUF, 1998, p. 2).
144
os conflitos no bairro do Campeche e estes tiveram como
consequência a derrubada do Bar do Chico, em 2010.
E é importante dizer que o Campeche era uma
comunidade pequena. Florianópolis naquela
época tinha em torno de 230.000 habitantes e
eles tinham um plano diretor para um
assentamento de 450.000 [...] no Campeche, em
89. No plano deles havia várias avenidas na
beira da praia, em todo o Campeche e essas
avenidas eram em torno de uma largura de
sessenta metros, que pegavam a parte das dunas
e foi um dos grandes motivos para a
comunidade rechaçar. Como é que tu podes
deixar um filho teu de dez anos ir a praia, tendo
que atravessar uma autoestrada pra poder
chegar a praia? (BREGUE DANIEL, 2015, p.
4).
Então, em 1992, como parte das políticas de
desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região
de 1989, cria-se o Plano Específico do Parque Tecnológico do
Campeche, o qual visava consolidar a vocação tecnológica de
Florianópolis. (ROCHA; SOUZA, 2004).
Proposto pelo IPUF, o Plano Específico do Parque
Tecnológico do Campeche buscou disciplinar a expansão
urbana do Campeche, adequando a legislação, com a
transformação das áreas rurais em urbanas. O plano
apresentava uma ideia que previa uma população de cerca de
450.000 pessoas, num horizonte temporal de trinta anos,
145
configurando uma cidade nova baseada no turismo e em
“indústrias limpas”, ou seja, os parques tecnológicos teriam
campus universitário, autódromo internacional, centro de
convenções, shopping centers, etc. (REIS, 2012).
Percebe-se que houve um interesse muito grande no
bairro durante a expansão urbana de Florianópolis e que isso é
notório perante a quantidade de planos que podem ser
levantados. Diante de uma conjuntura da cidade de
Florianópolis que se volta para o crescimento urbano, até
mesmo o Campeche entra nesse contexto e passa a ser alvo
também de uma demanda de turismo que é muito valorizada
nos aspectos históricos, econômicos e sociais. Dessa forma,
além desta região, no mesmo período histórico, outros projetos
de empreendimentos foram planejados numa perspectiva
turística: Jurerê Internacional, Costão do Santinho e Projeto do
Porto da Barra. (FANTIN, 2000).
Neste cenário de desenvolvimento turístico na capital
catarinense, a partir da implantação de novos projetos urbanos
pode-se estabelecer relações com o caso do bairro do
Campeche com o empreendimento implantado no norte Ilha de
Santa Catarina, durante as décadas de 1980 e 1990, o projeto
Jurerê Internacional que foi projetado na perspectiva de
“atender a uma demanda de consumo privado, de camada
média e alta, sem alterar significativamente o quadro de
146
carências das comunidades ali sediadas, e sem valorizar um
aproveitamento mais racional dos recursos locais”
(FERREIRA, 2005, p. 111). Sobre este contexto histórico de
Florianópolis:
Nos anos 90, em meio ao processo de
globalização, o turismo torna-se agenda
imprescindível nos debates, aguçada ainda mais
com a organização do Mercosul, que se
descortina como um novo mercado a desafiar as
cidades – especialmente Florianópolis, que se
autodenomina “Capital Turística do Mercosul”.
Em sintonia com as transformações advindas do
processo de globalização da economia e
mutações no mercado de trabalho, que acena
para o crescimento do setor de serviços e novos
usos do tempo livre, reforça-se a discussão da
chamada vocação para o turismo (indicando
que Florianópolis „escolheu o caminho certo‟) e
da necessidade de incrementar a indústria do
entretenimento, do turismo e do lazer.
(FANTIN, 2000, p. 75).
É nessa conjuntura histórica que o Plano Específico do
Parque Tecnológico do Campeche, do ano de 1992 “retomava
o antigo projeto do Setor Oceânico Turístico, criado no Plano
Diretor da Área Metropolitana de Florianópolis (PDAMF) no
final da década de 60 e inicio dos anos 70” (MOREIRA, 2010,
p. 1.355). Como aponta o documento Plano de
Desenvolvimento Campeche (1992):
147
Trata-se de concepção urbana integrada, de um
projeto de uma cidade-nova, com a capacidade
para cerca de 450.000 pessoas e capaz de
colocar Florianópolis no século XXI. Sua base
econômica serão as indústrias limpas do
próximo século, unindo o conceito de
Tecnopólis (alta tecnologia, educação e
residência) com as características paisagísticas
e culturais da Ilha (turismo). (IPUF, 1992, p. 3).
As ideias de parques tecnológicos, segundo o arquiteto
Paulo Marcos Borges Rizzo, inseriam-se no contexto de
procurar fazer de Florianópolis uma Tecnópolis98
, e o Plano
Específico do Parque Tecnológico do Campeche de 1992 foi
concebido como proposta destas políticas. Assim, “logo após o
lançamento do Mercosul, em 1991, a prefeitura de
Florianópolis alcunhou a cidade como „Capital Turística do
Mercosul‟ e definiu uma política de parques tecnológicos.”
(RIZZO, 2005, p. 71).
O resultado final pode ser considerado o Plano
de Desenvolvimento de uma cidade-nova no
98 Segundo o Plano de Desenvolvimento Campeche, 1995 o termo
Tecnópolis surge quando, “em março de 1983 o Parlamento Japonês
promulgou a chamada Lei das Tecnópolis, a qual previa a construção de 19
Tecnopólis independentes em todo o Japão, dentro de um maciço programa
de planejamento regional. Atualmente existem 26 Tecnópolis construídas
ou em construção no Japão. Em termos de planejamento o plano das
tecnópolis busca promover o Japão como uma nação baseada em
tecnologia, assegurar uma economia local mais autônoma e menos
dependente do setor público, e desenvolver regiões a partir da
potencialidade de cidades individuais.”. (IPUF, 1995, p. 61).
148
Campeche, uma cidade baseada em turismo e
alta tecnologia e plenamente capacitada a
colocar Florianópolis no século XXI. A
concepção desta cidade-nova é moderna e
internacional, aproximando-se do conceito das
Tecnópolis criadas no Japão a partir de 1980. O
plano apresentado é, portanto uma rota para o
futuro, uma rota para a nossa Tecnópolis.
(IPUF, 1995, p. 2).
Esta tentativa de introduzir o bairro do Campeche, um
bairro até então com forma rural, em uma proposta de
urbanização segundo o modelo das Tecnópolis, tinha como
objetivo organizar este espaço com novas características
físicas, sociais, econômicas, legais e administrativas. Afinal,
como afirmava o Plano de Desenvolvimento Campeche (1992),
“como primeiro programa de desenvolvimento, a adequação
legislativa é fundamental, transformando a região de rural em
urbana, prevendo os espaços necessários à todas as funções
urbanas” (IPUF, 1992, p. 3). Estas, por sua vez, causariam
transformações e/ou choques socioculturais, como a derrubada
do Bar do Chico em 2010. Pois, desde a época do Plano
Específico do Parque Tecnológico do Campeche de 1992, a
comunidade do bairro contestava esse planejamento e o Bar do
Chico foi local de debates acerca deste plano diretor. A partir
da fala de Lázaro Bregue Daniel, pode-se observar que o
embate entre a comunidade do Campeche e o IPUF se inseria
nas ações dos bairros diante da cidade, que se refere aos
149
Movimentos Populares, que agrupam as pessoas das
localidades em que moram no caso aqui analisado o Campeche,
e de certa forma unificando-o em torno de algumas lutas, como
se observa através dos movimentos sociais no bairro.
(FANTIN, 1997).
Parece que foi se não me engano, um arquiteto
do IPUF que foi fazer uma pós-graduação na
Inglaterra ou nos Estados Unidos e pegou isso
como um modelo para o Campeche. [...] Sim,
ele apresentou lá no IPUF, que aceitou e ele
veio empurrar goela abaixo para a comunidade.
Que bom que a comunidade naquela época
estava presente. Lembro que havia em torno de
cem pessoas que rechaçaram totalmente no
primeiro momento e eles nunca aprovaram
aquele projeto porque nós não deixamos.
(BREGUE DANIEL, 2015, p. 5).
A partir do documento do Plano de Desenvolvimento
Campeche (1995), torna-se possível compreender que o Plano
Específico do Parque Tecnológico do Campeche de 1992, foi
“a proposta do Vergara” (SOSTIZZO, 2015, p. 10). Ou seja,
esse plano diretor teria sido baseado em ideias do arquiteto
Amilton Vergara de Souza99
, que utilizava-se dos conceitos das
New Towns Britânicas100
. De maneira geral, a região do
99 O arquiteto Amilton Vergara de Souza fazia parte da equipe técnica do
IPUF. (IPUF, 1992). 100
Segundo o documento Plano de Desenvolvimento Campeche, (1995) o
termo New Towns nomea as cidades-novas da Grã-Bretanha, que
150
Campeche foi projetada para ser A Cidade Nova do Campeche
a partir das ideias das Tecnópolis japonesas e das New Towns
britânicas.
Em síntese, as funções da região do Campeche
no contexto regional podem ser definidas como
área de expansão urbana e pólo de alta
tecnologia, podendo atuar secundariamente
como turístico. A necessidade de planejar uma
cidade com funções tecnológicas levou
naturalmente ao estudo de urbanizações
similares noutros locais do mundo, na busca de
um modelo de estruturação espacial adequado.
(IPUF, 1995, p. 56).
Dessa forma, o conceito d‟A Cidade Nova do
Campeche se propunha a projetar um bairro com características
específicas de uma zona de expansão urbana, em acelerado
processo de urbanização de áreas rurais para fins
residenciais.101
. Ivo Sostizzo aponta que:
"representam um dos grandes sucessos do planejamento urbano, um sucesso
que é reconhecido e aclamado em todo o mundo. Concebidas originalmente
como urbanizações periféricas auto-suficientes destinadas a descentralizar o
emprego industrial em áreas metropolitanas congestionadas, as New Towns
tornaram-se modelos urbanísticos para um novo modo de vida. Hoje cerca
de 7% da população da Grã- Bretanha vive em 28 cidades-novas, as quais
encontram-se em diversos estágios de desenvolvimento. As New Towns
Britâncias desenvolveram-se a partir de 1946 (NTA), baseadas nos
conceitos de cidade-jardim (Howard, 1898) e de unidade de vizinhança
(Perry, 1910), aos quais se acrescentaram objetivos de auto-suficiência e de
equilíbrio social.”. (IPUF, 1995, p. 61). 101
Essa questão será abordada com mais profundidade no terceiro capítulo
desta respectiva pesquisa.
151
[...] cerca de 1990, [...] surgiu à ideia de fazer
os parques tecnológicos. O primeiro é o parque
tecnológico alfa, que é aqui no Itacorubi. Se
vocês em vez de pegarem aquele viaduto que
vai para João Paulo, olharem a direita, verão
vários prédios que o governo comprou naquela
área, instalou uma grande sede e várias
empresas pequenas se instalaram lá. A ideia era
o Campeche ser não a segunda, que ficou
prevista para Palhoça, mas a terceira proposta.
O Campeche poderia ser um dos espaços
notáveis por estar próximo do aeroporto, para o
transporte de equipamentos […] micros, então
significava uma oportunidade. Eu diria que a
ideia não era má, não era descabida. Era uma
coisa que eu diria que se acontecesse um
sapiens parque no Campeche, ou em Carianos,
seria uma grande oportunidade para a região
sul. (SOSTIZZO, 2015, p. 11-12).
A partir da perspectiva d‟A Cidade Nova do Campeche,
muito semelhante, por exemplo, da concepção da região
industrial do Vale do Silício nos Estados Unidos, foi formulado
o Plano Específico do Parque Tecnológico do Campeche, de
1992. Dessa maneira, torna-se compreensível quais eram as
propostas para o bairro, até então com aspectos rurais, que
nesse momento se direcionava ao processo de urbanização.
Logo, o Campeche passou a ser vislumbrado por interesses
complementares entre a população local e o capital
multinacional na ideia de se desenvolver o bairro através de um
novo espaço industrial e tecnológico. (RIZZO, 2005).
152
Dessa forma, entende-se que o bairro do Campeche,
como qualquer outro lugar, está integrado com todo o globo.
Assim, ao se pensar nesta perspectiva, A Cidade Nova do
Campeche foi projetada como uma proposta das relações
sociais produzidas sob a ótica do sistema político e econômico
do capitalismo (RIZZO, 2005). Como evidência disto, o
documento Plano de Desenvolvimento Campeche (1995),
aponta:
Na primavera de 1989 a COPLAN-
Coordenadoria de Planejamento do IPUF –
recebeu a incumbência de elaborar um plano
para resolver os problemas das ocupações
clandestinas do Campeche. Logo tornou-se
evidente que as ocupações clandestinas
abrangiam não apenas ocupações marginais de
áreas de preservação permanente (dunas) e
áreas verdes adjacentes, mas principalmente
uma acelerada urbanização de áreas rurais, que
se estendia desde o Campeche e Rio Tavares
até a Tapera. Ao investigar a origem das
pressões contra os migrantes descobriu-se que
os interesses turísticos na região percebiam as
populações de menor poder aquisitivo como um
obstáculo à suas intenções de transformar o
Campeche numa nova Camboriú. Na verdade,
os interesses imobiliários buscavam ressuscitar
o Projeto Oceânico Turístico (1968), o qual
previa prédios de 26 pavimentos ao longo da
costa e a ocupação das dunas da Joaquina em
nome do turismo internacional. (Plano de
Desenvolvimento Campeche, 1995, IPUF, p. 2).
153
A partir destas propostas que serão analisadas com mais
profundidade no capítulo a seguir, pode-se compreender que a
ideia de moldar o Campeche como uma Tecnópolis estava
inserida na perspectiva global do sistema econômico e político
do capitalismo. A comunidade do bairro lutava contra essas
modificações que eram visadas por uma política de longo prazo
pelas instituições do governo da cidade.
A polêmica envolvendo o órgão de
planejamento e as comunidades do Campeche
vem desde 1989 e continua sem solução. Nossa
hipótese é de que a complementariedade entre o
local e o global nos moldes propostos pela
prefeitura de Florianópolis não existe e que a
fórmula sintetizada por Borja e Castells dá-se
numa idealização dos circuitos globais e de que
os governos locais representariam em primeiro
lugar os interesses da maioria da população
urbana. Para estes, os governos locais
negociariam nas esferas supralocais os
interesses da população. Na escala mundial, não
há como se pensar em homogeneidade entre os
governos locais, mesmo nacional e
regionalmente, uma vez que governos são
representações políticas. (RIZZO, 2005, p. 74).
Portanto, foi nesta conjuntura de transformações
políticas, sociais, culturais e urbanas que ocorreram os debates
do futuro do bairro do Campeche no Bar do Chico, por parte da
comunidade local. O que se pode verificar é que o bar fazia
parte deste cenário histórico de um Campeche com forma rural,
154
sem infraestruturas urbanas e de lazer. Mas, também era no Bar
do Chico que a comunidade local encontrou espaço para
discutir as propostas de planejamento para a região.
3.2 OS MOVIMENTOS COMUNITÁRIOS E AS
DISCUSSÕES DAS PROPOSTAS DOS PLANOS
DIRETORES PARA O BAIRRO DO CAMPECHE
Aqui neste subcapítulo serão analisadas as propostas de
planos diretores realizadas pela comunidade do bairro contra os
projetos elaborados pelo IPUF como a ideia de construção d‟A
Cidade Nova do Campeche102
. Este modelo de planejamento
urbano gerou repercussão e polêmicas entre os moradores
locais, como se observa na fala de Tereza Cristina Pereira
Barbosa: “E a partir dessa luta a comunidade acabou fazendo
102 A proposta d‟A Cidade Nova do Campeche segundo o IPUF (1993, p.
192) diz que “o Plano de Desenvolvimento do Campeche procura atender as
demandas de todas as classes sociais. Dessa forma não poderiam faltar os
centros de comércio de alto nível para atender as classes mais abastadas e
como atividade complementar ao turismo de baixa estação.” O
planejamento apontava ainda que “a futura criação do distrito do Campeche
gerará a implantação de uma administração local. Essa administração
deverá ser estruturada de forma moderna, pois irá atender a uma cidade de
450 mil habitantes, que não deverão deslocar-se ao centro de Florianópolis
para resolver seus processos administrativos.” (IPUF, 1993, p. 237). As
consequências desse ordenamento serão trabalhadas com mais profundidade
no terceiro capítulo desta pesquisa, onde será evidenciado as transformações
do bairro Campeche.
155
um plano, pois esse movimento começou a apresentar
propostas.” (BARBOSA, 2015, p. 11).
Figura 6 – Foto acervo de Geisa Silveira da Rocha, moradora
do bairro do Campeche.103
103 A respeito das fotografias deste capítulo que são fontes de um recorte
temporal do bairro podem ser questionadas enquanto vestígios deste local.
Porém, estas se encaixam na narrativa aqui analisada, pois a autora do
respectivo estudo fez uma pesquisa no IPUF, durante o período de escrita
desta, e conseguiu levantar os planos diretores utilizados nesta análise,
porém os mapas de ocupação do Campeche que poderiam ser utilizados no
lugar destas imagens não se encontravam em bom estado de conservação.
No entanto, foi encontrado e até disponibilizado um trabalho de Pós
Doutorado que analisou também dados de quantidade de moradores e
moradias da cidade de Florianópolis, a este respeito pode-se colocar que a
população segundo bairros e distritos, no caso específico do Campeche,
verifica-se que “na década de 1990 esta região apresentava uma população
de 8.174 pessoas o que se observa um salto populacional no ano de 2010
com 34.738 pessoas.” (CAMPANÁRIO, 2007, p. 23). Esses dados deverão
ser analisados com mais profundidade no terceiro capítulo desta pesquisa.
156
A fotografia mostra o Campeche no início da década de
1990. A partir do ano de 1989 tem-se efetivamente o primeiro
plano diretor para o bairro, ou seja, até então a localidade
apresentava características rurais e quase nenhum aspecto
efetivamente urbano. Nota-se que a Rua Avenida Campeche
não é asfaltada e havia a presença de carroças. Como aponta
Rizzo (2005, p. 63) a proposta d‟A Cidade Nova do Campeche
propunha “a qualidade de vida”, o que significaria, “não apenas
ao desenvolvimento econômico”, mas o desejo da cidade vir a
se constituir em uma referência internacional, em consquistar
um lugar de destaque no mundo ou, ao menos, na região
compreendida pelos países do Mercosul.
Estes debates trouxeram as vozes das associações
comunitárias104
e, como dito, um dos ambientes para essas
104 Como o contexto de discussões que envolveram a comunidade do bairro
do Campeche em torno Plano Específico do Parque Tecnológico do
Campeche de 1992 assim também pode-se citar e comparar os embates que
também se fizeram presentes no Projeto do Porto da Barra, pois “[...] a
discussão do Porto ultrapassou as fronteiras da Barra da Lagoa. Houve uma
rápida articulação de pessoas de toda a cidade, entidades, ONGs,
profissionais e órgãos técnicos, representantes de partidos para „barrar‟ o
projeto. Era o „retorno‟ da figura „dos contra‟. Da mesma forma, houve uma
movimentação entre diferentes setores, especialmente via meio de
comunicação local, „a favor‟ do Porto, ressuscitando velhas discussões, tal
como aquela de quem era „amigo‟ ou „inimigo‟ da cidade, que nunca deixou
de ser utilizada como repertório político da cidade.” (FANTIN, 2000, p. 83).
157
discussões era o Bar do Chico. Como afirmou o entrevistado
Ataíde Silva:
Então, o Bar do Chico, [...] criou uma relação
estreita com a comunidade, um carinho,
simpatia pela pessoa do Seu Chico, por ser
nativo, e as pessoas que aqui vieram morar
queriam, na verdade, uma qualidade de vida
que eles encontravam aqui. Um Campeche
cidade jardim, um Campeche com famílias, [...]
Então, […] ficou um ponto de encontro, de
troca de ideias e tal. Até vou dizer que era um
lugar de reunião, de troca de ideias como não
havia em outros lugares. (SILVA, 2015, p. 3). 105
O Plano de Desenvolvimento Integrado da Planície
Entremares, para o Campeche e região, do ano de 1989, surgiu
com o intuito de impor um projeto de intervenções na área,
como apontado até então. É nessa conjuntura que ocorre a luta
pela participação comunitária nas decisões do desenvolvimento
do Plano Diretor do Campeche pelo IPUF, que resultou na “1ª
Carta dos moradores do Campeche sobre os projetos de
105 A partir da fala de Ataíde Silva pode-se observar que uma das propostas
e justificativas do Plano Específico do Parque Tecnológico do Campeche
de 1992, do IPUF (1993, p. 239) seria a revitalização das tradições e
portanto o espaço do Bar do Chico estaria inserido nesta ideia, pois “a
urbanização de áreas que contenham comunidades nativas não deve resultar
na destruição das tradições locais, mas produzir sua revitalização. Dessa
forma os novos moradores se situam na história e integram a sua cultura à
cultura existente. Por outro lado, o desenvolvimento turístico tendem a
produzir o desenraizamento cultural dos nativos caso não hajam ações para
preservar sua cultura”.
158
urbanização da área”, elaborada em 1989 pela AMOCAM.
Essa carta continha um conjunto de propostas populares para o
planejamento da cidade. Nela está que:
Nós moradores do Campeche reunidos a partir
do dia 27 de novembro de 1989, para discutir as
propostas de urbanização de nossa comunidade,
apresentada pelo IPUF, até a presente data,
deliberamos os seguintes pontos: Em princípio,
rejeitamos os dois projetos apresentados pelo
IPUF por não atenderem às reivindicações
básicas da comunidade, uma vez que não foi
ouvida previamente, nem respeitarem sua
história e ecologia. (1° carta dos Moradores do
Campeche sobre os projetos de urbanização da
área (1989), Florianópolis, 21 de dez. de 1989
apud BARBOSA, BURGOS, TIRELLI, 2007,
p. 116 - 117).
Dessa forma, entre os anos de 1989 e 1999 é possível
perceber o envolvimento da comunidade nas discussões a
respeito do Plano Específico do Parque Tecnológico do
Campeche de 1992106
. Observa-se, neste processo, a
106 A proposta do Plano Específico do Parque Tecnológico do Campeche de
1992 segundo o IPUF (1993, p. 180) era que “uma tecnópolis só se
desenvolve quando integra 3 (três) setores básicos: empreendimentos de alta
tecnologia, centros universitários e de pesquisas, e zonas residenciais
específicas. Nesse sentido é essencial dotar a região do Campeche de um
Campus Universitário para suporte aos Parques Tecnológicos previstos”. E
ainda “o Parque- Tecnológico é a principal base econômica prevista para a
região do Campeche, já que seu Plano de Desenvolvimento caracteriza-se
como uma Tecnópolis. A disponibilidade de mão-de-obra qualificada no
município, os incentivos fiscais estadual e municipal, o Pólo Tecnológico
incipiente na cidade, a disponibilidade de área para empresas de grande
159
apresentação de sugestões que não seriam satisfatoriamente
contempladas. É notório que houve embates entre a
comunidade do bairro Campeche e o IPUF sobre questões
como atendimento dos aspectos mais elementares, como
implantação imediata de redes de águas e esgoto, de maneira
ecologicamente compatível, melhoria dos postos de saúde,
ampliação de escolas, melhoria do transporte coletivo, dentre
outros, mas um pedido ganhava destaque: a criação de áreas de
preservação, por exemplo, das dunas da praia do Campeche,
pois estas corriam o risco de serem ocupadas dentro da ideia de
urbanização d‟A Cidade Nova. Os embates da comunidade do
bairro do Campeche contra o Plano Específico do Parque
Tecnológico do Campeche de 1992 resultou na criação do
Movimento Campeche Qualidade de Vida (MCQV)107
. Como
apresenta Tereza Cristina Pereira Barbosa:
porte, a localização estratégica em relação ao Mercosul e a alta qualidade de
vida na ilha, são todos fatores que justificam a atração exercida pelo Parque
Tecnológico do Campeche sobre empresas de todo o país e até do exterior.”
(IPUF, 1993, p. 177). Essas propostas de ordenamentos foram discutidas,
refletidas, como poderá ser observado ao longo do capítulo. 107
Observa-se no Documento à Comissão de Planejamento do Instituto
Urbano de Florianópolis, Florianópolis, 27 de julho de 1999 que o MCQV
“não representa apenas a AMOCAM, mas sim várias associações de
moradores, comunitárias ou de atividades da planície Entremares e que hoje
estão aqui representadas por si mesmo afim de reivindicar o direito de
participar e opinar no planejamento de sua região. [...] O Movimento
(Movimento Campeche Qualidade de Vida) é apartidário e fazem parte
da comissão hoje aqui representada moradores e associações do Porto da
Lagoa, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Campeche, Areias e Morro
160
Esse movimento foi chamado Movimento
Campeche Qualidade de Vida. Esse movimento
não era só a AMOCAM, mas as diferentes
entidades, por exemplo, [...] a Associação de
Moradores do Rio Tavares, a AMPOLA que é a
Associação de Moradores do Porto da Lagoa, a
Associação do Canto da Lagoa, então todo
mundo vinha pra cá, o pessoal da Lagoa, a
Associação da Tapera, a Associação do Pântano
do Sul, da Armação, então isso começou a
trazer gente. Tudo pelo Movimento Campeche
Qualidade de Vida, que eram várias entidades,
não era a AMOCAM. A AMOCAM era uma
delas. Nesse período eu me candidatei como
presidente da Associação de Moradores do
Campeche e fui presidente da Associação,
nesse período a gente fez muita coisa.
(BARBOSA, 2015, p. 9-10).
A partir do MCQV ocorreu o I Seminário Comunitário
de Planejamento do Campeche em 1997, que resultou na
construção de uma nova proposta de plano diretor (MOREIRA,
2010). Dessa forma, a comunidade do bairro Campeche elabora
um plano alternativo, ou seja, propõe um ordenamento
diferente do que propunha o IPUF para a região, como se
observa na seguinte citação:
das Pedras. [...] Somos totalmente favoráveis a implementação de um
plano de Desenvolvimento para a região, entretanto precisamos de um
plano que seja de baixo custo e rapidamente exequível, uma vez que o
momento é de penúria financeira para o município e para o estado.”.
161
A elaboração de um plano alternativo pela
comunidade só ocorreu porque as negociações
com o órgão de planejamento chegaram a um
impasse, embora ambos discursassem em
defesa da qualidade de vida. Em 1997, as
comunidades locais criaram um movimento
cuja ação principal tem sido a negação do plano
feito pelo IPUF e que leva o nome de
Movimento Campeche Qualidade de Vida. Isto
é, para aquelas comunidades, a luta por
qualidade de vida passa por rejeitar o plano
oficial, o que não é o mesmo que rejeitar o
planejamento, tanto é que apresentaram uma
contraproposta de plano. Isto ao menos indica
que existem concepções distintas sobre
qualidade de vida, que são também visões
distintas sobre a imagem da cidade e sobre os
desejos em relação ao seu futuro. (RIZZO,
2005, p. 62).
A mobilização do MCQV em torno do Plano Específico
do Parque Tecnológico do Campeche de 1992, pode ser notada
em alguns documentos como o Convite: Discussão sobre o
desenvolvimento do Sul da Ilha - marcado para o dia trinta de
novembro de 1996, das 13:30 às 18:00 hs na APAM (Areias do
Morro das Pedras) - que fazia o seguinte chamado: “você está
convidado para participar do processo de discussão e
proposição de um perfil de desenvolvimento do Sul da Ilha.”.
Além disso, outra fonte relevante é a Reunião Sobre o
Plano de Desenvolvimento do Campeche que convidava:
Visando discutir a filosofia do plano em
especial para a planície do Campeche, área
162
chave para o desenvolvimento do Sul da Ilha,
foi proposto um seminário que contemplasse,
além dos trabalhos do IPUF, outros trabalhos
científicos elaborados para a região. Pretende-
se extrair deste seminário recomendações para
intervenções a curto, médio e longo prazo, dado
o rápido processo de urbanização da área.
Algumas sugestões como a necessidade deste
seminário ser didático e esclarecedor, a
necessidade de reuniões prévias nas
associações, a elaboração de questionário a ser
respondido pelos moradores e a perspectiva de
continuidade do trabalho na ótica também da
gestão participativa, estão devidamente
anotadas para serem incluídas no “desenho”
deste seminário. (Ajuda Memória: Reunião
Sobre o Plano de Desenvolvimento do
Campeche , 1996, p. 1-2).
Os movimentos sociais do bairro Campeche, com
destaque a AMOCAM e o MCQV, trabalhavam para as
reivindicações comunitárias e suas respectivas inserções, como
os aspectos legais e administrativos, a falta de controle e
punição de invasões em áreas preservadas e não urbanizáveis,
as quais eram tão importantes quanto a alteração de
zoneamento. O Ofício n° 009/97, encaminhado para o IPUF,
aponta de que maneiras estes movimentos atuavam:
Os moradores do Campeche, através de sua
Associação – AMOCAM – e com base nos
resultados das inúmeras reuniões sobre o Plano
Diretor, vêm solicitar a ampliação do prazo
estipulado para a manifestação da comunidade
àquele respeito, considerando o que segue: [...]
2° - Dada à complexidade da questão, estão
163
organizando o Primeiro Seminário de
Planejamento do Campeche, em conjunto
com todos os órgãos públicos e entidades civis
envolvidas, a fim de propiciar aos moradores
melhor compreensão de todos os detalhes do
Plano proposto e, principalmente, ter condições
de apresentar propostas compatíveis com os
pareceres técnicos aguardados. (Ofício n°
009/97, Campeche, 08 de set. de 1997).
Como resposta o IPUF enviou, a partir do documento
de Ofício DIPRE n. 0654/97, para a presidente da COMDEMA
(Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente), Iara
Maria Chaves, os seguintes apontamentos:
O Instituto de Planejamento já está recebendo
propostas das demais associações, dentro do
prazo estabelecido no cronograma de trabalho,
pois as mesmas entendem também a
necessidade de encaminhamento urgente da
matéria. A Associação de Moradores do
Campeche recebeu o prazo até o dia 29/09/97
para sua manifestação e seu presidente foi
informado que, caso extremamente necessário,
poderá solicitar uma prorrogação. Nesse sentido
o pedido de prorrogação cabe exclusivamente a
Associação, após esgotado o prazo previsto.
(Ofício DIPRE n. 0654/97, Florianópolis, 24 de
setembro de 1997).
A partir do I Seminário Comunitário de Planejamento
do Campeche, em 1997, foram realizadas oficinas comunitárias
organizadas pelo MCQV, nas quais participaram cerca de 350
164
pessoas. Discutiram as carências e buscaram soluções às
demandas da comunidade.
Mas eu acho que foi de 98 a 2000, ou foi de 97
a 99, que começamos esse movimento. Havia
esse povo todo e começamos a ter força, o povo
não sabe a força que tem. Essa força começou a
criar um problema na administração política da
cidade, com o prefeito, com os vereadores.
Porque se um vereador colocava uma coisa na
Câmara, nós sabíamos e íamos correndo lá.
Havia o Lázaro que era o nosso querido nativo,
que era o nosso vereador. O Lázaro dizia que
eles colocaram em votação um negócio e ia
todo mundo para a Câmara, chegávamos lá e
lotava. Os vereadores ficavam sem saber o que
fazer. Eu sei que aí a gente pedia a palavra,
falava e eu sei que muita coisa eles não
conseguiam aprovar. (BARBOSA, 2015, p.10).
Como resultado, o plano diretor proposto pelo poder
público foi rejeitado, surgindo outra proposta de planejamento
urbano. A população elaborou, em contraposição, o Plano
Comunitário para a Planície de Campeche – Proposta para
um Desenvolvimento Sustentável. O jornal comunitário Fala
Campeche108
, criado por iniciativa do MCQV e mantido pelo
108 A partir da fala da depoente Tereza Cristina Pereira Barbosa percebe-se
quais eram os principais meios de comunicação de divulgação das ideias do
Movimento Campeche Qualidade de Vida “Todo mundo começou a
trabalhar junto e pedimos a Prefeitura que ela viesse nos apresentar o plano
diretor aqui da região para a comunidade. Nisso nós começamos a juntar
muitas pessoas, porque a gente começou a fazer um jornalzinho, o Fala
Campeche e a gente começou a distribuir o jornal, isso começou em 97, [...]
165
trabalho voluntário de seus colaboradores, tornou-se porta voz
do movimento, trazendo as discussões sobre o plano diretor
para a região e divulgou propostas, projetos em realização e,
principalmente, tornou visíveis problemas não resolvidos
(MOREIRA, 2010). A partir dele podemos observar esses
embates em torno do plano diretor para a região. A matéria de
agosto de 1999, intitulada Comunidade avança na definição do
futuro do Campeche, explicava que
Após rejeitar o plano do IPUF para a Planície
Entremares, a comunidade local envolveu-se na
elaboração de um plano alternativo, que foi
apresentado e aprovado em assembleia no dia
27 de novembro, no Centro Comunitário
Fazenda do Rio Tavares. A proposta baseou-se
nas recomendações do seminário de 1997 e de
uma série de contribuições técnicas que foram
amadurecendo nos últimos dois anos, incluindo
reuniões comunitárias aos sábados de tarde
durante os [...] meses. (Jornal Fala Campeche,
ago. de 1999, p. 4).
A partir do relato de Tereza Cristina Pereira Barbosa,
pode-se compreender que a comunidade do Campeche atuou de
as pessoas vinham [...], às vezes vinham mais de 600 pessoas para as
reuniões. Às vezes a reunião era na escola Brigadeiro, pequenininha e
lotava. [...] Então, o nosso atrativo era o jornal Fala Campeche e a gente
conseguiu fazer também a rádio Fala Campeche, a rádio comunitária. [...] E
isso começou a atrair as pessoas e claro, a AMOCAM estava junto. Mas
esse movimento foi chamado Movimento Campeche Qualidade de Vida.”
(BARBOSA, 2015, p. 9).
166
maneira ativa contra as propostas de ordenamento do Plano de
Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região.
Dessa forma, a História Oral permite acessarmos uma
perspectiva dessa luta apreendida pela comunidade. A fala de
Ataíde Silva pontua algumas questões importantes neste
sentido109
:
Mais tarde o Conselho Comunitário veio a ser
extinto e a AMOCAM sobressaiu, em função
de sua luta. [...] A gente defendeu o plano
diretor dos balneários de oitenta e cinco que era
muito bom! Mas com o passar dos anos as
sacanagens dos vereadores foram alterando o
plano diretor através da alteração de
zoneamento e foram acabando com o plano
diretor de oitenta e cinco. Vindo hoje a fazer
outro plano. Então foi feito um na década de
noventa. Na década de noventa, [...] o plano
diretor dos balneários foi ficando para trás. [...]
Então […] lutamos e depois com o passar
desses anos, em oitenta e nove pra noventa, nós
tivemos conhecimento do plano diretor de
quatrocentas e cinquenta mil pessoas no
Campeche. Nós lutamos quase vinte anos
contra esse plano diretor de quatrocentas e
cinquenta mil pessoas só para o Campeche. E
nós ganhamos na justiça com a liminar que foi
apresentada no dia da votação para o presidente
da Câmara. Foi apresentada para o presidente
da Câmara essa liminar na qual um dos itens
109 A partir do documento Ofício Direx: 0429/1999 do IPUF observa-se que
as “Reuniões com a comunidade foram realizadas no período de junho a
outubro de 1997, tendo como interlocutores as 10 associações de moradores
que existem na planície, dentro das regras da Lei 080/98 que instituiu a
participação pública no processo do planejamento.”.
167
fortes, no julgamento do juiz de reconhecer
dando a liminar em favor da comunidade, foi
que a Lagoa do Peri só tinha capacidade de
água para cento e quarenta mil pessoas. Então
havia a discordância, a incoerência, na ideia de
que a água era suficiente para cento e quarenta
mil pessoas e como ia abastecer quatrocentas e
cinquenta mil pessoas no Campeche. [...] Então,
conseguimos ganhar a liminar baseada nesses
pontos. (SILVA, 2015, p. 6, 7 e 8).
Continuando nessa perspectiva de analisar os embates
sobre a urbanização do Campeche, pode-se notar que “desde a
criação do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis
(IPUF), em 1977, a „participação comunitária‟ se colocou
como novo paradigma de planejamento urbano.” (REIS, 2012,
p. 176). Por meio das memórias de Lázaro Bregue Daniel
pode-se apontar que aconteceram embates e discussões do
plano diretor elaborado pelo IPUF, por parte da comunidade do
Campeche:
O meu pensamento é que todos os projetos tem
que ter uma ampla discussão com toda a
comunidade, pois ela também é aquela que vai
viver o novo plano diretor e tem que dizer
como é que quer. Não aqueles que fazem lá em
gabinete, vem empurrar goela abaixo e nós
temos que aceitar. Porque o IPUF fazia muito
disso e ainda faz. Inclusive, é bom ressaltar,
quando eles viram que não passou aqui no
Campeche, eles dividiram o plano em treze
projetos. [...] Todo esse plano que era pra tentar
passar, inclusive dois passaram. Passaram o do
Carianos e o do Ribeirão da Ilha, depois as
168
pessoas reclamaram do projeto que eles não
discutiram na comunidade, vieram no tempo do
Grando110
e quem não se manifestou ficou no
prejuízo. (BREGUE DANIEL, 2015, p. 5-6).
Associações do Sul da Ilha de Florianópolis, como o
MCQV e a AMOCAM, elaboraram o Documento n° 1
intitulado “Problema Público no Campeche”, pedindo para
que houvesse a construção de um plano diretor para o
Campeche que fosse sustentável e relacionado com os
interesses da comunidade do bairro. Alguns dos problemas na
proposta do Plano de Desenvolvimento da Planície
Entremares, Campeche e região, do IPUF, segundo o
Movimento Comunitário do bairro Campeche, eram: a pouca
110 Aqui na fala do depoente Lázaro Bregue Daniel a respeito do ex-prefeito
Sérgio Grando, se torna importante fazer uma ressalva do contexto político
que o município de Florianópolis passava e que se inseria nas discussões de
pensar a cidade através de planos diretores baseados nos modelos de cidade-
metrópole, que propunha um modelo de cidade verticalizada, e o modelo de
cidade média, que pensava em romper com a dicotomia “zona central” e
“balneários” com isso, buscava pensar a cidade como um todo, ou seja, os
futuros da capital eram aqui debatidos. Segundo a antropóloga Marcia
Fantin “em 1993 a discussão do plano é retomada, porém sob nova situação:
a eleição de Sérgio Grando da Frente Popular para a prefeitura da capital. O
IPUF apresenta uma proposta para ser apreciada pela Câmara de
Vereadores. Como a conjuntura local convidava à participação popular,
surge um intenso e significativo movimento coletivo que pressionou o
Legislativo e o Executivo para que o Plano Diretor fosse discutido
publicamente. Comunidades, entidades e cidadãos, numa série de iniciativas
e encontros, discutiram a „cidade‟ e propuseram alterações. Mais de 159
emendas foram sugeridas. A tramitação do processo da Câmara de
Vereadores – presa nas teias da burocracia e nas amarras da falta de vontade
política – foi lenta e desmobilizadora.” (FANTIN, 2000, p. 65).
169
oferta de espaços públicos, para lazer, recreação e esportes; e a
total inexistência de infraestrutura de saneamento básico e de
pavimentação de vias.
Pode-se verificar as propostas do Movimento
Comunitário no documento Campeche em Movimento entregue
ao IPUF em setembro de 1999:
a-Propusemos a criação do Parque Orla do
Campeche como alternativa para a preservação
das dunas, restingas e áreas de repouso e
nidificação de aves locais e migratórias, e em
substituição a via PI 108 (2) e o que recebemos
foi uma tímida mudança no traçado da referida
via sobre a área prevista pelo parque. b-Durante
anos vimos que não queremos a urbanização
desenfreada da planície Entremares, que não
aceitamos planejá-la para 450.000 ou 390.000
habitantes, mas sim para um limite hídrico
sustentável que direciona segundo a CASAN, à
147.000 pessoas. Cabe ao IPUF aceitar e
adequar o planejamento a estes condicionantes:
suprimindo o excesso de vias e reconhecendo
as áreas de interesse coletivo consagradas pela
comunidade. (Ex. campo de aviação), de
significação histórica (morro do Lampião e
campo de aviação) assim como todos os
ecossistemas naturais (APPs ou não) locais. [...]
d-Gostaríamos, outrossim, que o IPUF ao
menos tente viabilizar ou esboçar nossas
proposições em mapa, uma vez que não
disponibilizou os documentos informatizados,
mesmo após inúmeras solicitações. e-
Acreditamos ainda, que é possível moldar o
presente plano de Desenvolvimento da Planície
Entremares às expectativas da comunidade e
principalmente superar suas ilegalidades e
injustiças. Para tanto, é necessário que o IPUF
170
esteja disposto a aceitar as propostas que estão
embasadas na legislação vigente, no
desenvolvimento sustentável econômico-social,
cultural e natural. (Documento à Comissão de
Planejamento do Instituto Urbano de
Florianópolis, Florianópolis, 23 de set. de
1999).
Este tipo de ocupação impede a maioria de seus
usuários de contarem com serviços urbanos mais adequados
para a população residente. Como se pode observar na citação
sobre o pedido de elaboração de um plano diretor adequado aos
desejos da comunidade do respectivo bairro:
Associação dos Moradores do Campeche
(AMOCAM), Conselho Comunitário do
Campeche, Grupo Pau Campeche, Fundação
Lagoa, Fundação Água Viva, Sociedade para a
Pesquisa e Educação Ambiental (SPEA),
Centro de Estudos da Cultura e Cidadania
(CECCA) e os movimentos: Campeche a
Limpo, Campeche Qualidade Vida e
Associação de Surf do Campeche. [...]
Precisamos urgentemente de um Plano
Diretor111
, antes que seja tarde e tudo esteja
perdido! Mas queremos um planejamento
compatível com as disponibilidades e
sustentabilidade da qualidade de vida! Neste
sentido, convidamos o Colegiado de
Gerenciamento Costeiro de SC, que em
dezembro de 1996, se comprometeu na
elaboração do Plano de Gerenciamento
Costeiro do Estado, as associações de
moradores e atual administradora da cidade,
111 Grifo do autor.
171
para juntos, em conformidade com a resolução
001/86 – CONAMA e Leis Federais 7.661/88 e
artigo 225 da Constituição de 1988 e Lei
Federal 9.433/97 e em consideração aos estudos
técnicos ambientais, estabeleçam e executem
um programa de gerenciamento da Bacia
Hidrográfica do Campeche com vistas à
sustentabilidade dos nossos recursos, sob pena
de agir de maneira irresponsável para com as
gerações atuais e futuras. (Documento n° 1
intitulado “Problema Público no Campeche”,
Florianópolis, 15 de set. de 1997, apud
BARBOSA, BURGOS,TIRELLI, 2007, p. 176-
177).
As novas ideias para o planejamento da região foram
oficialmente registradas no relatório final do evento, conhecido
como Dossiê Campeche. A partir deste e de outros encontros e
debates dos moradores do bairro estabelecidos com o IPUF e a
Câmara de Vereadores, diante da exclusão das propostas e
diretrizes comunitárias, acabou surgindo, em novembro de
1999, o Plano Comunitário da Planície do Campeche,
proposta para um desenvolvimento sustentável, sendo entregue
para apreciação na Câmara de Vereadores em março de 2000.
(AMARANTE, 2013, p. 29).
As propostas do plano diretor para o bairro Campeche
foram expostas no Jornal Fala Campeche, em agosto de 1999,
em matéria cujo título era Plano do IPUF desrespeita a
Constituição e inúmeras leis:
172
O Plano de Desenvolvimento da Planície
Entremares que hoje está na Câmara de
Vereadores foi encaminhado pela prefeitura ao
legislativo apesar de diversas ilegalidades e do
grave vício de origem de não considerar os
anseios, expectativas e ideias do povo daquele
lugar. A lógica deste plano rodo-imobiliário
está exatamente no fato de não servir às
pessoas, e sim ao desenvolvimento à qualquer
custo. [...] No plano do IPUF, veremos que
construção de uma avenida112
na região de
dunas e restingas, a instalação de um polo
tecnológico em área de manguezais, a
permissão de área turística e residencial
próxima à orla marítima etc., são desrespeitos à
legislação vigente. (Jornal Fala Campeche, ago.
de 1999, p. 6).
O MCQV mobilizou a sociedade civil contrária ao
Plano de Desenvolvimento Integrado da Planície Entremares
através de uma série de ações, dentre elas, o 1° Seminário
Comunitário do Campeche113
que estabeleceu, em 1997, as
112 A partir do documento Ofício Direx: 0429/1999 do IPUF observa-se que
as “O acesso público ás praias foi garantido pelo plano através da via PI -
108 que margeia, contendo estacionamentos e facilidades para pedestres.
Além disso, foram previstos 5 terminais turísticos com equipamentos de
apoio e estacionamentos junto à orla, em toda a sua extensão.” Ainda a
AMOCAM em documento de Ofício 011/99 – Amocam aponta que “A
permanência de tais projetos nesta comissão de Constituição e Justiça é de
relevante importância pois os mesmos assim como estão apresentados,
encontram-se repletos de inconstitucionalidades, como por exemplo: a
lotação da Via PI 108-2 por sobre dunas e restingas, [...] bem como por ter
ignorado a Constituição Estadual em seu artigo 25 do ADTC do Estado de
Santa Catarina.”. 113
É importante citar que “O II Seminário, que foi realizado nos dias 30 e
31 de março de 2007, se propôs a estabelecer novas diretrizes comunitárias
para elaboração do Plano Diretor com o objetivo de discutir e atualizar as
173
diretrizes para o desenvolvimento da região. Estas consistiam
na deliberação de preservar os recursos naturais, com a
elaboração de um mapeamento completo das áreas de
preservação da planície do Campeche (AMARANTE, 2013, p.
32). Dois anos após esse acontecimento, frente à ameaça de
aprovação do Plano de Desenvolvimento Integrado da Planície
Entremares, altamente destrutivo e insustentável hidricamente,
a comunidade organizada em assembleia decidiu elaborar seu
próprio plano com base nos princípios apresentados no Dossiê
Campeche.
O Plano Comunitário para a Planície do Campeche,
proposta para um desenvolvimento sustentável tinha como
proposta a criação de uma infraestrutura urbana com fins
educativos e a promoção do desenvolvimento individual a
partir da educação; gerar empregos anuais e não só de
temporada; e também desenvolveria o patrimônio ambiental e a
cultura local, estimulando à expansão da economia familiar e
diretrizes do I Seminário. O II Seminário rejeitou a construção de grandes
edificações, desta forma optou-se pelo gabarito de dois andares, também
para garantir o “direito à paisagem”. Neste II Seminário ainda, surgiu à
proposta de “defeso”, ou seja, o não licenciamento de projetos com base no
plano rejeitado, o Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, bem
como o fim das alterações de zoneamentos, enquanto não fosse aprovado o
Plano Diretor Comunitário da Planície do Campeche para o distrito. A
identificação das áreas de preservação ambiental constitui-se em condição
essencial para definir os limites entre o natural e o urbano, dando condições
para a definição dos outros temas com base no respeito aos espaços
ambientalmente frágeis.”(AMARANTE, 2013, p. 30).
174
do mercado regional. (BARBOSA; BURGOS; TIRELLI, 2003,
p. 158).
Ao longo deste capítulo foi possível perceber que as
propostas de transformações dos espaços urbanos, mais
especificamente no bairro do Campeche, são formadas a partir
de embates e existem contradições nelas. A partir da ação de
grupos sociais, geralmente os comunitários, que organizaram
as suas forças ativas, podemos compreender a atuação da
população nestes processos. Por isso, o espaço físico das
cidades passa a ser motivo de disputa de poder entre os grupos
ordenadores de propostas de planejamento do futuro destas
regiões e os residentes destes locais. O estudo dos planos
diretores de Florianópolis e, no caso, o da região da planície do
Campeche - em especial o plano diretor vigente desde o ano de
1989, o Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares
para a região do bairro Campeche - teve como objetivo
compreender que as ações do urbanismo buscavam modernizar
o bairro na ideia de Florianópolis tornar-se a “Capital Turística
do Mercosul” e, para isso, o Campeche alteraria suas estruturas
sociais, culturais e ambientais.
A partir da análise das diretrizes do Plano Diretor de
Desenvolvimento da Planície Entremares para o bairro
Campeche, é possível entender que o processo de planejamento
da urbanização serve como tentativa ordenadora do espaço
175
físico no qual se desenrolam as atividades humanas da região.
Refletir a esse respeito é pensar as consequências ambientais,
urbanas e culturais que ocorreram no Campeche enquanto um
espaço rural. O Jornal Fala Campeche, de agosto de 1999,
intitulou de Sucessão de equívocos a matéria sobre as propostas
do plano diretor para o bairro:
A história da elaboração do Plano começou
errada: imitou a grade viária de uma “cidade
nova” inglesa de 1967, hoje ainda sem alma e
dando a impressão de viver numa maquete
vazia; pretendeu ao mesmo tempo planejar uma
“Tecnópolis” imitada do Japão.... [...] O plano
chega ao final de 1999 despedaçado pelos
pareceres jurídicos e técnicos – inclusive da
própria FLORAM (Fundação Municipal do
Meio Ambiente de Florianópolis). Os
moradores da Planície sabem o que querem.
Encerradas as “negociações”, novamente
rejeitaram o plano do IPUF em assembleia no
dia 2 de outubro, quando foi aprovada a
continuidade da elaboração do PROJETO DA
COMUNIDADE como Plano Diretor
alternativo a ser apresentado à Câmara
Municipal. (Jornal Fala Campeche, ago. de
1999, p. 6).
Portanto, as disputas em torno do Plano de
Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região
tiveram incidência na derrubada do Bar do Chico, em 2010. O
bar, que representava todo um modo de vida da comunidade do
Campeche, possibilitava que, a partir do convívio entre os
176
moradores locais, emergissem discussões e ou embates que
questionavam e criticavam as políticas de modelo de
urbanização planejados para o futuro da Ilha de Santa Catarina
e para a região do Continente.
No bar surgiram discussões e questionamentos sobre o
ordenamento do bairro Campeche a partir da perspectiva do
Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche
e região - elaborado pelo IPUF no ano de 1989. Assim, o bar
seria justamente um local para esse encontro dos moradores
debaterem as questões que envolviam as propostas de
planejamentos urbanos analisados neste respectivo capítulo, ou
seja, existia nesse local uma identificação com o Plano
Comunitário da Planície do Campeche, proposta para um
desenvolvimento sustentável, do ano de 1999.
177
4. O DESAPARECIMENTO DA IDEIA D’A CIDADE
NOVA DO CAMPECHE: UMA PERSPECTIVA DOS
FLUXOS CONTEMPORÂNEOS DE PESSOAS,
CAPITAIS E IMAGENS DO BAIRRO
Seu trabalho sempre se baseara no equivalente
simbólico dos fósseis – documentos antigos e
boatos históricos -, mas aquela imagem diante
dele representava o hoje. O tempo presente.
Sentia-se como um paleontólogo que dá de cara
com um dinossauro vivo. (BROWN, 2004, p.
17)
A proposta que o IPUF buscou construir para o bairro
d‟A Cidade Nova do Campeche, no qual o objetivo era
conceber um projeto completo para a criação de um Parque
Tecnológico de porte na região do Campeche, acabou não
sendo efetivada. Essa era uma concepção industrial que de
certa forma inovaria a paisagem no Sul da Ilha de Santa
Catarina, especialmente a do Campeche, buscando vincular alta
tecnologia com ecologia, indústria e preservação ambiental,
conforme já foi apontado no segundo capítulo desta
dissertação.
A forma como o bairro vem sendo ordenado, no período
do ano de 2000 a 2011, seria de certa forma a consequência da
falta de consenso entre as duas propostas apresentadas no
capítulo anterior. Pois, ao mesmo tempo em que o bairro do
178
Campeche está sendo urbanizado verticalmente a partir de
condomínios de alto padrão, ainda percebe-se um bairro sem
infraestrutura para poder se locomover, por exemplo, com
segurança em suas calçadas, além de a comunidade local
permanecer mal atendida em termos de lazer e não há rede
coletora nem tratamento final adequado dos esgotos sanitários
em toda a região.114
Sendo assim, ainda existe uma mistura
entre a forma rural e a função urbana como marcas de sua
paisagem.
O Campeche, após os embates políticos por seu
ordenamento, apresenta fortes características de
114 Os problemas urbanos aqui analisados na Ilha de Santa Catarina, e mais
especificamente no bairro do Campeche, iniciados durante “o processo de
desmonte do Estado, que sofreu duro golpe com as reformas do ex-
presidente Collor de Mello no início dos anos de 1990, e que continuou
durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso através da
política de privatizações, produziu sérios problemas nos serviços públicos
do país, agravando ainda mais a crise social.” (SUGAI, 2015, p. 145).
Ainda, no “final da década de 1990, houve o fortalecimento das
organizações civis e das mobilizações sociais, o que começou a gerar uma
nova correlação de forças em benefício dos setores populares. Esse fato vem
definindo enfrentamentos em nível de poder local com repercussões no
plano intraurbano. [...] Esse conjunto de investimentos, [...], determinou
repercussões na área intraurbana favoráveis à ampliação dos processos
segregativos e à transferência de milhares de famílias de alta renda para
Florianópolis desde o final da década de 1990. No entando, e como
contrapartida, o fortalecimento das organizações civis, das associações de
moradores, das manifestações populares e as ações dos partidos de oposição
determinaram, no final da década de 1990, enfrentamentos importantes que
contestavam planos e obras do Estado e reinvindicavam participação nas
decisões e na definição da localização dos investimentos públicos.”
(SUGAI, 2015, p. 146 – 148).
179
desenvolvimento urbano, no entanto esta região ainda
permanece com alguns aspectos rurais. Após essas questões
acerca do planejamento atual da região compreende-se que esta
apresenta um crescimento verticalizado, pois se percebe a
presença de grandes condomínios de alto padrão na localidade.
De maneira geral, esta região estaria mais aos moldes da
proposta elaborada pelo IPUF d‟A Cidade Nova do Campeche
do que das características de um bairro preservado
ecologicamente e/ou com a forma rural. Como se observa essas
características do bairro podem ser analisadas em um trecho do
documento do Plano de Desenvolvimento Campeche do ano de
1995.
A atuação da Prefeitura de Florianópolis tem
sido quase nula em termos de controle da
ocupação, mesmo nas áreas urbanas da região
do Campeche. Os loteamentos disfarçados em
desmembramentos ou condomínios são regra
geral, em zonas urbanas ou rurais, contando
com o beneplácito da Prefeitura. As edificações
irregulares, da ordem de dezenas por mês, são
encorajadas pela ausência da fiscalização e
punição, e pelas periódicas leis de regularização
de obras clandestinas aprovadas pela Câmara.
A própria degradação ambiental que já começa
a se esboçar na região, é incentivada pela falta
de fiscalização e educação ambiental, e pela
não implantação de parques e reservas
ecológicas por parte da Prefeitura. A coleta de
impostos é reduzida pela clandestinidade, por
um cadastramento desatualizado e pela
classificação rural da maioria das propriedades.
180
A infraestrutura planejada não é implantada
pela carência de recursos e por políticas
populistas de não desapropriar ninguém. Em
decorrência, o planejamento de longo prazo é
inviabilizado pela falta de continuidade e ações
concretas. (Plano de Desenvolvimento
Campeche, 1995, p. 48).
É a partir desta conjuntura que os três eventos
abordados neste capítulo se inserem: as construções do
Loteamento Novo Campeche, a passarela do condomínio
Essence e o Show do Ben Harper, pois foram considerados,
além de espaços de sociabilidade de alto padrão dentro do
bairro, também áreas de promoção da região. A área do
Loteamento Novo Campeche, considerada pela comunidade
um local elitizado dentro do bairro, vem apresentando um
crescimento no número de obras nos últimos anos. Ainda, as
reações dos moradores do Campeche contra a construção da
passarela do condomínio Essence localizada em cima das
dunas e praticamente ao lado do antigo Bar do Chico era uma
entrada de acesso que dava de frente para o mar para os
moradores deste empreendimento e o show do Ben Harper
também realizado meses depois da derrubada do Bar do Chico
na extensão da praia do Campeche conhecido como o Point do
Riozinho.
Diante do exposto, o objetivo neste capítulo será o de
buscar compreender as mobilidades no tempo presente,
181
analisando os trânsitos de pessoas, capitais e imagens que
sugerem movimento tanto pela dispersão de espaços
geográficos quanto pelo desejo de realocações em espaços
imaginados no respectivo processo de expansão da urbanização
para o bairro.
Para isto analisaremos propagandas, geralmente
encontradas em frente às construções dos condomínios, em
encartes de jornal, nos panfletos de venda dos
empreendimentos imobiliários e nas páginas da internet,
notícias de jornais e depoimentos orais. A partir da análise de
algumas mensagens publicitárias que procuram vender o
bairro, procura-se contextualizar de forma breve como se deu o
respectivo processo de crescimento do Campeche.
182
4.1 O BAIRRO DO CAMPECHE: “AQUI É ONDE SEU
SONHO COMEÇA A SE TORNAR REALIDADE - VIVA O
BEACH LIFESTYLE”115
Figura 7 – Outdoor de um dos muitos empreendimentos
imobiliários no bairro do Campeche no ano de 2015. A
localidade começa a ser alvo da especulação como se observa,
pela grande quantidade de construções, principalmente
condomínios de alto padrão. Foto acervo da autora.
Após a sua derrubada efetiva, o Bar do Chico ficou na
memória coletiva da comunidade do bairro do Campeche,
115 Título baseado na propaganda da revista da empresa imobiliária Buzz,
inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 9 – Outono de 2014.
183
conforme foi abordado com mais vagar no primeiro capítulo
desta pesquisa. Depois da demolição, pode-se perceber uma
intensificação no movimento dos moradores locais contra as
construções em áreas de APP, motivo oficial veiculado para a
derrubada do tradicional bar, sacrificado em nome da
preservação. Exemplo disso foi o acontecimento que motivou
os moradores da praia do Campeche em conjunto com a
AMOCAM a realizarem o protesto contra a construção de uma
passarela nas dunas, considerada uma APP, já citado na
primeira parte desta análise.
Assim, diante do projeto que tenta vender o bairro do
Campeche como um excelente lugar para se viver, como é
apresentado, por exemplo, na mensagem publicitária da
fotografia acima “Uma nova maneira de viver de frente para o
mar”, a partir principalmente da construção de grandes
empreendimentos imobiliários, em alguns casos em APPs, a
comunidade do bairro reage. Essa reação dos moradores parece
ter sido uma forma de não aceitação da justificativa pelo qual o
bar foi derrubado, ou seja, por estar localizado em dunas, ou
seja, em uma APP. Como se pode perceber na matéria do
Jornal Diário Catarinense:
Os moradores da praia do Campeche, no Sul da
Ilha, em Florianópolis, fizeram o segundo
protesto contra a construção de uma passarela
184
nas dunas em Área de Preservação Permanente
(APP) na tarde deste sábado. O grupo utilizou
faixas e cartazes para mostrar a indignação com
as concessões das licenças ambientais da Fatma
e prefeitura. O deck de 350 metros faz parte de
um condomínio de alto padrão e está em fase de
conclusão. (Jornal Diário Catarinense, 01 de
out. de 2010).116
Em 2011 outro acontecimento ocorrido também em
área de APP, distante somente alguns poucos metros do antigo
Bar do Chico provocou a comoção dos moradores locais.
Refiro-me ao show do cantor norte americano Ben Harper, o
qual causou a reação dos moradores da comunidade e da
AMOCAM.
Nos dias 5 e 6 de fevereiro do ano de 2011, sábado e
domingo respectivamente, aconteceu o show do artista
internacional Ben Harper na praia do Campeche, mais
especificamente no famoso Point do Riozinho117
, que constitui
um pedaço da própria praia. O evento teve como palco uma
área de APP, muito próxima ao local onde funcionava o Bar do
Chico. Membros da comunidade do bairro do Campeche
116 A respectiva citação do Jornal Diário Catarinense já foi utilizada na
monografia (AMARANTE, 2013), porém esta vale ser enfatizada aqui nesta
análise devido a sua importância para compreender a conjuntura histórica
apontada neste terceiro capítulo. 117
O Point do Riozinho é o local da praia do Campeche por onde passa um
rio, chamado de Rio Rafael, conhecido por seu espaço badalado. Os
frequentadores desse local são geralmente os turistas e moradores vindos de
outros estados do Brasil. (AMARANTE, 2013, p. 46).
185
reivindicaram que o show não fosse realizado. Além disso, a
comunidade contestava que o show era uma estratégia para
atrair, cada vez mais turistas e novos moradores, para a Ilha de
Santa Catarina, e principalmente para a região do bairro
Campeche, que vem sendo alvo de construção de grandes
condomínios imobiliários. (AMARANTE, 2013, p. 12 – 13).
Conforme já foi analisado, no segundo capítulo desta
pesquisa, ainda no final da década de 1980 o bairro do
Campeche, localizado no Sul da Ilha de Santa Catarina,
caracterizava-se por um lento processo de urbanização e
carência de serviços básicos. Então, o Campeche começou a
atender a partir da década de 1990, ao projeto de ocupação
elaborado pelo IPUF. A partir do Plano Diretor de
Desenvolvimento da Planície Entremares para o bairro
Campeche, é possível entender que o processo de planejamento
da urbanização serve como tentativa ordenadora do espaço.
Refletir a esse respeito é pensar as consequências ambientais,
urbanas e culturais que ocorreram no Campeche neste período.
Esta tentativa de introduzir o bairro em uma proposta de
urbanização a partir da implantação do Plano de
Desenvolvimento da Planície Entremares, Campeche e região,
foi a de observar que a configuração da cidade de Florianópolis
e consequentemente do Campeche, começaram a sofrer
transformações significativas.
186
Desta forma, pode-se perceber que houve um interesse
muito grande no Campeche durante o período em que a cidade
de Florianópolis se volta para o desenvolvimento urbano com o
emblema de “Capital Turística do Mercosul” 118
e que isso é
notório diante da quantidade de propagandas de venda de
imóveis no bairro que podem ser levantadas. Logo, a região
passa a ser alvo também de uma demanda gerada pelo turismo
que é muito valorizada no sentido de mercado e de
movimentação econômica.
A capital catarinense no ano de 1993 foi promovida ao
status de “Capital Turística do Mercosul”. Acontecimento que
destacou Florianópolis, pois esta passou a ser reconhecida por
seu potencial no exterior. As imagens da cidade são criadas
com várias significações explícitas de encanto, magia, que são
induzidas pela linguagem dos divulgadores - os políticos,
empresários, comerciantes e promotores. O fato é que o ano de
1993 foi importante para o turismo de Florianópolis. Criar e
promover a cidade era dedicação e intenção de muitas pessoas
118 Segundo a arquiteta Maria Inês Sugai a concepção para a cidade de
Florianópolis como a “Capital Turística do Mercosul” surge “com o acordo
de criação do mercado comum entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o
Uruguai, em 1991, Florianópolis passou a ser divulgada pelo governo local
como “A Capital Turística do Mercosul”, que deveria consagrá-la como
polo turístico internacional e, ainda, como a sede de um novo polo de
investimentos e de indústrias de alta tecnologia.”. (SUGAI, 2015, p. 27).
187
interessadas em construir, envolver e cativar o turista visitante.
(ZANELA, 1999).
Dessa forma, é nesta perspectiva de transformar a
cidade de Florianópolis como “Capital Turística do Mercosul”
é que se tem os primeiros planos diretores para o Campeche e
por consequência inicia-se a urbanização do bairro, e esta
pode-se evidenciar a partir do surgimento do loteamento Novo
Campeche. A infraestrutura do loteamento tem início a partir
do fim da década de 80 do século XX. A urbanização no bairro
propiciou valorização da região, elevando significativamente
os preços das terras locais. Desde a compra das terras em fins
dos anos 70, a empreendedora JAT Engenharia, a Nacional
Construtora e a Pedrita Planejamento e Construção Ltda.,
implantaram infraestrutura e novos empreendimentos, dentro
do loteamento, como pousadas, centro comercial e prédios, etc.
Tem-se no Loteamento Novo Campeche a existência de
belezas naturais e a busca por qualidade de vida como se
observa na seguinte propaganda que aponta que “na praia do
Novo Campeche, uma das praias mais bem frequentadas da
região sul da Ilha.” 119
. Os moradores do loteamento já vieram
para o lugar com relativa estabilidade material, e geralmente
são migrantes internos como gaúchos e paulistas por exemplo.
119 Propaganda da revista Ideal Floripa, ver: Revista Ideal Floripa, n° 13 –
2016.
188
A investigação neste loteamento, entre tantos outros existentes
no bairro Campeche, tenta demonstrar os processos de
valorização do espaço e neste, suas particularidades e
similaridades. (NEVES, 2003).
O capital imobiliário passou a investir no sul da Ilha de
Santa Catarina promovendo o crescimento do bairro que se
tornou destino turístico e residencial. Nesse sentido é
perceptível o boom imobiliário no Campeche através da
multiplicação de condomínios fechados de alto padrão.
O presente capítulo “O desaparecimento da ideia d‟A
Cidade Nova do Campeche: uma perspectiva dos fluxos
contemporâneos de pessoas, capitais e imagens do bairro” tem
seu título baseado na proposta de urbanização para o bairro
pelo IPUF e como esta região vem se desenvolvendo a partir
dos embates entre este ordenamento e os objetivos da
comunidade local. O objetivo aqui é mostrar que o Campeche,
na perspectiva do bairro pertencer a uma cidade turística, vem
apresentando novas formas de circulação de pessoas, capitais e
imagens principalmente vindos dos investimentos imobiliários,
que implicam em novas práticas de mobilidade no tempo
presente e no estilo da vida cotidiana das pessoas que
vivenciam essas experiências.
Desta forma, refletir a esse respeito é pensar as
consequências ambientais, urbanas e culturais que o bairro foi
189
sofrendo até o ano de 2011, e sendo os fluxos contemporâneos
de pessoas, capitais e imagens no Campeche, aqui analisados
enquanto reverberações deste processo. Por fim, a partir dos
respectivos trânsitos contemporâneos no bairro Campeche e de
maneira ampla, na cidade de Florianópolis pode-se
compreender que “a migração se transformou em um fenômeno
de mobilidade, afirmada por Flores (2010),” (TEIXEIRA;
BRAGA; BAENINGER, 2012, p. 32). Com isso, a
pesquisadora mexicana, coloca que a capacidade dos migrantes
em circular, apropriar-se de espaços, acaba produzindo o
território e as identidades sociais.
4.1.1 “Beach Life Style”: Propagandas turísticas da Praia
do Campeche para “os de fora” do bairro 120
Beach lifestyle é viver perto do mar, é valorizar
o contato com a natureza, é ter a oportunidade
de levar uma vida mais simples e completa,
trazendo para seu cotidiano momentos de puro
prazer e relaxamento, sem esquecer do conforto
do lar e da proximidade das convivências da
cidade. (BUZZ, Inteligência Imobiliária, 2014)
120 Título baseado na propaganda do panfleto da empresa imobiliária Buzz,
inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 9 – Outono de 2014.
190
Figura 8 – A fotografia mostra a expansão da urbanização no
bairro do Campeche no ano de 2015, apesar do recorte
temporal desta pesquisa ir até o ano de 2011. Porém, a
localidade começa a apresentar este crescimento imobiliário,
como se observa pela presença dos condomínios e pelas
construções residenciais a partir da década de 2000. Foto
acervo do entrevistado desta pesquisa Thiago Kahl.
A partir da fotografia acima se observa, por uma vista
aérea, que o bairro apresenta um crescimento urbano acelerado
e de certa forma, desordenado, pois as construções dos
empreendimentos imobiliários próximos à vegetação da
planície litorânea da praia do Campeche estão ligadas a uma
contradição com relação ao acontecimento da derrubada do Bar
do Chico, no ano de 2010. Ambos tinham como localização as
191
dunas do Campeche, ou seja, foram construídos em áreas
consideradas de APP. Contudo, é contraditório pensar que o
tradicional Bar do Chico tenha sido derrubado por ser
considerado uma ameaça ao meio ambiente e, meses depois, na
mesma zona de preservação, tenha sido autorizado a
construção do deck dos condomínios Essence. Essa contradição
foi ressaltada por alguns moradores, que se mobilizaram contra
a construção do deck e das várias outras construções de
empreendimentos imobiliários localizados em área de
preservação ambiental. Dessa forma, pode-se pensar no
desenvolvimento urbano no bairro com seus condomínios
imobiliários como a reverberação da proposta de planejamento
d‟A Cidade Nova do Campeche como se analisa no trecho da
fala do jornalista Sérgio da Costa Ramos:
Em 1989, o PD previa organizar o Campeche
em superquadras, contornadas por avenidas que
absorveriam o tráfego de passagem com
corredores de transporte coletivo – numa área
4,5 vezes maior do que a área continental do
município. Veio um novo prefeito e, junto com
os contras e seus mantras populistas, demoliu o
plano. O resultado é o Campeche de hoje...
(Jornal Diário Catarinense, 16 de jan. de 2015,
p. 4).
A partir da análise da fala do jornalista Sérgio da Costa
Ramos torna-se possível compreender sobre as transformações
192
ocorridas no bairro dentro da proposta d‟A Cidade Nova do
Campeche, ou seja, vêem-se condomínios surgindo em
localidades que já não suportam nem a densidade preexistente,
mas que por estar à beira mar, ganham status e agregam renda,
gerando lucro a quem os vende. Em princípio as construções
são embargadas, mas as autoridades acabam por ceder. A
questão é se o município conseguirá suprir as futuras
necessidades por infraestrutura, uma vez que não consegue
suprir nem as carências já existentes. (FILHO, 1992; SANTOS,
1990).
Sendo assim, o crescimento populacional da cidade de
Florianópolis pode ocorrer pela densificação da ocupação do
solo urbano ou a transformação do espaço rural em urbano. O
fato é que quanto maior a cidade, maior sua complexidade
econômica e sua composição social. A planície litorânea do
Campeche vem sofrendo, desde o inicio da década de 1990,
transformações em suas áreas de ocupação urbana e no bairro
como um todo. As demandas que este crescimento produz e um
dos aspectos visíveis, a partir das duas últimas décadas, na
cidade de Florianópolis é a questão da especulação imobiliária.
Dessa maneira, pode-se compreender que o valor de um bem
depende do uso que lhe for atribuído, e quanto mais raro ele
for, mais caro será. Como no caso do bairro do Campeche que
por se constituir em uma praia o uso que se faz dessa
193
localização por parte dos empreendimentos imobiliários seria a
boa vista, ou seja, a espetacular natureza e a qualidade de vida,
ou “a vista real do melhor momento da sua vida” 121
. (FILHO,
1992; SANTOS, 1990).
Segundo Márcia Fantin (2000), a principal atração
turística da Ilha de Santa Catarina são as suas belezas naturais.
Sendo assim, a procura por parte dos turistas seria a de apreciar
e curtir a natureza exuberante da capital catarinense a qual a
especulação imobiliária se aproveita destes migrantes internos
para negociar as paisagens privilegiadas, fazer
empreendimentos estratégicos rentáveis onde haja a
intervenção direta no meio ambiente natural da cidade de
Florianópolis. Apesar de este ser um cenário ameaçador que
coloca em jogo o futuro e as belezas naturais da cidade. Esta
divulgação e promoção da Ilha de Santa Catarina como uma
cidade turística acontecem geralmente por meio das
propagandas, como se observa, por exemplo, em uma revista
de grande circulação no Brasil que seria a Revista Viagem e
Turismo da editora Abril cujo título é “Guia: 101 lugares para
ser feliz” e classifica a cidade de “Florianópolis - Santa
Catarina” como “Grandes Cidades” e a descreve da seguinte
maneira:
121 Título baseado na propaganda do panfleto do condomínio residencial
Vila Itararé, ver: Panfleto Vila Itararé.
194
Só no quesito praias, são 42. Tem as de água
morna e ondas mansas e as de mar frio e
agitado; as badaladas, com festas regadas a
champanhe, que varam a noite; e as familiares,
ideais para levar a criançada. Mas nem só de
água e areia vive a capital catarinense. O centro
histórico, com seus antigos edifícios e uma
grande figueira na praça central, é uma graça.
Por toda a cidade há restaurantes deliciosos que
servem desde frutos do mar até pizza e comida
japonesa. E gente bonita e atenciosa que torna o
lugar ainda mais encantador. (Revista Viagem e
Turismo: Guia 101 lugares para ser feliz, 2014 -
2015, p. 64).
A ideia de Florianópolis ser uma cidade turística e
proporcionar qualidade de vida aos seus habitantes aparece nas
mensagens de alguns encartes ou outdoors, como nos exemplos
do título do respectivo subcapítulo, da epígrafe acima e da
citação abaixo, que se refere ao trecho de um texto de uma
propaganda da Prefeitura de Florianópolis.
Florianópolis, a capital do Estado de Santa
Catarina, é conhecida como Ilha da Magia. [...]
É neste local que um povo amistoso e receptivo
desfila sua simpatia. O sorriso no rosto é fácil
de explicar: Florianópolis é uma das capitais
com a melhor qualidade de vida do Brasil. Uma
paisagem de sonho, povoada por barcos de
pesca, rendeiras, um rico folclore e vilarejos
repletos de tradição e história, onde o moderno
une-se ao histórico e, em conjunto com a
195
natureza, compõem um cenário de emoção e
harmonia.122
Ainda em outro catálogo turístico do estado de Santa
Catarina a cidade é apresentada como um dos lugares da região
que apresenta melhor qualidade de vida, assim: “Florianópolis
é a capital com melhor qualidade de vida do país. Tem 100
praias, em muitas das quais se praticam esportes náuticos e
radicais. Intensa vida noturna, ótimos serviços urbanos,
aeroporto internacional e mais de trinta mil leitos para
hospedagem.” 123
. A perspectiva de promover a capital
catarinense a partir de suas belezas naturais, aspectos culturais
e boas condições de infraestrutura insere-se na proposta que
projeta Florianópolis como a “Capital Turística do Mercosul”,
pois esta ideia é voltada para atender aos migrantes, ou seja, a
demanda de pessoas voltada para o turismo da cidade.
(ROSSATO; MARTINS, 2013).
As mensagens publicitárias exemplificadas acima
enfatizando a qualidade de vida existente na cidade de
Florianópolis devido a sua exuberante natureza contribuíram
122 Trecho de texto de uma propaganda impressa em catálogo turístico da
Prefeitura de Florianópolis, ver: Catálogo Florianópolis a cidade mais
querida do Brasil, 2014. 123
Trecho de texto de uma propaganda impressa em catálogo turístico da
SANTUR (Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte), ver:
Catálogo Santa Catarina, Brasil: melhores destinos, 2014.
196
para a vinda de novos moradores para a Ilha de Santa Catarina.
Assim a partir da promoção da cidade – e mais especificamente
do bairro - fica compreensível que a vinda de migrantes para
Florianópolis contribuiu para o crescimento e/ou expansão da
urbanização do Campeche, pois, segundo dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população da
cidade no ano de 2010 era de 421.240 pessoas124
e neste
mesmo período o bairro apresentava uma população
aproximada de 34. 738 indivíduos (CAMPANÁRIO, 2007). 125
O turismo, a migração interna e mesmo a
imigração atraíram para a cidade um conjunto
de novos moradores, o que desencadeou
acirradas disputas por territórios e simbolismos
e importantes rearranjos nas diferentes redes
locais (de poder, de amizade, etc.), tendo como
principal objetivo a apropriação da cidade, de
seus usos, de seus sentidos, de sua memória e
de sua história. Num curto espaço de tempo,
que compreendeu no máximo três décadas,
Florianópolis ampliou a população residente,
passou por mudanças inusitadas para muitos de
seus antigos moradores, que viram desaparecer
quase por inteiro a cidade com a qual estavam
habituados, e acabou por assumir certas feições
124 Acesso em: 21 de mar. de 2016. Disponível em: <
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=4205407>. 125
A respeito do crescimento da Ilha de Santa Catarina pela vinda de
turistas o Plano de Desenvolvimento Turístico com atualização em 1999
aponta que “As praias e as belezas naturais são os maiores atrativos que
motivam a vinda de turistas para a Florianópolis na alta estação, segundo
pesquisas realizadas em 1981 e 1997.” (Plano de Desenvolvimento
Turístico, 1999, p. 37).
197
de um aglomerado urbano populoso,
cosmopolita e fundamentalmente impessoal.
(CAMPOS; FALCÃO; LOHN, 2010, p. 268).
Uma matéria do dia 28 de fevereiro do ano de 2009
deixa visível que a vinda de turistas para a cidade de
Florianópolis ocorre principalmente no período da temporada e
ou férias de verão que é dos meses de dezembro a fevereiro,
como afirma o colunista Cacau Menezes:
O turista que visita Florianópolis no verão não
vem sozinho. É o que mostra a pesquisa feita
pela Federação do Comércio de Santa Catarina
com os turistas da Capital catarinense, entre os
dias 21 e 26 de fevereiro de 2009. [...] O estudo
aponta que o local de origem dos turistas é
bastante diversificado, já que 29,3% vêm do
Rio Grande do Sul; 19,7% da Argentina; 16,9%
de São Paulo; 10,7% do Paraná; 8,9% de outros
municípios catarinenses; 1,7%, do Chile; 2,2%
do Uruguai; e 10,5% de outros estados. A safra
gaúcha deste Carnaval em Floripa, prestei bem
atenção, foi a melhor dos últimos tempos:
jovens mochileiros e descolados, a cara da raça
que vai pra Ibiza. É o beautiful people do RS
chegando cada vez mais. (Jornal Diário
Catarinense, 28 de fev. de 2009, p. 31).
Uma das razões para as transformações ocorridas no
bairro do Campeche a partir da década de 1990 seria a forte
vinda de migrantes. Sendo assim, esta ocorre pois a natureza, a
infraestrutura e a qualidade de vida urbana tornam-se alguns
dos aspectos vendidos pelo marketing imobiliário na capital
198
catarinense. Este processo é conduzido pelos grandes
empreendedores imobiliários e pelos governos estadual e
municipal. Desta maneira, vários empreendimentos e
condomínios são construídos em conjunto com algum aspecto
físico ou simbólico da natureza para atrair investidores e
compradores, ou seja, os migrantes que acabam visitando por
turismo a Ilha de Santa Catarina. (HENRIQUE, 2005).
Juntamente com a forte onda de migrantes para
Florianópolis, buscando a capital de maior
qualidade de vida brasileira, e que vêm
provocando um forte processo de urbanização,
comprometendo o futuro de suas paisagens,
seus ecossistemas, seus habitantes, ou seja, tudo
o que é vendido pelo marketing turístico e
constitui o produto base da principal atividade
econômica local. (LOCH; SANTIAGO;
WALKOWSKI, 2008, p. 75).
O apoderamento da natureza pelas empresas do
mercado imobiliário da capital catarinense ocorre em um
processo de valorização monetária de condomínios e
loteamentos para a população de alta renda. Desta forma, a
“vinda” dos migrantes de outras regiões para o Campeche
somam-se a estes novos empreendimentos a ideia de “venda”
do bairro, ou seja, acaba-se por desenvolver um acesso
desigual à natureza na cidade a partir da aquisição desses
199
espaços pelos migrantes que vem para a Ilha de Santa Catarina
por turismo, como se pode perceber na fala de Cacau Menezes:
Lá, a história passa pelo “seo” Deca e o
escritor-aviador Saint-Exupéry. O autor de O
Pequeno Príncipe talvez tenha sido o primeiro
estrangeiro a descobrir o que a família do Deca
já sabia há muitos anos: uma maravilha de
águas verde azuladas, cristalinas e violentas
quando venta de sul. Com uma belíssima ilha
em frente à praia, levando o mesmo nome,
outrora rica em peixes e lagostas, ainda é
possível acampar e visitar aquele pedaço de
paraíso. Com o tempo o Campeche foi
recebendo “novos estrangeiros”, [...], e por
causa dos baixos preços de suas terras sofreu
uma invasão descontrolada, [...]. Construções
clandestinas sobre as dunas, loteamentos
irregulares [...]. (Jornal Diário Catarinense, 18
de jan. de 2009, p. 55).
As propagandas parecem ter contribuído nesse processo
de venda do bairro como um excelente lugar para se viver, o
qual pode proporcionar uma melhor qualidade de vida através
do contato diário e direto das pessoas com esse ambiente
natural. A partir desta perspectiva cabe citar outro exemplo
destes anúncios como o catálogo da Construtora da ilha com o
título “Pura Vida: Casas de alto padrão no Sul da Ilha”:
Sunset Campeche: uma nova proposta de vida
– O Sunset Campeche é uma solução completa
para ter dias felizes, o ano inteiro. Localizado
em um loteamento de casas de alto padrão, o
200
empreendimento tem diferenciais que a sua
família vai adorar, como lareira e varanda
gourmet. A sua casa é o coração da sua
família. No Sunset Campeche, os seus
momentos felizes não tem limites.126
Os exemplos são vários: “Agora existe um paraíso para
você morar! Aqui o futuro é um grande presente. Refúgio e
conforto em um só lugar.” 127
. Ainda a propaganda dos
condomínios Palm Beach Residence Campeche aponta: “Aqui
tem 100% de vida, a poucos metros do mar.” 128
.
As propagandas buscam influenciar a escolha das
pessoas, ressaltando os atrativos do bairro, buscando a vinda
daqueles que desejam se estabelecer na Ilha de Santa Catarina e
mais especificamente na praia do Campeche, a partir da
compra de imóveis. Ao enfatizar as qualidades do Campeche
busca-se, a partir da função apelativa das mensagens
publicitárias contidas nos encartes ou outdoors das construções
imobiliárias do bairro, apresentar a paisagem natural como um
bem de consumo para os futuros moradores. No trecho da
126 A propaganda faz parte do panfleto da empresa imobiliária Construtora
da ilha, ver: Catálogo “Construtora da ilha: material provisório”. E o trecho
em negrito faz parte da propaganda. 127
Título baseado na propaganda do panfleto da empresa imobiliária Punta
Ballena: Beach Residence, ver: Catálogo Punta Ballena: Beach Residence. 128
Propaganda impressa em panfleto da empresa imobiliária Palm Beach
Residence Campeche, ver: Panfleto Venha morar no 1° Condomínio Clube
do Campeche Sul, 2014.
201
matéria intitulada “Florianópolis: Classe A” da revista Viagem
e Turismo a praia do Campeche é descrita da seguinte maneira:
Felizmente, Florianópolis tem 42 praias (mas,
por certas contagens, o número dobra), e nelas
há espaço para gente com interesses muito
diferentes. Mole, Joaquina, na costa leste, e
Campeche, no sul da ilha, por exemplo,
recebem um público mais interessado em açaí e
cerveja de garrafas de 600 mililitros do que em
champanhe e que troca um ingresso para ver
David Guetta por uma roda de violão. (Revista
Viagem e Turismo, dez. de 2012, p. 74 a 76).
As propagandas destinadas a atraírem pessoas para o
bairro têm geralmente como mensagem à ideia de que a
felicidade pode ser encontrada de frente para o mar. A essa
busca pela felicidade em um espaço privilegiado pelas
condições naturais também merece atenção, pois está incluindo
a proposta de que se esses migrantes podem encontrar a
prosperidade almejada, ou seja, subentende-se que esses não
vivem em um espaço com esses privilégios naturais e que dessa
maneira eles podem encontrar o que os tornaria feliz. Como
fica evidente na propaganda dos condomínios Essence, “sua
felicidade se completa junto à natureza e de frente para o mar”
129.
129 Anúncio de venda, do condomínio imobiliário Essence. Disponível em:
<http://essencecampeche.com.br/>. Acesso em: 30 set. 2012.
202
A partir da década de 1990 quando surge a proposta
para Florianópolis como a “Capital Turística do Mercosul” é
que acaba aparecendo o turismo de classe e de qualidade em
detrimento do turismo de massa. O turismo classe A é
extremamente seletivo e privilegia turistas com boas condições
econômicas, dessa maneira tornando-se “desejáveis na cidade”.
Ao contrário do turismo de massa que atrai um público
numeroso, diversificado, em geral sem condições econômicas.
É nessa perspectiva que a cidade de Florianópolis busca a partir
do turismo de classe e de qualidade conquistar um “padrão
internacional” e manter sua competitividade (FANTIN, 2000).
Essa conjuntura torna-se evidente no trecho de uma revista de
grande circulação no Brasil como a Revista Viagem e Turismo
da editora Abril cujo título da matéria é “Florianópolis: Classe
A” e a descreve da seguinte maneira:
Beverly Hills brasileira. Assim Florianópolis
foi chamada pelo jornal O Globo neste ano,
quando o diário publicou reportagem baseada
em uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas
mostrando que a cidade tem o maior porcentual
de ricos entre as capitais brasileiras (27,7% da
população é da classe A, bem mais que os
19,5% do Rio e os 17,7% de São Paulo). Uma
Floripa elitista se revelou aí, com nativos
sugerindo que possuir lanchas é uma aspiração
ao alcance de muitos e que é preciso haver mais
“branco e dourado” e mais hotéis de grife para
a ilha melhorar. A reportagem virou um “trend
topic” na cidade, que, ficaria evidente depois,
203
não está imune a problemas de outras capitais
do país, como ter ônibus queimados e sofrer
com hipotéticos toques de recolher, ações
orquestradas por uma facção criminosa nos
moldes do PCC paulista. Entretanto, a cidade
ter sido chamada de Beverly Hills brasileira deu
lenha a um debate atualíssimo: Florianópolis
deve virar uma cidade de feições consumistas
ou reforçar sua autenticidade e suas virtudes
naturais? Uma das boas discussões da última
campanha eleitoral foi o projeto para a
construção de um grande hotel de 22 andares,
dotado de centro de eventos e shopping, na
Avenida Beira-Mar Norte. Boa parte da
população defende um parque público ali, causa
abraçada pelo prefeito eleito, César Souza Jr., o
qual criticou o transtorno que o
empreendimento deve causar ao trânsito. Se
depender de boa parte dos turistas que vão nesta
época a Florianópolis, contudo, quanto mais
luxo, melhor. (Revista Viagem e Turismo, dez.
de 2012, p. 74 a 76).
As propagandas adquirem um valor muito grande como
uma ideia, um padrão de natureza moldado pelos interesses
capitalistas. No caso do trecho da reportagem citada acima em
que intitula Florianópolis como a Beverly Hills brasileira
pretende-se com isso, que a publicidade se proponha a oferecer
produtos e serviços para as classes com maior poder de
consumo, e que coloque as pessoas muito próximas da
natureza. Uma natureza, incorporada, produzida e vendida de
acordo com as leis e desejo do modo de produção capitalista.
(HENRIQUE, 2005).
204
A estes aspectos existentes nas cidades, como a
segregação urbana, geradas por uma classe social e econômica
elitizada que acabam por residir ou comprar imóveis na Ilha de
Santa Catarina com o intuito de obter uma proximidade da
natureza aliada a qualidade de vida nas propriedades
imobiliárias privadas, terá seu acesso definido de maneira
desigual, entre, por exemplo, os empreendimentos de alto
padrão. Sendo assim, no caso de Florianópolis, ocorre um
processo de valorização dos loteamentos e condomínios
destinados à população de alta renda, a qual está sendo
seduzida pela propaganda da qualidade de vida e da natureza
do bairro e que geralmente acabam por serem pessoas vindas
de “fora” da capital catarinense. (HENRIQUE, 2005). Desta
forma, a vinda dos migrantes internos para a cidade de
Florianópolis acabou gerando consequências como a questão
do “localismo”, como se observa a partir da reportagem, que
apesar de não estar dentro do recorte temporal proposto nesta
análise, deve ser apontado como um evento que marcou estes
embates políticos pelo desenvolvimento urbano da cidade.
O recente episódio envolvendo um grupo de
surfistas do Campeche, em Florianópolis, que
agrediu outro surfista por considerar que a praia
deve ser reservada a praticantes locais, afronta
o bom senso e o espírito cosmopolita no qual o
Estado tenta se inserir no cenário mundial. [...]
O embate ideológico é uma das consequências
205
dos bons índices de desenvolvimento que Santa
Catarina vem apresentando nas últimas décadas
e que resultaram em uma migração de pessoas
em busca de um lugar melhor para viver –
lugares ficaram mais cheios, áreas isoladas
ganharam imóveis, o trânsito complicou um
pouco mais, há mais pessoas, no caso de pontos
turísticos, disputando o melhor lugar etc. É
inegável que o desconforto aumentou. (Jornal
Diário Catarinense, 23 de ago. de 2014, p. 16).
A partir da citação pode-se perceber que o aspecto do
“localismo” faz parte da conjuntura de expansão da
urbanização da cidade que, como já foi apontado acima,
compreendeu no máximo três décadas, e que ampliou a
população residente, passou por transformações para muitos de
seus antigos moradores, que viram desaparecer quase por
inteiro a capital catarinense com a qual estavam habituados, e
acabou por assumir certas feições de um aglomerado urbano
populoso e cosmopolita. (CAMPOS; FALCÃO; LOHN, 2010).
A partir da citação acima fica compreensível que a
vinda de migrantes para Florianópolis contribuiu para o
crescimento e expansão da urbanização do bairro Campeche.
Segundo Flávio Villaça (2003) os mecanismos de mercado
imobiliário e o poder público produziram um espaço urbano
onde os mais ricos, ficam com as melhores localizações e
serviços, inclusive os públicos como, por exemplo, o
transporte, e os mais pobres ficam com as piores.
206
Ainda, segundo Flávio Villaça (2003), a especulação
imobiliária gera desiquilíbrio nas cidades, distorcendo seu
espaço, ou seja, a dominação do ambiente urbano leva a
exclusão social. Quando esta exclusão social toma uma
dimensão espacial na escala da cidade, ela é chamada de
segregação urbana. A separação entre classes sociais e entre
funções no espaço urbano criou territórios diferenciados dentro
da cidade – uma exclusão não formal, mas que não deixa de
estar evidente. Como se houvessem barreiras imaginárias, os
moradores passam a conhecer seu lugar dentro desta ordem que
se estabeleceu se sentindo um invasor em determinados locais
– mesmo que estejamos nos referindo a locais públicos. A
partir da fala da entrevistada e migrante interna Norma Freitas
pode-se compreender esse contexto.
Da primeira vez que eu vim para a Ilha, há oito
anos, eu não morava ainda e eu só vinha
passear. E eu escolhi o Campeche porque eu
achava que era um bairro tranquilo, mais
afastado da parte mais turística, ou seja, era
bem tranquilo aqui, as pessoas eu me
identifiquei bastante e por isso que eu escolhi.
Hoje eu não vejo mais dessa forma, o
Campeche nesses oito anos que eu conheço e
desses quatro que eu moro aqui mudou
bastante. [...] Diferença no número de veículos,
o número de prédios, o estilo das pessoas
mudou muito porque eu me identificava muito
com as pessoas que tinham um estilo mais
simples, mais alternativo, sem muita
ostentação. E isso eu vejo ainda, mas não vejo
207
mais tanto. E eu vejo que a cidade está
crescendo muito para o lado do Campeche, as
pessoas estão aproveitando aqui que tinha
justamente aquela tranquilidade e estão vindo
para cá. E assim eu temo porque como eu vim
de cidade grande e que lá tinha muito trânsito e
muito prédio, eu tenho medo que isso aconteça
aqui agora. (FREITAS, 2014, p.1-2).
O uso da respectiva citação nesta análise possibilitou
compreender o que alguns dos migrantes internos que vivem
no bairro pensam a respeito do processo de expansão da
urbanização de Florianópolis para o Campeche, “ou seja, em
um trabalho de história oral, a biografia, a trajetória individual,
não é coisa dada, mas construída à medida mesmo em que é
feita a entrevista.” (ALBERTI, 2000, p. 5).
Eu acho tudo isso inevitável, esse crescimento
não é exclusivo de Florianópolis. É em Joinville
que está crescendo enormemente, Ilhabela que
é uma cidade, que quando eu me mudei para lá
tinha dez mil habitantes, depois de dez anos
tinha trinta mil habitantes, quase quarenta.
Então assim, isso não é exclusivo de cidade
nenhuma do país, isso é inevitável. Ilhabela,
não tem nem ponte, tem balsa, mesmo assim as
pessoas se mudam e tem um morro que está
completamente dominado e devastado. Acho
que esse crescimento, só seria evitado se as
pessoas controlassem a natalidade, é o único
jeito. (WIEST, 2014, p. 2).
A imagem abaixo aliada a fala da entrevistada acima
coloca questões a respeito dessas construções imobiliárias no
208
bairro do Campeche, pois essa foi uma região até a década de
1990 pouco urbanizada, e que atualmente vem sendo ocupada
por condomínios, conforme apontam as memórias, os jornais,
os planos diretores, etc.
Figura 9 - Foto acervo da autora. Foto realizada no mês de
outubro de 2014. O objetivo da fotografia é mostrar a pichação
contida no muro dos condomínios imobiliários Essence,
localizado no bairro Campeche. A pichação “Cidade a venda”
demonstra um descontentamento pelas construções de
condomínios imobiliárias no bairro.
Para Raquel Rolnik (1998) este cenário acaba
produzindo a segregação urbana que éproduto e produtora do
conflito social. O conflito entre as classes gera a segregação, e
209
a própria segregação aumenta a diferença e a distância entre as
classes. O poder público teria a possibilidade de harmonizar
estas diferenças, pois ele tem a oportunidade de produzir e
moldar o espaço público. No entanto, as próprias autoridades
públicas brasileiras fazem parte destas classes média e alta, e
são por elas influenciadas. A partir do relato da gaúcha Roberta
Barreto Viana Stahl pode-se compreender esta conjuntura.
É um problema porque o ser humano sempre
quer mais, e mais. As pessoas com certeza
querem uma moradia legal num lugar bacana,
tipo no Novo Campeche que está cheio de
condomínios novos de alto padrão com vista
permanente para o mar. Pois, quem não quer
morar assim? Mas, ao mesmo tempo eu dava
tudo para parar o crescimento agora. (STAHL,
2014, p. 3).
Os depoimentos orais coletados permitem pensar que
“por exemplo, as narrativas dos migrantes evocam os
„imaginários culturais‟ sobre os futuros locais de destino e
explicam como esses imaginários são produzidos,
disseminados, recebidos e usados.” (THOMSON, 2002, p.
345). Dessa forma, percebe-se que a concepção que vincula a
qualidade de vida proporcionada pelo contato com as belezas
naturais da cidade de Florianópolis produz símbolos, criados
para fazer parte da vida real. A partir da seguinte memória de
210
uma das moradoras do bairro Campeche que veio de “fora”
pode-se evidenciar esta conjuntura.
Bom, eu saindo de São Paulo capital já era
difícil para eu estar morando lá porque já estava
ficando muito urbano e eu queria sossego e foi
o que eu encontrei aqui em Floripa. Porque
quando eu cheguei aqui nós tínhamos quatro
ônibus por dia, para eu fazer uma ligação para
São Paulo eu tinha que ir até o centro da cidade,
nós não tínhamos correio, era uma vez por mês,
que eles colocavam as caixas todas na venda do
Seu Prachedes e às dez horas da noite era o
último ônibus do centro. Então [...] eu vim para
cá pelo sossego e eu estou vendo que daqui a
pouco eu estou saindo para o interior. Do jeito
que está crescendo a Ilha não é isso o que eu
quero também. (VAIA, 2014, p. 3).
É neste contexto que se torna importante o uso das
memórias dos migrantes internos e/ ou dos moradores vindos
de “fora” da cidade de Florianópolis para compreender quais
foram os interesses desses indivíduos na busca por outro lugar
para viver, na procura pelo sonho que começa a se tornar
realidade, o Beach Lifestyle. Então, neste processo acaba se
inserindo uma produção de discursos cheios de simbolismo,
por parte dos migrantes internos.
211
Figura 10 - Foto realizada no mês de outubro de 2014. O
objetivo da fotografia é mostrar as pichações contidas no muro
de um terreno que futuramente será utilizado para a construção
de um condomínio imobiliário da Rua Avenida Pequeno
Príncipe, no bairro Campeche. A pichação “Cidade a venda”
demonstra um descontentamento pelas construções de
condomínios imobiliários no bairro Campeche e a outra
pichação “Hippies $” demonstra a existências desses conflitos
urbanos em Florianópolis. Foto acervo da autora.
As pichações “Cidade a venda” visualizadas na
fotografia possibilitam compreender que estas foram realizadas
na época da Operação Moeda Verde130
que foi a investigação
130 A Operação Moeda Verde foi deflagrada em maio de 2007, quando
agentes da Polícia Federal, por determinação da Justiça Federal começaram
a investigação que partiu de denúncias de fraudes num empreendimento em
212
de compras de licenças ambientais junto aos órgãos públicos
por parte das empresas. Dessa forma, observa-se que
Florianópolis acaba tornando-se uma espécie de mercadoria a
qual uma das funções básicas dos governos locais tornou-se a
venda da cidade. Para Sugai (2015) a venda da cidade como
mercadoria faz com que os governos locais procurem por
recursos externos para que haja novos investimentos na região
e com isso, difundindo imagens favoráveis do município e
dessa maneira, buscando inserir a cidade nos circuitos
nacionais e/ou globais. Além disso, submetendo a cidade em
negociações financeiras entre as esferas públicas e privadas, ou
seja, atraindo investimentos de capital e estimulando a
expansão imobiliária na localidade. Como aponta a
antropóloga e professora da UDESC, Carmen Susana
Tornquist, com relação a este contexto de venda da cidade de
Florianópolis:
a expansão dessa especulação imobiliária em
Florianópolis ela fala muito do problema
Jurerê Internacional, que estaria localizado em APP. Os outros dois grandes
empreendimentos investigados foram o futuro campo de golfe no Costão do
Santinho, que estaria sobre o principal lençol freático do norte da Ilha de
Santa Catarina, e o que teve destaque na mídia catarinense foi a inauguração
do shopping Iguatemi, que fica em uma área de mangue. Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18
75 >. Acesso em: 23 mar. 2016.
213
gravíssimo de acesso a moradia no Brasil. [...]
Floripa, revela bem a meu ver o que a gente, eu
já estou falando como professora agora, mas é
que a gente estuda a ideia da cidade
mercadoria. Os autores que falam do city
marketing, é uma cidade que virou um campo
de oportunidades de negócios.131
Então, são
investidores que vem e fatiam a cidade,
interferem no plano diretor, interferem em tudo
e quando não conseguem vencer na lei, eles vão
na prática mesmo e vão lá e fazem. E assim é
muito triste. (TORNQUIST, 2016).
Sendo assim, verifica-se que a absorção de capital pelo
desenvolvimento urbano está causando numerosos conflitos em
torno da captura por terras valiosas. Paralelamente, o setor
turístico desenvolveu-se como um eixo econômico importante
visando às potencialidades naturais e históricas da Ilha de
Santa Catarina, de forma que a atividade passou a ser
vislumbrada por políticas públicas e pelas propostas de
planejamento urbano. Assim, o processo de promoção
imobiliária e turística do bairro do Campeche, no Sul da área
insular, desvela contradições e tendências desse fenômeno.
131 A ideia de city marketing apontada na fala da seguinte entrevistada
refere-se “a cidade é uma mercadoria a ser vendida, num mercado
extremamente competitivo, em que outras cidades também estão à venda.
Isto explicaria que o chamado marketing urbano se imponha cada vez mais
como uma esfera específica e determinante do processo de planejamento e
gestão de cidades. Ao mesmo tempo, aí encontraríamos as bases para
entender o comportamento de muitos prefeitos, que mais parecem
vendendores ambulantes que dirigentes políticos.” (VAINER, 2000, p.78).
214
Dessa maneira, observa-se que neste período do
desenvolvimento urbano do bairro há o desaparecimento da
proposta da Cidade Nova do Campeche a qual passa a dar lugar
aos discursos de venda da cidade e mais especificamente do
próprio bairro, ou seja, a urbanização analisada no Campeche,
a partir dos empreendimentos imobiliários faz parte de pólíticas
intraurbanas e/ou do marketing urbano da cidade para projetá-
la como mercadoria. O que permite analisar que este projeto de
viés capitalista se insere como ordenador espacial para a
cidade.
A partir do entendimento de que o turismo foi
historicamente construído como uma atividade econômica
potencial e que Florianópolis exerce atração como destino
sazonal e permanente observa-se que o rápido crescimento
urbano do Campeche se deu através dos discursos de venda da
cidade e de qualidade de vida. Sob essa perspectiva pode-se
observar a fala de uma moradora de um dos condomínios do
bairro do Campeche acerca desse crescimento urbano.
Eu acho que o progresso é sempre bom, só que
ele tem que ter um limite. Eu acredito que
quando se passa certo limite, o que estaria bom
começa a ser ruim. Então até eu procurei,
quando eu vim para o Campeche, essa
tranquilidade e agora eu vejo que ele está
crescendo. E eu imagino para quem já está aqui
há mais tempo que deve estar crescendo demais
215
e de repente vai vir a se tornar o que a gente
vem fugindo e está começando a encontrar aqui
no Campeche. (MULITERNO, 2014, p.2).
Desta maneira, é importante ressaltar que a Ilha de
Santa Catarina apresentou características de uma cidade
predominantemente rural até meados dos anos 1980, ou seja, a
capital catarinense se constituía em um espaço rodeado por
atividades dedicadas a agricultura, a pesca e a criação de gado,
como já foi analisado nos capítulos anteriores desta
dissertação. Todo esse cenário foi alterado durante as últimas
décadas pela disseminação da economia capitalista que
estimulou a especulação imobiliária, a valorização das terras e
a mercantilização da natureza na cidade através da sua venda
pelos agentes do mercado imobiliário. (FALCÃO, 2010).
A área insular do município, onde se concentram os
balneários, os bairros de alto padrão, como atualmente vem
acontecendo com o bairro do Campeche, foi apontada nos
últimos anos como um oásis de qualidade de vida urbana no
Brasil. Uma forte campanha da mídia vende os benefícios da
vida ilhéu. A natureza, a infraestrutura, a educação, a
sofisticação e a segurança são os aspectos vendidos
pelo marketing de Florianópolis, comandados pelas grandes
empresas do mercado imobiliário e pelo poder público,
estadual e municipal. (HENRIQUE, 2005). A partir dos
216
migrantes internos que vieram para Florianópolis em busca do
“oásis de qualidade de vida urbana no Brasil”, a metodologia
da história oral permite compreender como o desenvolvimento
turístico e seus decorrentes interesses imobiliários são
vivenciados por estes.
Eu adoro praia e eu gosto do sossego daqui.
Floripa apesar de ser uma cidade grande, ela
ainda tem um aspecto meio de interior. O ritmo
das pessoas é diferente, é mais lento. Eu sou de
Porto Alegre e eu amo lá. Lá a gente tem muita
festa, muito bar, muita mobilidade, muita
facilidade com tudo. [...] Não sou a favor de
crescer mais porque para mim uma casinha em
qualquer outro cantinho vale muito mais que
esse crescimento todo. Eu acho que eu já sai de
uma selva de pedra. Então, é em busca disso
que eu vim e não concordo muito, mas
infelizmente o ser humano vai querer sempre
mais e vai destruir tudo que tem pela frente.
(STAHL, 2014, p. 2).
A partir da fala da entrevistada e migrante interna da
cidade de Florianópolis acima, observa-se que elementos como
a natureza a partir da ideia de existência da praia do Campeche
e ainda a referência do aspecto da qualidade de vida na noção
de sossego e/ou tranquilidade presente na capital catarinense
são fatores que acabam promovendo os discursos vendidos
pelo marketing de Florianópolis, e que sem dúvida, são uma
217
atração incomparável para o migrante.132
A partir do relato da
entrevistada Deise Amarante Muliterno pode-se observar esse
contexto.
Eu acredito que eu vim para Florianópolis, fez
um ano agora em agosto que eu estou aqui, pois
antes eu morava em Porto Alegre, procurando a
princípio uma melhora de qualidade de vida. E
em Florianópolis primeiramente eu morei na
Trindade e aí depois procurando essa qualidade
de vida eu escolhi vim morar no Campeche. [...]
Na verdade em Porto Alegre a rotina é bem
mais agitada e as pessoas também são muito
mais agitadas, mas existe uma necessidade de
as coisas estarem acontecendo e aqui existe
certa tranquilidade. [...] Eu acredito que são
coisas diferentes. Eu vim buscando mais uma
tranquilidade e uma qualidade de vida, mas aí
hoje eu também já penso no que seria a
qualidade de vida. Se for só o morar
tranquilamente. E eu acho que ainda existe
132 Segundo o documento do Plano Diretor Participativo – Leitura
Integrada da Cidade do ano de 2008 aponta que os elementos que a capital
catarinense possui “como, infraestrutura, recursos naturais preservados,
qualidade de vida, segurança, entre outros fatores, são sem dúvida, uma
atração incomparável para o migrante.”. Ainda o mesmo plano diretor
aponta que o perfil do migrante interno que vem para a Ilha de Santa
Catarina seria não somente as pessoas da área rural pobre e não
qualificados, mas também indivíduos das classes média e alta, com nível
superior completo e geralmente oriundos dos grandes centros urbanos do
país. O que se pode verificar é que geralmente esses migrantes são
provenientes de cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Paraná, entre outras. Ainda o plano continua descrevendo
que os motivos dessa vinda de migrantes internos para a capital catarinense
seria por motivos de estagnação das atividades econômicas em seus locais
de origem e ou por melhor qualidade de vida, o que este processo
migratório vem produzindo um incremento populacional significativo e
crescente na cidade de Florianópolis. (IPUF, 2008, p. 57).
218
hoje, que é uma coisa que eu estou sentindo
falta que é uma infraestrutura, pois em Porto
Alegre tem uma infraestrutura bem melhor do
que em Florianópolis. Acredito que de repente
isso também é por causa desse grande êxodo,
desse grande número de pessoas que vieram
morar em Florianópolis e de repente a cidade
não está mais comportando esse número de
pessoas. (MULITERNO, 2014, p. 1-2).
A partir deste depoimento, fica evidente quando a
entrevistada afirma que veio para a Ilha de Santa Catarina pelo
aspecto da qualidade de vida. Desta forma, ao selecionar o que
do passado é importante pode-se adequar ao tempo presente.
Aqui no caso observa-se não um aspecto desinteressado, mas
que se volta para um aspecto vendido pelas propagandas de
turismo. Sendo assim, ainda verifica-se no relato da
entrevistada que o crescimento populacional na cidade de
Florianópolis vem ocorrendo com a vinda de migrantes
internos geralmente advindos do interior de Santa Catarina e de
outros estados brasileiros. Pois, na década de 1990, o “turismo
de sol e mar” consolidou-se no município, tornando-o um dos
principais polos turísticos do Brasil e do Mercosul. Logo, a
expansão da cidade e da infraestrutura de apoio ao turismo
preencheu as áreas continentais e dirigiu-se a todas as áreas
balneárias. (Plano Diretor Participativo – Leitura Integrada da
Cidade, 2008, p. 103).
219
Dessa forma, pode-se compreender que o
acontecimento da derrubada do Bar do Chico no ano de 2010,
foi a destruição de um lugar que buscava preservar o bairro
contra o desenvolvimento urbano que se alastrou na cidade de
Florianópolis em direção ao Campeche, de forma a incentivar a
construção e à incorporação imobiliária que, juntamente com o
turismo, emprestaram maior dinamismo à construção de
imóveis. Em complemento, um grande contingente de pessoas
veio para cidade, sendo parte dele constituído por indivíduos de
elevado capital social e econômico, aproveitando assim as
ofertas de trabalho ou mesmo as condições de vida menos
estressantes em comparação a centros como Porto Alegre, São
Paulo ou Rio de Janeiro, ocasionando tensões de cunho
sociocultural. (FALCÃO, 2010).
A partir dessa perspectiva pode-se compreender que a
maioria dos migrantes que vem para a Ilha de Santa Catarina
pode usufruir do beach lifestyle133
, ou seja, podem comprar e
adquirir empreendimentos imobiliários. Dessa maneira,
observa-se na cidade de Florianópolis que os condomínios
imobiliários são os aspectos visíveis que fazem parte de um
133 A autora da respectiva pesquisa optou por usar várias vezes o termo
baseado na propaganda do panfleto da empresa imobiliária Buzz,
inteligência imobiliária, pois grande parte dos panfletos de venda dos
condomínios para o bairro do Campeche utiliza-se desse termo. Ver:
Revista Buzz Stile, n° 9 – Outono de 2014.
220
movimento social de desenvolver e planejar urbanisticamente a
capital catarinense para a camada social e econômica “A” e
com isso, tornar os empreendimentos imobiliários em
mercadorias para serem produzidas e vendidas para as classes
média e alta.
Portanto, falar das questões de crescimento urbano do
Campeche a partir da promoção de venda do bairro a partir das
propagandas dos empreendimentos imobiliários é compreender
que o acontecimento analisado nesta pesquisa fez parte de um
movimento social que ocorre na cidade de Florianópolis a
partir da ideia de desenvolver e ordenar urbanisticamente a Ilha
de Santa Catarina, e mais especificamente o bairro analisado,
para as camadas sociais e econômicas média e alta e dessa
forma, deixando de lado as propostas de planejamento da
comunidade local.
221
4.2 O POINT DO RIOZINHO LOCAL DO SHOW DO BEN
HARPER: SONHAR ACORDADO AGORA VIROU
REALIDADE134
O Beach lifestyle (estilo de vida praiano, em
português) é um modo de viver, uma atitude
que se toma em relação à existência. Morar na
praia deixa as pessoas mais relaxadas, casuais e
alegres. O ritmo é diferente, as prioridades são
outras e o tempo livre é usufruído junto à
natureza, que fornece emoção e energia positiva
para realizar as outras atividades. Mas não
interprete mal. Não estamos falando em
vagabundear o dia todo na praia, sem fazer
nada, apenas curtindo. Estamos falando de uma
vida normal, que inclui trabalho, família e
responsabilidades, mas de um jeito mais leve,
relaxado e prazeroso. Viver o beach lifestyle é
saber priorizar certas atitudes, como o contato
com a natureza, os esportes ao ar livre, os
momentos agradáveis com a família e com os
amigos, o conforto das roupas. (BUZZ,
Inteligência Imobiliária, 2014)
As propagandas fortalecem e fazem parte do discurso
capitalista, dessa maneira definindo funções para as cidades e
por consequências para os governos estaduais e municipais
locais, no caso específico de Florianópolis. As mensagens
publicitárias buscam inserir as localidades na esfera da
globalização da economia e para que esta finalidade seja
134 Título baseado na propaganda do panfleto da empresa imobiliária Reyes
Barreiros, Construções ver: Panfleto Reyes Barreiros, Construções – Jazz
Village I, II, III.
222
garantida utiliza-se dos constantes investimentos e
consumidores, no caso estes são os migrantes internos e ou
como se refere à antropóloga Marcia Fantin (2000) das pessoas
de “fora”, dessa forma a capital catarinense insere-se no
processo de competição entre as cidades que passam a ser
tratadas como empresas. Sendo assim, a cidade de
Florianópolis passa a apresentar uma imagem manipulada para
o mercado imobiliário tornando-se assim a construção de uma
cidade-empresa. (SUGAI, 2015).
Figura 11 – Foto acervo da autora. Esta fotografia é do ano de
2015 e mostra os conflitos da expansão da urbanização no
bairro do Campeche.
223
A fotografia acima monstra várias placas de venda da
casa da moradora, há mais de trinta vivendo no Campeche e
depoente dessa pesquisa, Ires Buratti de Souza que afirma
durante a entrevista que está vendendo a sua casa por dois
motivos: o primeiro seria a falta de condições financeiras de se
manter atualmente no bairro, até porque, “a grande maioria do
contingente de excluídos da região tem se fixado fora da Ilha e
os nativos e menos favorecidos vêm perdendo lugar nos
balneários mais atrativos para os grandes investimentos.”
(BUENO, 2007, p. 132). E a segunda razão seria a invasão de
empreendimentos imobiliários cercando a sua casa. Sendo
assim, os conflitos da expansão da urbanização presentes no
bairro do Campeche ficam compreensíveis na ideia que a
localização da terra ou dos condomínios é que torna importante
para a especulação imobiliária, pois esta entende que as
melhores localizações é que promovem o aumento dos preços e
por consequência a valorização dos empreendimentos em
determinados lugares da cidade. Como aponta a entrevistada e
moradora dessa pesquisa Gabriela de Souza de Oliveira:
Eu penso que se chegar alguém e te oferecer
para comprar o teu terreno que é na beira da
avenida principal e te dar dois apartamentos e te
dá mais um dinheiro, o nativo ainda vende.
Então assim, não se tem aquela consciência
224
ainda. Pois, é um crescimento que é inevitável.
O bairro está crescendo e ele vai continuar
crescendo. O que a gente pode fazer é tentar
melhorar de alguma forma e brigar por essas
questões mais básicas, como o saneamento, que
aqui é bem precário. Então, são essas as lutas
que a gente tem que ter agora e a luta que eu
defendo também junto com o Ataíde que seria o
Plano Diretor da Comunidade porque se fores
ver o Plano Diretor da Prefeitura aqui no
Campeche, eles querem passar ruas nos lugares
que não tem muita noção. A gente que mora
aqui nessa rua para chegar à outra rua tem que
dar uma volta gigante. [...] Inclusive a
AMOCAM fazia algumas reuniões. Que eu
acredito que foram até bastantes pessoas da
comunidade e inclusive de pessoas fora. Eu fico
bem impressionada porque são pessoas que
vem de fora e querem lutar por um Campeche
melhor, por uma comunidade melhor, sobre
esse crescimento desordenado. (DE
OLIVEIRA, 2015, p. 5 – 6).
Acerca desta imagem e do que representa a invasão de
condomínios imobiliários na praia do Campeche pode-se
compreender que atualmente o bairro tem sido planejado na
proposta de tornar-se um bairro de alto padrão, parecido aos
moldes do balneário localizado no norte da Ilha de Santa
Catarina, Jurerê Internacional. Se a ideia é de transformar a
cidade de Florianópolis na “Capital Turística do Mercosul” o
bairro deveria se encaixar na proposta d‟A Cidade Nova do
Campeche a qual as suas respectivas reverberações podem ser
sentidas pelos moradores desta localidade, pois de certa forma
225
já não conseguem manter um padrão de vida alto esperado para
esta região.
Conforme foi apontado até agora esta busca desta
padronização etilizada para um bairro até poucas décadas atrás
com características rurais propôs tornar a sua paisagem natural
como mercadoria, ou seja, procura-se expandir o crescimento
urbano e turístico no Campeche. Para tal finalidade, como foi
apresentado na seguinte pesquisa, utilizou-se como meio de
divulgar esta região com belezas naturais até então preservadas
a partir das propagandas. Porém, como foi possível analisar ao
se derrubar o Bar do Chico, destrói-se um local de
sociabilidades das pessoas que se identificavam com esse
Campeche com características rurais, ou seja, um bairro que
buscava se manter preservado da urbanização, ao contrário do
que se tem observado a partir do ano de 2000 com a
verticalização intensa do bairro.
De certa forma, a partir do acontecimento que destruiu
o tradicional Bar do Chico, o bairro passa a enfrentar de
maneira evidente o processo de segregação urbana a partir da
mercantilização da terra, onde esta passa a induzir a
urbanização no Campeche. Logo, observa-se que o
desenvolvimento que vem acontecendo, nas últimas décadas,
na Ilha de Santa Catarina, e de forma mais específica no bairro
do Campeche, tem demonstrado que este crescimento não traz
226
automaticamente a redução das desigualdades, muito pelo
contrário aumenta-a, e esta se torna perceptível, por exemplo,
na fotografia acima. A partir da fala do entrevistado Lázaro
Bregue Daniel pode-se verificar este contexto.
Eu tenho uma explicação muito forte para isso.
Meu pai, eu sempre discutia com ele sobre
essas questões, ele era a favor do
desenvolvimento e aí quando começou a
construção do condomínio Essence, que era na
frente da casa deles e que eram quinze prédios.
Aí ele não conseguia mais olhar o mar, pois ele
levantava de manhã e a primeira coisa que ele
fazia era olhar. Meu pai era pescador e era
doente pelo mar, ele tinha que ir a praia todos
os dias. E aí quando ele estava doente e já não
tinha as pernas para caminhar até a praia, ele
olhava e dizia para mim “tu tinhas razão sabe,
porque hoje eu não consigo ver o mar, eu para
ver o mar eu tenho que ir lá à praia”. (BREGUE
DANIEL, 2015, p. 14).
As mensagens publicitárias acabam divulgando a bela
natureza da cidade de Florianópolis que acaba sendo uma
forma de atrair pessoas para comprarem empreendimentos
imobiliários que na maioria das vezes são construídos juntos a
praia do Campeche e assim esta torna-se acessível a um
público de pessoas das classes média e alta, pois como no
subtítulo acima “Sonhar acordado agora virou realidade”.
Tal circunstância nos leva a entender que pessoas com
condições econômicas mais baixas podem até estar
227
vivenciando esta “realidade”, ou seja, podem até viver na praia
do Campeche, porém acabam por não terem como comprar um
imóvel de alto padrão como, por exemplo, alguns apartamentos
dos condomínios que estão sendo construídos na localidade.
Dessa forma, pode-se notar como a posse de um desses
imóveis acaba conferindo status social e econômico dentro do
processo de segregação urbana e de disputa entre as classes
sociais em torno da mercantilização do ambiente construído.
Ainda, nesta perspectiva analisa-se que as transformações
territoriais indicam um processo real onde a elite controla a
produção do ambiente urbano construído, desta forma gerando
uma segregação espacial onde esta acaba se localizando em
áreas consideradas “nobres” da cidade onde esta oferece a si
própria as melhores condições para a sua própria dominação.
Assim, o “Point do Riozinho” aparece como um desses
locais com status na cidade de Florianópolis e proporciona, a
partir também de propagandas de sua localização, a divulgação
do bairro Campeche. Como neste contexto insere-se a ideia de
que a partir das mensagens publicitárias poderia se atrair
pessoas de outras regiões do estado de Santa Catarina e ou do
Brasil para a compra desses terrenos e ou empreendimentos
imobiliários existentes no bairro. Assim sendo, os melhores
terrenos com excelentes localizações, ou seja, aqueles onde os
condomínios que tem vista de frente para a praia do Campeche,
228
ficam com os que podem pagar mais. Como pode-se observar
na fala da entrevistada e moradora do bairro, Alonita Martinho
da Silva:
O Point do Riozinho eu acho que é uma coisa
da mídia comercial porque já estava meio cheio
o pico da Mole. E fizeram uma coisa meio que
Jurerê Internacional para trazer o pessoal que é
mais voltado pro norte da Ilha do que pro sul.
Eu acho que é uma jogada de marketing é isso
que eu penso. (DA SILVA, 2014, p. 3 - 4).
Por isso, percebe-se que a capital catarinense entra na
conjuntura da globalização na qual a localização, no caso da
praia do Campeche, por possuir uma bela natureza torna-se
mercadoria, consequentemente procura-se construir um
conjunto que sustente a imagem colocada à venda, acabando
por formar cidades e ou espaços preservados e com
características que se tornem símbolos da identidade que
compõem o desenvolvimento urbano.
As construções imobiliárias, cada vez mais presentes na
localidade, são os reflexos mais visíveis desse processo de
expansão da urbanização de Florianópolis em direção ao
Campeche. As transformações recentes e crescentes
demonstram que o contexto histórico contemporâneo seria de
um planejamento urbano voltado para o turismo, logo, estes
espaços e suas propagandas estão cheias de informações que se
229
remetem a si mesmas, enfatizando o que elas são ou o que seria
interessante que elas fossem.
Assim sendo, começa-se a compreender a importância
que desempenha o plano diretor nesta conjuntura de segregação
espacial e também como campos de lutas que seria o espaço
urbano do bairro do Campeche. O Plano Diretor Participativo
– Leitura Integrada da Cidade, do ano de 2008 aponta que:
É importante salientar ainda que o turismo em
Florianópolis apresenta deficiências em relação
ao padrão de competitividade e de concorrência
de alguns estados brasileiros e, principalmente,
em relação ao padrão internacional. [...] Mas
uma tal expansão jamais ocorreria se a área não
possuísse uma grande riqueza ambiental,
paisagística, histórica e cultural,
incansavelmente destacada, aliás, pelo
marketing turístico. Isso significa que, apesar
da importância do criado aparato de serviços, as
possibilidades do setor de turismo estão
diretamente relacionadas à manutenção e
preservação desses elementos de atividade. A
representatividade do turismo como vetor de
transformação urbana transparece em diferentes
processos testemunhados nas últimas décadas
em Florianópolis. (Plano Diretor Participativo –
Leitura Integrada da Cidade, 2008, p. 112).
Assim sendo, a cidade de Florianópolis transmite a
imagem de ser um lugar repleto de atrativos naturais, e
consequentemente, apresentando um desenvolvimento urbano e
turístico sem riscos socioambientais, além de características
230
culturais próprias, aparentemente sem violências e ou
desigualdades sociais e econômicas e ainda com um crescente
fluxo migratório de pessoas de camadas sociais de alta renda.
Dessa forma, para fortalecer este imaginário que se tem
promovido da capital catarinense como modelo de uma cidade
projetada aos padrões de modernização tecnológica
compreende-se que os poderes locais e os grupos empresarias,
aproveitando a oportunidade que a cidade estava sendo
reconhecida como a “Capital Turística do Mercosul” a partir da
década de 1990, desenvolveram uma forte estratégia de
marketing para ampliar o turismo e atrair também os
investimentos internacionais. (SUGAI, 2015).
Além disso, o evento citado no início mostrará que, no
bairro, outros lugares de socialização foram criados a partir da
vinda dos turistas e de pessoas de outras regiões do país para a
cidade de Florianópolis. Dentre eles há o Point do Riozinho,
uma extensão da Praia do Campeche que se tornou lugar de
encontro dos novos moradores da cidade. Recentemente, nos
dias 5 e 6 do mês de fevereiro de 2011, um show promovido
pela cervejaria Skol, com o cantor californiano Ben Harper e
com um público com cerca de oito mil pessoas, teve como
231
palco este local que se encontra localizado em uma APP 135
. O
jornalista Cacau Menezes em seu blog fazia propaganda do
Point do Riozinho e também do show do Ben Harper como se
observa na citação abaixo:
Ovacionado, sábado no Pico do Riozinho, Ben
Harper merece agora uma placa: “Aqui Ben
Harper tocou, cantou e encantou. Jamais o
esqueceremos!”. O povo pirou. No inglês, é o
que chamam de sunshine. Algumas vezes a
UCLA, universidade de Los Angeles, já tinha
feito algo parecido nos seus jardins, mas na
beira da praia, com mulheres belíssimas, boas
ondas e muitos surfistas, com ilha de mar
transparente na frente de um palco colorido
montado embaixo das árvores, nunca tinha
visto. Nem em vídeo. Talvez na Austrália,
Hawaii... (Blog do Cacau Menezes, 06 de fev.
de 2011). 136
A relação feita entre os dois eventos foi enfática,
havendo a comunidade do bairro do Campeche questionado a
realização desse show, pois, contraditoriamente, a derrubada do
Bar do Chico recebeu como justificativa o argumento de ser
uma construção que infringia as leis ambientais. Ainda, a
135 Em 1985, dentro de uma política de proteção ambiental, o Município
tombou como patrimônio natural (Decr. Municipal n° 112, 31/05/85) as
várias dunas localizadas no município, dentre as quais, as dunas do
Campeche. 136
Disponível em: <
http://wp.clicrbs.com.br/cacaumenezes/2011/02/06/sunshine-no-
campeche/?topo=52,2,18,,200,67>. Acesso em: 31 de mar. de 2016.
232
comunidade contestava que esse show era uma estratégia para
trazer cada vez mais turistas para a Ilha de Santa Catarina e,
principalmente, para a região do bairro Campeche, que vem
sendo alvo de construção de grandes condomínios imobiliários.
Após o acontecimento da derrubada do Bar do Chico,
no ano de 2010, e consequentemente a construção de
empreendimentos imobiliários no bairro Campeche ocorreu o
evento do show do cantor Ben Harper no Point do Riozinho,
em 2011. Esta reverberação do que propõe o Plano Diretor para
a cidade de Florianópolis, ou seja, pensar o ordenamento
espacial da Ilha de Santa Catarina por meio do setor turístico,
através do Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares
Campeche e região, ao qual se opõe ao Plano Comunitário da
Planície do Campeche, proposta para um desenvolvimento
sustentável. Com isso, levando a questionar o processo de
transformação de áreas com formas rurais em urbanas e de
aumento dos índices construtivos, mais adequado a viabilizar
especulações imobiliárias do que realmente ordenar a
ocupação. Como aponta a entrevistada Gabriela Souza de
Oliveira sobre a estratégia de marketing que foi o show do Ben
Harper no Point do Riozinho:
O Point do Riozinho foi um nome que criaram
pro marketing. E resolveram fazer um
marketing onde só vai gente sarada. E criaram
233
um point. Eu acho, que por um lado que foi
bom para os donos daquele lugar. Eles
conseguiram levantar aquilo ali, pois aquele
lugar era um espaço bem morto. É um local
ótimo, que eu acho que eles quiseram mais
promover o espaço e a praia. Porque assim
querendo ou não o Show do Ben Harper
chamou muita gente, chamou a atenção do
Brasil todo. E dava para ver nos carros os
panfletos de vendas de novos prédios, de novos
edifícios, aqui no Campeche. Isso foi meio que
planejado. (DE OLIVEIRA, 2015, p. 24 – 25).
O chamado Point do Riozinho é o local, da praia do
Campeche por onde passa o chamado Rio Rafael, conhecido
por ter uma área badalada. Os frequentadores desse espaço são
basicamente turistas e moradores vindos de outros estados do
Brasil. Cabe ressaltar que, conforme as entrevistas, o local
começa a ganhar destaque, pois “o Cacau Menezes começa a
criar essa ideia né” (TAVARES, 2012, p. 8). Como aponta o
entrevistado desta pesquisa Ademir Damasco sobre o lugar:
Agora o Riozinho em si, o espaço dele é
particular. Ele é de uma família. [...] aquele
terreno ali tem dono. Tanto é que eu acho que
entra por um terreno particular também, ele não
tem entrada por ali. [...] O Ben Harper foi um
show feito num lugar particular, entendeu?
(DAMASCO, 2015, p. 26).
O Point do Riozinho ganha força através da imprensa,
pois o jornalista Cacau Menezes, que trabalha na emissora de
234
televisão do estado de Santa Catarina, a RBS TV e tem um
blog, afirma que a praia Mole está “perdendo espaço” para um
novo local, o Point do Riozinho. Dessa forma, Cacau Menezes
ajudou a promover este espaço de socialização, que passa a ter
certo status entre a mídia catarinense e na cidade de
Florianópolis.
A partir da propaganda feita pelo influente jornalista,
muitas pessoas que frequentavam a praia Mole acabaram
migrando para o Point do Riozinho. Isso fica evidente em outra
matéria do jornalista, quando ele fala: “Praia Brava e Riozinho
bombando! [...] que o reduto é de novo como você tá vendo a
praia da moda e de lindas gatas nessa Ilha.” 137
.
A praia Mole é também muito conhecida na Ilha de
Santa Catarina pelas belas pessoas que visitam seu local,
compondo um espaço conhecido por ser frequentado por
pessoas jovens e badaladas. 138
A partir do momento em que o
jornalista Cacau Menezes começa a promover a ideia de que o
Point do Riozinho é que está “mais em alta”, ou seja, passando
137 Sobre esta e outras informações a cerca da opinião do jornalista Cacau
Menezes a respeito do Point do Riozinho ver: Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=EjKaN2HO-NI.>. Acesso em: 14 ago.
2012. 138
Sobre esta e outras informações acerca do Point do Riozinho ver:
Disponível em:
<http://www.viagemdeferias.com/florianopolis/praias/leste.php>. Acesso
em: 28 set. 2012.
235
a ser muito frequentado por pessoas, aliás, as mais belas da
capital catarinense, cria-se um deslocamento dos
frequentadores da Mole para o Riozinho. Como se observa na
fala do entrevistado Thiago Kahl:
Então, é engraçado porque já chegaram a me
perguntar uma coisa que eu fiquei assim bem
indignado “onde é a praia do Riozinho?”. Daí
eu cheguei e falei para as pessoas “bom praia
do Riozinho eu nunca vi, o que eu sei é que
existe e que tem a praia do Campeche, onde
tem um pequeno metro quadrado, que se
estabeleceu com o nome de Riozinho, mas praia
do riozinho não existe.”. Estão querendo
colocar o Riozinho como se fosse a praia
inteira, a extensão inteira. Então, tudo na vida
tem seus prós e contras, e o que eu acho uma
pena que o investimento ali para aquela área,
pequena área do Riozinho é que tudo parece que
se concentrou ali, eventos, como por exemplo,
o show que tu acabasse de falar, tudo está
acontecendo ali, e assim grandes tribos, como
os que frequentavam a praia Mole, eles
começaram a frequentar o Riozinho. A praia do
Riozinho é onde a beleza dos corpos esculturais
começou a fazer parte daqui. Então, ao mesmo
tempo que eu acho um absurdo, ter esse
enfoque tão grande naquele metro quadrado que
poderia muita coisa ser melhorada e não ser
toda a verba de patrocinadores que ali estavam
só naquela área, que querem fazer tipo um
Jurerê Internacional e o que não é legal.
(KAHL, 2014, p. 6).
A realização de um show internacional nesse novo
espaço de badalação consagrou o lugar de forma definitiva.
236
Perceber que se o ponto de encontro da comunidade local do
bairro não é mais o mesmo, cria-se outro ponto de encontro,
reconhecido por ser um espaço “badalado” e procurado
também por turistas e pelos novos moradores do Campeche. A
partir desta ideia pode ser relacionada ao relato de uma das
moradoras do bairro do Campeche.
Então aí aparece, o condomínio Essence com a
passarela deles, até em cima das dunas. É bem
triste isso porque agora nós não temos nenhum
ponto familiar aqui para nós na praia, nós temos
que ir lá ao Point que desfavoreceu todo o lado
antigo do Campeche, que é onde estava o Bar
do Chico. O lado, a parte antiga do Campeche,
onde realmente começou o Campeche. (VAIA,
2014, p. 1-2).
Andando pela beira da praia, o Bar do Chico e o Point
do Riozinho ficavam apenas a alguns metros de distância.
Conforme a reportagem do Jornal Diário Catarinense,
intitulada “Campeche ou Riozinho”, do dia primeiro de
fevereiro de 2011 “Pra quem não conhece bem a ilha pode ficar
a confusão: afinal, o show será na praia do Campeche ou no
Riozinho? Na verdade, nos dois. A praia onde o show está
previsto é a do Campeche, que fica no Sul da Ilha.” (Jornal
Diário Catarinense, 01 de fev. de 2011, p. 5).
O Point do Riozinho criou fama entre os moradores da
Ilha de Santa Catarina e também em outros estados do Brasil, e
237
com isso, a cervejaria Skol, marca conhecida em todo o país,
promoveu um sorteio nacional através de seu site, em janeiro
de 2011, para a realização do show do cantor internacional Ben
Harper. Este, que é conhecido por seu estilo de músicas,
também e não somente, surf music, mas o blues, o reggae e o
soul, já havia estado em Florianópolis, onde tocou em 2007, no
local onde hoje é o Stage Music Park, em Jurerê Internacional.
O sorteio era disputado entre as cidades de Maresias, litoral
norte de São Paulo e Búzios no Rio de Janeiro, ao final o Point
do Riozinho acabou vencendo a disputa. (AMARANTE, 2013,
p. 49). Como afirma a moradora do bairro Campeche, Norma
Freitas:
E a campanha foi feita e Florianópolis ganhou.
Então seria um show gratuito, em um espaço
bem pequeno na verdade, para um show da
postura do Ben Harper. A gente até estranhou
como que seria feito um show ali naquele
espaço do Riozinho, que é bem pequeno, mas a
gente achou que seria alguma coisa
proporcional ao espaço, mas foi um evento
gigante, que teve, na minha opinião, uma
jogada de marketing muito grande porque teve
um patrocinador e acabou não sendo um show
de graça, foi um show que tinha que se trocar, ir
num lugar, entrar na internet, uma série de
burocracia e o show foi maior do que o
esperado. Muita gente ficou para fora, eu acho
que o Campeche não tem estrutura para esse
tipo de show que eles fazem aqui, foi muito
intenso, muitos veículos e muita gente ficou
para fora na praia, eu fui uma das que fiquei
238
para fora, eu vi muita coisa ali, gente jogando
lixo no Riozinho, gente montando coisa na
restinga, gente sujando a praia. Eu vi tanta
coisa, entendeu e lógico a gente acaba
associando porque na época, o Bar do Chico foi
retirado porque estava na restinga, e hoje eles
fazem esses shows aí e no mesmo local um
pouco mais para frente, com essa mesma
intenção, de quebrar, estragar e nada de
preservação. (FREITAS, 2014, p. 5).
A data do show do Ben Harper estava marcada para os
dias 5 e 6 do mês de fevereiro de 2011 porém, com o anuncio
de sua apresentação, a comunidade do bairro do Campeche
começou a se mobilizar contra, não pela vinda do cantor, mas
pelo fato de este ser realizado na extensão do Point do
Riozinho, considerado uma APP. A partir da fala de Thiago
Kahl, entrevistado e morador do bairro, pode-se observar que o
evento na praia do Campeche representou uma forma de
divulgar a paisagem natural do lugar para as pessoas que
vinham para assistir ao show e dessa forma atrair investimentos
econômicos a partir da compra de imóveis nos condomínios
imobiliários da região.
Então, a Ilha parou de certa forma ou melhor
dizendo o Campeche parou. Filas enormes, a
comunidade de um lado, digamos assim do lado
esquerdo, da parte que não concordava,
indignada. Houve também o próprio
desmatamento para a construção do palco para
poder ter um quórum de pessoas que vieram do
239
país inteiro, se não até da América Latina para
assistir esse show do Ben Harper e não foi só
dele foi do Donavom também. Ao mesmo
tempo que a gente tem um show, tem formas de
cultura, quem não quer estar aqui, mas também
eles fazem disso um abuso porque não tem
infraestrutura para enormes shows. A mata
nativa não tem que ser desmatada para poder
essas coisas estarem acontecendo aqui. Isso não
pode acontecer, nesse lado eu sou totalmente
radical, a gente tem que preservar o que a gente
tem. A Ilha como eu já falei está perdendo esse
misticismo, está perdendo essa natureza
deslumbrante com todas essas verticalizações,
com essa grande população, que não tem
suporte e a ilha tem limite. (KAHL, 2014, p. 7).
Quando o Bar do Chico foi destruído pelo motivo de
estar localizado em cima das dunas, ou seja, em APP, alguns
moradores alegaram que seria uma contradição a realização de
um show na localidade. O jornalista do Jornal Diário
Catarinense, Marcos Espíndola, que foi a favor da realização
do show escreveu uma sátira com o título “Por um
„Campetsi‟139
melhor!”, a respeito dos moradores da
comunidade local do Campeche, que reivindicaram a
realização do show do cantor Ben Harper, no Point do
Riozinho que afirma “Não nos esqueçamos da „República
Odara do Campeche‟, aquela turma que vive contrariada com
139 A palavra “Campetsi” escrita pelo jornalista Marcos Espindola, na
matéria do Jornal Diário Catarinense, é a forma como o jornalista está
imitando o sotaque local, dos nativos da Ilha de Florianópolis.
240
tudo e todos.” E o jornalista ainda continua afirmando que
“Feliz é o povo do “delirante mundo” do Pascale e do Peixe,
que certamente receberia de braços abertos o Skol Praia
Music.” (Jornal Diário Catarinense, 02 de fev. de 2011, p. 8).
A partir dos comentários dos dois jornalistas podemos
perceber que a mídia parecia se posicionar contra a visão de
alguns moradores da comunidade do Campeche, não
transmitindo esta através da imprensa. Conforme colocado,
parte da comunidade local estava reivindicando que o show
não fosse realizado, respeitando a área de APP. Nesta
perspectiva, na segunda-feira, após o show do Ben Harper, saiu
uma nota no Jornal Diário Catarinense, sobre o
desconhecimento por parte de Ben Harper sobre as
reivindicações a respeito da não realização do show por parte
da comunidade do Campeche “disse que tomou conhecimento
das preocupações dos moradores do Campeche com as
questões ambientais relativas ao festival e endossou: “Depois
do show, vou me endereçar a essas pessoas.” (Jornal Diário
Catarinense, 07 de fev. 2011, p. 8).
Esse desconhecimento por parte do Ben Harper a
respeito dos acontecimentos do bairro, como coloca o artista,
“as preocupações dos moradores do Campeche com as
questões ambientais relativas ao festival”, mostra-se no trecho
da notícia do site da Revista Naipe que Ataíde Silva, também
241
um dos entrevistados dessa pesquisa, aponta que “organizou
protestos e gritou alto contra a realização do show em área de
preservação ambiental. A Prefeitura dá atenção a eventos de
grandes corporações e faz pouco caso das necessidades da
comunidade durante o ano. ” 140
As ideias divulgadas pelas propagandas dos
empreendimentos imobiliários e dos condomínios, propõe um
modo de vida baseado na excelência da qualidade de vida na
praia do Campeche e de suas condições naturais. Contudo,
contraditoriamente, áreas de preservação são ameaçadas pela
urbanização e pela especulação imobiliária, que parece não
medir esforços para atrair o público para o Campeche,
realizando um evento para aproximadamente oito mil pessoas
em uma área de APP. 141
As propagandas procuram influenciar a escolha das
pessoas, ressaltando os atrativos do bairro, buscando a vinda
daqueles que desejam se estabelecer na Ilha de Santa Catarina e
mais especificamente na praia do Campeche, a partir da
compra de imóveis. Ao enfatizar as qualidades do Campeche
140 Sobre esta e outras informações a cerca da opinião do show do Ben
Harper no Point do Riozinho ver: Disponível em:
<http://revistanaipe.com/na-rua/a-bonanca/>. Acesso em: 12 nov. 2012. 141
Sobre esta e outras informações do show do Ben Harper ver no blog
Cacau Menezes. Disponível em:
<http://wp.clicrbs.com.br/cacaumenezes/2011/02/01/ingressos-para-o-
show-de-ben-harper/?topo=77,2,>. Acesso em: 11 nov. 2012.
242
busca-se, a partir da função apelativa das mensagens
publicitárias contidas nos encartes ou outdoors das construções
imobiliárias do bairro, apresentar a paisagem natural como um
bem de consumo para os futuros moradores.
As construções imobiliárias, cada vez mais presentes no
bairro, são os reflexos mais visíveis desse processo de
expansão da urbanização de Florianópolis em direção ao
Campeche. As transformações recentes e crescentes
demonstram que o contexto histórico contemporâneo seria a de
um planejamento urbano voltado para o turismo, contra o qual
a comunidade do Campeche luta. Os moradores mais antigos
visam uma organização com participação própria, onde haja a
possibilidade de manutenção das belezas naturais do bairro e
de certa maneira, da Ilha de Florianópolis, ou seja, sem a
modificação desses espaços para construções de
empreendimentos imobiliários.
Além disso, os eventos analisados mostraram que no
bairro outros lugares de socialização foram criados a partir da
vinda dos turistas e de pessoas de outras regiões do país para a
cidade de Florianópolis. Como foi apresentado o Point do
Riozinho, extensão da Praia do Campeche, se tornou ponto de
encontro dos novos moradores da cidade. Cabe ressaltar ainda
que quando ocorreu à derrubada do Bar do Chico destruiu-se o
ponto de encontro e ou socialização dos moradores da
243
comunidade que se identificavam com o Campeche por causa
das relações de sociabilidades e parentesco que ocorria naquele
local.
Portanto, neste capítulo foi possível analisar que nas
propostas de ordenamento para o Campeche existiram as
reações contrárias: embates e crises entre os moradores
considerados locais e os "de fora", houve a segregação urbana e
a venda dos terrenos, pichações, movimentos contra as grandes
construções, movimento contra o show do Ben Harper. E a
partir, disso pode-se analisar que o acontecimento da derrubada
do Bar do Chico fez parte desta conjuntura de urbanização que
buscava planejar o bairro.
O processo de urbanização do interior da Ilha de Santa
Catarina, mais especificamente do bairro Campeche, teve por
consequências a ocorrência de movimentos sociais, ecológicos
e também urbanos que se mais assemelharam as reações
contrárias a esse crescimento espacial da região. Dessa forma,
pode-se compreender e analisar que o acontecimento analisado
nesta dissertação se inseriu neste contexto de propostas de
planejamento para a localidade. Como se observa na fala da
entrevistada Carmen Susana Tornquist:
O Campeche, é um bairro que tem uma tradição
de resistência, conseguiu barrar por muitos anos
esse avanço e acho que está barrando ainda
244
apesar de não muito, mas consegue pelo menos
deter um pouco dessa voracidade do capital,
mas o que eu acho mais triste e que dá vontade
de chorar mesmo quando a gente vai lá é que a
gente vê que não tem um monte de gente
morando nos condomínios. É especulação
imobiliária e quando a gente liga para esses
empreendimentos, um aluno meu fez essa
pesquisa, e ele ligava para as imobiliárias e a
primeira coisa que as imobiliárias falam, os
agentes, perguntam é para morar ou para
investir? Então, isso é o mais terrível de tudo
porque a gente poderia dizer que são pessoas
morando, a sociedade é capitalista, vem gente
com grana de outros lugares, mas ou é segunda
moradia ou nem isso. (TORNQUIST, 2016).
A proposta d‟A Cidade Nova do Campeche, como
apontado desde o início deste capítulo não foi posta em prática,
porém o bairro foi se transformando a partir de características
urbanas e isso acabou gerando repercussões e até mesmo os
movimentos sociais contrários a esta forma de ordenamento
sem consensos entre o plano do IPUF e as ideias da
comunidade local para a região.
Assim sendo, pensar que o acontecimento aqui
analisado insere-se na perspectiva da História do Tempo
Presente foi a de compreendê-lo que este faz parte de um
tempo passado ainda recente e que se projeta para um futuro
próximo, ou seja, como se as três dimensões temporais
estivessem interligadas, o que para o filósofo alemão Reinhart
Koselleck “as três dimensões temporais se conjugam na
245
presencialidade da existência humana, ou, como dizia
Agostinho, em seu animus. O tempo só está presente como
algo sempre esquivo: o futuro, na expectatio futurorum, o
passado, na memoria praeteritorum.” (KOSELLECK, 2014, p.
231).
246
247
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa partiu da análise do acontecimento
recente da derrubada do Bar do Chico, no ano de 2010. Assim,
através da perspectiva da História do Tempo Presente pôde-se
pensar que a ciência histórica não se limita apenas às
interrogações do passado. É através dela que se busca estudar
os acontecimentos do presente, a fim de se levantar hipóteses
para sua compreensão. Este estudo buscou possibilitar a
explicação de fatos atuais e não apenas a disseminação de sua
informação, para que questões acerca de suas problemáticas
possam ser compreendidas e utilizadas posteriormente.
Um dos métodos utilizados foi a História Oral, uma
questão importante ao pensar sobre o uso desta metodologia foi
que ela, diferente da narrativa do historiador, acaba por resultar
em narrativas com um tempo fugidio. Nela, as diversas
estruturas de tempo se combinam, então há um fluxo livre de
associações no qual o entrevistado não cumpre exatamente uma
sequência linear cronológica. Outro ponto central na História
Oral, nesta pesquisa, foi a posição do historiador frente às
fontes vivas. No caso da entrevista com Seu Chico, o
personagem de destaque nesta análise histórica, foi motivo de
grande preocupação a forma como seria abordada a questão de
seu bar, pois já se sabia que isso lhe causava muita tristeza.
248
Além disso, a metodologia da História Oral possibilitou a
percepção de que a memória modela e ao mesmo tempo é
modelada para produzir uma narrativa num sentido coletivo.
Pois, a partir dela foi possível analisar as várias formas de ver a
cidade e a urbanização no bairro do Campeche em sua
respectiva temporalidade e ou período histórico. Pode-se
afirmar, com base na análise do histórico do plano diretor para
Florianópolis e para o Campeche, que tornou-se perceptível o
processo da expansão da urbanização da cidade em direção ao
bairro, em uma transformação acelerada e tardia. Na região
central da Ilha de Santa Catarina, esse planejamento urbano já
havia começado desde a década de 1950 do século XX.
Possibilitando, assim, a compreensão de que a região interior
da Ilha em relação à área central, só recentemente vem
sofrendo expressiva transformação urbana.
A trajetória histórica da cidade de Florianópolis
evidencia o desenvolvimento de políticas e mensagens alusivas
ao potencial turístico-econômico da Ilha de Santa Catarina.
Desde a década de 1950 já se identificavam discursos que
evocavam a Florianópolis Turística para projeção dos atributos
naturais da região e estabelecimento de atividades e serviços
para os visitantes.
Assim, a partir da análise dos planos diretores para
Florianópolis foi possível observar a transformação dos bairros
249
e balneários do interior da Ilha de Santa Catarina, que
cresceram acompanhando o desenvolvimento da cidade. Além
disso, é notável que a partir da década de 1990 também se
buscou atender o projeto de ocupação elaborado pelo IPUF.
Desde a implantação do plano diretor, a configuração da cidade
de Florianópolis e, consequentemente, dos bairros começou a
sofrer transformações significativas.
Historicamente, verificou-se, através da análise do
plano diretor, que o slogan “Florianópolis Capital Turística do
Mercosul” faz parte de uma trajetória de discursos e políticas
institucionais adotadas para a promoção da capital catarinense.
Sendo assim, o bairro do Campeche, localizado na região Sul
da Ilha de Santa Catarina, a partir do final da década de 1980,
inicia um plano de urbanização voltado para esta perspectiva.
Esta tentativa de introduzir o Campeche, uma região até então
rural, em uma proposta de urbanização seria a de organizar um
espaço com novas características físicas, sociais, econômicas,
legais e administrativas.
A partir do Plano de Desenvolvimento da Planície
Entremares, Campeche e região elaborado pelo IPUF no ano
de 1989, foi possível analisar que este teve como consequência
a estratégia de promover o crescimento urbano da cidade de
Florianópolis e sua inscrição no mercado turístico em nível
nacional e internacional. Com isso, incentivava a vocação
250
turística e o desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia
para o bairro do Campeche.
As ideias de urbanização, que procuraram fazer de
Florianópolis uma Tecnópolis, a partir do Plano Específico do
Parque Tecnológico do Campeche de 1992 foi concebido como
proposta destas políticas. Pois, logo após o ano de 1991, a
prefeitura de Florianópolis alcunhou a cidade como “Capital
Turística do Mercosul” e acabou definindo uma política de
parques tecnológicos. A concepção final poderia ser
considerada o plano de desenvolvimento de uma cidade-nova
no Campeche, uma cidade baseada em turismo e alta
tecnologia e plenamente capacitada a colocar Florianópolis no
século XXI.
A proposta que o IPUF buscou construir para o bairro
d‟A Cidade Nova do Campeche, no qual o objetivo era
conceber um projeto completo para a criação de um parque
tecnológico de porte na região do Campeche, acabou não sendo
realizado. Porém, a forma como o bairro vem sendo ordenado,
do ano de 2000 a 2011, seria, de certa forma, consequência da
falta de consenso entre as duas propostas apresentadas nesta
análise. Pois, ao mesmo tempo em que o bairro do Campeche
está sendo urbanizado verticalmente através de condomínios de
alto padrão, ainda percebe-se um bairro sem infraestruturas
251
básicas, ou seja, ainda existe uma composição rural e urbana
em sua paisagem.
Dessa forma, essa pesquisa apresentou uma atualização
sobre o debate relacionado a projeção de Florianópolis como
destino turístico nacional e internacional. Foi possível verificar
que a decadência de atividades tradicionais impulsionou a
formação de discursos e políticas preocupadas com o turismo e
que, gradativamente, a mídia e a publicidade passaram a atuar
como agentes na consolidação dessa atividade econômica,
principlamente após a projeção da cidade como “Capital
Turística do Mercosul”.
Pode-se perceber que houve um interesse expressivo no
bairro durante a expansão urbana de Florianópolis e que isso é
notório diante da quantidade de propagandas de venda dos
empreendimentos imobiliários que puderam ser levantadas.
Diante de uma conjuntura da cidade de Florianópolis que se
volta para o desenvolvimento, até mesmo o Campeche entra
nesse contexto e passa a ser alvo também de uma demanda de
turismo que é muito valorizada no sentido de mercado, de
movimentação econômica, ou seja, de Cidade à venda.
A pesquisa a respeito das propagandas presentes nos
encartes e outdoors dos empreendimentos imobiliários no
Campeche e a utilização destas como fontes, mostraram que
são destinadas a atrair mais pessoas para o bairro, a qual
252
possibilitou a vinda de muitos migrantes de outras regiões do
país, em busca de tranquilidade e qualidade de vida junto à
natureza. Ao se deparem com as muitas belezas naturais da Ilha
de Santa Catarina acabam por se encantar pelo estilo de vida da
cidade e por consequência, são influênciados por propagandas
que promovem determinadas praias, como é o caso do
Campeche.
Deste modo, as propagandas parecem ter contribuído
nesse processo de divulgação do bairro como um excelente
lugar para se viver, o qual pode proporcionar um melhor modo
de vida através do contato diário e direto das pessoas com esse
ambiente natural da Praia do Campeche. Assim, ao se pensar
nesta perspectiva da expansão da urbanização da cidade em
direção ao bairro foi projetada como uma proposta das relações
sociais produzidas sob a ótica do sistema político e econômico
do capitalismo.
Dessa maneira, verificou-se que os discursos d‟A
Cidade Nova acabaram e passam a ter os de venda da região a
partir da perspectiva da “cidade mercadoria”, ou seja, que no
bairro Campeche existe a inteferência do capital financeiro
atuando nesta região. As construções imobiliárias, cada vez
mais presentes no bairro, são os indícios mais visíveis desse
processo de venda de Florianópolis. Ao longo da análise
observou-se no bairro a busca por uma padronização etilizada
253
para uma região até poucas décadas atrás com características
rurais e que acabou tornando a sua paisagem natural como
mercadoria, ou seja, procurou-se expandir o crescimento
urbano e turístico no Campeche. Para tal finalidade, como foi
apresentado na seguinte pesquisa, os empreendimentos
imobiliários utilizaram-se das propagandas como meio de
divulgar esta região com belezas naturais.
Além disso, os eventos analisados mostraram que no
bairro outros lugares de socialização foram criados a partir da
vinda dos turistas e de pessoas de outras regiões do país para a
cidade de Florianópolis. Como foi apresentado o Point do
Riozinho, extensão da Praia do Campeche, que se tornou ponto
de encontro também dos novos moradores da cidade.
Assim, o primeiro capítulo permitiu uma análise sobre o
evento da derrubada do Bar do Chico a partir da pesquisa das
memórias dos envolvidos, apreendidas através da metodologia
da História Oral e da abordagem da História do Tempo
Presente. As entrevistas realizadas desvelam mais do que
informações sobre o acontecimento analisado, constituem
relatos das experiências daqueles que participaram, viveram,
presenciaram ou se inteiraram de situações ligadas ao tema e
que puderam fornecer depoimentos significativos. Ainda umas
das considerações a serem feitas se refere à possibilidade de ter
acesso as testemunhas orais. No caso da entrevista realizada
254
com Seu Chico (2011), o depoimento trouxe informações
preciosas, pois permitiu refletir o que significou o
acontecimento da derrubada do bar para seu proprietário.
Mesmo que suas respostas foram com “desvio” e “silêncio”, foi
possível interpretar a partir desses gestos que era doloroso, para
Seu Chico, narrar a respeito do evento analisado. E ainda, a
partir dos outros entrevistados foi possível compreender os
vários significados do acontecimento analisado.
O segundo capítulo teve como foco central a análise da
retomada do processo inicial de urbanização da Ilha de Santa
Catarina, que permitiu observar o desenvolvimento da
modernização da cidade, apresentando como foco a parte do
centro. Assim, foi possível verificar sobre as características
desse desenvolvimento para a capital catarinense. O Plano
Diretor dos Balneários e Interior da Ilha de 1985 permitiu
observar um primeiro estudo das características da estrutura do
bairro do Campeche na década de 1980. Pois, até então, os
planejamentos urbanos consideravam outras regiões da Ilha
mais interessantes para pensar um ordenamento. A partir do
Plano Diretor de Desenvolvimento da Planície Entremares
para o bairro Campeche, foi possível entender que o processo
de planejamento da urbanização serve como tentativa
ordenadora do espaço físico onde refletir a esse respeito
significa também pensar as consequências ambientais, urbanas
255
e culturais que ocorreram no Campeche enquanto um espaço
com forma rural. Esta tentativa de introduzir o bairro, em uma
proposta de urbanização seria a de organizar um espaço com
novas características físicas, sociais, econômicas, legais e
administrativas. Dessa forma, observou-se que um dos
objetivos dos planos diretores era acabar com as terras de uso
comum e privatizar o espaço, no caso específico, do bairro do
Campeche.
O terceiro capítulo através da problematização das
reminiscências dos depoentes foi possível mostrar significados
atuais ligados à especulação imobiliária, a preservação
ambiental e a dúbia relação entre esta e a modernização e/ou
expansão da urbanização de Florianópolis em direção ao
Campeche. Pois, o capital imobiliário passou a investir no sul
da Ilha de Santa Catarina promovendo o crescimento do bairro
do Campeche que tornou-se destino turístico e residencial.
Nesse sentido foi perceptível o boom imobiliário no Campeche
através da multiplicação de condomínios fechados de alto
padrão.
Portanto, foi possível perceber que as propostas de
transformações dos espaços urbanos, aqui mais
especificamente no bairro, são formadas a partir de embates e
existem contradições nelas. Por isso, o espaço físico das
cidades, passa a ser motivo de disputa de poder entre os grupos
256
ordenadores de propostas de planejamentos para o futuro destas
regiões e os residentes destes locais. O estudo dos planos
diretores de Florianópolis e, no caso o da região da planície do
Campeche - em especial o plano diretor vigente desde o ano de
1989: o Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares
para a região do bairro Campeche - teve como objetivo
compreender que as ações do urbanismo buscavam modernizar
o bairro na ideia de Florianópolis tornar-se a “Capital Turística
do Mercosul” e, para isso, o Campeche alteraria suas estruturas
sociais, culturais e ambientais, porém foi através da
interferência do capital imobiliário, que esta região acabou
tornando-se assim uma mercadoria para venda e/ou para
negociações financeiras.
257
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Verena. Indivíduo e biografia na história oral.
Rio de Janeiro: CPDOC, 2000.
ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro:
Editora da FGV, 2004.
ALBERTI, Verena. Fontes orais: histórias dentro da história.
In: PINSKI, Carla (org). Fontes históricas. São Paulo:
Contexto, 2008.
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. História: a
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BARBOSA, Tereza Cristina Pereira. Entrevista concedida a
Carolina do Amarante. Florianópolis, 14 de jun. de 2015.
Entrevista.
BREGUE DANIEL, Lázaro. Entrevista concedida a Carolina
do Amarante. Florianópolis, 28 de jun. de 2015. Entrevista.
274
DAMASCO, Ademir. Entrevista concedida a Carolina do
Amarante. Florianópolis, 19 de abr. de 2015. Entrevista.
DANIEL, Francisco Alexandrino. Entrevista concedida a
Carolina do Amarante, Hellen Martins Rios e Patrícia
VolkSchatz. Florianópolis, 14 de mai. de 2011. Entrevista.
DA SILVA, Alonita Martinha. Entrevista concedida a Carolina
do Amarante. Florianópolis, 27 de out. de 2014. Entrevista.
FREITAS, Norma. Entrevista concedida a Carolina do
Amarante. Florianópolis, 23 de ago. de 2014. Entrevista.
KAHL, Thiago. Entrevista concedida a Carolina do Amarante.
Florianópolis, 07 de set. de 2014. Entrevista.
MULITERNO, Deise Amarante. Entrevista concedida a
Carolina do Amarante. Florianópolis, 12 de out. de 2014.
Entrevista.
OLIVEIRA, Gabriela Souza de. Entrevista concedida a
Carolina do Amarante. Florianópolis, 13 de abr. de 2014.
Entrevista.
ROCHA, Eduardo Daniel. Entrevista concedida a Carolina do
Amarante. Florianópolis, 30 de ago. de 2012. Entrevista.
SILVA, Ataíde. Entrevista concedida a Carolina do Amarante.
Florianópolis, 28 de mai. de 2015. Entrevista.
SOSTIZZO, Ivo Entrevista concedida a Carolina do Amarante.
Florianópolis, 12 de ago. de 2015. Entrevista.
SOUZA, Ires Buratti de. Entrevista concedida a Carolina do
Amarante. Florianópolis, 11 de abr. de 2015. Entrevista.
275
STAHL, Roberta Barreto Viana. Entrevista concedida a
Carolina do Amarante. Florianópolis, 12 de out. de 2014.
Entrevista.
TAVARES, Elaine. Entrevista concedida a Carolina do
Amarante. Florianópolis, 29 de ago. de 2012. Entrevista.
TORNQUIST, Carmen Susana. Entrevista concedida a
Carolina do Amarante. Florianópolis, 01 de abr. de 2016.
Entrevista.
VAIA, Clarissa de Melo. Entrevista concedida a Carolina do
Amarante. Florianópolis, 27 de out. de 2014. Entrevista.
WIEST, Gabriela. Entrevista concedida a Carolina do
Amarante. Florianópolis, 05 de out. de 2014. Entrevista.
WIGGANIGO, Ana Honorata. Entrevista concedida a Carolina
do Amarante. Florianópolis, 31 de ago. de 2012. Entrevista.
PANFLETOS DE PROPAGANDAS IMOBILIÁRIAS:
Anúncio de venda, do condomínio imobiliário Essence.
Disponível em: <http://essencecampeche.com.br/>. Acesso em:
30 set. 2012.
Propaganda impressa em panfleto da empresa imobiliária Buzz,
inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 7 – Verão
2013. p. 26.
Propaganda do panfleto da empresa imobiliária Buzz,
inteligência imobiliária, ver: Revista Buzz Stile, n° 9 – Outono
de 2014.
276
Propaganda impressa em panfleto da empresa imobiliária Palm
Beach Residence Campeche, ver: Panfleto Venha morar no 1°
Condomínio Clube do Campeche Sul, 2014.
Propaganda impressa em catálogo turístico da Prefeitura de
Florianópolis, ver: Catálogo Florianópolis a cidade mais
querida do Brasil, 2014.
Propaganda impressa em catálogo turístico da SANTUR
(Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte), ver:
Catálogo Santa Catarina, Brasil: melhores destinos, 2014.
Propaganda da revista Ideal Floripa, ver: Revista Ideal Floripa,
n° 13 – 2016.
Propaganda faz parte do panfleto da empresa imobiliária
Construtora da ilha, ver: Catálogo “Construtora da ilha:
material provisório”.
Propaganda do panfleto da empresa imobiliária Punta Ballena:
Beach Residence, ver: Catálogo Punta Ballena: Beach
Residence.
Propaganda do panfleto da empresa imobiliária Reyes
Barreiros, Construções ver: Panfleto Reyes Barreiros,
Construções – Jazz Village I, II, III.
Propaganda do panfleto do condomínio residencial Vila Itararé,
ver: Panfleto Vila Itararé.
REVISTAS:
Revista Viagem e Turismo: Florianópolis, Garopaba e Praia do
Rosa: o Réveillon e o verão mais que maneiros no litoral classe
A de Santa Catarina, o estado campeão do Prêmio VT
2012/2013, dez. 2012.
277
Revista Viagem e Turismo: Guia 101 lugares para ser feliz,
2014 - 2015.
SITES:
Blog Virtual Cacau Menezes, 16 de jul. de 2010.
Blog Virtual Cacau Menezes, 06 de fev. de 2011.
Disponível em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/diario/pdf/13_06_2011_1
7.46.01.6eec266cbad7ad5773992964e4b61bd2.pdf> Acesso
em: 15 jun. 2011.
Disponível em
<sistemas.sc.gov.br/cmf/pesquisa/docs/2006/LPMF/LEI7040_
06.doc> Acesso em: 15 jun. 2011.
Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=EjKaN2HO-NI.>. Acesso
em: 14 ago. 2012.
Disponível em:
<http://www.viagemdeferias.com/florianopolis/praias/leste.php
>. Acesso em: 28 set. 2012.
Blog Elaine Tavares: Palavras Insurgentes. Disponível em:
<http://eteia.blogspot.com.br/2010/07/derrubaram-o-bar-do-
chico-mas-ele.html>. Acesso em: 24 out. 2012.
Disponível em:
<http://www.obaoba.com.br/florianopolis/bar/rio-
tavares/sufocos-bar>. Acesso em: 25 out. 2012.
278
Disponível em:
<http://www.quadropolitico.com.br/DadosCandidato/2715980/
LAzaro-Bregue-Daniel>. Acesso em: 11 nov. 2012.
Disponível em:
<http://wp.clicrbs.com.br/cacaumenezes/2011/02/01/ingressos-
para-o-show-de-ben-harper/?topo=77,2,>. Acesso em: 11 nov.
2012.
Disponível em: <http://revistanaipe.com/na-rua/a-bonanca/>.
Acesso em: 12 nov. 2012.
Disponível em:
<http://www.globalgarbage.org/turmapontocom/2011/02/04/ca
mpeche-se-mobiliza-contra-mega-exploracao/>. Acesso em: 01
mar. 2013.
INSTITUTO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE.
Disponível em: <
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=420
5407>. Acesso em: 21 de mar. de 2016.
Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&
artigo_id=1875 >. Acesso em: 23 mar. 2016.
279
ANEXOS
ROTEIRO DE ENTREVISTAS “A DERRUBADA DO
BAR DO CHICO NO BAIRRO CAMPECHE: EMBATES
DE UMA HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE EM
FLORIANÓPOLIS (1989-2011)”
1- Qual seu nome todo?
2- Quantos anos você tem?
3- Qual a sua profissão?
4- Nasceu em Florianópolis?
5- Mora há quanto tempo no bairro do Campeche?
6- O que pensa das transformações ocorridas no bairro
Campeche (nos últimos dez anos)?
7- O que pensa da quantidade de condomínios construído
no bairro Campeche (nos últimos dez anos)?
8- Acredita que o bairro Campeche vem acompanhando o
crescimento de Florianópolis?
9- O que pensa sobre o acontecimento da derrubada do
Bar do Chico no bairro Campeche?
280
M O D E L O 1
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA -
UDESC
GABINETE DO REITOR
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO
SERES HUMANOS – CEPSH
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO
O (a) senhor(a) está sendo convidado a participar de
uma pesquisa de iniciação científica, de mestrado, intitulada A
derrubada do Bar do Chico no bairro Campeche: embates de
uma História do Tempo Presente em Florianópolis (1990-
2010), que fará entrevista, tendo como objetivo investigar, a
partir da "derrubada do Bar do Chico" em 2010 – no bairro do
Campeche, localizado na cidade de Florianópolis (SC) – a luta
pelo direito à cidade, configurada pela especulação imobiliária
e pelas disputas políticas em Florianópolis, envolvidas no
processo de instalação, derrubada e esforço pela preservação de
sua memória. Com isso, identificar a partir do evento citado as
dinâmicas e consequências das transformações urbanas no
Campeche e assim contribuir para os estudos sobre as cidades
no período contemporâneo de 1990 a 2010. Serão previamente
marcados a data e horário para perguntas, utilizando entrevista.
Estas entrevistas serão realizadas na UDESC/FAED e não
haverá custo nenhum para os participantes. Não é obrigatório
responder a todas as perguntas.
Os riscos destes procedimentos serão mínimos, pois
envolverão entrevistas relacionadas à expansão e ou
crescimento da cidade de Florianópolis em direção ao bairro do
Campeche onde poderá haver emoção e até outras atitudes e ou
gestos por parte dos entrevistados. Porém, por envolver
questões ligadas a partir das memórias dos envolvidos, os
possíveis constrangimentos e dúvidas serão minimizados
281
M O D E L O 1
através do apoio do pesquisador e de esclarecimentos da
pesquisa.
A sua identidade será preservada, pois cada indivíduo
será identificado por um número.
Os benefícios e vantagens em participar deste estudo
serão de caráter indireto, pois apresentará benefícios a
comunidade do bairro Campeche, uma vez que serão
analisadas as sociabilidades que foram se organizando em
torno do Bar do Chico, bem como a cultura ilhéu. Além disso,
a pesquisa permitirá discutir temas como o direito à cidade, a
especulação imobiliária e nas disputas políticas em
Florianópolis.
As pessoas que estarão acompanhando os
procedimentos serão os pesquisadores a estudante de mestrado
Carolina do Amarante, a professora e a pesquisadora
responsável Luciana Rossato, a qual o cpf é: 716.164.110-15; o
telefone para contato é: (48) 9149-9098 e o email é:
[email protected]; e que são historiadores.
O(a) senhor(a) poderá se retirar do estudo a qualquer
momento, sem qualquer tipo de constrangimento.
Solicitamos a sua autorização para o uso de seus dados
para a produção de artigos técnicos e científicos. A sua
privacidade será mantida através da não-identificação do seu
nome.
Este termo de consentimento livre e esclarecido é feito
em duas vias, sendo que uma delas ficará em poder do
pesquisador e outra com o sujeito participante da pesquisa.
Agradecemos a sua participação.
NOME DO PESQUISADOR PARA CONTATO: Carolina do
Amarante
NÚMERO DO TELEFONE: (48) 9621-7337 ou (48) 3237-
4076.
ENDEREÇO: Rua do Gravatá, n° 99, CEP: 88063-530,
Campeche, Florianópolis (SC).
282
M O D E L O 1
ASSINATURA DO PESQUISADOR:
Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos –
CEPSH/UDESC
Av. Madre Benvenuta, 2007 – Itacorubi – Fone: (48)3321-8195
– e-mail: [email protected]
Florianópolis - SC
88035-001
TERMO DE CONSENTIMENTO
Declaro que fui informado sobre todos os
procedimentos da pesquisa e, que recebi de forma clara e
objetiva todas as explicações pertinentes ao projeto e, que
todos os dados a meu respeito serão sigilosos. Eu compreendo
que neste estudo, as medições dos experimentos/procedimentos
de tratamento serão feitas em mim, e que fui informado que
posso me retirar do estudo a qualquer momento.
Nome por extenso ___________________________________
__________________________________________________
Assinatura _________________________________________
Local: __________________ Data: ____/____/____ .
283
M O D E L O 2
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA -
UDESC
GABINETE DO REITOR
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO
SERES HUMANOS – CEPSH
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO
O(a) seu(ua) filho(a)/dependente está sendo convidado
a participar de uma pesquisa de iniciação científica, de
mestrado, intitulada A derrubada do Bar do Chico no bairro
Campeche: embates de uma História do Tempo Presente em
Florianópolis (1990-2010), que fará entrevista, tendo como
objetivo investigar, a partir da "derrubada do Bar do Chico" em
2010 – no bairro do Campeche, localizado na cidade de
Florianópolis (SC) – a luta pelo direito à cidade, configurada
pela especulação imobiliária e pelas disputas políticas em
Florianópolis, envolvidas no processo de instalação, derrubada
e esforço pela preservação de sua memória. Com isso,
identificar a partir do evento citado as dinâmicas e
consequências das transformações urbanas no Campeche e
assim contribuir para os estudos sobre as cidades no período
contemporâneo de 1990 a 2010. Serão previamente marcados a
data e horário para perguntas, utilizando entrevista. Estas
entrevistas serão realizadas na UDESC/FAED e não haverá
custo nenhum para os participantes. Não é obrigatório
responder a todas as perguntas.
Os riscos destes procedimentos serão mínimos, pois envolverão
entrevistas relacionadas à expansão e ou crescimento da cidade
de Florianópolis em direção ao bairro do Campeche onde
poderá haver emoção e até outras atitudes e ou gestos por parte
dos entrevistados. Porém, por envolver questões ligadas a partir
das memórias dos envolvidos, os possíveis constrangimentos e
284
M O D E L O 2
dúvidas serão minimizados através do apoio do pesquisador e
de esclarecimentos da pesquisa.
A identidade do(a) seu(ua) filho(a)/dependente será
preservada, pois cada indivíduo será identificado por um
número.
Os benefícios e vantagens em participar deste estudo
serão de caráter indireto, pois apresentará benefícios a
comunidade do bairro Campeche, uma vez que serão
analisadas as sociabilidades que foram se organizando em
torno do Bar do Chico, bem como a cultura ilhéu. Além disso,
a pesquisa permitirá discutir temas como o direito à cidade, a
especulação imobiliária e nas disputas políticas em
Florianópolis.
As pessoas que estarão acompanhando os
procedimentos serão os pesquisadores a estudante de mestrado
Carolina do Amarante, a professora e a pesquisadora
responsável Luciana Rossato, a qual o cpf é: 716.164.110-15; o
telefone para contato é: (48) 9149-9098 e o email é:
[email protected]; e que são historiadores.
O(a) senhor(a) poderá retirar o(a) seu(ua)
filho(a)/dependente do estudo a qualquer momento, sem
qualquer tipo de constrangimento.
Solicitamos a sua autorização para o uso dos dados
do(a) seu(ua) filho(a)/dependente para a produção de artigos
técnicos e científicos. A privacidade do(a) seu(ua)
filho(a)/dependente será mantida através da não-identificação
do nome.
Este termo de consentimento livre e esclarecido é feito
em duas vias, sendo que uma delas ficará em poder do
pesquisador e outra com o sujeito participante da pesquisa.
Agradecemos a participação do(a) seu(ua)
filho(a)/dependente.
NOME DO PESQUISADOR PARA CONTATO: Carolina do
Amarante
285
M O D E L O 2
NÚMERO DO TELEFONE: (48) 9621-7337 ou (48) 3237-
4076.
ENDEREÇO: Rua do Gravatá, n° 99, CEP: 88063-530,
Campeche, Florianópolis (SC).
ASSINATURA DO PESQUISADOR:
Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos –
CEPSH/UDESC
Av. Madre Benvenuta, 2007 – Itacorubi – Fone: (48)3321-8195
– e-mail: [email protected]
Florianópolis - SC
88035-001
TERMO DE CONSENTIMENTO
Declaro que fui informado sobre todos os
procedimentos da pesquisa e, que recebi de forma clara e
objetiva todas as explicações pertinentes ao projeto e, que
todos os dados a respeito do meu(minha) filho(a)/dependente
serão sigilosos. Eu compreendo que neste estudo, as medições
dos experimentos/procedimentos de tratamento serão feitas em
meu(minha) filho(a)/dependente, e que fui informado que
posso retirar meu(minha) filho(a)/dependente do estudo a
qualquer momento.
Nome por extenso ___________________________________
__________________________________________________
Assinatura _________________________________________
Local: __________________ Data: ____/____/____ .