CARLOS_D

download CARLOS_D

If you can't read please download the document

Transcript of CARLOS_D

Crnicas 1 PARA GOSTAR DE LER PARA GOSTAR DE LER 1 CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE FERNANDO SABINO RUBEM BRAGA PAULO MENDES CAMPOS Humor o que no falta neste livro, que traz crnicas escritas por quem mais entende do assunto: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. s ler estes textos para entender, afinal, o que a crnica. Mas se precisar mesmo de uma definio, fique com esta: crnica um texto to gostoso de ler que d at vontade de escrever. Carlos Drummond de Andrade Fernando Sabino Rubem Braga Paulo Mendes Campos Este livro apresenta os mesmos textos ficcionais das edies anteriores. PARA GOSTAR DE LER 1 CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE FERNANDO SABINO RUBEM BRAGA PAULO MENDES CAMPOS Diretor editorial adjunto Fernando Paixo Editora adjunta Carmen Lucia Campos Reviso Ivany Picasso Batista (coord.) Editora de arte Suzana Laub Editor de arte assistente Antonio Paulos Edio de arte Ilustrao da capa Mrio Cafiero Ilustraes internas Aderbal Moura Colaborao na seleo de textos Edson Lima Gonalves, Francisco Marto de Moura, Icla Mello Gonalves, Ilka Brunhilde Laurito, Jos Inaldo Godoy, Jos Lus Pieroni Rodrigues, Sarah Ortiz Capellari Colaborao na redao de textos Malu Rangel, Margarete Moraes, Wagner D'vila Criao do projeto original da coleo Jiro Takahashi Suplemento de leitura Veio Libri Editorao eletrnica Studio 3 Desenvolvimento Editorial Eduardo Rodrigues

Edio eletrnica de imagens Cesar Wolf 85 08 05289 8 2002 Todos os direitos reservados pela Editora tica Rua Baro de Iguape, 110 - CEP 01507-900 Caixa Postal 2937 - CEP 01065-970 - So Paulo - SP Tel.: 0-11 3346-3000 - Fax: 0-11 3277-4146 Internet: http://www.atica.com.br e-mail: [email protected] Sumrio Amigo estudante 7 Crianas Hora de dormir, Fernando Sabino 11 Menina no jardim, Paulo Mendes Campos 14 No restaurante, Carlos Drummond de Andrade 17 Negcio de menino, Rubem Braga 20 Animais O pintinho, Carlos Drummond de Andrade 25 Histria triste de tuim, Rubem Braga 28 A verdadeira histria de Pio, Paulo Mendes Campos 31 O dia da caa, Fernando Sabino 33 No mundo do consumo Conversa de compra de passarinho, Rubem Braga 41 Aspirador, Fernando Sabino 44 Caso de arroz, Carlos Drummond de Andrade 46 A cesta, Paulo Mendes Campos 48 Tipos humanos Os bons ladres, Paulo Mendes Campos 53 Sers ministro, Carlos Drummond de Andrade 56 Se no me falha a memria, Fernando Sabino 59 O padeiro, Rubem Braga 61 A linguagem e o homem Macacos me mordam, Fernando Sabino 65 Recalcitrante, Carlos Drummond de Andrade 69 Recado ao senhor 903, Rubem Braga 72 Continho, Paulo Mendes Campos 74 Conhecendo os autores 75 Referncias bibliogrficas 85 Amigo estudante Este livro no tem a inteno de ensinar coisa alguma a voc. Nem gramtica nem redao nem qualquer matria includa no programa de sua srie. Ns s queremos convidar voc a descobrir um mundo maravilhoso, dentro do mundo em que voc vive. Este mundo a leitura. Est disposio de qualquer um, mas nem toda gente sabe que ele existe, e por isso no pode sentir o prazer que ele d. Experimente abrir este livro em qualquer pgina onde comea uma crnica. Crnica um escrito de jornal que procura contar ou comentar histrias da vida de hoje. Histrias que podem ter acontecido com todo mundo: at com voc mesmo, com pessoas da sua famlia ou com seus amigos. Mas uma coisa acontecer, outra coisa escrever aquilo que aconteceu. Ento voc notar, ao ler a narrao do fato, como ele ganha um interesse especial, produzido pela escolha e pela arrumao das palavras. E a comea a alegria da leitura, que vai longe. Ela nos faz conferir, pensar, entender melhor o que se passa dentro e fora da gente. Da por diante a leitura ficar sendo um hbito, e esse hbito leva a novas descobertas. Uma curtio. As crnicas sero apenas um comeo. H um infinito de coisas deliciosas que s a leitura oferece, e que voc ir encontrando sozinho, pela vida afora, na leitura de bons livros. Boa sorte, e um abrao para voc, de seus amigos cronistas. Carlos Drummond de Andrade Fernando Sabino Paulo Mendes Campos Rubem Braga

Crianas Hora de dormir Fernando Sabino - Por que no posso ficar vendo televiso? - Porque voc tem de dormir. - Por qu? - Porque est na hora, ora essa. - Hora essa? - Alm do mais, isso no programa para menino. - Por qu? - Porque assunto de gente grande, que voc no entende. - Estou entendendo tudo. - Mas no serve para voc. imprprio. - Vai ter mulher pelada? - Que bobagem essa? Ande, v dormir que voc tem colgio amanh cedo. - Todo dia eu tenho. - Est bem, todo dia voc tem. Agora desligue isso e v dormir. - Espera um pouquinho. - No espero no. - Voc vai ficar a vendo e eu no vou. - Fico vendo no, pode desligar. Tenho horror de televiso. Vamos, obedea a seu pai. - Os outros meninos todos dormem tarde, s eu que durmo cedo. - No tenho nada que ver com os outros meninos: tenho que ver com meu filho. J para a cama. - Tambm eu vou para a cama e no durmo, pronto. Fico acordado a noite toda. - No comece com coisa no, que eu perco a pacincia. - Pode perder. - Deixe de ser malcriado. - Voc mesmo que me criou. - O qu? Isso maneira de falar com seu pai? - Falo como quiser, pronto. - No fique respondendo no: cale essa boca. - No calo. A boca minha. - Olha que eu ponho de castigo. - Pode pr. - Venha c! Se der mais um pio, vai levar umas palmadas. - ... - Quem que anda lhe ensinando esses modos? Voc est ficando muito insolente. - Ficando o qu? - Atrevido, malcriado. Eu com sua idade j sabia obedecer. Quando que eu teria coragem de responder a meu pai como voc faz. Ele me descia o brao, no tinha conversa. Eu porque sou muito mole, voc fica abusando... Quando ele falava est na hora de dormir, estava na hora de dormir. - Naquele tempo no tinha televiso. - Mas tinha outras coisas. - Que outras coisas? - Ora, deixe de conversa. Vamos desligar esse negcio. Pronto, acabou-se. Agora tratar de dormir. - Chato. - Como? Repete, para voc ver o que acontece. - Chato. - Tome, para voc aprender. E amanh fica de castigo, est ouvindo? Para aprender a ter respeito a seu pai. - ... - E no adianta ficar a chorando feito bobo. Venha c. - Amanh eu no vou ao colgio. - Vai sim senhor. E no adianta ficar fazendo essa carinha, no pense que me comove. Anda, venha c. - Voc me bateu... - Bati porque voc mereceu. J acabou, pare de chorar. Foi de leve, no doeu nem nada. Pea perdo a seu pai e v dormir. - ... - Por que voc assim, meu filho? S para me aborrecer. Sou to bom para voc, voc no reconhece. Fao tudo que voc me pede, os maiores sacrifcios. Todo dia trago para voc uma coisa da rua. Trabalho o dia todo por sua causa mesmo e, quando chego em casa para descansar um pouco, voc vem com essas coisas. Ento assim que se faz?

-

... Ento voc no tem pena de seu pai? Vamos! Tome a bno e v dormir. Papai. Que ? Me desculpe. Est desculpado. Deus o abenoe. Agora vai. Por que no posso ficar vendo televiso?

Menina no jardim Paulo Mendes Campos Em seus 14 meses de permanncia neste mundo, a garotinha no tinha tomado o menor conhecimento das leis que governam a nao. Isso se deu agora na praa, logo na chamada Repblica Livre de Ipanema. At ontem ela se comprazia em brincar com a terra. Hoje, de repente, deu-lhe um tdio enorme do barro de que somos feitos: atirou o punhado de p ao cho, ergueu o rosto, ficou pensativa, investigando com ar aborrecido o mundo exterior. Por um momento seus olhos buscaram o jardim procura de qualquer novidade. E a ela descobriu o verde extraordinrio: a grama. Determinada, levantou-se do cho e correu para a relva, que era, v l, bonita, mas j bastante chamuscada pela estiagem. No durou mais que trs minutos seu deslumbramento. Da esquina, um crioulo de bigodes, representante dos Poderes da Repblica, marchou at ela, buscando convenc-la de que estava desrespeitando uma lei nacional, um regulamento estadual, uma postura municipal, ela ia l saber o qu. Diga-se, em nome da verdade, que no dilogo que se travou em seguida, maior violncia se registrou por parte da infratora do que por parte da Lei, um guarda civil feio, mas invulgarmente urbano. - Desce da grama, garotinha - disse a Lei. - Bl bl bli b - protestou a garotinha. - proibido pisar na grama - explicou o guarda. - B b b - retrucou a garotinha com veemncia. - Vamos, desce, vem para a sombra, que melhor. - Buh buh - afirmou a garotinha, com toda razo, pois o sol estava mais agradvel do que a sombra. A insubmisso da garotinha atingiu o clmax quando o guarda estendeu-lhe a mo com a inteno de ajud-la a abandonar o gramado. A gentileza foi revidada com um safano. Dura lex sed lex. - Onde est sua mame? A garotinha virou as costas ao guarda, com desprezo. A essa altura levantou-se do banco, de onde assistia cena, o pai da garota, que a reconduziu, sob chorosos protestos, terra seca dos homens, ao mundo sem relva que o Estado faculta ao ir e vir dos cidados. A prpria Lei, meio encabulada com o seu rigor, tudo fez para que o pai da garotinha se persuadisse de que, se no h mal para que uma brasileira to pequenininha pise na grama, isso de qualquer forma poderia ser um pssimo exemplo para os brasileiros maiores. - Aberto o precedente, os outros fariam o mesmo - disse o guarda com imponncia. - Que fizessem, deveriam faz-lo - disse o pai. - Como? - perguntou o guarda confuso e vexado. - A grama s podia ter sido feita, por Deus ou pelo Estado, para ser pisada. No h sentido em uma relva na qual no se pode pisar. - Mas isso estraga a grama, cavalheiro! - E da? Que tem isso? - Se a grama morrer, ningum mais pode ver ela - raciocinou a Lei. - E o senhor deixa de matar a sua galinha s porque o senhor no pode mais ver ela? O guarda ficou perplexo e mudo. O pai, indignado, chegou perorao: - evidente que a relva s pode ter sido feita para ser pisada. Se morre, porque no cuidam dela. Ou porque no presta. Que morra. Que seja plantado em nossos parques o bom capim do trpico. Ou que no se plante nada. Que se aumente pelo menos o pouco espao dos nossos poucos jardins. O que preciso plantar, seu guarda, uma semente de bom-senso nos sujeitos que fazem os regulamentos. - Buh bah - concordou a menina, correndo em disparada para a grama. - O senhor entende o que ela diz? - perguntou o guarda. - Claro - respondeu o pai. - Que foi que ela disse agora? - No a leve a mal, mas ela mandou o regulamento para o diabo que o carregue. No restaurante Carlos Drummond de Andrade

- Quero lasanha. Aquele anteprojeto de mulher - quatro anos, no mximo, desabrochando na ultraminissaia entrou decidido no restaurante. No precisava de menu, no precisava de mesa, no precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha. O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operao-jantar, que , ou era, da competncia dos senhores pais. - Meu bem, venha c. - Quero lasanha. - Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa. - No, j escolhi. Lasanha. Que parada - lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato: - Vou querer lasanha. - Filhinha, por que no pedimos camaro? Voc gosta tanto de camaro. - Gosto, mas quero lasanha. - Eu sei, eu sei que voc adora camaro. A gente pede uma fritada bem bacana de camaro. T? - Quero lasanha, papai. No quero camaro. - Vamos fazer uma coisa. Depois do camaro a gente traa uma lasanha. Que tal? - Voc come camaro e eu como lasanha. O garom aproximou-se, e ela foi logo instruindo: - Quero uma lasanha. O pai corrigiu: - Traga uma fritada de camaro pra dois. Caprichada. A coisinha amuou. Ento no podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que proibido comer lasanha? Essas interrogaes tambm se liam no seu rosto, pois os lbios mantinham reserva. Quando o garom voltou com os pratos e o servio, ela atacou: - Moo, tem lasanha? - Perfeitamente, senhorita. O pai, no contra-ataque: - O senhor providenciou a fritada? - J, sim, doutor. - De camares bem grandes? - Daqueles legais, doutor. - Bem, ento me v um chinite, e pra ela... O que que voc quer, meu anjo? - Uma lasanha. - Traz um suco de laranja pra ela. Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camaro, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, no foi recusada pela senhorita. Ao contrrio, papou-a, e bem. A silenciosa manducao atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitria do mais forte. - Estava uma coisa, hem? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado. - Sbado que vem, a gente repete... Combinado? - Agora a lasanha, no , papai? - Eu estou satisfeito. Uns camares to geniais! Mas voc vai comer mesmo? - Eu e voc, t? - Meu amor, eu... - Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha. O pai baixou a cabea, chamou o garom, pediu. A, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai no sabia onde se meter. A garotinha, impassvel. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem a, com fora total, o poder ultrajovem. Negcio de menino Rubem Braga Tem dez anos, filho de um amigo, e nos encontramos na praia: - Papai me disse que o senhor tem muito passarinho... - S tenho trs. - Tem coleira? - Tenho um coleirinha. - Virado? - Virado. - Muito velho? - Virado h um ano. - Canta? - Uma beleza. - Manso? - Canta no dedo.

- O senhor vende? - Vendo. - Quanto? - Dez contos. Pausa. Depois volta: - S tem coleira? - Tenho um melro e um curi. - melro mesmo ou vira? - quase do tamanho de uma grana. - Deixa coar a cabea? - Claro. Come na mo... - E o curi? - muito bom curi. - Por quanto o senhor vende? - Dez contos. Pausa. - Deixa mais barato... - Para voc, seis contos. - Com a gaiola? - Sem a gaiola. Pausa. - E o melro? - O melro eu no vendo. - Como se chama? - Brigitte. - Uai, fmea? - No. Foi a empregada que botou o nome. Quando ela fala com ele, ele se arrepia todo, fica todo despenteado, ento ela diz que Brigitte. Pausa. - O coleira o senhor tambm deixa por seis contos? - Deixo por oito contos. - Com a gaiola? - Sem a gaiola. Longa pausa. Hesitao. A irmzinha o chama de dentro d'gua. E, antes de sair correndo, prope, sem me encarar: - O senhor no me d um passarinho de presente, no? Animais O pintinho Carlos Drummond de Andrade Foi talvez de um filme de Walt Disney que nasceu a moda de enfeitar com pintinhos vivos as mesas de aniversrio infantil. Era uma excelente idia, no mundo ideal do desenho animado; conduzida para o mundo concreto dos apartamentos, tambm alcanou xito absoluto. Muitos garotos e garotas jamais tinham visto um pinto de verdade, e queriam com-lo, assim como estava, imaginando ser uma espcie de doce mecnico, mais saboroso. Houve que cont-los e ensinar-lhes noes urgentes de biologia. As senhoras e moas deliciaram-se com a surpresa e gula dos meninos, e foram unnimes em achar os pintos uns amorecos. Mas estes, encurralados num centro de mesa, entre flores que no lhes diziam nada ao paladar, e atarantados por aquele rumor festivo e suspeito, deviam sentir-se absolutamente desgraados. Como a celebrao do aniversrio terminasse, e ningum sabia o que fazer com os pintos, pareceu dona da casa que seria gentil e cmodo oferecer um a cada criana, transferindo assim s mes o problema do destino a dar-lhes. O nico inconveniente da soluo era que havia mais guris do que pintos, e no foi simples convencer aos no contemplados que aquilo era brincadeira para guris ainda bobinhos, e que mocinhas e rapazinhos de nvel mental superior no se preocupam com essas frioleiras. Os pintos, em conseqncia, espalharam-se pela cidade, cada qual com seu infortnio e seu proprietrio exultante. O interesse das primeiras horas continuava a revestir-se de feio ameaadora para a integridade fsica dos recm-nascidos (se que pinto produzido em incubadora realmente nasce). Um deles foi parar num apartamento refrigerado, e posto a um canto da copa, sobre uma caixinha de papelo forrada de flanela. Semeou-se em redor o farelinho malcheiroso que o gerente do armazm recomendara como alimento insubstituvel para pintos tenros, e que (o pai leu na enciclopdia) devia ser, teoricamente, farinha de baleia. A idia da baleia alimentando o pinto encheu o garotinho de assombro, e pela primeira vez o mundo lhe apareceu como um sistema. O pinto sentia um frio horroroso, mas desprezava a flanela, e a todo instante se descobria,

tentando fugir. Procurava algo que ele mesmo no sabia se era calor da galinha ou da criadeira. falta de experincia, dirigiu seus passinhos na direo das saias que circulavam pela copa. As saias nada podiam fazer por ele, seno recoloc-lo em seu ninho, mas o pinto procurava sempre, e piava. O garoto queria carreg-lo, inventava comidas que talvez interessassem quele paladar em formao. No senhor - explicou-lhe a me: - No se pode pegar, no se pode brincar, no se pode dar nada, a no ser farelo e gua. - Nem carinho? - Meu amor, carinho de gente perigoso para bicho pequeno. Mas o pinto, mesmo sem saber, estava querendo era um palmo sujo de terra, com insetos e plantas comestveis, o raio de sol batendo na poa d'gua cada do cu, e companhia sua altura e feio, e, numa casa assim to bonita e confortvel, esses bens no existiam. E piava. A situao comeou a preocupar a dona da casa, que telefonou amiga doadora do pinto: que fazer com ele? - Querida, procure cri-lo com pacincia, e no fim de trs meses bote na panela, antes que vire galo. o jeito. No virou galo, nem caiu na panela. No fim de trs dias, piando sempre e sentindo frio, o pinto morreu. Foi sua primeira e nica manifestao de vida, propriamente dita. O menino queria guard-lo consigo, supondo que, inanimado, o pinto se transformara em brinquedo, manusevel. Foi chamado para dentro, e quando voltou o corpinho havia desaparecido na lixeira. Histria triste de tuim Rubem Braga Joo-de-barro um bicho bobo que ningum pega, embora goste de ficar perto da gente; mas de dentro daquela casa de joo-de-barro vinha uma espcie de choro, um chorinho fazendo tuim, tuim, tuim... A casa estava num galho alto, mas um menino subiu at perto, depois com uma vara de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar e veio baixando at o outro menino apanhar. Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor de entrada para o vento no incomodar, havia trs filhotes, no de joo-de-barro, mas de tuim. Voc conhece, no? De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim capaz de ser o menor. Tem bico redondo e rabo curto e todo verde, mas o macho tem umas penas azuis para enfeitar. Trs filhotes, um mais feio que o outro, ainda sem penas, os trs chorando. O menino levou-os para casa, inventou comidinhas para eles; um morreu, outro morreu, ficou um. Geralmente se cria em casa casal de tuim, especialmente para se apreciar o namorinho deles. Mas aquele tuim macho foi criado sozinho e, como se diz na roa, criado no dedo. Passava o dia solto, esvoaando em volta da casa da fazenda, comendo sementinhas de imbaba. Se aparecia uma visita fazia-se aquela demonstrao: era o menino chegar na varanda e gritar para o arvoredo: tuim, tuim, tuim! s vezes demorava, ento a visita achava que aquilo era brincadeira do menino, de repente surgia a ave, vinha certinho pousar no dedo do garoto. Mas o pai disse: "menino, voc est criando muito amor a esse bicho, quero avisar: tuim acostumado a viver em bando. Esse bichinho se acostuma assim, toda tarde vem procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar pela fazenda um bando de tuins, adeus. Ou voc prende o tuim ou ele vai-se embora com os outros; mesmo ele estando preso e ouvindo o bando passar, voc est arriscado a ele morrer de tristeza". E o menino vivia de ouvido no ar, com medo de ouvir bando de tuim. Foi de manh, ele estava catando minhoca para pescar quando viu o bando chegar; no tinha engano: era tuim, tuim, tuim... Todos desceram ali mesmo em mangueiras, mamonas e num bambuzal, divididos em pares. E o seu? J tinha sumido, estava no meio deles, logo depois todos sumiram para uma roa de arroz; o menino gritava com o dedinho esticado para o tuim voltar; nada. S parou de chorar quando o pai chegou a cavalo, soube da coisa, disse: "venha c". E disse: "o senhor um homem, estava avisado do que ia acontecer, portanto, no chore mais". O menino parou de chorar, porque tinha brio, mas como doa seu corao! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa que foi uma beleza, at o pai confessou que ele tambm estivera muito infeliz com o sumio do tuim. Houve quase um conselho de famlia, quando acabaram as frias: deixar o tuim, levar o tuim para So Paulo? Voltaram para a cidade com o tuim, o menino toda hora dando comidinha a ele na viagem. O pai avisou: "aqui na cidade ele no pode andar solto; um bicho da roa e se perde, o senhor est avisado". Aquilo encheu de medo o corao do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala; a me e a irm no aprovavam, o tuim sujava dentro de casa. Soltar um pouquinho no quintal no devia ser perigoso, desde que ficasse perto; se ele

quisesse voar para longe era s chamar, que voltava; mas uma vez no voltou. De casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim: "que tuim?" perguntavam pessoas ignorantes. "Tuim?" Que raiva! Pedia licena para olhar no quintal de cada casa, perdeu a hora de almoar e ir para a escola, foi para outra rua, para outra. Teve uma idia, foi ao armazm de "seu" Perrota: "tem gaiola para vender?" Disseram que tinha. "Venderam alguma gaiola hoje?" Tinham vendido uma para uma casa ali perto. Foi l, chorando, disse ao dono da casa: "se no prenderam o meu tuim ento por que o senhor comprou gaiola hoje?" O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de rabo curto, no sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto, ia ficar desapontado quando voltasse da escola e no achasse mais o bichinho. "No senhor, o tuim meu, foi criado por mim." Voltou para casa com o tuim no dedo. Pegou uma tesoura: era triste, era uma judiao, mas era preciso; cortou as asinhas; assim o bicho poderia andar solto no quintal, e nunca mais fugiria. Depois foi l dentro fazer uma coisa que estava precisando fazer, e, quando voltou para dar comida a seu tuim, viu s algumas penas verdes e as manchas de sangue no cimento. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e ainda viu o vulto de um gato ruivo que sumia. Acabou-se a histria do tuim. A verdadeira histria de Pio Paulo Mendes Campos No princpio do ano, para amenizar o reincio das aulas, as crianas compraram um pinto na feira. Deram-lhe o nome de Pio. Todos que o antecederam tinham morrido, mas dessa vez residia no edifcio uma senhora que entendia da sobrevivncia de pinto de feira em apartamento perto do mar. Instrudas por ela, as crianas conseguiram manter acesa dentro de Pio a fasca da vida. J de pequenino, mostrou-se pinto esquisito, achegado aos seres humanos e danado de andejo. Piava com monotonia os segundos todos do tempo, como se o chateasse a passagem das horas. Em mudana de casa, passou dois dias subindo e descendo a escada, piando, piando, entre as pernas dos carregadores portugueses. Seu prestgio cresceu com o episdio; era tratado como gente e se orgulhava disso, assumindo um ar vontade e presumido de bpede empenado. Mas acabou me aborrecendo. Como as crianas tinham atingido a irremovvel crise do cachorrinho, acabei cedendo, mas exigindo a extradio de Pio para a casa que o Zanine estava construindo na Barra da Tijuca. Meses depois, ao visitar o amigo, Pio j era quase um galo, branco e bonito, mas extravagante e presunoso. Indiferente ao terreiro, preferia desfilar na sala e na varanda, misturando-se s pessoas, peito estufado, chamando ateno para uma figura que ele queria irresistvel. Mais algum tempo, virou galo mesmo e a no demorou a revelar os indcios neurticos que o agitavam. Pio nunca tinha visto na vida outro ser galinceo. Acreditava-se o nico ente de sua raa, superior e absoluto. Firmou-se na crena carismtica, deu para agredir os homens. Como estes se defendessem com a ponta do sapato, mudou de ttica, bicando-lhes traio a barriga da perna. S respeitava o prprio Zanine, a quem no tinha afeio, mas considerava com gratuidade um aliado no combate contra o mundo. Seguia o dono por todos os cantos, no como um co humilde, mas com a imponncia do chefe de gabinete acompanhando o ministro. Zanine, como aconteceu comigo, embora achasse graa na birutice de Pio, acabou saturado, dando o boboca de presente ao poeta Rubem Braga, que sempre foi um infalvel receptador de aves desajustadas. J se sabe, o Braga um fazendeiro do ar, morando entre hortalias e cajueiros num dcimo terceiro andar de Ipanema. Insolente diante da natureza, Pio fez estragos na horta, desenterrou sementeiras, estraalhou as couves, dando-se ainda petulncia de aborrecer, com relativo escndalo, a filha da cozinheira. Tambm o Braga, achando graa, foi complacente, impedindo que a cozinheira transformasse o doidinho em galo ao molho de cabidela. Mas acabou igualmente cheio, dando Pio ao hortelo portugus, dono de farto galinheiro no subrbio. Antes, contudo, o galo foi colocado diante de um espelho, na esperana geral de que descobrisse o outro, o prximo, o irmo galinceo que ele devia amar como a si mesmo. No quis saber de nada, persistindo na neurose: durante meio minuto encarou a imagem com estupefao, deu-lhe as costas e se foi, nico de sua espcie, dono da pretenso que o inflava da crista sangunea ao facho da cauda. Enfim chegou a hora do galinheiro, quando Pio passaria a viver uma vida normal dentro da comunidade, encontrando na fora do amor a salvao. Pois o bestalho, mal ingressou no harm, matou a bicadas duas galinhas sinceras. E o portugus o comeu. O dia da caa Fernando Sabino

A caada estava marcada para as 7 horas. Desde as 6, porm, Paulo e eu j estvamos de p, aguardando a chegada de seu Chico Caador. - Seu Chico vai trazer as espingardas? - Vai. E cachorro tambm. - Cachorro? Para que cachorro? Olhei com pena meu companheiro de aventura: - Onde voc j viu caada sem cachorro, rapaz? - Ele disse que hoje vai ser s passarinho. - Passarinho para ele codorna, macuco, essas coisas... Em pouco chegava seu Chico, todo animado: - Tudo pronto, meninos? De pronto s tnhamos o corpo. Seu Chico trazia atravessadas s costas duas espingardas de caa e usava um gibo de couro, uma cartucheira, vinha todo fantasiado de caador. Ao seu redor saracoteava um cachorro: - O melhor perdigueiro destas redondezas. Na varanda da fazenda, seu Chico se ps a encher os cartuchos, meticulosamente, usando para isso uns aparelhinhos que trouxera, um saquinho de plvora, outro de chumbo: - Vai haver codorna no almoo para a famlia toda - dizia, entusiasmado. Despedimo-nos comovidos da famlia e partimos atravs do pasto. Seu Chico, compenetrado, ia dando instrues, procurando impressionar: - Parou, esticou o corpo, endureceu o rabo? T amarrado. s esperar o bichinho voar e tacar fogo! - Seu Chico, ns no vamos passar perto daquele touro, vamos? - Aquele touro uma vaca. A vaca levantou a cabea e ficou a olhar-nos, na expectativa. - Por via das dvidas, me d a essa espingarda. Fomos passando com jeito perto da vaca. - Bom dia - disse eu. - Buu - respondeu ela. Ao sop do morro o cachorro se imobilizou. - agora! Me d aqui a espingarda! - Fiquem quietos - comandou seu Chico, num sussurro. - Que foi, seu Chico? No estou vendo nada... Alguma coisa deslizou como um rato por entre o capim rasteiro, levantou vo espadanando as asas. - Fogo! Fogo! Paulo atirou na codorna, eu atirei em seu Chico. - Cuidado! - Que bicho esse? Seu Chico suspirou, resignado: - Era uma codorna. No tem importncia... Olha, quando atirar outra vez, vira o cano pro ar. O chumbo passou tinindo no meu ouvido. No ar ficaram apenas duas fumacinhas. Fomos andando, seu Chico carregou novamente nossas espingardas. Assim que o cachorro se imobilizava, ficvamos quietos, farejando ao redor, canos para o ar. - Vira isso pra l! - Agora! Fogo! Mal tnhamos tempo de ver uma coisa escura desaparecer no cu, como um disco voador. - Assim tambm no vai, seu Chico. No d tempo... - Me d aqui essa espingarda. Deixa eu matar a primeira para mostrar como que . Andamos o dia todo pelo pasto. Nada de caa. - Nem ao menos uma codorninha - suspirava seu Chico, quando o sol comeou a dobrar o cu. - Tem dia que eu mato mais de quinze macucos. Andando, subindo morro, saltando cerca, atravessando valas, pisando em barro, escorregando no capim. O estmago comeou a doer. - Seu Chico, o melhor a gente desistir. Estamos com fome. - Hoje no jantar vocs comem perdiz. Ou eu desisto de ser caador. Sua honra estava em jogo. A tarde avanava e seu Chico perscrutando o pasto, aulando o cachorro. Paulo, sentado num toco - desistira de andar: tirara o sapato e coava o dedo do p. Resolvi tambm fazer uma parada para caar carrapatos. Seu Chico desapareceu numa dobra do terreno. De repente, pum! pum! - era o caador solitrio. Teria acertado desta vez? A vaca de novo. Vinha vindo pachorrentamente pela picada aberta por ela prpria. - Cuidado, Paulo! - preveni. - Olha a vaca. Paulo se voltou para a vaca, que j ia passando ao largo: - Buuu! - fez com desprezo. A vaca se deteve, voltou-se nos flancos e de sbito disparou num pesado galope em sua direo. Paulo deu um salto, abriu a correr, passou por mim como um raio:

- Foge! Foge! Atrs de ns a terra estremecia e a vaca bufava, escavando o cho com as patas. - Seu Chico! Socorro! Em poucos minutos e aos saltos, escorregadelas, trambolhes, cruzamos o terreno que levramos toda a manh a conquistar. J na porteira da fazenda, nos voltamos para ver a vaca, que ficara para trs, entretida com uma touceira de capim. - Devo ter falado algum palavro em lngua de vaca. Em pouco regressava seu Chico, cabisbaixo, desmoralizado, quase chorando: - Errei at em anu. Procuramos consol-lo: - Um dia da caa e outro do caador, seu Chico. Deixou conosco as espingardas e foi-se pelo pasto mesmo, evitando a fazenda e o oprbrio aos olhos dos moradores. Paulo e eu nos covamos, sentados no travo da cerca, quando ambos demos um grito: - Epa! Que aquilo? - Voc viu? Uma caa, uma caa enorme! Um gigantesco galinceo que ao longe ganhava o morro em disparada, sumindo ali, surgindo l - uma cegonha? - Cegonha nada! Uma avestruz! Samos como loucos em perseguio da avestruz. Nas fraldas do morro disparamos o primeiro tiro. - Socorro! - berrou a avestruz. Deu um salto e abriu fuga com suas pernocas longas, morro acima. Ah, se seu Chico nos visse agora! - Pum! - Socorro! E a ave pernalta fugia espavorida, escondendo-se na vegetao. amos no seu encalo, implacveis. - Pum! - trovejava a espingarda. - No! No! - implorava a avestruz na sua fuga, largando penas pelo caminho. A noite veio surpreender-nos do outro lado do morro, j s portas da cidade. Voltamos para a fazenda estropiados, roupas rasgadas, sapatos pesados de barro. Fomos recebidos com alegre expectativa: - E ento? Caaram alguma coisa? - Com seu Chico, nem um passarinho. Mas depois que ele foi embora quase apanhamos uma caa esplndida, uma avestruz deste tamanho... O dono da fazenda ps as mos na cabea: - Minha siriema, que eu mandei vir da Argentina! Imagine o susto da coitadinha! Embarafustamo-nos pela cozinha, completamente derrotados. - Que vamos ter hoje no jantar? - perguntei cozinheira. - Galinha ao molho pardo. - J matou? - No. Empunhei a espingarda com deciso e voltei-me para o galinheiro, mas Paulo cortou-me os passos: - No faa isso! O crime no compensa. E props que na manh seguinte sassemos para caar borboletas. No mundo do consumo Conversa de compra de passarinho Rubem Braga Entro na venda para comprar uns anzis, e o velho est me atendendo quando chega um menino da roa com um burro e dois balaios de lenha. Fica ali, parado, esperando. O velho parece que no o v, mas afinal olha as achas com desprezo e pergunta: "Quanto?" O menino hesita, coando o calcanhar de um p com o dedo de outro: "Quarenta". O homem da venda no responde, vira a cara. Aperta mais os olhos midos para separar os anzis pequenos que eu pedi. Eu me interesso pelo coleiro do brejo que est cantando. O velho: - Esse coleiro especial. Eu tinha aqui um gaturamo que era uma beleza, mas morreu ontem; um bicho que morre toa. Um pescador de bigodes brancos chega-se ao balco, murmura alguma coisa; o velho lhe serve cachaa, recebe, d o troco, volta-se para mim: "O senhor quer chumbo tambm?" Compro uma chumbada, alguns metros de linha. Subitamente ele se dirige ao menino da lenha: - Quer vinte e cinco pode botar l dentro. O menino abaixa a cabea, calado. Pergunto: - Quanto o coleiro?

- Ah, esse no tenho para venda, no... Sei que o velho est mentindo; ele seria incapaz de ter um coleiro se no fosse para venda; miservel como , no iria gastar alpiste e farelo em troca de cantorias. Eu me desinteresso. Peo uma cachaa. Puxo o dinheiro para pagar minhas compras. O menino murmura: "O senhor d trinta..." O velho cala-se, minha nota na mo: - Quanto que o senhor d pelo coleiro? Fico calado algum tempo. Ele insiste: "O senhor diga..." Viro a minha cachaa, fico apreciando o coleiro. - No quer vinte e cinco v embora, menino. Sem responder o menino cede. Carrega as achas de lenha l para os fundos, recebe o dinheiro, monta no burro, vai-se. Foi no mato cortar pau, rachou cem achas, carregou o burro, trotou lguas at chegar aqui, levou 25 cruzeiros. Tenho vontade de ving-lo: - Passarinho d muito trabalho... O velho atende outro fregus, lentamente. - O senhor querendo dar 500 cruzeiros, seu. Por trs dele o pescador de bigodes brancos me faz sinal para no comprar. Finjo espanto: "QUINHENTOS cruzeiros?" - Ainda a semana passada eu rejeitei 600 por ele. Esse coleiro muito especial. Completamente escravo do homem, o coleirinho pe-se a cantar, mostrando suas especialidades. Fao uma pergunta sorna: "Foi o senhor quem pegou ele?" O homem responde: "No tenho tempo para pegar passarinho". Sei disso. Foi um menino descalo, como aquele da lenha. Quanto ter recebido esse menino desconhecido por aquele coleiro especial? - No Rio eu compro um papa-capim mais barato... - Mas isso no papa-capim. Se o senhor conhece passarinho, o senhor est vendo que coleiro esse. - Mas QUINHENTOS cruzeiros? - Quanto que o senhor oferece? Acendo um cigarro. Peo mais uma cachacinha. Deixo que ele atenda um fregus que compra bananas. Fico mexendo com o pedao de chumbo. Afinal digo com a voz fria, seca: "Dou 200 pelo coleiro, 50 pela gaiola". O velho faz um ar de absoluto desprezo. Peo meu troco, ele me d. Quando v que vou saindo mesmo, tem um gesto de desprendimento: "Por 300 cruzeiros o senhor leva tudo". Ponho minhas coisas no bolso. Pergunto onde que fica a casa de Simeo pescador, um zarolho. Converso um pouco com o pescador de bigodes brancos, me despeo. - O senhor no leva o coleiro? Seria intil explicar-lhe que um coleiro do brejo no tem preo. Que o coleiro do brejo , ou devia ser, um pequeno animal sagrado e livre, como aquele menino da lenha, como aquele burrinho magro e triste do menino. Que daqui a uns anos quando ele, o velho, estiver rachando lenha no Inferno, o burrinho, o menino e o coleiro vo entrar no Cu - trotando, assobiando e cantando de pura alegria. Aspirador Fernando Sabino Antes que eu lhe pergunte o que deseja, o gordinho comea a exibir-me uma aparelhagem complicada, ainda na porta da rua. So tubos que se ajustam, fio para ligar na tomada, escovinhas de suco e outros apetrechos. - Entre - ordenei. Ora, acontece que jamais prestei sentido na existncia dos aspiradores de p. Por isso que fui logo cometendo a imprudncia de convidar o gordinho a exibir-se de uma vez no interior da sala. Na porta da rua venta e faz muito p, disse-lhe ainda, tentando um trocadilho infeliz. Entramos os dois, para a tradicional peleja entre comprador e vendedor. Vi o gordinho desdobrar-se, suando, estica o fio, no d at a tomada, arrasta a cadeira um pouco para l, no isso mesmo? assim, com licena, quer limpar esse tapete? um tapete que arrasto comigo h anos, por todos os lugares em que venho morando. J abafou meus passos em dias de inquietao, j recebeu alguns pulos meus de alegria, e manchas de caf, de tempo, de poeira dos sapatos. Pois olhe s - em dois tempos o gordinho ps a engenhoca a funcionar, esfrega daqui e dali, praticamente mudou a cor do meu tapete. - Agora que o senhor vai ver - anunciou, feliz, revelando-me a existncia, dentro do aparelho, de uma sacola onde o p se acumulava. Exibiu-me seu contedo com um sorriso de puro xtase, o tarado. Aquilo me decepcionou: pois se tinha de despejar o p no lixo, por que no recolh-lo de uma vez com a vassoura? Evidente burrice da minha parte - o gordinho devia estar pensando: com certeza eu esperava que o p se volatilizasse dentro do aspirador, num passe de mgica? Deixei que ele me enumerasse as outras aplicaes do miraculoso aparelho: servia para escovar um terno, por exemplo, quer ver? E voltou para mim o cano da arma, que num terrvel chupo quase me leva a manga do palet.

- Serve tambm para massagens. Com sua licena - e passou-me no rosto a ponta do tubo. Minha pele foi repuxada sob a improvisada ventosa, deslocando-se ruidosamente num violento beijo de cavalo. - Basta! - protestei: - Estou convencido. Compro o aspirador. - E digo mais - prosseguiu ele, sem me ouvir: - Serve para refrescar o ambiente. Duvida? E s virar ao contrrio... - No duvido no. J est comprado. - ... e funciona como um perfeito ventilador. Fui buscar o dinheiro, paguei e despedi sumariamente o gordinho que, perplexo, continuava ainda a recitar sua lio: - Aspira o p dos lugares mais inacessveis: aspira atrs das estantes, aspira cinzeiros, aspira... - Obrigado, obrigado - e fechei a porta atrs dele. Passei o resto da tarde me distraindo com a nova aquisio. De todas as maneiras: aspirei cinzeiros, estofados, cortinas, ternos, aspirei atrs das estantes, fiz desaparecer, at o ltimo gro, o p existente na casa. Ento tentei retirar das entranhas do aspirador a tal sacola, como o gordinho me havia ensinado. Para meu jbilo, estava bojuda como um balo. S no me lembrei foi de desligar o aparelho que, como ele me havia ensinado tambm, virado ao contrrio funciona como um perfeito ventilador: de sbito, explode no ar uma bomba de p acumulado. Tudo voltou ao que era dantes, fui cozinha buscar uma vassoura. s p e em p reverters - pensei comigo. Caso de arroz Carlos Drummond de Andrade E assim aquela eficiente dona-de-casa do Leblon resolveu o problema do arroz, do feijo, da carne e de outras preciosidades da nossa era: mudando de mercearia. - No! - exclamou a amiga. No v me dizer que Nossa Senhora Aparecida desceu por aqui e montou um supermercado. Milagre no vale! Pois no era milagre, quem falou nisso? Era apenas a Federao, que divide (e rene) o Brasil em naes autnomas, com seus recursos econmicos e seu comrcio prprios. Os novos fornecedores de Dona Araci ficam ali no Estado do Rio. No precisamente no bairro em que ela mora, mas o casal comprou um carrinho paulista, e o marido de Dona Araci um amor: concordou em ir de lotao para o escritrio. Ela pegou os dois garotos, botou-os no carro e tocou para o Pas da Fartura, Caxias chamado: - Vocs do um passeio e me ajudam a carregar os sacos. O merceeiro de Caxias vendeu a Dona Araci umas duas arrobas de magnificente arroz, mas ponderou-lhe, com o saber de experincias feito: - Madame no passa na barreira com esse sortimento. O mximo permitido so cinco quilos. - No seja por isso. Trouxe fronhas em quantidade, e vou transformar meus feijes e meu arroz em travesseiros para os meninos repousarem a cabea - retrucou-lhe a precavida senhora. Assim foi feito, e, de novo com o p na tbua, a famlia voltou muito feliz para o Pas do Estem-Falta, conhecido tambm por Guanabara. Junto barreira, a fila de caminhes e automveis era longa, e os guardas procediam a uma investigao cabal. A Alfndega de Nova York no seria mais rigorosa, ao farejar entorpecentes ou engenhos nucleares. Alguns veculos retrocediam, e de outros os motoristas retiravam pacotes condenados, que eram entregues lei, na pessoa de seus agentes implacveis. - Qual, no atravesso esse muro de Berlim - suspirou Dona Araci, desanimada. Eles fazem at radiografia da gente. Nisso apareceu um cortejo fnebre, que os guardas deixaram passar sem formalidades, dando-lhe preferncia, e Dona Araci no teve dvida: incorporou-se a ele, recomendando aos garotos: - Vocs a: faam cara triste! E l se foi o enterro, enorme. Que defunto seria aquele, to estimado, a julgar pelo nmero de acompanhantes, pelas fisionomias compungidas? Eis que aparece o cemitrio, na curva da estrada, e de sbito o imenso acompanhamento deixa o carro morturio quase sozinho, com um ou dois carros na retaguarda, e toca para o Rio. Os motoristas interpelam-se aos gritos: - Quantos quilos voc trouxe? - E voc? - E voc? Dona Araci no chegou a apurar quem era o morto a que prestara aquela homenagem de emergncia. Os outros tambm no sabiam. E da, talvez o caixo no contivesse nenhum defunto, quem sabe? A cesta Paulo Mendes Campos Quando a cesta chegou, o dono no estava. Embevecida, a mulher recebeu o presente.

Procurou logo o carto, leu a dedicatria destinada ao marido, uma frase ao mesmo tempo amvel e respeitosa. Quem seria? Que amigo seria aquele que estimava tanto o marido dela? Aquela cesta, sem dvida nenhuma, mesmo a uma olhada de relance custava um dinheiro. Como que ela nunca tivera notcia daquele nome? Ricos presentes s as pessoas ricas recebem. Eles eram remediados, viviam de salrios, sempre inferiores ao custo das coisas. Sim, o marido, com o protesto dela, gostava de bons vinhos e boa mesa, mas isso com o sacrifcio das verbas reservadas a outras utilidades. De qualquer forma, aquela cesta monumental chegava em cima da hora. E se fosse um engano? No, felizmente o nome e o sobrenome do marido estavam escritos com toda a clareza e o endereo estava certo. Alvoroada, examinou uma a uma as peas envoltas em flores e serpentinas de papel colorido. Garrafas de usque escocs, champanha francs, conhaque, vinhos europeus, pt, licores, caviar, salmo, champignon, uma lata de caranguejos japoneses... Tudo do melhor. Mulher prudente, surripiou umas garrafas e escondeu-as nas gavetas femininas do armrio. Conhecia de sobra a generosidade do marido: vista daquela cesta farta, iria convidar todo o mundo para um devastador banquete. Isto no tinha nem conversa, era to certo quanto dois e dois so quatro. Mas quem seria o amigo? Esperou o regresso do marido, morrendo de curiosidade. E ei-lo que chega, ao cair da noite, cansado, sobraando duas garrafas de vinho espanhol, uma garrafa de usque engarrafado no Brasil, um modesto embrulho de salgadinhos. Caiu das nuvens ao deparar com a gigantesca cesta. Plido de espanto, no tanto pelo valor material do presente (era um sentimental), mas pelo valor afetivo que o mesmo significava, comeou a ler o carto que a mulher lhe estendia. Houve um longo minuto de densa expectativa, quando, terminada a leitura, ele enrugou a testa e se concentrou no esforo de recordar. A mulher perguntava aflita: - Quem ? Mais da metade da esperana dela desabou com a desolada resposta: - Esta cesta no para mim. - Como assim? Voc anda ultimamente precisando de fsforo. - No minha. - Mas olhe o endereo: o nosso! O nome o seu. - O meu nome no s meu. H um banqueiro que tem o nome igualzinho. Est na cara que isto cesta pra banqueiro. - Mas, o endereo? - Deve ter sido procurado na lista telefnica. Ela no queria, nem podia, acreditar na possibilidade do equvoco. - Mas faa um esforo. - No conheo quem mandou a cesta. - Talvez um amigo que voc no v h muito tempo. - No adianta. - Voc no teve um colega que era muito rico? - O nome dele completamente diferente. E ficou pobre! - Pense um pouco mais, meu bem. Novo esforo foi feito, mas a recordao no veio. Ela apelou para a hiptese de um admirador. Afinal, ele era um grande escritor, autor de um romance que fizera sucesso e de um livro para crianas, que comovera leitores grandes e pequenos. - Um f, quem sabe um f? - Mulher, deixa de bobagens... Que f coisa nenhuma! - Pode ser sim! Voc muito querido pelos leitores. A idia o afagou. Bem, era possvel. Mas, em hiptese nenhuma, ficaria com aquela cesta, caso no estivesse absolutamente certo de que o presente lhe pertencia. - Sou um homem de bem! Era um homem de bem. Pegou o catlogo, procurou o telefone do homnimo banqueiro, falou diretamente com ele depois de alguma demora: no muito fcil um desconhecido falar a um banqueiro. A, a mulher ouviu com os olhos arregalados e marejados: - Pode mandar buscar a cesta imediatamente. O senhor queira desculpar se minha mulher desarrumou um pouco a decorao. Mas no falta nada. A mulher foi l dentro, quase chorando, e voltou com umas garrafas nas mos. - Eu j tinha escondido estas. - Voc de morte. Coloque as garrafas na cesta. Vinte minutos depois, um carro enorme parava porta, subindo um motorista de uniforme. A cesta engalanada cruzou a rua e sumiu dentro do automvel. Ele sorria, filosoficamente. Dos olhos da mulher j agora corriam lgrimas francas. Quando o carro desapareceu na esquina, ele passou o brao em torno do pescoo da mulher: - Que papelo, meu bem! Voc ficou olhando para aquela cesta como se estivesse assistindo sada de meu enterro. E ela, passando um leno nos olhos:

- s vezes duro ser casada com um homem de bem. Tipos humanos Os bons ladres Paulo Mendes Campos Morando sozinha e indo cidade em um dia de festa, uma senhora de Ipanema teve a sua bolsa roubada, com todas as suas jias dentro. No dia seguinte, desesperada de qualquer eficincia policial, recebeu um telefonema: - a senhora de quem roubaram a bolsa ontem? - Sim. - Aqui o ladro, minha senhora. - Mas como o... senhor descobriu o meu nmero? - Pela carteira de identidade e pela lista. - Ah, verdade. E quanto quer para devolver meus objetos? - No quero nada, madame. O caso que sou um homem casado. - Pelo fato de ser casado, no precisa andar roubando. Onde esto as minhas jias, seu sujeito ordinrio? - Vamos com calma, madame. Quero dizer que s ontem, por um descuido meu, minha mulher descobriu quem eu sou realmente. A senhora no imagina o meu drama. - Escute uma coisa, eu no estou para ouvir graolas de um ladro muito descarado... - No graola, madame. O caso que adoro minha mulher. - E por que o senhor est me contando isso? O que me interessa so as jias e a carteira de identidade (d um trabalho danado tirar outra), e no tenho nada com a sua vida particular. Quero o que meu. - Claro, madame, claro. Estou lhe telefonando por isso. Imagine a senhora que minha mulher falou que me deixa imediatamente se eu no regenerar... - Coitada! Ir numa conversa dessas. - Pois eu prometi nunca mais roubar em minha vida. - E ela bancou a pateta de acreditar? - Acho que no. Mas o que eu prometo, cumpro; sou um homem de palavra. - Um ladro de palavra, essa fina. As minhas jias naturalmente o senhor j vendeu. - Absolutamente, esto em meu poder. - E quanto quer por elas? Diga logo. - No vendo, madame, quero devolv-las. Infelizmente, minha mulher disse que s acreditaria em minha regenerao se eu lhe devolvesse as jias. Depois ela vai lhe telefonar para checar. - Pois fique sabendo que estou gostando muito de sua senhora. Pena uma pessoa de tanto carter casada com um... homem fora-da-lei. - tambm o que eu acho. Mas gosto tanto dela que estou disposto a qualquer sacrifcio. - Meus parabns. O senhor vai trazer-me as jias aqui? - Isso nunca. A senhora podia fazer uma suja. - Uma o qu? - A senhora, com o perdo da palavra, podia chamar a polcia. - Prometo que no chamo, no por sua causa, por causa de sua senhora. - Vai me desculpar, madame, mas nessa eu no vou. - Tambm sou uma mulher de palavra. - O caso, madame, que ns, os desonestos, no acreditamos na palavra dos honestos. - T. Mas como o senhor pretende fazer, ento? - Estou bolando um jeito de lhe mandar as jias sem perigo para mim e sem que outro ladro possa roub-las. A senhora no tem uma idia? - O senhor entende mais disso do que eu. - verdade. Tenho um plano: eu lhe mando umas flores com as jias dentro dum pequeno embrulho. - No seria melhor eu encontr-lo numa esquina? - Negativo! Tenho o meu pudor, madame. - Mas no h perigo de mandar coisa de tanto valor por uma casa de flores? - No. Vou seguir o entregador a uma certa distncia. - Ento, fico esperando. No se esquea da carteira. - Dentro de vinte minutos est tudo a. - Sendo assim, muito agradecida e lembranas para a sua senhora. Dentro do prazo marcado, um menino confirmava que, em certas ocasies, at os ladres mandam flores e jias. Sers ministro Carlos Drummond de Andrade - Esse vai ser ministro - sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu.

- E voc, com esse ordenado micho de servente, tem l poder pra fazer nosso filho ministro? duvidou a me. - Ento, s porque meu ordenado micho ele no pode ser ministro? A Rdio Nacional deu que Abrao Lincoln trabalhava de cortar lenha no mato, e chegou a presidente dos Estados Unidos. - Isso foi nos Estados Unidos. - E da? Nem eu estou querendo tanto pra ele. S quero uma de Ministro. - Tonzinho, deixa isso pra l. - Pra comear, a gente convida o Ministro pra padrinho dele. - O Ministro no vai aceitar. - No vai por qu? Trabalho no gabinete h dois anos. - Ele muito importante, filho. - Por isso mesmo. Com padrinho importante, o garotinho comea logo a ser importante. - O Ministro to ocupado, voc mesmo diz. V l se tem tempo pra batizar filho de pobre. - Pois sim. Ele me trata com toda a considerao, de igual pra igual. Hoje mesmo eu fao o convite. Fez. O Ministro no pde comparecer, mas enviou representante. Era quase a mesma coisa. Na hora de dizer o nome do menino, o pai no vacilou; disse bem sonoro: - Ministro. - Como? - estranhou o padre. - Ministro, sim senhor. A mulher ia atalhar: "Tonzinho, no foi Antnio de Ftima que a gente combinou?" mas era tarde. No cartrio, tambm estranharam: - Ministro por qu? - Porque eu escolhi. Acho lindo. - No nome prprio. - Pois eu c acho muito prprio. No tem a uma famlia chamada Ministrio, alis com pessoas distintas, mdicos, dentistas, etc.? - Tem. - Pois ento. Meu filho Ministro, s isso. Ministro Alves da Silva, futuro cidado til Ptria. Tem alguma coisa demais? O garoto registrou-se. Cresceu. Na escola, a princpio achavam-lhe graa no nome. Parecia apelido. Depois, o costume. H nomes mais estranhos. Ministro no era o primeiro da classe, tambm no foi dos ltimos. J moo, o leque das opes no se abriu para ele. Entre o ofcio sem brilho e o andar trreo da burocracia, acabou sendo, como o pai, servente de repartio. Promovido a contnuo. - Eu no disse? - festejou o pai. - Comeou a subir. O mximo que subiu foi trabalhar no gabinete do Ministro. - Ministro, o Sr. Ministro est chamando. - Ministro, j providenciou o cafezinho do Sr. Ministro? - Sabe quem telefonou pra voc, Ministro? A senhora do Sr. Ministro. Diz que voc prometeu ir l consertar umas goteiras e esqueceu. - Ministro! Roncando na hora do expediente?! Comearam os equvocos: - Telefonema para o Ministro. - Qual? O Ministro ou o Sr. Ministro? - Este Ministro um cretino! Me fez esperar uma hora nesta poltrona! - Perdo, Deputado, o senhor est ofendendo o Sr. Ministro. - Eu? Eu? Estou me referindo a esse animal, esse... At que se apurasse que o animal era Ministro, o contnuo - que confuso! O Ministro de Estado, ciente da confuso, recomendou ao assessor: - Faa esse homem trocar de nome. - Impossvel, Sr. Ministro. o seu ttulo de honra. - Ento suma com ele da minha vista. Mandaram-no para uma vaga repartio de vago departamento. Queixou-se ao pai, aposentado, que isso de se chamar Ministro no conduz a grandes coisas e pode at atrasar a vida. - Ora, meu filho, hoje no bueiro, amanh no Po de Acar. E voc no tem de que se queixar. Num momento em que tanta gente importante sua a camisa pra ser Ministro, e fica olhando pro cu pra ver se baixa um signo do astral, voc j , voc sempre foi Ministro, de nascena! de direito! E no depende de governo nenhum pra continuar a ser, at a morte! Abraaram-se, chorando. Se no me falha a memria Fernando Sabino Memria boa tinha aquele velho. Correu os olhos pelo cartrio onde eu era escrivo e veio direto minha mesa:

- Sr. Escrivo, meus respeitos - fez um salamaleque: - Queria que o senhor me desse informaes sobre um inventrio. - s suas ordens - e retribu o cumprimento: - Inventrio de quem? - J lhe digo o nome do falecido. Minha memria ainda das melhores - apesar de ter sofrido uma comoo cerebral h poucos dias, ainda no estou inteiramente bom. Espera a, deixa eu ver... Sou advogado h mais de quarenta anos, no esqueo o nome de um constituinte, vivo ou morto. Hoje em dia... Benvindo! - Como? O nome do falecido era Benvindo. Isto! Benvindo Lopes. Marido da minha cozinheira. Faleceu h pouco tempo. Ela j no est boa da cabea e se eu no me lembrasse o nome do marido dela, quem que haveria de lembrar? Levindo Lopes. - O senhor disse Benvindo. - Eu disse Benvindo? Veja o senhor! - Levindo ou Benvindo? Ele ficou pensativo um instante: - Benvindo seja - respondeu afinal, muito srio. Depois de verificar no fichrio, expliquei-lhe que deveria trazer uma petio. O velho agradeceu e saiu, assegurando-me que sim, no esqueceria. Nem dez minutos haviam decorrido e tornou a surgir na porta: - Sr. Escrivo, j que o senhor ainda h pouco foi to amvel, e sem querer abusar, posso lhe pedir uma informao? sobre um inventrio, esqueci de lhe dizer. Minha memria muito boa, mas sofri h dias uma comoo cerebral... - O senhor me disse - sorri-lhe, solcito: - Qual o inventrio, desta vez? - Inventrio de... de... No v o senhor? A minha cozinheira... O marido dela. - Benvindo Lopes? - Isso! Benvindo Lopes. Como que o senhor sabe? - O senhor j me tinha dito. - Mas sim senhor! Vejo que tambm tem boa memria. Tornei a explicar-lhe a mesma coisa, isto , que deveria trazer uma petio. No esquecesse. - No, no me esqueo. Agradeceu e se afastou. Deteve-se a meio caminho da porta. - Veja o senhor! J ia me esquecendo do motivo principal que me trouxe aqui: a minha cozinheira, que est mais velha do que eu, perdeu o marido h pouco tempo e estou cuidando do inventrio dele... - Sabe o nome do falecido? - perguntei, sem me alterar. - Como no? Minha memria ainda funciona, para nomes ento, principalmente. Ora, pois. Levindo no sei o qu... - No ser Benvindo? - Isso! Benvindo... Benvindo Lopes, se no me engano. - Este nome no me estranho - limitei-me a murmurar. O padeiro Rubem Braga Levanto cedo, fao minhas ablues, ponho a chaleira no fogo para fazer caf e abro a porta do apartamento -mas no encontro o po costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da vspera sobre a "greve do po dormido". De resto no bem uma greve, um lock-out, greve dos patres, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu caf da manh com po dormido conseguiro no sei bem o que do governo. Est bem. Tomo o meu caf com po dormido, que no to ruim assim. E enquanto tomo caf vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o po porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para no incomodar os moradores, avisava gritando: - No ningum, o padeiro! Interroguei-o uma vez: como tivera a idia de gritar aquilo? "Ento voc no ningum?" Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha l de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "no ningum, no senhora, o padeiro". Assim ficara sabendo que no era ningum... Ele me contou isso sem mgoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu no quis det-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu tambm, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redao de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saa j levando na mo um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da mquina, como po sado do forno.

Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E s vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, alm de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crnica ou artigo com o meu nome. O jornal e o po estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu corao eu recebi a lio de humildade daquele homem entre todos til e entre todos alegre; "no ningum, o padeiro!" E assobiava pelas escadas. A linguagem e o homem Macacos me mordam Fernando Sabino Morador de uma cidade do interior de Minas me deu conhecimento do fato: diz ele que h tempos um cientista local passou telegrama para outro cientista, amigo seu, residente em Manaus: "Obsquio providenciar remessa 1 ou 2 macacos". Necessitava ele de fazer algumas inoculaes em macaco, animal difcil de ser encontrado na localidade. Um belo dia, j esquecido da encomenda, recebeu resposta: "Providenciada remessa 600 restante seguir oportunamente". No entendeu bem: o amigo lhe arranjara apenas um macaco, por seiscentos cruzeiros? Ficou aguardando, e s foi entender quando o chefe da estao veio comunicar-lhe: - Professor, chegou sua encomenda. Aqui est o conhecimento para o senhor assinar. Foi preciso trem especial. E acrescentou: - macaco que no acaba mais! Ficou aterrado: o telgrafo errara ao transmitir "1 ou 2 macacos", transmitira "1 002 macacos"! E na estao, para comear, nada menos que 600 macacos engaiolados aguardavam desembarao. Telegrafou imediatamente ao amigo: "Pelo amor Santa Maria Virgem suspenda remessa restante". Ia para a estao, mas a populao local, surpreendida pelo acontecimento, j se concentrava ali, curiosa, entusiasmada, apreensiva: - O que ser que o professor pretende com tanto macaco? E a macacada, impaciente e faminta, aguardava destino, empilhada em gaiolas na plataforma da estao, divertindo a todos com suas macaquices. O professor no teve coragem de aproximar-se: fugiu correndo, foi se esconder no fundo de sua casa. noite, porm, o agente da estao veio desentoc-lo: - Professor, pelo amor de Deus vem dar um jeito naquilo. O professor pediu tempo para pensar. O homem coava a cabea, perplexo: - Professor, ns todos temos muita estima e muito respeito pelo senhor, mas tenha pacincia: se o senhor no der um jeito eu vou mandar trazer a macacada para sua casa. - Para minha casa? Voc est maluco? O impasse prolongou-se ao longo de todo o dia seguinte. Na cidade no se comentava outra coisa, e os ditos espirituosos circulavam: - Macacos me mordam! - Macaco, olha o teu rabo. noite, como o professor no se mexesse, o chefe da estao convocou as pessoas gradas do lugar: o prefeito, o delegado, o juiz. - Mandar de volta por conta da Prefeitura? - A Prefeitura no tem dinheiro para gastar com macacos. - O professor muito menos. - J esto famintos, no sei o que fazer. - Matar? Mas isso seria uma carnificina! - Nada disso - ponderou o delegado: - Dizem que macaco guisado um bom prato... Ao fim do segundo dia, o agente da estao, por conta prpria, no tendo outra alternativa, apelou para o ltimo recurso - o trgico, o espantoso recurso da ptria em perigo: soltar os macacos. E como os habitantes de Leide durante o cerco espanhol, soltando os diques do Mar do Norte para salvar a honra da Holanda, mandou soltar os macacos. E os macacos foram soltos! E o Mar do Norte, alegre e sinistro, saltou para a terra com a braveza dos touros que saltam para a arena quando se lhes abre o curral - ou como macacos saltam para a cidade quando se lhes abre a gaiola. Porque a macacada, alegre e sinistra, imediatamente invadiu a cidade em pnico. Naquela noite ningum teve sossego. Quando a mocinha distrada se despia para dormir, um macaco estendeu o brao da janela e arrebatou-lhe a camisola. No botequim, os fregueses da cerveja habitual deram com seu lugar ocupado por macacos. A bilheteira do cinema, horrorizada, desmaiara, ante o brao cabeludo que se estendeu atravs das grades para adquirir uma entrada. A partida de sinuca foi interrompida porque de sbito despregou-se do teto ao pano verde um macaco e fugiu com a bola sete. Ai de quem descascasse preguiosamente uma banana! Antes de lev-la boca um brao de macaco sado no se sabia de onde a surrupiava. No barbeiro, houve um momento em que no restava uma s

cadeira vaga: todas ocupadas com macacos. E houve tambm o clebre macaco em casa de louas, nem um s pires restou intacto. A noite passou assim, em polvorosa. Caadores improvisados se dispuseram a acabar com a praga - e mais de um esquivo notvago correu risco de levar um tiro nas suas esquivanas, confundido com macaco dentro da noite. No dia seguinte a situao perdurava: no houve aula na escola pblica, porque os macacos foram os primeiros a chegar. O sino da igreja badalava freneticamente desde cedo, apinhado de macacos, ainda que o vigrio houvesse por bem suspender a missa naquela manh, porque havia macaco escondido at na sacristia. Depois, com o correr dos dias e dos macacos, eles foram escasseando. Alguns morreram de fome ou caados implacavelmente. Outros fugiram para a floresta, outros acabaram mesmo comidos ao jantar, guisados como sugerira o delegado, nas mesas mais pobres. Um ou outro surgia ainda de vez em quando num telhado, esqulido, assustado, com bandeirinha branca pedindo paz molecada que o perseguia com pedras. Durante muito tempo, porm, sua presena perturbadora pairou no ar da cidade. O professor no chegou a servir-se de nenhum para suas experincias. Cara doente, nunca mais pusera os ps na rua, embora durante algum tempo muitos insistissem em visit-lo pela janela. Vai um dia, a cidade j em paz, o professor recebe outro telegrama de seu amigo em Manaus: "Seguiu resto encomenda". No teve dvidas: assim mesmo doente, saiu de casa imediatamente, direto para a estao, abandonou a cidade para sempre, e nunca mais se ouviu falar nele. Recalcitrante Carlos Drummond de Andrade O trocador olhou, viu, no aprovou. Daquele passageiro, escanchado placidamente no banco lateral, escorria um fio de gua que ia compondo, no piso do nibus, a microfigura de uma piscina. - Ei, moo, quer fazer o favor de levantar? O moo (pois ostentava barba e cabeleira amaznica, sinais indiscutveis de mocidade), nemte-ligo. O trocador esfregou as mos no rosto, em gesto de enfado e desnimo, diante de situao tantas vezes enfrentada, e murmurou: - Estes caras so de morte. Devia estar pensando: Todo ano a mesma coisa. Chegando o vero, chegam problemas. Bem disse o Dario, quando fazia gol no Atltico Mineiro: Problemtica demais. Estava cansado de advertir passageiros que no aprendem como viajar em coletivo. No aprendem e no querem aprender. Tendo comprado passagem por 65 centavos, acham que compraram o nibus e podem fazer dele casa-da-peste. Mas insistiu: - Moo! moo! Nada. Dormia? Olhos abertos, pernas cabeludas ocupando cada vez mais espao, ouvia e no respondia. Era preciso tomar providncia: - O senhor a, cavalheiro, quer cutucar o brao do distinto, pra ele me prestar ateno? O cavalheiro, v l se ia se meter numa dessas. Ignorou, olmpico, a marcha do caso terrestre. Embora sem surpresa, o cobrador coou a cabea. Sabia de experincia prpria que passageiro nenhum quer entrar numa fria. Ficam de camarote, espiando o circo pegar fogo. Teve pois que sair do seu trono, pobre trono de trocador, fazendo a difcil ginstica de sempre. Bateu no ombro do rapaz: - Vamos levantar? O outro mal olhou para ele, do longe de sua distncia espiritual. Insistiu: - Como , no levanta? - Estou bem aqui. - Eu sei, mas preciso levantar. - Levantar pra qu? - Pra qu, no. Por qu. Seu calo est molhado de gua do mar. - Tem certeza que gua do mar? - T na cara. - Como t na cara? Analisou? Forrou-se de pacincia para responder: - Olha, o senhor est de calo de banho, o senhor veio da praia, que gua pode ser essa que est pingando se no for gua do mar? S se... - Se o qu? - Nada. - Vamos, diz o que pensou. - No pensei nada. Digo que o senhor tem de levantar porque seu calo est ensopado e vai fazendo uma lagoa a embaixo. - E da? - Da, que proibido. - Proibido suar?

- Claro que no. - Pois eu estou suando, sabe? No posso suar sentado, com esse caloro de janeiro? Tenho que suar de p? - Nunca vi suar tanto na minha vida. Desculpe, mas a portaria no permite. - Que portaria? - Aquela pregada ali, no est vendo? "O passageiro, ainda que com roupa sobre as vestes de banho molhadas, somente poder viajar de p". - Portaria nenhuma diz que o passageiro suado tem que viajar de p. Papo findo, t bom? - O senhor est desrespeitando a portaria e eu tenho que convidar o senhor a descer do nibus. - Eu, descer porque estou suado? Sem essa. - O nibus vai parar e eu chamo a polcia. - A polcia vai me prender porque estou suando? - Vai botar o senhor pra fora porque um... recalcitrante. O passageiro pulou, transfigurado: - O qu? Repita, se for capaz. - Re... calcitrante. - Te quebro a cara, ouviu? No admito que ningum me insulte! - Eu? No insultei. - Insultou, sim. Me chamou de ru. Ru no sei o qu, calcitrante, sei l o que isso. Retira a expresso, ou l vai bolacha. - Mas a portaria! A portaria que diz que o recalcitrante... - No tenho nada com a portaria. Tenho com voc, seu cretino. Retira j a expresso, ou... Retira no retira, o nibus chegou ao meu destino, e eu paro infalivelmente no meu destino. Fiquei sem saber que conseqncias fsicas e outras teve o emprego da palavra "recalcitrante". Recado ao senhor 903 Rubem Braga Vizinho Quem fala aqui o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua prpria visita pessoal - devia ser meia-noite - e a sua veemente reclamao verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razo. O regulamento do prdio explcito e, se no o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polcia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e impossvel repousar no 903 quando h vozes, passos e msicas no 1003. Ou melhor: impossvel ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como no sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois nmeros, dois nmeros empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlntico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 - que o senhor. Todos esses nmeros so comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlntico fazemos algum rudo e funcionamos fora dos horrios civis; ns dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da mar, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier minha casa (perdo; ao meu nmero) ser convidado a se retirar s 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 s 7 pois s 8:15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levar at o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, est toda numerada; e reconheo que ela s pode ser tolervel quando um nmero no incomoda outro nmero, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peo-lhe desculpas - e prometo silncio. ... Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse porta do outro e dissesse: "Vizinho, so trs horas da manh e ouvi msica em tua casa. Aqui estou". E o outro respondesse: "Entra, vizinho e come de meu po e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida curta e a lua bela". E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canes para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmrio da brisa nas rvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz. Continho Paulo Mendes Campos Era uma vez um menino triste, magro e barrigudinho, do serto de Pernambuco. Na soalheira danada de meio-dia, ele estava sentado na poeira do caminho, imaginando bobagem, quando passou um gordo vigrio a cavalo: - Voc a, menino, para onde vai essa estrada? - Ela no vai no: ns que vamos nela.

- Engraadinho duma figa! Como voc se chama? - Eu no me chamo no, os outros que me chamam de Z. Conhecendo os autores A crnica mineira de Carlos Drummond de Andrade Antes de saber ler, Drummond j gostava de decifrar as letras. Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 de outubro de 1902, filho de fazendeiros da pequena Itabira de Mato Dentro, interior de Minas Gerais. O pai queria que ele cuidasse da terra, seguindo a tradio da famlia, mas o menino preferia ficar sozinho com seus livros, a viver entre as plantaes. Mineiro, ele sempre foi do tipo quieto. Desde pequeno, Carlos Drummond de Andrade tinha a mania de ficar olhando para as coisas, observando tudo em detalhes. Da, a sua fama de distrado. Mas o que ningum sabia que atrs do menino sonhador havia uma alma sensvel que fotografava os detalhes do cotidiano para transform-los em poesia. Era bom aluno, mas no tinha muita pacincia para a disciplina rgida dos colgios da poca. Saiu de Minas para estudar em um colgio de Friburgo (RJ), mas se revoltou contra a rigidez do lugar e acabou expulso. Voltou rapidinho para Belo Horizonte, onde terminou os estudos e formou-se em farmcia. Nunca exerceu a profisso. Casou, teve uma filha e, para ganhar a vida, trabalhava como professor de portugus, enquanto escrevia para jornais e revistas. Nessa poca, Drummond j escrevia de tudo: crticas literrias, contos e poemas em prosa. Mas como literatura no dava dinheiro, foi ser funcionrio pblico, chegando a chefe do gabinete do Ministro da Educao. Apesar de trabalhar para o Governo, nunca se contentou com a situao das coisas e por isso mesmo sua obra reflete uma grande preocupao social. Chegou a ser editor do jornal comunista A Tribuna Popular, no qual atacava a desigualdade social. O primeiro livro publicado foi Alguma poesia (1930), com uma tiragem de apenas 500 exemplares, mas foi com A rosa do povo, de 1945, que ficou nacionalmente conhecido. Durante toda a sua vida, publicou textos em diversos gneros, da literatura infantil ao conto e crnica, mas sempre com destaque para a poesia. Para o escritor, que nunca gostou de grandes festas, deve ter sido estranho ser escolhido como tema da escola de samba campe no Carnaval de 1987, a Estao Primeira de Mangueira. Morreu no Rio de Janeiro, em agosto desse mesmo ano, reconhecido como um grande escritor tanto no Brasil como nos pases em que seus livros foram publicados, como Argentina, Chile, Peru, Cuba, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Frana, Alemanha e Sucia, entre outros. Mesmo trabalhando, Drummond achava tempo para escrever poemas e histrias. Os mil e um talentos de Fernando Sabino Alm das palavras, a bateria o instrumento predileto de Fernando Sabino. Mineiro de Belo Horizonte, Fernando Sabino nasceu em 12 de outubro de 1923. Teve uma infncia solitria, apesar de ser caula em uma famlia de seis filhos e ter vrios amigos para brincar. que, assim que aprendeu a ler, no conseguiu mais largar os livros. Mesmo louco por leitura, conseguiu um tempinho para se dedicar ao escotismo. Com isso, aprendeu a comunicar-se atravs do Cdigo Morse, acender fogueira com um s palito de fsforo, descobrir onde Leste e o Oeste e outras habilidades do gnero. Mais tarde, tornou-se um bom nadador e chegou a ganhar vrias medalhas em sua especialidade, o nado de costas. Foi assim que descobriu que levava jeito para esportes e, quando prestou o servio militar na cavalaria, acabou se destacando em equitao. Com 15 anos, participou de um concurso de uma revista literria e publicou sua primeira histria, um conto policial. A partir da, cada vez mais animado, escreveu uma enxurrada de histrias, algumas das quais tambm pre- miadas. Tinha ape- nas 18 anos quando saiu seu primeiro li- vro, Os grilos no cantam mais. Sabino fez de tudo um pouco na vida: foi professor de portugus, funcionrio pblico e adido cultural da Embaixada do Brasil em Londres (Inglaterra). Morou alguns anos nos Estados Unidos. Fundou a Editora do Autor e, mais tarde, a Editora Sabi. Produziu documentrios para cinema em vrios pases, inclusive no Oriente Mdio e no Japo. Em 1944, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ainda vive. Adora tocar bateria e at hoje no sabe dizer se a sua verdadeira vocao escrever ou ser msico de jazz. Algumas de suas histrias, como "O homem nu" e "O grande mentecapto", j foram adaptadas para o cinema. Fernando Sabino e seus amigos de vida inteira, Hlio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos.

A paixo de Paulo Mendes Campos O escritor passeando pelo Rio de Janeiro, cidade que tanto amava. Paulo Mendes Campos nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1922. Era um menino espevitado, que no parava quieto e que aproveitou a infncia no interior de Minas Gerais para se divertir na mata, na beira do rio, brincando com os bichos. Nasceu a seu imenso amor pela natureza. Seu primeiro sonho na vida foi o de ser aviador militar. Conseguiu entrar na Escola Preparatria de Cadetes, em Porto Alegre (RS), mas ficou apenas um ano, at perceber que a disciplina rgida dos militares no tinha nada a ver com a imagem romntica que fazia dos aviadores. Voltou para Belo Horizonte e passou a conviver com outros jovens escritores, descobrindo seu amor pela literatura. Em 1945, foi at o Rio de Janeiro para conhecer o poeta chileno Pablo Neruda, que fazia uma visita ao Brasil. Era para ser uma estada de apenas alguns dias, mas durou um ms, apaixonado que estava pela Cidade Maravilhosa. Voltou para Belo Horizonte apenas para pegar suas coisas e despedir-se da famlia. No Rio de Janeiro, passou a escrever para vrios jornais. Tambm foi funcionrio pblico, trabalhando como redator e, mais tarde, como responsvel pela diviso de Obras Raras da Biblioteca Nacional. Mas qualquer outra ocupao que no fosse a literatura era um simples "ganha-po". Paulo Mendes Campos gostava mesmo era de escrever e foi o que fez at morrer, em 1991. O escritor faleceu no Rio de Janeiro. Rubem Braga, o cronista passarinho Rubem Braga sempre se considerou um homem das palavras. Rubem Braga nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, no Esprito Santo, em 1913. Era do tipo esportista e gostava de jogar futebol e nadar. Desde menino, gostava de passarinhos e, mais tarde, iria us-los como temas de algumas de suas crnicas mais lricas. Comeou a escrever muito cedo, em um jornal que pertencia sua famlia. Formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profisso, tornando-se jornalista e trabalhando em vrias cidades pelo pas afora. Chegou a ser correspondente de guerra por duas vezes: durante a Revoluo de 32, em So Paulo, e tambm na Segunda Guerra Mundial, quando acompanhou a tropa brasileira Itlia. Morou em Paris (Frana), em Santiago do Chile e em Rabat, capital do Marrocos, onde foi embaixador. Quando voltou para o Rio de Janeiro, j vivia s de escrever, tanto para jornal quanto para televiso. Rubem Braga conhecido como um dos maiores cronistas da literatura brasileira. No se preocupou em escrever novela, romance ou poesia. Gostava mesmo de publicar em jornal, apesar de saber que, depois de lido, o texto ia para o lixo, ao contrrio dos livros, que reinam eternos nas prateleiras. De qualquer maneira, mais tarde, suas histrias foram reunidas em diversas edies. Rubem Braga no era exatamente tmido, mas evitava festas e adorava ficar sentado sombra das rvores do seu jardim, com canteiros e um pequeno pomar que dava carambola, rom, abric-de-praia, pitanga e manga. Isso em uma cobertura em Ipanema! Morreu no Rio de Janeiro, em 1990, deixando um enorme legado literrio para todos que apreciam um bom texto. Referncias bibliogrficas Os textos que compem esta antologia foram extrados das seguintes obras: Carlos Drummond de Andrade No restaurante. In: O poder ultrajovem e mais 79 textos em prosa e verso. 4. ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1975. p. 3-4. O pintinho. In: Fala, amendoeira. 7. ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1976. p. 87-89. Caso de arroz. In: Cadeira de balano. 8. ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1976. p. 12-14. Sers Ministro. In: De notcias & no-notcias faz-se a crnica. 2. ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1975. p. 57-59. Recalcitrante. In: De notcias & no-notcias faz-se a crnica. 2. ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1975. p. 31-33. Fernando Sabino Hora de dormir. In: A companheira de viagem. 2. ed. Rio de Janeiro, Sabi, 1972. p. 123-26. O dia da caa. In: A companheira de viagem. 2. ed. Rio de Janeiro, Sabi, 1972. p. 31-36. Aspirador. In: A mulher do vizinho. 7. ed. Rio de Janeiro, Record, 1976. p. 174-76. Se no me falha a memria. In: A mulher do vizinho. 7. ed. Rio de Janeiro, Record, 1976. p. 99101. Macacos me mordam. In: O homem nu. 13. ed. Rio de Janeiro, Record, 1976. p. 130-34. Paulo Mendes Campos Menina no jardim. In: SALES, Herberto, org. Antologia escolar de crnicas. Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1971. p. 213-16 A verdadeira histria de Pio. In: O anjo bbado. Rio de Janeiro, Sabi, 1969. p. 211-13.

A cesta. In: Supermercado. Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1976. p. 59-62. Os bons ladres. In: O cego de Ipanema. 2. ed. Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1961. p. 46-49. Continho. In: Supermercado. Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1976. p. 53. Rubem Braga Negcio de menino. In: A traio das elegantes. Rio de Janeiro, Sabi, 1967. p. 181-83. Histria triste de tuim. In: Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1960. p. 133-36. Conversa de compra de passarinho. In: A traio das elegantes. Rio de Janeiro, Sabi, 1967. p. 10-13. O Padeiro. In: Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1960. p. 43-46. Recado ao senhor 903. In: A cidade e a roa. 3. ed. Rio de Janeiro, Sabi, [s.d.]. p. 16-17. PARA GOSTAR DE LER 1 ROTEIRO DO PROFESSOR CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE * FERNANDO SABINO * PAULO MENDES CAMPOS * RUBEM BRAGA 1. Crnicas I O livro traz vinte crnicas de Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. Com muito humor e sensibilidade, esses quatro autores falam do cotidiano e revelam a preciosidade que se esconde nos acontecimentos mais comuns. So crianas tentando persuadir adultos com argumentos inocentes ("Negcio de menino"), adultos sonhando e idealizando o futuro de seus filhos ("Sers ministro"), homens se relacionando com os animais de estimao e confrontando-se com valores maiores, como a liberdade e o direito vida ("O pintinho" e "Histria triste de tuim"); enfim, crnicas que falam da vida e do ser humano de forma simples, mas extremamente potica. Os textos esto organizados em cinco partes de acordo com seu tema central: Crianas; Animais; No mundo do consumo; Tipos humanos; A linguagem e o homem. Um rico material para ser usado em sala de aula e que propicia um trabalho de aprofundamento literrio e reflexo, a partir de uma leitura sempre agradvel. 2. Coleo Para Gostar de Ler Ler paixo! E possvel transmitir essa paixo aos jovens leitores. Para isso, foi idealizada a Coleo Para Gostar de Ler: textos de autores brasileiros e internacionais, selecionados pela capacidade de encantar e de tornar a leitura parte da vida de cada leitor. A cuidadosa escolha dos textos a caracterstica marcante da Coleo. So crnicas, contos e poemas de mestres destes gneros, plenamente acessveis ao leitor iniciante. Os textos so curtos, fceis de serem lidos e compreendidos, associando diverso e reflexo. Divididos entre antologias por autor e antologias temticas, os livros da Para Gostar de Ler chamam a ateno do leitor tambm pelo novo tratamento grfico-visual, que deixou a coleo mais dinmica e moderna. Cada livro traz informaes sobre os autores que rene: so dados biogrficos, pensamentos e curiosidades que traam o perfil humano do escritor, aproximando-o do leitor, enriquecendo a leitura e ampliando o panorama da poca. 3. O Suplemento O Suplemento de Leitura, que acompanha cada volume, traz exerccios para fixar e aprofundar a leitura, propondo questes que aguam a curiosidade e estimulam o esprito crtico do leitor sobre diversos aspectos presentes nos textos (contexto social, comportamento humano, valores, alm das caractersticas literrias. Na verso do Professor, o suplemento oferece a resoluo dos exerccios e sugestes de aprofundamento da leitura, com atividades a serem desenvolvidas dentro e fora da sala de aula. O objetivo ampliar o envolvimento do leitor com o texto, relacionando-o com o cotidiano. A literatura tem um tanto de tcnica, outro de magia. isso o que muitas geraes de leitores tm descoberto com os livros dessa coleo que faz o jovem gostar de ler. Sugestes Didticas 1 - H diversas maneiras de levar o aluno a uma interpretao criativa e pessoal dos textos. Por exemplo, prticas de: a - Teatralizao: Uma crnica como "Hora de dormir", toda construda com dilogos, e outras, na qual o dilogo um ponto forte, podem ser encenadas sem maior dificuldade de adaptao do texto. Convm dar aos leitores a liberdade para mudar a histria e as falas, e que a cena seja ensaiada sob a orientao do Professor. b - Debate: Crnicas como "Histria triste de tuim" (o garoto devia ou no cortar as asas do pssaro?) ou "A cesta" so pequenas preciosidades para um debate sobre questes ticas concretizadas no cotidiano. 2 - Muitos estudiosos caracterizam a crnica brasileira moderna como um gnero intermedirio entre o conto e a poesia. Quanto mais distante do episdio que a inspirou, quanto mais imaginada, mais prxima do conto. Quanto mais se valer de recursos de estilo, afastando-se do tom descritivo, mais prxima da poesia. Essas diferenas podem ser estudadas, de diferentes maneiras. a - Comparao: Trazendo para a classe um poema, um conto e uma crnica do mesmo autor,

o Professor pode comparar melhor os diferentes modos de expresso. Por exemplo, o Professor poderia trabalhar com um poema, com o conto "Flor, Telefone, Moa" (includo no livro O sorvete e outras histrias, da tica) e a crnica "Sers ministro", de Carlos Drummond de Andrade. Depois da leitura, poderia estimular os alunos a dizerem que diferenas vem entre os textos, que tm um toque de cotidiano comum crnica. Ocorre que, no poema, procura-se a forma radicalmente sinttica, o jogo de palavras, sem preocupao com contar o caso, e sim apenas sugeri-lo, vagamente. No conto, embora a narrativa se inicie de modo trivial, desvia-se para o sobrenatural, o que no prprio das crnicas. b - Redao: Podemos propor que os leitores redijam crnicas, partindo de algum caso do seu cotidiano. Depois, que a prpria turma avalie a qualidade de cada uma e no que o texto produzido conseguiu (ou no) incorporar as caractersticas da crnica. 1PGLanimais.tif 3 - O Professor pode trazer para a sala de aula a seo de esportes (ou de poltica etc...) de um jornal, comparando o texto da notcia ao da crnica. O objetivo mostrar qual a especificidade da crnica. A crnica um comentrio. Por exemplo, na crnica esportiva, h menos preocupao com informaes, como o placar do jogo, quem foi expulso, quem foi substitudo, e mais em passar a impresso do cronista sobre a partida. A linguagem da notcia informativa, a da crnica interpretativa e, mesmo, s vezes, literria. 4 - A crnica viva, ligada ao cotidiano, absorve a gria, a personalidade (artista, poltico etc...) do momento, a ltima moda. Principalmente considerando a datao de algumas destas crnicas, o leitor vai passar por palavras, expresses e referncias que desconhece. Em "Conversa de compra de passarinho", a moeda que se menciona o cruzeiro. Em "Caso de arroz", a mulher fala em muro de Berlim. Que tal pedir aos alunos que descubram mais sobre o cruzeiro e o muro de Berlim? Ou tambm que identifiquem outras referncias datadas nas crnicas. Por exemplo, uma referncia datada mais sutil acontece em "Aspirador", de Fernando Sabino. Na poca da crnica, o eletrodomstico para cuja existncia ningum mais d tanta ateno, e comprado at em supermercados, era vendido de porta em porta, como novidade, a tal ponto de o bom vendedor ser aquele que conseguia ensinar, em minutos, as utilidades do aparelho. Esse vendedor de porta em porta, que j no existe nos grandes centros, o correspondente, hoje, aos anncios com telefones 0900, na tev: ligue agora e compre j PARA GOSTAR DE LER 1 SUPLEMENTO DE LEITURA NOME SRIE ESTABELECIMENTO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE * FERNANDO SABINO * PAULO MENDES CAMPOS * RUBEM BRAGA Voc teve a oportunidade de ler quatro dos melhores cronistas e deve ter achado algumas destas crnicas engraadas, outras emocionantes... Agora, est na hora de refletir um pouco sobre elas. Truques e segredos A arte de contar histrias tem truques, segredos, uns jeitos especiais... Mas, se ler com ateno, voc vai descobrir alguns deles... 1 - A crnica um tipo de texto diferente de outros, como o conto e a poesia. Pensando nos textos que leu, marque com um X as alternativas que trazem caractersticas que pertencem a esse estilo. A crnica explora temas baseados inteiramente na fantasia, inventando peripcias e personagens que no poderiam acontecer e existir em nosso dia-a-dia. X Muitas crnicas usam o humor e a ironia para fazer uma crtica aos nossos costumes e modos de pensar a vida. O cronista procura sempre passar informaes sobre algo que aconteceu, numa linguagem direta, objetiva e sem sua interpretao pessoal, da mesma forma que as matrias jornalsticas. X Diferente das notcias dos jornais, a crnica procura s vezes brincar com o texto, e mesmo lhe dar um tom literrio. 2 - Muitas histrias do caractersticas humanas a objetos ou animais, em alguns casos para criticar certos defeitos das pessoas. o que acontece em "A verdadeira histria de Pio". Quais as caractersticas humanas que o autor deu ao galo Pio? No texto, lemos que "Pio j era quase um galo, branco e bonito, mas extravagante e presunoso". Paulo Mendes Campos, com humor ferino, escreve sobre o comportamento do galo como se fosse uma neurose humana. 3 - O narrador, que conta a histria, pode no ter nada a ver com o autor, a pessoa real. Um

narrador diferente pode ser criado para cada histria. Podemos dizer que em "A verdadeira histria de Pio", temos um narrador-personagem? Por qu? Sim, na crnica, trata-se de um narrador-personagem porque ao mesmo tempo que conta a histria do galo ele participa dela, tendo sido, inclusive, um dos donos de Pio. Nas entrelinhas Uma histria, s vezes, traz coisas disfaradas, que s lendo e relendo a gente descobre. Uma leitura extra, algo a mais, que voc no pode perder... 4 - O humor uma caracterstica de muitas crnicas. As duas frases abaixo tm muito humor e so, tambm, quase charadas porque se referem a elementos que no esto ditos claramente. A que se referem estas citaes? Voc v nelas alguma inteno oculta? "Hoje, de repente, deu-lhe um tdio enorme do barro de que somos feitos". ("Menina no jardim") "O pai [...] apareceu para dirigir a operao-jantar, que , ou era, da competncia dos senhores pais". ("No restaurante") A primeira uma referncia Bblia, quando diz que Deus criou o Homem do barro; e a ironia, aqui, que, para a menina, barro o brinquedo que se larga de lado sem preocupao maior. A segunda ressalta que a autoridade paterna est um tanto abalada, reduzida, em comparao ao passado, e que as crianas andam mais espertas, ou mais rebeldes; como demonstram, alis, ambas as crnicas. 5 - Criana apronta cada uma! Voc j ouviu algum dizer isso? Relacione o ttulo da crnica s atitudes de seus pequenos personagens. 1 - "Hora de dormir" 2 - "Menina no jardim" 3 - "No restaurante" 4 - "Negcio de menino" 4 Para o garoto da crnica, a lgica do lucro no interessa. Fazer negcios, para ele, ser jeitoso, para conseguir o que quer: um passarinho, e de graa. 3 Apesar de todas as tentativas de convencimento do pai, a menina, at o final, insiste em escolher o que vai comer. 1 O menino teima em continuar a assistir televiso apesar de toda a insistncia da me para que ele v dormir. 2 Com o apoio do pai, e a despeito da proibio do policial, a menininha brinca sobre a grama. 6 - Em "A verdadeira histria de Pio", Paulo Mendes Campos faz uma referncia a Rubem Braga: "J se sabe, o Braga um fazendeiro do ar [...]". Por que ele o chama assim? Como est mencionado nesse pargrafo, Rubem Braga tinha um jardim com horta e rvores frutferas na cobertura do seu apartamento: era um fazendeiro do ar. 7 - Um dia da caa, outro do caador. Na crnica de Fernando Sabino, por que teria sido "O dia da caa"? Resposta pessoal do aluno. Nada deu certo para os caadores, no dia narrado pela crnica; e sequer conseguiram abater caa alguma. 8 - Em "Conversa de compra de passarinho", o narrador-personagem demonstra interesse pelo coleiro do dono da venda. Da, muda de assunto, pechincha e, no fim, mesmo conseguindo um abatimento, no compra o passarinho. Por que ele agiu assim? Resposta pessoal do aluno. O sujeito faz com o dono da venda o que este fez com o garoto da lenha. Ao que parece, estava mais interessado em castig-lo do que em comprar o coleiro. 9 - Em "A cesta", a mulher termina lamentando: "s vezes, duro ser casada com um homem de bem!". Qual a sua opinio sobre a atitude do marido dela? Resposta pessoal do aluno. Boa oportunidade para discutir valores ticos expressados em ocorrncias aparentemente midas do cotidiano. 10 - Em "O padeiro", Rubem Braga faz uma comparao entre a profisso dele, que jornalista, e a do padeiro. a - Que tal tentar lembrar qual foi essa comparao? Se no conseguir, d uma relida na crnica. No texto, vamos encontrar: "muitas vezes saa j levando na mo um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da mquina, como po sado do forno". b - O que voc acharia se algum dissesse perto de voc: "No ningum, o padeiro!"? Resposta pessoal do aluno. possvel basear-se na crnica, na qual Rubem Braga parece dar o mesmo valor sua profisso e do padeiro. 11 - Em "Histria triste de tuim", um gato devora um passarinho. Na sua opinio, haveria uma diferena entre um episdio desses, que acontece o tempo todo na natureza, e o que ocorre em discusses no trnsito, s vezes, ou em assaltos, por exemplo? H diferena entre violncia e instinto?

Resposta pessoal do aluno. O que o aluno deve ser levado a pensar que h, sim, uma diferena entre um ato praticado por um ser humano, com conscincia de estar prejudicando a outro, e o de um animal que tem seu instinto de sobrevivncia; pos