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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM HISTÓRIA FAMÍLIAS E NATUREZA As relações entre famílias e ambiente na construção da colonização de Tangará da Serra - MT CARLOS EDINEI DE OLIVEIRA CUIABÁ 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM HISTÓRIA

FAMÍLIAS E NATUREZA As relações entre famílias e ambiente na construção da colonização de

Tangará da Serra - MT

CARLOS EDINEI DE OLIVEIRA

CUIABÁ 2002

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CARLOS EDINEI DE OLIVEIRA

FAMÍLIAS E NATUREZA As relações entre famílias e ambiente na construção da colonização de

Tangará da Serra - MT

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História.

Orientadora: Prof.ª Drª Maria Adenir Peraro

CUIABÁ 2002

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TERMO DE APROVAÇÃO

CARLOS EDINEI DE OLIVEIRA

FAMÍLIAS E NATUREZA As relações entre famílias e ambiente na construção da colonização de

Tangará da Serra – MT

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso, pela Banca formada pelos professores: Orientadora: Profª Drª Maria Adenir Peraro Departamento de História – ICHS – UFMT Prof.ª Drª Joana Aparecida Fernandes da Silva Departamento de Antropologia – ICHS – UFMT Departamento de Ciências Sociais - UFG Prof ª Drª Ana Silvia Volpi Scott NEPO - UNICAMP

Prof. Drº João Carlos Barrozo Departamento de Sociologia e Ciência Política – ICHS - UFMT

Cuiabá, 15de abril de 2002.

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo principal entender a relação das famílias migrantes

com o ambiente que passaram a ocupar no momento da colonização de Tangará da Serra –

MT e as representações que elaboraram sobre este ambiente. Tem como hipótese que as

famílias tinham duas formas antagônicas de representar o ambiente. A primeira era aquela da

convivência diária, do impacto da chegada no novo ambiente e suas relações efetivas com ele,

considerando-o como sertão, perigoso, povoado de bichos e insetos. A segunda representação

era expressa nas cartas encaminhadas a parentes e amigos que ficaram no lugar de origem, ou

pela propaganda para a venda de terras, quando alguém aparecia para comprá-las. Nesta

última, o ambiente é apresentado como fértil, nutridor, um paraíso.

A dissertação apresentada realizou-se mediante a leitura de várias fontes escritas,

destacando as paroquiais e cartoriais; as fontes orais também foram amplamente utilizadas.

As balizas teóricas pretendidas fundamentam-se na História Cultural, tendo como

discussão as representações do mundo social abordadas por Roger Chartier e Émile

Durkheim.

O texto apresentado é divido em quatro partes, ou seja, ambientes em que as famílias

migrantes, em especial mineiras, paulistas e paranaenses, reocuparam-nos no período de 1959

a 1979, produzindo nestes ambientes diferentes representações.

O estudo também apresenta representações de viajantes, como Nicolau Badariotti,

Max Schmidt e Roquette -Pinto, sobre o espaço em estudo, território tradicional do povo

indígena Paresí.

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ABSTRACT

The aim of this dissertation is to understand the relation of the migrant families with

the environment where they settled down during the colonization of Tangará da Serra - MT

and also their illustration of this environment. The hypothesis is that the families had two

opposing forms of illustrating the environment. The first one was about the daily routine,

about the arrival impact to the new environment as well as the effective relations to it,

regarding it as dangerous backwoods, full of wild animals and insects. The second one was

expressed through letters sent to relatives and friends who had not moved to Tangará da Serra,

or it was expressed though land advertising, when there was anyone interested in buying a

piece of it. In this last example, the environment presented a more favorable image, it was

fertile soil, a paradise.

This research was based on the reading of parish register and registry office books,

interviews were also widely used.

The aimed theoretical bases get support from the Cultural History, considering as

argument the social word illustration approached by Roger Chartier and Émile Durkheim.

The text is divided in four parts, in other words, areas where “mineras”, “paulistas”

and “paranaenses” families settled down from 1959 to 1979 causing different representations

of them.

The study also presents representations from travelers like Nicolau Badariotti, Max

Schimidt and Roquette -Pinto about this specific environment, Paresi indian people’s

traditional land.

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À Matildes, Carlos Murilo

e Maria Clara.

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AGRADECIMENTOS

No dia 7 de setembro de 1972, minha família rompia a Serra do Tapirapuã, para

avistar o povoado de Tangará da Serra. Nosso destino era a fazenda Bandeirantes; 100

alqueires de terra, parte, de “mata virgem”, adquiridas por meu avô Antônio Simões de

Oliveira, baiano, mas procedente de São Paulo, que queria usar as terras para a produção do

“ouro verde”.

Cresci, vivendo e ouvindo histórias de Tangará da Serra. Hoje, parte de minhas

indagações do passado está presente nesta dissertação, que só foi possível graças ao apoio

intelectual e afetivo que recebi ao longo da realização do mestrado. Desta forma, mesmo

correndo o perigoso risco de esquecer alguém, tentarei externar meus agradecimentos a todos.

Inicialmente, agradeço imensamente aos homens e às mulheres que se auto-intitulam

pioneiros, por terem me deixado ouví-los, pois me contaram tantas histórias, que, ao escutá-

las, às vezes, esquecia minha árdua tarefa de pesquisador e viajava com suas lembranças.

À professora Drª. Maria Adenir Peraro, minha orientadora, agradeço pela disciplina

com que conduziu a orientação, pelo carinho e pe la amizade sempre prestados, pelo pronto

atendimento, pelas discussões e pela confiança em que tudo daria certo.

À professora Drª. Joana Aparecida Fernandes da Silva, pela valiosa contribuição,

desde a reorganização do projeto de pesquisa, até o exame de qualificação, pela leitura e pelos

apontamentos sempre criteriosos e certeiros, pelas palavras fraternas e pela amizade

constante, durante a realização desta caminhada.

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Agradeço da mesma forma:

- à professora Drª. Ana Sílvia Volpi Scott, pela valiosa contribuição no exame de

qualificação. Ao professor Dr. João Carlos Barrozo, pela oportunidade de me fazer conhecer a

obra Nicolau Badariotti e ao professor Dr. Jerri Roberto Marin, pelas informações e

sugestões muito valiosas.

- às grandes amigas Vânia Nadaf e Suzana Guimarães, pelo apoio concedido, pelas

discussões bibliográficas, pelo companheirismo; sou lhes eternamente grato.

- à Edil, Jucineth, Marli, Maria do Socorro, Simone Nolasco e ao amigo Adson

Arruda, por tudo que realizamos juntos.

- à prof essora Ms. Hellen Cristina de Souza, pelo incentivo à pesquisa e pelos

apontamentos importantes sobre a primeira parte da dissertação.

- a todos que contribuíram comigo, indicando bibliografias, emprestando material de

acervo particular, ao prof. Ms. Sérgio Baldinotti, ao prof. Ms. Aires José Pereira, à prof ª.

Ana Cristina Lopes, à profª Ms. Anna Maria Ribeiro Fernandes Moreira da Costa, à Srta.

Maria das Neves Dantas, à profª. Tereza Lopes da Silva, à Sra. Thaís Bergo Duarte Barbosa, à

prof.ª. Vera Lúcia Godrim, ao Sr. Sílvio José Sommavilla, ao Sr. Uraci Maciel Sakuyoshi.

- ao médico Fábio Pinatto e ao engenheiro agrônomo Roger Francisco da Silva

Castilhos pela significativa colaboração.

- aos alunos que têm colaborado comigo no processo de pesquisa, em especial aos da

disciplina de Metodologia do Ensino das Ciências Humanas do curso de Pedagogia, da

Faculdade de Educação – ITEC.

- aos responsáveis pelas secretarias municipais de Tangará da Serra, que

disponibilizaram o acervo para a pesquisa, como a Secretaria Municipal de Educação e

Cultura e a Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Turismo.

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Sou grato também a Naomi Onga, pela cuidadosa elaboração dos mapas, ao William

Flávio de Carvalho e ao Glicélio Corrêa dos Santos, pela ajuda junto ao computador e no

processo de transcrição de fitas, a Laerte Joana de Camargo Medrado e Rosalina Maria

Camargo de Almeida, pela assessoria na transcrição de dados das fontes cartoriais, no

município de Nova Olímpia – MT.

Sou grato, ainda:

- ao Sr. Pedro Justino de Almeida e à Sra. Helena Matias Simões Junqueira,

responsáveis pelos Serviços Notariais e Registrais de Nova Olímpia e Progresso e ao Frei

Paulino Costela, pároco de Tangará da Serra, pela abertura dos arquivos e pela confiança em

mim depositada.

- aos amigos professores da Escola 13 de Maio, da ATEC, do ITEC e da UNICEN,

pelo incentivo ao longo da caminhada.

- ao padre José Egberto Pereira, que faleceu antes de este texto se concretizar,

agradeço a atenção demonstrada. Tenho certeza que está feliz com o registro de parte da

História que viveu.

Meus agradecimentos especiais:

- ao Fernando, a Carminha, a Fernanda, a Fabiana e ao Toshio, minha família em

Cuiabá, obrigado pela hospitalidade; o carinho e a presença de vocês me fortalecera, para que

pudesse vencer obstáculos.

- ao Renato, a Ilza, a Bruna, ao Gabriel e ao Lucas, membros especiais da minha

família.

- ao meu pai Benedito Carlos, pelo apoio constante, e a minha mãe, Adelaide Rossi,

que sempre, em oração, intercede para que eu consiga ser feliz em tudo que realizo.

- a Maria Clara e ao Carlos Murilo, minhas distrações preferidas, meus anjos, meus

sonhos, motivos da força de ser feliz.

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- a Matildes, minha companheira, que, em muitos momentos, tem sido pai e mãe desta

pequena família, que tenho deixado ausente. Nada se realizaria sem o carinho, sem o amor,

sem a paciência e a força espiritual que me transmite.

Contudo, ao longo deste percurso, contei com o carinho e a palavra de estímulo de

duas pessoas maravilhosas, meus avós, Maria Maciel e Antônio Simões. Hoje, não estão mais

pisando em solo tangaraense, mas permanecem em meu coração, como sempre estiveram, e

felizes comigo por esta vitória, de que também fazem parte; a eles ofereço o resultado deste

estudo.

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SUMÁRIO Apresentação 14 Introdução 14 Parte l A Serra do Tapirapuã: paredões do medo, platô da esperança 29 Capítulo I – Índios, expedicionários e picadeiros na Serra do Tapirapuã 33

1.1 – Os Paresí 33 1.2 – O Expe dicionário Nicolao Badariotti 41 1.3 –Os picadeiros requadriculam o espaço 46

Capítulo II – As Glebas e a Colonizadora 50 Capítulo III – As famílias entre o medo e a esperança 65 Parte II A cidade será aqui: As famílias entre a vida urbana e a rural 81 Capítulo IV – As famílias e a cartografia da cidade 84 Capítulo V – A demografia das famílias em Tangará da Serra 94 5.1 - Naturalidade e procedência 94 5.2 – Levantamento demográfico do Padre Kunraht 105 5.3 – Homens e Mulheres: profissão e casamento 110 5.4 – Vida e morte em família 122 Capítulo VI – O ambiente da família: arquitetura, alimentação e lazer 135 Parte III Rio Sepotuba: Ambiente de poaia e de terra fértil 148 Capítulo VII – A floresta fria, molhada, fechada e escura: o ambiente da poaia 152 Capítulo VIII – A fertilidade do solo 166 8.1 – As Madeiras de Lei 166 8.2 – Da “roça de toco” ao café 172 8.3 – A festa da fertilidade 179 8.4 – O tempo da febre 183 Parte IV Chapada dos Parecis: espaço de areia, território de índio 193 Capítulo IX – Os expedicionários e suas representações 197 9.1 – Nicolao Badariotti 197 9.2 – Max Schmidt e sua viagem pelas terras Paresí 203 9.3 – Roquette-Pinto e sua visita aos índios do País dos insetos 206 Capítulo X – As famílias e a Chapada dos Parecis 214 Considerações Finais 220 Fontes e Bibliografia 229

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BEMAT – Banco do Estado de Mato Grosso CITA – Companhia Imobiliária Tupã para Agricultura

CNPI – Conselho Nacional de Proteção ao Índio

CPP – Comissão de Planejamento da Produção CODEMAT - Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso DTC – Departamento de Terras e Colonização DVOP – Departamento de Viação e Obras Públicas do Estado FEMA – Fundação Estadual do Meio Ambiente FUNAI – Fundação Nacional do Índio IBC - Instituto Brasileiro do Café INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária SITA – Sociedade Imobiliária Comercial Tupã para a Agricultura

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LISTA DAS FIGURAS E TABELAS

Figuras

Figura 01- Mapa - Tangará da Serra em Mato Grosso

Figura 02 - Mapa demonstrativo dos ambientes: Serra do Tapirapuã, áreas indígenas, Rio

Sepotuba e Chapada dos Parecis

Figura 03 - Mirante da Serra do Tapirapuã – Tangará da Serra - MT

Figura 04 – Gráfico - Divisão das Glebas entre proprietários

Figura 05 – Mapa - Glebas de terras em 1960 – Tangará da Serra - MT

Figura 06 - Pedra Solteira

Figura 07 - Caminhão de Mudança – Tangará da Serra – 1961

Figura 08 – Projeto Arquitetônico

Figura 09 - Vista aérea de Tangará da Serra - Início da década de 70

Figura 10 - Caminhões de Tora – Tangará da Serra - Década de 70

Figura 11 - Gráfico - Idade ao Casar – Tangará da Serra – 1964-1979

Figura 12 - Gráfico - Sazonalidade de Casamentos – Tangará da Serra – 1964-1979

Figura 13 - Gráfico - Percentual dos Nascidos por ano 1964 – 1979

Figura 14 - Primeira Igreja Católica de Tangará da Serra – MT

Figura 15 - Colonos na frente de um tronco de mogno – Tangará da Serra - 1965

Figura 16 - Colonos em cima de uma figueira – Tangará da Serra - 1965

Figura 17 - Carroças puxando sacas de café – Década de 70 - Av. Brasil – Tangará da Serra

Figura 18 - Feira de Amostras – Tangará da Serra - 1970

Figura 19 - Índia Paresí – Aldeia Rio Formoso – Tangará da Serra - 2000

Figura 20 - Aldeia do Rio Formoso – Tangará da Serra - 2000

Figura 21 - Croqui – Roquette-Pinto

Figura 22 - Pássaro Tangará

Figura 23 - Salto das nuvens – Tangará da Serra – MT

Figura 24 - Estudantes “vestidos de índio” em desfile cívico – Av. Brasil – Tangará da Serra

- MT

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Tabelas

Tabela 01 - Áreas de glebas de terra, incluindo-se Tangará da Serra - MT

Tabela 02 - A Gleba Santa Fé e seus registros

Tabela 03 - Divisão das glebas de terras em 1960, que corresponde ao município de Tangará

da Serra – MT

Tabela 04 - Casamentos de Tangará da Serra - 1964 a 1979

Tabela 05 - Naturalidade dos cônjuges em Tangará da Serra – 1964 - 1979

Tabela 06 - Recenseamento em Tangará da Serra - MT - 1966.

Tabela 07 - Profissões dos homens segundo os livros de registro cartoriais – Tangará da Serra

- 1964 – 1979

Tabela 08 – Profissões das mulheres segundo os livros de registro cartoriais – Tangará da

Serra - 1964 – 1979

Tabela 09 - Nascimentos por ano e sexo – 1979 – 1964

Tabela 10 - Tipos de Doenças que levaram a óbito em Tangará da Serra - 1965 - 1979

Tabela 11 - Números de óbitos em Tangará da Serra: Idade e sexo -1965 – 1979

Tabela 12 - Comparação entre registros de óbitos paroquiais e cartoriais 1965 – 1979

Tabela 13 - Número de Mortes em Tangará da Serra, segundo os registros cartorial e

paroquial – 1965 – 1979.

Tabela 14 - Número de mortes por mês em Tangará da Serra, segundo registros cartorial e

paroquial - 1970

Tabela 15 - Situação Fundiária das Áreas Indígenas –Etnia Paresí em Tangará da Serra -MT

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APRESENTAÇÃO

A idéia inicial desta dissertação era elaborar uma discussão sobre a vida cotidiana no

município de Tangará da Serra, nas décadas de sessenta e setenta, na dinâmica da colonização

privada de Mato Grosso. Após várias leituras, aulas e atividades do mestrado, orientação de

professores, releitura de fontes e a necessidade de um recorte, reconstruímos o projeto inicial,

agora marcado pela relação entre as famílias e a natureza, na feitura da colonização privada de

Mato Grosso, em especial no local denominado município de Tangará da Serra.

A dissertação “Famílias e Natureza - as relações entre as famílias e o ambiente na

construção da colonização de Tangará da Serra - MT” , ao abordar o comportamento de

grupos de famílias migrantes em relação a natureza em Tangará da Serra - MT, no período de

sua colonização faz uma leitura específica da colonização privada de Mato Grosso, podendo

proporcionar estudos comparativos frente a outras pesquisas sobre a colonização na

Amazônia.

O atual município de Tangará da Serra, local da pesquisa, foi emancipado em 13 de

maio de 1976. Encontra-se localizado a sudoeste do Estado de Mato Grosso, com altitude

média de 452 metros, entre os paralelos 14 e 15 graus e entre os meridianos 57º 15’ 00” e 59

10’ 00”. Tangará da Serra limita-se com os municípios de Campo Novo dos Parecis, Sapezal,

Campos de Júlio, Conquista D’Oeste, Pontes e Lacerda, Vale de São Domingos, Barra do

Bugres, Nova Olímpia, Denise, Arenápolis, Santo Afonso, Nova Marilândia e Diamantino.

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Figura nº 01 Tangará da Serra em Mato Grosso

Fonte: Mapa do Estado de Mato Grosso. Sem escala

O clima de Tangará da Serra é do tipo tropical de Monção; sua vegetação é composta

de 55% de matas de transição, e o restante, de cerrados e campos; os solos predominantes são

os latossolos vermelhos e os vermelhos -amarelos, com textura argilosa em 80%, areno-

argilosa em15% e arenosa em 5%. Os rios Sepotuba ou Tenente Lira, Juba, Formoso, Verde,

Tarumã, Jubinha, Jauru e Sacre, junto com outros rios menores, todos da bacia do Rio

Paraguai, formam os recursos hídricos do município. 1

1 PEREIRA, Aires José. Urbanização na fronteira agrícola de Mato Grosso: o caso de Tangará da Serra. Brasília, 1999. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília. O autor ainda afirma que, na atualidade, grande parte da vegetação original foi destruída, dando lugar a uma paisagem totalmente diferente, predominando a agropecuária como paisagem rural e o próprio núcleo urbano, que nada tem a ver com a vegetação original.

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O município possui uma área total de 11.423,04 km2, sendo que, aproximadamente,

51% é área indígena do povo Paresí, habitante primeiro de toda a área dos campos do

Tapirapuã, local onde está edificada a cidade e a zona rural de Tangará da Serra.

O recorte temporal da pesquisa tem como balizas o período compreendido entre 1959

e 1979; o ano de 1959 é marcado pelas primeiras edificações realizadas em Tangará da Serra,

com a chegada das três primeiras famílias, que deram início ao primeiro fluxo migratório,

conforme destaca o livro tombo da Reitoria de Nossa Senhora Aparecida 2. No ano de 1979,

iniciou-se o segundo fluxo migratório, agora de pessoas da região do sul do Paraná, Santa

Catarina e do Rio Grande do Sul. Todavia, estes marcos temporais são elásticos, pois

discutiremos o ambiente, representado pelas famílias, que conta e já contou com a presença

de índios, expedicionários e poaieiros, a partir do final do século XIX, com a proposta de

tecer a história do ambiente em estudo, bem como, algumas reflexões, que poderão apontar

elementos diretos à atualidade .

As primeiras famílias, ou seja, aquelas do primeiro fluxo migratório, são originárias de

Minas Gerais, São Paulo, Paraná e dos Estados do Nordeste do Brasil, sendo que foi de Minas

Gerais o maior fluxo populacional para Tangará da Serra, nos seus primeiros dez anos de

colonização privada. Devemos ressaltar que muitas dessas pessoas não procederam

diretamente de sua terra natal para a recém-vila, mas seguiram a trajetória do café, passando

principalmente pelo Estado do Paraná, no fenômeno da migração rural-rural.

As famílias que chegaram em Tangará da Serra produziram representações

diferenciadas sobre a natureza, e suas práticas indicam outras relações com o ambiente nem

sempre representadas por elas. Para elas, a adversidade da natureza deveria ser dominada em

nome da construção da esperança, da fartura, do progresso. A natureza aí estava para ser

domada. Todos os seus elementos deveriam existir para satisfazer a nova sociedade que se

2 REITORIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA - Livro Tombo – Tangará da Serra, 1966. p.3, verso.

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construía e as novas práticas de vida, estabelecidas diante de um território que estava sendo

incorporado à nação moderna, onde natureza não era obstáculo, como no século XIX, mas um

elemento de propaganda para a reocupação dos “espaços vazios” de Mato Grosso, conforme

destaca Gilmar ARRUDA:

Desta forma, a natureza considerada antes um entrave, se tornava um elemento de propaganda de recursos a ser explorados: as selvas eram riquíssimas, os rios apesar de caudalosos, navegáveis, - condição fundamental para transportar mercadorias numa região praticamente sem estradas de ferro -, suas pontes cachoeiras poderiam produzir muita energia, sua cataratas eram imensas, os campos, extensos e variados, a permitir uma ampla possibilidade de uso agrícola, além das ricas e valiosas reservas minerais ...3

Esta natureza, remodelada a partir da presença de novos grupos de outro ambiente,

aparece sobretudo na década de setenta, quando a terra é assunto de segurança nacional, e os

grupos sociais precisam criar situações novas, para escapar às imposições da nova ordem

política nacional. Sã o também estas novas alternativas de conduta social que são percebidas

nas práticas realizadas pelos cidadãos que buscam um novo ambiente para edificar suas vidas.

Foi nesta esperança de se ter um presente melhor e um futuro alternativo para filhos e

netos que muitas famílias subiram a serra, dormiram em ranchos de pau-a-pique, foram

picadas por mosquitos, tremeram de medo das onças, saborearam a carne das antas, pacas,

veados e capivaras, viram as estripulias dos macacos, usaram a água dos rios, derrubara m a

mata, plantaram arroz, milho, feijão e café, criaram vacas e bois, construíram pontes, casas,

igrejas, cadeias, edifícios e deixaram de ouvir o canto do pássaro tangará 4.

3 ARRUDA, Gilmar, Cidades e sertões: entre a história e a memória. São Paulo: EDUSC, 2000. p. 83. 4 tangará (Chiroxiphia Caudata), segundo SICK, Helmut. Ornitologia brasileira. Brasília: Editora Universidade

de Brasil, 1982, v.5.

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INTRODUÇÃO

Escrever sobre a história do tempo presente é um grande desafio, pois temos

principalmente a presença dos testemunhos vivos, que podem contestar a escrita do

historiador, fazendo com que ele revise suas definições, mas os historiadores têm a

possibilidade de conviver com os atores sociais e fazer, no processo da produção histórica, a

junção do presente com o passado, através do trabalho com as fontes, neste caso, a fonte oral

e as fontes cartoriais e ou paroquiais.5

A pesquisa pretendida tem como inspiração a obra de história cultural de Keith

Thomas, que afirma:

O predomínio do homem sobre o mundo animal e vegetal foi e é, afinal de contas, uma preocupação básica da história humana. A forma como ele racionalizou e questionou tal predomínio constitui um tema vasto e inquietante, que nos últimos anos recebeu bastante atenção por parte de filósofos, teólogos, geógrafos e críticos literários. O assunto tem igualmente muito a oferecer aos historiadores, pois é impossível desemaranhar o que as pessoas pensavam no passado sobre as plantas e os animais daquilo que elas pensavam sobre si mesmas.6

O tema em estudo tem como objetivo principal entender a relação das famílias

migrantes com o ambiente que passaram a ocupar no momento da colonização e as

representações que elaboraram sobre este ambiente. Tem-se como hipótese que as famílias

possuíam duas formas antagônicas de representar o ambiente. A primeira era aquela da

convivência diária, do impacto da chegada no novo ambiente e suas relações efetivas com o

ambiente, considerando-o como sertão, perigoso, povoado de bichos e insetos. A segunda

5 Esta discussão foi enfatizada pela profª Drª Marieta Moraes Ferreira (CEPEDOC/FGV) na conferência Tempo presente e história, realizada no dia 14 de dezembro de 2000 no 1º Encontro Regional de História “Territorialidades, Memórias e Identidades” – ANPUH – Núcleo Mato Grosso. Ainda sobre a História do Tempo Presente é fundamental a leitura: CHAUVEAU, Agnès. PHILIPPE, Tétart.(orgs.) Questões para a História do presente. Trad. Ilka Stern Cohen. Bauru: EDUSC, 1999. 6 THOMAS, Keith. O Homem e o mundo natural: mudanças de atitudes em relação às plantas e aos animais (1500 -1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.19

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representação era expressa nas cartas encaminhadas a parentes e amigos que ficaram no lugar

de origem, ou pela propaganda para a venda de terras, quando alguém aparecia para comprá-

las. Nesta última, o ambiente é apresentado como fértil, nutridor, um paraíso, muito

semelhante ao que Pero Vaz de Caminha descreve em sua carta sobre a terra Brasil.

Sabemos que não existe diferença de importância entre as fontes, sejam elas escritas,

orais ou iconográficas; ambas devem ser tratadas pelo histor iador com o mesmo rigor.

Existem algumas técnicas específicas no trabalho com estas diferentes fontes que devem fazer

parte do ofício dos historiadores.

Ao construir a narrativa no registro da história, o historiador deve incorporar ao corpo

principal da trama, os procedimentos da pesquisa em si, as limitações documentais, as

técnicas de persuasão e as construções interpretativas. Assim, as hipóteses e as

problematizações vão surgir a todo momento.

As fontes, não são mais a prova positivista, mas devem ser lidas, interpretadas,

compreendidas como indícios, vestígios. Os nossos procedimentos, que são resultados do

nosso questionário, vão determinar o olhar frente às fontes. Lembrando que, para produzir

questões, temos que ter familiaridade com as fontes. Quando indagamo-las, instalamos nosso

procedimento e, com isso, vai-se tecendo a narrativa, mormente valendo-se das decifrações

das leituras das práticas sociais nas fontes.

Sendo assim, o historiador deve estar preocupado como a interpretação, pluralidade e

ambigüidade dos significados e do mundo simbólico, pois, como historiador, devemos

remontar a realidade complexa em que vivemos, fazendo, é claro, exercícios metodológicos

frente ao nosso objeto de pesquisa.

A dissertação apresentada realizou-se mediante a leitura de várias fontes escritas,

como paroquiais, cartoriais, iconográficas, imprensa, mensagens de Governadores de Estado,

Censos Demográficos, Ata e Estatuto da Associação Tangaraense de Auxílio ao Indigente -

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ASTAI, Registro Geral de Imóveis, Planta Cadastral de Barra do Bugres, Arenápolis e

Cáceres, nº 226, 1960, Projeto Arquitetônico da Cidade de Tangará da Serra e cartas escritas

por pessoas residentes em Tangará da Serra na década de 60 e 70 do século XX.

O resultado do levantamento nos registros paroquiais e cartoriais nos possibilitou

responder vários questionamentos que surgiram na construção do objeto de pesquisa. Para

conhecer os deslocamentos populacionais das famílias que vieram para Tangará da Serra no

período de 1959 a 1979, foi necessário cruzar fontes. Na configuração deste percurso,

percebemos em quais categorias sociais enquadrou-se esta população e como ela negociou sua

vida e quais práticas econômicas, políticas e sociais foram elaboradas nesta reconfiguração do

ambiente.

A origem e a procedência das famílias são retratadas nestas fontes escritas. O tempo

do casamento, ligado à produtividade do solo, o tempo da colheita agrícola, as mortes ligadas

pela relação de adversidade entre o homem e a natureza, o crescimento populacional

influenciando pela propaganda da colonizadora ou dos residentes no novo ambiente, os

conflitos pela posse da terra, a reorganização da vida urbana com a chegada de novas

categorias sociais, os tempos de festas e outras leituras, foram ser realizadas no contato com

estas fontes escritas.

Além das fontes escritas, as fontes orais foram utilizadas, pois estas nos permitem o

trabalho com o tempo presente, são os testemunhos que convivem com os historiadores na

feitura da história. Acredito que, para se proceder a um estudo mais sustentável sobre a

natureza e colonização em Tangará da Serra, esta última, que tem seu início no final da

década de cinqüenta do século XX, é fundamental lançar mão da memória de pessoas que

participaram desta história.

A memória, como um caminho constante de aprendizagem, mediada por tempos

plurais, é movida no terreno da história; desta forma, toda memória é social, nos permitindo

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conhecer algumas práticas sociais partilhadas pelos indivíduos. O geógrafo Maurício de

Almeida ABREU afirma:

A memória individual pode contribuir, portanto, para a recuperação da memória das cidades. A partir dela, ou de seus registros, pode-se enveredar pelas lembranças das pessoas e atingir momentos urbanos que já passaram e formas espaciais que já desapareceram7.

Além da memória individual e social, temos a memória coletiva, aquela que revela

acontecimentos vividos por um determinado grupo; como o grupo não é sempre igual e

homogêneo, a memória coletiva sempre se está redefinindo.

Em discussão sobre memória social, ARRUDA escreve que a memória é muito

mais que um conjunto de lembranças sobre determinado fato ou ambiente, mas é um processo

de luta em torno do que deve ou será guardado, registra desta forma, as relações entre história

e memória:

As relações entre história e memória possuiriam dois sentidos. Um positivo, na medida em que a produção dos historiadores “enriquece as representações possíveis da memória coletiva, fornece símbolos, conceitos instrumentos rigorosos para que a sociedade pense a si mesma em relação ao seu passado” O outro sentido, negativo, pois estabelece uma relação de destruição da memória coletiva, “atacando seus princípios seus pressupostos, seus símbolos”. 8

As memórias registradas para a construção da escrita da história em pauta, foram de

pessoas que viveram em Tangará da Serra a partir do final da década de cinqüenta, ou que, de

alguma forma, tiveram contato com este ambiente nas décadas de cinqüenta, sessenta e

setenta, período que classificamos como do primeiro fluxo migratório.

Os colaboradores são mulheres e homens, residentes, atualmente ou não, em Tangará

da Serra, de vários níveis sociais e ligados a vários setores sociais, como padres, freiras,

comerciantes, fazendeiros, lavradores, aposentados, donas de casa, professores, médicos,

7 ABREU, Maurício de Almeida. Sobre a memória das cidades . In: Território, ano III, nº 4, Rio de Janeiro: LAGET/ UFRJ: Garamond, 1998. p.11 8 ARRUDA, Gilmar. op. cit., p.54.

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engenheiros, arquitetos e ex-poaieiros. A colônia 9 de colaboradores, comunidade de destino,

ligadas ao período de colonização de Tangará da Serra foi formada por cinco redes10; a

primeira, pessoas ligadas diretamente à colonizadora SITA - Sociedade Imobiliária Tupã para

a Agricultura (dono da colonizadora, engenheiros, arquitetos, empregados diretos), a segunda,

ligada à Igreja (padres, freiras e líderes de comunidade religiosa), a terceira, formada por

pessoas que tiveram um saldo econômico positivo com a colonização (médicos, grandes

comerciantes, fazendeiros, advogados, professores), a quarta, pessoas que participaram do

movimento de colonização, especialmente dos movimentos migratórios rural-rural e, hoje, são

pequenos aposentados, lavradores, donas de casa, pequenos comerciantes, geralmente

residentes na periferia de Tangará da Serra ou de cidades vizinhas e, por último, a rede

formada por ex-poaieiros e índios, que estriaram o ambiente antes da chegada dos picadeiros,

que fizeram o serviço de demarcação de glebas de terras.

A história destas primeiras famílias que reterritorializaram Tangará da Serra pode ser

comparada a outros momentos da história do Brasil. A sociologia mostra a importância da

comparação: O método comparativo é o único que convém à sociologia. É o melhor para

descobrir causalidades e finalmente, também leis. 11

O trabalho com a história comparada, mesmo não oferecendo uma metodologia

confirmada, é necessário para comparar recortes, visões de diferentes ambientes; pr ivilegiar a

problemática individual e geral; buscar, além do caso individual, traços comuns ou estruturas

gerais, visando mesmo a aprender os mecanismos de funcionamento de diferentes sociedades

em sua importância respectiva:

9 Conforme MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de his tória oral. São Paulo: Loyola, 1998. “Colônia é a coletividade que tem uma comunidade de destino marcada. É por meio da definição de colônia que se estabelece a rede.”p.77 10 Id. Rede é a subdivisão do grupo de entrevistados, pessoas com particularidades próprias na coletividade que tem uma comunidade de destino. 11HAUPT, Heinz-Gerhard. O lento surgimento de uma história comparada. In: BOUTIER, J. e JULIA, Dominique.(orgs.) Passados recompostos campos e canteiros da história. Rio de Janeiro: EdUFRJ/Ed.FGV,

1998. p.209.

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Para Marc Bloch, a história comparada, tornada mais fácil de se conhecer e de se utilizar, animará com seu espírito os estudos locais, sem ela, a nada chegariam. Numa palavra, deixemos, por favor, de falar eternamente de história nacional para história nacional, sem nos compreendermos.12

Ao montar a colônia de colaboradores, fez-se leitura das possíveis representações

elaboradas sobre o universo de pesquisa, produzidas por estes vários agentes históricos que,

com sua existência, nos permitem conhecer e entender a relação entre família s e natureza, no

período da colonização privada de Tangará da Serra, possibilitando, inclusive, comparações.

A dissertação em tela está dividida em quatro partes, propondo uma viagem aos

ambientes que são marcos referenciais de memória para os moradores de Tangará da Serra, do

pretérito e do presente. 13

O primeiro ambiente a ser apresentado é a Serra do Tapirapuã, pois foi no espaço da

serra que “aventuras”, medos e esperanças foram vividos por índios, expedicionários e

famílias migrantes. A Serra do Tapirapuã, geograficamente, é o primeiro “obstáculo” para

aqueles provenientes do centro-sul que quiseram alcançar as terras férteis do Planalto

Dissecado do Parecis.14

Ao se romper a Serra do Tapirapuã em seu planalto, próximo a pequenos ribeirões, é

que foi edificada a cidade de Tangará da Serra. Ao redor desta, a Colonizadora fez o

loteamento rural de pequenas propriedades, que aumentavam de tamanho conforme era a

distância do perímetro urbano. Como, no período de 1959 a 1979, as famílias que vieram para

Tangará da Serra possuíam poucos recursos financeiros, a ocupação do espaço rural foi das

áreas próximas à cidade; desta forma aconteceu uma inter-relação zona urbana-zona rural

muito dinâmica.

12 HAUPT, Heinz -Gerhard . op. cit. p.213 13 Vide mapa no final da Introdução. 14 Segundo FABRIS, Leni Ferreira. Passeando por Mato Grosso . Cuiabá: Secretaria Municipal de Cuiabá, 2001. “Este Planalto constitui uma das unidades geomorfológicas de grande expressão na parte Centro-Norte do Estado de Mato Grosso. Com altitudes vairando entre 400 e 350 m de Leste para Oeste, constitui um bloco relativamente homogêneo do ponto de vista altimétrico.” p.57.

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Neste segundo ambiente, o da cidade e seus arredores, a zona rural, abordaremos

aspectos demográficos sobre as famílias que circulavam entre estes espaços, produzindo uma

prática de vida urbana e rural simultaneamente.

A fertilidade da terra, as formas de organização de vida junto à natureza serão

discutidas na terceira parte deste estudo, que tem, como destaque principal, o Rio Sepotuba,

espaço vital e fundamental para garantir a sobrevivência das famílias de lavradores.

O território Paresí, a Chapada dos Parecis, é o último ambiente da “viagem”

pretendida. Além da representação das famílias sobre a “grande faixa azul ocupada por

índios”, poderemos conhecer alguns aspectos das expedições de Nicolao Badariotti, de Max

Schmidt e de Roquette -Pinto, em partes elevadas do Planalto Brasileiro.

Todo território estudado era tradicionalmente terras do povo Paresí. Hoje, da Serra do

Tapirapuã e do vale do Sepotuba, guardam apenas fragmentos de memória e, na Chapada

continuam a difícil tarefa da resistência frente a uma sociedade que, historicamente, não tem

diminuído seus preconceitos diante de culturas diferentes.

A baliza teórica que norteia as discussões pretendidas fundamenta-se na História

Cultural, assim definida por Roger CHARTIER:

A definição de história cultural pode, nesse contexto, encontrar-se alterada. Por um lado, é preciso pensá -la como a análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e das exclusões que constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias de um tempo ou de um espaço. As estruturas do mundo social não são um dado objetivo, tal como o não são as categorias intelectuais e psicológicas: todas elas são historicamente produzidas pelas práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas) que constroem as suas figuras(...) Por outro lado, esta histó ria deve ser entendida como o estudo dos processos com os quais se constrói um sentido. 15

A História Cultural possibilita verdadeiras mutações do trabalho histórico;

renunciando à preocupação com a descrição da totalidade social e buscando alternativas para 15 CHARTIER, Roger, 1990. A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL: Rio de Janeiro: Beltrand Brasil p.27.

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decifrar de outra maneira as sociedades formadas por experiências históricas, constituidoras

de práticas sociais que são produzidas pelas representações, pelas quais os indivíduos e os

grupos dão sentido ao seu mundo.

Desta forma, a História Cultural tem como um dos seus objetivos as representações

do mundo social e a noção de representação, segundo CHARTIER, permite articular três

modalidades da relação com o mundo social:

... em primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que produz configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos; seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significa simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns “representantes” (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade.16

Tentando refletir sobre o texto de CHARTIER, quanto à primeira modalidade, não

podemos pensar a história como linearidade, pois a história é o terreno do inesperado, do

imprevisto. As atitudes humanas, as conjunturas, o contexto histórico resultam na história. A

universalidade se quebra quando pensamos na experiência histórica, sendo estas

constituidoras de práticas sociais que forjam conceitos e idéias. Cada sociedade busca

respostas diferentes para suas necessidades, convivendo com grupos que tentam desconstruir

este ambiente, produzindo lutas diárias, abolindo modelos regulares, concretizando

experiências históricas.

Para compreendermos como a sociedade se representa a si própria, como escreve

Émile DURKHEIM, e o mundo que a rodeia: “precisamos considerar a natureza da

sociedade e não dos indivíduos. Os símbolos com que ela se pensa mudam de acordo com a

sua natureza”.17 Com base na teoria de DURKHEIM sobre as representações coletivas,

16 CHARTIER, Roger, op. cit.,p.23. 17 DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.481.

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podemos ampliar algumas referências sobre as representações sociais, identificando o modo

como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída e

pensada.

A realidade social é produzida por grupos que compartilham atitudes e posições. Os

grupos geralmente são constituídos por indivíduos que têm hábitos e condutas semelhantes.

Para pensarmos em hábitos (habitus), vamos aproximar-nos de PANOFSKY e FEBVRE. Para

PANOFSKY, hábitos mentais e para FEBVRE, utensilagem mental. Este último destaca que a

utensilagem mental é o que caracteriza uma civilização; esta não é estável, pode conhecer

mutilações, progressos, retrocessos, deformações importantes, enriquecimento ou novas

compilações, não sendo eterna, vale pela época que a civilização utiliza. Entretanto, o trabalho

do historiador é r eencontrar essas representações antigas, aqui destacadas por FEBVRE como

utensilagem mental, procurando fazer leituras necessárias e adequadas para a compreensão de

aspectos que compõem o universo cultural da humanidade.

Contrastando com FEBVRE, PANOFSKY define o hábito mental como “conjunto de

esquemas inconscientes, de princípios interiorizados que dão a sua unidade às maneiras de

pensar de uma época, qualquer que seja o objeto pensado”.18 Os hábitos mentais são

inculcados pelas forças criadoras de hábitos, é o lado ativo do conhecimento prático. Os

hábitos são todas as imagens que o grupo cria (visões de mundo); como conseguimos

enxergar os valores (linguagens, comportamentos, etc.); formas específicas que faz um

indivíduo ou grupo diferente um dos outros.

As práticas sociais são carregadas de hábitos; elas exibem uma maneira própria de o

indivíduo estar no mundo, não seguem modelos regulares, mas se configuram em

experiências históricas, formadas por práticas políticas, econômicas, sociais, representada s

18 CHARTIER, Roger, op. cit., p.39.

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pela simbologia. A verdadeira leitura das práticas deve ser a preocupação constante dos

historiadores.

Paul VEYNE narra que devemos “desviar os olhos dos objetos naturais para perceber

uma certa prática, muito bem datada que os objetivou sob um aspecto datado como ela.” 19

O autor, em seu texto, mostra que não podemos aplicar conceitos iguais para momentos

históricos diferentes; devemos ler as práticas sociais dos diferentes momentos históricos, pois

as práticas vêm das mudanças históricas, das transformações da realidade histórica. Já para

Michel FOUCAULT a prática é uma matéria (parte oculta do iceberg). Está abaixo da linha

de visibilidade. Não é diferente da parte emersa e não é o motor que faz movimentar o

iceberg. 20 FOUCAULT, ainda, segundo VEYNE, chama a atenção dos historiadores para

observarem com exatidão os fatos, pois existem mais coisas que devem ser explicadas, que

ainda não foram percebidas. Perceber melhor o de que as pessoas se ocupam (práticas) e o

que dizem (discurso) é a nova missão do historiador.

O resultado da leitura das práticas e dos discursos se concretiza na narrativa. A

narrativa deve ser organizada no tempo e no espaço, dar inteligibilidade às coisas, ao relato

histórico. Toda narrativa tem que ser montada numa intriga.21 Ao se trabalhar com vestígios,

indícios e documentos, deve-se entender as práticas sociais que deram origem a estes

elementos, pois o historiador só irá romper com a descrição quando conseguir ler os

documentos.

Segundo CHARTIER, as coisas têm significações múltiplas, multiplicidade de visões,

produção, consumo e os indivíduos têm maneiras particulares de se relacionar com os

significados. Desta forma, a apropriação pretende como objetivo realizar as interpretações das

práticas sociais que são construídas na descontinuidade das trajetórias históricas. A

19 VEYNE, Paul M. Foucault revoluciona a História. Brasília. Ed. da UNB, 1982. p.154. 20 Esta abordagem sobre Foucault é feita por Paul Veyne no texto já citado anteriormente. 21 CHARTIER, Roger, op. cit., p.83.

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apropriação nos remete ao jeito de como fazemos a leitura do que recebemos de forma

múltipla.

Sendo assim, a história deve ser entendida também como o estudo das práticas, que

são plurais, dinâmicas e contraditórias, percebemos que a representação é tudo o que está

dado a ler, identificando as formas como a realidade é socialmente construída. Nesta

perspectiva, buscaremos um olhar sobre a representação que as famílias faziam do ambiente

em Tangará da Serra, pois aquilo que elas pensavam sobre a natureza é o que pensavam sobre

si mesmas, lembrando o que afirmou Thomas Keith, ao estudar o homem e o mundo natural

da Inglaterra.22

22 THOMAS, Keith. op. cit.,. Introdução.

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Figura 02

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PARTE I

A SERRA DO TAPIRAPUÃ:

PAREDÕES DO MEDO, PLATÔ DA ESPERANÇA

“Aquela massa sólida, ereta, tosca e sã Vivenciando altiva a paz que tanto lhe fascina.

Contemplando a paisagem de Tapirapuã, Onde a fauna e a flora se banham na neblina.

O sol ilumina E o esplender culmina

Com o sussurro da fonte de água pura e cristalina E a bela “sina” do “manequim rochoso” de repente se refez

Com a presença marcante de Aderaldo, Oléa, Liserre e Martinez.” Jesu Pimenta de Souza

(Poeta Tangaraense)

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Ao se observar o mapa físico do Estado de Mato Grosso, percebe-se que a maioria de

suas terras tem uma altitude acima de 400 metros do nível do mar. A presença de chapadas

altera o relevo, proporcionando paisagens singulares, dentre estas, as serras, que são espaços

de construções mitológicas e simbólicas, onde as aventuras e desventuras de homens e

mulheres de etnias diferenciadas foram e são construídas. 23

Tendo as serras como marcos referenciais de memória e história, este estudo

privilegia, como recorte espacial do relevo, a Serra do Tapirapuã, ambiente tradicionalmente

ocupado pelos índios Paresí e reterritorializado nas décadas de sessenta e setenta,

especialmente por famílias de lavradores de várias regiões do Brasil, particularmente naturais

do nordeste e do sudeste do Brasil.24

A Serra do Tapirapuã é um extenso planalto basáltico, rocha vulcânica, entalhada no

interior da bacia do rio Sepotuba, afluente do rio Paraguai, cuja altitude média atinge,

aproximadamente, 500 metros, servindo de limite, embora contestado, entre os municípios de

Tangará da Serra e Nova Olímpia - MT. 25

Nesta primeira parte da dissertação, dividida em três capítulos, procuramos analisar as

diversas representações sobre este ambiente, a Serra do Tapirapuã, que forma parte do

município em estudo.

23 O mapa físico de Mato Grosso pode ser conferido em AMORIM, Lenice. MIRANDA, Leodete. Mato Grosso: atlas geográfico. Cuiabá: Entrelinhas, 2000. p.5. 24 O uso do prefixo re é necessário para deixar evidente que, quando os não-índios ocuparam as terras da região do Tapirapuã, elas não se constituíam em espaços vazios, mas já eram habitadas ou perambuladas pelos povos indígenas, neste caso, em particular, os Paresí. 25 A contestação de limites territoriais se faz entre os municípios de Nova Olímpia - MT e Tangará da Serra - MT, pois o primeiro não aceita o limite usado pelo segundo. O jornal A Folha de Nova Olímpia, de 8 a 15 de novembro de 1994 - Ano I, n.º 09, destaca, em uma de suas manchetes, Progresso é Nosso - Nova Olímpia tem filho pródigo, o texto escrito por um vereador de Nova Olímpia afirma que o distrito de Progresso, ligado administrativamente a Tangará da Serra, está em território de Nova Olímpia, inclusive o semanário também traz cópia da Lei n.º 4.996, que cria o município de Nova Olímpia em 13 de maio de 1986, onde descreve os limites do município.

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No primeiro capítulo, as representações do ambiente analisadas são aquelas

apresentadas por alguns índios Paresí, descendentes de habitantes do planalto do Tapirapuã;

pelo expedicionário Nicolao Badariotti; nos relatos de picadeiros, por pessoas do primeiro

fluxo migratório que participaram destes primeiros momentos de adversidade com a Serra do

Tapirapuã, pois era de difícil acesso sua transposição para se chegar à localidade de Tangará

da Serra. Ainda serão analisadas as notícias veiculadas pela imprensa local sobre o ambiente.

Em seguida, o segundo capítulo, fará uma abordagem da organização e distribuição

das glebas e a formação da colonizadora privada, denominada SITA - Sociedade Imobiliária

Comercial Tupã para Agricultura, responsável pela reocupação de parte do ambiente rural e

formação do espaço urbano de Tangará da Serra.

No último capítulo, a ênfase será dada às relações entre as famílias migrantes e o

ambiente que passaram a ocupar no processo de colonização, analisando as representações

que elaboraram sobre o que elas vão considerar como primeiro obstáculo, ou seja, a Serra do

Tapirapuã. Será discutida sua constituição emblemática como elemento aterrorizante, onde

tudo pode acontecer, bem como o marco referencial simbólico da Pedra Solteira.

Esta pedra, com aproximadamente sete metros de altura, oficialmente localizada no

município de Nova Olímpia, é marco emblemático para Tangará da Serra, sendo destaque no

hino do município, além de estar presente nas composições poéticas que descrevem o

ambiente tangaraense, parte do ambiente notadamente visível nas fontes orais e escritas e

elemento de discussão na imprensa local de Tangará da Serra, no ano 2000.

Entretanto, este é o primeiro ambiente a ser apresentado, a Serra do Tapirapuã, espaço

mítico para os Paresí, morada dos seus espíritos, terra de perambulações, marco de divisão

territorial; caminho das expedições, do contato e do registro das representações do ambiente

no final do século XIX; espaço requadriculado pelos picadeiros, cujos facões assustavam os

tangarás dançarinos e cartografava o espaço para inseri-lo na dinâmica do mercado de terras

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da década de cinqüenta; espaço de medo e esperança, da pedra no meio do caminho, lugar de

lágrimas e de certezas, lugar de sonhos de futuro pr omissor e da busca de um porto seguro.

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CAPÍTULO – I

ÍNDIOS, EXPEDICIONÁRIOS E PICADEIROS NA SERRA DO TAPIRAPUÃ

1.1 - OS PARESÍ 26

Na perspectiva de estabelecer comparações acerca das representações elaboradas pelos

picadeiros27, com as expressas na obra de Nicolao BADARIOTTI, abordaremos, neste

capítulo, as representações produzidas pelos índios do ambiente do platô do Tapirapuã,

relacionadas ao período anterior ao projeto de colonização de Tangará da Serra, período em

que os Paresí tinham apenas contatos com poaieiros28, seringueiros, com os índios Umutina

(ou Barbado), habitantes da região abaixo da Serra do Tapirapuã e com os índios Nambiquara,

com quem mantinham contato na Chapada dos Parecis, e também com outros povos indígenas

que habitavam o vale do Guaporé.29

As abordagens apresentadas a seguir são baseadas na obra de Helen Cristina de

Souza 30 e também em pesquisas realizadas com índios em Tangará da Serra, através de visita

26 Com relação aos nomes dos povos indígenas, adoto a mesma grafia do lingüista Aryon Dall’Igna Rodrigues (1986). Usarei desta forma Paresí, para o grupo étnico. Para des ignar o espaço geográfico usarei Chapada dos Parecís, como é, mormente usado nos manuais de geografia e Campo Novo do Parecís, para o município que fica na chapada citada. Em outras citações ou referências, respeitarei a grafia dos autores ao apresentarem o nome do grupo étnico Paresí. 27 MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. 2. ed. Trad. Ary França e Raul de Andrade e Silva. São Paulo: Hucitec/.Polis,1998, p.145. Para o autor, os picadeiros são os verdadeiros conhecedores do país, eram os picadeiros que abriam picadas na mata; mas o testemunho deles, por mais precioso que fosse, não escapava às distorções. 28 Poaieiro é a pessoa que extrai a poaia, erva medicinal, retirada das matas ciliares dos afluentes e subafluentes do rio Paraguai. Na t erceira e quarta partes desta dissertação, faremos mais considerações sobre a poaia. 29 Segundo, JESUS, Antônio João. Os Umutina. In: Dossiê - Índios de Mato Grosso. Cuiabá. OPAN/CIMI, 1987. Os Umutina são uma ramificação da grande nação Bororo, pertencent e ao tronco lingüístico Macro-Jê e à família Otukê. Atualmente, sua reserva é limitada pelo rio Paraguai e pelo rio Bugres, formando quase uma ilha fluvial, no município de Barra do Bugres - MT e COSTA, Anna Maria Ribeiro Fernandes Moreira da. Senhores da memória: história no universo dos Nambiquara do cerrado. Cuiabá, 2001. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso “os Nambiquara vivem na Chapada dos Parecis, entre os afluentes dos rios Juruena e Guaporé até as cabeceiras dos rios Ji-Paraná e Roosevelt, abrangendo o oeste de Mato Grosso e o sul de Rondônia” ( Introdução). 30 SOUZA, Helen Cristina de. Entre a aldeia e a cidade : educação escolar Paresí. Cuiabá, 1997. Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso.

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nas aldeias do Rio Formoso, em Tangará da Serra e do Salto da Mulher, no município de

Sapezal - MT, nos anos de 2000 e 2001; além de pesquisa na imprensa regional.

O planalto do Tapirapuã era ocupado por índios de língua Aruak, que, a partir do

século XVIII, passaram a ser conhecidos como Paresí. Eles se autodenominam de Halíti31 e

suas relações com não-índios remotam ao ano de 1553, conforme podemos observar no texto

abaixo:

A mais remota notícia que se tem dos Paresí data de 1553, como nos informa José de Moura e Silva:

“...O português Antônio Rodrigues entrou a subir o rio Paraguai, como soldado. Depois, na ordem dos jesuítas, escreveu as memórias de soldado, a mando do Padre Manuel da Nóbrega. Serafim Leite traz o documento da carta e comenta e interpreta.

Da carta, consta que Antônio Rodrigues, depois de participar da fundação de Buenos e de Assunção (1537), narra:

“Desta cidade fomos mais adiante e conquistar terras e subimos mais acima 250 léguas e chegamos aos Parais, gente lavradora, muito amigos dos cristãos, tem um principal a quem obedecem que em sua língua chamam Cameri. Não comem carne humana.”32

Outras relações dos Paresí com não-índios são narradas pelo bandeirante paulista

Antônio Pires de Campos, em um registro do início do século XVIII, quando os bandeirantes

paulistas saíram em busca de índios para escravizar e à procura de metais preciosos,

adentrando as matas e a Chapada dos Parecis. Estes bandeirantes, passando ou não pela Serra

do Tapirapuã, estiveram em terras dos Paresí, pois este povo habitava uma grande área de

terra, conforme podemos observar no relato do índio Daniel Mantenho Cabixi:

31Conforme COSTA, Romana Maria Ramos. Cultura e contato. um estudo da sociedade Paresí, no contexto das relações interétnicas. Rio de Janeiro, 1985. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Destaca que: “Os chamados Paresí se auto denominam Halíti. O termo pode ser traduzido tanto como ‘gente’ numa referência explícita ao gênero humano em oposição aos animais, quanto como ‘povo’ para indicar uma identidade exclusiva do grupo.” p.52 e SOUZA, Hellen Cristina de. op. cit., p.29 “Eles se auto denominam Haliti, que em português quer dizer “gente”. “Gente como eles”. Enquanto expressão da identidade particular do grupo Haliti, também é um palavra em oposição a Waikwakoré, atualmente usada para designar os outros povos indígenas.” 32 SIQUEIRA, Elizabeth Madureira (res.). Projeto: Roças Paresi: os Aliti (Paresí): uma tentativa de recuperação histórica. Cuiabá: Grupo de Estudos Rurais e Urbanos - GERA / Universidade Federal de Mato Grosso, 1993. p.16.

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Os Paresí habitavam aproximadamente 6 milhões de hectares

de terras que vai do rio Juruena até a Serra da Caixa Furada para lá de Diamantino, já descendo para Nobres. E os Paresí se constituíam em três subgrupos grandes, ou seja, os Kozarini, que habitaram toda essa região da cabeceira do rio Juruena, o rio Guaporé, Rio Verde, Rio Sacre então essa região era a região tradicional do subgrupo Kozarini. Aí vinha as cabeceiras do rio do Sangue, da Água Limpa, onde é a Itamarati hoje, que faziam o território do subgrupo Waimaré, que é um outro subgrupo Paresí. Depois mais ao leste aí pela região do Sumidouro, Diamantino, essa região aí habitavam os Kaxiniti que é um outro subgrupo. Então na época em que os bandeirantes adentraram no Brasil na expansão territorial do país, e como também para aprisionar e procurar diamante e ouro, eles conseguiram achar a província mineral de Diamantino. Era um território tradicional do povo Parecis, os Kaxiniti foram os que mais sofreram, prejudicados neste processo histórico todo, porque foram eles que foram aprisionados, transformados em escravos, e o território foi ocupado a força, a ferro e a fogo, então toda essa região da Chapada dos Parecis e esse vale do rio Sepotuba, que consegue chegar até o Alto Paraguai era um território de perambulação dos índios Paresí. Essa perambulação é feita de uma forma cíclica, existiam as aldeias mães onde se encontravam o centro de moradia efetiva, e tinha as aldeias para a caça, a pesca, o plantio de roça. Por exemplo, o Vale do Sepotuba foi muito utilizado pelos Paresí na seqüência cíclica das roças. Os Parecis faziam aqueles acampamentos de caça onde eles ficavam ali um, dois meses de acordo com as possibilidades de exploração dos recursos naturais, ou seja, frutas, mel, caça, pesca, na medida que se esgotava esses recursos eles mudavam para um outro local para outra aldeia de perambulação, e assim eles fechavam o ciclo de exploração, não só da Chapada dos Parecis, do cerrado, como também das selvas. Os Paresí sempre fizeram roças, e nunca moraram nessas roças, eles faziam as roças, e na medida que faziam a derrubada, fazia corte, queima, e depois eles plantavam, e quando estava na época de produção eles vinham e colhiam o produto, então isso era o cíclico do uso fruto da Chapada dos Parecis e do Vale do Sepotuba.33

Em razão do exposto acima, ao pensar nas representações do ambiente da Serra do

Tapirapuã, devemos considerá-la como região de fronteira, pois a fronteira se evidencia como

local de conflito social e, essencialmente, como lugar da alteridade, conforme José de Souza

MARTINS:

33 CABIXI, Daniel Mantenho. Entrevista concedida pelo administrador Executivo Regional da FUNAI de Tangará da Serra. 21 set. 2001.

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À primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes entre si, como os índios de um lado e os civilizados de outro; como os grandes proprietários de terra, de um lado, e os camponeses pobres, de outro. Mas o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente, a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro. Não só o desencontro e o conflito decorrentes das diferentes concepções de vida e visões de mundo de cada um desses grupos humanos. O desencontro na fronteira é desencontro de temporalidades históricas, pois cada um desses grupos está situado diversamente no tempo da História.34

Na tentativa de discutir o conceito de fronteira, pensando-o como fronteira inacabada,

dinâmica, constantemente reterritorializada, como espaço ocupado por índios, que

construíram na serra e no planalto do Tapirapuã um ambiente cultural diversificado,

mostraremos algumas representações dos Paresí, sobre um território em que a paisagem

cultural sofreu alterações; é por isso que podemos caracterizá-la como uma região de fronteira

étnica.

Uma das representações do planalto do Tapirapuã destacada pelo índio João

Garimpeiro, da aldeia Kotitico, presente na obra de SOUZA, nos revela uma particularidade

histórica, já destacada anteriormente por Daniel Mantenho Cabixi:

História nossa é assim, porque antes nós tem contato... então esses primeiros brancos que passavam aqui, esses soldados que você fala, gente fala bandeirante, então naquele tempo, pegava índio, matava índio. Acampava ali no 50, os velhos contam. Então ali no 50, 50 aquele é nome da serra de Tangará, então ali eles caçam índio, laçava índio e levava ali no Tapirapuã, Cáceres, outras cidades, e índio Paresí arribava e morria tudo, nunca chegava até lá...35

O Paresí Acelino Noizokae, cacique da Aldeia “Salto da Mulher”, descreve assim o

ambiente de Tangará da Serra:

34 MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 150-1. 35SOUZA, Hellen Cristina de. op. cit., p.56-7. O índio, ao referir-se ao Tapirapuã, está falando do antigo Posto de Abastecimento da Comissão Rondon citado por ROQUETTE-PINTO, E. Rondônia. 6 ed. São Paulo: Nacional, 1975. Brasiliana. v.39. p.66. Atualmente, parte do espaço de Tapirapuã pertence ao município de Tangará da Serra. Já foi uma antiga sesmaria e depois fazenda de Tapirapuã e distrito de Tapirapuã, pertencente a Barra do Bugres; hoje, o espaço de 37.600 hectares é ocupado pelo Assentamento Antônio Conselheiro, ligado ao MST e pela Associação dos Trabalhadores Rurais. Dos elementos materiais evidentes do Posto de Abastecimento da Comissão Rondon, resta uma casa, a “Casa de Rondon”, que funciona como escola municipal. O Rio Sepotuba percorre 72 km de extensão da fazenda Tapirapuã.

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Tangará era só mata, os poaieiros, índio e poaieiro trabalhou, muita poaia e depois que criou a cidade acabou mato. Tinha mata virgem a mata mesmo. Cerrado, tudo era virgem, muito bicho, muita caça, anta, paca, veado, jacú, jacutinga, mutum, arara vermelha. Aí hoje acabou. Destruiu tudo. Hoje virou quase nada hoje virou só lavoura acabou a natureza. 36

Ambos enfatizam elementos diferenciados sobre o mesmo ambiente, pois, enquanto

um aborda a relação social entre índios e não-índios durante o movimento das bandeiras do

século XVIII, o outro destaca aspectos que compõem o ambiente.

Na segunda fonte, percebe-se um referencial muito presente nas lembranças de

Acelino com os elementos da natureza, pois, utilizar-se dela de forma organizada de acordo

com sua cultura, é a prática da liberdade. O depoimento nos remete a uma situação de

contrariedade que o povo indígena estava vivendo naquele mês, em especial ligado a um

conflito com a FEMA, acontecido no mês anterior, com os índios que vendiam artesanato na

cidade de Tangará da Serra, feito com plumagens.

O relato, a seguir, também de Acelino, permite pensar a relação entre índio e natureza

de uma forma particular. O ambiente, seja ele mata, cerrado ou campo, é uma organização de

vida que quando cerceada, modifica as formas de sobrevivência do grupo, embora não exista

a aceitação passiva, pois os elementos da fronteira são vivos e eles reagem:

O mês passado apareceu uma FEMA lá na cidade de Tangará da Serra, para apreender, tomar os pássaros, artesanato do povo indígena. Nós, índios, achamos muito o erro do homem branco. O governo devia fazer, elaborar a lei e comunicar ao índio o que foi feito contra a venda de material indígena, para que o índio fique sabendo o que vai acontecer daqui em diante com o povo indígena. O governo não comunicou a aldeia e nós fomos muito contra isso.37

O cacique também escreveu um documento no dia 05 de outubro de 2000, intitulado

“Manifesto das Comunidades Indígenas da Aldeia Salto da Mulher”, para ser encaminhado a

todas as autoridades municipais dos municípios de Tangará da Serra, Campo Novo do Parecis

36 NOIZOKAE, Acelino. Entrevista concedida pelo cacique da Aldeia Salto da Mulher. Sapezal. 27 out. 2000. 37 Id.

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e Sapezal e também para os governos estadual e federal, mostrando indignação das

comunidades indígenas diante da atitude da FEMA em Tangará da Serra. Atualmente, os

índios Paresí não vendem muito artesanato na cidade de Tangará da Serra, como faziam

anteriormente.

O índio Acelino, ao se reportar ao ambiente do Tapirapuã, destaca-o como um

paraíso, onde havia uma fauna e uma flora vasta, espaço destruído pela ocupação dos não-

índios e transformado em lavoura. O mesmo depoimento mostra uma relação pacífica entre

índios e poaieiros, já discutida por Romana Maria Ramos COSTA. 38

Fazendo referência ao ambiente da Serra do Tapirapuã, Daniel Mantenho Cabixi,

aborda a relação mítica entre os Paresí e as serras, montanhas e grutas; a serra, como marco de

referência de encontro entr e grupos de Paresí e também limite de território entre os Paresí e

outros povos indígenas:

Os índios, via de regra geral, têm uma forte referência relacionada a serras, montanhas e grutas, inclusive com os Paresí; temos a Ponte de Pedra, existem lá os modelos de arenito. Para nossa sociedade, na mitologia, aqueles formatos representam personalidades da cultura mística dos Parecis.

No caso específico do Tapirapuã, os mais velhos contam para gente que, havendo uma dispersão de um grupo Paresí do passado, a serra do Tapirapuã foi um forte referencial, porque, segundo os anciões, os sábios anciões, havia um grupo Paresí para baixo da serra do Tapirapuã, e um grande número ficou na Chapada dos Parecis, e esse subgrupo que ficou no vale do Tapirapuã onde tem hoje a cidade de Denise, de Nova Olímpia, no período de seca eles viram uma fumaça muito longe e falaram deve ter gente morando lá, e eles fizeram essa peregrinação, passando pela serra de Tapirapuã, e até subir a serra dos Parecis e ali eles se encontraram com os demais grupos da etnia Paresí.

Na referência histórica passada dos Paresí, houve aldeamento, por exemplo Marilândia, antigamente chamava-se Maria Joana, que foi um índia Paresí, na realidade os Paresí usavam todo esse território, que hoje está todo ocupado por canaviais, fazendas de gado e as grandes monoculturas.

Cada grupo indígena tinha seu espaço físico, geográfico de exploração e de perambulação, por exemplo, nos tínhamos os

38 COSTA, Romana Maria Ramos, op. cit., p.222-3. A relação índio e poaieiro também será objeto de análise na quarta parte desta dissertação.

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Barbados aqui no sul, nós tínhamos os Beiço-de-Pau e os Tapaiúna no rio Arinos, nós tínhamos mais ao norte os Irantxe, ao leste os Nambiquara, quer dizer sempre houve um atrito inter- racial de brigas, por exemplo, no caso dos Nambiquara, eles têm o conhecimento de uma tecnologia, como é um grupo muito nômade, eles não gostavam de estar andando com crianças, então eles conseguiram aprender o conhecimento de um anticoncepcional extremamente forte, que era exatamente para evitar gravidez das mulheres nessas perambulações, os Nambiquara eles foram grandes guerreadores em relação aos Paresí, e como os Paresí sempre foram bastante pacíficos, e um número muito grande do sexo feminino, então os Nambiquara em função do anticoncepcional que eles adotaram, praticamente não tinham mulheres, então eles guerreavam para adquirir os conhecimentos, e as mulheres para casamento.

Na questão específica dos Umutina, os Umutina é um subgrupo da grande nação Bororo. A relação entre os Paresí e eles, os Umutina, tinha essa rivalidade íntima de projeção de ocupação de espaço físico e geográfico, os Paresí nunca deixaram de guerrear, como todos os índios em torno de seu território tradicional.

A serra Tapirapuã ela se tornou um marco físico e geográfico determinante como território Umutina e Paresí, porque inclusive aquelas serras que tem para lá da Barra do Bugres na nossa língua se chama tyholarreze - teiru significa Serras Azuis.

Todo esse referencial da Serra Tapirapuã, Serra dos Parecis e Serra das Araras, como também aquelas serras que tem na região de Cuiabá elas tem um forte referencial na cultura Paresí, mesmo porque as serras elas significam no entendimento da cosmologia do nosso povo a morada dos espíritos, ou seja, os espíritos bons e os espíritos maus, então quer dizer elas tem um forte referencial em relação a cultura dos indígenas Paresí especificamente. 39

Na busca de enfatizar as representações dos índios Paresí em relação à Serra do

Tapirapuã, Daniel Mantenho Cabixi trabalha com a hipótese de relacionar a origem do seu

povo aos Incas. Segundo ele, as ondas migratórias para o território da Serra do Tapirapuã e da

Chapada dos Parecis, foram resultado da dispersão do Império Inca após a chegada dos

espanhóis na América do Sul, a partir do século XV.40

39 CABIXI, Daniel Mantenho. Entrevista concedida pelo administrador Executivo Regional da FUNAI de Tangará da Serra. Tangará da Serra, 21 set. 2001.

40 ROBERTO, Sérgio. Origem do povo Pareci pode estar vinculada ao povo Inca. Gazeta Digital, 4.9.2001.

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No jornal Gazeta Digital, Daniel Mantenho Cabixi afirma, como ponto de semelhança,

a relação com o relevo, a busca de lugares altos, as serras, com a região andina, onde teria -se

dispersado o povo Inca:

“As serras, como a do Parecis, de Tapirapuã e das Araras devem ter servido de referencial para os migrantes” observou, lembrando que há semelhanças de traços entre os povos andinos e os do planalto brasileiro, que por sua vez se parecem muito com os asiáticos, tanto no semblante como na compleição física.41

Elementos da cultura material dos povos indígenas, tais como machadinhas, pontas de

lança e algumas peças de cerâmicas encontradas no planalto do Tapirapuã, ajudam a elucidar

um pouco das práticas sociais de grupos humanos que habitaram e modificaram o ambiente há

muitos anos. Datar será um empenho arqueológico bastante significativo, pa rte de nossas

perguntas poderão ser respondidas, mas outras dúvidas serão produzidas, e, estudá -las, será

fascinante, pois a cultura material, ao ser pensada de forma interdisciplinar no conjunto das

disciplinas que estudam a cultura e também comparada com a história do Paresí no presente,

pode revelar-nos práticas e, valendo-nos delas, poderemos, quiçá, buscar novas

representações para um ambiente que, tanto no passado como no presente, é significativo para

aqueles que nele constróem suas vidas.

1.2 - O Expe dicionário Nicolao Badariotti

Os Paresí, no século XIX, foram visitados por uma expedição financiada pelo Banco

Rio Mato Grosso, que tinha como objetivo explorar a região do rio Juruena e Alto Tapajós,

afluente do Amazonas. Este empreendimento era administrado pelo francês Affonso Roche, e

composta pelas seguintes pessoas: pelo missionário salesiano Nicolao Badariotti, cuja missão

era manter bom contato com os índios e realizar as práticas religiosas católicas junto às

41 ROBERTO, Sérgio. Migração para o planalto brasileiro. Gazeta Digital , 4.9.2001.

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populações que encontrasse pelo caminho, como confissão, comunhão, batismo, dentre outras,

que fossem necessárias; por Manuel, chefe arrieiro e Totíco, ambos brasileiros; por Clemente,

argentino de Corrientes; por Rufino, índio chiquitano da Bolívia; por Paulino, menino

brasileiro e sacristão do missionário salesiano.42

Além deste grupo que acompanhava Badariotti, muitos outros solicitaram,

anteriormente, permissão ao chefe da expedição, para acompanhá-los nas aventuras pelo

sertão de Mato Grosso. Mas, a expedição estabelecia algumas condições, como narra

BADARIOTTI:

Numerosos eram os pedidos de admissão por parte de moços corajosos e amantes de aventuras, mas estas não eram qualidades suficientes para uma viagem como a nossa; eram indispensáveis homens robustos, submissos, dispostos a sofrer e, como se diz, traquejados nos trabalhos do sertão.43

A expedição utilizava, como meio de transporte, dez cavalos de sela, vinte e dois

burros e dez bois de cangalha, abatidos ao longo da viagem para completar a dieta dos

expedicionários. A expedição, que “durou” cinco meses, partiu de Cuiabá, rumo a Barra do

Bugres, atingiu o chapadão dos Parecis e retornou pela cidade de Diamantino, alcançando o

rio Cuiabá, em Rosário Oeste. O padre salesiano, já no prefácio de sua obra, caracterizou a

região a ser explorada como inóspito sertão.

É de BADARIOTTI o primeiro registro escrito de todos os tempos sobre a

representação da Serra do Tapirapuã do final do século XIX. Ele descreveu com bastante

riqueza de detalhes o ambiente e, inclusive, traçou comparações com locais conhecidos do

Rio de Janeiro e de São Paulo. O padre salesiano descreveu a serra como um imenso degrau,

formando um grande planalto que se inclina para o norte, originando duas vertentes, a do

42 BADARIOTTI, Nicolao. Exploração no norte de Matto Grosso: região do Alto Paraguay e planalto dos Parecis. Apontamentos de História Natural, Etnographia, Geographia e impressões. Cuiabá: Biblioteca Katukulosu - Missão Anchieta, 1898. Cap. I e II. 43 BADARIOTTI, Nicolao, op. cit., p.17.

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oeste que dá origem ao rio Sepotuba e a do leste, que forma o rio São Francisco44, os dois

rios, conforme ele, são afluentes do Paraguai. Sendo assim, definiu geograficamente a Serra

do Tapirapuã: “... portanto a serra do Tapirapuam pertence inteiramente à bacia do

Paraguay e nada tem que ver com o planalto de Parecis e menos ainda com o Amazonas”.45

BADARIOTTI define cartograficamente alguns rios da bacia do Paraguai, talvez elementos

de discussão na época.

O salesiano destaca os paredões como verdadeiros abismos, distantes da civilização e

subir ao cume, um ofício de naturalista, serviu-lhe para contemplar uma vitória pessoal:

Como o dia começasse a declinar, resolvi regressar, ateei fogo ao campo de sapé para que a fumaça elevando-se ao céu testemunhasse à gente da comitiva o ter eu galgado o monte, cousa de que antes todos duvidavam, como se fosse impossível. Quase o cume da montanha um immenso rochedo deixa sahir de suas fendas um rio de água frigidíssima; alli nasce o rio Angelim. Movido pela curiosidade, puz-me a descer de pedra em pedra acompanhando o regato, que exíguo no principio precipita-se em saltos e engrossa a olhos vistos recebendo pequenos tributários.46

Após a chegada ao cume da serra, avista -se o planalto do Tapirapuã, que é rasgado

pelo Sepotuba e enraizado por um grande número de pequenos rios que compõem a

hidrografia fértil do platô. A vitória pessoal de BADARIOTTI de chegar ao cume da serra se

misturará à determinação posterior dos picadeiros.

BADARIOTTI, no cume da serra do Tapirapuã, descreve a paisagem onde, no futuro

iria surgir Tangará da Serra:

Segui um Kilometro para o norte e ao sahir do bosque uma vista estupenda descortinou-se diante dos meus olhos. Um campo immenso, depois uma vasta floresta e ao longe uma facha azul uniforme que à primeira vista pareceu-me um mar: era pelo contrario a Serra dos Parecis! Nem um pico encimava aquela serra, a facha azul (sic) não

44 O rio São Francisco nasce na Serra dos Parecis, no município de Marilândia, deságua no rio Santana no município de Nortelândia e é um subafluente do Paraguai. 45 BADARIOTTI, Nicolao, op. cit., p.53 46 Ibid., p.54.

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era interrompida senão por um corte profundo, uma garganta na direção de Oeste. 47

Nesta representação, o padre descreve o planalto como um campo imenso; a região de

campo e depois de cerrado que forma a vegetação do município, bem como a floresta, na

verdade, a mata ciliar do rio Sepotuba e de seus afluentes ou subafluentes. No final do

horizonte, como linha demarcatória, fim do degrau, aponta a Serra dos Parecis, que dá início à

chapada do mesmo nome, habitada pelos Paresí.

BADARIOTTI, após ter contemplado a Serra do Tapirapuã, volta ao seu

acampamento, em terra dos índios Umutina. Todavia, registra a altura do relevo escalado:

Depois de muitas fadigas e atrozmente maltratado pelos borrachudos, voltei ao acampamento trazendo o principal resultado da minha viagem, isto é o cálculo da altura de Tupirapuam que no ponto medido regula pelos 680 metros acima do nível do mar, tendo porem (sic) a duas léguas a Oeste picos de mais de 1000 metros. 48

O cume da Serra do Tapirapuã representava para BADARIOTTI um sertão misterioso,

porém fértil: “O terreno alli pareceu -me fertilíssimo, de abundante ferro e talvez próprio

para a cultura do café”.49

Nem mesmo o ataque dos borrachudos impediu o grupo de expedicionário de

conhecer o ambiente dos campos do Tapirapuã, cheio de porcos do mato, veados, perdizes,

onças e antas. O padre destaca também a couve do campo e a fruta do lobo, muito procurada

pelas antas. Para BADARIOTTI, Tapirapuã - região das antas 50 e Edgar Roquette-Pinto,

Tapirapuã do Tupi; Ita -pirapuan - Pedra de arraia (peixe redondo) 51. No dicionário Aurélio, o

verbete tapira - é proveniente do Tupi tapi ‘ra, semelhante à anta. 52

47 Id. 48 BADARIOTTI, Nicolao, op. cit., p .55 49 Ibid., p.53 50 Ibid., p 55 -56. 51 ROQUETE-PINTO, E, op., cit . p.72 52 FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa: Nova edição - rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

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A anta (Tapirus terrestris ), habitante da Serra do Tapirapuã, produzia trilhas por eles

utilizadas para galgar o cume da serra. Membros de famílias de lavradores que migraram para

Tangará da Serra nas décadas de sessenta e setenta observaram que as trilhas deste mesmo

mamífero florestal facilitaram aos picadeiros a passagem pelo cerrado e a entrada nos

campos do Tapirapuã.

A Serra do Tapirapuã e seus campos vão ser representados por BADARIOTTI como

sertão, um lugar pouco habitado, longe da civilização, que, em vários momentos de sua

viagem, ao olhar para trás, vivia momentos nostálgicos. No século XIX, os viajantes

consideram Mato Grosso um lugar longínquo, referindo-se especialmente aos núcleos urbanos

principais como Cuiabá, Cáceres e Corumbá. Desta forma, podemos analisar quanto o

Tapirapuã era imaginado distante do litoral, a paisagem cultural, considerada civilizada. 53

Denise MALDI, ao fazer uma reflexão antropológica de alguns espaços brasileiros,

analisa os conceitos de sertão, oportunizando entendermos a representação da Serra do

Tapirapuã legada por Nicolao BADARIOTTI:

(...) o que os cronistas registram é a imagem da paisagem, construída através do seu ideário estético e cultural. O Brasil, tanto pela sua imensidão paisagística quanto pelo processo histórico da sua ocupação, possibilita a emergência de categorias próprias de geografia ideológica e estética, cunhadas ao longo das crônicas. Como sertão e pantanal, por exemplo.54

O texto de BADARIOTTI não se exaure nestas considerações acima e outros aspectos

da sua obra serão retomados ao longo desta dissertação. Suas representações sobre o ambiente

53 ARRUDA, Gilmar. Cidades e sertões : entre a História e a memória. São Paulo: EDUSC, 2000, p.176, afirma que: “...sertão é uma descrição da natureza, uma paisagem, ou muitas paisagens com o mesmo nome. A utilização do termo é bastante antiga, mas não é uma palavra brasileira. Suas origens remont am ao período medieval português e é encontrado na África. Em Portugal, estaria ligado à região de terras secas, pouco férteis e despovoadas. O que interessa é que ela serviu e serve para designar diversas realidades físicas e assumiu, na cultura brasileira, um enorme significativo” Também podemos conferir esta discussão em GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Nos confins da civilização: sertão, fronteira e identidade nas representações sobre Mato Grosso. São Paulo, 2000. Tese. (Doutorado em História) - Departamento de História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade de São Paulo. Parte II. 54 MALDI, Denise. Pantanais, planícies, sertões: uma reflexão antropológica sobre espaços brasileiros . Revista Matogrossense de Geografia. Ano 01, número 00. Cuiabá, EdUFMT, 1995. p.91 (grifos da autora).

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serão usadas de forma comparativa entre as representações elaboradas sobre o ambiente do

Tapirapuã por outras categorias que seguem, como as famílias de lavradores.

Figura nº 03 Mirante da Serra do Tapirapuã – Tangará da Serra - MT

FONTE: Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Turismo. Tangará da Serra, 2001.

1.3 - Os Picadeiros requadriculam o espaço

O que faziam os picadeiros, na década de cinqüenta do século XX, nos campos do

Tapirapuã, nos caminhos dos rastros das antas? Continuava a política getulista da “Marcha

para Oeste”, demarcando territórios para inseri-los no mercado capitalista nacional, de acordo

com o que estabelecia o Estado Novo, usando a estratégia destacada por Alcir LENHARO:

(...) os desdobramentos da proclamação permitiram-me perceber como foi sendo articulada a política geral de colonização do Estado Novo, estrategicamente centrada sobre a criação de colônias agrícolas nacionais no interior do país, nas áreas ditas “vazias”. Tal política foi sendo implantada simultaneamente à manutenção de alianças com os

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grandes proprietários de terras que não foram ofertados diretamente pelas obrigações trabalhistas aplicadas nas cidades.55

Os picadeiros que ultrapassaram a Serra do Tapirapuã, cartografando o cerrado e as

matas ciliares dos inúmeros córregos que compõem a bacia do Paraguai, efetivavam a política

fundiária mato-grossense desenvolvida pelos Serviços Estaduais de Terra e Colonização,

formado pelo Departamento de Terras e Colonização (D.T.C.) e pela Comissão de

Planejamento da Produção (C.P.P.).

Conforme Gislaine MORENO, o Departamento de Terras e Colonização (D.T. C.) foi

criado em 1946 em substituição à Diretoria de Terras e Obras Públicas, criada em 1902, tendo

como principais atribuições a regularização fundiária do Estado, a orientação técnica aos

órgãos subordinados, a legalização de propriedades e explorações rurais e o estabelecimento

de regras para a imigração e colonização de Mato Grosso. Este órgão de terras sempre teve

instalações físicas precárias e problemas de recursos humanos, nunca teve sua estrutura

funcionando regularmente.56

MORENO registra que, em 1948, foi regulamentada a Comissão de

Planejamento da Produção (C.P.P.), criada para gerar as condições básicas para o

funcionamento do Banco Agrícola de Mato Grosso, futuro BEMAT. A C.P.P. era subordinada

diretamente ao governador do Estado, funcionando como verdadeira secretaria de Estado.

Esta comissão tinha como funções a fundação, a organização, a fiscalização das colônias, e a

assistência técnica a todos os ramos da produção agrícola, preferencialmente às sociedades

cooperativas. As atividades da C.P.P. eram financiadas pelo recém-criado “Fundo de

55 LENHARO, Alcir. Sacralização da política . 2. ed. Campinas: Papirus, 1986. p.14. 56 MORENO, Gislaine. Os descaminhos da apropriação capitalista da terra em Mato Grosso . São Paulo, 1993. Tese (Doutorado em Geografia) Universidade de São Paulo.

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Planejamento da Produção”, com base em diversas taxações: taxas de colonização, taxa de

publicidade dos processos sobre terras, além de créditos concedidos pela União.

A duplicidade de funções entre a C.P.P. e o D.T.C. concorreu para o surgimento de

conflitos entre as administrações, gerando prejuízos para o empreendimento. Estes órgãos

funcionaram juntos até o final da década de sessenta. Na década anterior, várias denúncias de

corrupção e desorganização foram dirigidas contra o D.T.C. As deficiências organizacionais

e técnico-administrativas do D.T.C., a absoluta falta de controle do processo de regularização

das terras estaduais serviram ao complicado jogo de interesses, onde objetivos econômicos e

partidários comandavam a desenfreada privatização das terras públicas.

Devido a denúncias de corrupção e irregularidades, o Departamento de Terras foi

fechado em diversas administrações. Em 1951, 1956 e 1961, as suspensões foram temporárias

e os serviços internos não foram paralisados. Em 1966, as transações fraudulentas de terras

escapavam a qualquer tipo de controle. O volume de irregularidades e de corrupção atingiu

níveis extraordinários. O governador Pedro Pedrossian para acabar com as negociatas

indiscriminadas de terras fechou o D.T.C., desta vez, por 12 anos. A C.P.P. continuou

funcionando e sendo responsável pela continuidade do programa de colonização, absorvida

pela Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso (CODEMAT), criada em

1966. 57

As terras do planalto do Tapirapuã, recortadas e medidas pelos picadeiros,

configuram-se na política do Departamento de Terras e Colonização (D.T.C.), pois o

município de Tangará da Serra, emancipado pela Lei 5.687, de 13 de maio de 1976, formou

seu território por desmembramento dos municípios de Barra do Bugres e Diamantino.

57 Todas estas informações contidas nestes três últimos parágrafos, poderão ser observadas e acompanhadas com detalhes da Legislação em MORENO, Gislaine , op. cit., capítulo 4.

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Dentre as áreas de glebas, incluindo a região de Tangará da Serra, no ano de 1954,

podemos verificar a seguinte distribuição de títulos de terras:

Tabela n.º 01 Áreas de glebas de terra, incluindo Tangará da Serra

FONTE: MENSAGEM do Governador Fernando Correia da

Costa à Assembléia Legislativa. Doc. 118-122. Rolo 9, 1954. Microfilme.

A política de colonização com imigrantes, nesta região, já era uma proposta desde o

início do século XX, como está expresso na mensagem do Presidente de Estado Pedro

Celestino Corrêa da Costa à Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso:

Por contrato assinado a 19 de outubro do ano passado o Governo do Estado concedeu ao Sr. Marquez Luigi Beccaria Incisa, 50 lotes de 10.000 hectares cada um, para serem melhor localizados pelo menos 500 famílias em cada lote. A área reservada compreende terras situadas nas margens do Paraguai, desde a confluência, do rio Sepotuba até Sant’Anna e nas margens dos rios Sepotuba, Cabaçal e Jauru até a Serra dos Parecis.

Em março último, foi extraído o título provisório da área da Concessão tendo o Concessionário, pelo contrato o prazo de um ano para mandar proceder à medição dos primeiros 25 lotes.

Apesar de se semelhantes concessões e do trabalho de introdução de imigrantes começado pela Sociedade Hacker T. Companhia, o meu Governo, para mais facilidade do povoamento de Mato Grosso e para fomentar subseqüentemente, o desenvolvimento da nossa produção cogita de favorecer, diretamente, o estabelecimento de correntes imigratórias para as nossas terras ferozes, instalando núcleos coloniais e assegurando a prosperidade de suas existentes.58

Embora tenha ocorrido este contrato, no início do século XX, não houve o

estabelecimento de imigrantes em território Paresí. Os picadeiros, de acordo com o que as

fontes nos revelam, estiveram na década de cinqüenta no processo de requadriculamento do

espaço, atendendo interesses de pessoas que conseguiram títulos provisórios de terras do

58 COSTA, Pedro Celestino Corrêa da. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa, ao instalar-se a sua 2ª Sessão Ordinária de 12ª Legislatura, em 13 de Maio de 1922. Cuiabá - Mato Grosso. Grifo meu.

Município Titulo Provisório Área Barra do Bugres 79 443.799 há Diamantino 211 553.700 há

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D.T.C. A respeito destas repartições de terras, denominadas glebas, e daqueles que as

ocuparam, trataremos a seguir.

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CAPÍTULO II

AS GLEBAS E A COLONIZADORA

Um documento necessário para pensarmos a cartografia do espaço que forma o

município de Tangará da Serra é a Planta Cadastral de Barra do Bugres - Arenápolis,

Cáceres59, de 1960, em que estão mapeadas todas as glebas de terras de Tangará da Serra.

Estas glebas somam cinqüenta e quatro e, em sua maioria, foram concedidas a descendentes

de japoneses dos Estados de São Paulo e do Paraná, sobretudo do município paranaense de

Londrina; são quase retangulares e começam na Serra do Tapirapuã e são recortadas até o

Sepotuba. 60

Dentre as glebas identificadas no mapa, não foi possível encontrar referência completa

de algumas, dado o estado de deterioração do documento. Das 54 glebas identificadas, em

sete não identificamos os seus nomes, em três não aparece o nome do proprietário e em onze a

área de terras está ausente ou incompleta.

Ao verificarmos os nomes dos proprietários, percebe-se que 30 dos identificados têm

sobrenomes de origem ja ponesa, incorporando uma área de terras de 184.531 hectares, em

uma área total registrada de 344.738 hectares. Foi bastante significante a quantidade de glebas

concedidas a esta população de “descendentes” de japoneses. Entretanto, a posse da terra não

foi efetivada por eles, pois efetuaram a venda dos seus títulos.

O gráfico que segue apresenta a divisão da área de terras entre proprietários japoneses

e outros, identificadas na Planta Cadastral de Barra do Bugres, Arenápolis e Cáceres, que

corresponde ao atual município de Tangará da Serra:

59 SILVA, Darwin Monteiro da. Planta cadastral de Barra do Bugres, Arenápolis e Cáceres . Cuiabá, 1960. 1 mapa, n.º 226; Escala 1: 250. Manuscrito. 60 Veja -se o mapa e o quadro nas últimas páginas deste capítulo.

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Figura n.º 04 Divisão das Glebas entre proprietários

Japoneses54%

Outros46%

FONTE: SILVA, Darwin Monteiro da. Planta cadastral de Barra do Bugres,

Arenápolis e Cáceres . Cuiabá, 1960. 1 mapa, n.º 226; Escala 1: 250. Manuscrito.

Com rara exceção, todas as glebas têm o recorte retangular, sendo o rio Sepotuba

divisor de glebas da Serra do Tapirapuã e da Chapada dos Parecis. Para além de sua margem

direita, iniciam-se as glebas que avançam pa ra a Chapada dos Parecis. Um picadeiro, que

realizava trabalho de agrimensor, afirmou, em entrevista, que, na época, isso era necessário,

pois mata ciliar era sinônimo de terra fértil. Para MONBEIG, a divisão das glebas indica

rumos ao povoamento e esboça a ordem que fazendeiros e sitiantes irão estabelecer.61

O mapa é pensado como artefato cultural, com os valores culturais da sociedade que o

criou, procurando representar o que o futuro colonizador desejava, carregando as marcas do

poder.62

As divisões das glebas perceptíveis no estudo enquadram-se nos processos

cartográficos anteriormente já realizados em São Paulo e no Paraná, conforme destaca o

geógrafo francês:

Tanto a gleba como o grande município das regiões pioneiras têm a forma de um amplo retângulo, cujos lados correspondem, o mais freqüentemente possível, a elementos da topografia fáceis de balizar e de posição indiscutível. Os lados alongados são, geralmente, ou linhas de separação das águas entre duas grandes bacias hidrográficas, ou cursos d’água. Espigões e rios de planaltos ocidentais estabeleceram-se, assim como os limites principais tanto dos municípios primitivos, como das vastas propriedades florestais.

61 MONBEIG, Pierre, op. cit., p 214. 62 ARRUDA, Gilmar de, op. cit., p.137- 59.

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Desde que reconhecidos os cursos dos grandes rios e também os espigões, que são bem nítidos, pode-se tomá-los como limites e precaver-se contra querelas judiciais. Para traçar os dois lados menores do retângulo, o agrimensor também pode apoiar-se na topografia. As vezes, os grandes rios, como o Grande e o Paraná, assinalam o termo final dos grandes municípios e das glebas. Em outras ocasiões os limites são fixados em córregos, afluentes dos cursos principais, ou em subafluentes. Mais freqüentemente ainda, as glebas foram delimitadas por contrafortes do espigão principal, que não passam de pequenas linhas de separação das águas entre bacias hidrográficas secundárias.63

O acesso a estas terras, que permitiu a realização desta configuração no espaço, até

então representado como sertão inóspito, foi realizado através de propaganda de terras,

especialmente pela imprensa, contribuindo para a corrida pela busca do solo fértil.

É comum encontramos, nos jornais e em revistas especializadas em agricultura da

época, anúncios convidando pessoas a se tornarem fazendeiros em Mato Grosso e,

especificamente , na região de Barra do Bugres.

Verifica-se este convite na propaganda apresentada pela Revista Brasil-Oeste. Esta

revista, editada em São Paulo, era de circulação mensal e teve sua primeira edição em janeiro

de 1956, especializada na difusão de técnicas agropastoris, na divulgação da conjuntura

econômica e de conhecimentos gerais sobre a região Centro-Oeste, particularmente de Mato

Grosso. 64

Declarada de utilidade pública pelo governo do Estado de Mato Grosso, pela Lei

1.713, de 29 de dezembro de 1961, a revista, desde o seu primeiro número, trazia as supostas

condições que os colonizadores iriam encontrar em Mato Grosso. A revista destaca os

seguintes aspectos: os territórios de Mato Grosso estão isentos de fenômenos meteorológicos

nocivos; o teor da terra favorece promissoras safras cerealíferas; o Estado apresenta boas vias

63 MONBEIG, op. cit., p. 215. 64 Essa revista tinha distribuição gratuita aos responsáveis pela produção da lavoura e da pecuária, aos agrônomos, veterinários e técnicos agrícolas, às entidades representativas das atividades agropastoris e às empresas diretamente vinculadas à produção agropecuária.

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de comunicação, como estradas e transporte; posição geográfica de Mato Grosso com

expansão comercial para grandes centros e para Bolívia, Paraguai e Argentina; em território

mato-grossense, a cafeicultura encontra condições ecológicas favoráveis, o que explica o

aumento considerável das lavouras de café.65

Desta forma, a revista apresenta imobiliárias vendendo terras mato-grossenses em

diversos escritórios espalhados por São Paulo, Paraná e Cuiabá, como verificamos no anúncio

em destaque:

IMOBILIÁRIA PRESIDENTE - Registrada em CUIABÁ sob o n.º 3.403 -

Escritório em São Paulo: Rua São Bento, 470 - 4º andar - Sala 412 - Telefone: 35-3640.

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As terras de MATO GROSSO são próprias para café, cereais (arroz, feijão, milho, etc.), batata, hortelã, borracha, etc.

A ponte sobre o Rio Paraná, com 20 metros de largura por 1.260 metros de comprimento, será uma obra espetacular, em futuro próximo, dando tráfego em três vias. Conforme publicação feito no “O Estado de São Paulo”, edição de 20 de novembro de 1952, ela ficará pronta dentro de três anos, permitindo assim a extensão da Estrada de Ferro Araraquara, até Cuiabá.

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65 REVISTA Brasil - Oeste. Agricultura, pecuária e economia. São Paulo, v.8, 1956 . Rolo 59. Microfilme.

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Grosso, ao preço oficial, acrescido de pequena comissão por esse serviço, a qual será paga mediante a entrega dos documentos do Estado.

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Faça uma visita sem compromissos ao nosso escritório ou procure nossos corretores autorizados. Atendemos também a pedidos de qualquer localidade, por meio de correspondência.66

Na revista Brasil Oeste, publicada entre 1955 e 1966, divulgando as terras de Mato

Grosso e do Estado de Goiás, há páginas inteiras de propaganda de terras do Centro-Oeste em

língua inglesa. Estas edições eram levadas para fins turísticos ao Escritório Comercial do

Brasil nos Estados Unidos, com sede em Nova York, conforme destaca a revista.

A próxima propaganda que apresentamos, registrada pela revista Brasil-Oeste, é

específica no convite para as terras do município de Barra do Bugres, destaca a fertilidade do

solo e o indica para o plantio do café.

“Torne -se fazendeiro em Barra do Bugres!

O município de Barra do Bugres, a 180 KM a NO de Cuiabá, está se tornando pioneiro da cafeicultura no norte de Mato Grosso.

Situado a boa altitude, servido por numerosos cursos d’água e dispondo de terras de alto teor (roxas e massapés), para ali estão afluindo velhos fazendeiros, em demanda de melhor oportunidade para um recomeço de vida.

As estimativas de fontes idôneas acusam a existência de mais de 350 000 pés de café em pleno desenvolvimento no município de Barra do Bugres.

Ademais, estão em formação novos cafezais, alguns deles diretamente por nossa firma, mediante contrato de empreitada com clientes.

Não será exagero afirmar-se que dentro de cinco anos, - no máximo - a produção cafeeira de Barra do Bugres começará a pesar de maneira destacada na economia nacional.

66 REVISTA Brasil - Oeste. Imobiliária Presidente. São Paulo, v. 29, 1959. Rolo 60. Microfilme.

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Temos a venda diversas glebas de terras em Barra do Bugres, com áreas de 100 a 1000 alqueires, a preços vantajosos e com facilidade de pagamento.”67

Com a propaganda realizada e com o incentivo do Estado para a ocupação das “terras

devolutas”, o planalto do Tapirapuã vai ser novamente quadriculado em 1956. Kubo

Sakuyoshi, agrimensor, morador do Paraná, procurador de outros japoneses que conseguiram

títulos de terras, veio para esta região com o objetivo de conferir estas glebas em Mato

Grosso. 68

Kubo Sakuyoshi, auxiliado por uma equipe, seguindo o caminho das antas e dos

poaieiros e seringueiros, veio com o propósito de conferir as medidas das glebas estabelecidas

pela cartografia do Departamento de Terras. Entretanto, uma das glebas presentes no mapa

cartográfico não existia de fato, mas o seu proprietário, um japonês residente no Paraná, já

havia vendido seu título para terceiros que vieram a ocupar a gleba. Não existindo a gleba

efetivamente, a posse foi efetuada pelos novos compradores no limite entre duas outras

glebas. Percebendo esta situação, Kubo Sakuyoshi, representando os interesses dos

proprietários das “glebas invadidas”, solicitou a saída dos “invasores” das terras. Após estes

67REVISTA Brasil-Oeste. Torne-se Fazendeiro em Barra do Bugres . São Paulo, v. 02, 1956. Rolo 59 .Microfilme. 68 Conforme relato de Uraci Maciel SaKuyoshi, em entrevista realizada em Tangará da Serra em 10 out. 2001, Kubo Sakuyoshi era imigrante japonês, filho de família rica no Japão, que veio com capital para o Brasil, aos dezoito anos de idade. Morou no Rio de Janeiro, mudou-se para a região noroeste de Bauru, no Estado de São Paulo, casou-se com uma brasileira, professora, filha de um abastado fazendeiro de café do vale do Rio do Peixe em São Paulo, foi produtor de hortelã. Após a segunda Guerra Mundial, transferiu-se para a Capital de São Paulo, por problemas financeiros, ocorridos durante a guerra. Na capital paulista, foi dono de um armazém atacadista de cereais, começando a estabelecer contatos comerciais com o norte do Paraná, no início da década de 1950. Após este contato, principalmente com a região de Londrina no Paraná e depois como morador do Paraná, estabeleceu relações comerciais com outros japoneses que o nomearam procurador para medir as glebas conseguidas por irr isórios preços em Mato Grosso.

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conflitos, em uma emboscada depois do distrito de Nova Olímpia, a caminho de Barra do

Bugres, ele foi assassinado. 69

Talvez por este fato, os colonos japoneses venderam suas terras em um curto período

de tempo. Deve-se registrar que Tangará da Serra também recebeu posteriormente famílias de

descendentes de japoneses nos anos sessenta, procedentes da colônia agrícola do Rio Ferro

(Mato Grosso), projeto de colonização que não foi bem sucedido. 70

O fato acontecido com Kubo Sakuyoshi estava ligado ao comércio fundiário mato-

grossense na década de cinqüenta, conforme destaca João Mariano de OLIVEIRA:

Embora não conste nenhuma colônia agrícola federal no Estado, tem-se que essas terras ficaram sob a gerência do Departamento de Terras e Colonização do Estado, que se pôs a vendê-la indiscriminadamente, no Estado e fora dele. É assim que em 1953 tem se em Mato Grosso a presença dos famosos beliches fundiários que se verificam especialmente, no município de Diamantino, particularmente, na área cortada pela BR 364 (Cuiabá - Porto Velho) envolvendo terras dos municípios de Cáceres e Vila Bela da Santíssima Trindade.71

O caso de Kubo Sakuyoshi não foi o único conflito fundiário em Tangará da Serra,

mas muitos outros aconteceram com a expansão dessa fronteira, entre fazendeiros e

fazendeiros, fazendeiros e posseiros, entre fazendeiros e índios, proprietários e não-

proprietários de terras, alguns ainda persistindo até os dias de hoje. Uma revista de 1980, ao

registrar as qualidades da microrregião do Alto Paraguai, à qual pertencia geograficamente o

município de Tangará da Serra, representa assim o ambiente:

Tem problemas similares aos de outras regiões, como superposição de títulos de propriedade, concentração fundiária excessiva e especulação imobiliária, porém, em compensação, revela grande potencial agrícola, baixo índice de erosão ou irregularidades

69 Estas considerações sobre a vida de Kubo Sakuyoshi estão presentes na memória de alguns entrevistados e especialmente na de seu filho Uraci Maciel Sakuyoshi. 70 Diário de Cuiabá, ed. 9909. 1.4.2001. Caderno Cidades. 71 OLIVEIRA, João Mariano de. A Esperança vem na frente: contribuição ao estudo da pequena produção em Mato Grosso, o caso de SINOP, São Paulo, 1983. Dissertação. (Mestrado em História) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. p. 56-7. Grifo meu.

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topográficas; de seus 28,421 km2, apenas 8% são tidos como inaproveitáveis.72

É fundamental observar a propaganda que o veículo de comunicação apresenta,

colocando a questão dos beliches de terras, superáveis pela fertilidade do solo. Registramos,

contudo, a permanência de violência no campo, como responsável também pelos movimentos

populacionais destas regiões de fronteiras. 73

A violência, apesar de inibir alguns grupos, como dos capitalistas japoneses, não

impede o avanço da frente pioneira e nem da frente de expansão,74 e nem mesmo o embate

entre elas, pois a violência é parte substancial deste processo:

Porém o avanço da frente pioneira sobre a frente de expansão e a conflitiva coexistência de ambas é mais do que contraposição de distintas modalidades de ocupação do território. Ao coexistirem ambas na situação de fronteira, dão aos conflitos que ali se travam, entre grandes proprietários de terra e camponeses e entre civilizados, sobretudo grandes proprietários, e índios, a dimensão de conflitos por distintas concepções de destino. E, portanto, dimensão de conflitos por distintos projetos históricos ou, ao menos, por distintas versões e possibilidades do projeto histórico que possa existir na mediação da referida situação de fronteira é um ponto de referência privilegiado para a pesquisa sociológica porque encerra maior riqueza de possibilidades históricas do que outras situações sociais. Em grande parte porque mais do que o confronto entre grupos sociais com interesses conflitivos, agrega a esse conflito também o conflito entre historicidades desencontradas.75

72 PERFIL, Administrações estaduais 1980 - Centro - Oeste. Número 11. p.111. 73 Devo aqui registrar que não é objetivo deste trabalho um estudo sobre a violência no campo, mas deverá ser objeto de análise em outras pesquisas, pois os documentos, como processos crimes e registros policiais deste ambiente precisam ser tornados visíveis. Analisar as práticas de violência rural e urbana é mais que tentador para o pesquisador é sobretudo percorrer labirintos que a sociedade facilmente não mostra os caminhos. Sobre a violência no campo neste ambiente é fundamental a dissertação de mestrado de FERREIRA, Eudson de Castro. Posse e propriedade: a luta pela terra em Mato Grosso. Campinas, 1984. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade de Campinas. Verificar principalmente a nota 7 da página 14. Ver também DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE MATO GROSSO. Governo desapropria 6 mil hectares e beneficia 360 famílias. Cuiabá, 02 set. 1988. N.º 20.018. Ano XCVIII. 74 Os conceitos de frente pioneira e frente de expansão são abordados na perspectiva de MARTINS, José de Souza. Fronteira - A degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997. Capítulo 4. 75 MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997. p.182. Grifo do autor.

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Parte da frente pioneira, principalmente na década de 1960, no ambiente em estudo,

foi efetivada pela colonização privada da Sociedade Comercial Imobiliária de Tupã para a

Agricultura Ltda. (SITA).76

Inicialmente, conforme Planta Cadastral, as glebas de terra que formaram a

Colonizadora eram: Santa Fé, com 9.870,00 hectares e 3.045 m2, de propriedade de Euclides

Borges Leal; Juntinho com 6.020,00 hectares pertencendo a Tokinobú Kaike; Esmeraldo, de

Ichizo Yamaneca ou T. Kussumo 77. Além destas glebas, muitas outras foram distribuídas pelo

ambiente que hoje se denomina Tangará da Serra, reespacializadas dinamicamente conforme

os interesses econômicos dos proprietários, segundo já destacadas em mapa anterior.

Está lavrado no Registro Geral de Imóveis do Cartório do Primeiro Ofício, segundo

quadro a seguir, a seguinte evolução da gleba Santa Fé, uma das formadoras da SITA. É

também nesta gleba que foi criado o loteamento urbano, dando origem à cidade de Tangará da

Serra.

76 É necessário registrar que a CITA - Companhia Imobiliária Tupã para a Agricultura, passou a ser denominada depois do contrato registrado sob n.º 4, em 30 de janeiro de 1969, de SITA - Sociedade Imobiliária de Tupã para Agricultura Ltda., e conforme outros documentos do Cartório do Primeiro Ofício de Rosário Oeste - MT, datados de 1965 registra-se SITA - Sociedade Comercial Imobiliária de Tupã para a Agricultura. 77 Não encontrei registro do tamanho desta gleba nem o primeiro nome do proprietário, apenas sua inicial T.

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Tabela n.º 02 A Gleba Santa Fé e seus registros

Registro no Cartório

Data do Registro

Área em hectares

Transmitente Adquirente Título Definitivo ou escritura

Fls. 55 Livro 3-C N.º 1886

20/12/1955 5.860,00 Estado de Mato Grosso

Euclides Borges Leal Título Expedido em 19/11/53

Fls. 62 Livro 3-C N.º 1913

20/01/1956 5.860,00 Euclides Borges Leal e sua esposa

Fabio Liserre Júlio Martinez Benevides Joaquim Oléa

Escritura L.º 81 - fls. 09 Cartório de Tupã - SP

Fls. 134 Livro 3-D N.º 3461

12/05/1959 1.115,00 Júlio Martinez Benevides e sua esposa

Fabio Liserre Joaquim Aderaldo de Souza

L.º 26 - fls. 70/70v em 26/12/1957 - Cartório de Tupã - SP

Fls. 265 Livro 3- D N.º 4004

13/04/1960 5.860,00, que, após revisão, passou a ter 9.870 e 3.045 metros

Euclides Borges Leal e Estado de Mato Grosso

Fabio Liserre Júlio Martinez Benevides Joaquim Oléa

Título definitivo expedido em 11/04/1960

Fls. 112 Livro 3-F N.º 5586

19/02/1964 847,00 Joaquim Aderaldo de Souza e sua esposa

CITA - Companhia Imobiliária Tupã para Agricultura

L.º 124 - fls. 02 em 06/08/1959 Cartório de Tupã - SP.

FONTE: CARTÓRIO DO PRIMEIRO OFÍCIO DE ROSÁRIO OESTE - MT, Registro Geral de Imóveis. Rosário Oeste - MT - 05 de mar. 1991.

Sobre as glebas formadoras da SITA, o padre José Egberto fez as seguintes anotações:

Em 1953, o Sr. Júlio Martinez Benevides e o Sr. Joaquim Oléa, eles compraram do Sr. Cândido Borges Leal e filhos. Em 1954 Dr. Fabio Liserre comprou em comum mais áreas. Veio o Sr. Joaquim Aderaldo em 1954, mas não conseguiu localizá-las. Em 1955 o Sr. Joaquim Aderaldo veio com o engenheiro Domingos Lima e seu agrimensor Joaquim Lima. Desde da Barra do Bugres até aqui com camaradas e tropas, fazendo picadas até a cabeceira do córrego do Estaca e aí ficando dois anos. Onde foi feito o primeiro campo de aviação. Aí foi demarcado os lotes Santa Fé, Santa Cândida, Esmeralda e Juntinho.78

78 LIVRO TOMBO DA REITORIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA, Tangará da Serra - MT, 1967. p.6.

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O espaço já estava sendo reorganizado para uma reocupação, conforme a política do

Departa mento de Terras de Mato Grosso solicitava. A análise das mensagens dos

governadores permite vislumbrar a idéia e a visão de “progresso”. A exemplo, podemos citar

a mensagem de Fernando Corrêa da Costa no ano de 1955, sobre os contratos que as empresas

das colonizadoras deveriam fazer: “Colocar nas terras os colonos que virão povoar, a dotá -

las de meios de comunicações, de medi-las, de marcá-las, loteá-las, de saneá-las e assistir

aos colonos que delas se fixarem.” 79

Este discurso ia de encontro à proposta das empresas colonizadoras. Regina Beatriz

GUIMARÃES NETO possibilita um interessante contraponto. 80 Em a Lenda do Ouro Verde,

a referida historiadora aborda o lado do colono de Alta Floresta, cidade ao norte no Estado de

Mato Grosso e de como a propaganda estimula-o para as novas áreas. A estratégia principal

que a Colonizadora preparava era reunir em um só anúncio três pontos principais: a terra, a

família e o futuro. 81

Ao relatar sobre a propaganda realizada pelos corretores de terras no norte do Paraná

ou na região da Alta Paulista em São Paulo, um membro da colonizadora afirma:

Não levam discursos, levam a idoneidade dos proprietários, falavam muito, por que nessa região da Alta Paulista, interior de São Paulo a gente era muito conhecido, todos os três, na região do Paraná também idem. Quer dizer que perguntavam de quem que é a firma a empresa, é de fulano e fulano, então não é problema.82

79 NDIHR, Mensagem dos governadores : Fernando Corrêa da Costa (1955).. Rolo 9. Doc. 118-122. Data 1954-1959. Microfilme 80 GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz - A lenda do ouro verde. Campinas, 1986. Dissertação. (Mestrado em História) Universidade de Campinas. 81 Desta forma, certamente será permitido iniciar uma análise, que será efetivada na próxima parte desta dis sertação, sobre o que significou a propaganda na colonização de Tangará da Serra e como o ambiente era usado neste contexto. 82 MARTINEZ, Wanderlei. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 25 maio 1991.

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Na escrita sobre as bandeiras do século XIX e XX, CASSIANO RICARDO83 destaca

o espírito do bandeirante paulista na ocupação de “novas áreas” e, desta forma, podemos

relacionar com a idoneidade que o colonizador relatou.

CASSIANO RICARDO84 faz uma verdadeira apologia ao neobandeirantismo do

século XIX e XX, destacando o paulista como o continuador destas aventuras de dominar

ambientes, agora locais, para o plantio do café. Assim define o novo bandeirante:

(...) a palavra “bandeirante” toma um sentido mais amplo; é sinônimo de pioneiro, de sertanista, de “grande empreendedor”; é o que funda cidades, o que atende à voz do Oeste, o que toma parte em expedições para o interior do país, o que emigra de uma região para outra (de um foco de propulsão para outro, ou de atração), com qualquer um dos objetivos da bandeira.85

Identificando-se como dignos bandeirantes, paulistas, min eiros, paranaenses e

nordestinos, foram para Tangará da Serra, carregando consigo o emblema de fundador de

cidades e o perfil de pioneiros, como escreve MONBEIG86, ou na busca do ouro verde e

outras vantagens que a terra parecia oferecer. CASSIANO RICARDO também caracteriza

como “paulista”, o goiano, o mineiro, o mato-grossense, o fluminense, o paranaense, o

catarinense, o rio-grandense-do-sul, ou seja, todos aqueles que contribuíram para a

“integração nacional”, no fenômeno moderno que ele caracteriza como bandeirantes do século

XX. 87

Não como bandeirantes do século XX, mas como frente pioneira, os donos das glebas

contavam com a tecnologia da aviação. O padre José Egberto Pereira registra, na citação

anterior, que o primeiro plano dos “picadeiros” que estavam a serviço da colonização era

buscar um ambiente adequado para um campo de pouso para o avião.

83 RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste: a influência da “Bandeira” na formação social e política do Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1970 - v.2. 84 Ibid., cap. XXII a XV. 85 Ibid., p.562 86 MONBEIG, op. cit., Cap. II 87 RICARDO, Cassiano, op. cit., p.563

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CASSIANO RICARDO dá ênfase à utilização desta tecnologia moderna, que

contribui de maneira significativa para eliminar o mito do isolamento dos espaços brasileiros:

Na nova Marcha para Oeste, a técnica de hoje terá um grande e inconfundível papel. Basta

lembrarmos o avião, que tornou o país mais presente a si mesmo. 88

Antes mesmo de alguma família constituir moradia no planalto do Tapirapuã, o avião

identificava o ambiente, sobrevoando-o, mapeava o cerrado e analisava as matas ciliares do

vale do Sepotuba.

A cartografia da terra ou seu reconhecimento, feitos através do avião, contribuiu

também para os problemas referentes aos beliches de terras já destacados anteriormente,

provocando um cenário de violência próprio da fronteira.

O depoimento de um comerciante, corretor de terras, aborda esta relação do

reconhecimento e da venda de terras, apenas sobrevoando o ambiente:

Existiu crimes por causa da questão de terras, os poucos que existiram estavam relacionados a pistoleiros, alguém vigiando terra de alguém, alguém entrando em terra de alguém. Mas, entre pequenos que foi a meta da SITA, desse loteamento, não me consta nenhum caso desse. Todos os outros que aconteciam foram pistoleiros pagos por grileiros, grandes grileiros, vigiando grandes terras latifundiárias, esses latifundiários entravam em atrito entre eles mesmos, porque em primeiro lugar a divisa me parece ter sido marcada de avião e helicóptero, os donos nunca moraram aqui. As divisas foram marcadas por rios, de um rio ao outro eles apenas viam lá de cima e não sabiam que existiam outros córregos, essas coisas são de grande importância.89

Esse ambiente quadriculado por índios, poaieiros, seringueiros, expedicionários e

sobrevoado pelo avião para uma reconfiguração do espaço, a partir da década de sessenta,

receberá as famílias de lavradores, cuja naturalidade, procedência, motivos pelos quais

romperam e organizaram uma vida diferente no ambiente de Tangará da Serra, serão objetos

de análise na segunda parte deste estudo.

88 Ibid., p.615 89 RAMOS, Gabriel Constâncio. Entrevista ao autor. Tangará da Serra, 30 maio 2001.

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Entretanto, será realizada agora uma reflexão sobre o paradoxo paredões do medo e

platô da esperança, continuando as análises sobre as representações da Serra do Tapirapuã.

Neste próximo capítulo, as representações do ambiente são destacadas pelas famílias

migrantes e pela imprensa local.

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Tabela Nº 03 Divisão das glebas de terras em 1960, que corresponde ao município de Tangará da Serra - MT

N.º Nome da Gleba Proprietário Área em hectares 01 Pratinha Kazoi Fuzioka n.c. 02 Pitangas Massanori Hiroke 4.952 03 Recanto Alegre Sadaychi Missano 4 .952 04 Cantagalo Tsunekiti Yonegura 8.806 05 Amor Shrio Okoyama 5.473 06 Progresso Tókio Koyke 5.193 07 Boa Vista Osamu Koyke 5.157 08 Paraíso Ana Augusta Mota 7.014 09 Assay Suma Koyke n.c. 10 Palmital Shiguarú Kawamura 6.619 11 Bandeirante Tomae Kimoto 5.408 12 Boa Esperança Yoshio Kimoto n.c. 13 Juntinho Tokinobu Kaike 6.020 14 Santa Fé Euclides Borges Leal 5.860 15 Esmeraldo Ichizo Yamaneka ou T. Kussamo n.c. 16 n.c. Evandro Floriano Almeida 4.580 17 S. Salvador Miyo Fujita e Josako Ikeda 6.281 18 S. Paulino Sussumo Nakamura 6.220 19 S. Cândida Cândido Borges Leal n.c. 20 Lote Lunardélli n.c. n.c. 21 n.c. Maria Vitória Garcatte 9.860 22 Aurora Maria Áurea Adrien n.c. 23 Sesmaria Tapirapuã n.c. 22.620 24 Pilão Deitado Tapirapuã n.c. 3.397 25 n.c. Maria C. M. Lisboa 6.30? 26 Capricho Maria Ignês França Adad 7.109 27 Conceição Luiz V. dos Reis 9.780 28 Triângulo Maria Barbosa 9. ??? 29 São Gonçalo Gonçalo G. Souza 9.594 30 Passatempo Mária W. n.c. 31 Quilombo Akira Kamuyama 9.744 32 Jaú Jiro Abe 7.475 33 Jangada Tosimi Ueyama 7.950 34 Oriente Tokita Tokikawa Fujji 8.817 35 Brotas Linda Takichima 8.519 36 Vila Bela Nassaharu Watanabe 6.069 37 Prateado Mário Watanabe 9.144 38 Passa Três Watanabe 9.265 39 Ouro Verde Sanae Ueda 6.882 40 Ouro Preto Missuko Ikeda 8.361 41 Tangará Makáo Massanobú 9.020 42 Serra Azul Nakáo Massaro 9.207 43 Alvorada K. Kimoto n.c. 44 n.c. Fernando do Carmo Lisbôa 7.158 45 Uval Alice de Jesus 8.755 46 Vera Cruz Haruo Nakao 9.134 47 Barra Mansa Eika Fujissawa Yoroka 8.298 48 Nobreza Fujiwara Nabuaki 9.040 49 Bonito Francisco Alves Carneiro 8.854 50 Mata Formosa Amélia Adrien Carneiro 9.997 51 São Félix Fidadelfo Zacarias Souza 9.900 52 n.c. Antônio Stocco 9.789 53 n.c. Antônio Ross 9.844 54 n.c. Pedro Tricca 8.621 FONTE: SILVA, Darwin Monteiro da. Planta Cadastral ... Cuiabá, 1960. 1 mapa, n.º 226; Escala 1:250. NOTA : Onde aparece n.c. não foi encontrada referência no mapa.

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Figura 05

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CAPÍTULO III

AS FAMÍLIAS ENTRE O MEDO E A ESPERANÇA

O jornal Folha de Tangará90, no dia 23 de fevereiro de 1975, publicava a visita do

governador do Estado de Mato Grosso, José Manoel Fontanilas Fragelli, para inaugurar e

entregar oficialmente o trânsito da serra que ligava Tangará da Serra ao restante do município

de Barra do Bugres. Às 17 horas, conforme informou o semanário, a comitiva do governador

parou na Serra do Tapirapuã pa ra o corte da fita, inaugurando a estrada Barra do Bugres -

Tangará da Serra.

Esta estrada foi inaugurada oficialmente em 1975 e pavimentada na década de oitenta.

A atual MT - 358 foi aberta, conforme registra o Livro Tombo da Reitoria de Nossa Senhora

Aparecida, em 1961, quando Joaquim Aderaldo de Souza passou pela primeira vez com um

Jipe 91, trazendo pessoas para trabalhar para a colonizadora SITA. Em 1965, um trator nivelou

a estrada.

Na década de 1960, a população que chegava em Tangará da Serra fugindo do

obstáculo da serra, usava o trajeto Cuiabá, Nobres, Diamantino, Alto Paraguai, Santo Afonso

a Tangará da Serra; estas localidades eram mais antigas e o trajeto por elas constituía um

caminho mais seguro para a população que se deslocava para o planalto do Tapirapuã, pois

não teriam que transpor a serra para chegar na localidade de Tangará da Serra.

Um senhor procedente de Minas Gerais narra sua chegada em Tangará da Serra em

1964, quando veio conhecer as terras, tão bem divulgadas em sua região: 90 A Folha de Tangará era um jornal semanário que destacava alguns acontecimentos do povoado de Tangará da Serra, que, conforme seu editor Gabriel Constâncio Ramos, era distribuído aos domingos, tendo durabilidade de 1974 a 1975. A primeira tiragem do jornal foi de 400 exemplares, tendo alcançado até 1200 assinantes. Os assinantes não eram apenas de Tangará da Serra, mas de outros Estados do Brasil, principalmente de Minas Gerais, terra natal do editor. 91 Conforme HOUAISS, Antônio et al. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.1682. Jipe - pequeno veículo motorizado versátil, de tração nas quatro rodas, criado para fins militares na Segunda Guerra Mundial e aproveitado posteriormente em serviços rurais.

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(...) eu vim por Nobres, Diamantino, Alto Paraguai, quando eu vim só se chegava aqui por ai, a serra com um trabalho de abertura de muito trilhozinho, subia de jipe de tração. Depois foi ampliando tirando os empecilhos começaram a subir carros, porém com um carga muito pequena (...)92

Conforme vários relatos orais, em 1961 começou a abertura da estrada que liga

Tangará da Serra a Barra do Bugres. Sua conclusão em 1962 foi em regime de mutirão. Esta

estrada criou oportunidade para que vários migrantes pudessem ter acesso a Tangará da

Serra.93

Os moradores da localidade que se iniciava trabalhavam em conjunto, usando o Jipe

de Joaquim Aderaldo da Silva, para abrir a estrada. Os caminhos escolhidos eram aqueles de

mais fácil acesso, principalmente com o predomínio de vegetação, como campo ou cerrado. O

veículo arrastava uma enorme tora de aroeira, com ferros pontiagudos encravados no meio,

formando uma espécie de rastelo gigante, que, puxado pelo Jipe, ia limpando os trechos já

demarcados. Outros homens vinham atrás, retirando raízes e socando o solo com

compressores feitos de madeira.

As fontes orais destacam também que foi desta forma a construção da estrada que liga

Arenápolis e Santo Afonso a Tangará da Serra, sendo Joaquim Aderaldo de Souza o

idealizador e construtor inicial da estrada.

Um paulista, ex-radialista, relata a forma rotineira de construção de estradas na década

de sessenta, quando chegou em Tangará da Serra: Naquele tempo as estradas eram feitas de

machado e enxadão, pelo próprio punho dos pioneiros. E nas regiões de cerrado as estradas

eram feitas no pára-choque das viaturas.94

92 RAMOS, Gabriel Constâncio. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 30 maio, 2001. 93 O conceito de mutirão é usado como uma das formas de solidariedade apontadas por CANDIDO, Antônio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e transformação dos seus meios de vida. 6. ed. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1982. p.67 - 77. 94 SILVA, Rosamaria Freire. Conhecimentos sobre Tangará da Serra. 1997. Trabalho de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

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Depois de aberta, mesmo não oferecendo boas condições de tráfego, algumas famílias

seguiam a recente estrada, para continuar construindo sua história. A memória de alguns

moradores produz representações deste percurso, principalmente da Serra do Tapirapuã,

destacando o paradoxo, paredões do medo e platô da esperança:

De Cuiabá para Tangará, nós utilizávamos um Jipe Toyota e caminhão, mas caminhão era muito difícil chegar em Tangará, muitas vezes era preciso dar a volta por Diamantino, que já tinha estrada melhor, fazia o percurso de Cuiabá a Diamantino, de Diamantino a Arenápolis, Arenápolis no Afonso a Tangará da Serra, isso por caminhão, porque na serra era intransitável naquela época, principalmente de época de chuva. Caminhão com uma certa lotação não tinha condições de subir a serra, muitas vezes era preciso descarregar embaixo e fazer o transporte por carros pequenos, ou meia carga, depois voltar para lá embaixo para acabar de transportar a carga para cima. As estradas eram péssimas e o transporte na serra, em certas épocas do ano era impraticável. 95

A abertura da estrada pela serra e sua transposição passam a ser sinônimos de

progresso para muitos moradores:

Quando abriu a serra, foi chegando os primeiros agricultores, subindo a serra, vem tudo, um traz uma coisinha, outro traz outra. ... Eu nunca esperava que a serra ia fazer um asfalto igual tem. Lembro do tempo que eu entrei aqui, pra vê agora. Eu pensei que nunca fazia asfalto. Agora está uma beleza. Graças a Deus, Agora todo recurso nós temos.96

A representação feita pelo planalto do Tapirapuã como de ambiente privilegiado

extrapola os anos setenta e aparece em destaque no jornal local da década de noventa do

século XX:

Para quem escolheu Tangará da Serra como torrão adotivo, aqui vivendo e fazendo sua história, não é nada fácil falar ou escrever sobre este pedaço encantador de Mato Grosso, sem se deixar trair por uma profunda emoção.

De fato, já começamos a sentir uma sensação diferente, agradável quando adentramos seus limites através da estrada que corta a serra do Tapirapuã, logo após ultrapassar a conhecida Pedra Solteira, encontramos um outro tipo de paisagem e imediatamente passamos a

95 TAVARES, Hélio. Entrevista ao autor. Tangará da Serra, 23 maio, 1991. 96 RODRIGUES, Maria Beazóli. Entrevista ao autor. Tangará da Serra, 11 maio, 1991.

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sentir no rosto o afago de uma brisa suave que nos indica um clima ameno, muito gostoso.

E a medida que mais nos aproximamos da já famosa cidade de Tangará da Serra, a ansiedade aumenta, talvez por sentirmos a esta altura que estamos pisando realmente numa terra diferente, por sentirmos a sensação concreta que estamos numa terra promissora, dotada de algo milagroso que nos enche de otimismo e nos dá a certeza de estarmos numa terra onde o futuro é o mais promissor possível.97

Os jornais locais, constantemente, registravam algumas representações do ambiente

tangaraense, sempre enfatizando a “vida penosa” dos primeiros moradores, as dificuldades a

que poderiam ter-se submetido, comparando com os aspectos tecnológicos atuais. Os registros

são geralmente usados para destacar uma vida de dificuldade, enfrentada pelos primeiros

moradores, como se os obstáculos e os problemas atuais fossem inexpressivos diante da vida

passada.

Artur Pannebecker, em um artigo jornalístico, nos anos oitenta, enfatiza como a vida

de duas famílias, que sofreram as “amarguras” no tempo passado, os coloca como exemplos

de “heroísmo” para a juventude do tempo presente:

Qual seria a idéia do Sr. Antônio Luiz do Nascimento e de Dona Maria, sua esposa, que subiram a serra com seu Jipe há 22 anos atrás, amarrando um cabo de aço de árvore em árvore e com uma catraca, puxava aos poucos, para vencer a serra.

Mas a curiosidade é um outro casal que subiu a pé pelo carreiro das antas com seus filhos e mochila nas costas. E o que é notável é que Dona Maria Beazóli Rodrigues foi a primeira mulher que chegou em Tangará da Serra com seu esposo Sr. Júlio Rodrigues e por coincidência ela ganhou seu filho caçula aqui nesta localidade selvagem, enquanto seu marido tinha ido fazer compras em Nova Olímpia, ganhou este filho, sozinha e não tendo leite para dar ao filho resolveu fazer uma experiência com o leite de uma árvore que se chama solvera, deu cortes e aparando o leite, deu para uma cadela que saboreou com presteza e nada aconteceu e assim foi resolvido o problema de seu nenê. Esses sacrifícios devem ser considerados na história de Tangará.

Os anos foram passando e hoje o sacrifício desses heróis anônimos, os que sobem pela faixa, nem sonham, mas hoje o que os olhos contemplam, quase que assustados, uma batalha diferente porque nos seus aspectos o homem não sonhara que nos combates naturais que

97 SILVA, Benedito Saturnino da. Tangará tem pressa... .Tribuna de Tangará, 11 maio. 1991. p.2.

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a vida lhe oferece, foram guerreando contra uma floresta milenária selvagem, rasgando picadas e abrindo as primeiras clareiras que passavam a serem prontas para receberem o progresso e a civilização dos aventureiros.98

A representação do ambiente destacado como floresta selvagem, a espera do progresso

são facilmente perceptíveis no documento acima. Além disto, o ambiente é caracterizado

como aterrorizante, dominado por ações de guerra, travada inicialmente pelos primeiros

picadeiros. O texto evidencia a vitória humana sobre a natureza, não registrando as respostas

que o “ambiente selvagem” possa ter produzido neste ser humano que tenha enfrentado a

diversidade deste “novo” ambiente.

A seguir, registraremos alguns relatos de membros ligados às primeiras famílias que

vieram para Tangará da Serra, na década de sessenta, destacando as representações coletivas,

que expressam a vida mental desse grupo social acerca da Serra do Tapirapuã, enfatizando as

práticas sociais que realizavam no espaço da serra. 99

A chegada em Tangará da Serra, no dia 14 de abril de 1961, é registrada por Moacir R.

Lopes da Silva, ao responder um questionário do Projeto - Biografia dos Homenageados com

Nomes de Ruas de Tangará da Serra, em 1997:

Tangará da Serra, tinha 06 famílias. Para chegar em Tangará, foi necessário deixar a mudança em Nova Olímpia, pois não subia carro na Serra. De Paranavaí até Barra do Bugres gastou 14 dias de viagem. De Nova Olímpia vieram a pé, todos os homens da família, com o material para construção e derrubada de mato trazido nas costas, demoraram um dia e meio, o percurso na época era 50 quilômetros. Chegando aqui, foram bem recebidos pelos moradores, e ai fomos descobrir nossa propriedade que ficava no córrego do Estaca na Gleba Juntinho, hoje denominada Biquinha, perfazendo 72 alqueires de pura mata. Derrubaram a mata, construíram a casa, isto demorou sete meses. Enquanto os homens trabalhavam aqui, as filhas mulheres e esposa

98 PANNEBECKER, Arthur. Um pouco da vida de Tangará da Serra. Tribuna de Tangará. 06 abr., 1988. p.7 99 As representações coletivas são pensadas a luz de DÜRKHEIM. Conforme RODRIGUES, José Albertino. (org). Durkheim: Sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1981. Para o autor as representações sociais são: “o resultado de uma imensa cooperação, que se estende não apenas pelo espaço, mas também pelo tempo, deve-se tomá-las como uma pluralidade de mentes que se associaram, uniram e combinaram suas idéias e sentimentos.” p.158.

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continuaram morando em Nova Olímpia, depois de 7 meses todos vieram morar em Tangará.100

Os relatos do medo. A serra como um relevo quase que intransponível é uma

representação marcante do período em que a rodovia que corta a Serra do Tapirapuã não era

pavimentada. Durante todo o ano, existia uma dificuldade para o acesso à localidade de

Tangará da Serra. Esse medo e também a representação de lugar isolado de todos e de tudo, é

mais evidente no período das chuvas que, de acordo com algumas pessoas que habitaram a

região a partir da década de sessenta e setenta, precisamente duravam seis meses, iniciando-se

as chuvas geralmente no mês de outubro.

Ao descrever as estradas, uma mulher paulista que se mudou para Tangará da Serra,

em 1971, relata o medo que sentiu em cima de um caminhão Ford: “As estradas eram

péssimas, pois para subir a Serra Tapirapuã, todos nós ficamos com muito medo de cairmos

no abismo, até o motorista estava com medo. 101

Gaúcha, residente a partir de 1971 em Tangará da Serra, relata: “Subir a serra era

muito difícil com muitas curvas. Na época da chuva era impossível subi-la. Quando já havia

ônibus para Cuiabá, deixa-se o ônibus ao pé da serra e subia -se a pé. Às vezes havia outro

ônibus em cima da serra para seguir adiante.” 102

Uma mineira de Belo Horizonte, que chegou em agosto de 1968, em Tangará da Serra,

deixa evidente que: “As estradas eram péssimas, muitas vezes tínhamos que subir a serra a

pé, quando chovia ônibus não subia a serra.” 103

100 OLIVEIRA, Carlos Edinei de. Biografia dos homenageados com nomes de ruas de Tangará da Serra - MT. - Questionário sobre Arlindo Lopes da Silva Associação tangaraense de Ensino e Cultura, 1997. Anteprojeto. 101 MACHADO, Sônia Chiarato, Entrevista com Maria José Togno. Tangará da Serra, 1997. Trabalho de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de Educação, Instit uição Tangaraense de Ensino e Cultura. 102 OSVALDA, Irmã. Em carta para o autor. São Miguel do Oeste/SC. 16 jan. 2001. 6 f. 103 HIRAI, Lieci A. da Silva. Entrevista com Eva Maria de Souza.Tangará da Serra, 1997. Trabalho de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

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Uma potiguar, procedente do Paraná, conta-nos como eram as estradas na época de

sua chegada no dia 07 de setembro de 1961 em Tangará da Serra: “Não tinha estradas. Para

subir a serra papai teve que pegar foice e machado para abrir caminho para passar com a

mudança, assim mesmo, estragou muito os móveis.” 104

A imprensa dos anos setenta também registrou fatos, enfatizando a Serra do Tapirapuã

como local de acidente:

Acidente na Serra Acidente: Proveniente do Grilo, da propriedade do Sr. José

Baiano, uma camioneta C 10, com 8 pessoas ia descendo a Serra do Tapirapuã, sexta-feira p.p., entre 7 e 8 h., quando de repente, na segunda curva abaixo da Pedra Solteira, colidiu violentamente com um caminhão que vinha subindo. Não se sabe o motivo de descontrole da camioneta. Dos 8 que vinham, apenas 4 ficaram feridos. Entre estes quatro, dois vinham na cabina; um deles quebrou o braço, o outro recebeu um corte na testa e no rosto, além de uma pancada na altura do joelho. Dos dois feridos que estavam na carroçaria, um quebrou a perna, este que inclusive vinha de carona. O outro levou uma torcedela no tornozelo além de uma pancada no joelho.

Logo após o acidente, foram levados até o Hospital Samaritano, onde receberam os primeiros socorros.105

A população que se constituía no planalto do Tapirapuã produzia práticas sociais

distintas das que havia no lugar de sua procedência. Estas práticas estão presentes na memória

coletiva de vários entrevistados, que abordam, especialmente, o fato da comunicação e do

transporte como empecilho ao domínio do ambiente. E estas “barreiras” não apresentadas

pelas lembranças do passado foram superadas, a população que migrava para Mato Grosso

trazia práticas sociais diversas, que, aqui, se amalgamaram, pois o ambiente era outro e as

pessoas tinham procedência e histórias de vida que, ao mesmo tempo em que as

diferenciavam, faziam produzir uma vida comum.

104 UREL, Neide Aparecida Herrera. Entrevista com Lindalva Dantas Porfíro. Tangará da Serra, 1997. Trabalho de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura. 105 Folha de Tangará, 25.maio, 1975. p.1.

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Um mineiro, procedente de São Paulo, relata-nos algumas das dificuldades que

encontrou em Tangará da Serra, quando aqui chegou em 1967:

Os problemas daqui eram as dificuldades de transportes de comunicação. A comunicação aqui, os meios de transporte populares não existiam. Existia sim, aqui, uma tal de Marinete, misto de caminhão e jardineira, que ia, daqui até Cuiabá, mas ela nunca chegava em Cuiabá, porque era dois ou três dias para ir. Uma semana, para ida e volta. Mas, ela ia daqui a Nortelândia e em Nortelândia já existia ônibus naquela época. Então o transporte era feito daqui a Nortelândia por este misto de caminhão e jardineira. Então, de Nortelândia, o pessoal, os passageiros arrumavam outras conduções e iam para Cuiabá., salvo aqueles que tinham caminhão e faziam o transporte daqui pra Cuiabá e em cima da carga levava passageiros, mas, em cima da carga. Na intempérie, se chovia tinha que tomar chuva, quando era sol, poeira, tinha que ir em cima da carga de madeira ou de cereais, mas isso era raro. Serrarias daqui, que tinha caminhão naquela época era o Joaquim Aderaldo, só quando ele levava uma carga de madeira para Cuiabá, todo mundo ficava sabendo e aqueles que podiam ir em cima da carga iam até Cuiabá. Na volta desse caminhão ele trazia o pessoal de lá para cá com aquela mercadoria necessária para o consumo aqui em Tangará da Serra.106

A serra do Tapirapuã, a dificuldade de sua transposição, de empecilho à comunicação

e ao transporte, representam, para as primeiras famílias que adentraram o vale do Sepotuba,

local de referência, onde muitas lembranças do passado estão depositadas. E, para estas

pessoas, relatar a oposição desta dificuldade primeira, mostrando a vida que edificaram no

planalto do Tapirapuã, como vitória não só pessoal, mas no plano coletivo, é a construção do

referencial da esperança.

Na busca dos significados da esperança, possibilidade que o historiador tem quando

trabalha com fontes orais, por serem estas de caráter subjetivo, é que buscamos entender o

paradoxo medo e esperança.107

O medo que impera é especialmente o do desconhecido, o de refazer a vida, mesmo

que isso já tenha acontecido outras vezes. O medo é de elementos que povoam a mente

106 TAVARES, Hélio. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 13 maio 1991. 107 ARRUDA, Gilmar. op. cit., p.39. “A utilização da história oral, além de poder registrar narrativas às quais de uma outra forma não se teria acesso, justifica-se também pelo que ela tem de mais precioso e singular, a subjetividade, o que a torna diferente pois “conta menos sobre eventos que sobre significados”

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humana, como malefíc ios de um lugar habitado por bichos e índios, por assombrações que

pudessem fazer-se mais presentes em um ambiente pouco habitado.

As pessoas que vieram para Tangará da Serra partiram principalmente de ambientes

rurais bastante povoados, geralmente forma dos por colônias de casa, favorecidos por um

centro de lazer, campo de futebol e espaço de oração, a Igreja. Em Tangará da Serra, isso não

existia, deveria ser construído, essa ausência material também assustava.

Talita Corsino, ao relatar sobre sua vinda para Tangará da Serra, deixa claro que não

gostou de ter vindo, queria voltar. Não gostou de nada que tivesse visto, e muita coisa lhe

assustava:

Assustava tudo, muito deserto, estrada ruim e chovia muito, e aqui era muito mato mosquito, e a gente tinha que ir à Igreja nós morávamos longe, tínhamos que vir a noite para casa, muito barro, mesmo durante o dia. A estrada muito ruim tinha que vir a pé, com o decorrer do tempo fomos acostumando. Hoje em dia gosto muito daqui, passei a gostar e gosto. Moro fora daqui mas gosto de vir aqui.108

As representações negativas acerca de Tangará da Serra eram formadas no lugar de

origem, principalmente pelos jovens ou por aqueles que tinham que deixar parte da família.

Os velhos, geralmente, eram os que faziam o discurso da esperança. Hoje, os jovens da época

são homens e mulheres, chefes de famílias e exigem o direito de serem respeitados pelo seu

trabalho pioneiro, mesmo que a riqueza da terra fértil não tenha feito as esperanças se

concretizarem, mas o fato de conviver com os obstáculos, com os medos, afirmam eles, o

direito de serem pioneiros.

Participando de um programa de rádio em que os pioneiros estavam sendo

homenageados, Iracema Casagrande responde à seguinte pergunta do locutor: A senhora acha

justo essas pessoas que chegaram na década de 80 serem homenageadas como pioneiras de

Tangará da Serra?

108 CORSINO, Talita. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, jul. 2001.

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Eu acho isso errado, tem que serem homenageados as pessoas que chegaram, que sofreram, que souberam dar duro aqui, que passavam coisas difíceis aqui, eu sei como foi difícil aqui no começo, que a gente saia queria comprar alguma coisa e não achava o que comprar, vinha na rua. Olha pra te dizer a verdade aqui em Tangará parecia um cemitério abandonado, tinha até tristeza quando eu vinha aqui, porque eu saí de uma cidade para vir pra cá.109

A defesa do título de pioneira é a exigência de quem acredita que tenha superado o

medo, e de defender as dificuldades de uma época, de quem um dia quis voltar para trás mas

que não voltou e ainda foram agentes da propaganda da esperança para muitos, ao escrever

cartas aos parentes, falando do lugar ou convencer pessoas que acompanhavam os corretores

na compra de terras.

O semblante deles era de indagação, estavam indo para um lugar que não

conheciam110, estas palavras são lembranças de quem viu passar pela ponte do rio Paraguai,

em Barra do Bugres, os muitos caminhões de mudanças que se dirigiam, esperançosos, para

Tangará da Serra.

A esperança da posse da terra, do aumento da propriedade, constituía fatores

determinantes para que muitas pessoas seguissem a rota mato-grossense, mesmo que nem

toda a família partilha-se do mesmo desejo, conforme depoimento a seguir:

Eu queria ser fazendeira, vim comprar terras, deu pra comprar uma pequena fazenda, maior do que o sítio que tínhamos em Nova Granada. Depois que eu mudei pra cá, trouxe junto minhas noras, Maria e Adelaide, elas reclamavam do lugar, muito mato, cobra, aranha, sapo, casas de tábua, coberta de tabuinha, eu achava a mesma coisa, mas não falava, pois eu já conhecia Tangará, eu que falei em São Paulo que aqui era bom, mas se pudesse voltar, voltava na hora. Quando cheguei ainda era debaixo de chuva, chovia mais dentro de casa do que fora.111

A esperança é sinônimo de várias expressões de vida, tais como terra fértil,

continuidade de vida melhor para os filhos, aumento da propriedade rural, espaço de trabalho

109 CASAGRANDE, Iracema. Entrevista concedia ao Programa nos Bastidores do Rádio. Rádio Pioneira. Tangará da Serra, 12 maio 2001. 110 RAMOS, Jovino dos Santos. Entrevista ao autor. Barra do Bugres, 24 set. 2001. 111 OLIVEIRA, Maria Maciel. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 21 out. 2000.

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na cidade, fuga de territórios incorporados por novas tecnologias e diferentes oportunidades

de vida.

Um relato, dentre outros, nos evidencia as razões que possibilitaram rearranjos de

práticas de vida neste espaço de Tangará da Serra:

Quase todas as pessoas, e não vamos negar isso que vieram para Mato Grosso naquela época procurando melhores dias, ou então, eu poderia dizer um lugar dourado, a situação no nosso estado, principalmente em Minas Gerais, na cidade onde eu vivia tinha poucas opções, porque da minha região mudou-se quase todo mundo, tornou-se uma cidade e até hoje é de pouca perspectiva financeira. Então, nós que tínhamos um sonho, e era novo na época, lutar por um lugar novo onde tivesse condições de formar filhos, mesmo que não conseguisse mas pelo menos formar os filhos... um rio pra encher de sonhos. Em 1964, no início de 64, mudou-se para cá uns parentes meus, em 65 veio meu sogro, e eles chegaram contando como é que eram as terras, o volume de gente que chegava, pequenas propriedades, e onde tem pequenas propriedades tem movimento. Nós tínhamos uma certa cultura, de tanta coisa que podia ser realizada, uma cidade com muito futuro. Porque o futuro há 20, 30 anos atrás ele era mais no sentido da agricultura, porque atrás da agricultura é que vem essa tecnologia, primeiro no campo da educação. Isso faz parte, eu fico feliz em ver as dificuldades que nós passamos. Não vou dizer que eu não vim para cá sem um motivo. É ou não é verdade? 112

As famílias, ao passarem pela serra, ocuparam-se de estabelecer outra referência para

suas histórias. Esta referência é a Pedra Solteira, um grande fragmento de rocha, de,

aproximadamente, sete metros de altura. Este marco referencial é motivo de várias histórias

da população de Tangará da Serra, bem como da cidade de Nova Olímpia, pois está na serra

que é limite de disputa territorial entre os dois municípios.113

No meio do caminho tinha uma pedra.114 Atualmente, ainda ela está no meio do

caminho, e sobre ela várias representações foram e continuam sendo constituídas. A Pedra

112 RAMOS, Gabriel Constâncio. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 30 maio, 2001. 113 Conforme já foi abordado em outro capítulo desta mesma parte do trabalho. 114 Versos de ANDRADE, Carlos Drumond de. Sentimento do mundo . Rio de Janeiro: Record, 1999. p.34, que podem ser lidos como síntese de obstáculos, dificuldades e impasses que são vividos pelos indivíduos, ou como marco referencial da história de vida das pessoas, onde, além de marcas de tragédias, simbolizam superação de obstáculos a caminho da esperança, como significou a pedra sobre a qual dormiu Jacó, conforme nos relata a BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada . Trad. Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin. São Paulo: Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus, 1991. Gênesis. Cap. 28.v.10 a 13. “ Jacó deixou Bersabéia e partiu para

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Solteira, além de marco geográfico, onde as pessoas estabelecem espaços territoriais para

relatar suas histórias vividas na Serra do Tapirapuã, é destaque como símbolo, no hino dos

municípios de Tangará da Serra e Nova Olímpia:

(...) Tangará! Tangará! Mavioso pássaro que voa Retumbante a pedra solteira Que está divisando esta terra tão boa. (...)115

(...) Suas campinas, os seus verdes prados suas colinas Tapirapuã

O Rio Branco sempre alvissareiro Gera riquezas pro nosso amanhã O seu progresso é inevitável a fauna e a flora vamos respeitar Nova Olímpia, Nova Olímpia Pedra solteira a lhe contemplar. (...)116

Figura n.º 06 Pedra Solteira

FONTE: OLIVEIRA, Carlos Edinei de. Pedra Solteira. 2001. 1 fot..: color.; 9 X 15 cm

Harã. Chegou a certo lugar e resolveu passar a noite aí, por que o sol já se havia posto. Jacó pegou uma pedra do lugar, colocou-a sob a cabeça e dormiu. Teve então um sonho: (...) Javé estava de pé, no alto da escada e disse a Jacó: “Eu sou Javé, o Deus de seu pai Abraão e o Deus de Isaac. A terra sobre a qual você dormiu, eu a entrego a você e a sua descendência. p.42. 115 LUCAS, Hermes Silva e JUNQUEIRA, Fábio Martins. Hino de Tangará da Serra. São Paulo: Jr. Gravações Edições e Promoções Artísticas Ltda. 2000. Compact disc Digital Audio. 199.005.824. Itálico meu. 116 PRIEBE, Irio. História de Nova Olímpia - MT : 1954 - 1999 - 45 anos. Nova Olímpia: Secretaria Municipal de Nova Olímpia, 1999. Mimeo. Itálico meu. Destaca-se também que a Serra do Tapirapuã está presente no brasão e na bandeira do município de Barra do Bugres, compondo com um pé de poaia e duas seringueiras, representações da natureza presentes nas margens do Rio Paraguai e seus afluentes.

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Além de estar presente no hino municipal de Tangará da Serra, a Pedra Solteira

compõe o brasão municipal, criado pela Lei Municipal n.º 13, de 29 de julho de 1977,

presente na Bandeira do município, desta forma representada:

§ Único - O Brasão, descrito neste artigo em termos próprios de heráldica, tem a seguinte interpretação simbólica:

e) a pedra de goles (vermelho) nascente de um terrado de sinopla e projetada em abismo (centro ou coroação do escudo) representa no brasão a Pedra Solteira localizada na Serra de Tapirapuã, acidente geográfico que se destaca como baliza natural localizada na divisa com o Município de Barra dos Bugres, ponto de referência a quem se dirige a Tangará da Serra;

Em momento algum das práticas históricas produzidas pelas famílias em Tangará da

Serra, a natureza e o ambiente têm sido desconsiderados, ou não estejam presentes nas

representações. Algo que para muitos possa parecer sem valor, cada sociedade em seu tempo

estabelece significados que marcam as configurações e ou reconfigurações do ambiente em

que vivem. 117

Nas poesias produzidas em Tangará da Serra, sejam de caráter ufanista ou não, existe

sempre a presença destes elementos, que se consolidaram como símbolos para a população.118

O significado atribuído a estes símbolos faz com que as pessoas que os incorporam

passam a ter atitudes políticas em defesa de sua manutenção. Em Tangará da Serra, isso é

possível de ser observado, quando comparamos um texto produzido em um jornal local de

1975, com outro produzido duas décadas em meia depois. Novamente, o símbolo presente é a

Pedra Solteira, marco referencial para lembranças das famílias tangaraenses, desde as

primeiras décadas de sua ocupação.

A presença da Pedra Solteira é destacada como título de rainha no texto abaixo,

elemento que resiste ao progresso:

117 Para conhecer também a dimensão simbólica dos símbolos de Mato Grosso, é fundamental o estudo de GALETTI, Lylia da Silva Guedes, op. cit. , cap. 9. 118 Isto pode ser observado em várias poesias publicadas em jornais e revistas locais, como em apresentações elaboradas por escolas, bem como, na COLETÂNEA DE POESIAS. Tangará da Serra: São Francisco, 1999.

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(...) Progresso, está de parabéns. E está mesmo de parabéns, sendo a Princesa da Serra, por ser localizada na planície alta, logo após a subida da Serra do Tapirapuã, a serra da formosa Pedra Solteira, que continua sendo respeitada, já que nem mesmo, as poderosas máquinas da “BETUMARCO”, companhia que abriu a estrada da Serra, não danificou.

Progresso rendendo homenagem ficou como princesa, deixando o lugar vago; e na minha opinião, quem tem o direito de merecer esta vaga é a Pedra Solteira, que já continua com sua altivez e garbo.

Cito aqui alguns nomes de pessoas que podem comprovar minha opinião, pois na época em que a Serra era praticamente intransponível, subiram a mesma dirigindo ou empurrando veículos, os pioneiros que realmente fundaram Nova Olímpia, Progresso e Tangará da Serra. Uns vieram e aqui fixaram residência outros voltaram, mas nem por isso deixaram de ser pioneiros e terem conhecimento da penosa escalada da Pedra Solteira. (...)119

No ano 2000, a Pedra Solteira vira motivo de celeuma entre parte da população

tangaraense e o Departamento de Viação e Obras Públicas do Estado, que realizava os

trabalhos de duplicação da MT - 358, que corta a Serra do Tapirapuã:

A duplicação da pista da Serra do Tapirapuã deverá estar concluída até o dia 15 de dezembro e não há riscos de comprometimento da Pedra Solteira, um dos pontos turísticos e símbolo histórico de Tangará da Serra. Esta foi a garantia do fiscal de obras do Departamento de Viação e Obras Públicas do Estado - DVOP, Adélcio Batista Queiróz.

Segundo ele, que recebeu o prefeito Fábio MARTINS Junqueira na manhã de ontem no escritório local do DVOP, a área em torno da pista da MT - 358, na Serra de Tapirapuã, sofrerá uma grande alteração, mas para melhor, inclusive com melhoramentos urbanísticos nas imediações da Pedra Solteira, onde será construído um descanso, com um mirante, com bancos e embelezamento.

Até então, havia uma certa preocupação em relação à Pedra Solteira, que por estar situada exatamente no caminho das obras, corria o risco de ser explodida. O prefeito Fábio MARTINS Junqueira procurou, então, os responsáveis pelo DVOP, que o tranqüilizaram a respeito do assunto. “Nós estamos realizando vários fogos (explosões), mas somente no entorno da Pedra Solteira, sem comprometer a mesma. Contamos com uma equipe especializada neste tipo de trabalho”, explicou o engenheiro Adélcio Batista Queirróz.

As detonações acontecem em rochas vizinhas para a construção das duas vias. Há um projeto em que o traçado inclui a Pedra Solteira entre as duas pistas, e um outro que está sendo estudado, passando mais

119 NEGRÃO, J. Progresso , a princesa da serra. Folha de Tangará. 9.2.1975, p. 3. Progresso foi localidade transformado em distrito pela Lei 3 852, de 12 de maio de 1979, tendo sido esta lei alterada pela Lei 4 080 de 10 de julho de 1979. Esta última lei, alterou os limites do distrito de Progresso em Tangará da Serra.

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a direita de quem desce a serra. O prefeito Fábio MARTINS Junqueira estará requerendo ao DVOP, através de ofício, cópia do projeto de duplicação.120

No dia 14 de setembro de 2001, o mesmo jornal citado anteriormente, publicou uma

matéria, em que o Deputado Estadual Francisco Dantas Garcia apresentava um Projeto de Lei,

propondo o tombamento da Pedra Solteira como sendo Patrimônio Histórico do Estado de

Mato Grosso. Conforme podemos ler na notícia impressa, a preocupação política do deputado

era garantir que este marco referencial de memória não sofra alterações no futuro. No texto, a

pedra além de marco referencial de memória, passa a ser símbolo da identidade do

tangaraense.

Para muitos, desde os primeiros lavradores que subiram a trancos e barrancos a Serra

do Tapirapuã, empurrando seu caminhão de mudança, empoeirados, e com a es perança na

fertilidade do solo, a pedra no meio do caminho era um sinal de novos tempos, novas

experiências, novas práticas, construídas principalmente através da ajuda conjunta de pessoas

que vieram de lugares distantes, mas que compartilhavam quase todos os mesmos objetivos e

perceber as adversidades da natureza e se organizar para confrontar -se com ela, era uma tarefa

a ser realizada.

120 MIRANTE da Pedra Solteira receberá trabalho de urbanização. Diário da Serra, 5.10.200, p. 5. Geral.

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PARTE II

A CIDADE SERÁ AQUI121:

As famílias entre a vida urbana e a rural

O meu pai era paulista Meu avô, pernambucano

O meu bisavô, mineiro Meu tataravô, baiano

Vou na estrada há muitos anos Sou um artista brasileiro

Chico Buarque

121 Fala de uma senhora paulista, procedente do Paraná, falando sobre sua chegada em Tangará da Serra, em 1961.

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Os tangarás se alvoroçaram com a presença de pessoas estranhas no seu ambiente, o

barulho do facão, o motor do Jipe e dos caminhões, produziram ecos dantes nunca vistos

pelos pássaros dançarinos. Os sons produzidos pelas famílias que se amontoavam em

caminhões paus-de-arara rasgavam a serra do Tapirapuã, para produzir práticas de vida no

ambiente do imenso planalto, regado pelo Sepotuba.

Segundo Helmut SICK122, o tangará é um pássaro pequeno, um dos menores do

continente americano. Os machos possuem um colorido esplêndido, enquanto que as fêmeas,

em sua maioria, são verdes, maiores que os machos e mais silenciosas. A dança é uma

característica fundamental deste gênero, principalmente em cerimônias pré-nupciais da

espécie. Em Mato Grosso e na região de Tangará da Serra, as espécies que se destacavam

são: Tangará Chilensis (saira-do-paraíso); Tangará Cyanicollis (saira-de-cabeça-azul );

Tangará Nigrocincta (saira-mascarada); Tangará Mexicana ( saira-de-bando); Tangará

Gyrola (saira-de-cabeça-castanha ) e Tangará Cayana (saira-cabocla), este pássaro que, além

de compor parte do nome da cidade que começou a ser edificada nos anos sessenta, assistiu à

chegada das famílias que vieram provocar sua extinção.

O ambiente a ser apresentado, A Cidade Será Aqui, tem portanto, como objetivo

principal, realizar um estudo demográfico das famílias que reocuparam o ambie nte em

análise. Um ambiente que extrapola a configuração do espaço urbano, ou seja, um ambiente

que tem como referência a Cidade, mas as práticas familiares pensadas não se encerram

apenas nela, aspectos da vida rural serão apontados. Zona urbana e zona rural estão em

constante sintonia.

A primeira configuração do ambiente da cidade será realizada, apresentando as

famílias que chegaram em Tangará da Serra na década de sessenta e setenta, como estas

famílias chegaram, o que trazia no caminhão de mudança, num trabalho fundamentado nas

122 SICK, Helmut. Ornitologia Brasileira. Brasília: Universidade do Brasil, 1985. v.2

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fontes cartoriais, paroquiais e orais. A cartografia da cidade é analisada com auxílio da cópia

do projeto arquitetônico original e de documentos, realizados pelo arquiteto Américo

Carnevali e as táticas das pessoas no ambiente da cidade foram observadas nas fontes

iconográficas e orais.

Para responder as questões sobre a naturalidade das famílias que habitavam o planalto

do Tapirapuã, sua procedência, fez-se um capítulo A demografia das famílias em Tangará da

Serra - MT, com a proposta de apresentar algumas respostas frente as estas questões. A

sazonalidade dos casamentos e o levantamento demográfico realizado pelo P. José Aleixo

Kunraht, vida e morte em família, farão parte de considerações relevantes sobre a

organização das f amílias de lavradores de Tangará da Serra.

Em última discussão, será apresentado O ambiente da família: arquitetura,

alimentação e lazer. Este elemento se torna especial, na medida em que é pensado de forma

interligada e possibilita o registro de algumas práticas e táticas das famílias em Tangará da

Serra.

Esta parte não exaure o estudo acerca das famílias, mas apresenta alguns detalhes, que

serão completados nos outros ambientes, pois as famílias é o objeto de estudo, e devem ser

consideradas como móveis, dinâmicas e existentes em todos os momentos juntos à natureza.

Mesmo não expressando de forma direta considerações a respeito da natureza, ela está

presente, a natureza é o ambiente em que as famílias organizaram suas vidas, a natureza

configura-se nos elementos essenciais que possibilitam as invenções de estratégias de viver

das famílias neste ambiente representado por elas como novo, diferente e perigoso, mas fértil

e de esperança, mesmo que essa esperança tivesse que ser adiada para concretização de seus

sonhos.

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CAPÍTULO IV

AS FAMÍLIAS E A CARTOGRAFIA DA CIDADE Eu sou aquele que traz os iludidos e leva os arrependidos, estas foram palavras do

caminhoneiro Duvila, que, segundo Maria da Silva Trettel, foram ditas ao deixar sua

mudança, procedente de Perobal (PR), em Água Branca, área rural de Tangará da Serra, no

ano de 1975. 123

Na década de setenta, foram muitos os caminhões “pau-de-arara” que trouxeram

mudanças de várias famílias para Ta ngará da Serra. Iludidas ou não, estas famílias vieram

individualmente ou em grupos de vizinhos, de amigos, de parentes ou de patrões e

empregados, para habitar e construir suas vidas neste espaço de Mato Grosso.

Os caminhões de mudança traziam, além de pessoas que tinham os corações divididos

entre a saudade do lugar que deixava e a vontade de vencer e melhorar seu futuro no lugar em

que agora iriam estabelecer, alimentos para uma longa viagem em estradas de difícil acesso.

Gatos, cachorros, cavalos, bois, vacas, galinhas, galos, patos, galinhas-d’angola, cabritos,

eram comuns nos caminhões. Também eram trazidas mudas de pla ntas frutíferas e

ornamentais, destinadas a ocupar, exoticamente, o novo espaço e a reconfigurar um ambiente

preponderantemente de cerrado e de matas ciliares.

Ao relatar sobre sua viagem, que durou 29 dias entre Paranavaí (PR) e Tangará da

Serra, em 1962, Talita Corsino lança um olhar ao passado, decifra e reconstrói recordações de

elementos relacionados ao caminhão que trouxe a muda nça de sua família:

Em nosso caminhão de mudança trouxemos cachorro, uma mula e chegamos aqui, era sertão mesmo, não tinha estrada. De Cuiabá para cá era só chão, a estrada era só chão... Nós viemos em quatro famílias, no mesmo caminhão. Trouxemos mudas de algumas coisas. Laranja, que também não podia trazer nós trouxemos, tinha que trazer muito escondido porque não podia trazer, mas foi só muda de laranja mesmo. 124

123 TRETTEL, Maria da Silva. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 16 jun. 2001. 124 CORSINO, Talita. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 10 jul. 2001.

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As pessoas, por sua vez, como na Arca de Noé , se misturavam a uma fauna e flora do

lugar de procedência, tentando transpor para sua nova moradia, elementos com os quais

conviveu no passado. São estes elementos materiais do ambiente que ajudam a permanecer e

atualizar as lembranças registradas na memória destes primeiros moradores de Tangará da

Serra.

Um farto caminhão de mudança poderia ser a garantia de vida em uma terra

desconhecida. Essa era uma prática de famílias que, por gerações, corriam em busca da

ventura e da fartura e também da família de uma das primeiras professoras de Tangará da

Serra:

Eu cheguei em 1963, não tinha nada aqui, só tinha um boteco pequeno que era de um tal de Antônio Baiano, nós viemos trouxemos coisa, viemos surtido de lá, de mantimentos, de roupa, de calçado e de tudo. Mas, com o passar do tempo foi acabando, tinha tempo que ia comprar coisas e não achava, não achava nada pra comprar era bem difícil mesmo, passamos às vezes a fazer café com garapa de cana. Leite também era difícil, não achava leite de vaca pra comprar minha filha chegou a ficar até doente por falta de leite. 125

Nem sempre as famílias, nos caminhões de mudança, sabiam onde iriam parar. Nem

todos que mudavam para Tangará da Serra já conheciam ou tinham estado no local para

adquirir seu pedaço de terra, nem todos que foram para Tangará da Serra contavam com

dinheiro para comprar um lote urbano ou rural, muitos foram como porcenteiros, meeiros 126 e

ou como aventureiros em busca de serviços. A frase crescer com o lugar focaliza muitas

125 CASAGRANDE, Iracema. Entrevista concedida ao Programa Bastidores da História, apresentado por Silvio Sommavilla. Rádio Pioneira. Tangará da Serra. 12 maio 2001. 126 Segundo citações de COUTO, Osmair. As relações trabalhistas durante o ciclo cafeeiro na região de Tangará da Serra nas décadas de 70 e 80. Cuiabá, 1999. Monografia. (Especialização em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Federal de Mato Grosso: “porcenteiro é o chefe de uma família que é remunerado com um percentual da produção do café. Geralmente é proprietário de parte dos instrumentos de trabalho e pode utilizar uma área da fazenda para a criação de animais e produção de alimentos. O porcenteiro passou a receber após o terceiro ou quarto ano da produção de café, um percentual da sua produção, que, predominantemente era de 60% para o proprietário da terra e 40% para o porcenteiro. O meeiro conceituado por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. “In” Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2 ed., Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1998. p.1111., como ‘aquele que planta em terreno alheio, repartindo o result ado das plantações com o dono das terras’, da mesma forma que o porcenteiro tinha uma meação na produção do café na proporção da metade da colheita, destinando - se a outra parte ao proprietário.” p.14-5.

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memórias coletivas de pessoas, a exemplo da família de Francisco Avelino Dantas, que

deixou o Paraná e, no caminhão de mudança, em destaque, chegaram em Tangará da Serra,

em setembro de 1961.

Figura nº 07 Caminhão de Mudança – Tangará da Serra - 1961

FONTE: Acervo Maria das Neves Dantas. Caminhão de Mudança. 1961. 1 fot. 6 X 9 cm

As primeiras famílias a estabelecerem residência em Tangará da Serra, segundo o livro

tombo da Reitoria de Nossa Senhora Aparecida, começaram a chegar a partir de julho de

1959. Das três famílias que chegaram inicialmente, duas delas de dicavam-se à lavoura e a

terceira tinha, como líder, um farmacêutico prático, Erotides Rodrigues Machado,

inicialmente considerado “médico do povo”; sua farmácia começou a funcionar em 13 de

março de 1961, no entanto também se dedicava a uma pequena roça.

A partir de 1960, com intensificação dos trabalhos de propaganda realizados pela

SITA, através de corretores e da divulgação em rádio no norte do Paraná, São Paulo e em

Minas Gerais, várias famílias foram em busca da esperança, da grande colheita do café , do

paraíso perdido. Em 1960, começaram a chegar várias famílias, sendo que as primeiras matas

derrubadas e as primeiras plantações foram realizadas depois de julho de 1959.

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Através do álbum intitulado, Desbravadores Tangaraenses - A fé na terra, que

apr esenta 81 fotografias de homens e mulheres que estiveram ou residiram em Tangará da

Serra desde 1956 até 1969, é possível conhecer nominalmente algumas destas pessoas e suas

ocupações.127

As primeiras famílias, ao chegarem em Tangará da Serra, começaram a requadricular

o espaço, dando uma nova disposição ao ambiente anteriormente ocupado pelos índios. Este

ambiente foi cartografado para ser uma cidade em 1962, em Tupã, cidade do Estado de São

Paulo, pelo arquiteto Américo Carnevali e, posteriormente Belizário de Almeida realizou o

serviço de agrimensura.

O local foi escolhido, a propaganda de terras foi realizada em São Paulo, no norte do

Paraná e em Minas Gerais. O cerrado começou a dar lugar à cidade, com a chegada dos

migrantes.

Quando os migrantes começaram a chegar, encontraram uma cidade quadriculada no

solo, os espaços individuais estavam já pré-estabelecidos, para garantir a disciplina da nova

cidade.

Uma senhora paulista, a primeira parteira em Tangará da Serra, menciona esse

quadriculamento do espaço:

Tinha as picadinhas, os piquetes fincados nos quarteirão onde ia ser as construção, as coisa, o cemitério, as coisa, porque não tinha nada. Tinha um tal Benedito que era o gerente, gerenciar, não sei o que ele iria gerenciar, não tinha nada, só se fosse mosquito (sorriu), mas ele estava ali para dominar, finca um piquete aqui, finca outro ali. Onde era a quadra do cemitério ele explicou pra nós tudo. Ele falou a Cidade será aqui.128

127 SILVA, Ciriaco da. Desbravadores tangaraense: a fé na terra. N.º 0871, reconhecido pelo decreto 269 de 28/09/1998 - Prefeitura Municipal de Tangará da Serra - MT. Este álbum foi desenvolvido sob o patrocínio do comércio de Tangará da Serra - MT, inicialmente comercializado nas escolas de Tangará da Serra, sendo que o comprador, ao completar determinadas páginas com figuras, concorria a vários prêmios. 128 BEAZÓLI, Maria. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 11 maio 1991.

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A concepção de projeto arquitetônico criado pelo arquiteto Améric o Carnevali

apresenta uma cidade com traçado moderno, ruas largas, com 168 quadras, sendo cada uma

com 16 lotes, destaca seis avenidas, centro cívico, locais para praças com áreas verdes, grupos

escolares, cinema, mercado, hospital, clube recreativo, delegacia, rodoviária, posto de saúde,

ginásio, estádio de futebol, aeroporto, horto florestal.129

A nomenclatura original das avenidas destaca três eixos da Marcha para o Oeste, o

migrante ideal, a construção de Brasília e a ocupação do Centro-Oeste. O povo migrante é

representado pelas avenidas Paraná e São Paulo. O espaço a ser ocupado é destacado pelas

avenidas Cuiabá e Mato Grosso e o desenvolvimento é representado pela avenida Brasília.

Todas essas avenidas caminham para outra maior, que corta a cidade ao meio, e só é

interrompida pelo Centro Cívico, espaço em que os “poderes” se edificariam, mas que o

ultrapassa, formando, então, a trajetória do movimento, a avenida Brasil.

De acordo com Américo Carnevali, os nomes das avenidas foram dados por

Wanderle y Martinez, dono da SITA, em homenagem aos Estados em que colonizadores

moraram e também ao Estado em que Tangará da Serra está localizado bem como a sua

capital. As ruas não receberam nomes, pois o arquiteto preferiu numerá-las no projeto original

e os nomes seriam colocados posteriormente, para homenagear os cidadãos que trabalhassem

pela cidade.130

Quando idealizou o projeto para a cidade de Tangará da Serra, o arquiteto não

conhecia o local, e a planta foi realizada tendo como base informações do proprietário. As

informações eram de que o terreno era regular, plano e com pequeno desnível. Não havia

129 Vide projeto arquitetônico p.90. 130CARNEVALI, Américo. Tangará da Serra. [Mensagem de trabalho] . Mensagem recebida por: [email protected]. em 13 nov. 2001.

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grandes rios no espaço em que a cidade seria construída, apenas pequenos córregos nas partes

mais baixas, próximas à cidade.131

No projeto arquitetônico da cidade são evidentes alguns elementos que serviam como

baluarte da representação feita pela colonizadora sobre o futuro do ambiente que estava à

venda. Nele, estão em destaque algumas possíveis riquezas agrícolas que o solo poderia

oferecer, tais com o arroz, a seringueira e o café.

A cidade foi edificada como marca de movimento, de progresso, do resultado

significativo da Marcha para o Oeste, e o seu projeto arquitetônico ajudou a vender esta idéia:

Quanto aos desenhos de plantas existentes no projeto da cidade, (...) foram desenhados a pedido dos proprietários para dar mais ênfase aos vendedores a fim de mostrar aos possíveis compradores a excelência e fertilidade das terras. O sentido é puramente comercial impressionando aos adquirentes.132

A cidade arquitetada está em movimento, onde caminhões carregados de madeira

deixam o local levando riquezas, e a comunicação realizada pelo avião elimina a idéia de

isolamento.

A planta da cidade apresenta o modernismo arquitetônico da década de sessenta,

priorizando, como elemento central da cidade, o Centro Cívico, todavia, é perceptível na

planta, uma cidade funcional, onde os lugares para os estabelecimentos públicos e, ou

privados de maior trânsito estão em destaque. 133

131Estes pequenos córregos, com o crescimento desordenado da cidade, foram tomados por ocupações urbanas. Não houve uma política ambiental ao longo da história que desse importância aos pequenos riachos. No presente, eles servem como caminhos para o esgoto e depósito de transmissores de doenças. 132 CARNEVALI, Américo. Em carta para o autor. Uberlândia, 23 out. 2001. p.2 133 Várias famílias de lavradores tiveram contato com as cidades planejadas durante o seu percurso migratório; um exemplo é a cidade de Maringá. Conforme LUZ, France. O fenômeno urbano numa zona pioneira: Maringá. São Paulo, 1980. Dissertação (Mestrado em História Social) – Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.

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AVENIDA

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102

103

TANGARÁ DA SERRALOCALIZADA EM BARRA DO BUGRES VALE DO SEPOTUBA COMARCA DE ROSÁRIO OESTE

E. DE MATO GROSSO

PROPRIEDADE DE ____________________________________________ ____________________________________________

EMPREENDIMENTO DA COMPANHIA - IMOBILIÁRIA TUPÃ PARA AGRICULTURA " ” CITA

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LEGENDA

AEROPORTO

28-GRUPO ESCOLAR31- CINEMA32- MERCADO58- HOSPITAL74- CLUBE RECREATIVO

PROJETO ARQUITETO AMÉRICO CARNEVALI CREA 5.962-D

ESCRITÓRIO CENTRAL À RUA CAETÉS, 805 EM TUPÃ - SP. - FONE: 1777 Cx. POSTAL 295

JOAQUIM OLEA

WANDERLEY MARTINEZ

75- DELEGACIA 94- RODOVIÁRIA103- POSTO DE SAÚDE129- GINÁSIO138- GRUPO ESCOLAR

ESTÁDIO

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A funcionalidade da cidade é uma característica das cidades brasileiras pós-guerra.

Tangará da Serra foi projetada, apesar de todas as dificuldades em relação ao transporte e à

comunicação e a Serra do Tapirapuã não foi obstáculo para a implantação de um projeto

arquitetônico que acontecia no sudoeste de Mato Grosso, mesmo que a colonizadora usasse

mais a fertilidade da terra e seus benefícios como propaganda à cidade acontecia, pois, a

população brasileira estava tornando-se urbana, como afirma Dennison de Oliveira:

Em todo Brasil se assistiu a tentativas de instauração de determinadas políticas permanentes de intervenção no espaço urbano. Numa palavra, o que se buscava nessa sociedade em permanente transformação, cuja população se tornava cada vez mais urbana e cuja economia se industrializava a passos largos, era o urbanismo, ou se preferirem, a instauração do planejamento urbano. Indubitavelmente, a marca mais significativa da época foi a construção de uma nova capital, inteiramente pautada nos pressupostos da “ciência” do urbanismo: Brasil (1960).134

Conforme relatos de Wanderley Martinez, o trabalho de colonização da SITA iniciou-

se pelo plano urbano, depois foram realizadas as demarcações da periferia da cidade:

Achamos por bem na periferia do centro urbano chácaras pequenas chácaras de um alqueire acima, o alqueire Paulista, depois sítios até 30 alqueires, o alqueire paulista tem 24 mil e duzentos metros, o Goiano é o dobro 48.400 mil metros, e depois fazendas mais distantes até 30 km. Que as nossas Glebas pegavam da beira da Serra do Tapirapuã e iam até o Rio Sepotuba ou Tenente Lira, se estendendo em torno de 40 km de uma divisa na outra, eram Glebas compridas, pegavam muitas aguadas, muitos córregos.135

Américo Carnevali destaca o uso do espaço urbano como forma de realizar a ocupação

rural mais rapidamente, um incentivo que se reverteria em benefício futuro para a

colonizadora:

O proprietário fundador da cidade Sr. Wanderley Martinez teve uma idéia que considero luminosa. Com intuito de incentivar o desenvolvimento da cidade, reservou certo número de lotes para serem doados gratuitamente aos compradores de glebas rurais, com o compromisso de construir uma casa dentro de um prazo previamente estabelecido. Acredito que isso deu impulso inicia l e a cidade se

134 OLIVEIRA, Dennisson. Curitiba e o mito da cidade modelo. Curitiba: UFPR, 2000. p.26. 135 COUTO, Osmair. op. cit., p.50.

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desenvolveu, tornando-se hoje uma pérola do Estado do Mato Grosso. A idéia foi muito boa.136

A estratégia acima é comum nas áreas de colonização recente do Brasil, pois a

Colonizadora, ao incentivar o crescimento da cidade, utilizando-se destes mecanismos,

transferindo, em um curto espaço de tempo, aquilo que era de sua competência, ou seja, a

realização e manutenção da infra-estrutura dos novos projetos de colonização, para o poder

público, pois as cidades crescem e logo se emancipam política e administrativamente.137 Por

outro lado, deve-se salientar, conforme os relatos orais, que a infra-estrutura inicial de

Tangará da Serra se efetivou muito mais com as ações coletivas de lavradores recém-

chegados, do que de ações da colonizadora ou dos poderes públicos municipal e ou estadual.

A população que chegava em Tangará da Serra alterava a planta original da cidade

conforme suas necessidades; ruas foram criadas em espaços não estabelecidos na planta

original, espaços estes destinados a moradias. Todavia, estes espaços, posteriormente, foram

reocupados com moradias ou estabelecimentos comerciais.

A configuração da cidade não obedeceu em nenhum momento à logicidade

apresentada pelo projeto arquitetônico original. A população foi construindo o significado do

espaço, conforme foi realizando sua ocupação; os resultados desta ocupação não eram

preconcebidos.

As famílias que dão nova dimensão neste espaço, organizando e reorganizando, em

atendimento às suas práticas de vida, parecem realizar a atividade de bricoleur, 138

modificando a cidade sem a elaboração de um planejamento anterior e sem as normas técnicas

136 CARNEVALI, Américo. Em carta para o autor. Uberlândia, 23 out. 2001. p.2 137 Pode-se verificar esta estratégia em OLIVEIRA, Luís R. Cardoso de. Colonização e diferenciação: os colonos de Canarana. Rio de Janeiro, 1981. Dissertação (Mestrado em Antropologia) Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 138 Cf. LÉVIS-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Trad. Maria Celeste da Costa e Souza e Almir de Oliveira Aguiar. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. Capítulo 1.

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estabelecidas cientificamente, conforme demostra a fotografia a seguir, em que caminhos,

campos de futebol e outros elementos foram-se impondo na organização da cidade.

Figura n.º 09 Vista aérea de Tangará da Serra- MT. Início da década de 70.

FONTE: Acervo da Secretaria Municipal de Educação de Tangará da Serra – MT.

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CAPÍTULO V

A DEMOGRAFIA DAS FAMÍLIAS EM TANGARÁ DA SERRA

5.1 - Naturalidade e procedência

Registrar quantitativamente uma região que recebe constantemente fluxo populacional

e que produz também, em um breve espaço de tempo, refluxos populacionais, não é uma

tarefa muito simples. Para isto, é necessário recorrer a algumas alternativas, pois os censos

demográficos oficiais não acompanham com detalhes os movimentos populacionais, a

exemplo dos ocorridos em Mato Grosso na década de 1960.

Na leitura do Anuário Estatístico do Brasil, 139 bem como nos dados censitários de

1960140 e 1970141 e na Monografia dos Municípios - 1975, 142 não é possível encontrar dados

demográficos específicos de Tangará da Serra, pois, até 1976, era um povoado que pertencia

ao município de Barra do Bugres, e os registros existentes sempre destacam o total geral do

município.

Barra do Bugres, entre 1960 e 1970, teve um crescimento populacional anual de

17,93%, ou seja, em 1960, contava com 4.332 habitantes, registrando, em 1970, um total de

139 IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1955 a 1958. 140 IBGE, O Brasil em números - Apêndice do Anuário Estatístico do Brasil - 1960. Rio de Janeiro, 1965. 141 IBGE. Departamento de Censos. Ministério do Planejamento e Coordenação Geral. Censo Demográfico Mato Grosso - VIII. Recenseamento Geral - 1970. Série Regional . Volume I - Tomo XXII. Rio Janeiro, 1970. 142 GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Monografia dos Municípios. Cuiabá: Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral, 1975.

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22.250 habitantes, sendo que, em 1974, a população estimada era de 31.578 habitantes,

destes, 9,3% apenas constituindo a população urbana e 93,7% , a população rural. 143

Ao que consta, o fluxo populacional proveniente de famílias de vários Estados do

Brasil para Tangará da Serra contribuiu para o crescimento populacional de Barra do Bugres.

Desta forma, para identificarmos quais e quantas famílias reterritorializaram o planalto do

Tapirapuã e analisarmos algumas práticas realizadas pelas famílias em Tangará da Serra, foi

necessário analisar os livros de registros de casamentos civis dos Serviços Notariais e

Registrais do atual município de Nova Olímpia e do distrito de Progresso, pois, acreditamos

dar maior visibilidade para as famílias, que denominaremos de famílias de lavradores.144

A denominação lavradores é retirada dos registros de casamentos e a prática das

famílias confere com o conceito apresentado pelo Dicionário Houaiss, que apresenta o

verbete lavrador como “que ou o que lavra terra própria ou de outrem”.145

O primeiro casamento de moradores de Tangará da Serra, registrado no cartório de

Nova Olímpia, foi de Sebastião Viegas da Silva com Elena Biasin; ele, natural de Várzea

Grande (MT), e ela, de Álvares Machado (SP), em 08 de outubro de 1964.

A maioria dos nubentes saía de Tangará da Serra para realizar seu casamento civil no

cartório de Nova Olímpia. A partir da década de 1970, o juiz de paz passou a deslocar-se,

143 IBGE, O Brasil em números - Apêndice do Anuário Estatístico do Brasil - 1960. Rio de Janeiro, 1965. e IBGE. Departamento de Censos. Ministério do Planejamento e Coordenação Geral. Censo Demográfico Mato Grosso - VIII. Recenseamento Geral - 1970. Série Regional. Volume I - Tomo XXII. Rio Janeiro, 1970. 144 As fontes cartoriais sobre a população de Tangará da Serra são encontradas no Cartório do 2º Ofício de Nova Olímpia-MT, pois o cartório só foi instalado em Tangará da Serra na década de 1980, antes desta data, a pop ulação local procurava o cartório de Nova Olímpia, instalado em 1964, por ser o mais próximo de Tangará da Serra, embora, algumas pessoas procurassem também o cartório de Barra do Bugres. Ao adotarmos esta met odologia, concordamos com LUZ, France. A migração através dos dados dos registros de casamentos dos cartórios da microrregião norte Novo de Maringá. In: DIAS, Reginaldo Benedito e GONÇALVES, José Henrique Rollo (org). Maringá e o norte do Paraná: estudos de História Regional. Maringá: EDUEM, 1999, que afirma: “Uma das fontes mais confiáveis a respeito da naturalidade da população é o registro civil.”p.141. 145 HOUAISS, Antônio, VILLAR, Mauro de Salle. Dicionário Houaiss: da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.1733.

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oficializando a cerimônia civil juntamente com a religiosa em Tangará da Serra.146 Talita

Corsino, segunda mulher a se casar em Tangará da Serra, relata, assim, sua viagem para o

casamento em Nova Olímpia:

No dia 12 de novembro de 1964, fomos de Jipe, no mesmo dia que fomos deu pra voltar. Saímos cedo, o horário eu não sei, mas foi cedo, saímos bem de manhã e viemos chegar aqui de volta a noite, bem tarde da noite. Todo mundo, que eu lembro os que casaram por aqui tinham que fazer esse percurso.

O fluxo populacional para Tangará da Serra foi intenso, principalmente na década de

setenta, conforme destaca o quadro abaixo:

Tabela nº 04 Casamentos de Tangará da Serra - 1964 a 1979

Mês 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 Total

Jan. 1 1 9 6 9 4 9 7 5 12 63 Fev. 1 2 2 2 8 8 7 8 4 4 12 58 Mar. 5 7 3 6 6 8 1 8 44 Abr. 1 1 3 4 13 6 8 9 9 7 61 Maio 1 2 6 11 9 9 19 15 20 15 107 Jun. 1 2 2 8 11 23 20 27 24 11 10 12 151 Jul. 3 2 8 6 22 26 24 43 19 29 17 16 215 Ago. 5 1 3 12 14 4 4 4 14 3 8 72 Set. 2 1 2 1 13 7 13 36 24 29 15 7 20 21 191 Out. 1 1 5 3 2 14 16 11 11 12 10 16 102 Nov. 3 2 3 3 4 10 10 9 8 11 8 9 14 94 Dez. 2 3 1 9 6 19 16 11 12 6 6 26 117 Total 4 8 8 13 8 8 47 53 100 175 148 177 153 124 82 167 1275

FONTE: Livros de Registro de Casamentos de 1964 - 1979. Serviços Notariais e Registrais de Nova Olímpia, do distrito de Progresso.

Nos anos sessenta, não houve um crescimento diferencia do no número de casamentos,

ou seja, em 1964, foram realizados quatro casamentos; nos outros anos, foram registrados oito

casamentos ao longo de cada ano, com exceção do ano de 1967, quando treze casamentos

foram registrados. Já em 1970, foram assentados 47 casamentos e, nos anos seguintes, o

146 O Cartório mais próximo de Tangará da Serra foi instalado em 20 de setembro de 1979, no distrito de Progr esso - MT.

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crescimento foi bastante significativo, sendo o de maior número de registro o ano de 1975,

com 177 casamentos.

O número de casamentos apresenta declínio em 1976, 1977 e 1978, pois, nestes anos,

apareceram novos núcleos de colonização em Mato Grosso principalmente o de Juína, projeto

de colonização oficial elaborado pela Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso

(CODEMAT), que teve aprovação do INCRA através da Portaria n.º 904, de 19 de setembro

de 1978.

Muitas famílias de lavradores de Tangará da Serra dirigiram-se para Juína em busca da

terra fértil e segura, principalmente em 1978. Antes mesmo do projeto de colonização de

Juína, moradores de Tangará da Serra tentavam a sorte no garimpo de diamante de Juína

desde 1976.

Esta trajetória das famílias é evidente nos livros de registro de nascimentos, em que

estão averbados os registros de casamento, onde constam, com freqüência, casamentos

realizados em Rondônia.

Nos últimos anos da década de setenta, intensificou-se a propaganda de outros projetos

de colonização privados de Mato Grosso, tais como o de Juara (1974), de Sinop (1974), de

Alta Floresta (1976), de Sorriso (1977), de Juruena (1978), dentre outros e também outros de

Rondônia, atraindo paranaenses e outros sulistas para diferentes áreas de colonização

privada.

A propaganda da SITA - Sociedade Comercial Imobiliária de Tupã para Agricultura

Ltda. 147 e a propaganda de familiares residentes no povoado, através de cartas a parentes e

amigos, mobilizou pessoas de vários lugares do Brasil para Tangará da Serra, mas, sobretudo

os naturais de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Bahia, Goiás, Pernambuco e Espírito Santo.

147 A SITA, Sociedade Comercial Imobiliária de Tupã para Agricultura Ltda., colonizadora privada que colonizou quatro glebas de terras em Tangará da Serra. Até o dia 30 de janeiro de 1969, esta colonizadora denominava-se CITA - Companhia Imobiliária Tupã para Agricultura, conforme Registro Geral de Imóveis - Cartório do Primeiro Ofício de Rosário Oeste - MT.

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As famílias que vêm para Tangará da Serra são aquelas que seguem o roteiro do

movimento migratório do Brasil, geralmente do Nordeste, que migraram para São Paulo e,

depois, para o Paraná. São paulistas que foram para o Norte Novo do Paraná, em busca do

ouro verde ; são mineiros que migraram para São Paulo e depois para o Paraná ou de Minas

Gerais para o Paraná; ou paulistas e paranaenses que foram para o sul de Mato Grosso, atual

Mato Grosso do Sul, e depois chegaram em Tangará da Serra, tendo como nova parada, e não

como porto seguro, Mato Grosso. 148

A compreensão do processo migratório rural-rural, que possibilitou aos lavradores,

particularmente mineiros, paulistas e paranaenses, buscar novas terras, deve ser analisada no

conjunto dos movimentos migratórios do Brasil.

Ao analisarmos os movimentos migratórios brasileiros de 1940 a 1950, percebemos

que existiu um grande fluxo de nordestinos para São Paulo, especialmente após a construção

da estrada Rio-Bahia; neste mesmo período, o Paraná recebeu um contingente populacional

proveniente de São Paulo. Os paulistas migraram para o Paraná devido à política de

colonização adotada pela empresa privada inglesa “Companhia de Terras do Norte do Paraná”

e pela construção da estrada de ferro Noroeste, no norte do Paraná.149

De 1950 a 1960, o Paraná ainda continuou recebendo um número bastante expressivo

de pessoas devido à colonizadora privada, mas parte da migração já se dirigia para Mato

Grosso e Goiás. A transferência do fluxo migratório acontecia em virtude do declínio da

produção do café, substituído por atividades que usassem menos mão-de-obra, como, por

148 Ao observar o texto de France Luz, em obra já citada, percebemos esta trajetória de paulistas, mineiros e baianos até o Estado do Paraná. p.148 -152. Esta observação também pode ser verificada em SWAIN, Tânia Navarro. Fronteiras do Paraná: da colonização à migração. In: AUBERTIN, Catherine e BECKER, Bertha. (org.), et al. Fronteiras. Brasília: Universidade de Brasília, 1988. 149 Análise mais elaborada sobre a migração no Norte do Paraná pode ser conferida na dissertação de PERARO, Maria Adenir. Estudo do povoamento, crescimento e composição da população do Norte Novo do Paraná de 1940 a 1970. Curitiba, 1978. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) – Departamento de História, Universidade Federal do Paraná.

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exemplo, a pecuária, e da construção de estradas que facilitaram o acesso à região Centro-

Oeste, além de toda política da Marcha para o Oeste. 150

As famílias que vieram para Tangará da Serra, motivadas pela esperança na posse da

terra, seguiram a rota do café, mesmo que, quando chegaram no vale do Sepotuba, tenham-se

dedicado à lavoura branca, em seguida, preparam-se para o plantio do café. 151

Para CASSIANO RICARDO, os cafeicultores do oeste brasileiro são os bandeirantes

do século XX; para ele, Mato Grosso foi um foco de atração das bandeiras modernas e o café,

diferente de outros produtos, foi o responsável pela expansão demográfica e cultural:

Já o café caminha, porque uma região se esgota e ele terá que ser plantado em outra região; o lavrador caminha com ele. Planta bandeirante, mas cruel, abandona a terra que a produz; não terá sido sem razão que o poeta comparou o cafezal geométrico a um batalhão em marcha.152

Na leitura do livro de registro de casamento de 1964 a 1979, pode -se mapear o

movimento das famílias, de acordo com a sua procedência. Ao se cruzar informações do livro

de registro de óbitos dos cartórios com as da Paróquia de Tangará da Serra ou com as fontes

orais, pode-se perceber, com clareza, a trajetória das famílias.153 No livro de registro de

nascimento, também é possível verificar este movimento das famílias; com freqüência, em um

mesmo dia, o pai ou a mãe registrou mais que um filho nascido em datas, cidades e Estados

diferentes.

150COSTA, Iraci Del Nero da. PORTO, Cornélia Nogueira, NOZOE, Nelson Hideiki. Movimentos migratórios no Brasil e seus condicionantes econômicos. (1872-1980). FIPE - Fundação Instituto de pes quisas econômicas. São Paulo: 1987. 151 O café é uma planta dicotiledônea de porte arbustivo ou arbóreo de caule lenhoso, folhas persistentes e flores hermafroditas, pertencem ao gênero coffea da família rubiaceal da espécie arábica. 152RICARDO, Cassiano. Marcha para o oeste (a influência da “Bandeira” na formação social e política do Brasil) 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1970 - v.2. p.623. 153 Ao cruzar fontes orais e escritas inspiro-me também no trabalho de MACHADO, Cacilda da Silva. De uma família imigrante: sociabilidades e laços de parentesco. Curitiba: Quatro Ventos, 1999, que ao trabalhar com a micro-história abordando a imigração alemã a partir da família Strobel, em Curitiba- PR, cruza as fontes: listas de passageiros, livros de memóri as (diários) com entrevistas.

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Alguns exemplos destas práticas podem ser identificados no registro de óbitos da

Igreja, quando dois filhos da mesma família morreram em Tangará da Serra, um deles

nascido em São Paulo, e o outro, mais novo, no Paraná.

O padre José Egberto Pereira, que chegou, em Tangará da Serra, em 12 de fevereiro de

1966, com a elevação da capela de Tangará da Serra à Reitoria154, pelo bispo da Prelazia 155 de

Diamantino D. Alonso Silveira de Mello, destaca, no Livro tombo da Reitoria de Nossa

Senhora Aparecida, a procedência das famílias que formavam seu grupo de fiéis, dif erentes

daqueles da região de sua procedência, formados quase que absolutamente de descendentes de

nordestinos e filhos de mato-grossenses:

Logo na chegada o P. começou a dar aulas a dois meninos que mostraram desejos de seguir a vocação sacerdotal. Começou entrar entendimento com certas pessoas do local a fim de construir a matriz definitiva. Sempre há boa disposição da parte de todos. Geralmente eles vieram de diversos Estados, assim São Paulo, Paraná, Minas Gerais e de outros Estados. Constitui a população diferente dos outros lugares da prelazia, a constar do Alto Paraguai até os dois povoados: Santo Afonso e Marilândia . 156

A maior parte das famílias que vieram para Tangará da Serra, no período de 1964 a

1979, era natural de Minas Gerais. Um significativo fluxo migratório ocorreu a partir de 1972

e, conforme os relatos orais, as famílias foram motivadas a mudar pela propaganda que

154 Segundo SILVA, P. José de Moura. Missão Prelazia de Diamantino: 22.3.1929 a 16.10.1979. Cuiabá, 1988. Mimeo. Reitoria é uma Paróquia em formação. “A Paróquia Nossa Senhora Aparecida de Tangará da Serra também teve início numa Reitoria. Historicamente, foi o segundo núcleo colonizador, portanto, após a Gleba Conomali, que deu origem a Porto dos Gaúchos. No entanto, devido às boas terras, o desenvolvimento da Gleba de Tangará da Serra superou o de Porto dos Gaúchos. Após buscar informações de pertença, inicialmente sem resultados, porque se duvidava da localização em região limítrofe com a Diocese de São Luís de Cáceres, os diretores da Gleba Tangará da Serra encontram informação fortuita em Nortelândia, uma vez que se abriu linha de Toyota entre as duas localidades. Após o atendimento a partir de Nortelândia, foi criada a Reitoria em 25 de Janeiro de 1966, sendo reitor P. José Egberto Pereira, do clero secular. A Paróquia foi criada em 9 de março de 1968, sendo pároco o P. Edgar Henrique Muller, de 17 de março de 1968 a 1976. Devemos perceber também que, segundo BIENNÊS, D. Máximo. Uma Igreja na fronteira. Loyola: São Paulo”, 1987. Cap. XVII, o primeiro padre a realizar desobriga no espaço onde está localizado Tangará da Serra, foi P. Antônio Fiol, sacerdote de Maiorca, que morou em Barra do Bugres por pouco tempo. 155 Ibid. “As Prelazias ‘nullius’ devem ser consideradas como dioceses em formação. O Prelado, portanto, deve empenhar-se ao máximo no sentido de fundar ou desenvolver aquelas obras e instituições que, em futuro, que se espera não seja muito remoto, serão necessários para o desenvolvimento normal da vida de uma diocese.”p.16. 156 LIVRO TOMBO DA REITORIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA, Tangará da Serra - MT, 1967, p.04.

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amigos e parentes que já residiam em Tangará da Serra faziam da terra fértil. Deve -se

ressaltar que grande parte de mineiros que vieram em direção a Mato Grosso, especificamente

para Tangará da Serra, são procedentes de localidades rurais de Minas Gerais, em direção a

Mato Grosso.

Gabriel Constâncio Ramos, mineiro de Tarumirim, mas procedente de Itanhomi, relata

os motivos de sua mudança para Tangará da Serra em 1968, como sendo influência de

parentes e a esperança de uma vida melhor :

No início de 1964 mudou-se para cá uns parentes meus, e entre esses parentes em 65 veio meu sogro, e eles chegaram contando como é que eram as terras, o volume de gente que chegava, pequenas propriedades, e onde tem pequenas propriedades tem movimento. Nós tínhamos uma certa cultura, de tanta coisa que podia ser realizado, com pequenas propriedades uma cidade com muito futuro, porque o futuro há 20, 30 anos atrás ele era mais no sentido da agricultura, porque atrás da agricultura é que vem essa tecnologia .157

As cidades de Minas Gerais, de maior destaque no livro de registro de casamentos,

Itanhomi e Tarumirim, são limítrofes e ficam a noroeste no Estado de Minas Gerais, próxima

à cidade de Governador Valadares e do rio Doce, bastante próximas ao Estado do Espírito

Santo.

Além das fontes documentais, nos depoimentos orais são freqüentes as referências a

estas duas cidades. Os relatos evidenciam uma disputa política e econômica entre ambas.

Conflitos políticos e econômicos como estes também aconteceram no final da década de

sessenta e no início da década de setenta, entre a localidade de Tangará da Serra e a sede do

município, a cidade de Barra do Bugres. 158

É significativo o contingente de famílias que são naturais de São Paulo, Paraná e de

Estados da região nordeste, sobretudo da Bahia, Pernambuco, Ceará e Alagoas. Os paulistas,

em sua maioria, seguem a rota do café; também estão nesse fluxo os nordestinos, cuja parte

157 RAMOS, Constâncio. Em entrevista ao autor. Em 30. maio. 2001. 158 O município de Itanhomi conta com 11.970 pessoas e Tarumirim tem uma população de 16.342 pessoas. Dados de 1998. Cf. http://www.cidades.mg.gov.br/cidades/owa/social. Acesso em 17 nov. 2001.

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dos filhos daqueles que migraram para Tangará da Serra são paranaenses. Alguns

depoimentos ajudam a percorrer melhor estes caminhos:

(...) nasci em São Paulo, morei em Catanduva (SP), nós fomos para Osvaldo Cruz (SP), nós fomos para o Paraná, Paranavaí, de Paranavaí a gente veio para Tangará da Serra. (Manoel Torres, 1963)

Eu morava no Paraná, eu nasci em São Paulo mais morava no Paraná, quando eu

mudei para Paraná tinha 15 anos de idade ... fiquei muitos anos em Maringá, depois mudei

para Paranavaí ... de pois vim para cá. (Maria Beazóli, 1961)

Eu nasci em São Paulo do Potengi no Rio Grande do Norte, mas

morava em Amaporã no Paraná, cheguei em 7 de setembro de 1961. (Lindalva Avelino Dantas, 1961)

A região sudeste lidera a naturalidade da corrente migratória para Tangará da Serra no

período de 1964 a 1979, sendo que o nordeste é também responsável por um grande fluxo

migratório para esta região.

Está em destaque, no livro tombo, registro de 02 de outubro de 1996, a presença de

famílias capixabas: Chegaram famílias vindas do Estado do Espírito Santo. Todas estiveram

à noite na capela, mostrando piedade. Segundo informações, podemos bem esperar com a

vinda desta gente e outras 50 famílias que de lá deverão vir .159

A atual região sul do Brasil só é expressiva devido à naturalidade do Estado do Paraná,

sendo que os gaúchos e catarinenses vão-se estabelecer neste ambiente na década de oitenta, o

que denomino então de segundo fluxo migratório, pois seus interesses estavam no domínio do

cerrado e na utilização em grande escala da tecnologia mecanizada, voltando-se mais para a

região da Chapada dos Parecis, e ocupando-se com a monocultura da soja. 160

Os dados retirados do Livro de Registro de Casamentos do Serviço Notarial e

Registral de Nova Olímpia e do distrito de Progresso possibilitam observar a naturalidade

159 Reitoria de Nossa Senhora Aparecida, op. cit., p.20. 160 Este segundo fluxo migratório não será objeto de análise deste estudo.

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das famílias, dados esses indicativos do rápido crescimento populacional da localidade em

estudo.

Tabela n.º 05 NATURALIDADE DOS CÔNJUGES EM TANGARÁ DA SERRA – 1964 - 1979

Pessoas que se casaram Sexo

Naturalidade Total Homens Mulher

% % % Minas Gerais 846 33,2% 414 32,5% 432 33,9% São Paulo 553 21,7% 280 22,0% 273 21,4% Paraná 338 13,3% 131 10,3% 207 16,2% Bahia 170 6,7% 113 8,9% 57 4,5% Goiás 115 4,5% 54 4,2% 61 4,8% Pernambuco 91 3,6% 58 4,5% 33 2,6% Espírito Santo 79 3,1% 30 2,4% 49 3,8% Mato Grosso 69 2,7% 33 2,6% 36 2,8% Ceará 67 2,6% 38 3,0% 29 2,3% Mato Grosso do Sul 64 2,5% 33 2,6% 31 2,4% Alagoas 49 1,9% 28 2,2% 21 1,6% Rio de Janeiro 21 0,8% 10 0,8% 11 0,9% Sergipe 20 0,8% 11 0,9% 9 0,7% Paraíba 19 0,7% 11 0,9% 8 0,6% Rio Grande do Norte 17 0,7% 13 1,0% 4 0,3% Santa Catarina 13 0,5% 6 0,5% 7 0,5% Rio Grande do Sul 8 0,3% 7 0,5% 1 0,1% Piauí 6 0,2% 3 0,2% 3 0,2% Rondônia 1 0,0% 1 0,1% 0 0,0% Maranhão 1 0,0% 0 0,0% 1 0,1% Brasília 1 0,0% 0 0,0% 1 0,1% Espanha 1 0,0% 1 0,1% 0 0,0% Japão 1 0,0% 0 0,0% 1 0,1% Total 2550 100% 1275 100,0% 1275 100%

FONTE: Livros de Registro de Casamentos dos Serviços Notariais e Registrais- Nova Olímpia e Progresso.

Os dados acima são fundamentais para este estudo, pois as pessoas que se casam

representam, como afirma France LUZ, uma parcela significativa da população: aquela que

se concentra nas faixas etárias de 15 a 30 anos e na qual se incluem quase 30% das

pessoas.161

Na tabela número 05, é possível verificar a naturalidade dos nubentes. No contato com

as fontes primárias, ou seja, com os registros cartoriais, foi percebido que os casamentos

161 LUZ, France, op. cit., p.148.

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foram muito freqüentes entre pessoas oriundas do mesmo Estado ou região. Os Estados de

Minas Gerais e São Paulo apresentam maior número de migrantes para Tangará da Serra,

Dentre os 414 homens de naturalidade mineira que se casaram em Tangará da Serra,

62,1% contraíram núpcias com mulheres mineiras, 12,6%, com mulheres paranaenses, 12%

casaram-se com mulheres paulistas e 13,3%, com mulheres dos demais Estados da federação.

As mulheres mineiras também preferiram homens mineiros. De 432 mulheres

mineiras, 59,5% delas se casaram com mineiros, outras 13,2, com paulistas, 5,8%, com

paranaenses, 5,8%, com baianos e 15,7%, com homens de outras naturalidades.

A prática de escolha do cônjuge não foi diferente para os naturais do Estado de São

Paulo, tanto para os homens quanto para as mulheres, confirmando os dados já

exemplificados pelos casamentos realizados pelos naturais de Minas Gerais.

Os homens paulistas se casaram mais com mulheres de São Paulo, 36,1%. Os paulistas

desposaram 21,1% de mulheres paranaenses e 20,4 % de mulheres mineiras.

As mulheres paulistas também se casaram mais com homens de sua terra natal, 37%,

já 19%, com mineiros e 12,8%, com paranaenses.

Este estudo demográfico, configurado em dados que evidenciaram a naturalidade dos

nubentes, veio comprovar a dinâmica do fluxo e refluxo populacional em estudo,

consolidando o roteiro da migração rural que ligava São Paulo, Paraná e Mato Grosso e

também Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso, ou Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso, e

outros caminhos, que configuram a predominância de casamento entre pessoas de

naturalidades iguais ou diferentes em Tangará da Serra. 162

162 Para marcar esta demografia das famílias que ocupavam o espaço em estudo, é fundamental a conf iabilidade nos registros civis, embora sabemos que muitas pessoas não tiveram seus dados catalogados nestes livros de registros.

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5.2 – Levantamento demográfico do P. Kunraht

Além destes dados demográficos ligados aos registros de casamentos, que evidenciam

uma região de fronteira dinâmica e em constante mobilidade em Mato Grosso, é importante a

leitura da representação contida nos levantamentos demográficos elaborados pelo P. José

Aleixo Kunraht, no ano de 1966, em alguns núcleos rurais ligados ao centro urbano de

Tangará da Serra. 163

No livro tombo, percebe-se que o padre fez levantamento demográfico em diversas

ruas do povoado, além de sítios e fazendas. Mas os recenseamentos encontrados no Arquivo

da Missão Prelazia de Diamantino dizem respeito apenas às localidades rurais de Água

Branca, Sítio Recanto, Reserva, São Paulino, da Vila Progresso e do Grupo Escolar, este

último localizado no povoado de Tangará da Serra - MT.164

No recenseamento demográfico, o padre faz um levantamento do número de famílias

legítimas e ilegítimas165, sacramentos de batismo e comunhão ministrados e registra o número

de pessoas flutuantes, tais como os garimpeiros, os poaieiros e os peões. O padre também

registra dados relacionados à saúde, mortalidade infantil, causas de mortes e doenças, bem

como o nível de vida e de educação da população. Os registros mais apurados dizem respeito

às questões religiosas e é evidenciado uma preocupação em acompanhar e conter o

crescimento das famílias protestantes nestas áreas de fronteira, de domínio da Prelazia de

Diamantino.

163 O conhecimento do censo demográfico realizado pelo P. José Aleixo Kunraht foi possível devido às indicações registradas no Livro tombo da Reitoria de Nossa Senhora Aparecida, nos dias 11 a 18 de outubro de 1966. É importante informar que os levantamentos demográficos analisados encontram-se no Arquivo da Missão Prelazia de Diamantino, na sede Regional de Mato Grosso l - Rua do Ouro, 64, Araés, Cuiabá - MT. 164 O P. José Aleixo Kunraht, chegou em Tangará da Serra, em plena festa da Igreja, quando a população organizava leilões em benefício das construções da futura Igreja Matriz. 165 Conforme dados do recenseamento, família ilegítima era aquela em que os parceiros não eram casados no religioso. Uma análise mais completa sobre a questão da ilegitimidade em Mato Grosso é fundamental no estudo de PERARO, Maria Adenir. Bastardos do Império : família e sociedade em Mato Grosso no século XIX. São Paulo: Contexto, 2001. p.69–87.

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Assistir religiosamente as famílias migrantes seria uma condição sine qua non para

impedir o avanço do protestantismo, na tentativa de se efetivar o projeto romanizador da

Igreja Católica. Isso é observado também no livro tombo, em que o P. José Egberto Pereira,

ao descrever a situação dos templos protestantes no povoado, considera -os com o número de

fiéis reduzidos, embora o P. Kunraht, em notas de observação do seu recenseamento, sempre

deixa evidente a falta de atendimento religioso. Para a prelazia de Diamantino, uma das

formas de ampliar o atendimento religioso seria transformar a reitoria de Nossa Senhora

Aparecida em Paróquia de Nossa Senhora Aparecida; foi o que aconteceu em 1968.

A preocupação latente, contida no recenseamento feito pelo P. José Aleixo Kunraht, é,

sobretudo, com a causa religiosa, arrebanhar à Prelazia novos fiéis que se dirigiam à procura

de propriedade e serviço, como ele descreve, ao estabelecer os motivos da migração. O

registro do número de famílias protestantes é evidente, como também a preocupação com a

assistência e o conhecimento religioso, que é muitas vezes destacado como sofrível.

Conforme o padre, mesmo com a deficiência da assistência religiosa, o que ajuda a manter os

preceitos da fé católica são as boas famílias vindas do Sul. A procedência das famílias é quase

a mesma indicada no registro de casamento: são famílias procedentes de Paraná, São Paulo,

Minas Gerais e Espírito Santo. Seriam famílias que atendiam o ideal católico esperado pela

Igreja.

No dia 02 de outubro de 1966, o P. José Egberto Pereira mostra, através do registro no

livro tombo, mais um alívio, com a chegada de famílias católicas, que povoariam o lugar

dominado por protestantes:

Assim Tangará considerado núcleo protestante, não mais será. Aqui atualmente existe talvez 10% de protestantes, dentre as seitas Congregação Cristã do Brasil, batistas, presbiterianos, Assembléia de Deus. Antes de vir o padre eles conseguiram reunir o povo. Assim a Batista ficava o templo repleto que mede 7X10 metros, hoje reduzido para algumas pessoas.

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Ainda a mais numerosa é Cristã do Brasil. Os presbiterianos começaram o templo, mas apenas está nos alicerces. Eles podem contar com o pastor que vem de Rosário Oeste de avião. A Congregação Cristã possui avião e Jeep. A Assembléia tem o foco principal no Progresso, aqui poucos elementos.

Não tenho condução, só posso contar com a graça de Deus. Sei que tivesse condução poderia multiplicar o meu trabalho. 166

A representação do espaço protestante elaborada pelo padre é edificante devido ao uso

da tecnologia utilizada pelas outras igrejas, que, naquele momento, ele não possuía. Desta

forma, a assistência religiosa católica ficava prejudicada, evidenciando o crescimento das

famílias protestantes. A solução para produzir uma inversão destes movimentos seria a

chegada de famílias migrantes católicas. A Igreja era sempre a parada obrigatória, lugar de

mostrar piedade, como registrou o padre, para aqueles que buscavam a fertilidade do solo do

planalto do Tapirapuã.

O recenseamento apresenta as práticas da Igreja para a manutenção do catolicismo e os

mecanismos que ela utiliza para garantir sua expansão, garantida pela necessidade da

assistência religiosa. O padre José Egberto Pereira deixa claro, em suas anotações no livro

tombo, a quantidade de comunhões e batismos realizados em suas visitas, principalmente nas

localidades rurais.

Estes registros quantitativos de comunhões e batismos servem como balizas para

configurarmos a quantidade de pessoas que habitavam Tangará da Serra na década de

sessenta; todavia, o padre registra, no dia 1º de julho de 1966, o seguinte dado demográfico:

Primeira Sexta -feira houve em Tangará 52 comunhões. Tangará com toda redondeza conta

com 1.800 habitantes. Muitos moram longe do povoado, por esta razão diminui a freqüência

aos sacramentos.167

166 LIVRO TOMBO DA REITORIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA, Tangará da Serra - MT, 1967, p. 10-1. 167 Ibid., p.6.

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Os dados apresentados pelo padre José Egberto Pereira não são devidamente

fundamentados em sua origem. Todavia, podemos comparar com os dados do levantamento

realizado pelo Pr. José Aleixo Kunraht.

Tabela n.º 06 Recenseamento em Tangará da Serra - MT - 1966.

Setor Reserva São Paulino

Grupo Escolar

Vila Progresso

Sítio Recanto

e Água Branca

Total Geral

Data do recenseamento

13/10/66 14/10/66

14/10/66

16/10/66 17/10/66

Total de Moradores 263 127 127* 178 44

739

FONTE: KUNRAHT, José Aleixo. Recenseamento. Prelazia de Diamantino - Reitoria de Tangará - Núcleo do Interior. 1966. Mimeo.

NOTA : * Estes dados correspondem ao total de alunos matriculados no Grupo Escolar.

Ao cruzarmos as fontes paroquiais, o livro tombo, com o recenseamento, percebe -se

que o Pr. José Aleixo Kunraht realizou, no dia 12 de outubro de 1966, um levantamento em

diversas ruas do povoado, e esse trabalho foi continuado no dia 15 de outubro, no povoado e

nas propriedades vizinhas. Neste dia, o padre foi acompanhado de Expedito Lopes dos Santos,

funcionário da SITA e do professor José Nodari. Porém, no levantamento demográfico

encontrado, realizado pelo representante da Prelazia, não constam os dados referentes à

população urbana de Tangará da Serra, com exceção dos alunos matriculados no Grupo

Escolar, bem como as pessoas que residiam em núcleos rurais mais próximos do povoado,

que já existiam na década de sessenta, como as localidades do Ararão e Queima Pé, bastante

citadas pelo P. José Egberto Pereira nos seus registros, a exemplo da anotação do dia 26 de

julho de 1966:

Estava para sair e chegar até o Ararão a 6 km daqui a fim de visitar as famílias. Lá é um foco de espiritismo e de tal Congregação Cristã do Brasil. Os protestantes estão meio paralisados. Não estou satisfeito com o movimento católico em geral. Desejava ver aumentar o

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número de comunhões. Até agora houve apenas 1.557 comunhões para uma população de 1.800 almas.168

Depois destas considerações, é possível imaginar que o número de habitantes pudesse

chegar, em 1966, próximo a 1.800 pessoas, como afirmava o P. José Egberto Pereira, pois,

além dos 739 habitantes destacados no levantamento demográfico, faltam registros sobre a

maior parte da população total da cidade e de algumas comunidades rurais. Até o ano de

1966, foram registrados 40 casamentos, 108 registros de nascimentos, cinco óbitos

registrados no cartório e 20 óbitos registrados na Igreja; estes dados nos ajudam a configurar

um pouco mais a quantidade de pessoas em Tangará da Serra.

A citação anterior, além de demostrar o número de habitantes, volta a destacar a

preocupação do P. José Egberto Pereira com as outras igrejas e sua tendência na expansão do

catolicismo. Ao ser indagado sobre a relação da Igreja Católica com outras Igrejas, no período

em que foi padre em Tangará da Serra, as lembranças do P. José Egberto confirmam seus

registros do livro tombo:

“Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e a dela. Ela te pisará a cabeça, e tu armarás traição ao seu calcanhar” (Gênesis: 3,15) De acordo com a citação acima, havia um grande zelo missionário da Igreja. Por isso, nunca houve culto ecumênico, mas através de orações e apostolados procurava ajudá-los a vir para o bom caminho.169

Católicos, protestantes, espíritas, ateus ou praticantes de outras religiões configuraram

religiosamente o povoado de Tangará da Serra e fizeram com existisse um mosaico de

religiões, reconfigurando-se sempre com a chegada de novas famílias que desocupavam

vários lugares do Brasil, enredados pela expulsão e ou atração promovida pelo capitalismo.

5.3 - Homens e Mulheres: profissão e casamento

168 Ibid, p.8. 169 PEREIRA, José Egberto. Em carta para o autor. Bom Jesus do Itabapoana - RJ. 13 nov. 2000.

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Em sua grande maioria, as famílias que foram para Tangará da Serra são do

movimento migratório rural-rural; os homens, em sua maioria, eram lavradores antes de se

mudarem para Tangará da Serra e depois continuaram a sê-los, mesmo quando moravam na

cidade, em Tangará da Serra; mantinham uma propriedade rural ou trabalhavam na lavoura.

As mulheres ocupavam-se dos serviços da casa e ajudavam no plantio e na colheita e algumas

tinham atividades rotineiras ligadas à agricultura.

Observando os livros de registros de casamentos, percebemos que as famílias que

reterritorializam o ambiente de Tangará da Serra são famílias nucleares ligadas à terra, que se

autodenominam de lavradores. São pequenos proprietários de terras ou mesmo famílias que

estavam a serviço de outro proprietário com o qual já mantinham vínculo empregatício e de

compadrio desde o Estado de procedência. 170

O depoimento exemplifica a abordagem anterior e ilustra a coexistência entre a frente

pioneira e a frente de expansão:

Essas famílias vieram conosco, porque a mão de obra aqui era difícil e não tinha condição de arrumar pessoal adequado para o manuseio na lavoura. E eram pessoas que já moravam com a gente lá em São Paulo em outras fazendas de lá. E quando nós propusemos a vir para o Mato Grosso, essas pessoas, essas famílias dispuseram também a nos acompanhar. Haja visto, que naquela época a lavoura lá estava em declínio. Era algodão e amendoim, devido as terras estarem cansadas e o aproveitamento com a mecanização lá era improcedente, porque as terras eram areia, quanto mais tombava as terra mais erosão aparecia. Devido isso essas famílias se dispuseram a nos acompanhar até aqui, em vistas das terras, da perspectiva de boas lavouras de um futuro melhor. 171

Esses fluxos populacionais onde a fronteira entre a frente de expansão e a frente

pioneira coexiste, obriga estas categorias a produzir novas relações culturais entre elas e

170 A família aqui é pensada como: HAREVEN, Tamara K. Tempo de família e tempo histórico . In: Questões e Debates. APAH. Curitiba: Gráfica Vicentina, 1984. p.6. Autora destaca que “... na verdade, a família está em fluxo constante. Ela é cenário de interação entre várias vidas individuais fluentes.” 171 TAVARES, Hélio. Em entrevista ao autor, Tangará da Serra, 23 abr. 1991.

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com a natureza com que passam a conviver. Neste mesmo espaço, configuram-se as frentes de

expansão e pioneiras; a primeira, destacada pelos que se intitulam lavradores, pequenos

proprietários de terras, agregados ou meeiros, que trabalham na terra de capitalistas maiores,

os fazendeiros, os quais podemos caracterizar como frente pioneira, conforme afirma

MARTINS:

(...) a frente de expansão está mais próxima da economia mercantil simples do que da economia capitalista e, ao mesmo tempo, está próxima da mera economia de subsistência. O camponês produz aí seus próprios meios de vida, além dos excedentes comercializáveis. Ele não pode se inserir plenamente na divisão social do trabalho que rege o conjunto da economia. Por que, se o fizer, terá de se especializar, dedicar-se de preferência aos produtos mais rentáveis naquela terra e naquele lugar. E adquirir no mercado seus meios de vida. 172

Os registros de casamentos, entre 1964 e 1979, destacam 46 profissões diferenciadas

exercidas pelos homens, sendo que, de um total de 1.275 casamentos, a profissão registrada é

de 1.036 lavradores, as outras profissões estão relacionadas ao cotidiano do trabalho de

pessoas ligadas a regiões de colonização agrícola. É significativo o número de comerciantes,

48, deixando claro o movimento de capital que começa a ser gerado pelas pequenas

propriedades que são produzidas no vale do Sepotuba. Além dos comerciantes de produtos

industrializados, muitos homens eram envolvidos com a compra e venda do arroz e do café,

com exceção dos proprietários de serrarias, que se autodenominam de industriários.

O plantio do café e do arroz não impedia o lavrador de manter, na sua propriedade

rural ou na de seu patrão, um espaço onde pudesse produzir outros elementos necessários para

a sobrevivência de sua família, o terreiro173 da casa. Ele vai estar incorporado nesta relação de

sobrevivência, pois seu espaço é ocupado pelo gado miúdo, como galinha, porco, pato, ganso

e outros animais, como por plantação de frutas, hortaliças e ervas medicinais. É também o

espaço das rudimentares construções, como galinheiro, chiqueiro e paiol.

172 MARTINS, José de Souza. Fronteira : A degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997. p.188. 173 Expressão obtida nas fontes orais, usada pelos lavradores da região para designar quintal.

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Essa estrutura da organização do quintal não se aplicava apenas à área rural, mas parte

dessa estrutura, quando não toda, encontrava -se também na cidade. O quintal passa a ter uma

função cultural e política na organização da estrutura familiar.

Ao estudar o espaço do quintal em Mimoso - MT, Joana Aparecida Fernandes da

SILVA destaca também o destino e a utilidade deste espaço, algumas também percebidas nos

relatos dos moradores do povoado de Tangará da Serra:

(...) Além das plantas úteis cultivadas por seus moradores, o quintal revelou-se também como um espaço de trabalho, de encontro, de festas e de cultura. O quintal presta -se para uma multiplicidade de elementos e de atividades, tais como engenho, varal para secar peixes, pilão para preparo do arroz, do milho e da paçoca de carne, preparo do fumo, da criação de porcos, reses, preparo de doces e licores, que se traduzem em aproveitamento dos produtos gerados no próprio quintal. As festas, danças, cururu e siriri também são aí realizadas; a categoria de animais de terreiro, onde incluem-se cães, gatos, galinhas, porcos e vacas, encontram neste lugar, seu espaço para viver e para se alimentar. 174

Atrelada à função cultural e à política das manifestações realizadas no quintal, tanto

em Tangará da Serra como em Mimoso, percebe-se a função econômica dos quintais. No

povoado e, especialmente, na zona rural de Tangará da Serra, são os quintais que ajudam na

sobrevivência destas famílias que acabavam de chegar no novo território. Construir,

organizar, fazer produzir o quintal era uma urgência, uma questão de sobrevivência. Os

produtos que o caminhão da mudança traziam escasseavam rapidamente, o ambiente era

desconhecido, o aproveitamento que poderia retirar-se dele completava a alimentação, mas

não atendia a dieta dos lavradores, habituados a práticas alimentares, cujo complemento era

retirado também dos quintais, como afirma Márcia Aparecida de Brito:

A função econômica dos quintais agroflorestais está representada, principalmente, pela produção de alimentos para

174 SILVA, Joana Aparecida Fernandes. Aqui tudo é Parente! um estudo das práticas e idéias em relação ao tempo e ao espaço entre camponeses do Pantanal de Mimoso. São Paulo, 1998. Tese (Doutorado em Antropologia Social) Universidade de São Paulo, p.160.

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subsistência e para comercialização, podendo contribuir para a melhoria da alimentação das populações rurais e urbanas de baixa renda.175

Além do contato direto com o manejo da terra, uma profissão de muito destaque nestas

regiões de colonização da Amazônia brasileira, é a de motorista; justamente, os Livros de

Casamento em Tangará da Serra registram 37 deles, pois a grande quantidade de madeira de

lei, na mata ciliar do rio Sepotuba, proporcionava o emprego de muitos “toreiros,” 176

condutores de caminhões de extração de toras de madeira.

Figura n.º 10 Caminhões de Tora - Década de 70

FONTE: Acervo da Secretaria de Educação e Cultura de Tangará da Serra – MT.

Outras profissões, tais como as de carpinteiro, pedreiro, mecânico, marceneiro, tratorista,

agenciador, balconista, operário, operador de máquinas e funcionário público, são destaques.

Os operadores de máquinas são especialmente aqueles que trabalham nas serrarias

locais e nas máquinas de beneficiamento de arroz. Os agenciadores eram os “gatos”,

175 BRITO, Márcia Aparecida de. Uso social da biodiversidade em quintais agroflorestais de Aripuanã - MT. Cuiabá, 1996. Dissertação. (Mestrado em Biologia) – Universidade Federal de Mato Grosso. 176 A expressão “toreiro” era usada popularmente para designar tanto os caminhões especiais que carregavam toras de madeira como seus condutores.

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responsáveis pelo agenciamento de pessoas para trabalhar nas fazendas próximas ao

povoado. 177

A tabela a seguir apresenta todas as profissões dos homens, registradas nos

Livros de Casamentos, no período de 1964 a 1979.

Tabela n.º 07 Profissões dos homens, segundo os Livros de Registros Cartoriais – Tangará da Serra -MT 1964– 1979 continua

Profissão Total Geral 1964 – 1974

Lavrador 1.036 Comerciante 48

Motorista 37 Agricultor 25

Carpinteiro 13 Pedreiro 09 Mecânico 09 Operário 08

Marceneiro 07 Balconista 06

Funcionário Público 07 Operador de Máquinas 06

Tratorista 06 Agenciador 05

Bancário 04 Escriturário 04

Pintor 04 Eletricista 03 Fotógrafo 03 Industrial 03 Professor 03

Técnico em Contabilidade

03

Auxiliar de Escritório 02 Rádio Técnico 02

Agropecuarista 01 Alinhador 01

177 Segundo MARTINS, José de Souza. Expropriação e violência: a questão política no campo. São Paulo: Hucitec, 1982.“O gato como é conhecido em amplas regiões opera como agenciador de trabalhadores. Geralmente, possui ou aluga um caminhão para transportar os peões, recrutando-os sob promessas de salários e regalias que não serão cumpridas. Como não há nenhuma fiscalização, o trabalhador quanto mais se aproxima do local de trabalho, mais longe fica de qualquer proteção ou garantia quanto a seus direitos trabalhistas.” p.53

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Aposentado 01 Auxiliar Veterinário 01

Barbeiro 01 Cocheiro 01

Encanador 01 Enfermeiro 01 Estudante 01

Farmacêutico 01 Folheiro 01 Funileiro 01 Médico 01 Militar 01

Prensista 01 Representante

Comercial 01

Sapateiro 01 Serralheiro 01

Serrador 01 Serventuário da Justiça 01

Serviços Gerais 01 Técnico Agrícola 01

Total de Casamentos 1.275 FONTE: Livros de Registro de Casamento dos Serviços

Notariais e Registrais - 1964 - 1979.

Quando se analisa a profissão das mulheres, no mesmo registro citado anteriormente,

percebe-se uma menor variação, pois são registradas apenas doze diferentes profissões, sendo

que o maior número é de mulheres que se ocupam com os serviços da casa; a profissão é

registrada como do lar e doméstica, ressaltando que não há diferença de significado da

nomenclatura para a profissão da mulher da época. Era freqüente, no Livro de Casamentos,

uma ou outra expressão, dependendo principalmente de quem lavrava o registro. 178 É

possível essa percepção, pela caligrafia dos escriturários; alguns preferiam usar a expressão

“do lar”, e outros, a palavra “doméstica”; ambas designavam principalmente as mulheres de

lavradores, não sendo exceção para mulheres de homens que exerciam outras profissões.

178 É possível essa percepção pela caligrafia dos escriturários; alguns preferiam usar a expressão “do lar”, e outros, a palavra “doméstica”, ambas expressões designavam principalmente as mulheres de lavradores, não sendo exceção para mulheres de homens que exerciam outras profissões.

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Foram registradas 1.231 mulheres que exerciam a profissão de doméstica ou do lar;

outro destaque é para as professoras, que somam 21. Percebe -se também estudantes,

costureiras, balconistas, auxiliar de escritório, bancária, comerciante, enfermeira e funcionária

pública municipal.

Tabela n.º 08 Profissões das mulheres, segundo os Livros de Registros Cartoriais – Tangará da Serra -MT

1964– 1979

Profissão Total Geral 1964 – 1979

Do Lar 671 Doméstica 565 Professora 21 Estudante 06 Costureira 04 Balconista 02 Auxiliar de Escritório 01 Bancária 01 Comerciante 01 Enfermeira 01 Funcionária Pública Municipal 01 Psicometrista 01 Total de Casamentos 1.275

FONTE: Livros de Registro de Casamentos dos Serviços Notariais e Registrais - 1964 – 1979.

Eram poucas as mulheres que trabalhavam fora de casa, mesmo como domésticas, pois

a sociedade era formada por famílias de pequenos proprietários de terras. Ressalte-se, porém,

que existia um pequeno número de mulheres que exerciam atividades de doméstica, como

também as de lavadeira de roupas para senhoras de famílias mais ricas, cujas casas geralmente

se destacavam em tamanho e uso de recursos materiais, na arquitetura da cidade.

As mulheres da zona rural geralmente trabalhavam nas lavouras, principalmente nos

momentos especiais de plantio e colheita. Elas também eram responsáveis pela manutenção

do que se plantava próximo à casa, como pomar, horta e criação de galinhas, patos, gansos,

porcos e outros animais. Algumas, inclusive, realizavam o serviço de ordenha das vacas e se

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ocupavam com a produção do queijo, requeijão e pão. Torravam e moíam o café, cortavam a

lenha para abastecer o fogão e cuidavam do abastecimento de água, puxando do poço para

realizar todos os serviços domésticos e para o banho dos filhos.

Este quadro do trabalho familiar e suas representações é destacado por Hilda Píivaro

STADNIKY, ao discutir o papel da mulher no norte do Paraná, de onde grande parte das

mulheres que vieram para Tangará da Serra, é procedente:

A hierarquização das tarefas estabelecia-se em função da sazonalidade das culturas que, entretanto, tem o poder de impor à condição feminina maior polivalência ao não excluir do rol de suas obrigações as tarefas com o serviço doméstico. Isto pressupõe a super exploração do trabalho feminino na órbita da família. Nos momentos de colheita de café, tornava-se imprescindível o trabalho da mulher e mesmo o de crianças. As jornadas de trabalho respeitavam apenas a luz do dia. Para o trabalho das lavouras de subsistência, recorre-se às mulheres e crianças, cujo ritmo se acentua em conseqüência da sazonalidade própria das culturas. As culturas de arroz, feijão, milho, algodão e mandioca contam sistematicamente com o trabalho feminino, em todas as etapas, do cultivo à colheita.179

Estas mulheres, com pouca idade, se ocupavam com estas atividades domésticas em

Tangará da Serra, estando solteiras ou casadas. O casamento era necessário para unir força de

trabalho, nesta terra que se mostrava de fácil aquisição e de muito futuro.

Diante dos 1.275 casamentos analisados em Tangará da Serra, percebemos que as

mulheres se casavam entre 16 e 22 anos; 221 mulheres, com 16 anos e 217, com 21 anos de

idade. Por outro lado, percebe -se que 145 de mulheres casaram-se após os trinta anos, a maior

parte delas eram viúvas que voltavam a constituir novas famílias.

O rapto de mulheres é muito marcante nos registros, pois não era rara a oficialização

de casamentos cujos cônjuges já viviam maritalmente juntos. A expressão fugir era usada

pelas famílias para designar este rapto para o matrimônio. O rapto era um acordo entre os

cônjuges, para constituir -se em família. As moças sempre estavam de acordo com a ação de

179 STADNIKY, Hilda Pívaro. Trabalho e expropriação em uma área de colonização recente : os discursos da diferença de gênero no cotidiano. In: UNICÊNCIAS . Cuiabá: Unic, 1998. v.2. p.37-8.

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seus futuros maridos. A fuga, muitas vezes, afrontava o pai da noiva, e servia como uma

confirmação do machismo do noivo. Outras vezes, a fuga era um recurso que driblava o

compromisso social do casamento, evitando os gastos com as festas.

Os homens casavam-se mais velhos que as mulheres e, com raras exceções, as

mulheres, mais velhas que os homens. O destaque da idade para casamento dos homens é aos

21 anos. Ressalte-se que 142 casaram-se com esta idade, 119, com 22 anos e 118, com 23

anos. Muitos homens, ou seja, 245, também se casaram após os 35 anos, 245 homens,

particularmente homens viúvos; geralmente desposam mulheres mais jovens, e estas

continuam a colaborar no índice de fecundidade destas famílias de lavradores.

Figura nº 11 Idade ao Casar – Tangará da Serra – 1964-1979

FONTE: Livros de Registros de Casamentos dos Serviços Notariais e Registrais – Nova Olímpia e Progresso 1964 a 1979. Em regra geral, no Brasil, a nupcialidade é caracterizada por uma idade ao casar

feminina mais precoce que a masculina. Observando os dados de Tangará da Serra, podemos

contrariar o argumento de Maria Silvia C. Beozzo BASSANEZI, quando afirma que os

camponeses se casam em idade precoce:

Já nas camadas camponesas e entre os colonos do café, os casamentos se realizam em idades precoces, tanto para o homem como

0

100

200

300

400

500

600

700

800

14-19 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-76

Homens

Mulheres

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para a mulher. Quando e onde a posse e ou acesso à terra ocorre com facilidade de mão-de-obra familiar é importante para a sobrevivência do grupo, o casamento se realiza para, inclusive, unir força de trabalho, não há porque adiá -lo. 180

É fundamental definir-se o que seria idade precoce para uma sociedade, em que, desde

criança, homens e mulheres estão acostumados a lidar na lavoura, ajudando os pais na tarefa

de abastecer economicamente a família. Para as famílias em que o trabalho caracterizava -se

como elemento preponderante da estrutura familiar e a preocupação com a escola formal era

secundária, a idade média de acesso ao casamento, de 16 anos para mulheres e de 21 anos

para homens, não pode ser considerada precoce, mas uma prática de vida, em um tempo

histórico específico.

Figura nº 12 Sazonalidade de Casamentos – Tangará da Serra – 1964-1979

FONTE: Livro de Registro de Casamentos dos Serviços Notariais e Registrais. Nova Olímpia e Progresso – 1964 a 1979.

O mês das núpcias também está ligado ao calendário do mundo do trabalho do

lavrador. A sazonalidade do trabalho em Tangará da Serra obedece claramente ao calendário

agrícola, e se pode observar que o maior número de casamentos está concentrado após a

180 BASSANEZI, Maria Silvia C. Beozzo. Considerações sobre os estudos do celibato e da idade ao casar no passado brasileiro. In: ANAIS, IX. Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Belo Horizonte: ABEP, 1994. v.1. p.389.

10

50

100

150

200

250

1

Sazonalidade dos CasamentosJaneiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro

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colheita do café, nos meses de junho, julho e setembro. Casou-se muito também no mês de

maio; justifica-se a relação cultural do mês de maio como o mês das noivas. É possível

observar um respeito evidente ao período da quaresma, geralmente nos meses de março e abril

e uma rejeição supersticiosa ao mês de agosto, relatada por muitos como um mês ligado ao

azar, chamado por alguns como o mês do desgosto.

Mesmo sendo uma sociedade do século XX, as marcas do calendário religioso são

fundamentalmente observadas pelos nubentes. Ana Silvia Volpi SCOTT, ao estudar as

famílias do noroeste português da freguesia de São Tiago de Ronfe, nos séculos XVIII e XIX,

também observa o mesmo fenômeno:

(...) Desde os trabalhos pioneiros de demografia histórica, notou-se uma íntima relação entre o calendário Católico, os períodos de tabus religiosos e a realização dos casamentos. Os dois períodos nos quais a Igreja Católica proibia a solenidade de consagração do casamento cobriam o período do primeiro Domingo do Advento até depois do Natal, e depois, da Quarta-feira de Cinzas até ao Domingo da Páscoa. 181

O período que antecede o Natal, denominado no calendário católico como período do

advento, mesmo em menor incidência, também era observado em Tangará da Serra, pois a

maioria dos casamentos que se realizava neste período e também na quaresma era de pessoas

protestantes e/ou evangélicas, como podemos observar no Livro de Registros de Casamento

Religioso com efeito civil; poucos eram os católicos que escolhiam estes períodos para o

casamento.

A data da escolha do casamento era caracterizada por elementos culturais cujos

calendários religioso e econômico são fundamentais, pois o casamento é um evento social, um

rito, em que a participação de parentes, amigos e vizinhos de todas as idades era fundamental,

portanto, deveria ser escolhido um momento adequado em que houvesse condições

financeiras e possibilidade de alegria para a realização de uma festa. Uma festa não seria 181 SCOTT, Ana Silvia Volpi. Famílias, formas de união e reprodução social no Noroeste Português . (séculos XVIII e XIX ). Guimarães: NEPS - Universidade do Minho, 1999, p.181.

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alegre se realizada na quaresma ou no advento e não se tornaria real se a colheita não provesse

os noivos e suas famílias. No calendário do católico, deveria ter o espaço para as festas, mas

também para a religiosidade como destacou Ir. Osvalda: No advento e na quaresma as

famílias faziam grupos de reflexão.182

5.4 – Vida e morte em família

As famílias que organizaram sua vida em Tangará da Serra também contribuíram para

o aumento populacional, produzindo filhos. Os registros de nascimentos demonstram que os

nascidos e registrados de 1964 a 1979, nos serviços notariais e cartoriais de Nova Olímpia e

de Progresso, somam um total de 5.285 crianças.183

Tabela nº 09 Nascimentos por ano e sexo – 1979 - 1964

Ano Feminino Masculino Total 1964 04 06 10

1965 12 24 36 1966 29 33 62 1967 36 34 70 1968 44 63 107

1969 75 83 158 1970 102 112 214 1971 135 129 264 1972 205 215 420

1973 224 256 480 1974 281 258 539 1975 279 311 590 1976 278 317 595

1977 308 319 627 1978 318 368 686 1979 196 231 427

47,80% 52,20% Total 2526 2759 5285

FONTE: Registros Notariais e Registrais de Nova Olímpia Progresso.

182 KROTEZ, Ir. Osvalda. Em carta para o autor. São Miguel D’Oeste (SC). Em 16 jan. 2001. 6.f. 183 É importante considerar que a pesquisa foi realizada apenas nos registros de nascidos e registrados de 1964 a 1979, pois muitas famílias tinham o costume de registrar seus filhos apenas quando acontecia mutirão do cartório, ou quando a criança fosse para a escola. Geralmente, registravam-se todos os filhos de uma única vez.

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Em média, as famílias tiveram 4,14 filho durante este período de 16 anos. Há um

pequeno predomínio de nascidos do sexo masculino sobre o feminino, de 4,4%. As famílias

residentes em Tangará da Serra não se constituíam em famílias numerosas.

O gráfico abaixo evidencia o percentual anual dos nascidos em Tangará da Serra e

houve certo equilíbrio entre os nascimentos ano a ano:

Figura nº 13 Percentual dos Nascidos por ano, 1964 – 1979

0,19%

0,68%

1,17%

1,32%

2,02%

2,99%

4,05%

5,00%

7,95%

9,08%

10,20%

11,16%

11,26%

11,86%

12,98%

8,08%

0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14%

Ano 1964

Ano 1965

Ano 1966

Ano 1967

Ano 1968

Ano 1969

Ano 1970

Ano 1971

Ano 1972

Ano 1973

Ano 1974

Ano 1975

Ano 1976

Ano 1977

Ano 1978

Ano 1979

FONTE: Registros Notarias e Registrais de Nova Olímpia e Progresso De 1964 a 1978, houve um crescimento médio de nascimentos de 0,86% ao ano; a

diferença maior está de 1971 para 1972, somando 2,95%; comparado com o número de

casamentos no período, a partir de 1970, temos um aumento significativo de casamentos em

Tangará da Serra. No ano de 1979, registra-se uma diminuição de 4,0% no número de

nascimentos em relação a 1978; ao verificarmos a tabela de casamentos em 1978, aconteceu

uma diminuição considerável das núpcias em relação aos seis anos anteriores. Esta

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diminuição de núpcias se deve ao refluxo populacional para novas áreas de colonização de

Mato Grosso e Rondônia.

Os nascidos em Tangará da Serra foram registrados, em sua maioria, com

denominação de cor morena. É necessário salientar que o item “cor” não consta em todos os

registros. O pai informava, ou mesmo o escrivão, na ausência de um documento médico,

registrava a cor do nascido. Os registros dos nascidos do sexo feminino apontam que 41,30%

foram registrados como de cor branca e 58%, de cor morena, enquanto que, em relação aos do

sexo masculino, 47,71% foram assentados como brancos e 56,29% como morenos. Em ambos

os sexos, há um predomínio da população de nascidos de cor morena.

As mães das crianças nascidas, especialmente até meados da década de setenta do

século XX eram atendidas por parteiras, pois a medicina convencional era praticamente

inexistente.

Os primeiros médicos a se instalarem em Tangará da Serra vieram do Rio de Janeiro e

construíram um hospital privado, além de manterem propriedade de terras. Conforme alguns

depoimentos , estavam ligados a grilos de terra. Estes médicos deixaram Tangará da Serra logo

após o processo de emancipação política e por complicações ligadas à grilagem de terras.

Poucos lavradores tinham acesso ao hospital, pois o serviço médico era bastante caro,

embora os médicos esperassem a colheita para receber pelo serviço prestado. Diante da

dificuldade enfrentada pelos moradores de Tangará da Serra, algumas pessoas, em conjunto

com membros da Igreja Católica, resolveram montar uma associação e criar um serviço de

atendimento médico.

A Associação, criada em 28 de setembro de 1973, recebeu a denominação de

Associação Tangaraense de Ajuda aos Indigentes – ASTAI. Os idealizadores deste projeto

foram o Padre Renato Roque Barth, o Padre Edgar Henrique Mueller e Gabriel Constâncio

Ramos. A associação recém-criada teve seu estatuto baseado na Missão Anchieta – MIA,

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associação da Prelazia de Diamantino, embora não tivesse vínculo com a MIA, pois ela se

destinava apenas a trabalhos com povos indígenas.184

Alguns problemas de saúde da população de Tangará da Serra foram amenizados com

o trabalho executado pela ASTAI, pois além de atendimentos hospitalares, a população

também recebeu informações para prevenção de doenças comuns no ambiente.

A vegetação de mata e cerrado possui insetos em quantidade e variedade

desconhecidas pelos migrantes de outras regiões do Brasil e que não tinham imunidade aos

perigos que estes lhes pudessem provocar.

Na memória coletiva dos que abriram as clareiras nas matas para fazer suas casas, em

Tangará da Serra, está registrado que tinham que enfrentar insetos em nuvens e como ficava a

pele de quem era picado por uma quantidade imensa de insetos. Os insetos aterrorizavam os

primeiros moradores. No entanto, ao realizar a propaganda do lugar para parentes e amigos

não revelavam tais fatos, ou seja, os moradores produziam uma representação positiva do

lugar, mesmo que seu corpo físico mostrasse o contrário.

A presença abundante de insetos é também relatada por BADARIOTTI, no final do

século XIX, em sua viagem pelo vale do Sepotuba e planalto dos Paresí:

Feliz seria a vida no sertão se não fosse a extraordinária abundancia de insectos chupadores. Ora tem-se que sustentar um verdadeiro pugilato com mutucas; alli a victória consiste

184 A ASTAI foi uma associação eminentemente de caráter religioso. Segundo alguns relatos or ais, algumas pessoas que professavam outra igreja, além da católica, também participavam. Este trabalho contribuiu na tentativa de consolidação do projeto romanizador da Igreja Católica, entretanto a ausência das pessoas nas reuniões e a falência do projeto em 1976 não demonstraram êxito. A Associação Tangaraense de Auxílio ao indigente sobreviveu inicialmente com colaborações fixas dos sócios, mas ainda no início da sua formação o valor das contribuições não era pré-estabelecido. O povo mantinha uma atitude muito solidária com aqueles que eles denominavam de indigentes. Além do núcleo central, a localidade de Tangará da Serra era formada por vários subnúcleos rurais. Os núcleos rurais faziam sua arrecadação e juntavam o dinheiro à tesouraria central, para realizar os atendimentos solicitados. Os atendimentos variavam desde a compra de remédios, encaminhamento para o Hospital em Tangará da Serra, denominado de Hospital Bom Samaritano, encaminhamento para hospitais em Nortelândia, Cuiabá e São Paulo, acolhimento de crianças abandonadas, construção de casas e ajuda de funeral. As famílias realizavam festas, leilões e rifas para atender as necessidades da população que julgavam mais carentes. Em 1975, a ASTAI começou a organizar um hospital para prestar algum atendimento aos associados. Por dificuldades financeiras, o hospital não se concretizou como os associados esperavam.

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exclusivamente na fuga tal é o numero que ataca o viajante; ora é uma nuvem de mosquitos borrachudos que produzem às vezes pústulas e úlceras gangrenosas. A estes insectos importunos ajuntam-se o mosquito pólvora ainda mais terrível que o precedente porque quasi invizivel, o mosquito agulha etc. 185

Além do mosquito, outros elementos também compõem a memória de uma senhora

paulista, que residiu inicialmente na zona rural do empreendimento agrícola de Tangará da

Serra, em 1961:

Os mosquitos nos atacavam de tal forma que cobriam braços e pernas, empretecendo em certos momentos e deixando os locais inchados em conseqüências de suas picadas. Além disso, o risco de sermos devorados por onças ou picados por cobra era constante. Para se ter uma idéia, a pintada vinha apanhar porcos no mangueiro localizado no quintal de nossa casa. E quando voltávamos da roça, por uma picada víamos perfeitamente rastros de onça em cima dos nossos, como se nos tivesse seguido o tempo todo a espera do melhor local para dar o bote. As cobras então, eram de arrepiar cruzavam nosso caminho seguidamente e sem qualquer temor, ao contrário de nós que só faltávamos cair de costas quando uma das enormes cascavéis ou surucucus passavam na nossa frente. 186

Esta senhora, em seu relato, constrói uma representação do ambiente, pois, segundo

ela, proveniente das “terras civilizadas” de Dracena em São Paulo, encontrou o bruto sertão

mato-grossense muito bem representado pelas misteriosas matas de Tangará da Serra. Esta

representação é composta como ambiente de perigo e de temor. Seu marido, complementando

sua declaração, refere-se à fartura do ambiente encontrado na “mata misteriosa”.

Havia muita fartura nessa época, especialmente no que se refere a caça e peixe. Para comer um bom fritado de piau, bagre ou piraputanga não era preciso ir longe, bastava chegar ao Queima pé para ter o necessário.187 Nesse mesmo córrego onde hoje não se pesca um lambari. Com relação a carne de caça era mais fácil ainda. No caminho da roça era comum deparar com numerosos grupos de veados, pacas, queixadas, tatus e até mesmo de antas, a nos contemplar tranqüilamente parados na margem do caminho, geralmente na beira de alguma grota. Dava pena matar. Só fazíamos quando havia necessidade, assim mesmo durante esperas em galhos de árvore. 188

185 BADARIOTTI, op. cit. p. 121. 186 SOLIDÃO Atemorizante. Tangará da Serra, [197?.]; [s.ed.] (mimeo) 187 Rio que atualmente abastece a cidade de Tangará da Serra. 188 Id.

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Na memória coletiva do povo que reterritorializa o platô do Tapirapuã, estas imagens

de sertão inóspito e ambiente rico em “farturas naturais” são significativas e chegam a

produzir, por vezes, percepções contraditórias, como as destacadas nos relatos anteriores. Para

construir este ambiente de fartura, homens e mulheres tiveram que interagir com esta

natureza desconhecida e construir recursos que pudessem garantir sua sobrevivência.

Além das formigas, que atacavam plantações e jardins recém-plantados com as mudas

trazidas nos caminhões de mudanças, os mosquitos eram os insetos mais inconvenientes,

principalmente pela transmissão da malária e da leishmaniose. 189

Para evitar o contato com o mosquito, as casas deveriam ser construídas cerca de 500

metros de dis tância da mata. Isso não acontecia e o contato com o mosquito se dava porque o

serviço inicial do trabalhador aconteceu dentro da mata e sua residência, em muitos casos, era

circundada pela mata fechada. Homens, mulheres e crianças tiveram feridas nos braços e

pernas e algumas foram a óbito devido à picada de mosquitos.

A partir de meados da década de sessenta, as casas da zona urbana e rural de Tangará

da Serra tinham suas paredes esbranquiçadas pelo Diclorodifenol – Tricloroetano, o DTT,

inseticida sintético usado para combater o vetor do anopheles, transmissor da malária. A

malária está presente em áreas que envolvem localidades em implantação, especialmente no

início de desmatamentos.

Marina Atanaka dos SANTOS destaca o padrão de atividade do anopheles, nas áreas

em que a mata começou a ser substituída pela roça de toco:

189A leishmaniose (Leishmania Braziliensis) é geralmente encontrada em áreas florestais.Normalmente não leva o paciente à morte, mas, devido às graves lesões cutâneas e orofarígenas, pode dificultar ou impedir a alimentação da pessoa contaminada, diminuindo sua capacidade de trabalho, deixando seu organismo fraco, propício a outras doenças, podendo chegar a óbito. A transmissão da leishmaniose é feita pela picada de insetos-fêmea do gênero Lutzmia , produzindo lesões iniciais nos braços e pernas, ou em qualquer parte descoberta do corpo. Outras informações podem ser encontradas em NEVES, David Pereira. Parasitologia humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979.

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Em áreas de desmatamento recente e em situação em que a residência ainda está muito próxima da mata, é constatado um padrão de atividade diurno e noturno. A medida em que a ocupação do terreno vai ocorrendo à atividade diurna vai se extinguindo proporcionalmente. Na dependência do ritmo de ocupação e distanciamento da mata em relação à casa, a atividade vai se restringindo ao perigo noturno.190

A borrifação intradomiciliar não acaba com o mosquito, mas interrompe a transmissão

através da eliminação do mosquito contaminado, pois, depois do seu repasto sanguíneo, os

mosquitos pesados procuram as paredes para pousarem, entrando em contato com o

inseticida.

Sendo as casas borrifadas com o DTT, todos os residentes estavam em contato com o

inseticida. Os borrifadores informavam que não se encostassem às paredes da casa, mas que o

DTT não produzia efeitos colaterais.191

O Livro de Registro de Óbitos do Serviço Notarial de Nova Olímpia registra a morte

de um lavrador de 46 anos, no ano de 1976, por intoxicação por inseticida antimalária. No

mesmo Livro, são anotados outros dez casos de intoxicação, embora não destaque o produto

químico utilizado. Conclui-se, porém, que as famílias, em Tangará da Serra, tanto tiveram

problemas com a malária e também com o inseticida usado para combatê -la.

Na tentativa de analisar as mortes em Tangará da Serra, além de dados das fontes orais

que enfatizam a leishmaniose e a malária, buscamos um paralelo entre as fontes cartoriais e

paroquiais analisando os livros de óbitos.

Nos Livros de Registro de Óbitos dos cartórios, percebemos que, até 1979, não havia

um livro padrão para o registro, ficando a critério do escrivão anotar os dados, lavrando um

termo que nem sempre se guia os mesmos critérios. Desta forma, apresenta ausência de dados,

190 SANTOS, Marina Atanaka. Malária : algumas considerações ecológicas. Cuiabá, 1993. 72f. Monografia (Especialização em Saúde e Ambiente) – Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso. p.25. 191 Segundo SANTOS, Marina Atanaka, op. cit., o DTT tem ação residual prolongada, devido a sua degradação muito lenta; desta forma, o inseticida tem aspectos negativos para o homem, mesmo que não se observem concentrações capazes de exibir uma ação tóxica aguda para o homem, o inseticida interfere no metabolismo do homem e de animais, como se comprovou em experiências bioquímicas (...) p.40.

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de forma variada. No período de ausência de médicos para expedir o laudo, os parentes ou

amigos informavam a suposta causa da morte ou era registrado o sintoma que o doente tinha e

não a doença. A presença médica garantiu registros um pouco mais completos, embora o uso

de abreviaturas e a letra do médico produzissem erros na lavratura do registro de óbitos.

Na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, foram realizados 684, registros de óbitos, de

24 de abril de 1966 a 25 de dezembro de 1979. Muitos registros feitos na Igreja não estão

registrados no cartório. A população mais carente não registrava no cartório, pois, além do

pagamento, tinha dificuldades de locomoção até o cartório mais próximo, até 1979, em Nova

Olímpia.

Os dados dos registros paroquiais são quase completos até 1976, depois os registros

são bastante ausentes. A causa da morte consta em apenas cinqüenta registros, embora o livro

tipograficamente elaborado para o registro de óbitos não contemplasse este item; quando

aconteceu, era por observação do próprio padre, que registrou seguidamente, com poucas

ausências de 1966 até 1968.

Para melhor configurar as causas das mortes, conforme disposto nos registros

cartoriais, foi dividido em grupos de doença, seguindo mais o perfil de como as pessoas, em

Tangará da Serra, agrupavam culturalmente as doenças do que o perfil da medicina oficial.192

Ressalte-se, porém, que, além das diversidades de causas de morte, uma parte dos

dados dos óbitos destaca a morte com causa ignorada e outros não apresentam registro da

causa da morte, outras causas foram lavradas como naturais e outras, sem assistência médica.

Diante dos grupos de doenças constatadas, podemos tornar possível, a partir das fontes

cartoriais, apresentar o número de mortes de adultos e crianças:

192 O critério adotado para a elaboração da tabela foi o agrupamento de doenças cujos sintomas são semelhantes, pois, em muitos óbitos, estão registrados sintomas e não doenças. A população atribuía a um sintoma do doente o motivo da morte.

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Tabela nº 10

Tipos de Doenças que levaram a óbito em Tangará da Serra 1965 - 1979

Tipos de DoençaNúmeros de Mortes

Doença Infecciosa 98 Doença Cardio Vascular Cerebral 96 Acidente 89 Doença Nutricional e Metabólica 63 Perinatal 58 Doença Neurológica 48 Doença Pulmonar Obstrutiva 31 Atos Violentos 23 Doença Oncológica 21 Doença Renal 21 Parto 16 Doença de Fígado 11 Doença Endócrina 03 Morte Ignorada 93 Sem Registro 25 Sem Assistência Médica 07 Morte Natural 05 Total 708

FONTE: Livros de Registros de Óbitos dos Serviços Notariais e Registrais de Nova Olímpia e Progresso.

Na leitura dos dados da tabela anterior, percebe-se a quantidade de mortes por

infecção e o destaque maior é para as crianças que morriam com infecção intestinal,

pneumonia, bronquiolite; a malária matou mais adultos. É fundamental destacar que, nos

registros de óbitos, aparecem alguns sintomas de doenças que foram classificadas como

doenças infecciosas, especialmente o sintoma febre.

Doenças ligadas ao coração também fizeram muitos óbitos; outro destaque deve ser

dado às doenças nutricionais e metabólicas; o alvo maior também foram às crianças que

morreram de anemia, desnutrição aguda e vermin ose. Estes demonstrativos, que enfatizam a

desnutrição e as infecções, são indicadores da qualidade de vida dos moradores de Tangará da

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Serra. A precariedade, a ausência de medicamentos e de uma dieta diversificada

influenciaram este quadro.

Um número considerável de assassinatos compõe a galeria dos atos violentos; o uso de

projétil de fogo e de arma branca é apresentado nos laudos e se deve também considerar

alguns traumatismos como homicídios. A violência era um retrato social desta região de

fronteira.

O contato mais direto de homens e mulheres em seu ambiente de trabalho também

provocou mortes; as picadas de insetos, os afogamentos e também as intoxicações com

inseticidas, usadas para matar as pragas das lavouras, deixaram as famílias de lavradores

menos numerosas.

Outras doenças, ceifaram a vida de vários migrantes que buscavam a esperança da

posse da terra, sobretudo de crianças. O período em que se organiza a colonização de Tangará

da Serra é marcado por um aumento da mortalidade infantil; o ambie nte não é o responsável,

a forma política de enfrentamento que as famílias migrantes utilizaram para se digladiar com

a natureza não foi benéfico para ambas as partes. O capital e a tecnologia utilizada pelos

lavradores não caracterizam a propaganda econômica do governo ditatorial.

O período que engloba o chamado “milagre brasileiro” e os anos da década de setenta,

são marcados por ampla expansão da economia. Durante este período de regime autoritário,

houve uma combinação de crescimento econômico, com piora na distribuição de rendimentos

e queda no salário mínimo real. A taxa de mortalidade infantil subiu de 59,3 para 86,9 mortes

por mil nascimentos vivos, entre 1960-64 e 1970-73. Este aumento de 46,5%, num período

tão curto, sugere, não só uma deterioração no poder de compra da população, mas também

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uma piora nas condições de moradia. A incidência de mortes decorrentes de doenças

respiratórias e associadas à desnutrição aumentou no período. 193

O número de crianças mortas em Tangará da Serra exemplifica a política econômica

da época. Além de crianças, muitas mulheres morreram ao dar à luz aos seus filhos. O

trabalho de parto era assistido, principalmente na zona rural, por parteiras, que eram a solução

para muitas mulheres, antes da chegada dos médicos em Tangará da Serra. Quando um parto

se complicava, existindo um veículo, a mulher era encaminhada para o hospital em

Nortelândia, o mais próximo de Tangará da Serra.

Muitas crianças nasceram mortas, outras morreram de anemia, tétano umbilical,

doenças infecto-contagiosas, traumatismo de parto, anóxia fetal e também de outros acidentes.

Dos 708 registros de óbitos, 288 correspondem a natimortos e a crianças até quatro anos de

idade. Neste último dado, podemos destacar que 33 crianças foram retiradas mortas do útero

materno e 177 tinham menos de um ano de idade. Outros dados podem ser conferidos na

tabela a seguir

Tabela nº 11 Números de óbitos em Tangará da Serra:

Idade e sexo (1965 – 1979) Idade Homens MulheresTotal

Natimorto 17 16 330 a 11 meses 111 66 17701 a 04 anos 39 39 7805 a 09 anos 18 10 2810 a 14 anos 6 6 1215 a 19 anos 12 12 2420 a 24 anos 14 16 3025 a 29 anos 14 7 2130 a 34 anos 20 13 3335 a 39 anos 11 13 2440 a 44 anos 19 10 2945 a 49 anos 26 7 3350 a 54 anos 16 5 21

193 RIOS NETO, Eduardo Luiz Gonçalves. MOREIRA, Maxwel Ribeiro. Crise econômica e seus impactos na mortalidade infantil: um estudo comparativo das diferenças socioeconômicas regionais . In: ANAIS, IX Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Vol.1. Belo Horizonte: ABEP, 1994. p.102.

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55 a 59 anos 20 8 2860 a 64 anos 23 12 3564 a 69 anos 23 7 3070 anos e + 33 19 52Sem registro de Idade 15 5 20Total 437 271 708FONTE: Livros de Registros de Óbitos dos Serviços Notariais e Registrais de Nova Olímpia e Progresso.

A mortalidade atingiu quase o dobro de homens em relação às mulheres; Os homens

estavam mais suscetíveis aos acidentes e mortes violentas do que as mulheres, pois a

mobilidade masculina fora do âmbito doméstico foi maior que a feminina, devido às

diferentes atividades que os homens exerciam. As mulheres foram mais sujeitas às mortes

ligadas a doenças oncológicas e mortes no ato ou no pós-parto.

Os dados dos óbitos da Igreja, quando comparados aos dos cartórios, confirmam uma

grande mortalidade de crianças; dentre os 684 óbitos registrados no mesmo período nos livros

da paróquia, 227 foram de crianças, que não chegaram a completar um ano de vida.

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Tabela nº 12 Comparação entre registros de óbitos paroquiais e cartoriais

1965 – 1979 Idade Paróquia CartóriosNatimorto 16 330 a 11 meses 211 17701 a 04 anos 107 7805 a 09 anos 31 2810 a 14 anos 13 1215 a 19 anos 22 2420 a 24 anos 19 3025 a 29 anos 19 2130 a 34 anos 16 3335 a 39 anos 20 2440 a 44 anos 14 2945 a 49 anos 25 3350 a 54 anos 9 2155 a 59 anos 22 2860 a 64 anos 20 3564 a 69 anos 30 3070 anos e + 61 52Sem registro de Idade 29 20Total 684 708

FONTE: Livros de Registros de óbitos dos Serviços Notariais e Registrais de Nova Olímpia e Progresso e livro de óbitos da Paróquia N. S. Aparecida, Tangará da Serra – MT.

Ao esclarecer as causas de mortes em Tangará da Serra, nos momentos iniciais de sua

colonização, conseguimos visualizar a saúde da população e avaliar que não aconteceram

ações por parte do Estado e nem da colonizadora que garantisse à população uma qualidade

de vida satisfatória, e que Tangará da Serra, não representou exceção quanto à mortalidade

infantil em áreas de colonização da Amazônia na década de sessenta e setenta do século XX.

Os registros de mortalidade são parciais, pois muitos moradores distantes do perímetro

urbano enterravam seus mortos na zona rural. Outros por não professarem a doutrina católica,

não tiveram seus mortos registrados no livro paroquial. Além disso, não havia um controle no

cemitério local antes de 1976, e muitos mortos eram enterrados sem registros, às vezes, a

abertura da cova era realizada pelos parentes e amigos do falecido.

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CAPÍTULO VI

O AMBIENTE DA FAMÍLIA: ARQUITETURA, ALIMENTAÇÃO E LAZER

Para compor o quadriculamento da cidade, caminharemos nas trilhas da história

comparada 194, demonstrando como era o ambiente domiciliar ocupado pela família pobre, em

sociedades de tempos diferentes. Ao narrar a vida do caipira paulista dos séculos XVIII e

XIX, Antônio CÂNDIDO afirma que:

A sua casa (significativamente chamada rancho por ele próprio, como querendo exprimir o seu caráter de pouso) é um abrigo de palha, sobre paredes de pau-a-pique, ou mesmo de varas não barreadas, levemente pousado no solo.

As casas dos lavradores são miseráveis choupanas de um andar, o chão não é pavimentado nem assoalhado, e os compartimentos são formados de vigas trançadas, emplastadas de barro e nunca regularmente construídas - observa Mawe em 1808, nas redondezas de São Paulo. 195

Não muito diferentes das casas dos paulistas destacadas por Antônio CÂNDIDO, nos

séculos anteriores, são as casas das famílias que vieram para Tangará da Serra, nas décadas de

sessenta e setenta do s éculo XX.196 Podemos conhecer suas representações através das fontes

escritas, iconográficas e, especialmente, através das fontes orais. Mesmo sendo esta última, a

fonte oral, marcada pela descontinuidade temporal, possibilita-nos conhecer referências

significativas, pois, como afirma Regina Beatriz GUIMARÃES NETO, as “histórias

relatadas” são, antes de tudo, vidas ou acontecimentos lembrados. 197

194 Cf. HAUPT, Heinz -Gerhard. O lento surgimento de uma História Comparada. In: BOUTIER, Jean e DOMINIQUE, Julia.(orgs.) Passados Recompostos: campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/FGV, 1998. “(...) a história comparada busca, além do caso individual, traços comuns ou estruturas gerais, visa mesmo aprender os mecanismos de funcionamento de diferentes sociedades em sua importância respectiva (...)”,p.212. 195CANDIDO, Antônio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 6. ed. São Paulo: Livraria duas Cidades Ltda, 1982, p.37. 196 Para conhecer um pouco da casa de famílias mato-grossense, em especial de famílias do Pantanal é importante a leitura da obra de SILVA, Joana Aparecida Fernandes da. op.,cit., p. 171-7. 197 GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Artes damemória, fontes orais e relato histórico . p.04. Mimeo.

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As lembranças de alguns moradores destacam a arquitetura das primeiras construções

edificadas em Tangará da Serra, a partir de 1959:

Progresso começou com uns ranchinhos escorados com forquilha, foi quase uns dois anos antes de nós vim, começou o Progresso. Meu marido falou assim, tem Nova Olímpia, depois tem o Progresso, pensei que era um patrimônio, quando cheguei lá era uns ranchinhos que tinha feito de tabuinha, ai o nome Progresso. ...mas, nós subiu a serra chegou nesse Progresso não tinha nada. Nós entramos aqui fizemos esse ranchinho enfiemos debaixo das folhas que nem formigas. Os grilos começou a furar quando eu estava dormindo a goteira da chuva estava pingando em nós. Daí precisou tirar estas folhas, por de sapé. Ai cobriu de sapé, moramos tempo, aí começou a estragar o sapé. Tiramos tabuinha no mato e cobrimos de tabuinha Foi tempo que nasceu meu filho, já estava na coberta de tabuinha. (Maria Beazóli, 1961) 198

A cidade era muito pequenina tinha uns três ranchos, um lugar

assim, campo, cerrado. Então não era bom lugar na época. Aí foi crescendo e tá a cidade que tá. (Lindalva Avelino Dantas, 1961)

As casas em Tangará da Serra, tanto na cidade como na zona rural, eram, em sua

maioria, de madeira; quando os paulistas, mineiros e outros chegavam, improvisavam uma

casa, denominada por eles de rancho, até construírem sua casa definitiva, que, por ser rústica,

era também denominada de rancho, denominação muito utilizada por mineiros e paulistas.

Na cidade, até os anos sessenta do período em estudo, as casas eram geralmente de

madeira; poucas foram as casas feitas de alvenaria. Os moradores denominam as casas de

alvenaria de casa de material. Estas casas de madeira eram, em sua maioria, cobertas de

tabuinhas retangulares, poucas eram construídas de telhas de cerâmica, denominada de telhas

francesas. O material para a construção de casas mais sofisticadas começa a chegar com as

primeiras colheitas de arroz, quando caminhões traziam materiais para construção,

principalmente telhas provenientes da cidade de Diamantino e voltavam carregados de arroz.

198. Progresso é hoje um distrito de Tangará da Serra, próximo a Serra do Tapirapuã.

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A casa do então padre José Egberto Pereira é exemplo desta arquitetura. Construída de

madeira e coberta de tabuinhas como destaca o documento abaixo:

Tudo faz crer de uma florescente paróquia para um próximo futuro. Além da capela, já está com uma casa de tábuas de 6 X 7 ms., oferecida pela população para residência do Padre. A casa é cimentada, isto é, piso coberta de tabuinhas. Infelizmente ficou cheia de goteiras. O P. Com alguns meninos começou a tirar as goteiras com papelões da caixa de leite untadas com óleo queimado. O primeiro quarto ficou reservado ao Sr. Bispo. O P. Adquiriu uma cama e redes para hospedar quem viesse.199

As tabuinhas da casa canônica só foram substituídas, em 23 de agosto de 1966, por

telhas francesas trazidas de Diamantino por caminhões que vinham comprar arroz em Tangará

da Serra:

Terça-feira, 23 continuou o trabalho de trocar as tabuinhas pelas telhas francesas ontem começado. Às 14 horas já estão terminado o trabalho só ficando os espigões. A casa é de 4 águas medindo 7 x 6 metros. Ontem estiveram alguns meninos auxiliando os trabalhos. Dois senhores dedicaram o dia de ontem: Francisco Avelino Dantas e Satíles de Oliveira. Hoje continuando os trabalhos: Francisco Dantas e Sr. Júlio. 200

A figura a seguir, retrata a primeira Igreja construída em Tangará da Serra. Percebe-se

a presença de alguns fiéis e crianças, e de uma freira, provavelmente a Ir. Miriam, a primeira

religosa a estabelecer residência em Tangará da Serra, em julho de 1967.

199 REITORIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA, op. cit., p.04. 200 Ibid., p.17

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Figura n. º 14 Primeira Igreja Católica de Tangará da Serra - MT

FONTE: Acervo da Secretaria Municipal de Educação de Tangará da Serra – MT.

A abundância de madeira de lei no vale do Sepotuba, como cedro (Cedrela odorata L)

e araputanga (Swietenia macrophyla King) e outras, facilitava na construção de casas e servia

de barganha para a aquisição do lote rural. Alguns madeireiros construíam a casa para o

comprador de um lote rural, em troca de explorar parte dos recursos vegetais da área

adquirida.

A arquitetura das casas não seguia uma norma padrão própria, tanto na cidade como na

zona rural. Geralmente, eram construídas de uma forma retangular ou quadrada, com sala,

quartos e cozinha. A quantidade de quartos era de acordo com o número de filhos ou para

separar os “filhos homens das filhas mulheres” 201. Com raras exceções, havia um qua rto para

cada membro solteiro da família. A sala, composta de sofá e/ ou bancos, mesas, era o

201 Expressão muito comum na zona rural dos Estados de São Paulo e Paraná.

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ambiente reservado para receber visitas mais ilustres, pois a televisão em poucos lares só foi

possível depois da instalação da energia termoeléctrica, que se concretizou definitivamente no

dia 26 de abril de 1975, dando à sala de visitas uma nova configuração, um espaço para ver

televisão.

A cozinha, presa geralmente ao corpo da casa, inicialmente, contava com fogão de

lenha feito de barro ou de azulejos, ou fogão econômico, um fogão industrial feito de ferro e

alimentado à lenha; poucas pessoas possuíam fogão a gás. Eram poucas as casas que tinham a

cozinha fora do corpo principal da casa. Geralmente, as casas que não contavam com uma boa

chaminé, resultavam em paredes da cozinha pretas, devido à fumaça do fogão.

A geladeira era um eletrodoméstico raro nas casas tangaraenses, até meados da década

de setenta. Ela vai se popularizar após a instalação da energia elétrica, mesmo porque a

energia funcionava apenas por 16 horas, ainda assim, com intervalos. Ter geladeira não era a

garantia de conservação do alimento e salgar ou fritar a carne e acondicioná-la em latas com

banha era uma maneira mais segura de conservá -la e, para quem morava na cidade, uma

alternativa era comprar diariamente carne no açougue. Em algumas localidades rurais, como

por exemplo, em Água Branca, também existiram açougues para abastecer a população de

carne fresca diariamente. Na década de sessenta, conforme relatos orais, existia um açougue

que vendia carne de anta (Tapirus terrestri).

A casa era iluminada com lamparinas feitas artesanalmente de latas ou adquiridas no

comércio local. As notícias nacionais eram acompanhadas pela população através da Rádio

Nacional de Brasília, depois, Rádio Nacional da Amazônia. Os programas favoritos das

famílias, principalmente das mulheres e moças que ouviam o rádio durante a realização dos

seus afazeres domésticos, eram os programas do Edélson Moura e da Márcia Ferreira, que,

além de entretenimento, veiculavam cartas e recados para diversas pessoas que moravam em

pontos diferentes da Amazônia Legal, enquanto que o programa da “Tia Leninha” agradava

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também às crianças e aos adolescentes. Podia -se ouvir neste programa histórias e novelas

infantis. O rádio da cozinha durante o dia, às vezes, em algumas casas, passava para a sala,

momento em que o pai sintonizava programas jornalísticos. O futebol era acompanhado pelo

rádio no domingo à tarde.

A cozinha, onde também ficavam prateleiras ou armários com louças e pane las de

alumínios, recebia tratamento especial aos sábados, quando as mulheres realizavam a faxina

geral da casa, e também arriavam todos os objetos de alumínio, uma prática cotidiana da

maioria das famílias tangaraenses.

A dieta da família em Tangará da Serra era baseada em arroz, feijão e carne. Na

década de sessenta em estudo, usualmente abatiam-se animais silvestres, preferencialmente

anta, pois a carne bovina era rara. O boi e a vaca eram usados mais para o trabalho e como

provedores de leite, do que como alimento e, no início da reocupação de Tangará da Serra,

tinham preços muito altos.

O documento abaixo ilustra a presença quase inusitada do boi, nos primeiros anos em

que famílias migrantes chegaram a Tangará da Serra, em um relato de Brazilino Gomes

Amado, baiano, mas procedente de São Paulo:

Um outro fato que lhe chamou atenção fazia um ano que estavam na região, onde, pelo isolamento imposto por falta de rodovias, não havia gado ou outros animais semelhantes. Certa vez, vindo para o povoado, viram no caminho rastro de uma vaca e um bezerro. Ficaram admirados. Era o sinal da primeira vaca a ser trazida para Tangará, posteriormente levada para o Progresso. Ele não se lembrou o nome do proprietário. Sabe apenas que a vaca era famosa e muito cobiçada.202

A presença da vaca, em Tangará da Serra, é percebida ainda no livro tombo da

Reitoria Nossa Senhora Aparecida, quando o P. José Egberto Pereira descreve que sua viagem

de Nova Olímpia, no dia 18 de julho de 1966, para Tangará da Serra, atrasou por dois

202 TRÊS Casinhas e uma igreja de tábua. Tangará da Serra, [197?]; [ s. ed..];

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motivos, dificuldade para o caminhão subir a serra do Tapirapuã e porque houve dificuldade

para colocar uma vaca no caminhão no qual ele estava de carona.

Sempre aos domingos, ia para a panela um frango ou uma galinha, criados

soltos no quintal de casa; o uso de ovos na alimentação também era muito freqüente. Algumas

famílias faziam hortas para melhorar a dieta com verduras frescas, principalmente alface,

couve, almeirão, cebolinha verde e salsa. A batata doce e a mandioca eram pratos constantes

nas mesas tangaraenses. Toda a comida era preparada com gordura de porco, denominada

pelas famílias de banha de porco.

Talita Corsino relata como conseguiram o arroz e como era o comércio realizado pela

primeira casa comercial do povoado, quando chegou em Tangará da Serra, em 1962:

Quando nós chegamos comíamos arroz, conseguíamos de outras pessoas que já tinha chegado antes, só que para limpar o arroz não tinha máquina, a gente limpava no pilão, muitos não sabem o que é, não sabe o que é isso, mas era muito sofrido mesmo, era socado no pilão. Tinha também o José Muniz, que era dono de uma vendinha. Ele comprava os cereais dos sítios e armazenava, os caminhoneiros que vinham de fora e traziam óleo, açúcar, sal, todas essas coisas que não tinha, eles traziam tudo isso e levava os cereais para fora.203

A cozinha era o espaço privilegiado para o encontro da família, para saborear, logo

pela manhã, um bom gole de café, a bebida preferida das famílias que reterritorializaram

Tangará da Serra. Entre uma e outra caneca de café, muitos causos locais ou dos lugares de

origem eram relatados. Algumas vezes, o ocorrido durante o dia era conversado durante o

encontro noturno entre membros da mesma família e de vizinhos.

Muitas histórias contadas pelas famílias possibilitam conhecermos as representações

do ambiente das décadas de sessenta e setenta, em que a fauna e a flora e seres sobrenaturais

povoavam o universo de homens, mulheres e crianças no mundo rural e urbano do planalto do

Tapirapuã:

203 CORSINO, Talita. Em entrevista para o autor. Tangará da Serra, jul. 2001.

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Não se sabe se foi onça

Índio, cobra ou dragão Sabe-se só que um mistério

De enorme proporção Apavorou meio mundo

Nas gargantas do sertão.

Meu avô Antônio Pinto Que viveu setenta anos

Me contou esta passagem No Ribeirão dos Tucanos

Onde hoje uma cidade Cresce forte e sem enganos.

Foi na década de 20 No tempo em que Tangará

Não passava de uma mata Dessas feias de lascar

Onde somente os valentes Se atreviam a penetrar.

.... E durante muitos anos

Permaneceu desabitada Essa floresta riquíssima Que diziam ser tomada Por monstros de grande porte

Que engoliam uma manada.204

A segunda história, intitulada Mãos de Chumbo , relata aspectos da fauna de Tangará

da Serra, histórias como esta aparecem nos relatos orais, quando a maioria dos entrevistados

hoje lamentam a não existência de animais que alguns deles ajudaram a eliminar:

Mãos de Chumbo

Este fato aconteceu naquela época de Tangará da Serra. Era o ano de 1960. Um dia meu pai vinha da roça com Nenga, meu irmão mais moço.

Na beira do rio “Estaca” os cachorros acoaram uma onça. O velho sempre com espírito de caçador se mandou para o local dos latidos. Para espanto, percebeu que se tratava de uma onça parda meia erada.

Nenga, sorrateiro, ficou de longe como quem diz: será que vou? Não contando que o mesmo estava com uma tremedeira danada.

204 DIAS, Ely. Duas histórias reais! o mistério do sertanejo devorado em Tangará da Serra. [s d.]

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Meu pai como de costume sempre carregava consigo sua espingarda e o sapicuá cheio de munições. A coisa ficou preta quando o velho disse ao meu irmão:

− Menino, estenda as mãos! Este aviso era para que o mano abrisse as mãos e segurasse os grão de chumbo, enquanto o velho ia socando a pólvora na “mata passarinho”.

Tudo parecia estar em perfeita ordem quando o caçador virou para o menino e disse: − Cadê o chumbo menino!

− O Chumbo ... Nervoso o menino não sabia mais o que dizer. Papai verificando que na mão de Nenga não havia nem sequer

um caroço de chumbo gritou indignado: − Me dê o chumbo, diabo! O menino de cabeça baixa não respondeu mais nem a uma pergunta, tremia como vara verde. O punhado de chumbo que estava em suas mãos caíra quando vira a onça. Tremia demais e jamais conseguiria se conter. Suas mãos tremiam... tremiam. Enquanto isso os cachorros latiam loucamente, impedindo que sua presa se arredasse dali um palmo sequer. A operação mata-onça demorou um pouco mais, uma vez que o caçador dispunha apenas daqueles chumbos. Meu irmão todo choroso (quem duvida que ele não tenha levado algumas coronhadas?) catava o chumbo que se encontrava esparramado por entre as folhas. Minutos depois um tiro soou na mata fechada e um berro ensurdecedor em seguida se fez ouvir. Era a onça que havia sido baleada e agora mergulhada nas águas do “Estaca”, sangrava como um touro no matadouro. Qual não foi a surpresa do meu irmão, quando papai bradou: − Pula no rio e puxa a onça pelo rabo, seu sem vergonha! Ajudado pelo cabo da espingarda, meu irmão depois de muito choramingar, entrou na água, sarrabieiro e segurou o rabo da fera. Uma nuvem de água esparramou por todo lado. E meu irmão, talvez, sentido a sensação de estar sendo comido, gritou: − Me acode papai! − Está morta, seu burro, disse. − Pegue a onça! Naquele dia toda nossa família saiu na porta para ver papai chegar trazendo nos ombros, uma onça que mais parecia um bezerro de ano e meio. 205

Histórias como estas nos permitem pensar um pouco do cotidiano da vida de Tangará

da Serra, pois podemos afirmar que a vida da população urbana estava intimamente ligada à

vida rural. Acredito não poder afirmar a existência de uma vida apenas urbana em Tangará da

205 COSTA, Almerindo. Mato Grosso seu universo primitivo. Cuiabá: Editora Vista Matogrossense: 1977.

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Serra, mesmo sabendo que, inicialmente, a colonizadora tinha iniciado pelo projeto urbano.

Urbano e rural, pode -se dizer, não tem fronteiras nesta área de colonização.

Estas histórias ultrapassavam muitas vezes o espaço da cozinha, podiam ser contadas

na sala, ou em algumas casas no espaço do quintal, ou da área dos fundos.

Próximo à porta da cozinha, ficava uma área de serviço, denominada de área dos

fundos. Espaço de trabalho feminino, nessa área ficavam geralmente o poço, o moinho de

café, o jirau para a lavagem de louças (uma espécie de mesa, cujos pés são fixos no solo) e/

ou e panelas e o batedor (um tronco de árvore cortado ao meio, liso, em que a roupa era

esfregada e batida, durante a sua lavagem). Dos dois lados do batedor, havia três paus fixos

no chão onde as bacias eram colocadas, uma com a roupa ainda suja e molhada e a outra onde

a roupa deveria ser enxaguada. Em alguns casos, tanto na cidade como na zona rural, o

serviço de lavagem de roupas e vasilhas era executado em pequenos córregos. Os pequenos

córregos, Rico, São João e o Buriti, serviam para essas atividades de limpeza de utensílios,

roupas, banho e fornecimento de água para alguns moradores da cidade de Tangará da Serra.

Quando cheguei a cidade tinha apenas 6 ou 7 casebres feitos de bambus e recobertos de barro ou pau-a-pique cobertas de tabuinhas (lascas largas de madeira) sem piso, um poço para fornecer água para as sete famílias. Quando o poço secava pegávamos água da mina no bosque de madrugada para não ficar sem água.206 (Lindalva Avelino Dantas, 1961)

Em oposição à área dos fundos, tínhamos a área da frente , espaço nem sempre

contemplado por todas as casas. Nesta área, usava -se colocar latas com plantas ornamentais e,

às vezes, algumas cadeiras ou bancos, para as conversas ou encontros nos finais da tarde. Nas

casas da zona rural, especialmente nos lugares em que havia colônias de casas, na frente das

casas ou próximo delas, havia também um terreirão, local usado coletivamente para secagem

do café e de cereais, se necessário. O terreirão era usado como espaço para bailes nos

206 A palavra bosque é uma referência ao atual bosque municipal Ilto Coutinho, localizado no centro da cidade.

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momentos de festas, principalmente de casamentos. Em época de chuvas para tais eventos, o

terreirão geralmente era coberto de lonas plásticas ou enceradas.

No fundo do quintal, era construída a “privada” e, em algumas casas, servia para o

banho. 207 Em outras casas, havia dois pequenos cômodos, um, mais próximo à casa, destinado

ao banho e outro, no fundo do quintal, usado como “privada”. Na zona rural, em alguns

domicílios, usava -se a mata próxima à casa ou à plantação para realizar as atividades

fisiológicas.

Na cidade, o lote da casa era denominado de data. Data é uma parte da quadra ou

quarteirão, o qual é formado por 12 datas de 15 metros de frente e 30 metros de fundo

(450m2 ) e 4 datas de 15 metros de frente por 45 metros de fundo (675 m2), conforme-se pode

observar na planta original da cidade. O lote era cercado por balaústres, cercas feitas de

madeira, em que ripas com pontas afiadas são usadas como forma de proteção do espaço da

casa e do seu quintal. Na zona rural, o quintal era separado da lavoura ou do pasto, por secas

de arame farpado.

A mulher e o homem, em Tangará da Serra, tanto na lavoura como na cidade, além de

suas tarefas e papéis específicos, desempenham muitas ativid ades. A mulher não está presa

apenas à casa e ao seu quintal, mas é parte da mão-de-obra da lavoura, e os homens também

ajudavam nos serviços domésticos, moendo café, puxando água do poço para lavagem de

roupas, revezando os trabalhos entre a tulha e a casa com as mulheres. Mas sempre a jornada

de trabalho da mulher foi maior que a dos homens.

O trabalho no campo exige uma especificidade diferenciada, pois, enquanto a mulher,

na cidade, estava mais presa às atividades domésticas, no campo, há uma adaptabilidade de

funções, como destaca STADNIKY:

207 A expressão “privada” era usada pela população de Tangará da Serra para designar a latrina, pequena construção em madeira, sobre um buraco cavado no solo no fundo do quintal, usado para realizar as atividades fisiológicas, em alguns casos, também no espaço se realiza o banho.

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Os ajustes e acomodações de tarefas e funções revelam que objetivamente na lavoura, ao contrário do que se supõe, não há separação de atividades tipicamente masculinas ou femininas. A dinâmica das demandas por força de trabalho acabam por pulverizar os pretensos seccionamentos de espaços do masculino e do feminino na esfera da produção. Esta simbiose está na relação direta da maior pressão da demanda por mão-de-obra na órbita da família. A mulher acresce à sua lide domiciliar as tarefas na agricultura, operando-se uma combinação de trabalho doméstico e trabalho agrícola. Tal adaptabilidade feminina revela o movimento imposto pela sazonalidade das culturas no campo, rompendo os rótulos e representações acerca do trabalho masculino trabalho pesado e do trabalho feminino/trabalho leve. Aqui a condição feminina adquire os atributos do masculino e a mulher gera outras noções de valor/qualidade. Ela passa a ser computada efetivamente no conjunto da prole, onde o número de membros aptos para o trabalho agrícola independe da condição sexual.208

Quem chegou em Tangará da Serra na década de setenta, em estudo, encontrou uma

cidade sendo construída, casas sendo construídas, homens e mulheres que, quotidianamente,

organizavam novas práticas e relações sociais, com pessoas de diferentes lugares; as casas, o

jeito de viver, foram-se organizando, de acordo com o que as novas relações culturais

exigiam. A entrada da cidade se fazia pela parte sul, ou seja, pela atual Vila Alta, bairro da

cidade, hoje a entrada, para quem vêm de Cuiabá ou de Diamantino, é realizada pelo leste.

Chegando pela entrada antiga, o Padre Edgar Henrique Müller, primeiro pároco de Tangará

da Serra, dá um testemunho da de quando avistou o povoado, em 1968:

Lá no alto da Vila Alta, enxergava Tangará da Serra, era tudo casa de madeira, coberta de tabuinha, eu me lembro bem, que tinha duas casas, duas casas cobertas de telha francesa, o resto era tudo tábua. Tinha muita casa era uma vila grande, até era bonito de se ver lá de cima. Um monte de casa, uma vila bem grande, principalmente ao longo da avenida Brasil, que era o campo de pouso, na avenida pousava os aviões. Era uma vila bem comprida ao longo da Avenida. Muita, muita casa sendo construída, daquele ano em diante, começaram a construir casa de material.209

208 STADNIKY, Hilda Pívaro. op., cit., p. 38-39. 209 MULLER, P. Edgar Henrique. Em entrevista ao autor. 07 set. 2000.

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A avenida Brasil, destacada pelo padre, é o ponto de referência para demarcar o

endereço das casas da cidade. A avenida não era apenas ocupada por moradias, mas pelo

comércio local; quase todo ele estava estabelecido na Avenida Brasil.

A atividade comercial, por excelência, em Tangará da Serra, foi efetivada em função

da produtividade do solo, pelo resultado do trabalho das famílias de lavradores, que, diante

das adversidades de um ambiente desconhecido, produziram suas vidas, reorganizando-o e

sendo também reorganizados pelos elementos que compõem o ambiente.

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PARTE III

RIO SEPOTUBA:

AMBIENTE DE POAIA E DE TERRA FÉRTIL

“Os teus tangarás a dança, o cantar

A poaia onde está? O clima alterado

verdes prados e o sabiá?” João Paulo

(Poeta em Tangará da Serra)

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O Kazazorezá, como os índios Paresí chamam o rio Sepotuba, também denominado

pelos não-índios de rio Tenente Lira, é um dos maiores afluentes do rio Paraguai, próximo à

sua nascente.

Desde a nascente no município de Nova Marilândia até encontrar o rio Paraguai, em

Cáceres, percorre aproximadamente 396 quilômetros, sendo navegável por embarcações de

médio calado apenas na época das cheias, que vai do mês de janeiro a março. O período das

águas baixas, que corresponde à seca no Centro-Oeste, é de junho a outubro, com menor

vazão em agosto e setembro.

Antes de pensarmos na paisagem das matas ciliares do Sepotuba como uma paisagem

exuberante, é importante considerá-la como um ambiente de lutas, visto que, no século XIX,

houve em suas margens vários quilombos, formados por negros, mestiços e índios.

Este ambiente de luta foi intensificado durante a Guerra do Paraguai, pois vários

desertores da guerra engrossavam a população quilombola. O crescimento populacional no

quilombo do Sepotuba, conforme destaca Luiza Rios Ricci VOLPATO, tornou-o um dos mais

temidos de Mato Grosso:

O Quilombo do Sepotuba era o mais antigo e mais temido dos ajuntamentos de escravos existentes em Mato Grosso naquele período. As informações contidas nos documentos o tornam mais específico ainda. Entre elas é importante destacar a presença de um oficial graduado da Guarda Nacional entre os fugitivos – o capitão Antônio Vieira d’Asevedo. Cabe salientar que a Guarda Nacional era um segmento paramilitar, montado por proprietários com objetivo de garantir a eles próprios o poder e a responsabilidade de promover a defesa da vida e do patrimônio dos cidadãos. A patente de oficial da Guarda Nacional era de grande prestígio social e, por isso mesmo, reservada aos proprietários. Portanto, era de estranhar a presença de um deles entre os quilombolas. 210

Estes vetores que compunham o diagrama da sociedade escravista mato-grossense

foram elementos constitutivos para a invenção da paisagem do Sepotuba. Um território

210 VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Cativos dos sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá em 1850 – 1888. São Paulo: Marco Zero/ Cuiabá: EdUFMT, 1993. p.191–2.

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tradicionalmente ocupado por índios Paresí, que plantavam nas terras férteis de suas margens.

Os Paresí também mantinham uma relação mítica com o rio Sepotuba, conforme relata Daniel

Mantenho Cabixi:

O rio Sepotuba tem uma relação mitológica, quase que milagrosa em relação a sociedade Paresí, só para contextualizar essa relação dos índios Paresí com o rio Sepotuba, uma história extravagante, havia uns olhos d`água que borbulha que na nossa língua chama-se Kukumaise, aquelas bolinha d’água que sai do chão e na nossa crença dos antepassados a cabeceira ela continha pedras preciosas, todo tipo rubis, esmeraldas e ouro, para ter acesso a essas pedras tinha que fazer todo um ritual, oferecer maxixe, a comida para Deus se não você não tinha acesso as pedras. Essa é uma história que os Paresí guardam até hoje.211

Foi em busca de pedras preciosas que o mato-grossense José Soares da Silva, partindo

de Santo Afonso, veio, em 1958 para as margens do rio Sepotuba. Não encontrou ouro, mas

resolveu estabelecer moradia próxima à Serra do Tapirapuã:

Eu cheguei aqui em 1958 com quatro companheiros viemos explorar o rio Sepotuba de diamante e ouro, mas não encontramos forma nenhuma, só encontramos poaieiro. Nós ficamos em quatro, um baiano de Brejinho, outro mineiro de Araguari, outro piauiense, tocador de violão, tocador e cantador. Esse se apartou entrou pra Serra Pelada nunca mais ouvimos falar dele. Agora, esses colegas, nós todos eram garimpeiros. O baiano bamburrou no Alto Paraguai e foi embora para a Bahia, casou comprou terras e não precisou mais voltar para Mato Grosso. E o mineiro de Araguari, também pegou uma mancha de diamante em Alto Paraguai foi para a terra dele, casou comprou terra e não quis mais voltar para Mato Grosso. E agora de cuiabano, só eu, o Zé Soares, eu não pude sair, não bamburrei e fiquei aqui. Deus me deu onze filhos com minha véia também, criados tudo em Tangará, desde que entrei aqui nunca sai de Tangará, nunca mudei um ano.212

211 CABIXI, Daniel Mantenho. Entrevista concedida pelo administrador Executivo Regional da FUNAI de Tangará da Serra. 21 set. 2001. 212 SILVA, José Soares da. Entrevista concedida ao Programa Bastidores da História. Edição Especial em Homenagem a Tangará da Serra. Apresentação Sílvio José Sommavilla. Tangará da Serra, 12 maio 2001.

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José Soares da Silva não saiu de Tangará da Serra; de garimpeiro passou a ser agente

de poaia. A mata da poaia é o primeiro ambiente a ser analisado nesta parte da dissertação,

cujo enfoque principal está no rio Sepotuba. A mata da poaia é a mata ciliar do Sepotuba; é

nela que se encontra a fertilidade do solo exuberante, passou a ser cobiçada pelas famílias que

vieram requadricular o ambiente das roças Paresí. Como escreveu ROQUETTE-PINTO, as

terras do Sepotuba são entremeadas de campos e de cerrado. No cerrado, cajueiros em flor

iluminando a tristeza da flora. 213

No solo do vale do Sepotuba, as famílias construíram sua história, em contato com a

fauna e flora, e produziram representações variadas e contraditórias sobre o mesmo ambiente;

momentos de alegrias e de tristezas, de vida e de morte, de festas e de febres, compuseram a

sinfonia de parte da vida das famílias de lavradores, de 1959 a 1979, no planalto do

Tapirapuã.

213 ROQUETTE-PINTO, E. Rondônia. 6 ed. São Paulo: Editora Nacional/ Brasília: INL, 1975. p.66

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CAPÍTULO VII

A FLORESTA FRIA, MOLHADA, FECHADA E ESCURA: O AMBIENTE DA POAIA

O Album Gráphico do Estado de Mato Grosso apresenta a Poaia (Cephaeles

Ipecacuanha), no conjunto das plantas medicinais, como um recurso a ser explorado, uma

grande vantagem da natureza mato -grossense. 214

O texto apresentado no Album Gráphico nomeia cinco características de plantas

medicinais: tônicas amargas, tônicas estimulantes, depurativas, vomitivas e purgativas. A

poaia, considerada como planta vomitiva, é assim conceituada:

Ipecacuanha - Poaia (uragoga ipecacuanha) é uma planta rampante que cresce na sombra das mattas humidas, especialmente na zona pouco ao norte de São Luiz de Cáceres, onde o seu commercio está centralizado; a exportação d’esta planta forma uma cifra bem elevada no quadro da exportação do porto de Corumbá. Encontramos no N. º I do “Boletim da Associação Commercial de Corumbá” (1912), com relação à esta industria, o seguinte: “Tornando-se decadente a mineração na então Província de Matto-Grosso, depois do decantado apogeu à que tinham chegado as minas de ouro de Miguel Sutil e as de diamantes do Alto Paraguay-Diamantino, era preciso encontrar um industria extractiva succedanea aquella, pois os valentes pioneiros do desbravamento das nossas pomposas florestas não podiam ficar inactivos, acostumados como estavam a romper os obstaculos interpostos pela natureza.

Assim foi que José Marcellino da Silva Prado nas suas explorações no rio Areias ou Affonso, subafluente do rio Paraguay, onde descobriu diamantes de valor, teve occasião de notar que alguns de seus garimpeiros usavam, quando doentes, de um chá preparado com a raiz de um arbusto muito frequente n’aquellas paragens e que tinha propriedades vomitivas.

Espirito investigador, tratou logo de colher uma certa quantidade d’aquellas raízes e levou as á um negociante da então Villa Maria, hoje cidade de São Luiz de Cáceres, pedindo-lhe para remetter a amostra para a Europa.

Estava iniciada a indústria extractiva da ipecacuanha. Em poucos annos centenas de homens dedicavam-se a extrair a

raiz d’esse arbusto, encontrando até hoje um lucro compensador as fadigas. 215

214 Foi impresso em Hamburgo, com 532 páginas, organizado por comerciantes de Corumbá, cidade de Mato Grosso do Sul no ano de 1914 e publicado com o objetivo de fazer propaganda das riquezas existentes em Mato Grosso na t entativa de eliminar os preconceitos de isolamento do Estado.

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A poaia é da família da Rubiácea; seu nome científico é Cephaelis Ipecacuanha e tem

os seguintes nomes populares: cagosanga, cipó-emético, ipeca, ipeca-cinzenta, ipeca-de-

Cuiabá, ipeca-do-rio, ipeca-oficinal, ipeca-preta, ipecacoanha, ipeca-amarelada, ipeca-

canela-da-menor, ipeca-do-Brasil, ipeca-legítima, ipeca-verdadeira, papaconha, pecacuem,

picacuanha, poaia-cinzenta, poaia -das-boticas, poaia -de-Mato-Grosso, poaia -do-Brasil,

poaia-do-mato, poaia-legítima, poaia-preta, poaia -verdadeira, raiz -do-Brasil, raiz-preta,

raiz-vomitiva. Sua ação: modificadora das secreções, cardíaca, emética, expectorante, anti-

desintérica, sedativa, diaforética, hemostática, anti-hemorrágica, antiparasitária. Pode ser

usada contra hemoptise, hematúria, hemateme se, leishmaniose, dispnéia, difteria,

envenenamento, catarro crônico intestinal, cólica, tenesmo, infeção intestinal, disenteria

amebiana, irritação da garganta, irritação dos brônquios, irritação dos pulmões, febre gástrica

e febre biliosa. 216

Marcel Jules THIEBLOT, ao produzir um estudo sobre a mata da poaia e os poaieiros

de Mato Grosso, caracteriza o arbusto da poaia:

A planta não passa de 25 ou 30 cm de altura, mas ela sempre se arrasta um pouco, de forma que o caule atinge uns 40 cm. As folhas são opostas, simétricas, de um verde vivo. As flores brancas arroxeadas, de um centímetro, dão nascença a um cartuchinho de sementes vermelhas. Mas é a raiz que interessa ao poaieiro. É uma raiz preta por fora e branca por dentro, formada de anéis bem juntinhos. O trabalho consiste em descobrir e arrancar essa raiz de 20 a 30 cm de comprimento que corre horizontalmente debaixo da terra. Extraída a raiz o caule fica no chão e volta a brotar. Qualquer pedaço de raiz que também fique, volta a dar um novo pé. Por ser muito mais fácil mexer com a planta quando a terra está molhada, é costume “poaiar” no tempo da chuva. 217

215 ÁLBUM GRÁFICO do Estado de Mato Grosso (EEUU do Brasil). Corumbá/Hamburgo, Ayala & Simon Editores, 1914. p.259. 216Estas informações podem ser conferidas e ampliadas através do site Esalq/USP-P lantas Medicinais. http://WWW.ciagri.usp.br/planmedi/planger,htm. Acesso em 15 dez. 2001. Quanto aos aspectos demográficos da poaia, é importante o TCC de SILVA, Valdethe Prado da. Aspectos demográficos da cephaelis ipecacuanha em Mato Grosso . Cuiabá: Faculdade de Engenharia Florestal /UFMT, 1993. (Trabalho de Conclusão de Curso em Engenharia Florestal). 217 THIEBLOT, Marcel Jules. Poaia, ipeca ipecacuanha : a mata da poaia e os poaieiros do Mato Grosso. São Paulo: Escola de Folclore/Livramento, 1980. p.16.

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O ambiente em que ocorre a frente extrativa da poaia, ou seja, a mata da poaia, em que

parcela da população, especialmente até os anos setenta do século XX, esteve ligada à

atividade de “poaiar”, é delimitada por THIEBLOT:

(...) podemos dizer que a região da poaia se acha delimitada pelos paralelos 14 ao Norte e 16 ao Sul, e os meridianos 57 ao Leste e 60 a Oeste. A mata se concentra da margem direita do rio Paraguai, que corre do Norte ao Sul, até a margem direita do Guaporé, 300 km a Oeste, que corre do Sul ao Norte; esses dois rios estão separados pela chapada dos Parecis. Os rios mais famosos dessa mata são o Sepotuba e o Cabaçal, que desembocam no Paraguai, acima de Cáceres. Nas cabeceiras do Cabaçal, convém citar o rio do Bugres, o rio Branco e o rio Vermelho. Depois o Jauru que também desemboca no Paraguai, à jusante de Cáceres. Na bacia do Guaporé, está o mesmo rio Guaporé que banha Vila Bela, a cidade das minas de ouro de outrora, e o rio Galera mais ao Norte.218

Os poaieiros conheciam as matas desta região desde o século XIX, época em que a

ipeca foi responsável pelo povoamento do atual município de Barra do Bugres, por volta de

1878. Quando chegaram os primeiros habitantes não-indígenas em Barra do Bugres,

iniciaram uma agricultura de subsistência, para que pudessem se manter no local e, ao mesmo

tempo, trabalhar na colheita da poaia. 219

Por volta de 1896, Barra do Bugres foi elevada à condição de paróquia, através da Lei

145, de 08 de abril do mesmo ano, com a denominação de Paróquia de Barra do Rio dos

Bugres, pertencente ao município de São Luís de Cáceres. Barra do Bugres só foi elevada a

município em 1943, conforme Decreto-Lei 545, de 31 de dezembro de 1943.

Conforme Graci Ourives de MIRANDA, as paróquias criadas em 1896 obedeciam ao

interesse do governo em realizar a reocupação do interior de Mato Grosso e contribuir no

processo de pacificação dos índios. As paróquias seriam criadas juntame nte com os Distritos

218 THIEBLOT, Marcel Jules. op. cit., p.15. 219 Segundo RAMOS, Jovino S. Barra do Bugres: história, folclore, curiosidades. Cuiabá: Gráfica Ataláia, 1992. A concentração de alcalóides da poaia de Barra do Bugres alcançava 2,0%, enquanto as de outras regiões do Brasil tinham uma concentração de 0,02% a 0,8% em seus teores, daí a preferência pela poaia desta região no comércio de exportação. p.16. A importância da poaia e da seringa para Barra do Bugres pode ser observada no brasão do município, exposto em sua bandeira. Um pé de poaia está entre duas seringueiras.

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Policiais; desta forma, em 1910, de acordo com o Decreto n. º 541, publicado na Gazeta

Oficial de Mato Grosso, o Estado desapropriou uma área de 2.000 hectares de terras, para

utilização dos moradores de Barra do Bugres. 220 Em 1940, pelo Decreto-lei 348, é criada a

coletoria de Barra do Bugres, em decorrência das arrecadações provenientes do comércio da

ipeca.221

A exploração da poaia em Barra do Bugres, no século XIX, vai causar também a quase

completa extinção dos Umutina, grupo Macro-Gê, da família lingüística Bororo. A destruição

desse povo indígena foi patrocinada por comerciantes que tinham grande interesse pela

exploração da poaia, nesta época uma mercadoria valiosa.222

Conforme THIEBLOT, a exploração da poaia pode ser dividida em três épocas; a

primeira, denominada por ele como a das grandes expedições, vai até o início da Primeira

Guerra Mundial, quando a extração era feita por grupos de poaieiros que usavam bois de

cangalha e tropas de burros; procedentes da cidade de Rosário Oeste, as expedições cruzavam

do rio Sepotuba ao rio Galera. O momento das comitivas é cronologicamente demarcado pelo

autor, de 1914 a 1970, quando, por sua vez, aparece a figura do “patrão” de poaia, geralmente

o mesmo patrão da borracha. O patrão é aquele que “mantém” o poaieiro e sua família no

período da extração da poaia ou fora dela. O desligamento do poaieiro do seu patrão só

acontecia quando ele saldasse suas dívidas.

Romana Maria Ramos COSTA evidencia a relação entre a extração da poaia e da

borracha , analisando o caráter complementar de ambas as atividades extrativas, no momento

das comitivas:

As modificações que vieram a se produzir na estrutura da frente extrativa da poaia deveram-se, não só, ao aumento da demanda devido

220 MIRANDA, Graci Ourives de. A poaia : um estudo em Barra do Bugres. Cuiabá: UFMT, 1983. (Monografia de Especialização em História e Historiografia de Mato Grosso) p.20. 221 MIRANDA, Graci Ourives de. op. cit. p.21. 222 É referência para este estudo o texto de JESUS, Antônio João. Os Umutina. IN: Dossiê Índios de Mato Grosso - OPAN/CIMI/MT. Cuiabá, 1987.

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às guerras mundiais e conseqüentemente acréscimo no valor do produto, mas também à interação desta frente com a indústria extrativa da borracha. O fato de as duas atividades se caracterizarem como explorações sazonais − a extração da borracha nos meses secos (março a outubro) e a extração da poaia no tempo chuvoso (novembro - março) − possibilitou em grande parte, esta interação. Alguns relatos mencionam que seringalistas, em épocas de chuvas, se tornavam “patrões” de poaia, apontando o caráter complementar entre ambas as atividades.223

A terceira época, destacada por THIEBLOT, é a do trabalho individual, a qual

aconteceu depois que o Departamento de Terras concedeu títulos de terras para grandes

proprietários, cujo interesse pela poaia era completamente inexistente. Com o propósito de

especular a terra ou mesmo, transformá-la em monocultura ou fazenda de pecuária, a poaia

existente não tinha nenhum valor. Neste momento, conflitos políticos aconteceram entre os

recentes moradores de Tangará da Serra e os tradicionais exploradores da poaia de Barra do

Bugres. Conforme os relatos orais, a moeda corrente em Barra do Bugres era a poaia, mesmo

tendo o papel-moeda, alguns moradores foram obrigados a poaiar, para conseguir comprar

alimentos e outros utensílios no armazém em Barra do Bugres. Esta extração individual ou

familiar, desligada diretamente do “patrão” e executada até a década de setenta, efetivada,

inclusive, por famílias de lavradores, é que pode ser denominada de época do trabalho

individual.

A poaia, até meados do século XX, era fonte econômica bastante significativa para

Barra do Bugres. Alguns comerciantes de poaia daquele município vão manter um padrão de

vida superior ao da maioria da população. O poaieiro, explorado, vive de forma quase

desumana, durante a extração da poaia (outubro a maio) e, principalmente, durante o período

em que não se fazia a extração, ou seja, a entressafra.

Ao final de abril ou maio, os trabalhos na mata se encerravam, ocasião em que o poaieiro saía da mata escura, onde não recebia luz do

223 COSTA, Romana Maria Ramos. Cultura e contato : um estudo da sociedade Paresí, no contexto das relações interétnicas. Rio de Janeiro, 1985. Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. v. 2. p.219.

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sol e se dirigia para a beira dos rios, com destino à cidade ou distrito mais próximo. Geralmente, o poaieiro chegava doente, muitas vezes com malária, pálido e magro. Sem condições de se manter às próprias custas, pois restava-lhe pouco capital, ao final da safra, era comum que ele fosse trabalhar para o patrão, junto às suas roças, a meia. O poaieiro plantava em terras alheias e, ao final da produção, dividia -a ao meio, com o dono das terras. 224

Adolpho Jorge da CUNHA faz uma narrativa que destaca a viagem de quatro poaieiros

do rio Sepotuba até o córrego dos Macacos, um afluente do rio Vermelho. A história

representa o cotidiano de poaieiros vivido durante 35 dias de 1937, em que estes sofrem as

intempéries climáticas do excesso de chuvas, o ataque de mosquitos, principalmente do

lambe-ollhos, um amigo fiel do poaieiro, assim como os carrapatos, micuins e as pulgas,

habitantes de ranchos abandonados.225

O ideal para o poaieiro era encontrar espaços na mata em que a erva ainda não tinha

sido extraída, ou que tivesse há muito tempo sido esquecido pelos poaieiros, por isso as

viagens de grupos de pessoas a lugares diferentes dos habituais da mata da poaia, em que a

erva pudesse estar com a raiz mais grossa, volumosa.

A extração da poaia no período chuvoso é caracterizada pelos poaieiros como o ideal,

pois a terra está mais fofa e facilita o trabalho. As chuvas também espantavam os carrapatos,

possibilitando mais êxito na romaria em busca da ipeca, porém, quando caiam em excesso,

faziam com que os poaieiros adoecessem mais rapidamente. O barro, geralmente vermelho e

liguento, sujava o poaieiro e ficava preso ao saraquá, principal instrumento de trabalho, o que

obrigava o trabalhador a limpá-lo constantemente nos galhos ou troncos de árvores,

atrasando a coleta da raiz.

A extração da poaia exigia um domínio preciso da floresta, pois o poaieiro geralmente

se distanciava da picada principal, em busca dos folgões de poaia, espaço em que se

224 SIQUEIRA, Elizabeth M . et al. O processo histórico de Mato Grosso. Cuiabá: Guaicurus, 1990. p.6. 225 CUNHA, Adolpho Jorge da. O poaieiro de Mato Grosso . São Paulo: Resenha Tributária, 1981.

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avolumava uma quantidade significativa de plantas. Neste percurso, o encontro com anima is

ferozes era uma incógnita, a presença de cobras venenosas, uma constante, fazendo-se

necessário o uso de roupas que pudessem minorar o sofrimento do poaieiro. Não tendo

recursos necessários para comprar roupas adequadas, as famílias de poaieiros, ao inventar sua

forma de viver neste período, balizado pelo tempo das chuvas e da seca, reinventaram

vestimentas constituídas de um capuz ou boné amarradas por baixo do queixo, calças

compridas e camisas longas, usualmente com muitos remendos. No início da exploração da

poaia, eles usavam alpargatas de couro e, depois, passaram a usar botinas ou outros calçados

fechados.

Na extração da poaia, além da vestimenta que facilitasse a vida na mata, alguns

instrumentos eram necessários para a sua exploração:

As ferramentas são o facão, o saraquá e o bornal. O bornal de lona é levado a tiracolo e serve para carregar as raízes. O facão é usado para abrir a picada, mas na hora de arrancar poaia, é passado no cinto, do lado esquerdo, de forma a segurar o bornal e evitar que ele caia para frente quando o poaieiro se inclina para pegar nas plantas. A ferramenta principal, o saraquá, é um ferro afunilado e pontudo de 25 cm de comprimento, adaptado a um cabo de madeira de um metro e cinqüenta. O homem pinica e afofa a terra por baixo das raízes com o saraquá ao mesmo tempo em que, com a outra mão, ele puxa a planta devagar até extrair a raiz inteira. Andando na mata, o poaieiro arrasta o saraquá atrás dele, mas sempre pronto a usá-lo como arma. Falando em arma, até há pouco tempo, os poaieiros andavam de revólver na cintura. Pela mesma razão que o chapéu atrapalha, também a espingarda é inadequada, tendo em vista o emaranhamento da mata. 226

O convívio com uma fauna imensa e por poaiar nas matas ciliares de grandes rios

como Sepotuba, Cabaçal, Branco, Vermelho, Paraguai e Galera, a carne de animais, o mel e o

peixe faziam parte da alimentação dos poaieiros, sendo comidos com os alimentos básicos,

arroz, feijão, carne seca e farinha. O poaieiro realizava duas refeições, uma pela madrugada,

chamada de “quebra torto” e a segunda, no início da noite, com os mesmos alimentos. Não

226 THIEBLOT, Marcel Jules, op. cit., p.36.

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levavam nada de alimento para a mata; às vezes, comiam frutos silvestres que encontravam. O

guaraná era uma bebida apreciada pelos poaieiros, assim como a aguardente.

O mundo do poaieiro era também cheio de símbolos, era um espaço liso227 nessa

ordem social que imperava nas cidades, pois mergulhavam na mata, enganando muitas vezes

os comerciantes da poaia:

Geralmente o poaieiro não entregava ao patrão toda produção extraída, mantendo em sigilo determinada porção do produto, ficando indiferente, se continuasse devedor. Com esta mercadoria sigilosa o poaieiro estabelecia comércio com os mascates que transacionavam mercadoria na beira do Rio Paraguai com suas pequenas lanchas ou nos armazém de médios proprietários.228

Suas histórias de assombrações, suas relações com a natureza, registradas na memória

coletiva de alguns poaieiros ainda vivos, nos permitem buscar elementos essenciais para

compreender as representações deste solo fértil, o vale do Sepotuba.

Nas lembranças dos poaieiros ainda vivos, há uma entidade sobrenatural guardiã da

mata e de seus mistérios, o Pé-de-Garrafa. Um ex-poaieiro, natural de Jangada - MT,

residente no município de Nova Olímpia, dá o seguinte depoimento:

Agora sobre as histórias assim de feras nunca aconteceu, a não ser cobra, que nem os poaieiros falavam de um Pé-de-Garrafa. A gente não podia, os mais velhos ficavam bravos se déssemos um grito assim u,u,u,u,u. tinha de dizer assim ô,ô,ô,ô,ô, porquê diziam que era o Pé-de-Garrafa que gritava do primeiro jeito. Tem uma história que diz que o poaieiro gritou u,u,u,u,u e ele respondeu u,u,u,u,u. Um poaieiro desconfiado subiu num pau e o Pé-de-Garrafa passou e estava com o companheiro debaixo do braço, o que gritou, de vez em quando dava uma bocada comendo o rapaz.229

227 Para DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil Platôs. Capitalismo e esquisofrenia. Ed. 34. v.5. Coleção TRANS. p. 179. “O espaço liso é o espaço nômade, onde se desenvolve a máquina de guerra e o espaço estriado é o espaço sedentário, espaço instituído pelo aparelho de Estado”. 228MIRANDA, Graci Ourives de, op. cit., p.36. 229 SANTOS, Vivaldino Gomes. Entrevista com Armindo Barbosa da Costa poaieiro morador de Nova Olímpia. Tangará da Serra, 2001. Trabalho de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

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Os poaieiros relatam os perigos que enfrentavam nas matas da poaia e as práticas

cotidianas que produziam para conseguir sobreviver. O depoimento a seguir é de descendente

de índios, nascido na Fazenda São José, nas margens do Rio Sepotuba, município de Cáceres:

O negócio é o seguinte, o patrão fornece para o mês, então vamos para a mata, lá faz o barraco, entra na mata cedo, cedinho, passa o dia na mata, chega no barraco já de noite, com frio, com chuva, com sofrimento, longe de casa, na mata. Então, nos passávamos, mês, dois meses, tirava aquela quantia de poaia levava lá no barracão entregava a poaia e tirava fornecimento novamente para o mês. Assim era a vida do poaieiro, essa vida não tem hora, nem dia, é direto arrancando aquela poaia um sofrimento, sofrendo, passando muitas coisas, muitos perigos de bichos. O ramo que tinha naquele tempo era a poaia, não tinha outra coisa. Nada valia, o que valia era a poaia. Eu poaiava livre. Eu tirava o fornecimento ia para a mata da poaia. Lá tirava aquela poaia vendia aquela poaia. Então era muito longe a distância nesse mundo do Galera, uns trezentos quilômetros. Faltava comida lá pra nós, o que nós fazíamos, na cabeceira tinha aqueles palmito nós comíamos para vê se dava tempo de chegar a tropa com recurso. E passava dez, quinze dias naquela vida, arriscando a vida, morrer sem nada no barracão.230

O universo da poaia não era formado apenas por homens, principalmente na segunda

metade do século XX, algumas mulheres também seguravam com firmeza no saraquá

afofando a terra para retirar a raiz que pudesse trazer alimentos para sua família. Maria

Benoilza Alves da Silva foi testemunha do trabalho com a extração da poaia:

Foi muito difícil porque nós não tínhamos o costume de andar na mata, o medo era maior que o interesse de arrancar poaia, mas nós não queríamos ficar sozinha em casa, então entravamos na mata junto com marido, pai, irmãos, primos a família toda. No primeiro dia que nós entramos na mata, nós tínhamos medo de se perder, mas algumas pessoas indicaram para nós a bússola, tipo de um reloginho, você coloca no cabo do saraquá que ele está enterrado no chão ela aponta certinho e você vai entrando pro nascente ou pro poente ela indica o certinho aquele ponteirinho. O que levou a gente a explorar a poaia foi porque aqui na nossa região era só o ramo que dava pra ganhar dinheiro, e se plantasse arroz e feijão não tinha saída para vender. E se

230 SANTOS, Vivaldino Gomes. Entrevista com Antônio Chamameu Espírito Santo poaieiro de Nova Olímpia. Tangará da Serra, 2001. Trabalho de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

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você não arrancasse a poaia você não tinha como comprar outra alimentação.231

O depoimento acima registra outra aspecto fundamental que aconteceu na região de

Barra do Bugres, especialmente na década de 40, 50 e 60 do século XX, cuja principal moeda

de circulação era a poaia. Os donos das casas come rciais eram também os exportadores de

poaia. Toda a sociedade estava presa ao domínio do comércio imposto por eles. Muitos são os

relatos orais que abordam este controle comercial, em que o sal, o açúcar, a aguardente, todos

os alimentos, tecidos, estão condicionados à exploração da poaia.

O patrão da poaia sempre estava no comando político local. A relação de compadrio

também existia entre poaieiros e patrões. Os patrões da poaia sempre estiveram interessados

na manutenção de seus negócios com eficácia, pois, além de estabelecer os preços de mercado

para a compra da poaia, foram responsáveis pela criação de decretos -leis municipais que

garantissem a conservação da mata da poaia. 232

Graci Ourives de MIRANDA específica a diferença entre o patrão e o poaieiro, no

município de Barra do Bugres:

A figura do patrão apresentava-se em Barra do Bugres quase sempre como a do cacique político, hábil e de fala fácil. Além de possuir a terra ele detinha também em suas mãos o comércio. Assim fechava-se o círculo vicioso. O homem simples e sem instrução estava à mercê daquele que a qualquer momento podia ditar sua sorte. Começa aqui a relação indissolúvel entre o poaieiro e o patrão. De um lado encontramos aquele que por herança detinha o monopólio da terra, usando-a como melhor lhe aprouvesse e de outro lado, o poaieiro homem pobre, sofrido e esperançoso. 233

231 SANTOS, Vivaldino Gomes. Entrevista com Maria Benoilza Alves – Poaieira de Nova Olímpia. Tangará da Serra, 2001. Trabalho de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura. 232 O patrão da poaia qu ase sempre fazia o jogo político local, tornando-se prefeito, comerciante e exportador. A relação de compadrio se realizava quando o patrão tornava-se padrinho de batismo ou de casamento dos filhos ou filhas de poaieiros. 233 MIRANDA, Graci Ourives, op. cit. , p.32.

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A Prefeitura Municipal de Barra do Bugres passa a ser a protetora da mata da poaia a

partir de 1939, com o Decreto-Lei nº 1.202, de 08 de abril, publicado no Diário Oficial do

Estado de Mato Grosso no dia 18 de abril de 1939. No Decreto-Lei está explícito o controle

que a prefeitura faria na mata da poaia, impedindo sua derrubada e queima, mesmo que

pertencesse a particulares. O Decreto-Lei n. º 01, de 05 de abril de 1939, registrado no Livro

de Decretos da Prefeitura Municipal de Barra do Bugres, estabelece o período para a extração

da poaia e exige que o poaieiro faça obrigatoriamente a replanta da rama. Estes dados

reforçam o vínculo de dominação que o patrão exercia sobre os trabalhadores da poaia.

Os patrões da poaia de Barra do Bugres, por terem considerável recurso econômico e

querendo aumentá-los sempre mais, vão dificultar o avanço das famílias de lavradores no

início da década de sessenta, para o planalto do Tapirapuã. Para os comerciantes da poaia, a

mata não poderia dar lugar à lavoura, pois, desta forma, a extração desapareceria.

São vários os relatos orais em Tangará da Serra que evidenciam estes conflitos com as

elites políticas de Barra do Bugres, pois, ao chegarem em Barra do Bugres, alguns tentavam

impedir que as famílias subissem a serra, fazendo discursos contrários àquele propalado por

quem tinha a esperança de ver o vale do Sepotuba reocupado, conforme depoimento:

Quando as mudanças que vinham para Tangará da Serra chegavam em Barra do Bugres, o povão lá, colocava maior dificuldade em Tangará da Serra. Diziam que aqui era muito perigoso, aqui matava gente, dava maleita, mas isso é que eles não queriam que Tangará da Serra não crescesse, porque se Tangará da Serra crescesse derrubava as matas, derrubando as matas, acabava a poaia, quando acabasse a poaia, acabava o comércio deles.234

Estas dificuldades estavam também em conseguir os gêneros alimentícios, obrigando

as primeiras famílias de lavradores que vieram para Tangará da Serra a realizar a extração da

poaia para poderem comprar sal, açúcar, banha e outros, pois a moeda de troca no comércio

234 TORRES, Manoel. Em entrevista para o autor. Em 13 de maio 1991.

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de Barra do Bugres era a raiz da ipeca. Homens e mulheres eram obrigados a conhecer o

funcionamento da bússola e entrar mata adentro em busca da raiz, a qual poderia ser vendida

em Nova Olímpia ou, até mesmo, em Tangará da Serra.

As famílias que chegavam em Tangará da Serra percebiam a presença de poaieiros no

mesmo espaço, pois estes passavam pelo perímetro urbano ou por propriedades rurais em seus

carroções de bois, com os instrumentos e mantimentos para montar acampamento nas matas

ciliares; estes eram geralmente mato-grossenses e foi com eles que mineiros, paulistas,

paranaenses e nordestinos aprenderam a poaiar.

A poaia foi também o atrativo para que pessoas comprassem glebas, pois lugar de

poaia é lugar de terra boa, esta representação ajudou a configurar o vale do Sepotuba como

espaço fértil. A poaia atraia compradores não mais interessados na erva, mas especialmente

nas terras, pois elas deveriam se transformar em grandes lavouras ou grandes pastagens.

No final da década de cinqüenta, mesmo com o controle imposto pela Prefeitura de

Barra do Bugres, a extração da poaia entra em decadência, conforme destaca a Revista

Brasil-Oeste:

A poaia nativa das florestas dos vales do Paraguai, Cabaçal, Jauru e Sepotuba e seus afluentes era abundante no município de Cáceres, mostrando-se, mesmo nas proximidades da cidade, mas que já se distanciou por dezenas de léguas do centro inicial de extração, afundando-se nas selvas.

São apontadas como causas determinantes do desaparecimento da poaia, a falta de sistematização na sua exploração, a inobservância do replantio e o fogo ateado anualmente nas matas de poaia.

Queremos destacar, como o maior responsável pelo aniquilamento da poaia e, talvez, o próprio desaparecimento da espécie, o fogo, ou seja, a queimada.235

A extração da poaia, posterior aos anos cinqüenta em estudo, não era uma preocupação

do Estado, interessado na ocupação dos espaços vazios de Mato Grosso, conforme já

235 PRECÁRIA a situação da indústria extrativa da ipecacuanha no Estado de Mato Grosso. Revista Brasil - Oeste, São Paulo, n. º 13 , Ano II, maio de 1957.

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estabelecia a Marcha para o Oeste no governo Vargas, desde a década de trinta do século XX.

A propaganda do Estado de Mato Grosso era justamente para incentivar as correntes

migratórias sulistas, embora esbarrassem nos poderes locais, como ocorreu no caso da poaia,

o de Barra do Bugres.

O poder local de Barra do Bugres tentou impedir até mesmo a efetivação da

colonizadora SITA, dificultando a passagem de alimentos e de pessoas, efetuando uma

propaganda inversa à executada pela colonizadora.

Uma das formas mais rápidas de se chegar até Tangará da Serra nos anos sessenta e

setenta, vindo de Cuiabá, era passar por Barra do Bugres, atravessar de balsa o rio Paraguai,

controlado pelos patrões de poaia do município, o que dificultava o acesso a migrantes, cujo

destino era o planalto do Tapirapuã. Muitas são as histórias relatadas pelos membros das

famílias de lavradores sobre a relação com Barra do Bugres; isto fez com que criasse uma

desavença política entre pessoas de Tangará da Serra, ligadas diretamente à venda de terras, e

patrões de poaia de Barra do Bugres até 1976, quando acontece a emancipação política do

primeiro. Parte da população de Barra do Bugres denominava os habitantes tangaraenses de

“macacos”, por viverem em cima da serra, já os barra-bugrenses eram chamados de “tatus”,

por estarem embaixo da serra. No mês de maio de 1976, durante a festa da emancipação

política, uma bandeira carregada por populares ostentava uma figura de um macaco em cima

de uma árvore, segurando o rabo de um tatu; em forma circular estava escrito: Chegou a vez

do macaco mandar no tatu. 236

A mata da poaia, quadriculada desde o século XIX por homens e mulheres, continuou

a oferecer, por quase um século, a sobrevivência de muitos. Os medos e os perigos relatados

pelos poaieiros do século XIX configuravam, posteriormente, na memória dos novos

236 COSTA, Maria Luiza Fregadolli et al. Iniciação política de Tangará da Serra - MT. Trabalho apresentado no curso de Metodologia do Trabalho Didático nas áreas do Conhecimento, Tangará da Serra: SEE/MT, ago. 1999. p.16.

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poaieiros, a mata fértil, mesmo sem a poaia, continuava a existir e a produzir muitos sonhos e

esperança para muitos. A principal espe rança era ver a mata substituída por plantações e que

essas pudessem trazer um futuro melhor para os seus descendentes.

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CAPÍTULO VIII

A FERTILIDADE DO SOLO

8. 1 - As Madeiras de Lei

O Rio Sepotuba, o marco divisor de glebas, foi considerado como um grande

álibi dos corretores de terras, quando da abordagem do discurso da terra fértil, fundamentado,

inclusive, na presença da poaia. Segundo afirmação de antigos poaieiros e de alguns dos

primeiros migrantes que participaram desta extraçã o, lugar de poaia é lugar de terra boa.

BADARIOTTI ,237 em sua obra, aponta a abundância de ferro no solo e o considera fértil para

a produção do café. Esse discurso é retomado posteriormente na década de cinqüenta do

século XX, nas propagandas de vendas de terras feitas em Barra do Bugres, conforme a

imprensa da época.

As terras férteis do planalto do Tapirapuã foram a grande atração para os primeiros

moradores que vieram continuar suas vidas em Tangará da Serra, mas, quando chegavam,

encontravam um ambiente muito diferente daquele prometido pela Colonizadora.

Uma senhora paulista, mas proveniente do Paraná, em 1970, relata:

Quando estava no Paraná ouvia falar bem de Tangará que lá era um paraíso, lugar de terra boa, falavam que lá “arroz dava em toco”. Quando cheguei deu vontade de voltar na hora. Fomos morar num rancho de sapé no meio do mato, só tinha mato e bicho e vaga-lume à noite, solidão total.238

Na leitura das fontes, percebemos a relação deste ambiente com o conceito de sertão

presente em BADARIOTTI e também no discurso do próprio dono da colonizadora e, ainda,

na fala dos primeiros moradores não-índios.

Destacam-se, desta forma, somando-se os expedicionários já mencionados

anteriormente, os diferentes sertões registrados por GALETTI: sertão da peregrinação (de

237BADARIOTTI, Nicolao. Exploração no norte de Matto Grosso: região do Alto Paraguay e planalto dos Parecis. Apontamentos de História Natural, Etnographia, Geographia e impressões. Cuiabá: Biblioteca Katukulosu - Missão Anchieta, 1898. p.53. 238 SILVA, Maria José da. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 31 ago. 2000.

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vários tipos de andarilhos e de marginais, espaços de liberdade e resistência), desertores de

milícias, fugitivos, quilombolas, tropeiros, artistas; sertão dos que buscam terras para se

fixarem (vaqueiros, fazendeiros, agregados, posseiros, garimpeiros); sertão dos brasileiros

cultos (a serviço do Estado brasileiro, em comissões e expedições). 239

Pensando nestes múltiplos olhares sobre o ambiente, é importante ressaltar o enfoque

que os primeiros moradores deram à floresta, ou seja, às matas cilia res. Na descrição, estes

ambientes geralmente são caracterizados como lugares virgens e inexplorados,

desconhecendo-se seu estriamento, principalmente realizado pelos índios e poaieiros, a

memória coletiva constrói a presença significativa de muitas “madeiras de lei”. Um migrante

relata que não precisava andar meio quilômetro para encontrá -las. Os compradores de

madeira, alguns deles, proprietários de serrarias locais, residente no município desde 1970, só

compravam as melhores madeiras; o resto era queimado, virava cinza, dava lugar à roça de

arroz e de café: “sobre a madeira só queriam o que era a gema, a clara jogava fora - só

queriam mogno de toco”.240

A figura a sguir retrata a sobrevivência de um tronco de mogno241 (araputanga),

venerado por dez homens, que, num gesto de grandeza, posam frente à sua exuberância. O

senhor que está em destaque no meio da grande árvore (camisa mais escura), é o paulista

proprietário da fazenda onde aconteceu a derrubada da mata ciliar; dos outros nove homens,

alguns são amigos e outros trabalhadores da fazenda, responsáveis pelo serviço de

desmatamento. Percebe-se que a grande área desmatada também foi queimada e outra parte

terá o mesmo destino, pois a necessidade da produção do café era urgente.

239 GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Nos confins da civilização: sertão, fronteira e identidade nas representações sobre Mato Grosso. São Paulo, 2000. Tese. (Doutorado em História) - Departamento de História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade de São Paulo. 240 MENDES, Manoel. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 31 ago. 2000. 241 Conforme Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, mogno é árvore da América tropical (família das meliáceas), cuja madeira é muito apreciada em marcenaria. p.1944. Em Tangará da Serra, mogno é também conhecido como araputanga, (Origina-se do tupi “ari” e significa árvore, tronco, mais pytanga, que designa cor avermelhada: madeira vermelha.) segundo moradores.

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O fotógrafo desconhecido registrou esta cena no ano de 1965, quando, às margens do

Sepotuba, a mata ciliar já começava a desaparecer e o tom branco das roupas contrastava com

o preto do carvão da madeira, que, em sua maior parte, virava cinza, para receber a semente

do arroz da roça de toco.

Figura nº 15 Colonos na frente de um tronco de mogno - Tangará da Serra - 1965

FONTE: Colonos na frente de um tronco de mogno, 1965.1 fot.17X11. Fotógrafo

desconhecido.

A madeira, principalmente o mogno, conforme relatos orais, era muito procurada,

sendo inclusive roubado de fazendas por madeireiros de outros lugares:

Chama, chama-se araputanga, o mogno aqui, a araputanga era vendida pra fora, era cerrada e vendida pra fora, a nossa madeira, da nossa fazenda foi toda roubada, o pessoal entrava da serraria pulava lá e ia roubando as madeiras, não estava pra tomar conta. E o pessoal naquela corrida pra ganhar dinheiro.242

242 SAKUYOSHI, Uraci. Em entrevista para o autor. Tangará da Serra, 10 out. 2001.

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A existência de grande quantidade de madeira de lei deve-se ao fato de que a

vegetação de Tangará da Serra pertence à floresta amazônica, caracterizada como floresta

estacional semidecidual. 243

Estas exuberâncias das madeiras do vale do Sepotuba são relatadas por vários

lavradores como fortes elementos que impulsionaram a aquisição de terras. A existência de

madeira de qualidade nas terras dava aos compradores alguns privilégios, pois alguns

comerciantes, em troca da exploração da madeira, construíam casas na cidade e/ ou nas

propriedades rurais dos compradores dos lotes de terras, ricos em ma deiras de lei.

A madeira, em Tangará da Serra, fora utilizada de diferentes formas, mas o destaque

está na arquitetura da cidade, pois a maior parte da construção urbana e rural era feita de

madeira. Uma parte considerável de madeira fora vendida para outros Estados do Brasil.

A abundância de madeira de lei contribuiu para a instalação de algumas serrarias. A

derrubada e o comércio contribuíram para a extinção quase total da madeira nobre em

Tangará da Serra, entretanto, a técnica da coivara, praticada em larga escala pelos

tangaraenses, também foi responsável pelos danos irreversíveis ao ambiente. A floresta virou

cinza, homens e mulheres araram a terra, plantaram, a lavoura surgiu, áreas de pastagem

substituíram os troncos grossos e nobres das árvores de mogno (swetenia macrophylla), do

cedro (Cedrela odorata L.) e da peroba (Aspidosperma sp.).

A figura a seguir retrata o desmatamento e o fogo na mata ciliar do Sepotuba, um

exercício em nome do progresso e da prosperidade, com o objetivo de adequar o espaço aos

interesses do capital da época. Um contraste, especialmente com a Lei N. º 4.771, Código

243 Floresta estacional semidecidual, as características gerais deste tipo de floresta relacionam-se como o clima de duas estações, uma chuvosa e outra seca ou com acentuada variação térmica, são semicaducifólias, isto é, perdem parcialmente folhas em determinadas estações do ano (inverno e outono). Apresenta-se como um prolongamento da floresta amazônica especialmente nas áreas setentrionais do centro-oeste. Na sua composição florística apresentam espécies de alto valor comercial, tais como mogno (Swietneia macrophylla), cerejeira (Torresia acreana), cedro ( Cedrela odorata e Cedrela macrocarpa) e bálsamo ( Myocaraps frondosas).

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Florestal, que acabava de ser sancionada pelo Presidente da República, em 15 de setembro de

1965, que, em seu artigo 2º, dispõe sobre a necessidade de se proteger as matas ciliares.

Figura n.º 16 Colonos em cima de uma figueira – Tangará da Serra - 1965.

FONTE: Colonos em cima de uma figueira branca, 1965.1 fot.17X11. Fotógrafo desconhecido.

O que parece destruição, como registra a figura acima, é percebida de outra forma

pelos depoentes. Para eles, o desmatamento e o fogo eram necessários, pois a família

precisava construir o seu futuro e a mata não poderia lhes garantir a sobrevivência, se

continuasse intacta. Muitos já haviam realizado este trabalho de derrubada e queima em

outros dois Estados, como Minas Gerais e São Paulo, e isso era visto como sinônimo de

progresso.

O contato com a mata ciliar do Sepotuba e de seus afluentes fez com que várias

famílias pudessem organizar-se neste território, aprimorando ou construindo novas práticas de

vida, representadas por elas como um tempo de dificuldades, mas que foi bom, embora os

lucros esperados não se tenham efetivado.

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Entretanto, afirmamos que a natureza não existe por ela mesma; ela existe a partir de

um olhar da sociedade, pode ser pensada de forma diferente em tempos diferentes, ou então

receber olhares diferentes no mesmo tempo cronológico.

8.2 – Da “roça de toco” ao café

A floresta foi dividida inicia lmente em grandes propriedades denominadas glebas,

depois requadriculadas em lotes de diferentes tamanhos. As famílias, motivadas pelas

representações positivas do local, começam a povoar, individualmente ou em grupos, os lotes

rurais.

Ao citar a divisão das áreas rurais de Tangará da Serra, Osmair COUTO destaca o

seguinte depoimento de Wanderley Martinez, dono da colonizadora SITA:

(...) a divisão territorial das glebas ao redor onde iria se localizar o centra da cidade, foi em propriedades com áreas progressivas. Primeiro dividiu-se a área em chácaras com um alqueire aproximadamente, depois em sítios de até 30 alqueires e por fim, em fazendas, distantes a 30 quilômetros. Note-se que o alqueire utilizado na região era o alqueire paulista com 24.200 m2 (ou 2,42 hectares), enquanto que o alqueire mineiro ou goiano possui o dobro da área 48.400 m2.244

As famílias que chegavam em Tangará da Serra podem ser classificadas em

proprietárias e não-proprietárias de terras. As famílias proprietárias também eram

proprie tárias de área de terra na região de procedência, geralmente tinham uma área inferior a

que compraram em Tangará da Serra, sendo esse um dos aspectos que motivou suas

mudanças.

Pelo recenseamento de outubro de 1966, realizado pelo Padre José Aleixo Kunraht, em

três localidades rurais de Tangará da Serra, pode-se perceber a situação da posse de terra das

famílias que migraram para o planalto do Tapirapuã. Em sua grande maioria, as famílias de

244 COUTO, Osmair. As relações trabalhistas durante o ciclo cafeeiro na região de Tangará da Serra, nas décadas de 70 e 80. Cuiabá, 1999. Monografia. (Especialização em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Mato Grosso. p.17.

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lavradores eram sem posse de terras e viviam como agregados de outras famílias, com a

esperança de adquirir propriedade.

Nesse recenseamento, 78 famílias foram contabilizadas e, destas, apenas 16 eram

donas de propriedades rurais, as outras 62 eram agregados, dentre estas, nove viviam em

extrema miséria. Estas pessoas, para garantir sua sobrevivência, foram dedicar-se à lavoura,

inicialmente, a roça de toco, a plantação de arroz, feijão e milho. 245

O arroz, primeiro produto a ser plantado em Tangará da Serra pelos lavradores, foi

fertilizado no vale do Sepotuba, após que ima da mata, entre tocos feitos em carvão, homens e

mulheres entre os meses de outubro e novembro, pulavam restos queimados da mata, para

que, com suas matracas246, pudessem plantar o arroz, de diversas qualidades.247

Passados quatro meses de muita chuva, o arroz deveria ser colhido, trabalho que

envolvia toda a família. Nos meses de fevereiro e março, aproveitando-se uma pequena

estiagem, o arroz era amontoado em pilhas na roça, aguardando um período maior de sol para

ser batido. Estendendo uma lona no chão da roça, ou dependendo dos parcos recursos da

família, utilizava-se sacos de algodão que, emendados, formavam uma grande lona. O arroz

era batido para que depois pudesse ser levado à máquina para o beneficiamento e posterior

venda, caso houvesse sobra da produção. Algumas famílias mais abastadas podiam contar na

colheita com o auxílio da trilhadeira, máquina usada para bater o arroz.

Em várias propriedades, a lavoura de arroz era consorciada com o feijão e o milho. O

milho era plantado primeiro que o feijão, na mesma roça. O milho era plantado em setembro,

depois que este crescia e começava a secar, os lavradores realizavam o que chamavam de

quebra do milho, e, junto com ele, plantavam o feijão.

245 KUNRAHT, José Aleixo. Recenseamento. Prelazia de Diamantino. Diamantino, 1966. Arquivo da Missão da Prelazia de Diamantino. 246 Máquina manual usada para plantar arroz e milho. 247 As qualidades de arroz usualmente plantadas em Tangará da Serra eram: bico-preto, bico-ganga, iac, iac2, amarelinho, amarelão, cana-verde e arroz-preto.

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O feijão, depois de 60 ou 90 dias do seu plantio, dependendo da variedade, deveria ser

colhido do solo. Um trabalho bastante árduo para os lavradores, principalmente quando este

está junto com o milho. O feijão também era amontoado para secar, levado à lona, no mesmo

processo que o arroz, depois de batido com um cambão, instrumento feito pelos lavradores,

que consistia em uma corrente dobrada junto com um pau, ou dois paus presos para bater no

feijão; depois deste processo, o feijão podia ser armazenado pela família ou comercializado na

zona urbana.

Para atender a produção, especialmente do arroz, no centro urbano de Tangará da

Serra, foram instaladas máquinas para o beneficiamento do arroz. Geralmente, o lavrador

levava o arroz para ser limpo e 50% do produto beneficiado e os subprodutos do arroz, como

o farelo e a quirela, ficavam para o proprietário da máquina. O comércio do produto com

outros municípios era realizado pelo mesmo proprietário da máquina, funcionando como

atravessadores, como diziam os lavradores. Desta maneira, os lavradores, donos do trabalho e

da produção, ficavam com a menor parte, da produção do arroz em pequena escala. Os

trabalhadores sem posse, aqueles que trabalhavam como agregados ou meeiros do médio

proprietário, tinham que dividir sua produção, como forma de pagamento. Assim, a esperança

trazida junto à mudança para a nova terra era frustrada.

O padre José Aleixo Kunraht, em seu recenseamento de 1966, registrou em notas de

observação os tipos de lavouras plantadas pelos moradores locais, como roças de arroz, milho,

feijão, amendoim e café, alé m de destacar plantação de capim para o gado. Destacou a

fertilidade das terras e a preocupação de a lavoura virar pastagem, principalmente nas regiões

onde havia a concentração de grandes lotes de terra nas mãos de poucos.

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As lavouras de café foram, pouco a pouco, disputando espaço com a lavoura branca ,

embora não a tenha substituído. 248 Os lavradores geralmente reservavam espaço em suas

propriedades para as lavouras de café, arroz, feijão e milho, além de pastagem para o gado.

Desta forma, a mata também foi derrubada e queimada para a produção do café,

técnica conhecida dos lavradores cujas famílias acompanhavam a rota do café, como destaca

Regina Machado LEÃO, ao abordar a prática da derrubada e queimada no interior de São

Paulo, a propósito da lavoura de café:

O manual O Café no Brasil e no Estrangeiro, escrito em 1923 por Augusto Ramos,

“engenheiro, lavrador e professor da Escola Polytechnica de São Paulo”, ensinava que as

terras onde existiam matas virgens eram as mais indicadas para o plantio do café. Nelas, o

agricultor deveria fazer a roçada do mato à foice e depois proceder à derrubada a eito das

árvores com machado. Concluída a operação, esperavam-se as condições ideais para queimar

a ramagem e a folhagem e, então, ateava -se fogo. Para ele, “a queimada era um mal

necessário, indispensável na formação das grandes plantações que transformaram São Paulo

nos oceanos cafeeiros que possui”. 249

O trabalho na lavoura do café era bastante árduo; do plantio à primeira colheita, o

tempo é de, no mínimo, três anos. Uma família pouco numerosa necessitava da ajuda de

outras pessoas para o trabalho. Desta forma, o dono da propriedade necessitava do trabalho de

um meeiro, que fornecia sua mão-de-obra na lavoura do café, cabia ao sitiante, ou seja, ao

proprietário de pequena propriedade, fornecer ao meeiro, ferramentas, insumos e mudas de

café para que a produção se efetivasse.

O sitiante e o meeiro, às vezes, moravam no mesmo sítio e, em alguns casos, o

proprietário residia na cidade. O meeiro, quando morava no sítio, realizava a manutenção do

248 A lavoura branca para os lavradores tangaraenses é aquela em que o processo de planta e colheita é anual, como o arroz, feijão e milho, diferenciando-se da produção perene como a do café. 249 LEÃO, Regina Machado. A floresta e o homem . São Paulo: Edusp/IPEF, 2000. p.175-6.

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cafezal. A remuneração do meeiro estava ligada à produção do café e também, em alguns

casos, à produção de arroz, feijão ou outro cereal que pudesse produzir entre os pés de café ou

em outro espaço cedido pelo proprietário. Em alguns casos, os meeiros tinham vacas leiteiras

e suas mulheres fabricavam queijo e requeijão para o consumo familiar.

Segundo COUTO, o sistema de meação ou arrendamento foi importado dos migrantes

de São Paulo e Paraná. Este contrato entre meeiro e proprietário incluía desde o trabalho da

limpeza do terreno até a colheita do produto:

Freqüentemente, na fase inicial da ocupação até meados da década de 60, o meeiro iniciava o trabalho no sítio, na condição de empreiteiro. Na condição de meeiro, após a abertura e limpeza do terreno, era responsável inclusive pelos tratos culturais (fase entre o plantio e a primeira colheita). Geralmente estipulava -se que a partir do plantio até o quinto ano, toda a produção cabia ao meeiro ou porcenteiro, ex-empreiteiro. Do quinto ano em diante, fixava -se um percentual da produção do café, que predominantemente era de 50% para cada parte.

Entre estas duas figuras, encontrava -se também o diarista ou volante. São aqueles trabalhadores que se deslocavam de uma fazenda para outra, de um sítio para outro, capinando ou colhendo café por empreitada, recebendo por dia de trabalho ou por saco de café colhido. Essa mão de obra auxiliar era trazida da cidade e circulavam em todas propriedades, colhendo café, que durava 90(noventa) dias.250

As famílias de meeiros geralmente construíam suas casas próximas umas das outras,

formando o que os lavradores denominam de colônia, e, nestas, aconteciam os ritos religiosos

e as festas, bem como os casamentos e batizados; muitos lavradores tornaram-se compadres e,

até mesmo, parentes.

O trabalho com o ouro verde reproduz práticas de vida já realizadas pelas famílias em

seus lugares de naturalidade ou procedência. Esta organização em prol do trabalho com o café

vitaliza a zona rural e urbana, fazendo com que, nas localidades rurais, surgissem o espaço da

oração e do lazer, enquanto que a cidade é movimentada pela efervescência dos produtos,

principalmente do café produzido no campo, mobilizando as práticas comerciais.

250 COUTO, Osmair. op, cit., p.19.

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Quase tudo em Tangará da Serra, a partir da segunda metade da década de setenta,

estava ligada à produção do café. O pagamento do serviço médico era efetuado depois da

colheita, o casamento se realizava após colheita, o lojista prepara seu estoque para vendê -lo

na colheita. A colheita do café foi muito determinante na vida social, em Tangará da Serra.

Levar para a cidade o estoque de café guardado nas tulhas ou aquele que acabava de

ser colhido e ensacado, era a realização da esperança do lavrador. O café era transportado em

carroças. O compr ador era o intermediário e vendia o produto para Cuiabá ou para outros

Estados. Muitas pessoas se tornaram comerciantes de café, pois o produto era muito rentável,

especialmente para quem comercializava.

Figura n. º 17 Carroças puxando sacas de café – Década de 70 -Avenida Brasil – Tangará da Serra

FONTE: Arquivo da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Tangará da Serra. Fotógrafo desconhecido.

O café, que atraiu um grande fluxo populacional para Tangará da Serra, a partir da

década de 80 do século em estudo, começou a produzir refluxos. A falta de política do

governo, que atendesse aos interesses dos pequenos proprietários, fez com que os pequenos

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proprietários e meeiros abandonassem a lavoura de café; os sitiantes venderam sua

propriedade ou transformaram-na em pastagem.

Vários são os depoimentos de lavradores que destacam o desestímulo com a produção

de café, por falta de incentivo do Instituto Brasileiro do Café – IBC; segundo eles, o IBC dizia

que o café deve ser pla ntado em locais de altitudes acima de 500 metros, quando, em Tangará

da Serra, a altitude média é de 452 metros.

Os lavradores afirmam que Tangará da Serra era um ambiente bom para o café, pois

deu boas safras na década de oitenta; o regime de chuvas era bastante regular, facilitando o

cultivo do grão. Outros lavradores que acreditaram na propaganda da capital do café relatam

que Tangará da Serra não é uma boa região para o café, pois existem apenas manchas de

terras boas para o plantio no vale do Sepotuba, mas a grande maioria tem um subsolo muito

pedregoso, dificultando o crescimento da raiz do café, que é muito comprida e não pára de

crescer. Este problema físico da planta não foi a grande causa da decadência da cafeicultura; a

ausência de uma política econômica no Brasil que beneficiasse o pequeno produtor rural e o

sem-terras foi mais rápida na eliminação das esperanças daqueles que retiravam da sua terra

ou de terras alheias a sobrevivência de suas famílias.

8.3 – A festa da fertilidade

Dentre as lembranças das famílias de Tangará da Serra, a festa da Feira de Amostras

talvez seja a mais inesquecível dos anos setenta. Esta festa consistia em apresentar à

população e aos visitantes a diversidade de produtos colhidos pelos produtores, especialmente

a lguns que se destacavam em peso e medidas.

A festa, realizada anualmente, teve durabilidade até 1972 e era divulgada na imprensa

mato-grossense. Em 1970, o destaque foi dado pelo Estado de Mato Grosso e pela Folha

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Matogrossense. Ambos jornais demonstram uma propaganda efetiva da região de Barra do

Bugres e de suas riquezas agrícolas.

A imprensa divulgava que a Feira de Amostra era um dos acontecimentos mais importantes da

região leste de Mato Grosso; além da presença de autoridades governamentais, foi anima da, em 1970,

por músicos de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Os lavradores começaram a fazer esta festa no ano de 1967, em um espaço nas

proximidades da avenida Brasil. Levantavam barracas cobertas com folhas de coqueiro, eram

ornamentadas com bandeiras coloridas do seu Estado de origem e faziam a exposição dos

produtos, tais como cachos de banana, inhame, mandioca, abóbora, laranja, feijão, arroz,

batata -doce, quiabo, dentre outros.

Os produtos expostos destacavam-se, por apresentarem tamanhos geralmente maiores

ou tinham um peso superior aos de outros produtos da mesma espécie, escolhidos pelos

lavradores. A festa era um grande marketing dos corretores de terras, pois aproveitavam a

oportunidade para fotografar os produtos, como prova da fertilidade da terra do vale do

Sepotuba.

Alguns viam com assombro um exemplar de cará (Dioscorea sp), pesando 80 quilos,

outros se assustavam com o peso da abóbora:

As pessoas às vezes trabalhavam o ano todo criando um determinado cacho de banana, vigiando um abóbora pra trazer, ou determinado pé de milho, acho que era cultura, começou a criar uma cultura da pessoa preparar um ano antes para trazer para feira para mostrar. Lá estava o cacho de banana colhido no sítio do senhor fulano de tal, tinha escrito muito bonito o nome do proprietário. Eu comprei uma abóbora de 60 quilos. Eu a arrematei lá e trouxe para pesar, fiz foto dela e mandei para tudo quanto é lugar, quando descobri eu não fiquei com nenhuma foto dela.251

251 RAMOS, Gabriel Constâncio. Em entrevista para o autor. Tangará da Serra 30 maio 2001.

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Os produtos, depois de expostos, poderiam ser vendidos e a compra geralmente era

feita por pessoas que não residiam na região e queriam apresentar uma propaganda positiva

do ambiente de Tangará da Serra.

Figura nº 18

Feira de Amostras – Tangará da Serra - 1970.

FONTE: Feira de Amostras, 1960.1 fot.13X08 Cm. Fotógrafo Desconhecido.

Nestas feiras de amostras, havia comidas típicas das várias regiões de procedência dos

habitantes de Tangará da Serra e também eram animadas com bailes realizados em um espaço

central, coberto com palhas de coqueiro.

Em 1970, a Feira de Amostra foi oficializada pelo Governador do Estado Pedro

Pedrossian, cujo interesse estava em controlar a produção, especialmente o preço do arroz, e o

grande fluxo populacional que se dirigia ao município de Barra do Bugres. O governo do

Estado tinha todo interesse na reocupação destes espaços e que eles fossem produtivos, em

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sintonia com a política econômica adotada pelo Estado ditatorial, a do país que vai pra

frente.252

A Feira de Amostras é parte constituinte da propaganda do pós-64, são os lavradores

tangaraenses contribuindo para o milagre brasileiro, é parte da política de consolidação da

perspectiva da integração nacional, especialmente quando a Feira de Amostras estabelece o

intercâmbio com outros Estados:

A imprensa de Goiânia vem dando real destaque a feira de amostras que será realizada em Tangará da Serra, próximo ao município de Barra do Bugres. Pecuaristas de Goiás estarão prestigiando este acontecimento, que se destacará principalmente no aspecto da agricultura.253

Para os lavradores, a Feira de Amostra era uma oportunidade de expor seus produtos e

incentivar a vinda de mais pessoas para o lugar, pois acreditavam que o aumento populacional

e a reocupação total das terras lhes trariam mais benefícios.

Os lavradores também buscavam, especialmente após a criação da Paróquia de Nossa

Senhora Aparecida, participar de ritos católicos que lhes pudessem trazer ajuda divina para

obter boas colheitas e que suas esperanças pudessem ser concretizadas. Os lavradores, em dia

de missa, especialmente dirigida a eles, enfeitavam suas carroças com produtos da terra, para

serem bentos pelo padre e, depois da cerimônia religiosa, desfilavam pelas ruas da cidade.

252 Deve ser destacado que, em 1970, o governo federal cria o Plano de Integração Nacional – PIN, com o objetivo de “povoar” a Amazônia, tentando “resolver” parte do problema do Nordeste para fortalecer a política econômica do “milagre” brasileiro. Outras questões podem ser observadas em SKIDMORE, Thomas. Brasil de Castelo a Tancredo. Trad. Mário Saviano Silva. São Paulo: Paz e Terra, 1988. E também em SILVA, Joana Aparecida Fernandes. Política Indigenista Oficial e ocupação de Mato Grosso – 1970 – 1986. In: Índios em Mato Grosso. Cuiabá:OPAN/CIMI, 1987. 253 FESTA em Tangará da Serra terá participação de pecuaristas goianos. Folha Matogrossense, Cuiabá, 27 maio 1970 p.1.

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A busca da vida de fartura era uma esperança que não poderia acabar, deveria

renovar-se sempre, através da realização de festas ou promessas divinas, mas sempre a fé e a

esperança nunca acabam, estou esperando até hoje. 254

8.4 – O tempo da Febre

Os entrevistados, ao falarem sobre a sua vida em Tangará da Serra, lembram-se de um

momento de tristeza para eles, ligado a um episódio que denominam de febre de 70 ou de

malária de 70 ou outros ainda, de veneno da Pecuama.

Mesmo quando no decorrer da conversa o episódio da febre de 70 não aparecia,

bastava a indagação: tem mais alguma coisa que gostaria de registrar? A resposta sempre era

sobre a “febre”.

A febre sempre foi pensada como uma grande tragédia que aconteceu na localidade de

Tangará da Serra, na década de setenta. As representações são variadas, mas há pontos em

comum; a febre provocou um alto índice de mortalidade, reduziu o número de migrantes e

afastou novos aventureiros ou motivou o retorno para a região de procedência.

As explicações das causas que teriam provocado a febre são fundamentais para que

possamos conhecer e analisar o fato. Aires José PEREIRA255, ao analisar Tangará da Serra

como área de fronteira agrícola, apresenta alguns depoimentos sobre a febre. E destaca

também questões políticas usadas no aproveitamento da situação. PEREIRA apresenta três

depoimentos, sendo o primeiro de Jovino Ramos, secretário do prefeito José Amando Barbosa

Motta, de Barra do Bugres. Jovino Ramos, no seu relato, afirma que a “febre” não foi febre

254 RODRIGUES, Maria Beazóli. Entrevista ao autor. Tangará da Serra, 11 maio, 1991. 255 PEREIRA, Aires José. Urbanização na fronteira agrícola de Mato Grosso: o caso de Tangará da Serra. Brasília, 1999. 167 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília.

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amarela, como muitas pessoas acreditavam, mas que foi malária, cuja infecção se dá pelo

Plasmodium falcíparum, chamada, popularmente, em Tangará da Serra, de malária falsípora.

O segundo relato, realizado por Francisco Atanázio dos Santos, destaca a participação e o

trabalho de Thaís Bergo Duarte Barbosa no combate à febre amarela e o conhecimento dela,

enquanto enfermeira, teria impedido o alastramento da doença. No depoimento de Anfilófio

Chagas Barbosa, há uma destruição da febre enquanto doença, e sua representação como

intoxicação ambiental:

A febre amarela foi provocada pelo envenenamento jogado pelo Pecuama. A Pecuama jogou veneno para matar os matos e choveu. As águas da chuva foram para os rios e córregos. Todas as pessoas que bebiam essas águas ficavam doentes. Morreu muita gente com esse envenenamento disfarçado de febre amarela. Só que eles são ricos. São tubarões e ficou por isso mesmo. Eu comento porque não tenho medo de ninguém. Já estou quase nos últimos dias de minha vida mesmo. Era uma máfia muito grande e isto ficou abafado. Morreu muita gente inocente. Muita gente ia para lá já doente e morria lá mesmo. O seu Malaquias mesmo é um dos que morreram lá. 256

A representação da febre como intoxicação é compartilhada por vários moradores da

década de setenta; segundo alguns, o inseticida utilizado teria sido o Agente Laranja:

O herbicida conhecido como agente laranja foi usado pelos militares norte-americanos dos EUA para desfolhar as árvores da selva tropical do Vietnã durante os anos 60 é uma mistura de dois tóxicos poderosos, o 2,4,5-T (ácido Tr iclorofenoxiacético) e 2,4-D (ácido Diclorofenoxiacético). 257

O uso de Agente Laranja em Mato Grosso também é discutido por Anna Maria

Ribeiro Fernandes Moreira da COSTA, quando aborda o incentivo do governo federal em

implantar grandes empresas agropecuárias e madeireiras na região do Vale do Guaporé:

A política econômica do governo militar de 1964 trouxe uma série de mudanças para controlar os movimentos sociais no campo e incentivar o desenvolvimento e a consolidação do capitalismo no meio

256 PEREIRA, Aires José. op cit., p.32-3. Pecuama era uma grande empresa agrícola de Tangará da Serra banhada pelo Sepotuba, atualmente é um assentamento rural. 257 Cf. DOSSIÊ MONSANTO – A história da multinacional fabricante da soja transgênica. Boletim Semanal da Secretaria Agrária Nacional do PT. Ano III Nº 104, 8 a 14 de maio 1999. Disponível em Http://.www.pt.org.br/san/monsanto.htm.> Acesso em: 09 out. 2000.

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rural. A região amazônica passou a ser alvo de ações governamentais, através da criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) (Lei Nº 5.173, de 27.10.1966) e, em 1967, do Banco da Amazônia S.A., bem como da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO). Essas políticas governamentais, voltadas aos incentivos fiscais, favoreceram a instalação de grandes empresas agropecuárias e madeireiras que atraíram muitos trabalhadores, principalmente para o Vale do Guaporé._ Surgiram denúncias de que algumas empresas empregavam desfolhantes químicos (Tordon-155, produzido pela Dow Química, conhecido como Agente Laranja, empregado na guerra do Vietnã, que foi proibido pelo governo federal em 1977), jogados através de pequenos aviões, no desmatamento, atingindo indistintamente toda a região do Vale do Guaporé, inclusive as roças indígenas.258

A utilização de desfolhantes para o processo da queima da mata foi comum em Mato

Grosso na década de setenta. A febre eles falavam que era uma química que eles tinham

colocado na Pecuama para queimar uma derrubada, eles falavam que foi essa química259.

Talita Corsino refere-se a pessoas com as quais conviveu em Tangará da Serra, durante e após

o acontecimento.

A lembrança de Talita Corsino é de pessoas mortas na casa de seu pai, pessoas com

febre e vômitos: não era malária, pois malária conhecia muito bem, era um outro tipo de

febre. Os mortos eram da região da Pecuama e do rio Ararão, um afluente do Sepotuba.

O padre Edgar Henrique Muller, embora não tendo feito nenhum registro no livro

tombo da paróquia Nossa Senhora Aparecida, destaca, em seu relato, a quantidade de pessoas

que ficaram doentes em Tangará da Serra e afirma que a febre foi uma espécie de malária,

mas, sua origem também foi da Pecuama:

Eu só me lembro de uma doença que pegou no ano de 1970, Eu só me lembro de uma doença que pegou no ano de 1970, uma espécie de malária, mas é malária falsípera, popularmente malária preta, morreu muita gente por causa dessa febre. Os médicos, o povo lá em

258 COSTA, Anna Maria Ribeiro Fernandes da. Senhores da Memória: História no Universo dos Nambiquara do Cerrado 1942 –1968. Cuiabá, 2000. Dissertação (Mestrado em História) Instituto de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Federal de Mato Grosso. p.45. 259 CORSINO, Talita. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, jul. 2001.

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geral estavam querendo descobrir de onde é que vinha essa doença, de onde pegou essa epidemia. Tinha mais ou menos 300, 400 doentes naquele ano. E então, parece que isto não esta provado mais muita gente fala, que veio, porque lá na fazenda Pecuama eles soltaram veneno para matar os matos, parece, não sei. Os campos, as pastagens, e dizem que aquele veneno, ficou por ai no ar e parece que deu uma chuva, e aquele veneno dizem que baixou assim e ficou naquele sítio, naquele interior lá de Tangará, muita gente ficou doente, e alguns acham que foi esse o motivo dessa doença, e outros acham que não, que era mosquitos que transmitia essa doença, como mosquito da malária. Eu vivi de perto o drama da população, muitos doentes eu busquei lá no interior pra levar pra Tangará.260

Outros descartam a hipótese de que a Pecuama não tenha sido a única responsável pela

febre e que esta febre não tenha sido resultado de intoxicação. Dentre os defensores desta

argumentação, temos o relato de Gabriel Constâncio Ramos:

Alguns colocam a febre como envenenamento, primeiro lugar sem ter conhecimento, primeiro porque o transmissor da malária não nasce onde tem veneno. Ele é fruto de uma água podre. Eu não acredito nessa hipótese, muito menos que foi a Fazenda. A Pecuama derrubou muito, porém não foi veneno, foi derrubada, porém não foi só lá, todo pessoal vindo para suas terrinhas foram derrubando de qualquer maneira, em tempo aqui de seis meses que não dá muito sol, lugar que é encharcado se torna brejo, lagoa. Tudo isso ajudou na proliferação do mosquito.261

Outras pessoas, sem explicações mais detalhadas, pensam que ocorreu “febre tifo” ou

febre tifóide, doença infecciosa provocada por bactérias e transmitida pela água ou alimentos

contaminados por excrementos humanos infectados, gerando febre alta , diarréia e causando

graves problemas cardíacos, digestivos e neurológicos.

Além dos prováveis motivos da febre, devemos acrescentar a situação social da população de

Tangará da Serra, no início da década de setenta. A grande maioria das famílias de lavradores

não era proprietária de terras, tinha dificuldades para comprar alimentos e remédios, tinha

uma assistência médica precária, não possuía recursos para despesas com a saúde e transporte.

260 MULLER, P. Edgar Henrique.. Em entrevista ao autor. Diamantino, 07 set. 2000. 261 RAMOS, Gabriel Constâncio. Em entrevista ao autor. Tangará da Serra, 30 maio 2001.

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A dieta alimentar era escassa e de baixa qualidade, mesmo com os recursos da natureza,

peixes e animais silvestres; muitas pessoas tinham dificuldades para abatê -los e alguns rios

tinham acesso difícil e perigoso.

O desmatamento foi muito intenso no início da década de setenta, pois houve um

aumento significativo no fluxo migratório, perceptível no crescimento dos índices de

casamentos, em relação a 1969. Em 1968 e 1969, foram registrados oito casamentos em cada

ano, em 1970, 47 casamentos e, em 1971, realizaram-se 53 casamentos.262

O aumento também foi considerável em relação à natalidade; conforme tabela nº 09,

em 1969, nasceram 158 crianças e, em 1970, lavrou-se registro de 214 nascimentos. Estes

dados de natalidade com os de núpcias indicam um aumento considerável no número de

famílias que vieram residir no vale do Sepotuba, derrubar a mata, fazer a roça de toco e depois

plantar café.

Algumas pessoas contestam o processo de envenenamento, pois precisaria de muito

veneno para garantir uma quantidade residual que pudesse matar alguém, já que o veneno

teria sido diluído pela água da chuva na terra e, ainda, misturado à volumosa água do

Sepotuba..263

Envenenamento, intoxicação ou doença infecciosa não desconfigura o acontecimento,

ou seja, 1970 foi o “ano da febre”; este tempo tem, na memória de muitos moradores, um

marco significativo, teria influenciado de forma negativa o desenvolvimento de Tangará da

Serra:

Prejudicou muito, porque as pessoas ficaram com medo, muita gente foi embora de Tangará, pessoas que a pouco tinham vindo, voltaram, ficaram com medo e não vieram atrás de sua terra, não quiseram, e Tangará tinha uma bastante migração naquele tempo, nos anos de 1970 por ai, muita gente vinha pra Tangará, entravam em

262 Cf. tabela nº 04. 263 Estas análises químicas do herbicida e sua permanência frente às chuvas, e na água do rio, são sugestões para futuras pesquisas, pois irão possibilitar uma melhor compreensão destas representações da febre de 70.

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Tangará, e de repente parou, porque era notícia no Brasil inteiro. Em Tangará da Serra - MT, morreu muita gente de febre, então parou a migração de Tangará. É, só depois mais tarde, mais ou menos, se não me engano em 73,74 daí pra frente começaram a chegar gente.264

Deve-se observar que, conforme os dados expostos de taxas de casamentos e

nascimentos, o fluxo migratório de Tangará da Serra não foi afetado pelo episódio da febre.

Talvez, porque as autoridades locais se tenham mobilizado para que discursos negativos não

se alastrassem por Mato Grosso e pelo Brasil, fazendo uso da imprensa para divulgar

acontecimentos, como exemplo, a festa da Feira de Amostra. Este cuidado também foi

tomado pelos moradores que, em grande parte, ao escrever para seus parentes e amigos,

procuravam construir uma imagem ordeira de Tangará da Serra e de terra fértil e quando

citavam a febre faziam como coisa pretérita, absolutamente contornada e sem conseqüências.

Apenas um jornal de Mato Grosso, em 1970, destaca a febre de Tangará da Serra,

caracterizando-a como tifo e “maleita”. Em 1970, a imprensa divulgou, no final do mês de

maio, a Feira de Amostras, que iria acontecer em Tangará da Serra, no mesmo mês que

divulgou a febre. A nota da febre é registrada no dia 06 de maio, enquanto que a eloqüente

propaganda da Feira de Amostra é divulgada no dia 30 de maio.

A notícia publicada na imprensa mato-grossense alerta para o perigo do abandono da

região e o objetivo da propaganda da Feira de Amostra é garantir a reocupação do planalto do

Tapirapuã, impedindo que notícias, como a destacada a seguir, se efetivasse na prática:

O Sr. Emanuel de Almeida Santos, morador em Tangará da Serra, informou que essa localidade do Município de Barra do Bugres está invadida por uma onda de tifo e maleita. Já foram registradas 6 mortes de pessoas atacadas por doenças malignas. No momento, nada menos de 26 pessoas se encontram em estado grave, com maleita ou tifo. Mais de mil homens moram na região assolada e correm grande perigo. O Sr. Emanuel de Almeida dos Santos veio à capital do Estado pedir socorro às autoridades responsáveis pela saúde pública, pois se nenhuma providência for tomada não só poderão ocorrer novas mortes,

264 MULLER, P. Edgar Henrique. Em entrevista ao autor. Diamantino, 07 set. 2000.

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como também a região poderá ficar deserta, uma vez que os seus moradores já ameaçam abandoná-la, caso não sejam erradicados esses dois graves males. Portanto além do aspecto da saúde o caso pode tornar-se um problema social. 265

O número de mortes que o tempo da febre produziu também é uma particularidade nas

representações; em grande parte dos relatos, o número de mortos parece assustador e morreu

quase toda a população. Alguns citam um alojamento com muitos colchões no chão e muitos

doentes, outros destacam a comida dos doentes na base da batata inglesa e só os doentes

tinham o privilégio de saborear o tubérculo. Alguns enfatizam a quantidade de pessoas que

eram conduzidas da zona rural para a cidade no Jipe da Paróquia ou conduzidos a Cuiabá, de

avião. Algumas lembranças registram casos de pessoas que foram levadas para Cuiabá sem

companhia de parentes. Dadas como mortas, depois de longo tempo, para a surpresa da

família, retornaram vivas para Tangará da Serra.

Ao ser indagado sobre o número de extrema-unção realizada pelo padre nas vítimas da

febre, relata que o sacramento não foi oferecido para muitos:

Não muitos porque alguns doentes eram do interior, e em pouco tempo eles já morriam, falava muito em trezentos, eu não sei o número de mortos em Tangará da Serra, por causa dessa epidemia, dessa febre, mas não era tanto assim, foi exagero muito grande, trezentos ou quatrocentos doentes isso pode ser.266

Ao compararmos os dados dos registros cartoriais com os paroquiais, percebemos nos

registros paroquiais, um aumento significativo do número de mortes em 1970, registrados no

Livro de Óbito Paroquial; o Livro de Registro Cartorial também registra uma quantidade

significativa em relação ao ano de 1969, como demonstra a tabela a seguir:

265 TIFO e maleita assolam Tangará da Serra. Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 06 maio 1970. Nº 5.704. Ano XXXI. p.01. 266MULLER, P. Edgar Henrique. Em entrevista ao autor. Diamantino, 07 set. 2000.

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Tabela nº 13

Número de Mortes em Tangará da Serra, segundo registros cartoriais e paroquiais - 1965 –1979.

FONTE: Livros de Registros de Óbitos dos Serviços Notar iais e Registrais de Nova Olímpia e Progresso e Livro de Óbitos

da Paróquia N. S. Aparecida Tangará da Serra – MT.

No Livro de Óbitos da Paróquia do ano de 1970, não estão registradas as causas de

morte, enquanto que nos registros cartoriais encontram-se registrados: um caso de morte para

anemia, derrame, disenteria, hepatite e parto; dois casos de morte de acidente, crupe e

pneumonia, quatro casos para colapso cardíaco e febre tifo; quatro mor tes ignoradas; oito

casos de malária.

Os registros cartoriais eram realizados em Nova Olímpia, lugar de difícil acesso à

grande parte da população que residia em Tangará da Serra; muitos parentes de mortos não

desciam a serra do Tapirapuã para o registro de óbito e, em muitos casos, o próprio

subdelegado de polícia de Tangará da Serra se dirigia a Nova Olímpia, para registrar as

Anos Cartórios Paróquia

1965 0 4 1966 20 1 1967 22 2 1968 24 4 1969 42 9 1970 95 32 1971 56 24 1972 56 65 1973 67 109 1974 73 117 1975 85 73 1976 37 48 1977 37 68 1978 39 84 1979 31 68 Total 708 684

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ocorrências de óbitos. Desta forma, grande número de registros era feito em um mesmo dia,

embora mantivesse uma data de morte, diferente para a data do registro.

A ausência de meios de transporte é que deve ter impossibilitado as pessoas de

registrarem oficialmente seus mortos no cartório de Nova Olímpia. Existindo a Igreja

Católica no núcleo urbano de Tangará da Serra, era mais fácil registrar o falecimento na

Igreja, além da necessidade cristã católica de benzer o corpo e encomendar a alma dos mortos

é que fazia com que as pessoas procurassem mais a paróquia Nossa Senhora Aparecida do que

o Cartório. Como a burocracia estatal estava muito longe destas famílias migrantes, eles não

sentiam nenhuma necessidade de registros de óbitos. Registrar alguém que já morreu não teria

serventia alguma para famílias sem posse. O mais importante, segundo as famílias, era um

enterro digno e muitas orações para a alma do morto, para que ela intercedesse junto a Deus,

pela melhora da vida daqueles que ficaram.

É necessário destacar que muitas pessoas morreram em hospitais de Cuiabá e de

Nortelândia, ou, até mesmo, na zona rural em Tangará da Serra e não tiveram efetivado

registro de óbito nem no serviço notarial e registral de Nova Olímpia e nem na Paróquia em

Tangará da Serra.

Quanto ao período mensal de maior número de mortes, diverge do apresentado na

nota da imprensa, em maio de 1970. A morta lidade mais elevada ocorreu no segundo

semestre do ano, final da seca e início do período chuvoso, ou seja, de outubro a dezembro.

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Tabela nº 14 Número de mortes por mês em Tangará da Serra

registros cartorial e paroquial - 1970 Mês Cartório Paróquia

Janeiro 2 5

Fevereiro 2 7

Março 3 6

Abril 0 6

Maio 1 3

Junho 3 11

Julho 6 6

Agosto 2 7

Setembro 0 4

Outubro 5 10

Novembro 7 15

Dezembro 1 15

Total 32 95 FONTE: Livros de Registros de Óbitos dos Serviços Notariais e Registrais de Nova Olímpia e Progresso e Livro de Óbitos da Paróquia Nossa Senhora Aparecida – Tangará da Serra – MT.

O ano de 1970 foi o tempo da “febre” em Tangará da Serra. Muitas famílias tiveram

sua composição alterada, morreram adultos e muitas crianças, mas não diminuiu a esperança

do lavrador em conquistar um futuro melhor e produzir mais vida. A vida não parou, a

migração continuou, outras famílias vieram reocupar o vale do Sepotuba, novas derrubadas

foram feitas, aumentaram as lavouras de café, a criação do gado, até a chegada da agricultura

mecanizada, produzindo não mortes, mas expulsão do homem do campo para outro campo ou

cidade, em outra região de fronteira nesta Amazônia que se reconstrói dia-a-dia.

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PARTE IV

CHAPADA DOS PARECIS:

ESPAÇO DE AREIA, TERRITÓRIO DE ÍNDIO

“O chapadão triste, arenoso e inóspito, é a pátria parecí” Roquette-Pinto

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A reflexão pretendida na última parte da dissertação é evidenciar as representações

deste ambiente que seria a Chapada dos Parecis, lugar de terras acima de 500 metros do nível

do mar, relevo que separa as bacias do Paraná e Amazônica, terras no município de Tangará

da Serra pertencentes aos índios Paresí.

Não pretendemos fazer um estudo do povo Paresí, mas, de como o ambiente em que

residem era representado por expedicionários e pelas famílias que migraram para Tangará da

Serra na década de sessenta e setenta do século XX. Neste município existem três áreas

indígenas, resultando numa área total de 585.368 hectares.

Conforme relatório da FUNAI (1979), a reserva indígena Paresí, pequena parcela do

território tradicional, foi criada em 08 de setembro de 1968, pelo Decreto-Lei nº 63.368 e

ocupa uma área de 563.586, 5345 hectares, no município de Tangará da Serra - MT. Os Paresí

têm também a área denominada de área Indígena Paresí do Rio Formoso, com superfície de

19.749, 4741 hectares e a terra indígena Estivadinho, com 2.031,94 hectares.

Tabela nº 15 Situação Fundiária das Áreas Indígenas –Etnia Paresí em Tangará da Serra -MT

Terra Indígena Aldeias Posto Indígena Superfície (há) Situação Fundiária

População

Paresí Rio Verde Manene Ilhoce Sacre I Kotitiko África

Jurupara Zolomo Batiza

Manoaroko

Cabeceira do Sacre

563.586,535 Homologada DC 287 de 29/10/91

701

Formoso Jatobá Água Limpa

Formoso Queimada

Formoso 19.749.4741 Homologada DC 92015 de

28/11/85

121

Estivadinho Cabeceira do Sacre

2.031,94 Homologada DC s/n de 12/08/93

26

FONTE: PARESÍ, Pedro Kezoiwé. Presente em relação ao passado. Tangará da Serra, 2000. Trabalho de Graduação. (Sociologia Jurídica) – Grupo de Pesquisa Identidade e Cultura, Faculdade de Direito de Tangará da Serra, UNICEN.

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Várias famílias dos Paresí trabalharam na Comissão das Linhas Telegráficas e

Estratégias do Mato Grosso ao Amazonas comandado pelo general mato-grossense Cândido

Mariano da Silva Rondon. 267

A partir da década de oitenta, com a criação da FUNAI em Tangará da Serra, os Paresí

começaram a freqüentar a cidade, comercializando seus artesanatos, freqüentando serviços

médicos e até mesmo passaram a residir, estudar e a trabalhar na cidade.

A população Paresí hoje é da ordem de 1.200 pessoas, distribuídas em 29 aldeias espalhadas nas Áreas Indígenas a eles destinadas. Assim sendo, a população média de suas aldeias é de 41,37 habitantes. Tal configuração sócio-espacial constitui um aspecto importante da organização social Paresi. No seu entender, viver assim, dispersos em aldeias pequenas e relativamente autônomas é bom porque sempre pode haver confusão quando tem muita gente, como é recorrente se ouvir entre eles.268

O ambiente dos Paresí foi trilhado ao longo da história por vários expedicionários;

desta forma, serão discutidas as representa ções elaboradas por Nicolao Badariotti, Max

Schmidt e Edgar Roquette -Pinto. Depois de Rondon, estes expedicionários foram os que mais

representaram os Paresí entre o final do século XIX e início do século XX.

Os trabalhos do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon serão mencionados, mas

não serão analisados em particular, pois não é objetivo desta dissertação analisar a

representação do sertanista sobre o ambiente Paresí. Existem vários estudos mais específicos

sobre Rondon e os Paresí. Rondon também foi mencionado inclusive por Roquette-Pinto e

Max Schmidt.269

267 Sobre o trabalho dos Paresí nas linhas telegráficas, é fundamental a obra de MACHADO, Maria de Fátima Roberto. Índios de Rondon: Rondon e as linhas telegráficas na visão dos sobreviventes Wáimare e Kaxíniti, grupos Paresí. Rio de Janeiro, 1994. Tese. (Doutorado em Antropologia). Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1994. E também o estudo de BIGIO, Elias dos Santos. Linhas telegráficas e integração de povos indígenas : as estratégias e políticas de Rondon (1889 – 1930). Bras ília, 1996. Dissertação (Mestrado em História Política e Social do Brasil) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília. 268 SOUZA, Helen Cristina de. Entre a aldeia e a cidade: educação escolar Paresí. Cuiabá, 1997. Dissertação (Mestrado em Edu cação) - Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso. p.32 269 Verificar os estudos na nota nº 1.

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Ao apresentar como parte do título do capítulo a expressão espaço de areia, referimo-

nos à representação feita por Roquette-Pinto em Rondônia sobre o ambiente e também por ser

testemunha ocular desta paisagem no presente. Para o naturalista, “o chapadão triste, arenoso

e inóspito, é a pátria parecí”.270 O autor faz várias referências sobre as adversidades que

encontrou, ao cruzar este ambiente de areia:

Ao longo do caminho caveiras e caveiras de cargueiros, mortos de fadiga e fome ao volver do Norte. Quando um animal afrouxa, dividem os tropeiros a carga pelos outros, se possível ou a abandonam. Depois, por piedade, tiram do infeliz a albarda, e a depositam na estrada. O boi, exausto, com fome e com sede , resignado, vendo partir a tropa dos companheiros trôpegos, sem força para seguí-la, ali fica, junto do único objeto que conhece naquele areal; e morre de inanição deitado a fio comprido, ao lado do instrumento fiel do seu martírio, entregue à fatalidade do destino.271

Esta mesma região inóspita descrita por ROQUETTE-PINTO, no olhar de algumas

famílias migrantes, é percebida como o lugar da esperança; o espaço é de areia, mas cortado

pelos rios e tem uma exuberante fauna e flora do cerrado, resistente até às “pragas” de

gafanhotos, tão presentes em relatos escritos e na memória coletiva.

O fluxo populacional que ultrapassava a serra do Tapirapuã vinha com a certeza de

encontrar índios neste ambiente, imperando o discurso etnocêntrico e preconceituoso

formulado ao longo da história. Os migrantes sempre olhavam da cidade para a Chapada,

como se esta fosse uma nuvem azul, mas cheia de índios, indolentes, não civilizados. Os

colaboradores, ao darem seu depoimento, não enfatizam a presença de índios em Tangará da

Serra, no período de 1959 a 1979. Os Paresí são quase como imperceptíveis. Os índios, neste

período, não freqüentavam a cidade, pois não havia estrada para locomoção até as reservas

indígenas e o contato dos índios Paresí com os não-índios, pessoas que reterritorializaram o

ambiente que hoje é o município de Tangará da Serra, acontecia principalmente na cidade de

Diamantino ou na cidade de Barra do Bugres, com os índios Umutina. 270ROQUETE-PINTO, E. Rondônia. São Paulo: Ed. Nacional: Brasília, INL, 1975. 6 ed.. p. 86. 271 Ibid., p.78.

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CAPÍTULO IX

OS EXPEDICIONÁRIOS E SUAS REPRESENTAÇÕES

9. 1 – NICOLAO BADARIOTTI

Na primeira parte desta dissertação, o padre salesiano Nicolao Badariotti já fora

apresentado, ao realizar a façanha de escalar a Serra do Tapirapuã. Depois da aventura, o

missionário encontrou, no vale do Sepotuba, a mata da poaia. Badariotti dá ênfase ao trabalho

dos poaieiros, apresentando-os como homens de vida sofrida, pois se expunham diante de

feras, répteis venenosos e os insetos que ocasionam feridas bravas. O salesiano criticou a

exploração que os patrões de poaia fizeram sobre os poaieiros e destacou que uma ira divina

cairia sobre quem praticasse aquele comportamento.

Badariotti fez a composição da mata da poaia, destacando diversas espécies de

palmeiras, como o buriti, que, para vários corretores de terra, era a representação da

fertil idade. O padre também destacou o que ele denominou de madeiras de construção tais,

como peroba, cedro, canela, jatobá, araputanga, pau angelim, o pau rosa e o coração de negro.

Registrou a presença de pacovas destinadas à cobertura das moradias dos índios e de ranchos.

Muitas famílias, ao chegarem em Tangará da Serra, nas décadas de sessenta e setenta,

cobriram suas casas com folhas de pacovas.

O controle da exploração da poaia e também da borracha mais ao leste era feito, no

final do século XIX, por Marcelino Prado, que residia na localidade de Santo Afonso, hoje

município próximo que faz limite com Tangará da Serra. Marcelino Prado comercializava sua

poaia com os comerciantes de Barra do Bugres.

Nicolao Badariotti, ao encontrar a propriedade de Marcelino Prado, destacou-a como

um espaço de civilização em meio ao sertão, pois, Marcelino Prado, descendente dos Prados

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de São Paulo, tinha, em sua propriedade, um armazém de fazendas, espingardas e ferramentas

para uso no sertão.

O padre salesiano representou Marcelino Prado como um homem que soube fazer das

agruras do sertão um espaço de lucratividade. O lucro era retirado dos braços de índios

Chiquitanos trazidos da Bolívia e de índios Paresí, de Bakairi e outros homens e mulheres

pobres que viviam nas quatro sesmarias de matas ricas em poaia e borracha de Marcelino

Prado. O registro de Badariotti destaca a figura do proprietário do sertão como o benfeitor e

protetor dos índios.

Marcelino Prado era o disciplinador do sertão em que estavam suas sesmarias; ele

controlava todos, seu engenho produzia, além do açúcar, a cachaça que servia como o agrado

do patrão para com seus funcionários, no final da etapa de um trabalho cumprido.

A mão-de-obra Paresí, usada por Marcelino Prado nas matas de Poaia, é também

analisada por Romana Maria Ramos da COSTA, que destaca uma atitude fraternal dos patrões

de poaia para com os índios Paresí, assim como uma relação amistosa entre poaieiros e índios,

conforme os depoimentos que a autora apresenta. 272 Contudo, outro depoimento mostra a

exploração de trabalho e exploração moral que os poaieiros fizeram com os Paresí, mostrando

outra face da mesma história.

Foi uma intersecção de povos, inclusive foi um período que as índias Paresí foram vítimas de prostituição e o alcoolismo anda a solta e sempre havia situações de conflito. Muitos índios foram mortos a bala mesmo, porque eles não conseguiam estabelecer ao ritmo comportamental estabelecido pelo dono do barracão que a gente fala, então eles não conseguiram estabelecer uma relação com os poaieiros brancos, com o tipo comportamental dos índios com o dono do barracão, então houve conflitos, muitos índios Paresí foram mortos nessa época.273

272 COSTA, Romana Maria Ramos. Cultura e contato : um estudo da sociedade Paresí, no contexto das relações interétnicas. Rio de Janeiro, 1985. Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. v. 2. p.222-8. 273 CABIXI, Daniel Mantenho. Entrevista concedida pelo administrador Executivo Regional da FUNAI de Tangará da Serra. 21 set. 2001.

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Figura nº 19 Índia Paresí – Aldeia Rio Formoso – Tangará da Serra - 2000

FONTE: Acervo da Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo. Tangará da Serra, 2000.

Depois de desfrutar da boa vida do regulo no sertão, como nomeou a sede da

propriedade de Marcelino Prado, a comitiva do padre adentrou-se mais em território Paresí, a

caminho da Chapada dos Parecis. Badariotti deixou evidente, em seu registro, que todo o

planalto do Tapirapuã e a Chapada dos Parecis eram territórios dos índios de Rondon.

Os Parecis habitam o vasto território que limita ao sul com a serra Tapirapuã, e a nação dos Barbados; a Leste com o município do Diamantino e a bacia do rio Arinos; ao Norte com o território dos Cabexíns e dos Tapanhumas; a Oeste com o rio Juruena e o território dos Cabaçaes.274

Ao chegar nas aldeias indígenas, Badariotti registrava todos os costumes dos índios,

representou o índio como parte da natureza; o índio, para Badariotti, é mais um elemento da

natureza. O índio era classificado como um elemento que imitava os animais; esta imitação

274 BADARIOTTI, Nicolao. Exploração no Norte de Matto Grosso: região do Alto Paraguay e planalto dos Parecis. Apontamentos de História Natural, Etnographia, Geographia e impressões. Cuiabá: Biblioteca Katukulosu - Missão Anchieta, 1898. p.77-8.

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desde o século XVI era condenada pelos teólogos, que os classificava como atos de

incivilidade. 275

Era uma scena phantastica ver aquelles filhos da floresta lançarem-se n’água, mergulhar, fazer carambolas as mais caprichosas. Uns imitavam a lontra caminhando no fundo sobre o álveo arenoso, outros fingiam-se mortos deixando-se arrastar pela correnteza; outros enfim trepavam ligeiramente pelo tronco de uma árvore agarravam-se a um galho e envergando-o deslizavam como esquecidos, mas apenas tocava a água com o pé, subitamente trepavam pelo galho e lá ficavam assentados até que algum companheiro passasse abaixo d’elles, então precipitando-lhe enorme susto. E toda esta scena prolongava-se sem o menor encontrão e no meio da alegria geral.276

Em sua marcha rumo a Chapada dos Parecis, Badariotti entre insetos e palmeiras

buritis, observou, logo à sua frente, a serra dos Parecis; ao observá -la, sua memória o fez

pensar no tempo dos dinossauros e, marcado pelas idéias científicas, afirmou que a serra

outrora foi mar, embora a teoria da deriva dos continentes, do meteorologista alemão Alfred

Wegener, só se realizasse em 1912:

Dirigindo o olhar em redor de mim fiquei admirado pela natureza do monte, formado quase exclusivamente de pedras arredondadas e roliças: aquella vista fez-me pensar nas remotas eras em que o mar encobrindo ainda a maior parte dos continentes açoutava com as suas ondas procellosas a serra dos Parecis que n’aquelles tempos prehistóricos era costa marítima. De facto não se pode atribuir a outra cousa a forma das pedras de que menos isolados compõe as fraldas da serra representavão ao meo espírito ilhas e escolhos e a minha imaginação fazia-me assistir ás lutas tremendas dos plesiosaurios com os demais temerosos colossos antediluvianos.277

Depois de atravessar a Serra dos Parecis debaixo de uma tempestade, no dia seguinte,

a comitiva de Badariotti estava no planalto dos Paresí, em uma região de campo, em que,

mesmo estando longe do acampamento, poderia avistá -lo. Neste campo da chapada, o

salesiano foi identificando várias espécies de vegetação existente, tais como lírios, fruta do

lobo, azedinha e sete-sangrias, estas duas últimas, classificadas por ele como medicinais. Os

275Cf. THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). Trad. João Roberto Martins Filho. 3 reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p.43-48. 276 BADARIOTTI, N., op., cit,.p. 99-100. 277 Ibid., p.105-6.

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maiores detalhes teceu sobre a árvore e a fruta do pequi (Caryocar brasiliense), destacando

seu sabor e a forma de saboreá-la. 278

Dentre a vegetação, Badariotti dedicou um capítulo para apresentar o que ele

denominou de árvore da borracha , descreveu as características físicas das planta, explicou

sua história e o processo de extração do produto, assim como teceu alguns registros sobre a

figura do seringueiro.

O missionário representou, com bastante riqueza de detalhes, a fauna do planalto dos

Paresí. A fauna da chapada não diferia muito dos outros campos do interior do Brasil.

Destacavam-se mamíferos, aves, répteis, crustáceos, aracnídeos e coleópteros. A relevância

maior é para a quantidade e variedade de insetos.

As representações da natureza da Chapada dos Parecis encontradas em Badariotti

devem ser analisadas, pertencendo ao território dos Paresí; cada elemento desta natureza tem

uma relação cosmológica com a vida Paresí, a serra, as pedras, os animais e tantos outros. Os

Paresí estavam neste ambiente destacado por Badariotti. A Chapada dos Paresí era o lugar

ideal para a construção de aldeias e de suas casas, um espaço plano, cuja visão pudesse

alcançar, ao longe, espaços escolhidos até o tempo presente.

As aldeias são montadas em cabeceiras de rios, e, sobretudo onde você tem uma visão muito longe do espaço, você pode e consegue ver ao longe, e todas as aldeias que não são formadas dentro dessa concepção os Paresí condenam como se fossem aldeias inferno, porque você vive fechado num reduto, sem nenhuma visão do espaço físico e geográfico, ou a dimensão universal, esse é um conceito que marca os Paresí.279

278 O pequi cozido no arroz, o licor de pequi, ou mesmo o pequi cozido puro é uma fruta muito comum na mesa das famílias em Mato Grosso. Os Paresí também tem como frut a predileta o pequi. 279 CABIXI, Daniel Mantenho. Entrevista concedida pelo administrador Executivo Regional da FUNAI de Tangará da Serra. 21 set. 2001.

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Figura nº 20 Aldeia do Rio Formoso – Tangará da Serra - 2000

FONTE: Acervo da Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo. Tangará da Serra, 2000.

Os Paresí, habitantes da Chapada que levam seu nome, foram caracterizados por

Badariotti como briosos, hospitaleiros, fiéis, leais, índios cuja moral deveria servir de modelo

para muitas cidades civilizadas. Mais de um século depois, as famílias de lavradores que

vieram para Tangará da Serra de longe avistavam a Serra dos Parecis, e rotulavam o ambiente

como espaço de perigo, terra de índio.

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9.2 – Max Schmidt e sua viagem nas terras Paresí

O professor paraguaio Max Schmidt realizou duas viagens em terras Paresí, a primeira

em 1910 e a segunda em 1927. Destas viagens resultou um conjunto de dados etnográficos

fundamentais para que se entenda a história da vida do povo que habita a Chapada dos

Parecis. Dentre seus estudos sobre o povo Paresí, Schmidt realiza algumas representações do

ambiente que os haliti ocupavam.280

Na primeira viagem, Max Schmidt destacou um grupo de Paresí, os Kozárini, que

tinha rivalidades com outro grupo, os Kabichí. Em sua segunda viagem, conheceu os

Uaimaré. Nesta última viagem, afirmou que os Paresí de Utiariti, estação telegráfica de

Rondon, no município de Diamantino, já haviam perdido a maior parte dos seus costumes e

bens de sua cultura.

Max Schmidt, em sua obra, também destaca o território do povo Paresí, combinando

com o que Badariotti já anteriormente descreveu sobre o território Paresí:

El territorio de los estaba determinada en la fecha del primer conocimiento más exacto de estos indios, al principiar el siglo XX, por la región denominada “Serra dos Paressís” extendiéndose desde el rio Arinos y las cabeceras del Rio Paraguay, en latitud Sud del 14º 30’ y de la longitud de 13º 16’ al Oeste del Rio de Janeiro hasta las cabeceras del Rio Guaporé y del Juruena en latitud Sud de 14º y en longitud de 15º 58’ al Oeste de Rio de Janeiro. Según el General Rondón este territorio relacionado a las tres parcialidades de los Paressís se partía en la manera siguiente:

Los Kachínitis se extendían por el valle del Rio Semidoro, afluente del Rio Arinos y por las cabeceras del Rio Sepotuba y del Sucuriúiná, afluente más oriental del Juruena entre los paralelos de 14º 5’ y 14º 15’ y los meridianos de 13º 46’ y 14º 30’ al Oeste del Rio de Janeiro Los Uaimarés se extendían por los dos Rios Verde ( Tahúruiná) y Sacre ( Timolatiá) entre los Paralelos de 14º 5’ y 14º 15’ y los meridianos de 15º 9’ y 15º 19º al Oeste del Rio de Janeiro.

Los Kozárini habitaban la divisoria de las aguas del Rio Juba, del Rio Cabaçal, del Jauruú, del Guaporé, del Rio Verde (Tahúruiná), del Rio Papagayo ( Saueruiná), del Rio Burity (Zolaháruiná) y del

280 SCHMIDT, Max. Los Paressis . Asunción: Revista de La Sociedad Científica Del Paraguay, Tomo VI. Nº 1. 15 ago. 1943.

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Juruena (Anáuiná), entrte los paralelos de 14º y 14º 30’ latitud Sud y de los meridianos de 15º 9’ y 15º 38’ al Oeste del Rio de Janeiro. 281

. O ambiente que os Paresí ocupavam é narrado por Schmidt como espaço de seringa e

de poaia; o autor registra o envolvimento dos Paresí com o comércio de Poaia em São Luiz de

Cáceres, uma das cidades mais movimentadas de Mato Grosso no início do século XX, dada a

existência do porto fluvial do Rio Paraguai. Era possível chegar a Cáceres, navegando do

Sepotuba, ou seja, da mata de poaia, ao Paraguai até a cidade de Cáceres.

Max Schmidt retrata os conflitos entre os Paresí e os Nambiquara, e entre os Paresí e

os Umutina. O primeiro refere-se ao conflito dos Nambiquara para roubar mulher Paresí,

como já fora representado também por Daniel Mantenho Cabixi. Com o segundo grupo, as

guerras aconteciam por motivos de domínio de território. Os Umutina foram índios

representados como temíveis pelos não índios, embora tenham sido quase que completamente

eliminados no início da exploração da poaia. O coronel Almicar Armando Botelho de

Magalhães, secretário do Conselho Nacional de Proteção ao Índio – CNPI, caracteriza o povo

Umutina:

Este grupo indígena está disseminado pelo sertão que medeia entre São Luiz de Cáceres e Diamantino, do longo da mesopotâmia rio dos Bugres – Paraguai, atingindo proximidades do rio Cuiabá; e se encontra aldeado, pelo S.P.I. perto do vestuto povoado de Barra do Bugres, no reduzido número de 23 indivíduos.

Estes índios são os mesmos a que vulgarmente costumam chamar em Mato Grosso de: Barbados.

De amontoados como eram ao começo dos trabalhos da Comissão Telegráfica de 1907, foram pacificados pelos nossos funcionários e hoje não se aponta nenhum ato de hostilidade da parte deles contra os civilizados.

Reduzidos sucessivamente, desde que travaram relações amistosas conosco, pode -se considerar uma tribo em marcha acelerada para a extinção completa.

Todavia, estas provas que apresentamos, constituem esforços que temos empregado para evitar seu extermínio e promover o aumento de sua população. 282

281 Ibid. p.13.

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Nicolao Badariotti também destacou que os Umutina seriam eliminados por tropas do

governo. 283 Max Schmidt, em sua obra, cita a expedição de Badariotti, mostrando conflitos

dos Paresí que ele aborda.

Max Schmidt registrou que os Paresí gostavam de Rondon e o tratava como parente.

Schmidt apresenta outras informações sobre os Paresí, tais como organização, população,

características físicas, domicílio, alimentação, agricultura, transporte, arte, vida socia l,

costumes, culto, religião, língua e lendas. O autor, em sua obra, registra de forma precisa

composição do ambiente como fez Badariotti, e nos permite “viajar” com ele ao acompanhar

seus registros históricos do povo Paresí e vislumbrarmos o ambiente, ao tecer características

de suas práticas sociais.

No chão de areia, no pátio, em frente às casas, os homens, adultos e jovens Paresí

praticavam o seu izicunati ou matianá-ariti, um jogo usando uma bola leve feita de

seringueira, que os índios jogavam com a cabeça.

Una pelota liviana fabricada de la seringa de la mangabiera que tiene un diámetro de 9 a 11 cm es golpeada por los jugadores de un partido con la cabeza a los jugadores del otro partido. Hay con la frente y rechazarla. No se debe tocar la pelota sino con la cabeza y también la pelota caída en el suelo se levanta solamente con la frente. Para facilitar eso la arena por bajo de ella es comprimida un poco con la mano, para formar una pequeña elevación. Era un lindo aspecto lo que mostraron las posiciones y movimientos de los jugadores que, muchas veces, se lanzaron en el último momento al suelo para poder parar todavía la pelota ya casi caída. 284

Um jogo como este nos permite identificar o ambiente plano do chapadão dos Paresí e

entender as táticas criadas pelos Paresí para sobreviverem em um ambiente que foi

considerado inóspito para o não-índio, em um determinado tempo histórico, mas que, para os

282 RONDON, Cândido Mariano Silva. Índios do Brasil: do centro ao noroeste e sul de Mato Grosso. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, Conselho Nacional de Proteção aos Índios. Publicação nº 97, 1944. p. 125. 283 BADARIOTTI, op. cit., p. 48 – 51. 284 SCMIDT, Max, op., cit ,. p.18.

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Paresí, o lugar certo, conforme determinava a sua estrutura mitológica, que, no espaço da

moradia, o horizonte fosse facilmente avistado.

9.3 - Roquette-Pinto e sua visita aos índios do País dos insetos

A obra de Roquette-Pinto, Rondônia, que tinha como tese o exercício da medicina

entre os selvagens da América, oportuniza conhecermos as representações produzidas pelo

professor de Antropologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro, sobre o ambiente em que

perambulavam e residiam os índios do País dos insetos, como denominou os Paresí.

Para atingir a Chapada dos Parecís, Roquette-Pinto partiu da cidade de São Luís de

Cáceres - MT. O caminho escolhido foi a navegação pelo rio Paraguai, depois subir o rio

Sepotuba até o posto de abastecimento da Comissão Rondon, denominado de Tapirapuã.

Ao realizar o percurso, Roquette-Pinto descreveu o Sepotuba e vários elementos que

compunha a paisagem do vale:

Quem toma banho no Sipotuba compreende a razão pela qual as planchas levam 12 dias para subir, até Tapirapuã, e descem em 48 horas, o rio tem águas claríssimas, fundo pedregoso e fortíssima correnteza. A parte inferior do seu curso, porém, é cavada em terrenos de baixo nível. Durante o seu trajeto, aí, não recebe um só contribuinte de importância. O volume de suas água cresce, ainda assim, pelas torrentes anônimas que o alimentam dos dois lados. Na primeira porção do seu percurso, juntam-se-lhe seus verdadeiros afluentes.285

A ilustração a seguir, um croqui feito por Roquette-Pinto, mostra uma plancha no rio

Sepotuba:

Figura nº 21

Croqui – Roquette -Pinto

(Roquette-Pinto, op.cit. p.64)

285 ROQUETTE-PINTO, E. Rondônia. 6 ed. São Paulo: Editora Nacional/ Brasília: INL, 1975. p.67-8.

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Em Rondônia, também fica evidente, nas margens do Sepotuba, a mata da poaia e a

devastação que Roquette -Pinto encontrou no período da sua expedição em 1912, aspectos da

destruição da mata de poaia pelas queimadas, conforme lhe narrou João Cavalcante, sertanejo

que acompanhou a expedição:

Disse-me que a mata da poaia, outrora, ia da sua casa a Tapirapuã, 15 léguas a fio, estendendo-se entre o Paraguai e o Sipotuba. Grande parte dela é hoje o desolado sapezal, campo espetados, negros como varões de ferro, os caules carbonizados das grandes árvores, que as queimadas não puderam derrubar.286

Quando se reportou à mata da poaia, Roquette -Pinto de stacou a presença do pássaro

poaieiro, que também fora destruído pelo fogo. O poaieiro (ornithion cinerascens) era

auxiliar de mão cheia. O fogo, destruindo a mata, diminuiu a poaia, e quebrou o encanto

salutar da avezinha. 287

A memória coletiva dos poaieiros retrata a presença do pássaro poaieiro. Adolpho

Jorge da CUNHA também menciona a presença do pássaro, colocando-o como aquele que

fazia a propaganda do espaço em que a erva pudesse ser encontrada .

Desde o amanhecer até ao pôr do sol, antes do trovão e depois, antes da chuva e depois, naquelas árvores altas, copadas e galhadas, entre as quais havia algumas figueiras silvestres, entrincheirado no seu viveiro, não se cansava de cantar e repetir, com aquele entusiasmo de sempre, próprio do sangue que lhe corria nas veias, aquela frase: “Poaia, poaia! Fogão, fogão! Poaia? Poaia?”. 288

Alguns moradores de Tangará da Serra insistiam em destacar o pássaro poaieiro como

se fosse o mesmo pássaro tangará. Os pássaros não têm nenhuma semelhança, apenas

habitavam a mesma mata. Muitas pessoas também afirmam que, em Tangará da Serra, nunca

existiu o pássaro tangará; ao ser argüido sobre a presença do pássaro, Odilon afirmou: eles

286 Ibid., p.69. 287 Ibid., p.71. 288 CUNHA, Adolpho Jorge da. O poaieiro de Mato Grosso . São Paulo: Resenha Tributária, 1981, p.26.

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falam que aqui nunca teve o pássaro tangará, não teve porque acabou a mata, eu pergunto

cadê a anta que andava aqui nesse barreiro, e a onça e o veado.289

Para confirmar a presença do pássaro tangará no vale do Sepotuba, é fundamental a

representação das espécies de pássaros retratadas pela expedição Roosevelt-Rondon:

(...) os naturalistas encontraram muitas aves que até ali não tinham visto: um corrupião de fronte nua, bico vermelho e preto, bizarramente colorido de verde, amarelo e castanho; a pseudo-araponga, um minúsculo pica-pau, um esdrúxulo colibri, de longo bico flexível, e muitas espécies de formincarídeos, saíras, tangarás, tirnanídeos, uma belíssima codorniz, um magnífico mutum (...)290

Figura nº 22

Pássaro Tangará

FONTE: Acervo da Secretaria de Indústria,

Comércio e Turismo. Tangará da Serra, 2000.

289 SILVA, Odilon Acióli da. Em entrevista para o autor. Tangará da Serra, 21 out. 2000. 290 RONDON, Frederico Augusto. Expedição Roosevelt – Rondon. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. 1980 Tomos CXIII - CXIV - Ano LII p125. (grifo meu)

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Esta expedição foi inicialmente denominada “Coronel Roosevelt’s South American

Expedition for the Americam Museum of Natural History”, depois passou a denominar-se

Expedição Científica Roosevelt Rondon. Os chefes da expedição eram o Marechal Rondon e

o ex-presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt, com objetivo de estudar a fauna e

recolher exemplares para o museu de Nova York. Esta expedição estriou todo o rio Sepotuba,

“no espaço estriado, as linhas, os trajetos têm tendência a ficar subordinados aos pontos:

vai-se de um ponto ao outro”,291 através dos registros geológicos, botânicos, astronômicos.

Devemos destacar, contudo, que, em muitos momentos, alguns acontecimentos imprevistos

configuravam o ambiente em espaço liso “o espaço liso é ocupado por acontecimentos ou

hecceidades, muito mais do que por coisas formadas e percebidas”. Nesta expedição, o

próprio Roosevelt ficou doente, tendo que mudar o percurso da viagem; dentre outros fatores

tentou desarticular a expedição, mas, da mesma forma que do espaço estriado passou ao liso,

ele retornou ao estriado, graças às suas operações complexas.

Depois de estriar o caminho do Sepotuba e de representar os elementos da mata da

poaia, Roquette -Pinto chegou em Tapirapuã, e colocou em prática seus ofícios médicos. Lá

encontrou enfermos, cujos laudos registrou como miocardite beribérica, caquexia palúdica,

úlceras leishmaniósicas, anquilostomíase.

Roquette-Pinto representou a vegetação repleta de jequitibá, guariroba e cajueiros. E

também destacou a presença do mamão: Vi pela primeira vez, o mamão frutificando em plena

floresta, ao lado de plantas bravas; como um príncipe modesto que estivesse, incógnito, a

gozar o espetáculo de uma luta, alistado nas fileiras dos combatentes, emparelhado com

gente de toda casta...292

291 DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. op, cit, p.184. 292 ROQUETTE-PINTO, E. op. cit., p.76

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Ao caminhar para a Chapada dos Parecis, Roquette -Pinto encontrou em seu caminho

uma grande cachoeira, hoje denominada de Salto das Nuvens. Sobre o passo do Salto, o

antropólogo registrou:

No passo do Salto as margens do Sipotuba são altas, de terras sílico-argilosas.

Borboletas brancas, amarelas, verdes, como pedacinhos de papel de cor, juntavam-se em multidão para beber na orla do rio, matizando tapete ondeante, à sombra de grandes árvores.293

O passo do Salto, ou seja, o Salto das Nuvens, é uma cachoeira exuberante, dentre

outros saltos que existem no rio Sepotuba, atualmente é um ponto turístico privado. Poucas

foram as famílias de lavradores que tiveram acesso ao Salto das Nuvens até o final da década

de oitenta em estudo, pois, por ser propriedade privada apenas algumas pessoas tinham

concessão para entrar, e também dista do centro urbano quase trinta quilômetros.

Figura nº 23 Salto das nuvens – Tangará da Serra - MT

FONTE: Acervo da Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo. Tangará da Serra, 2000.

293 Ibid. p.75.

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Em 1975, o Jornal Folha de Tangará convidava a população para conhecer o Salto das

Nuvens, demonstrando aos tangaraenses a existência do ponto de lazer:

Entre as dezenas de pontos turísticos do Estado de Mato Grosso, aqui vamos descrever um dos mais belos de nossa região, o Salto das Nuvens; distante de Tangará, pelo campo 45km, passando pela fazenda São Paulino dista apenas 32Km. O Salto das Nuvens é o mais belo do Rio Tenente Lira, conhecido por aqui como Sepotuba.

As águas são correntes, que se precipitam de uma só vez numa altura de mais ou menos 45m a 50m formando uma neblina constante que chega a molhar os ramos em seu litoral a uma distância de 200 metros.

Curioso desta queda, é que o terreno é plano apenas o rio que muda de nível, formando uma barranca bem difícil de descer. Sem dúvida alguma é um ótimo local para você fazer um descanso num fim de semana. Aconselhamos a fazer um passeio até este lugar. Agora com a seca as estradas são uma maravilha. 294

A discussão presente sobre o Salto das Nuvens é a construção de uma usina

hidrelétrica no espaço por um grupo privado. A população através dos meios de comunicação

em sua maioria, tem demonstrado ser contra o projeto defendido pelo executivo municipal,

pois, conforme os munícipes, a referida usina não trará benefícios para Tangará da Serra, que,

no momento atual, exporta energia e é contemplado por duas usinas hidroelétricas Juba I e

Juba II. A população teme perder a referência de beleza que é o Salto das Nuvens.

A população, em debates calorosos no rádio, defende a conservação do referencial

turístico, mesmo que não tenha dinheiro no momento para sentir a brisa das águas da

cachoeira. A idéia sólida de ambiente que deve ser protegido contra ameaças externas compõe

o imaginário de cidadãos e cidadãs que continuam com a esperança de aproveitar daquilo que

é oferecido apenas para poucos.

O jornal A Tribuna Liberal, de 1966, ao produzir uma matéria sobre Barra do Bugres,

destacando os feitos do prefeito da época Wilson de Almeida, registra no final da reportagem,

como projeto do futuro, a construção da hidrelétrica do Salto das Nuvens. Projetos há décadas

294 SALTO das Nuvens. Folha de Tangará . Tangará da Serra, 18 maio 1975. p.1.

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existiam e em 1966 seria uma prática necessária dada a não-existência de energia elétrica no

município. 295

Ao transpor o Salto, mesmo atacado pela abundância de borrachudos, a caminho da

Chapada, Roquette-Pinto representa o ambiente Paresí como o país dos insetos; segundo ele,

as lagoas da costa do Atlântico lhes ensinaram, em 1906, a admirar as aves do Brasil e

registrou que as florestas de Mato Grosso abriram-me o mundo dos insetos.296

O caminho de Roquette-Pinto até a primeira aldeia Paresí fora repleto de mosquitos.

Foi sua companhia inseparável o mosquito-pólvora (Díptero certopogonina) , segundo ele mil

vezes pior que o pium-borrachudo, e afirmou que a face de uma pessoa atacada por nuvem de

mosquito pólvora torna-se vultuosa e edemaciada, como a de um variloso nos pródromos da

erupção.297

Ao chegar no Planalto dos Paresí, o professor do Museu Nacional representa o espaço

da Chapada, caracterizando seu relevo, vegetação e fauna.

Todo planalto dos Pareci tem a mesma constituição geológica; é formado de camadas de areão interrompidas, em alguns pontos, por pequenos lençóis de terra argilosa. Nenhum afloramento de rocha plutônica; mesmo a diábase, existente em Tapirapuã e na Serra do Norte, não aparece no chapadão.

Nas proximidades das nódoas argilosas abundam casas de térmitas, algumas colossais. Nos pontos em que o solo se torna mais favorável á vegetação, alteiam-se tipos que parecem imigrados da floresta.

Chegando ao Sauêuina (Papagaio) encontram-se jazidas de pedra canga, assim mesmo modestas.

Fauna relativamente pobre de formas superiores: um bando de seis emas correndo no chapadão, alguns casais de araras, nas matas do Papagaio. Corujas recolhidas no oco dos paus, onde fazem ninhos. Raras vezes um lobinho medroso. Alguns lagartos e muitos calandros. Poucos ofídios.298

295 BARRA do Bugres, seu progresso e suas necessidades . Tribuna Liberal . Cuiabá, 20 mar. 1966. p.5. 296 ROQUETTE-PINTO, E., op. cit. p.77. 297 Ibid., p.108. 298 Ibid., p.109.

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Dentre os aspectos ligados à vegetação, Roquette-Pinto destaca o uso do leite de

soveira (Brosimun Galactodendron), que tem aspecto de leite verdadeiro, embora um pouco

mais denso, pouco adocicado. A soveira é urticácea do porte de uma hérvea, pouco folhuda,

esgalhando alto do solo. 299 O le ite de soveira foi o que sustentou o filho de Maria Beazóli

Rodrigues, a primeira parteira de Tangará da Serra, que, ao dar à luz sozinha, não tendo leite

materno, alimentou-o com o leite de soveira.

O caminho de Roquette-Pinto foi por ele representado, tendo sido composto de frutos

de jequitibá, a guariroba, cajueiros do campo, sapopembas, pacovas, mulateira (leguminosa),

goiabeira do mato, pau-santo, murici e indaiazinho do campo.

O ambiente do habitat Paresí difere do tipo de terra que se encontra no vale do

Sepotuba. Para Roquette -Pinto, o mundo Paresí é um mundo de areia, embora o Paresí viva

neste espaço e tinha, até a década de cinqüenta do século vinte, um território maior, que o

ajudava a manter sua vida no mar de areia desolador, como caracterizou o autor de Rondônia.

299 Ibid., p.124.

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CAPÍTULO X AS FAMÍLIAS E A CHAPADA DOS PARECIS

Os Paresí só a partir de 1979 começaram a ter acesso com freqüência à cidade de

Tangará da Serra, depois da abertura da estrada que liga Tangará da Serra à fazenda Itamarati,

no atual município de Campo Novo dos Parecis, pois, antes, só havia uma trilha para boiada e

cavalo. Parte desta trilha era usada pelo Marechal Cândido Mariano Rondon, ligando

Tapirapuã até o início da Serra dos Parecis, local que os Paresí conhecem como Cinqüenta.

Depois, a trilha de Rondon continuava pela cabeceira do rio Verde, cruzava o rio Sacre e

adentrava o Juruena até sair em Vilhena no atual Estado de Rondônia. 300

Desta forma, as famílias que chegaram em Tangará da Serra até 1979 não tiveram

uma relação de proximidade com os Paresí. Elas sabiam que eles existiam e o marco

referencial da presença Paresí era a Serra dos Parecis, vista do espaço da cidade como uma

longa faixa azul ao norte.

Para muitas famílias, a Serra dos Parecis era o divisor espacial entre a civilização e o

território indígena, a presença de índios dava ao espaço uma identidade muito diferente

daquela que se construía no vale do Sepotuba.

‘Terrenos desconhecidos’, (...) ‘terrenos habitados por índios’ foram denominações usadas para referir-se a um espaço. Estes termos não remetem a um recorte geográfico específico, não pretendem enunciar um lugar, mas sim suas características. São representações enunciadas de fora, nomeações do outro, como forma de atribuir uma identidade e fixar uma memória.301

Embora os índios não participassem do dia-a-dia da vida das famílias de lavradores,

eles tinham um espaço que marcava a sua existência. Os não-índios nada sabiam a respeito da

300 Cf. CABIXI, Daniel Mantenho. Entrevista concedida pelo administrador Executivo Regional da FUNAI de Tangará da Serra. 21 set. 2001. 301 ARRUDA, Gilmar. Cidades e sertões. entre a história e a memória. São Paulo: EDUSC, 2000. p.24.

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cultura dos povos indígenas e continuavam a reproduzir o discurso etnocêntrico e

estereotipado, divulgado ainda nos dias atuais no Brasil.

Tangará da Serra era o fim da linha; isto, para alguns depoentes, impossibilitava o

acesso dos índios à cidade, o contato que eles tiveram com índios foi em Diamantino ou na

cidade de Barra do Bugres. Mas sempre enfatizam que o contato era sempre com índios

civilizados. Estabelecer este marco divisório entre quem era selvagem e quem era o civilizado

é muito comum na memória coletiva ao se tratar dos índios Paresí.

O marco do civilizado estava na língua, nas vestimentas e no comportamento diante de

pessoas não-indígenas, vender objetos de artesanato e saber negociar em moeda nacional era

sinônimo de civilização. Estar na cidade era sinônimo de civilização.

Vários foram os depoimentos que demonstram o contato entre as pessoas de Tangará

da Serra e os índios, de 1959 a 1979: Em Tangará da Serra não havia índios. Eles habitavam

em Barra do Bugres, às margens do rio Paraguai. Eram civilizados. Não tive contato com

eles, só os via quando passava por Barra do Bugres.302

O padre Edgar Henrique Muller, que residiu por oito anos em Tangará da Serra, de

1968 a 1976, relata que os índios não apareciam na cidade; o contato que teve com índios foi

em Barra do Bugres e Diamantino e, em seus trabalhos pastorais, não chegou a visitar

nenhuma aldeia indígena em Tangará da Serra, pois este serviço estava destinado aos padres

de Diamantino, que chegavam até os Paresí, transpondo a Serra dos Parecis.

Durante todo o período que os Paresí estiveram sobre a é gide da Missão Anchieta, os deslocamentos dos índios para a cidade de Diamantino eram mais constantes, uma vez que lá se localiza a sede da Prelazia. Suas idas a cidade eram, em geral, para tratamento no hospital, para dar continuidade às atividades escolares no Seminário ou como parte do trajeto para a capital, Cuiabá. O relacionamento com os moradores da cidade era intermediado pela Missão, o que, de certa maneira, dificultava o estabelecimento de um contato mais estreito entre as populações distintas. A própria disposição espacial da sede da

302 PEREIRA, Padre Egberto. Carta para o autor. Bom Jesus do Itabapoana, 13 nov. 2000. 5 f.

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Prelazia onde se situa o Seminário, a 2 (dois) quilômetros do centro da cidade, sendo o local de alojamento dos índios, dificultava a proximidade física e, conseqüentemente, social. Estes fatores, reforçados pela mediação dos religiosos que gozam de grande prestígio no município – a grandiosidade do Seminário contrasta com o aspecto acanhado da cidade, na época com uma única rua calçada – propiciava a construção de um tipo de representação, em que o índio surgia como categoria genérica (os Diamantinenses, em geral, não distinguem um Paresí de um Rikbáktsa muito menos de um Nanbikuára), sendo caracterizados como “índios civilizados”. Quando perguntávamos sobre a presença de índios na cidade, ele nos indicava o Seminário como o local, onde seriam certamente, encontrados, preocupando-se em assinalar que em Diamantino não veríamos índios, mas “índios civilizados”. 303

Para exemplificar a relação entre pessoas de Tangará da Serra com índios Paresí, antes

da emancipação política de Tangará da Serra – 1976, é necessário atentar para o seguinte

texto:

Uma senhora pioneira em Tangará da Serra (sulista, 1967) descreve assim seu primeiro contato com um indígena do Utiariti: “Foi fascinante, era civilizado, havia algumas marcas de pinturas... conversou comigo”. Segundo ela foi fascinante, porque antes só havia visto índio em revistas e filmes, e agora estava com um ser diferente dela ao seu lado, sua cor e seus cabelos eram diferentes e as marcas de pintura em sua pele traziam lembranças dos filmes, achou interessante o índio conversar porque notou que ele era “civilizado”, o seu comportamento era igual ao dela.304

Em vários relatos orais, encontramos a expressão os Paresí não desciam a Serra,

apareceram depois. Os Paresí sempre desceram a Serra dos Parecis, principalmente para

aproveitar as matas do vale do Sepotuba; a presença de fazendeiros e outros moradores de

propriedades rurais afastou os Paresí de um contato inicial, só realizado com maior freqüência

com a implantação, em 1979, da 5ª Delegacia Regional da Funai, no município de Tangará da

Serra.

303 COSTA, Romana Maria Ramos, op. cit. p.323 -4. 304 OLIVEIRA, Carlos Edinei de. BASTOS, Wanderrose Gonçalina Barbosa. A visão da população de Tangará da Serra sobre os índios Paresí. Cuiabá, 1989. Trabalho de Graduação (Disciplina de Antropologia Social II) – Centro de Letras e Ciências Humanas -Departamento de História, Universidade Federal de Mato Grosso. p.19.

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Mas alguns Paresí chegaram a visitar a cidade de Tangará da Serra, especialmente a

partir de sua emancipação política em 1976. A atividade que os Paresí mais praticavam na

cidade é a venda de artesanato e, em troca, freqüentavam o comércio local. A primeira

prefeita, conforme COSTA, tinha uma política de aproximação com o grupo indígena local:

Existe por parte da administração municipal, uma política de aproximação do grupo indígena, convidado a participar de todos os eventos oficiais como inauguração de obras públicas, festividades comemorativas do aniversário de criação do município, celebração de datas nacionais (comemoração do dia da Independência, por exemplo). Os índios contam que, se porventura encontram a Prefeita nas suas idas à cidade, são convidados para irem a sua residência.305

Os índios não só eram convidados para os eventos oficiais, como eram representados

nos desfiles cívicos. As escolas públicas, em desfiles de comemoração de datas nacionais ou

de comemoração no dia de aniversário de emancipação política do município, trajavam

meninos com supostas imitações de povos indígenas. As vestes usadas não seguiam nenhuma

pesquisa junto à história do povo a ser representado, o que se propunha eram uma imitação

do povo indígena.

305 Ibid., p.325. A primeira prefeita de Tangará da Serra foi Thais Bergo Duarte Barbosa, que venceu as eleições com 84% dos votos válidos.

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Figura nº 24

Estudantes “vestidos de índio” em desfile cívico – Av. Brasil – Tangará da Serra – MT

FONTE: OLIVEIRA, Carlos Edinei de. Estudantes vestidos de índios. 1989. 1 fot.: color.; 9 X12 cm.

Mesmo com estas falsas imitações, a população de Tangará da Serra negava e nega a

presença de índios em seu cotidiano, mesmo porque não identificam os índios da cidade como

índios de verdade; os índios na cidade não são perceptíveis para a maioria da população, que

aponta o espaço da mata como o lugar do índio de verdade.306

Com a demarcação das reservas indígenas, os Paresí perderam todo o espaço de suas

matas, usadas tradicionalmente para roças, o vale do Se potuba. Ficaram obrigados a

aproveitar apenas aquilo que pode ser encontrado no cerrado; embora seja uma região rica em

biodiversidade, os Paresí estavam mais relacionados ao aproveitamento do espaço da mata de

poaia, pra a realização de suas roças.

O que os pajés lamentam muito hoje, é que foi demarcado um espaço territorial de chapada com matas ciliares, cabeceiras de rios, e aquelas matas ciliares não são propícias para uma diversificação de culturas, então os Paresí recente depois de terem perdido grande parte

306 Esta discussão sobre o índio de verdade deve ser conferida em FERNANDES, Joana. Índio: esse nosso desconhecido. Cuiabá: EdUFMT, 1993. Cap. 1.

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desse território tradicional, que é o Vale do Sepotuba, que são terras propícias para a agricultura familiar, eles acham que foram prejudicados neste processo de democratização, e eles entendem que a demarcação deveria ser feita com parte do Chapadão dos Parecis descendo a serra, e um pouco com as matas do Sepotuba, então essa questão está marcante no pensamento do povo Paresí, quer dizer todo esse processo que se vê com a derrubada das matas com a desertificação do Vale do Sepotuba isso marca muito os Paresí hoje, inclusive uma coisa que me chama muito a atenção nas primeiras viagens que a gente fazia para Tangará, a gente via mutum, jacu, arara vermelha, papagaios de vários tipos, tonalidades de cor, uma fauna riquíssima, então o que a gente percebe hoje é que praticamente isso foi tudo eliminado, então isso deixa uma marca muito forte na concepção dos Paresí, destruir tanta coisa em tão pouco tempo.307

Os Paresí, tendo o seu espaço reduzido ao cerrado da Chapada, perderam território

quando, a partir da década de 80 do século XX, ocorreu aumento do fluxo migratório em

direção às terras “altas” mato-grossenses, com a chegada de pessoas do sul do Brasil,

principalmente do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, o que denominamos de

segundo fluxo migratório.

A ocupação dos cerrados e o surgimento das monoculturas do arroz e da soja fizeram

com que os Paresí também sofressem com a contaminação por agrotóxicos, usados em grande

escala pelas empresas agrícolas, para eliminar especialmente o que os fazendeiros consideram

como praga, o gafanhoto.

Nessa mesma aldeia fazendo combates aos gafanhotos da região, pulverização aérea, eles despejaram veneno de combate ao gafanhoto, aí como a ema é o prato preferido dos Paresí, carne de primeira, o índio foi caçar e exatamente ele matou uma ema que tinha acabado de consumir esses gafanhotos mortos pelo agrotóxico, a aldeia inteira toda ficou doente, com dor de barriga, tontura, tudo isso, então quer dizer, essa questão de agrotóxicos é extremamente forte na sociedade Paresí.308

Os gafanhotos compunham o cenário da Pátria Paresí antes mesmo da ocupação do

cerrado pelos sulistas: Estranhos insetos despertaram a atenção dos naturalistas. Gafanhotos

307 CABIXI, Daniel Mantenho. Entrevista concedida pelo administrador Executivo Regional da FUNAI de Tangará da Serra. 21 set. 2001. 308 Id.;

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vermelhos, em vôo, têm a envergaura de pardais. Multidão de gafanhotinhos verdes, em

atividade, chegam a espantar as mulas. 309

A paisagem da Chapada dos Paresí, mesmo alterada com a composição de grandes

latifúndios, não deixou de ser considerado o espaço de índio, um espaço a ser visitado, cujo

temor de outrora seja hoje substituído pela curiosidade de saber como vivem os índios em seu

espaço natural, conforme muitas pessoas relatam ao visualizarem imagens do território

Paresí, embora ainda continuem imperceptíveis aos índios na cidade e da cidade.

A representação da Chapada dos Parecis como um espaço de índio foi uma

representação cultural elaborada por bandeirantes, expedicionários e reelaborada pelas

famílias do primeiro fluxo migratório de Tangará da Serra, conforme destaca Antônio Carlos

Robert de MORAES: Trata-se de um acervo histórico e socialmente produzido, uma fatia de

substância da formação cultural de um povo.310

309 RONDON, Frederico Augusto, op.cit . p.118. 310 MORAES, Antonio Carlos Robert. Ideologias geográficas . São Paulo: Hucitec, 1991 .p.32..

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Brasil, segunda metade do século XX. A reocupação do Centro-Oeste se efetiva de

uma forma dinâmica e predatória, homens e máquinas rasgam florestas e cerrados, cidades e

lavouras surgem, a paisagem é alterada, vidas diferentes se cruzam, novas práticas sociais são

reelaboradas.

O lugar em que Judas perdeu as botas, como alguns homens e mulheres

representavam o “sertão” de Mato Grosso, em que vieram buscar ou produzir riquezas, era

imediatamente substituído pelo lugar da tranqüilidade nessa imensa “Amazônia fértil”.

Parte destas terras férteis, ou seja, espaços da geografia do Planalto dos Parecis são

quadriculados a partir de 1959, para serem explorados por grupos privados. Dentre estes

grupos, destaca -se a SITA – Sociedade Imobiliária Comercial Tupã para a Agricultura,

responsável pela venda de terras de glebas no planalto do Tapirapuã, espaço regado pelo rio

Sepotuba, na parte sudoeste de Mato Grosso.

Com o trabalho de propaganda, executado especialmente pela SITA, várias famílias

mineiras, paulistas, paranaenses vêm em busca de posse da terra e de garantir um futuro

melhor para seus filhos.

Parafraseando o professor João Mariano de Oliveira, de que a esperança vem na

frente, ela impulsionou as migrações para o platô do Tapirapuã, ou seja, para Tangará da

Serra; também a busca de não fazer com que o futuro dos filhos fosse uma réplica do

presente dos pais, fez com que famílias naturais de diversas unidades da federação brasileira

fixassem morada em Tangará da Serra.

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As famílias que vieram para Tangará da Serra, o fizeram individualmente ou em

grupos de vizinhos, amigos, de parentes ou de patrões e empregados par a habitar e reconstruir

suas vidas nesse espaço de Mato Grosso .

As primeiras famílias a estabelecerem residência em Tangará da Serra, segundo o livro

tombo da Reitoria de Nossa Senhora Aparecida, começaram a chegar a partir de julho de

1959.

Quando os migrantes começaram a chegar, encontraram uma cidade quadriculada no

solo, os espaços individuais estavam já pré-estabelecidos, para garantir a disciplina da nova

cidade.

As famílias que vieram para Tangará da Serra seguiram o roteiro do movimento

migrató rio do Brasil, geralmente do Nordeste, para São Paulo e depois para o Paraná em

busca do ouro verde; são mineiros que migraram para São Paulo e depois para o Paraná ou de

Minas Gerais para o Paraná; ou paulistas e paranaenses que foram para o sul de Mato Grosso,

hoje Mato Grosso do Sul, e depois chegaram em Tangará da Serra, tendo como nova parada,

não como porto seguro, Mato Grosso.

Motivadas pela esperança na posse da terra, as famílias que vieram para Tangará da

Serra seguiram a rota do café, mesmo que , quando chegaram ao vale do Sepotuba, tenham-se

dedicado à lavoura de arroz, milho e feijão, para, em seguida, preparar o plantio do café.

As famílias que chegavam em Tangará da Serra a partir de 1966 contavam com a

presença da Igreja Católica, cuja instalação se deu por motivo do grande contingente de

pessoas protestantes na nova área de colonização agrícola. Preocupada com a expansão do

protestantismo, a Prelazia de Diamantino, buscando efetivar sua tarefa romanizadora, cria,

em janeiro de 1966, a Reit oria de Nossa Senhora Aparecida e, em março de 1968, a eleva à

condição de Paróquia de Nossa Senhora Aparecida.

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Mesmo com as atividades realizadas pelos padres, os católicos tiveram que conviver

com protestantes, espíritas, ateus e praticantes de outras religiões. Este mosaico configurou

religiosamente o povoado de Tangará da Serra.

As famílias que reterritorializaram o ambiente de Tangará da Serra são ligadas à terra,

que se autodenominam de lavradores. São pequenos proprietários de terras ou mesmo

famílias que estavam a serviço de outro proprietário, com o qual já mantinham vínculo

empregatício e de compadrio desde o Estado de procedência.

Nestes fluxos populacionais, a fronteira entre a frente de expansão e a frente pioneira

coexiste, obrigando estas categorias a produzir novas relações culturais entre elas e com a

natureza com que passam a conviver. Neste mesmo espaço, configuram-se as frentes de

expansão e pioneiras. A primeira, destacada pelos que se intitulam lavradores, pequenos

proprietários de terras, agregados ou meeiros, que trabalham na terra de capitalistas maiores,

os fazendeiros, os quais podemos caracterizar como frente pioneira.

Algumas práticas sociais dos componentes da frente pioneira e da frente de expansão

devem ser destacadas. Em relação ao casamento, a data da cerimônia respeitava o calendário

religioso e econômico, pois o casamento é um evento social, um rito, em que a participação

de parentes, amigos e vizinhos de todas as idades era fundamental, portanto, deveria ser

escolhido um momento adequado, em que houvesse condições financeiras e possibilidade de

alegria para a realização de uma festa.

Os registros de nascimento de crianças de Tangará da Serra demonstram que os

nascidos e registrados, de 1964 a 1979, nos serviços notariais e cartoriais de Nova Olímpia e

de Progresso, cartórios mais próximos de Tangará da Serra, somam um total de 5.285

crianças.

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Em contato com as fontes cartoriais e paroquiais, foi possível perceber também a

quantidade de mortes, especialmente de cria nças, que morriam com infecção intestinal,

pneumonia, bronquiolite e malária, embora esta última tenha matado mais adultos.

Deve-se considerar que os registros de óbitos são parciais, pois muitos moradores

distantes do perímetro urbano enterravam seus mortos na zona rural. Outros, por não

professarem a doutrina católica, não tiveram seus mortos registrados no livro paroquial. Além

disso, não havia um controle no cemitério local antes de 1976, e muitos mortos eram

enterrados sem registros, às vezes, a abertura da cova era realizada pelos parentes e amigos do

falecido.

As pessoas que chegaram em Tangará da Serra, na década de setenta, em estudo,

encontrou uma cidade sendo construída, casas sendo edificadas, homens e mulheres, que

quotidianamente organizava m novas práticas e relações sociais, com pessoas de diferentes

lugares. As casas, o jeito de viver, foram-se organizando de acordo com o que as novas

relações culturais exigiam. A vida da população urbana estava intimamente ligada à vida

rural.

Na zona rural, o trabalho com o ouro verde reproduziu práticas de vida já realizadas

pelas famílias em seus lugares de naturalidade ou procedência; esta organização em prol do

trabalho com o café vitaliza a zona rural e urbana, fazendo com que, nas localidades rurais,

surgissem o espaço da oração e do lazer, enquanto que a cidade é movimentada pela

efervescência dos produtos, principalmente do café produzido no campo, mobilizando as

práticas comerciais.

Os lavradores afirmam que Tangará da Serra era um ambiente bom para o café, pois

deu boas safras na década de oitenta; o regime de chuvas era bastante regular, facilitando o

cultivo do grão. Outros lavradores que acreditaram na propaganda da capital do café relatam

que Tangará da Serra não é uma boa região para o café, pois existem apenas manchas de

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terras boas para o plantio no vale do Sepotuba, mas a grande maioria tem um subsolo muito

pedregoso, dificultando o crescimento da raiz do café, que é muito comprida e não pára de

crescer. Este problema físico da planta não foi a grande causa da decadência da cafeicultura.

A ausência de uma política econômica no Brasil, que beneficiasse o pequeno produtor rural e

os sem-terras, foi mais rápida na eliminação das esperanças daqueles que retiravam da sua

terra ou de terras alheias a sobrevivência de suas famílias.

Os lavradores, para demonstrarem a fertilidade do solo e para realizar uma

propaganda positiva do espaço que habitavam, realizaram festas denominadas feira de

amostras. Nestas feiras, os produtos expostos destacavam-se por apresentarem tamanhos

geralmente maiores ou tinham um peso superior ao de outros produtos da mesma espécie,

escolhidos pelos lavradores.

Uma feira de amostra realizada em 1970 serviu para amenizar a imagem negativa

provocada por um fato, que a população de Tangará da Serra denominou de febre.

Para os componentes das famílias de lavradores, o ano de 1970 foi o tempo da febre ,

muitas famílias tiveram sua composição alterada, morreram adultos e muitas crianças, mas

não diminuiu a esperança do lavrador em conquistar um futuro melhor e produzir mais vida.

A vida não parou, a migração continuou, outras famílias vieram reocupar o vale do Sepotuba,

novas derrubadas foram realizadas, aumentaram as lavouras de café, a criação do gado até a

chegada da agricultura mecanizada, produzindo, não mortes, mas a expulsão do homem do

campo para outro campo ou cidade, em outra região de fronteira, nesta Amazônia, que se

reconstrói dia-a-dia.

Quando as famílias estavam a caminho de Tangará da Serra, para chegar no espaço em

que iriam residir, tiveram que transpor a Serra do Tapirapuã, ambiente representado, no final

do século XIX, pelo padre salesiano Nicolau Badariotti. É de Badariotti o primeiro registro

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escrito de todos os tempos sobre a representação da Serra do Tapirapuã do final do século

XIX.

A Serra do Tapirapuã e o seu planalto vão ser representados por Badariotti como

sertão, um lugar pouco habitado, longe da civilização, que, em vários momentos de sua

viagem, ao olhar para trás, vivia momentos nostálgicos. No século XIX , os viajantes

consideram Mato Grosso um lugar longínquo, referindo-se especialmente aos núcleos

urbanos principais, como Cuiabá, Cáceres e Corumbá. Desta forma, podemos analisar quanto

o platô do Tapirapuã era imaginado distante do litoral, a paisagem cultural considerada

civilizada.

Todo o espaço palmilhado por Badariotti, depois da Serra do Tapirapuã, foi

tradicionalmente território do povo indígena Paresí. Os Paresí representam o ambiente como

espaço mítico, onde a Serra do Tapirapuã constituía-se em marco divisório de suas terras com

outros povos indígenas.

As representações do ambiente realizadas pelas famílias migrantes ao chegarem em

Tangará da Serra, aproximam-se de Badariotti; o espaço era considerado como “sertão”,

desprovido de tudo, a Serra do Tapirapuã, local de medo, de perigo. Esse medo e também a

representação de lugar, isolado de todos e de tudo, é mais evidente no período das chuvas,

que, de acordo com algumas pessoas que habitaram a região a partir das décadas de sessenta

e setenta, precisamente duravam seis meses, iniciando-se as chuvas geralmente no mês de

outubro.

O medo que impera é especialmente o do desconhecido, o de refazer a vida, mesmo

que isso já tenha acontecido outras vezes. O medo é de elementos que povoam a mente

humana, como malefícios de um lugar habitado por bichos e índios, por assombrações que

pudessem se fazer mais presentes em um ambiente pouco habitado.

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Ter superado o medo dos primeiros tempos é garantia da identidade do pioneiro. Para

muitas famílias migrantes, o título de pioneiro só cabe a quem sofreu nos primeiros tempos, a

quem molhou a terra com o suor, quem fez da floresta uma grande lavoura; de quem, um dia,

quis voltar para sua terra de origem ou procedência, mas que não voltou e ainda foram

agentes da propaganda da esperança para muitos, ao escrever cartas aos parentes, falando do

lugar ou convencendo pessoas que acompanhavam os corretores na compra de terras, na mata

da poaia.

A mata da poaia, quadriculada desde o século XIX por homens e mulheres, continuou a

oferecer, por quase um século, a sobrevivência de muitos. O medo e os perigos relatados

pelos poaieiros do século XIX configuravam-se posteriormente na memória dos novos

poaieiros; a mata fértil, mesmo sem a poaia, continuava a existir e a produzir muitos sonhos e

esperança para muitos. A principal esperança era ver a mata substituída por plantações e que

essas pudessem trazer um futuro melhor para os seus descendentes.

O contato com a mata ciliar do Sepotuba e de seus afluentes fez com que várias

famílias pudessem organizar-se neste território, aprimorando ou construindo novas práticas de

vida, representadas por elas como um tempo de dificuldades, mas que foi bom, embora lucro

esperado não se tenha efetivado.

As famílias, ao reocuparem o planto do Tapirapuã, tinham a certeza de que iam

encontrar índios neste ambiente e, ao verbalizarem considerações sobre o povo indígena,

imperava nos seus discursos preconceito e etnocentrismo. O migrante sabia que a Chapada

dos Parecis, representada por eles como uma nuvem azul, era a morada de muitos índios.

Os Paresí, além das referências do Marechal Cândido Rondon, também foram

representados por Nicolao Badariotti, pelo professor paraguaio Max Schimidt e pelo professor

de Antropologia do Museu Nacional, Roquette-Pinto. Todos descreveram a fauna e a flora da

Chapada dos Parecis e realizaram vários estudos sobre o povo Paresí.

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Desta forma, concluí-se que o Platô do Tapirapuã e a Chapada dos Parecis devem ser

considerados como espaço de índios, de poaieiros, de expedicionários e de famílias migrantes,

ou seja, região de fronteira étnica, local em que índios e não-índios disputam espaço, onde

frente pioneira e frente de expansão entram em conflito, mesmo que aparente, na busca pela

terra.

Outro aspecto a ser concluído é o de que um mesmo ambiente pode ser alvo de várias

representações. O planalto do Tapirapuã, para os Paresí, era um lugar mítico, para os

poaieiros, espaço de exploração de recursos naturais, para os expedicionários, lugar habitado

por seres curiosos e para as famílias migrantes, lugar de trabalho, de produção de riquezas.

Podemos afirmar que diferentes atores que compartilham a mesma paisagem

constroem suas próprias representações sociais, ao contrário do que sugeriu Durkheim, de que

as representações são dadas e são um dado anterior ao indivíduo. As representações, mesmo

partindo de um princípio inicial, são constantemente elaboradas e reelaboradas ao longo da

história, sempre na perspectiva do observador e do ator da ação sobre o mesmo ambiente.

Mesmo trazendo informações do seu local de origem, de como agir frente a determinadas

situações, acontecem novas reordenações das percepções diante do novo ambiente.

Contudo, além de proporcionar leituras das diversas representações analisadas, esta

dissertação também se construiu no campo metodológico da micro-história, pois o universo

da família foi analisado na perspectiva de se entender o processo de ocupação capitalista da

região Centro-Oeste do Brasil. O trabalho com a micro-história se fez presente também,

porque foram incorporados, na construção do corpo principal da narrativa, os procedimentos

da pesquisa, as limitações documentais e as construções interpretativas.

Esta dissertação, além de proporcionar e legitimar uma narrativa histórica sobre este

espaço social, que é Tangará da Serra, foi, em sua construção, que fontes cartoriais, paroquiais

e orais referentes ao espaço foram, em momento ímpar, lidas, cruzadas e analisadas.

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A historiografia de Mato Grosso é ampliada com este estudo inédito da região

sudoeste do Estado. Entretanto, não se tem a pretensão de findar a discussão destes ambientes

trilhados por índios, expedicionários, poaieiros, lavradores, dentre outros, e, sim, fazer um

convite à pesquisa histórica, pois há muitas representações a serem lidas e analisadas neste

espaço de fronteira, em que o hibridismo cultural se faz presente.

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

1 - FONTES

Arquivos

Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso

Lei n° 3.155 – Ratifica a Lei 2.906, de 06 de janeiro de 1969, que criou o distrito de Tangará

da Serra. – Cuiabá: Assembléia Legislativa, 3 dez. 1971.

Arquivo Público do Estado de Mato Grosso

DIÁRIO DE CUIABÁ, ano VIII, nº 1868, Cuiabá, 25 maio 1976.

DIÁRIO DE CUIABÁ, ano VIII, nº 1963, Cuiabá, 17 set. 1976.

DIÁRIO DE CUIABÁ, ano VIII, nº 1970, Cuiabá, 25 set. 1976.

DIÁRIO DE CUIABÁ, ano VIII, nº 1963, Cuiabá, 12 nov.1976.

DIÁRIO DE CUIABÁ, ano VIII, nº 2020, Cuiabá, 28 nov. 1976.

FOLHA MATOGROSSENSE, ano X. nº 1160. Cuiabá, 27 maio 1970.

FOLHA MATOGROSSENSE, ano X. nº 1162. Cuiabá, 31 maio 1970.

JORNAL O ESTADO DE MATO GROSSO, ano XXXI , nº 5.612. Cuiabá, 06 jan. 1970.

JORNAL O ESTADO DE MATO GROSSO, ano XXXI , nº 5.704. Cuiabá, 06 maio 1970.

JORNAL O ESTADO DE MATO GROSSO, ano XXXI, nº 5.724. Cuiabá, 30 maio 1970.

JORNAL O ESTADO DE MATO GROSSO, ano XXXVIII, nº 7.359. Cuiabá, 25 maio 1976.

DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE MATO GROSSO. Governo desapropria 6 mil hectares

e beneficia 360 famílias. Cuiabá, 02 set. 1988. N.º 20.018. Ano XCVIII.

MENSAGEM do Presidente de Estado D. Aquino Corrêa, dirigida à Assembléia Legislativa,

em 07 de setembro de 1919.

MENSAGEM do Presidente de Estado Pedro Celestino Corrêa da Costa, dirigida à

Assembléia Legislativa, ao instalar-se a sua 2ª sessão ordinária da 12ª Legislatura, em 13 de

maio de 1922.

MENSAGEM do Presidente de Estado Pedro Celestino Corrêa da Costa, dirigida à

Assembléia Legislativa, ao instalar-se a sua 3ª sessão ordinária da 12ª Legislatura, em 22 de

maio de 1923.

TRIBUNAL DE CONTAS, Coletoria de Barra do Bugres - MT - 1961.

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Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro

RONDON, Cândido Mariano Silva. Índios do Brasil: do centro ao noroeste e sul de Mato

Grosso. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, Conselho Nacional de Proteção aos Índios.

Publicação nº 97, 1944.

Arquivos Particulares

• Atas

LIVRO DE ATAS, Associação Tangaraense de Auxílio ao Indigente. (ASTAI) - atas de 28 de

set. 1973 a 19 de jan. 1975.

• Cartas

CARNEVALI, Américo. Em carta para o autor. Uberlândia (MG), 23 out. 2001.2 f.

NODARI, José. Carta para Silvio Paternez. Barra do Bugres (MT), 24 jul. 1966. 1.f

OSVALDA, Irmã. Em carta para o autor. São Miguel do Oeste (SC). 16 jan. 2001. 6 f.

PEREIRA, José Egberto. Em carta para o autor. Bom Jesus do Itabapoana (RJ), 13 nov. 2000.

6.f.

SOUZA, José Luiz de.Carta para Elita. Bom Jesus (MG), 22 nov. 1981.1f.

• Jornais

DIÁRIO DE CUIABÁ, ed. 9909. Cuiabá, 01 abr. 2001. .

JORNAL DIÁRIO DA SERRA, 5 out. 2000.

JORNAL A FOLHA DE TANGARÁ, Ano I nº 1 a Ano 2 nº 54. Tangará da Serra - 1974 a

1975.

JORNAL A FOLHA DE NOVA OLÍMPIA, de 8 a 15 de nov. 1994 - Ano I, n.º 09

JORNAL A RAZÃO. Nº 1. Tangará da Serra, 12 de abr. 1975.

JORNAL TRIBUNA DE TANGARÁ, 11 maio 1991.

JORNAL TRIBUNA DE TANGARÁ, 6 abr. 1998.

JORNAL VANGUARDA DE TANGARÁ DA SERRA. Especial p.6-11 [s a].

• Mapas

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NONOYA FILHO, José. et. al. Novo mapa de Minas Gerais: político, rodoviário e

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SILVA, Darwin Monteiro da. Planta Cadastral de Barra do Bugres, Arenápolis e Cáceres.

Cuiabá, 1960. 1 mapa, n.º 226; Escala 1: 250. Manuscrito.

• Projeto Arquitetônico

CARVEVALI, Américo. Projeto Arquitetônico de Tangará da Serra. Empreendimento da

Cita - Companhia Imobiliária Tupã para Agricultura.

• Revista

PERFIL, Administrações Estaduais 1980 - Centro - Oeste. Número 11, 1980.

• Recenseamento

KUNRAHT, José Aleixo. Recenseamento. Prelazia de Diamantino - Reitoria de Tangará -

Núcleo do Interior. 1966

• Textos Anônimos

TRÊS Casinhas e uma igreja de tábua. Tangará da Serra [197?].

SOLIDÃO Atemorizante. Tangará da Serra [197?].

• Trabalhos acadêmicos

HIRAI, Lieci A S. Entrevista com Eva Maria de Souza. Tangará da Serra, 1997. Trabalho de

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Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

MACHADO, Sônia Chiarato, Entrevista com Maria José Togno. Tangará da Serra, 1997.

Trabalho de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia,

Faculdade de Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

SILVA, Rosamaria Freire. Conhecimentos sobre Tangará da Serra. 1997. Trabalho de

Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de

Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

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Pedagogia, Faculdade de Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

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_________. Entrevista com Armindo Barbosa da Costa. Tangará da Serra, 2001. Trabalho de

Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de

Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

_________. Entrevista com Maria Benoilza Alves da Silv a. Tangará da Serra, 2001. Trabalho

de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia, Faculdade de

Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

UREL, Neide Aparecida Herrera. Entrevista com Lindalva Dantas Porfíro. Tangará da Serra,

1997. Trabalho de Graduação. (Metodologia do Ensino de Ciências Humanas) - Pedagogia,

Faculdade de Educação, Instituição Tangaraense de Ensino e Cultura.

Serviço Notarial e Registral de Nova Olímpia - MT

• Livro de Registro de Casamentos 1964 a 1979.

• Livro de Registro de Nascimentos 1964 – 1979.

• Livros de Registro de Óbitos 1964 a 1979.

Serviço Notarial e Registral de Progresso - MT

• Livro de Registro de Casamentos - 1979.

• Livro de Registro de Nascimentos - 1979.

• Livros de Registro de Óbitos - 1979.

Serviço Notarial e Registral de Rosário Oeste - MT

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Fundação Cândido Rondon

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Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

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• Censo Demográfico de 1970. Mato Grosso.

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• O Brasil em números. Apêndice do Anuário Estatístico do Brasil - 1960.

• PMACI - Projeto de Proteção do Meio Ambiente e das Comunidades Indígenas.

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• DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE MATO GROSSO - Lei 2906, de 06 jan.1969,

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• DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE MATO GROSSO - Lei 4.080, de 10 jul.

1979, cria o distrito de Progresso, no município de Tangará da Serra. Cuiabá, 1979.

• DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE MATO GROSSO - Lei 4.081 de 10 jul.1979,

cria o distrito de São Joaquim, no município de Tangará da Serra. Cuiabá, 1979.

• DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE MATO GROSSO - Lei 4.388, de 16 nov.

1981, cria o distrito de São Jorge, no município de Tangará da Serra. Cuiabá, 1981.

• DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE MATO GROSSO - Estatuto da Associação

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Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional - NDIHR

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MENSAGENS dos Governadores 1962 a 1965 . Rolo 10. NDIHR. Microfilme.

REVISTA BRASIL-OESTE. Ano 1956 a 1958. Rolo 59. NDIHR. Microfilme.

TRIBUNA LIBERAL. Julho a dezembro. 1964 a 1965. Título 87. Rolo 51.

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NDIHR. Microfilme.

TRIBUNA LIBERAL. Fevereiro a dezembro. 1966 a 1967. Título 87. Rolo 50.

NDIHR. Microfilme.

A CRUZ. Ano 1959 a 1960. Título 38. Rolo 43. NDIHR. Microfilme.

A CRUZ. Ano 1963 a 1969. Título 38. Rolo 45. NDIHR. Microfilme.

JORNAIS DIVERSOS. Período 1926 a 1966. Rolo 15. NDIHR. Microfilme.

Paróquia Nossa Senhora Aparecida - Tangará da Serra - MT

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REZENDE, José. Em entrevista ao autor. Nova Olímpia, 22 out. 2000.

SANTOS, Manoel Dias do. Em entrevista ao autor. Nova Olímpia, 22 out. 2000.

SAKUYOSHI, Uraci. Em entrevista para o autor. Tangará da Serra, 10 out. 2001.

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RODRIGUES, Maria Beazóli. Entrevista ao autor. Tangará da Serra, 11 maio 1991.

TAVARES, Hélio. Entrevista ao autor. Tangará da Serra, 23 maio 1991.

TORRES, Manoel. Entrevista ao autor. Tangará da Serra, 13 maio 1991.

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• Colonos na frente de um tronco de mogno, 1965.1 fot.17X11. Fotógrafo Desconhecido.

• Colonos em cima de uma figueira branca, 1965.1 fot.17X11. Fotógrafo Desconhecido.

• Feira de Amostras, 1960.1 fot.13X08 Cm. Fotógrafo Desconhecido.

• OLIVEIRA, Carlos Edinei de. Estudantes vestidos de índios. 1989. 1 fot.: color.; 9X12 cm.

• OLIVEIRA, Carlos Edinei de. Pedra Solteira. 2001. 1 fot..: color.; 9 X 15 cm.

*Acervo da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Tangará da Serra -MT

• Avenida Brasil – Tangará da Serra.

• Caminhões de Tora - Década de 70.

• Carroças puxando sacas de café – Década de 70.

• Primeira Igreja Católica de Tangará da Serra – MT – 1967.

• Vista aérea de Tangará da Serra - Início da década de 70.

* Acervo da Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Turismo de Tangará da

Serra - MT

• Aldeia do Rio Formoso – 2000.

• Índia Paresí – Aldeia Rio Formoso – 2000.

• Mirante da Serra do Tapirapuã – Tangará da Serra – MT – 2000.

• Pássaro Tangará – 2000.

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• Salto das nuvens – Tangará da Serra – MT – 2000.

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LUCAS, Hermes Silva e JUNQUEIRA, Fábio Martins. Hino de Tangará da Serra. São Paulo:

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