CAPÍTULO NOVE O DESPERTAR DA CIDADANIA A … · da emenda Dante de Oliveira em 2 de março de...

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Paulo Victorino CAPÍTULO NOVE O DESPERTAR DA CIDADANIA A CAMPANHA DAS "DIRETAS-JÁ" O "comício do milhão" no Rio de Janeiro foi causar um incidente político na distante África, mais precisamente em Marrocos, país que estava naquele momento sendo visitado pelo presidente Figueiredo e sua alegre comitiva. Ao ouvir um comentário do deputado Alcides Franciscato sobre o milhão de cariocas que foram às ruas exigir as diretas, Figueiredo teria dito: "E daí? Se eu estivesse lá, seriam um milhão e um..." Irrefletidamente, Franciscato, logo que pôde, passou essa frase aos jornalistas que acompanhavam a comitiva, certo de que tal revelação melhoraria a imagem do Presidente. Não melhorou e, de quebra, criou um tremendo problema ao deputado falastrão, que teve reunir a imprensa e desmentir tudo o que disse, para não ser desligado da comitiva. "Um, dois, três... quatro cinco mil... queremos eleger o Presidente do Brasil!" Durante meses, esse grito, por anos entalado na garganta, se ouve pelo país afora, entoado por milhões de brasileiros que, espontaneamente, vão às ruas exigir dos governantes que lhes devolvam o que lhes pertence, qual seja, o direito de gerir suas próprias vidas, que começa pelo direito elementar de conduzir, pelo voto, os destinos da Nação. Tudo começa timidamente, com uma ou outra manifestação isolada, até que explode nas ruas de forma incontrolável, com o povo arrancando a bandeira das mãos dos políticos e empurrando à sua frente a oposição e o governo, bem como

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Paulo Victorino

CAPÍTULO NOVE

O DESPERTAR DA CIDADANIA

A CAMPANHA DAS "DIRETAS-JÁ"

O "comício do milhão" no Rio de Janeiro foi causar um incidente

político na distante África, mais precisamente em Marrocos, país

que estava naquele momento sendo visitado pelo presidente

Figueiredo e sua alegre comitiva. Ao ouvir um comentário do

deputado Alcides Franciscato sobre o milhão de cariocas que foram

às ruas exigir as diretas, Figueiredo teria dito: "E daí? Se eu

estivesse lá, seriam um milhão e um..."

Irrefletidamente, Franciscato, logo que pôde, passou essa frase

aos jornalistas que acompanhavam a comitiva, certo de que tal

revelação melhoraria a imagem do Presidente. Não melhorou e, de

quebra, criou um tremendo problema ao deputado falastrão, que

teve reunir a imprensa e desmentir tudo o que disse, para não ser

desligado da comitiva.

"Um, dois, três... quatro cinco mil... queremos eleger o Presidente do

Brasil!" Durante meses, esse grito, por anos entalado na garganta, se ouve

pelo país afora, entoado por milhões de brasileiros que, espontaneamente, vão

às ruas exigir dos governantes que lhes devolvam o que lhes pertence, qual seja,

o direito de gerir suas próprias vidas, que começa pelo direito elementar de

conduzir, pelo voto, os destinos da Nação.

Tudo começa timidamente, com uma ou outra manifestação isolada, até que

explode nas ruas de forma incontrolável, com o povo arrancando a bandeira das

mãos dos políticos e empurrando à sua frente a oposição e o governo, bem como

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todos os meios de comunicação, no início refratários ao movimento. Não há

como ficar parado. É caminhar, ou ser esmagado pela multidão.

Todos os expedientes são tentados pelo governo para deter as aspirações

populares, com o enxerto de agentes duplos no palanque ou com a pífia tentativa

de atribuir essas manifestações a comunistas e revanchistas.

Finalmente, tenta-se outra forma de intimidação, com a implantação do

estado de emergência em Brasília, às vésperas da votação, impedindo a entrada

de manifestantes e censurando o noticiário do rádio e da televisão, punindo

quem ousasse transmitir notícias, mesmo por telefone, sobre o que acontecia na

capital federal.

A discussão da mudança constitucional é iniciada com a apresentação

da emenda Dante de Oliveira em 2 de março de 1983. A primeira

manifestação pública de que se tem registro acontece em Goiânia-GO, em

15 de junho de 1983, por iniciativa do PMDB, reunindo perto de 3 mil

pessoas.

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Em seguida há outros pequenos encontros em vários pontos do país,

envolvendo PMDB, PT, PDT e PTB. O pequeno veio d’água vai recebendo

afluentes e acaba se transformando num rio caudaloso que deságua em Brasília,

onde, em 25 de abril de 1984, é votada a emenda constitucional.

Lembrar a campanha das Diretas-Já emociona e é muito difícil manter-se

neutro diante dos acontecimentos. O Brasil é pobre de movimentos populares.

Todos eles são dirigidos de cima para baixo. A população é incentivada a

participar, mas contida dentro de certos limites, estabelecidos pelos

organizadores. Salvo raras e honrosas exceções, a regra geral é que "o povo

entra na História [e sai dela] pela porta dos fundos".

Vox populi, vox Dei

A campanha das Diretas é diferente da rotina e foge totalmente do controle

de seus mentores, que deixam de ser agentes para transformarem-se em

pacientes. O povo torna-se o agente, que abre o caminho aos políticos, levando

a todos de roldão.

Esse histórico movimento põe à mostra a fragilidade do poder central neste

instante, o qual sente-se impossibilitado de conter o movimento pelas leis

vigentes, sendo obrigado a usar táticas de guerra, como a desinformação e a

intimidação, quando não, é levado a apresentar justificativas estapafúrdias.

Como, por exemplo, a declaração do general Costa Cavalcanti,

presidente da Eletrobrás, de que era contra as eleições diretas porque elas

não estavam previstas na Constituição. Mas que irracionalidade, emendas

constitucionais existem justamente para alterar a Constituição!

As Diretas-Já tem um apresentador, Osmar Santos, que controla as

massas como um hábil regente dirige uma orquestra; tem sua musa, a atriz

Cristiani Torloni, rodeada por um séquito de outras belas atrizes da televisão,

do cinema e do teatro; tem sua música, "Caminhando", de Geraldo Vandré

(vem, vamos embora, que esperar não é saber; quem sabe faz a hora, não

espera acontecer); tem sua cor, o amarelo, escolhida pelo editor Caio Graco

Prado, da Editora Brasiliense.

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Tem um cronista, o jornalista Ricardo Kotscho, que começou repórter mas

foi, aos poucos, perdendo a isenção, atirando-se de corpo e alma na narrativa

apaixonada dos acontecimentos; tem um jornal, a Folha de S. Paulo, que entra

com fé e orgulho no movimento; tem até uma caloura, a adolescente Fafá de

Belém, que, pela primeira vez, participa de um movimento popular, se

entusiasmando e se emocionando a todo o momento; e tem um calouro, o

cacique-deputado Mário Juruna, que trocou a borduna pela palavra;

Tem até seus espadachins, Ulisses Guimarães, Lula e Doutel de

Andrade, apelidados de "Os Três Mosqueteiros"; tem a participação maciça

de artistas ("todo artista vai aonde o povo está..."); tem, principalmente o povo,

saturado de 20 anos de regime militar, que sente renascerem suas esperanças

de um Brasil melhor.

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A sociedade civil está presente, representada pelos suas mais expressivas

entidades, e pelas suas figuras mais proeminentes. Nos palanques é possível

encontrar, de mãos dadas, Chico Buarque e Caetano Veloso; o jurista

Sobral Pinto e o historiador Hélio Silva; o apresentador Abelardo Barbosa

(Chacrinha) e o cacique-deputado Mário Juruna.

Politicamente, o movimento consegue acuar o presidente da República no

Palácio do Planalto, enquanto no partido governista há uma debandada de

políticos, muitos deles com voto no parlamento, não querendo comprometer seu

futuro ao colidir de frente com o eleitorado.

O velho coronel das Minas Gerais, Magalhães Pinto, perguntado sobre se

estava em cima do muro, responde, enigmático: "Sim, eu estou, mas o muro

está andando..." (No dia da votação, Magalhães Pinto esquivou-se, faltando à

sessão em que deveria votar pelo sim ou pelo não. O muro andou e chegou ao

seu destino, mas ele não desceu...)

Magalhães Pinto (ao centro). O muro andou e ele não desceu

Non ducor duco. As diretas, afinal, não são aprovadas, mas a nação

aprende a conduzir e não ser conduzida. O governo fica na defensiva. O

presidente Figueiredo tenta coordenar o processo sucessório, impondo seu

candidato, coronel Mário Andreazza, mas não consegue. Sua autoridade

sofrera um abalo com danos irrecuperáveis, não sendo ouvido pelos inúmeros

postulantes do próprio partido. Havia muito cacique pra pouco índio...

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O PDS, que deveria chegar uno às eleições, racha ao meio e a oposição

ganha novos adeptos, elegendo o presidente da República mesmo por via

indireta. E elege um civil, não um militar como desejava Figueiredo.

Ninguém consegue controlar um povo que, a partir de certo momento, resolve

traçar por si, o seu próprio futuro. As velhas raposas políticas aninhadas no PDS

se esqueceram disso. O presidente Figueiredo também ignorou essa verdade

elementar e fracassou. Fracassou e perdeu seu lugar de destaque na História, e

esteve perto de consegui-lo.

Vai-não-vai

O movimento das Diretas-Já começou como um balão que sobe, mas, a certa

altura, fica indeciso quanto ao caminho a seguir. Depois, embalado pelos ventos,

lá se vai, em direção ao céu infinito.

O primeiro grito pelas Diretas se ouviu em Goiânia, a 15 de junho de

1983, três meses e meio após a apresentação da emenda Dante de Oliveira.

No dia 26 do mesmo mês, Ulisses Guimarães realiza um ato público em

Teresina-PI. Em Pernambuco, o primeiro comício, em 12 de agosto, reúne

vários partidos da oposição, com a presença destacada de Teotônio Vilela.

Em Cleveland-EUA, onde se encontra (às nossas expensas e acompanhado do

séquito) colocando pontes de safena e de mamária, o presidente Figueiredo

manda um recado em que admite eleições diretas, mas só para 1990.

Alguns governadores do PDS já ensaiam sua adesão, como Roberto

Magalhães, de Pernambuco, seguido, pouco depois, por Esperidião Amim, de

Santa Catarina. O vice-Presidente, Aureliano Chaves, não adere, mas faz chover

no molhado, ao reconhecer a soberania do Congresso para cuidar do assunto.

O que se segue daí até novembro é uma cortina de fumaça, montada pelo

governo federal, para dizer que não é a favor e nem contra, muito pelo contrário...

O chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu acha que o assunto pode ser

negociado; o ministro Danilo Venturini adverte que a negociação precisa ser

ampla e não envolver apenas um dos lados. É o óbvio.

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Já o coronel Mário Andreazza, ministro do Interior e o preferido da corte

para a sucessão, protesta: "O presidente Figueiredo não faria essa tolice..." Mas

o ministro da Marinha, almirante Maximiniano da Fonseca, diverge do bloco,

manifestando-se claro e incisivo: "Só o Congresso é que pode mudar. Que mude

e faça as eleições diretas!"

Em novembro, o presidente Figueiredo, recuperado do susto com a operação

("me abriram como um frango assado", disse ele) viaja para a África e, em Lagos

(Nigéria) declara que ele, pessoalmente, é favorável às diretas, mas o PDS não

as quer. É um blá-blá-blá que não acaba mais.

Pacaembu é considerado

o marco inicial

Mas o que se considera como o marco inicial da campanha é o comício

programado pelo PT para 27 de novembro de 1983, na praça Charles Müller,

em frente ao Estádio Municipal do Pacaembu, em São Paulo. Foram convidados

os outros partidos políticos e entidades representativas da sociedade civil,

entretanto, vários atos falhos comprometeram o sucesso.

Pacaembu, o marco inicial

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Primeiro: por ser iniciativa isolada de um partido, os demais se mostraram

arredios, pois ninguém põe azeitona em empada alheia. Empreendimentos

dessa natureza carecem de uma organização conjunta para cuidar dos detalhes

e evitar o radicalismo sectário, que acaba comprometendo a essência do

movimento.

Segundo: marcada a data, descobriram que, nesse mesmo dia 27 de

novembro, domingo, se realizaria outra concentração, na praça da Sé,

protestando contra a presença de soldados americanos na Nicarágua. Um dos

comícios precisaria ser suspenso, mas os dois lados optaram pela pior solução:

juntar os dois movimentos em um só e fazer uma única concentração no

Pacaembu.

Então, naquela tarde de domingo, um grande palanque foi montado no

Pacaembu para o comício das diretas, mas, sobre ele, uma faixa também dizia:

"Ianques, tirem as patas da Nicarágua!"

É claro que não podia dar certo. Os jornais e a mídia eletrônica noticiaram

com destaque o fato e o governo não deixou por menos, insinuando a origem

espúria da manifestação.

De resto, apesar da propaganda e da quermesse que o PT instalou nas ruas

vizinhas, não chegaram a comparecer à concentração sequer 15 mil pessoas,

desanimando a oposição e dando alento aos governistas, estes últimos

acreditando que o movimento começava a declinar.

A morte de Teotônio Vilela

A data de 27 de novembro de 1983, de fato, marcou não uma, mas duas

tristes coincidências. A primeira, foi o fracasso do comício Diretas-Nicarágua,

que nem chegou a ser pelas diretas, nem tampouco pela Nicarágua invadida

pelos ianques. A segunda foi a morte de um dos baluartes da democracia,

Teotônio Vilela, o menestrel das Alagoas.

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Teotônio Vilela vinha defendendo um novo Brasil desde os tempos em que

era governista, divergindo de seus companheiros da Arena. Durante o governo

Geisel, por iniciativa própria, viajou pelo país inteiro e, de seus contatos, criou o

Projeto Brasil, oferecendo-o como contribuição ao governo. Não foi levado a

sério.

Depois, na segunda e mais perigosa greve do ABC, foi ele que, com Fernando

Henrique Cardoso, serviu de intermediário entre polícia e grevistas, atuando

desesperadamente para evitar um confronto entre as duas forças.

Lançadas as primeiras consultas sobre a emenda constitucional, também foi

ele que serviu de porta-voz das diretas, mantendo contatos, recolhendo opiniões

e encaminhando a coordenação do assunto que, como vimos, resultou na

apresentação da emenda Dante de Oliveira.

Marcado pela fatalidade, o comício de 27 de novembro, com o nascimento

das diretas, foi interrompido para o anúncio da morte do grande líder, vitimado

por um câncer que, após luta feroz, tornou-se mais forte que ele.

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Em Curitiba, um incidente

Somente em 12 de janeiro de 1984 se registra outra manifestação digna de

nota, desta vez organizada em conjunto por todos os partidos de oposição. O

encontro se deu na cidade de Curitiba-PR e contou com a presença de mais de

50 mil pessoas, inclusive do governador José Richa.

Mas os defensores das Diretas ainda tinham muito que aprender e, em sua

ingenuidade, deixaram-se envolver em um incidente que poderia ter trazido

consequências fatais.

Em certo ponto do comício, chega ao local o "deputado argentino” Juan

Carlos Quintana, dizendo-se representante de Raul Alfonsin, recém

empossado na presidência da República Argentina, primeiro presidente

civil após a desastrada Guerra das Malvinas, que alijou os militares do

poder. Era um apoio de peso e, assim, o “deputado" é introduzido ao palanque

e tem oportunidade de transmitir o apoio argentino à campanha das diretas.

Foi um prato cheio para a mídia, que repercutiu o assunto com todo vigor.

Foi, também, um achado para o governo, que se manifestou pelos porta-vozes

de plantão para reafirmar a existência de forças externas na campanha,

comprometendo a soberania nacional.

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Com mais vagar, investigou-se depois na Argentina a procedência de tal

"deputado" para descobrir o que se desconfiava: jamais existiu na Argentina

um parlamentar com o nome de Juan Carlos Quintana e em momento

algum o presidente Alfonsin mandou qualquer representante ou

mensagem aos organizadores do encontro de Curitiba. O tal Quintana não

passava de um agente duplo, infiltrado no comício para criar um clima de

desestabilização.

O estrago, a essa altura, já estava feito. Melhor, entretanto, que tal fato

ocorresse logo no início da campanha, pois foi possível ativar os sensores do

alarme, evitando que outros incidentes, por certo mais graves, fossem

provocados no futuro.

Em São Paulo, o

comício-monstro

O primeiro grande teste viria a ser a concentração marcada para a praça da

Sé, em São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, data do aniversário da cidade.

São Paulo é o município de maior população do Brasil e seu governador,

Franco Montoro, um dos grandes líderes da oposição. Assim, o sucesso ou

fracasso desse encontro seriam decisivos para as concentrações futuras em

outras partes do país.

Como já se disse, a imprensa – com exceção da Folha de S. Paulo – e a

mídia eletrônica de uma forma geral, procuravam ignorar a campanha das diretas

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e, quando se referiam a ela, era para registrar opiniões contrárias ou pôr

objeções. O jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo, alguns dias antes,

publicou matéria especial discorrendo sobre o perigo das grandes concentrações

e o risco de as lideranças perderem o controle sobre o público, provocando uma

tragédia pela qual tais líderes seriam responsabilizados

Dando uma pequena ajuda, por meios não muito ortodoxos, o governo do

Estado e a Prefeitura liberaram as catracas dos transportes públicos (ônibus e

metrô) facilitando a movimentação das pessoas. Para atrapalhar, entretanto,

uma chuva fina e intermitente caia desde a manhã e se prolongaria pelo dia e a

noite.

Acreditava-se na possibilidade de reunir umas 50 mil pessoas na praça da

Sé, mas os resultados superaram a expectativa. Em certo momento, a presença

era estimada em mais de 100 mil pessoas. Por outro lado, considerando que o

showmicio começou lá pelas duas horas da tarde e se prolongou até umas nove

da noite, e calculando a rotatividade do público, pode-se estimar que, de início

ao fim, passaram pela praça cerca de 400 mil pessoas. Era a consagração!

Contrariando as Cassandras, esta manifestação, como de resto, todas elas,

por toda a parte do país, transcorreram em clima de ordem, entusiasmo e alegria

e em nenhum momento as lideranças perderam o controle da situação. A

calmaria irritava o governo; democracia incomoda um bocado...

À noite, a Rede Globo anunciava o acontecimento, dizendo que perto de 100

mil pessoas compareceram às "festividades do aniversário de São Paulo".

Sobre as Diretas, o silêncio continuava total. A mídia permanecia neutra, mas

não conseguiria manter essa posição por muito tempo.

O movimento no Rio de Janeiro

É verdade que o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, não aderiu

tão rapidamente à campanha das diretas. Vale dizer, também, que a

aproximação das várias lideranças para um trabalho conjunto não foi muito fácil.

O comício que deveria ser realizado em 21 de março de 1964 no Rio de

Janeiro foi transformado em passeata, na qual o governador não compareceu.

Ainda assim, 200 mil pessoas desfilaram desde a Candelária até a Cinelândia,

acompanhados pelo senador Nelson Carneiro, Lula, Luís Carlos Prestes e

vários outros políticos.

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Brizola em breve se convenceria que Diretas é bom pra tosse e não tem

contra-indicações. Organizou e participou de grandioso comício na avenida

Presidente Vargas, com um público estimado em mais de um milhão de

pessoas. Como em outras tantas concentrações, lá estava novamente o

cacique-deputado Mário Juruna, um calouro entusiasmado com a campanha e

que, sempre que podia, acompanhava as caravanas por este Brasil afora.

O "comício do milhão" no Rio de Janeiro foi causar um incidente na distante

África, mais precisamente em Marrocos, país que estava naquele momento

sendo visitado pelo presidente Figueiredo e sua alegre comitiva. Ao ouvir um

comentário do deputado Alcides Franciscato sobre o milhão de cariocas que

foram exigir as diretas, Figueiredo teria dito: "E daí? Se eu estivesse lá, seriam

um milhão e um..."

Irrefletidamente, Franciscato, logo que pôde, passou essa frase aos

jornalistas que acompanhavam a comitiva, certo de que tal revelação melhoraria

a imagem do Presidente. Não melhorou e, de quebra, criou um tremendo

problema ao deputado falastrão, que teve de desmentir tudo o que disse, para

não ser desligado da comitiva.

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Minas Gerais, ainda que tardia

Tal como Leonel Brizola, também o governador Tancredo Neves relutou

um pouco em arregaçar as mangas e trabalhar em favor das Diretas-Já. Não

compareceu às concentrações, especialmente a de São Paulo, em 25 de janeiro,

quando poderia expor suas convicções a 100 mil pessoas. Apenas prometia que,

no devido tempo, Minas Gerais também teria seu comício.

E teve. Foi em 25 de fevereiro de 1984, em Belo Horizonte, e reuniu 300

mil pessoas, num universo populacional de 2 milhões. Foi um número

respeitável e mostrou que Minas Gerais não estava alheia à campanha.

Conta Ricardo Kotscho, o cronista das Diretas:

"Mais de 300 mil pessoas tomaram a praça Rio Branco, em

frente à rodoviária, subindo um quilômetro pela avenida Afonso

Pena, até o Parque Municipal de Belo Horizonte, ocupando as ruas

transversais, acotovelando-se nas janelas dos prédios, na maior

manifestação cívica de Minas Gerais e do Brasil, como proclamou

o governador de São Paulo, Franco Montoro, em seu discurso." (...)

"A democracia é sempre uma festa, bancos fechados logo

depois do almoço, repartições públicas dispensando seus

funcionários. Quem haveria de querer ficar de fora, ouvindo o

barulho que vinha das ruas, despertando a todos? (...)

"Uma professora septuagenária, Ana Coaraci, que há 52 anos

participou da campanha que deu direito de voto à mulher, uma data

festejada ontem, disse com voz firme: ‘Hoje a mulher vem exigir o

direito de votar para presidente da República. Queremos um

Presidente que faça o mundo inteiro saber que o Brasil é dos

brasileiros.’

"O comício chega a seu ponto culminante, mas quem assume

tudo é a atriz Bruna Lombardi: ‘O que está acontecendo hoje aqui

é a vitória." O ator Raul Cortez critica o ministro da Justiça Abi Akel

pelos processos instaurados ultimamente, com base na Lei de

Segurança Nacional: ‘Que gente é essa que tem medo de artistas,

de intelectuais? Nós continuaremos até o fim, juntos."

"Aquela história de que mineiro trabalha em silêncio acabou. Foi

um barulho danado, bonito demais."

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Em São Paulo, um milhão

e meio nas ruas

A bola da vez volta a São Paulo. Em 16 de abril de 1984, uma enorme

passeata sai da praça da Sé, andando em direção ao vale do Anhangabaú.

Andando é força de expressão, pois os dois logradouros são próximos. Na

prática, o que ocorreu foi um enorme congestionamento humano, que tenta se

deslocar de um ponto a outro pelas ruas estreitas do centro, passando pelo

viaduto do Chá e chegando até o vale, um ponto de ligação entre as radiais que

levam à zona Sul e à zona Norte da capital.

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Pela contagem da Polícia Militar, confirmada com outras avaliações feitas

pela imprensa, cerca de um milhão e meio de manifestantes participaram desse

aglomerado, num universo de 10 milhões de habitantes. Não é um número

desprezível, se considerarmos que, desta vez, nenhuma ajuda de transporte foi

concedida e as pessoas se deslocaram espontaneamente, como puderam.

Ricardo Kotsho registra o inusitado:

"A chuva de verdade, agora parou um pouco. O sol arrisca

vencer as nuvens escuras, uma professora, Maria Isabel

Rodrigues, passa feliz da vida com seu cachorro Zumbi, na coleira,

vestido de amarelo como ela. ‘Ele foi em todas as passeatas dos

professores, agora tem o direito de passear pelas diretas, também’

"Passa o cachorro, aparece um burro, um burro mesmo, desses

de orelha grande – com uma manta em que se lê: ‘Gosto do cheiro

de burros, mas prefiro as diretas. ’ O nome do burro, segundo o

contador Roberto Botaccin, é Delfim. Ao lado do boneco de

Teotônio, uma caricatura de Maluf, tampando os ouvidos e

perguntando: ‘Passeata aonde?"

Uma proposta indecente

Neste ponto, nenhum dos jornais, rádios ou TVs podia mais ignorar os

acontecimentos. Nem a poderosa Rede Globo que, a reboque dos

acontecimentos, teve de aderir ao entusiasmo das multidões para não ficar

marginalizada.

Desde o início da campanha, contadas a grosso modo, mais de três milhões

de pessoas já tinham ido às ruas, nos quatro cantos do país, exigindo que a

emenda Dante de Oliveira fosse aprovada. Tudo na maior ordem e tranquilidade.

O presidente Figueiredo, que antes concordava com eleições diretas para

1990, agora fez uma pechincha: elas até que poderiam se realizar em 1988,

criando-se, então, um mandato-tampão de três anos, a contar de sua saída,

que ocorreria em 15 de março de 1985.

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Tal proposta até que era razoável. Por que, então, não foi aceita? De um

lado, pela falta de credibilidade de quem a propôs. Desativada a vitoriosa

campanha das Diretas, como garantir que, três anos depois, a promessa

seria cumprida? De outro, porque suspeitava-se que o tal mandato-tampão

seria preenchido pela prorrogação do mandato do próprio Figueiredo. E é

óbvio que, em 1988, recompostas as forças da situação, seu sucessor seria

um militar, eleito por via indireta.

O certo, mesmo, era continuar a campanha até o último momento, quando o

Congresso viesse a votar a emenda constitucional. Vem, vamos embora, que

esperar não é saber...

25 de abril de 1984, o dia “D”

Finalmente, transcorridos todos os trâmites legais, é marcada a primeira

votação, na Câmara de Deputados, para o dia 25 de abril de 1984. A condução

do processo é feita pelo senador Moacir Dalla, presidente do Congresso

Nacional (Câmara e Senado), ainda que a primeira votação, como

dissemos, só ocorra na Câmara.

Embora escolhida em função dos prazos regimentais, essa data traz uma feliz

coincidência: foi em 25 de abril que estourou a Revolução dos Cravos em

Portugal, quando a jovem oficialidade, recebida com flores pela população,

derrubou uma ditadura que já durava 40 anos.

Começa, em Brasília, a grande corrida em direção ao pódio. Os líderes da

campanha fazem contato direto com deputados que irão tomar tão importante

decisão. É um trabalho artesanal, corpo-a-corpo num esforço de convencimento.

Um grupo de atrizes de primeira linha se desloca para Brasília e passa

a visitar os parlamentares em suas próprias casas ou apartamentos,

procurando arrancar deles a palavra de que não trairão a vontade da nação

brasileira. É a novela das oito que sai da tela e passeia, ao vivo no lar de

cada um.

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O governo não está preparado para enfrentar democraticamente essa

avalanche e passa a tomar uma série de medidas, por meio de seus líderes no

Congresso, e utilizando de todos os recursos de que dispõe, desde a palavra,

até a aplicação de medidas excepcionais.

O senador Moacir Dalla informa que, até a votação da emenda, ficam

proibidas quaisquer manifestações, debates e reuniões no recinto do Congresso

Nacional (Senado e Câmara). Flávio Marcílio, presidente da Câmara Federal

toma idêntica medida, rebarbativa, pois o local é o mesmo, apenas as agendas

é que diferem.

José Sarney, presidente do PDS, telegrafa a todos os deputados do

partido, convocando-os a comparecer à histórica sessão para dizer "não".

O líder do partido na Câmara, Nelson Marchesan, mune-se para a batalha

retórica.

O presidente Figueiredo disse que não poderá haver eleições diretas em 1984

porque o Partido Comunista tem tamanha força que venceria as eleições. E

vocês já pensaram, a volta da democracia com os comunistas no poder?

Não explicou, porque não quis, que em toda História do Brasil, quando os

comunistas, direta ou indiretamente participaram das eleições, nunca obtiveram

mais de 10 por cento dos votos. E que, em 1945, lançaram candidato a

Presidente o desconhecido Iedo Fiúza, porque Luís Carlos Prestes não desejou

queimar seu nome, concorrendo à Presidência. E Prestes era ainda o Cavaleiro

da Esperança, um mito junto ao eleitorado.

Paulo Maluf não deixou por menos, ao destacar a quantidade de

bandeiras vermelhas presentes aos comícios, dizendo que a bandeira

brasileira é verde e amarela, explicação dispensável, porque todos já

sabiam disso...

Também ele não explicou, porque não quis, que as bandeiras vermelhas

encontradas no comício eram todas de partidos devidamente legalizados, com

direito a usar seu nome e seus símbolos. Aliás, tais bandeiras são brandidas até

hoje e não se sabe de nenhum caso em que elas, por si só, tenham se constituído

em ameaça à democracia brasileira.

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Brasília declara guerra ao Brasil

Neste ponto, o presidente Figueiredo, havendo perdido de todo a força do

convencimento, decidiu usar o convencimento da força: editou o Decreto 89.566,

de 19 de abril de 1984 (Quarta-feira Santa, por coincidência, dia do aniversário

de Getúlio Vargas, o ditador do Estado Novo), criando estado de emergência

em Brasília e em dez municípios de Goiás, vizinhos à Capital.

Não havia dúvidas de que, além de isolar Brasília da cidadania

extravasada nas manifestações públicas, a medida visava principalmente

constranger o Congresso, numa advertência do que poderia acontecer se

a emenda fosse aprovada.

A propósito, escreveu Newton Rodrigues, na Folha de S. Paulo do dia

seguinte:

"A verdadeira emenda de Figueiredo é o decreto 89.566, de

coação ao Congresso. Mussolini invadiu a Albânia em uma Sexta-

Feira Santa; o general-presidente preferiu a quarta-feira de trevas.

Também, pudera!"

Todo um plano de guerra foi traçado para evitar que Brasília fosse invadida

pelos brasileiros. Montado em seu cavalo branco, presente do general

Figueiredo, o general Newton Cruz (Nini, para os íntimos), comandante

militar do Planalto e da 11ª Região Militar, inspecionava as tropas de que

dispunha para executar o estado de emergência.

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Eram 6 mil homens, "no mais portentoso desfile de tropas de que se tem

notícia em Brasília", que saíram do Forte Apache (sede do comando) e

invadiram os gramados do eixo monumental, com carros de combate e apoio de

paraquedistas trazidos do Rio de Janeiro por avião, preparados para uma guerra.

Escreve Ricardo Kotscho:

"Que guerra? – perguntavam-se todos – Só se Brasília declarou

guerra ao Brasil. Sim, falava-se muito em guerra ontem em Brasília

e, por um desses mistérios do inconsciente coletivo, remetia-se a

imaginação à Argentina, ao trágico episódio em que os militares de

lá declararam guerra à Inglaterra. Ao apear do cavalo branco e

ajudar algumas criancinhas a montar nele, afável, sorridente, para

pouco depois pronunciar sua ordem do dia aos berros – ‘voz de

comando cumpre-se, não se discute’ – o general executor Nini

lembrava o general Leopoldo Galtieri, que levou a Argentina à

guerra."

Fora de Brasília, cercando as entradas da cidade, tropas militares

interceptavam ônibus de manifestantes, fazendo-os voltar aos seus

lugares de origem. Também se encarregavam de interceptar e impedir a

entrada de carros cujos ocupantes eram suspeitos de praticar democracia.

A aplicação das medidas de emergência foi bem mais longe do que a

Constituição de 1969 permitia. Ao censurar o noticiário transmitido de

Brasília, o governo federal colocava sob emergência o país inteiro, que não

podia ser informado do que estava acontecendo na Capital Federal.

A TV Gazeta, de São Paulo, à véspera da votação, colocou no ar uma ligação

telefônica com o vice-governador de São Paulo, Orestes Quércia, em que

este, desde Brasília, transmitia uma previsão do tempo, analogia referindo-se

obviamente à temperatura política. A emissora foi punida incontinente, ficando

fora do ar por 24 horas.

Já a Rádio Eldorado do grupo do Estadão, não se intimidou. No dia da

votação da emenda, manteve sua programação habitual, mas, de meia em meia

hora, abria o link de Brasília para transmitir um rápido boletim, atualizando os

acontecimentos. Não foi punida.

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Diga sim, diga não

"Diga sim, diga não" é o título de uma pequena peça escrita por Bertold

Brecht para ilustrar a força da palavra e a influência que ela pode exercer para

mudar os acontecimentos.

Em 25 de abril de 1984, na sessão da Câmara Federal, representantes do

povo tiveram a oportunidade de exercer esse poder e todos, mesmo os que se

furtaram a comparecer, deixaram a marca registrada de seu caráter,

independentemente da posição assumida. Determinados, alguns; indecisos,

outros; oportunistas uma boa parte deles.

O voto era aberto. Chamados, nome a nome, cada um declinava o voto

próprio. Alguns abertamente, sendo alvo de aplausos ou vaias, mas convictos

da posição que estavam tomando. Outros, timidamente, como envergonhados

de si mesmos.

A descrição, concisa e precisa, é do cronista das diretas, Ricardo Kotsho:

"Estado por Estado, a votação do ‘sim’ esteve sempre à frente

do ‘não’, mas a vitória não passava de uma ilusão. Os pedessistas

ausentes, na calada da madrugada, iam definindo seu resultado.

Os pedessistas que apareceram dizem um ‘não’ baixinho,

envergonhados. Alguns não se dignam sequer a ir até os

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microfones, sussurram seus votos lá do fundo do plenário. Em

compensação, os do PDS que votaram a favor da vontade nacional

foram aplaudidos. (...) "Vossa Excelência faça o favor de se

levantar – quase implora o presidente do Senado, Moacir Dalla,

que dirigiu a sessão, quando um deputado do PDS, Afrisio

Vieira Lima, se escondeu atrás dos colegas para balbuciar um

‘não’ longe dos microfones."

A Vitória de Pirro

Pirro II, rei de Epiro (Grécia), intentou uma invasão a Roma em 280 aC e saiu

vitorioso, mas a confusão que seus elefantes fizeram foi tamanha que houve

mais baixas em seu exército do que no exército inimigo. Daí surgiu a expressão

"Vitória de Pirro", para indicar uma vitória com sabor amargo da derrota.

A emenda Dante de Oliveira não passou por 22 votos. Apenas 22 votos.

Dias antes, o governo, preocupado com a debandada dos seus

parlamentares, pressionou a todos e, na falta de convencimento,

aconselhou a muitos que ficassem em casa, deixando de votar. Foram

esses ausentes que evitaram a derrota iminente do governo, mas, mesmo

assim não mudaram o rumo dos acontecimentos.

Nem todos os ausentes votariam pelo "sim". Havia também os adeptos do

"não", que acharam preferível ausentar-se a ter de se expor ao seu eleitorado.

Entre eles, a bancada malufista, de que são exemplo o presidente da Câmara,

Flávio Marcílio e o próprio Paulo Maluf.

Foram 113 os ausentes, destacando-se Edison Lobão, do Maranhão; Ernani

Sátiro, da Paraíba; Thales Ramalho, de Pernambuco; Bonifácio de Andrada e

Magalhães Pinto, de Minas Gerais; Alcides Franciscato, Cunha Bueno e João

Mendonça Falcão, de São Paulo; Ruben Medina, do Rio de Janeiro; e outros

tantos, cujos nomes caíram no ostracismo e que nem vale a pena citar, pois

ninguém se lembraria deles, mesmo. Dos que compareceram, apenas três se

abstiveram de votar: Oscar Alves, Reinhold Stephanes e Renato Johnson.

A emenda não passa, mas os "elefantes" do general Figueiredo fazem

um estrago bem maior que o esperado, causando mais danos ao PDS que

à oposição.

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A Tomada da Bastilha – para usar uma expressão predileta de Ulisses

Guimarães – viria a ocorrer meses mais tarde, no mesmo cenário, com o elenco

ampliado, mas representando uma peça diferente: nas eleições indiretas, com o

voto do Colégio Eleitoral, o candidato da oposição, Tancredo de Almeida Neves

vence e o candidato governista Paulo Salim Maluf perde. Não se pode impedir

o raiar da alvorada.

Neste momento, Explode um Novo Brasil, como diz título do livro de Ricardo

Kotscho, que reproduz as crônicas da campanha. Daqui pra frente, a Nação

brasileira não mais admite ser conduzida. Enganada, algumas vezes, por certo

que foi; mas conduzida, nunca mais será.

Já se viu por aí que esse episódio das eleições presidenciais também merece

um capítulo aparte. E é o que vamos fazer em seguida.

Dos que estavam em Brasília, muitos se ajuntaram em frente ao

Congresso Nacional para acompanhar a votação da Emenda Dante de

Oliveira, pela volta das eleições diretas para presidente da República. Mas

a maioria dos manifestantes não conseguiu entrar na cidade, que estava

em "Estado de Emergência”.