CAPÍTULO DOIS COMO SE FAZ UM PRESIDENTE A ELEIÇÃO … · casuísticas, transformadas em diplomas...

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Paulo Victorino CAPÍTULO DOIS COMO SE FAZ UM PRESIDENTE A ELEIÇÃO DE CASTELO BRANCO A atriz Vera Gertel conta: "Resolvemos ir até a Cinelândia, a pé, pois não havia transporte algum. Tudo em greve. Quando estávamos chegando, Isolda, eu e Regina, encontramos com um pessoal que vinha de lá e nos avisou que não fôssemos: era tempo perdido, estava havendo um tiroteio, massacre na Cinelândia. Pedimos uma carona, sentamos no banco de trás e, na frente, vinham dois oficiais da Marinha, um deles tinha nas mãos um arpão de pesca submarina. Eles riam muito, porque, ao mostrar o arpão para as pessoas, elas saiam correndo. Ao passarmos pelo Aterro, vimos a UNE em chamas. Eles pararam o carro para observar o espetáculo. Isolda caiu em prantos ao ver a cena. E eu, beliscando- a, mandava-a calar a boca e ficar quieta. (...) Ao passarmos pelo Tunel Novo, aquelas buzinas todas festejavam o golpe. O clima era de festa. E o oficial de Marinha que segurava o arpão gritava: ‘Agora sim, o dólar vai baixar!" O início da marcha dos soldados mineiros (que formam a Coluna Tiradentes) em direção ao Rio de Janeiro, na madrugada de 31 de março de 1964, apanhou de surpresa todos, tanto nas hostes governistas como no entre os conspiradores, civis e militares, que se preparavam para a derrubada do presidente João Goulart, mas que não esperavam pela antecipação do movimento, feita pelo general Mourão Filho à revelia de todo o comando revolucionário.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO DOIS

COMO SE FAZ UM PRESIDENTE

A ELEIÇÃO DE CASTELO BRANCO

A atriz Vera Gertel conta: "Resolvemos ir até a Cinelândia, a pé,

pois não havia transporte algum. Tudo em greve. Quando

estávamos chegando, Isolda, eu e Regina, encontramos com um

pessoal que vinha de lá e nos avisou que não fôssemos: era tempo

perdido, estava havendo um tiroteio, massacre na Cinelândia.

Pedimos uma carona, sentamos no banco de trás e, na frente,

vinham dois oficiais da Marinha, um deles tinha nas mãos um arpão

de pesca submarina. Eles riam muito, porque, ao mostrar o arpão

para as pessoas, elas saiam correndo. Ao passarmos pelo Aterro,

vimos a UNE em chamas. Eles pararam o carro para observar o

espetáculo. Isolda caiu em prantos ao ver a cena. E eu, beliscando-

a, mandava-a calar a boca e ficar quieta. (...) Ao passarmos pelo

Tunel Novo, aquelas buzinas todas festejavam o golpe. O clima era

de festa. E o oficial de Marinha que segurava o arpão gritava:

‘Agora sim, o dólar vai baixar!"

O início da marcha dos soldados mineiros (que formam a Coluna Tiradentes)

em direção ao Rio de Janeiro, na madrugada de 31 de março de 1964, apanhou

de surpresa todos, tanto nas hostes governistas como no entre os conspiradores,

civis e militares, que se preparavam para a derrubada do presidente João

Goulart, mas que não esperavam pela antecipação do movimento, feita pelo

general Mourão Filho à revelia de todo o comando revolucionário.

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Os acontecimentos que se seguiram mostraram, entretanto, que as forças

anti-Jango estavam melhor preparadas para enfrentar a emergência, dominando

de pronto a situação, com o controle dos meios de comunicação e de transporte,

e cuidando de todas as manobras militares necessárias para a tomada da praça

do Rio de Janeiro, onde se achava instalado de fato o governo federal.

Por seu lado, o presidente João Goulart confiara demais em sua condição de

chefe supremo das Forças Armadas e descuidou de montar um esquema militar

de emergência a ser acionado em momento de necessidade, deixando à mostra

todo o seu despreparo para enfrentar a rebelião que, se sabia, havia de estourar

a qualquer momento.

Como complicador, o ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro

achava-se internado num hospital, com seu estado de saúde bastante agravado,

sofrendo duas cirurgias seguidas e deixando acéfalo o comando militar do

governo. Quando o presidente Goulart se decidiu a fazer seu ministro o

comandante do 1º Exército, general Morais Âncora, a situação já estava

totalmente fora de controle. Inclusive o próprio Âncora apenas simulava acatar

as ordens do chefe supremo das Forças Armadas.

Perdendo o controle da comunicação e do transporte, as forças civis de apoio

ao Presidente, vale dizer, as classes trabalhadoras e o movimento estudantil,

ficaram impossibilitadas de pôr em execução o plano de greve geral, por não

disporem nem dos serviços telefônicos, nem das estações de radiodifusão, que

se achavam já nas mãos dos rebeldes.

A greve, pois, anunciada num primeiro momento, teve de ser desativada

horas depois, tanto mais que o único setor que chegou a paralisar totalmente foi

o de transporte coletivo, impedindo a locomoção de trabalhadores para o centro

da cidade. Era como se dessem um tiro no próprio pé.

Não surpreende, assim, que o movimento militar tenha rapidamente

dominado o Rio de Janeiro, consolidando suas posições com a auto-nomeação

do general Costa e Silva como ministro da Guerra e com a subsequente

nomeação de novos comandantes para o 1º Exército e a 1ª Região Militar.

Cuidou-se até da criação de um ambiente político, supostamente popular, para

a apresentação do nome general Castelo Branco à presidência da

República.

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Agiram, pois, os militares, com competência e profissionalismo, triunfando no

campo militar e isolando a sociedade civil o suficiente para evitar que esta lhes

arrebatasse, num segundo momento, os louros do sucesso alcançado.

O general Juarez Távora, comandante da ala norte-nordeste na revolução

de 1930, deixou isso bem claro, na reunião com os governadores fiéis ao

movimento:

"Em 1930, nós tivemos a cerimônia e o constrangimento em não

querer assumir diretamente o governo. Pensávamos em colocar os

civis na frente e manobrá-los de perto. Que ilusão, a nossa! Dentro

de pouco tempo, nós havíamos sido postos para trás, inteiramente

desarticulados, sem poder fazer nada do que planejávamos."

Revolução ou golpe, seja o que for, não houve, em 1964, uma vitória popular.

Registrou-se, ao inverso, uma indiscutível conquista militar, em que a força

sobrepujou o direito, ficando este último, a partir de então, sujeito a regras

casuísticas, transformadas em diplomas plenamente legais, ainda que, muitas

vezes, ilegítimos.

O movimento, visto de dentro

Chovia, intermitentemente, no dia 31 de março e nos dias que se seguiram.

E foi dentro desse ambiente carregado que se desenvolveram as manobras para

sustentação e consolidação do movimento militar.

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Ainda no dia 31, atendendo recomendações, o general Artur da Costa e

Silva esconde-se em local seguro, mas de fácil comunicação, enquanto o

general Humberto de Alencar Castelo Branco prefere dar seu expediente

no edifício do ministério do Exército, no gabinete do EMEx, cujo comando

lhe pertencia. Comparecer ao trabalho, achava ele, era a melhor maneira de

despistar. Lá encontra 50 oficiais-estudantes da ECEME-Escola de Comando do

Estado Maior do Exército, que foram mandados pelo comandante Jurandir de

Bizarria Mamede para dar-lhe proteção e fazer-lhe a escolta.

Em seu gabinete, Castelo mantêm contatos telefônicos com o Congresso

Nacional em Brasília, recebe visitas dos generais Emilio Maurel Filho e Ernesto

Geisel, do coronel Ariel Pacca da Fonseca e, por fim, do próprio general Costa

e Silva, com quem são estabelecidas as bases de comando da revolução. Costa

e Silva assumiria ad-hoc o Ministério da Guerra e o Comando Geral do

movimento; Castelo suspenderia naquele momento suas funções no

comando militar e assumiria o comando civil, cuidando tão somente da

articulação política.

"Parece que estou sendo raptado", graceja Castelo, no momento em que é

escoltado pelos oficiais-alunos da ECEME. Desce pelo elevador, sai do

Ministério, vence o bloqueio do Regimento de Reconhecimento Mecanizado que

cercava o edifício, e é conduzido à sua casa da rua Nascimento Silva.

Após trocar a farda por trajes civis, mais adequados à sua missão política,

segue para o apartamento no Edifício Igrejinha, na Avenida Atlântica, onde

instala seu Estado Maior informal. Lá, se articula com Ademar de Queirós,

Ernesto Geisel e Golberi de Couto e Silva, recebendo e despachando

mensagens com auxílio dos tenentes-coronéis Murilo Gomes Ferreira,

Leônidas Pires Gonçalves e Ivã de Sousa Mendes. Já havia feito uma centena

de contatos telefônicos quando, por volta da meia-noite, recebe ligação do

comandante do 2º Exército (São Paulo), general Amauri Kruel, informando sua

adesão ao movimento acrescentando que iria colocar suas tropas na rua. Inicia-

se a madrugada do dia 1º de abril.

Está fechado o esquema. Agora, já com apoio consolidado do Rio de Janeiro,

de São Paulo e de Minas Gerais, seria mais fácil colocar sob controle o 3º

Exército (Porto Alegre) e o 4º Exército (Recife), ainda indefinidos.

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Esses eram dois pontos críticos: em Recife se achava o governador Arrais e

o Rio Grande do Sul era a terra de Jango e Brizola, onde certamente ambos

procurariam refúgio, ao se sentirem perdidos.

Aliás, a recomendação dada a Kruel, quando este chegou a Resende para

encontrar-se com as tropas mineiras, foi para que se deslocasse ao Rio Grande

do Sul, a fim de assumir o controle da situação naquele Estado.

As notícias eram de que pelo menos a cidade de Porto Alegre se achava sob

o controle dos legalistas e o comandante da 5ª Zona Aérea, brigadeiro Lavanère-

Wanderley, havia sofrido um atentado, felizmente sem maiores consequências

para ele, morrendo um dos rebeldes.

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No Rio de Janeiro, a situação se acha sob controle em todos os pontos

estratégicos. Dominando a Praia Vermelha e a Urca encontra-se o comandante

da ECEME, general Bizarria Mamede; na Academia Militar de Agulhas Negras

(Resende) o comandante é o general Emílio Garrastazu Médici; no posto do

Castelo, acha-se o general Ademar de Queirós. De seu posto de comando, o

general Costa e Silva, agora Comandante Geral do movimento, fecha o cerco,

enviando generais de sua confiança para assumir os demais comandos no Rio

de Janeiro.

A certa altura da noite, por razões estratégicas, tanto Costa e Silva como

Castelo Branco mudaram, cada um de per si, o local de seus postos de comando,

auxiliados nessa tarefa pelo general Orlando Geisel, pelos tenentes-coronéis

João Batista de Figueiredo e Ivã de Sousa Mendes (que cedeu seu

apartamento a Castelo) e pelo major Dickson Melges Grael.

Enquanto isso, os legalistas, fiéis a João Goulart, somente haviam

conseguido tomar a TV Tupi, na Urca, e não puderam evitar que o Palácio das

Laranjeiras, sede do governo federal no Rio de Janeiro, fosse obstruído por

caminhões da limpeza pública que o general Salvador Mandim, secretário de

Segurança de Lacerda, mandara para bloquear a entrada e saída de pessoas e

veículos.

A visão de dentro do palácio

Desde o primeiro momento, o presidente João Goulart, sob uma redoma

construída com suas próprias ilusões, se achava completamente afastado da

realidade. Não acreditou quando o senador Juscelino Kubitschek telefonou ao

Palácio das Laranjeiras para avisá-lo de que o movimento militar saíra para as

ruas.

Quando encontrou razões para preocupar-se, foi a busca do auxílio de seu

ministro da Guerra, convalescendo em leito de hospital, após uma delicada

cirurgia. Com efeito, o ministro Jair Dantas Soares, quixotescamente,

instalou seu gabinete no próprio hospital, tentando articular a reação, mas

seu estado de saúde agravou-se, tendo de sofrer uma segunda operação.

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Desorientado, Jango nomeou como ministro da Guerra o comandante do 1º

Exército, general Morais Âncora, de cuja fidelidade, a esta altura, já era lícito

duvidar.

Ao general Luís Tavares da Cunha, comandante da 1ª Divisão de Infantaria,

sediada em Niteroi, foi dada a incumbência de barrar o avanço da Coluna

Tiradentes, que seguia para o Rio de Janeiro, comandada pelo general Murici e,

para isso, foram colocados à sua disposição três Regimentos de Infantaria

sediados no Rio de Janeiro.

Cedo, Tavares da Cunha descobriu que era um comandante sem

comandados. O 3º RI (Regimento Sampaio) já seguira para Resende, sob o

pretexto de dar combate aos rebeldes; o 1º e o 2º RIs já haviam aderido ao

movimento militar, recebendo de Costa e Silva a incumbência de barrar a entrada

das tropas de São Paulo, caso Kruel insistisse em se manter legalista.

As últimas tentativas de reação

Na manhã de 1º de abril, Jango se convencera de que já perdera a praça do

Rio de Janeiro e, consultando seus três ministros militares (general Morais

Âncora, almirante Wilson Fadul e brigadeiro Anísio Botelho), decidiu

transferir-se para Brasília, dizendo ao seu secretário de imprensa, Raul Riff:

"Vamos. Vou sair daqui. Isto aqui está se transformando em uma armadilha."

Em Brasília, havia ainda alguns focos de resistência. No Palácio do Planalto

encontravam-se, pelo menos, Darci Ribeiro, chefe da Casa Civil e Waldir Pires,

procurador geral da República. No comando militar permanecia o general

Nicolau Fico, sustentando a posição, mas cuja fidelidade estava sendo posta à

prova, por suas ligações com o general Kruel que, ao final da noite de 31, aderira

ao movimento.

Ainda assim, e apesar da interdição do aeroporto em Brasília, Jango chegou

sem maiores dificuldades, sendo recebido pelo próprio general Fico e seguindo

para a granja do Torto, onde se reuniu-se com os que ainda lhe eram fiéis: o

próprio general Fico, mais Waldir Pires, Doutel de Andrade, Almino Afonso,

Tancredo Neves, o general Assis Brasil e outros auxiliares.

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Conta o historiador e jornalista Hélio Silva:

"Jango estava cansado. Dizia que a revolução não era contra

ele, mas contra as reformas. Se renunciasse a elas, continuaria. Se

quisesse restringir as prerrogativas dos trabalhadores, ficaria. A lei

que regulamentou a remessa de lucros para o exterior estava na

base do movimento (...) Comentou que a CIA [órgão de inteligência

dos Estados Unidos] estava inspirando tudo."

Após uma análise da situação, decidiu-se que Jango deveria seguir para

Porto Alegre, onde ainda persistia resistência ao golpe. Com ele iriam o general

Assis Brasil e alguns de seus assessores. Mas, no aeroporto, o Coronado da

Varig, requisitado pela presidência da República, apresentou falha

mecânica e não pôde levantar voo. Conseguiram, então, um avião de pequeno

porte, no qual seguiram João Goulart e o general Assis Brasil. Ficaram em

Brasília Darci Ribeiro, Valdir Pires e o general Fico, além do deputado

Tancredo Neves, que ia comandar a reação no Congresso.

Encerrando este tópico: Em Porto Alegre, João Goulart e Leonel Brizola

tiveram um forte desentendimento. Brizola queria levantar os quartéis e o povo

para uma contra-revolução; Jango tencionava encerrar o assunto, pedindo asilo

ao Uruguai, o que acabou acontecendo.

Nasceu daí uma inimizade entre os dois que perdurou por doze anos. Só

vieram a se encontrar novamente em 1976, pouco antes da morte de Jango.

O embate no Congresso

No Congresso, as forças se dividem, fazendo prever um tumulto na sessão

convocada para o dia 2 de abril, que se estendeu até as 3 horas da madrugada

do dia seguinte. A pedido de Moura Andrade, o deputado Adauto Lúcio Cardoso

forma um pelotão de choque, postando em lugares estratégicos os

parlamentares mais corpulentos e bem alimentados, instituídos naquele

momento em leões de chácara do parlamento. Os tumultos realmente

acontecem, levando até, em certo momento, à suspensão dos trabalhos.

Apesar de ter em mãos um ofício de Darci Ribeiro, chefe da Casa Civil da

Presidência, comunicando que o Presidente constitucional seguira para Porto

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Alegre a fim de comandar a resistência, o presidente do Congresso, Moura

Andrade, prefere considerá-lo em lugar incerto e não sabido, objetivando uma

solução definitiva à questão, o que fez subir ainda mais a temperatura. É isso

que registram os anais do Congresso:

Moura Andrade: "O senhor presidente da República deixou a

sede do governo. (Protestos. Palmas prolongadas.) Deixou a nação

acéfala numa hora gravíssima da vida brasileira, em que é mister

que o chefe de Estado permaneça à frente do Governo. (Apoiados.

Muito bem.) O senhor presidente da República abandonou o

Governo. (Aplausos calorosos. Tumulto. Soam insistentemente as

campainhas). (...) Recai sobre a mesa a responsabilidade pela

sorte da população do Brasil em peso.

"Assim sendo, declaro vaga a presidência da República.

(Palmas prolongadas. Muito bem. Protestos). E, nos termos do

artigo 79 da Constituição Federal, invisto no cargo o presidente da

Câmara dos Deputados, sr. Ranieri Mazzilli. (Palmas prolongadas.

Muito bem. Protestos.) Está encerrada a sessão."

Isto posto, Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Congresso e

Ranieri Mazzili, presidente da Câmara, juntam-se ao ministro Álvaro Ribeiro

da Costa, presidente do Supremo Tribunal Federal. Os três saem pelos

fundos do edifício e seguem para o 3º andar do Palácio do Planalto, onde Mazzili

toma posse de fato na presidência da República.

São 3h45m da madrugada de 2 de abril de 1964. Ranieri Mazzili toma

posse efetiva da presidência da República, exercendo, como da vez anterior, o

nada honroso papel de vaquinha de presépio. Quando da renúncia de Jânio

Quadros, encontra uma junta, formada pelos três ministros militares, que

vetavam a posse de João Goulart; agora, tem de aceitar uma situação inusitada:

o comando do país se encontra no Rio de Janeiro, dividido entre Costa e Silva,

autonomeado ministro da Guerra, e Castelo Branco, candidato certo à

Presidência, com os poderes do comando civil. O ministério de Mazzili teve de

ser escolhido no Rio de Janeiro e submetido à apreciação do alto comando

revolucionário, ao qual pertencia a última palavra.

Aliás, quando alguém levou a Costa e Silva um boato mal-intencionado de

que Mazzili teria nomeado Israel Pinheiro [homem forte de JK] para chefe de sua

Casa Civil, o general foi categórico: "Se nomeou, vai ter que desnomeá-lo!"

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O povo nas ruas

No Rio de Janeiro, os lacerdistas e os partidários do movimento entram no

clima do oba-oba, acreditando que os problemas do país estavam

definitivamente resolvidos (um ano após o próprio Lacerda estava

desencantado, mas neste momento, o clima é esse).

As senhoras católicas, a exemplo de São Paulo e Santos, levam às ruas sua

Marcha com Deus, pela Família e pela Liberdade, cujos manifestantes se

deslocaram da avenida Presidente Vargas até a Cinelândia. Na marcha, uma

figura de especial destaque: D. Antonieta Castelo Branco Diniz, a dona Nieta,

filha mais velha do general Castelo Branco.

Entusiasmado, também, com o sucesso inesperado do movimento, o Cardeal

do Rio de Janeiro, D. Jaime de Barros Câmara (sucessor de D. Helder, que havia

sido transferido, tempos atrás para Olinda), defende punições exemplares,

buscando uma frase sepultada com os tempos da Inquisição: Punir os que

erram é uma obra de misericórdia.

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Contagiando-se com o clima, uma parte da população vai às ruas, disposta à

revanche. O jornal Última Hora, partidário de Goulart é invadido e

empastelado, sendo queimadas oito viaturas de reportagem e distribuição.

Por todos os lados, muitas manifestações, mas poucos confrontos, já que a

polícia civil, misturada aos manifestantes revolucionários, tornava difícil, quando

não impossível, qualquer movimento de protesto. As notícias sobre a situação

nas ruas eram desencontradas.

Vera Gertel conta:

"Resolvemos ir até a Cinelândia, a pé, pois não havia transporte

algum. Tudo em greve. Quando estávamos chegando, Isolda, eu e

Regina, encontramos com um pessoal que vinha de lá e nos avisou

que não fôssemos: era tempo perdido, estava havendo um tiroteio,

massacre na Cinelândia. Pedimos uma carona, sentamos no banco

de trás e, na frente, vinham dois oficiais da Marinha, um deles tinha

nas mãos um arpão de pesca submarina. Eles riam muito, porque,

ao mostrar o arpão para as pessoas, elas saiam correndo.

"Ao passarmos pelo Aterro, vimos a UNE em chamas. Eles

pararam o carro para observar o espetáculo. Isolda caiu em prantos

ao ver a cena. E eu, beliscando-a, mandava-a calar a boca e ficar

quieta. (...) Ao passarmos pelo Tunel Novo, aquelas buzinas todas

festejavam o golpe. O clima era de festa. E o oficial de Marinha que

segurava o arpão gritava: ‘Agora sim, o dólar vai baixar!"

Na UNE, a situação é crítica

Na UNE, a situação é crítica. José Serra, eleito presidente após o término

do mandato de Aldo Arantes, refugiou-se com outro diretor na casa de um

amigo no "sertão carioca", onde, se imaginava, não seriam encontrados.

À medida que vão chegando as notícias sobre a vitória do movimento, os

estudantes, em sua maioria, se retiram, ficando apenas um punhado de jovens,

dispostos a testar sua própria coragem e resistência. Não imaginavam o estado

de anarquia em que se achavam as ruas, com blocos de vândalos praticando

atos de violência contra os que, em passado recente, ousaram apoiar o governo

João Goulart.

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Carlos Veneza, participante do grupo teatral da UNE, descreve o momento:

"No dia 1º de abril eu passei pela Cinelândia e notei um

movimento estranhíssimo de militares na janela do Clube Militar.

Peguei uma carona e fui avisar o Vianinha [Oduvaldo Viana Filho]

de que a manifestação que nós havíamos marcado, também para

a Cinelândia, onde faríamos um teatro de rua em defesa do

governo João Goulart, não poderia mais acontecer. Ao chegar à

UNE, nossos colegas já haviam feito uma barricada com móveis e

cadeiras, em frente ao prédio. E lá ficamos todos nós sitiados,

esperando os acontecimentos.

"Aos poucos, foram chegando carros e mais carros em frente à

UNE, com rapazes da então classe média, comendo cachorro-

quente com Coca-Cola e dizendo que ‘os comunistas foram

derrotados, que Jango já havia fugido.’ (...) Aquelas pessoas

buzinavam, jogavam objetos que podiam provocar incêndios na

barricada. Vianinha disse: ‘Vamos procurar sair daqui o mais rápido

possível porque eles vão invadir a UNE.’

"Saímos pelos fundos, pelo quintal e, de um dos edifícios ao

lado as pessoas gritavam: ‘Foge, que eu quero ver, comunista!’,

enquanto, do outro lado, outras pessoas diziam: ‘Não foge, não,

menino, nós estamos do lado de vocês. Vocês têm toda razão! ’.

De certa maneira, isso é a síntese desse maniqueísmo em que se

transformou a história política deste país.

"E nós, enquanto víamos o prédio ser tomado, pulamos o muro

dos fundos e saímos numa tinturaria. Pegamos um taxi, que deu

volta pelo Aterro e, em lágrimas, vimos nosso prédio pegando fogo

– eu, o Vianinha, o João das Neves e acho que o Milani – em meio

a um verdadeiro piquenique da classe bem alimentada, dos jovens

rapazes da classe média que comemoravam, entre urras, o

incêndio do Centro Popular de Teatro e da União Nacional de

Estudantes. Dali, fomos para a casa de Vera Gertel. (...)

"Para espanto nosso, no dia seguinte, um dos renomados

matutinos brasileiros reproduzia, em primeira página, uma foto com

vários rifles simulados, de madeira, que iam ser usados na peça

"Ripió Lacraia". A legenda dizia que ‘um farto material bélico havia

sido encontrado nos salões da UNE."

A sede da UNE, ou o que restou dela depois do incêndio, constituiu-se num

símbolo da resistência estudantil, incomodando o novo sistema instalado no

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país. Anos depois, quando os estudantes haviam conseguido recursos para sua

reforma, setores do governo determinaram sua demolição, ignorando até uma

liminar conseguida na Justiça para evitar a destruição. Estando trancados os

portões o juiz teve de escalar o muro para, de arma em punho, fazer cumprir a

determinação judicial. Depois, cassada a liminar, a demolição prosseguiu até

extinguir, para todo sempre, qualquer lembrança dos dias gloriosos vividos por

aquela juventude, cheia de idealismo, embora não necessariamente certa em

seus propósitos.

Preparando o caminho

de Castelo

Embora o general Costa e Silva usasse a artimanha do despistamento,

dizendo que, pessoalmente, preferia um candidato civil (chegou a ser sugerido

o nome de Rafael de Almeida Magalhães), em realidade, todas as ações políticas

estavam sendo endereçadas para o lançamento oficial do nome do general

Humberto de Alencar Castelo Branco.

No dia 4 de abril, reuniam-se no Palácio Guanabara os sete

governadores mais achegados ao movimento revolucionário: Carlos

Lacerda (GB), Ildo Meneghetti (RS), Ademar de Barros (SP), Magalhães

Pinto (MG), Fernando Costa (MT), Nei Braga (PR) e Mauro Borges (GO). [A

esse "Clube dos Sete" logo se acrescentaria um oitavo nome, o de Virgílio

Távora, que assumiu o poder no Ceará, após a prisão do governador Miguel

Arrais]. Presentes estavam, também, no salão nobre do palácio, vários

políticos de Brasília e do Rio de Janeiro, entre eles o deputado Afrânio de

Oliveira, da ala janista.

Em certo momento chega, aparentemente sem ser convidado, o general

Augusto Cesar Moniz de Aragão, da ala mais radical do Clube Militar, que faz

um veemente discurso, indicando o nome de Castelo Branco. Ato contínuo, o

deputado Afrânio de Oliveira, remanescente do janismo, apoia o general e

termina seu discurso com as palavras:

"Se o Congresso não se mostrar à altura deste momento histórico

que vivemos, serei o primeiro a pedir da tribuna da Câmara o

fechamento desse Congresso."

Carlos Lacerda, então, libera o salão para a imprensa, rádio e TV, fazendo

seu pronunciamento de que os governadores, em peso, apoiam o nome de

Castelo Branco para a presidência da República.

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Castelo, em casa, assiste o pronunciamento pela televisão. Ao seu lado se

encontra o coronel Vernon Walters, adido da Embaixada Americana no Brasil.

Eram 11 horas da noite quando os governadores foram ao edifício do

Ministério da Guerra para levar a decisão dos governadores a favor de Castelo.

Não foram felizes nesse encontro. Costa e Silva aproveitou o momento para

tentar enquadrar alguns dos governadores ao sistema militar que se instalava.

Repreendeu Magalhães Pinto, dizendo-lhe que a atitude de Minas no movimento

tinha um caráter nitidamente separatista, que não mais seria tolerado. Quando

Magalhães procurou notícias sobre o governador sergipano Seixas Doria, Costa

e Silva lhe respondeu: "Seixas Dória está na prisão. E muitos outros serão

presos."

Mas o momento de maior tensão foi quando Costa e Silva insinuou a Carlos

Lacerda que não deveria falar antes que ele próprio lhe dessa permissão.

Lacerda destravou a língua e, lembrando acontecimentos anteriores, disparou

contra o general:

"Não sei onde o senhor estava em 1945. Não sei onde o senhor

estava em 1954. Mas sei onde o senhor estava no dia 11 de

novembro [de 1955]. O senhor estava ao lado do general Lott” [que

derrubou dois Presidentes em 10 dias].

Às 4 horas da manhã, ao encerrar-se a reunião, Lacerda tentou recompor-se

com o general, mas este virou-lhe as costas, deixando-o a falar sozinho. Na

segunda reunião dos governadores, ocorrida no dia seguinte, Lacerda não

compareceu, preferindo enviar, em seu lugar, o udenista baiano Juraci

Magalhães. Lacerda já estava sob observação e, anos depois, quando se juntou

a JK e Jango para formar uma Frente Ampla, teve seus direitos políticos

suspensos, sendo afastado da política e impedido de exercer sua profissão de

jornalista.

Uma concentração pró Castelo

A partir do ato dos governadores, telegramas de apoio a Castelo chegam de

todo o Brasil. O poeta e político Augusto Frederico Schmidt (1906-1965) dá

uma entrevista à imprensa defendendo a candidatura de Castelo.

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E a professora Sandra Cavalcanti, secretária de Serviços Sociais da

Guanabara reúne cerca de mil senhoras em frente à casa de Castelo Branco

para uma manifestação de apoio, na manhã de domingo, dia 5 de abril de 1964.

Para garantir o sucesso, não descuida em acertar a presença do grupo

empresarial de Roberto Marinho: a TV, a rádio e o jornal O Globo. O radialista

Cesar de Alencar que, um dia, ficaria tristemente famoso por sua ação delatória,

faz a transmissão do acontecimento ao vivo. Castelo Branco, da janela, assiste

a tudo, na companhia do marechal Mascarenhas de Morais.

Mascarenhas é um nome de peso. Foi o comandante-em-chefe da Força

Expedicionária Brasileira, o único marechal brasileiro, além de Caxias, com

legitimidade para usar esse título. Está ali para endossar o nome de Castelo que,

ainda como tenente-coronel, fez parte de seu estado-maior na FEB.

O coronel Vernon Walters, que não tinha sido avisado previamente, se dirigia

para a casa de Castelo, quando viu a concentração e voltou. Não ficaria bem,

naquele momento, a presença do adido da Embaixada americana, mesmo

havendo ele atuado nos campos da Itália ao lado de Castelo e Mascarenhas.

Ao final da manifestação Castelo Branco discursou, agradecendo e

redirecionando os aplausos recebidos a seus camaradas das Forças Armadas,

aos governadores destemidos, a homens que tinham sabido enfrentar o ‘governo

intolerante’, e à mulher brasileira que, além de mostrar sua grandeza de coração,

tinha também revelado sua grande fibra de combatente.

"Três vezes me negarás"

O apoio representado por aquela manifestação – é, para Castelo Branco, o

último ato para mostrar ao mundo que os militares não estavam promovendo um

golpe de estado, sendo a candidatura militar um produto da vontade popular. A

partir desse momento, Castelo se sentia agora livre para aceitar a indicação de

seu nome e o fez na tarde do mesmo dia, quando recebeu a visita dos

governadores e de políticos. Essa eleição, embora indireta, se faria nos termos

da Constituição vigente (a de 1946) e se destinava a completar o mandato de

João Goulart, que iria até 31 de janeiro de 1966. Pelo menos, é o que se pensava

e é o que diziam os militares para convencer a população.

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Então, o governador de São Paulo, Ademar de Barros, candidato virtual à

Presidência nas eleições de 1955, pergunta a Castelo: “Queremos saber se,

assumindo a presidência da República, o senhor procederá como um magistrado

nas eleições de 1965." Castelo responde, contrariado, dizendo que seu

passado era a melhor garantia que lhe poderia dar.

No dia seguinte, já no edifício do ministério da Guerra, quem lhe faz a mesma

pergunta é Francisco Negrão de Lima, elemento de ligação entre o movimento

militar e JK, este último, também, candidato à Presidência em 1965. Juscelino,

agora senador, se oferecia para trabalhar junto aos parlamentares do PSD para

descarregar a votação no nome de Castelo Branco, mas queria ter uma garantia

de que as regras constitucionais continuariam sendo respeitadas em seu

governo. Castelo mandou o seguinte recado: "Eles [os militares] não vão

estabelecer uma ditadura."

A resposta não satisfez inteiramente o PSD e, desta vez, coube a Amaral

Peixoto, genro do falecido presidente Getúlio Vargas, fazer os contatos com

Castelo Branco, em busca de uma garantia de que as regras democráticas

seriam respeitadas.

Pela terceira vez, Castelo fez sua profissão de fé democrática: "Se eu for

Presidente, a eleição de 1965 será realizada de acordo com o calendário

eleitoral e, em seguida, tomarão posse os eleitos".

Como se sabe, nada disso aconteceu. Em 1965 o mandato de Castelo foi

prorrogado e, em 1967 o nome de Costa e Silva foi levado ao Congresso para

ratificação como seu sucessor. Ficava estabelecida uma dinastia militar dentro

da qual a função do Congresso era apenas a de confirmar os nomes dos

príncipes-eleitos.

Nasce o Ato Institucional nº 1

No princípio, era apenas um Ato Adicional, que seria votado pelo

Congresso, estabelecendo as regras da transição, após a vitória do movimento.

Fora redigido pelo jurista Carlos Medeiros Silva, especializado em direito

constitucional, e entregue ao general Castelo Branco, que o encaminhou ao

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general Costa e Silva, que endereçou o documento ao presidente do Congresso,

senador Auro Soares de Moura Andrade, que reuniu-se, no dia 6, com o

presidente-interino, Ranieri Mazzili e com o ministro da Justiça Gama e Silva

(nomeado pelo general Costa e Silva). Juntos, examinaram não apenas o

conteúdo do documento como também sua viabilidade de aprovação no

Congresso.

No dia seguinte, Mazzili viaja para o Rio de Janeiro, onde encontra a cúpula

do Parlamento e combina com os parlamentares a tramitação do Ato no

Congresso. Os parlamentares consultados informam que, com muita sorte, isso

demandaria pelo menos uma semana.

Uma semana é muito tempo. Bilac Pinto (UDN) entra em contato com

jurista Carlos Medeiros e pede-lhe que solicite a ajuda de Francisco

Campos para encontrar uma solução mais rápida. Francisco Campos,

apelidado de "Chico Ciência" foi o autor da Constituição do Estado Novo

que, em 1937, permitiu o fechamento do Congresso, entregando todos os

poderes ao ditador Getúlio Vargas.

Era o homem certo para aquele momento. Reunindo-se os dois juristas com

Costa e Silva, Francisco Campos insinuou que, se tinham pressa, deviam

transformar o documento num Ato Institucional, a ser outorgado pelo próprio

comando revolucionário, recebendo sinal verde para que ambos refizessem o

texto.

Conta o brasilianista John Foster Dulles em seu livro "Castelo Branco – O

Caminho para a Presidência":

"Francisco Campos arregaçou as mangas e transformou o

preâmbulo convencional de Medeiros em um retumbante prólogo,

ou mensagem à nação, proclamando o direito e a responsabilidade

da revolução vitoriosa, representada pelos Comandantes-em-

Chefe dos três ramos das Forças Armadas, de editar o Ato

Institucional."

Basicamente, o Ato (que não tinha número, pois o ato que institucionaliza

uma revolução deve ser primeiro e único) dava ao comando revolucionário e,

depois, ao presidente eleito, o direito de cassar mandatos federais, estaduais e

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municipais, suspender direitos políticos, excluída a apreciação judicial dessas

decisões. Antecipava o prazo para a eleição do novo Presidente e de seu Vice,

que deveria ser feita pelo Congresso dois dias após a publicação do Ato

Institucional.

Outra inovação importante era a de que o presidente da República poderia

sancionar qualquer lei que, enviada ao Congresso, não fosse aprovada em trinta

dias. Surgia o recurso ao decurso de prazo, que inspirou em seguida os

famosos decretos-leis. Dava também poderes ao Presidente para apresentar

ao Congresso emendas à Constituição que poderiam ser aprovadas sem quórum

especial, ou seja, por maioria simples dos congressistas presentes à sessão.

O Ato Institucional deveria vigorar até 31 de janeiro de 1966, data prevista

para posse do novo Presidente constitucional a ser eleito em 3 de outubro

de 1955 (Só que em 1955 acabou não havendo eleição, porque o mandato

de Castelo Branco foi prorrogado).

Em 9 de abril, em cerimônia especial, o documento foi assinado pela junta

militar revolucionária, composta pelo general Costa e Silva, ministro da Guerra,

pelo almirante Augusto Rademaker, ministro da Marinha e pelo brigadeiro

Correia de Melo, ministro da Aeronáutica, na presença de Castelo Branco e dos

mais importantes nomes do comando militar nas três Armas.

Logo em seguida, foi anunciada a suspensão de direitos políticos de João

Goulart, Jânio Quadros e Luís Carlos Prestes. No dia seguinte foram

cassados os mandatos de deputados e senadores da Frente Parlamentar

Nacionalista, suspensos os direitos políticos de dezenas de pessoas de

destaque e, pouco depois, transferidos para a reserva 122 oficiais das três

Armas. Era a guilhotina que começava a funcionar e que iria trabalhar sem

cessar dali em diante.

E o Brasil tem seu

novo Presidente

Na tarde de sábado, 11 de abril de 1964, reúne-se o Congresso Nacional

para a eleição do novo presidente da República. Os parlamentares comparecem

em peso. Os deputados e senadores que tiveram seus mandatos preservados

estavam lá; e, para substituir os cassados, compareceram os suplentes que

conseguiram chegar a tempo em Brasília.

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Às cinco horas da tarde, com a transmissão pelo rádio (a TV ainda não tinha

condições técnicas de formar rede nacional) é iniciada a votação. Castelo recebe

361 votos, quase metade deles do PSD, conseguidos pela ação de JK, que

mais tarde viria a ser cassado pelo mesmo regime que ajudou a formar.

Registram-se 3 votos para o general Juarez Távora e outros 2 para o o general

Eurico Gaspar Dutra.

Para vice-Presidente o escolhido é o do civil José Maria Alkmin, do PSD

de JK, mas que também fora secretário do governo de Magalhães Pinto (UDN).

Trata-se, pois, de um elo entre as duas correntes divergentes e, ao mesmo

tempo, sua presença virtual no governo dá uma aparência de participação civil,

importante para manter a boa imagem do país no exterior. Auro Soares retirou

sua candidatura a Vice, o que garantiu a Alkmin 256 votos, sendo o restante

computado em abstenções.

Na casa de Castelo, invadida pelas visitas, já se achava todo aparato de TV

montado pela Agência Nacional, permitindo que o Presidente eleito fizesse, de

imediato, um discurso, agradecendo os apoios recebidos e ressaltando que

assumira essa tão grande responsabilidade “estimulado pelo calor da opinião

pública, revelado através de autênticas manifestações populares”. É um cuidado

quase obsessivo para convencer a todos que se tratava de uma revolução

popular, e não um golpe de estado militar.

Uma vez mais, em seu discurso, Castelo garantiu o cumprimento do

calendário eleitoral, solicitando o apoio de todos para

"entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao meu sucessor,

legitimamente eleito pelo povo em eleições livres, uma nação

coesa, ainda mais confiante em seu futuro, liberta dos temores e

dos angustiosos problemas do momento atual".

O futuro mostraria que, entre a prática e a gramática, vai uma distância maior

que a do universo.

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