CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS · Quanto às espécies de Penicillium isoladas das uvas,...

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Sumário Neste capítulo discutem-se os resultados obtidos na dissertação. 1. Micoflora das uvas ................................................................................................................. 269 2. Espécies de Aspergillus da secção Nigri produtoras de OTA ................................................ 285 3. Aspergillus ibericus................................................................................................................ 291 4. Concentração de OTA nas uvas portuguesas ......................................................................... 293 5. Avaliação do potencial ocratoxigénico das estirpes em meio de uva ..................................... 294 6. Outros perigos micotoxigénicos nas uvas .............................................................................. 295 268

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Sumário

Neste capítulo discutem-se os resultados obtidos na dissertação.

1. Micoflora das uvas .................................................................................................................269

2. Espécies de Aspergillus da secção Nigri produtoras de OTA ................................................285

3. Aspergillus ibericus................................................................................................................291

4. Concentração de OTA nas uvas portuguesas .........................................................................293

5. Avaliação do potencial ocratoxigénico das estirpes em meio de uva.....................................294

6. Outros perigos micotoxigénicos nas uvas ..............................................................................295

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

1. Micoflora das uvas

Nesta secção discutem-se os resultados obtidos quanto à composição da micoflora

das: i) uvas “normais”, sem podridão visível; ii) uvas “normais” após desinfecção

superficial; iii) fungos causadores de podridão visível nos bagos; iv) mosto de uvas.

1.1. Micoflora de uvas normais

Os géneros isolados nas uvas refletem as fontes de contaminação a que estas se

encontram sujeitas. As referências quanto aos habitats comuns dos géneros detectados

nas uvas está indicada na Tabela 5.1, bem como a indicação se foram detectados

noutros rastreios ao micobiota de folhas Portuguesas e de uvas noutros países.

A maior parte dos géneros detectados são de distribuição ubíqua, comuns no ar,

superfície de plantas, materiais em decomposição e solo. Os organismos que estão

associados à parte aérea das plantas (filoplano), como caules, folhas pétalas e frutos,

chegam a estas superfícies arrastadas pelo vento, chuva e/ou animais, e conseguem-se

fixar de alguma forma ao substrato e sobreviver às condições adversas, como de

radiação solar, variações de temperatura e variações de humidade, durante o dia e

durante o ano, bem como à exposição a compostos tóxicos, como pesticidas e

fungicidas. Alguns dos fungos detectados nas uvas compreendem espécies saprófitas

e patogénicas de plantas comummente detectadas em alimentos, como Aspergillus,

Botrytis, Penicillium e Rhizopus, que têm capacidade demonstrada de produzir

podridão em bagos.

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

Tabela 5.1. Origens referidas na bibliografia para os fungos detectados nas uvas portuguesas quanto ao

solo, alimentos, patogénicos e saprófitas de frutos, e fungos da folha da videira e uvas

Fungo 1 2 3 4 5 Acremoniella X Acremonium X X X X X Alternaria X X X* X X Arthrinium X X X X Aspergillus X X X* X X Aureobasidium X X X X Beauveria bassiana X X X Botrytis cinerea X X X* X X Chaetomium X X X X Chrysonilia sitophila X X Cladosporium X X X* X X Cunninghamella X X X Curvularia X X X X Dendryphiella X Drechslera X X X Emericella X X X Epicoccum nigrum X X X X X Eurotium X X Fusarium X X X X X Geotrichum X X X X X Gliocladium X X X X Histoplasma X Mucor X X X X X Neurospora tetrasperma Nigrospora X X X X X Paecilomyces X X X X Penicilium X X X* X X Periconia X X Pestalotiopsis X X X X Phoma X X X X X Pithomyces chartarum X Rhizopus X X X* X X Scytalidium X Stemphylium X X X X X Syncephalastrum racemosum X X Trichoderma X X X X X Trichotecium roseum X X X X Truncatella X X Ulocladium X X X X X

1- Solo (Barron , 1968; Domsch et al., 1993); 2- Alimentos (Pitt & Hocking, 1997);

3- Fungos patogénicos de frutos (Snowdon, 1990); * = descrito como causador de podridão

em uvas; 4- Folha de videira (Lopes, 2002); 5- Uvas francesas (Sage et al., 2002, 2004)

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

Todos os géneros detectados nas uvas com a excepção de 4 (35 géneros) já foram

isolados do solo. O solo é o reservatório dos fungos por excelência, por isso este facto

não é surpreendente. A riqueza de géneros encontrados nas uvas portuguesas é

semelhante à referida nas folhas de videira por Lopes (2002) e uvas francesas por

Sage e colaboradores (2002, 2004), em que também foram isolados estirpes de 39 e

40 géneros, respectivamente. Dos fungos detectados nas uvas portuguesas, 26 e 27

são comuns aos mencionados por estes investigadores, respectivamente.

Os 5 géneros mais frequentes detectados nas uvas portuguesas foram por ordem

decrescente Cladosporium, Alternaria, Botrytis, Penicillium e Aspergillus.

Cladosporium e Alternaria são géneros muito frequentes na natureza, frequentemente

dominantes em estudos de micoflora em condições de campo. Compreendem espécies

saprófitas muito comuns, como C. cladosporioides e C. herbarum, e A. alternata. As

espécies de Cladosporium e Alternaria podem viver como saprófitas, epífitas na

superfície de folhas vivas ou comportar-se como parasitas fracos. Alternaria e

Cladosporium são capazes de completar o seu ciclo de vida nas folhas mortas e

detritos vegetais e possuem características que os adaptam à vida na superfície das

plantas. Estes géneros podem alimentar-se de reservas endógenas e conteúdos de hifas

velhas, que são autolizadas e recicladas para as extremidades das hifas em

crescimento. Alternativamente, os esporos podem germinar para produzir esporos

secundários ou sofrer conidiação microcíclica (figura 4.1, capítulo 4). A presença de

melanina nas paredes das hifas e esporos é uma vantagem para a protecção da

radiação solar (Peberdy, 1990), e pensa-se que é por isso que os fungos do filoplano

são na sua maioria dematiáceos (Ellis & Ellis, 1997).

Como foi mencionado na introdução, Botrytis, Aspergillus e Penicillium

compreendem várias espécies saprófitas e parasitas oportunistas e patogénicas de

plantas. B. cinerea é por excelência o principal fungo patogénico da videira e

principal causa de podridão das uvas. Por esse motivo, a presença de propágulos

destes fungos nas vinhas é esperada. Na Tabela 5.2 e Tabela 5.3 estão indicadas as

espécies detectadas de Aspergillus e Penicillium nas uvas portuguesas bem como

informações quanto à sua presença noutros habitats e noutros rastreios à micoflora

normal das uvas.

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

Tabela 5.2. Espécies de Aspergillus e seus teleomorfos detectadas nas uvas portuguesas e informações

quanto à sua presença noutros habitats

Espécie 1 2 3 4 5 6

A. auricomus X

A. candidus X X X

A. carbonarius X X X

A. carneus X

A. clavatus X X

A. flavipes X X X

A. flavus X X X X A. fumigatus X X X X A. japonicus X X X* X X A. niger (agregado) X X X* X X X A. ochraceus X X X A. ostianus

A. terreus X X X X

A. terreus var. africanus

A. ustus X X X X X A. versicolor X X X X X A. wentii X X

Emericella nidulans X X X

Eurotium amstelodami X X

Eurotium chevalieri X X

Pet. alliaceus X X

1- Solo (Klich et al., 1992); 2- Alimentos (Pitt & Hocking, 1997); 3- Fungos

patogénicos de frutos (Snowdon, 1990) * = causador de podridão em uvas; 4- Folha de videira

(Lopes, 2002); 5- Uvas francesas (Sage et al., 2002, 2004); 6- Uvas espanholas (Bau et al.,

2005)

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

Tabela 5.3. Espécies de Penicillium e seus teleomorfos detectadas nas uvas portuguesas e informações

quanto à sua presença noutros habitats (1, 2, 3, 4, 5, e 6 = o mesmo que na tabela 5.2)

Espécie 1 2 3 4 5 6

P. aurantiogriseum X X* X

P. bilaiae

P. brevicompactum X X X X P. canescens X X* X X P. chermesinum

P. chrysogenum X X X X X X

P. citrinum X X X* X X X P. corylophilum X X X X P. crustosum X X X

P. echinulatum X

P. expansum X X X* X X

P. fellutanum X X

P. funiculosum X X X X

P. glabrum/spinulosum X X X X X X P. griseofulvum X X X X P. implicatum X X X

P. janczewskii X X X

P. miczynskii X

P. minioluteum X

P. novae-zelandiae X

P. olsonii X

P. oxalicum X X X X X P. pinophilum X X P. purpurogenum X X X X P. raistrickii X X

P. restrictum X X X

P. roqueforti X

P. rugulosum X X X

P. sclerotiorum X

P. simplicissimum X X X

P. solitum X

P. thomii X X X X X P. variabile X X X X P. verruculosum

P. waksmannii X

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

Quanto às espécies de Aspergillus detectadas, todas à excepção de A. ostianus

foram descritas previamente em estudos do solo. Das 20 espécies isoladas nas uvas,

14 foram referidas em uvas de Espanha (Bau et al., 2005) e/ou França (Sage et al.,

2002, 2004), e muitas das espécies detectadas são de ocorrência comum em

alimentos.

A espécie mais frequente nas uvas portuguesas foi de longe o agregado A.

niger, que representou 76% das estirpes de Aspergillus isoladas. Esta espécie é vista

como um dos fungos mais comuns em alimentos, e apesar de estar presente no solo,

considera-se que não é habitante do solo, mas sim uma espécie invasora (Domsch et

al., 1993). A. niger é considerada a principal espécie de Aspergillus responsável pela

podridão de frutos, incluindo uvas (Pitt & Hocking, 1997; Snowdon, 1990; Zahavi et

al., 2000).

A segunda espécie de Aspergillus isolada com maior frequência foi A.

carbonarius (9%), outra espécie da secção Nigri. Esta espécie não é comummente

referida de outras fontes, tendo sido isolada de lama, solos pantanosos, solo e água

poluída na Índia e Iraque (Klich & Pitt, 1988). Recorda-se ainda que, tal como

mencionado na introdução, foi também na Índia que esta espécie foi referida como

causadora de podridão nas uvas (Raper & Fennell, 1965). As restantes espécies de

Aspergillus foram isoladas das uvas com pouca frequência. A terceira espécie mais

frequentemente isolada das uvas portuguesas, A. flavus, compreendeu 3% das estirpes

de Aspergillus isoladas. A. flavus é uma espécie produtora de aflatoxinas, e dado que

possui uma fisiologia semelhante a A. niger, pensa-se que compete com A. niger no

ambiente natural em muitas situações (Pitt & Hocking, 1997). No caso concreto das

uvas, dada a frequência destas espécies, A. niger venceu esta competição. Os

Aspergillus da secção Nigri tem esporos muito melanizados, o que lhes confere uma

vantagem adaptativa em ambientes expostos a radiação solar, e são xerófilos, capazes

de crescer com baixas actividades de água e temperaturas elevadas.

Quanto às espécies de Penicillium isoladas das uvas, das 35 espécies

detectadas, 26 foram isoladas de uvas na Espanha e/ou França. As espécies mais

frequentes foram P. brevicompactum, P. glabrum/spinulosum e P. thomii, que são

espécies xerófilas, comuns em materiais em decomposição e solo. P. brevicompactum

é das espécies mais xerófilas do género. Estas espécies já foram isoladas de uvas

podres, e a sua capacidade de causar podridão nas uvas é reconhecida (Sage et al.,

2002, 2004). A micoflora das uvas portuguesas de Aspergillus e Penicillium é pois

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

dominada por espécies xerófilas, capazes de crescer até 45 ºC e 30 ºC,

respectivamente, e com capacidade para causar podridão nas uvas caso hajam

condições propícias à infecção dos bagos.

1.1.1. Variação da micoflora com a maturação

As uvas portuguesas estiveram expostas sensivelmente ao mesmo número de

propágulos fúngicos ao longo do período de maturação estudado, entre o bago ervilha

e a vindima: a média de propágulos fúngicos por bago foi sempre igual a 2.

No entanto, em termos de composição da micoflora, observaram-se diferenças.

No início da maturação, a micoflora do bago ervilha é dominada por fungos típicos do

filoplano de angiospérmicas, como Alternaria, Aureobasidium, Botrytis,

Cladosporium, Epiccocum e Stemphylium, e foi neste estado que se verificou a

incidência mais elevada de Arthrynium, Drechslera, e Fusarium. Com o avanço da

maturação, verificou-se um decréscimo nos fungos do filoplano e um aumento

significativo de agentes saprófitas e parasitas oportunistas causadoras de podridão nas

uvas, nomeadamente Aspergillus, Botrytis, Penicillium e Rhizopus. Na passagem do

bago ervilha para o pintor, observou-se um decréscimo significativo de Stemphylium e

um aumento significativo de Botrytis e Penicillium. Mas o maior número de

alterações significativas na incidência dos fungos deu-se na passagem do pintor para a

vindima, quando decrescem significativamente várias espécies comuns do filoplano,

entre as quais Alternaria, e aumenta a incidência de Aspergillus, Penicillium e

Rhizopus. No final da maturação, os bagos estão mais ricos em nutrientes e açúcares,

a película é fina e sujeita a fissuras. Do ponto de vista morfológico, o bago encontra-

se mais vulnerável ao ataque de agentes patogénicos com o avanço da maturação.

Além disso, a partir do momento em que o cacho fecha, proporciona-se no interior do

cacho um ambiente pouco arejado, abrigado dos agentes atmosféricos, que pode

facilitar a permanência de esporos de agentes saprófitas secundários, com dificuldade

em colonizar a superfície dos bagos. Se houver danos nos bagos, podem-se criar

condições favoráveis à podridão. É precisamente no momento mais vulnerável para os

bagos que os fungos descritos como causadores de podridão nas uvas estão presentes

com maior incidência.

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CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

As únicas espécies de Aspergillus que aumentaram significativamente com a

maturação foram o agregado A. niger e A. carbonarius. Estirpes do agregado A. niger

são detectadas desde o início, mas nenhuma de A. carbonarius foi detectada neste

estado. No entanto, foram detectadas no bago ervilha 9 das 15 espécies de Aspergillus

detectadas na vindima. A. carbonarius só aumenta significativamente do pintor para a

vindima, quando se dá o aumento significativo na incidência de Aspergillus e dos

restantes fungos capazes de causar podridão nas uvas. O facto de praticamente não ser

detectado nos estados antes da vindima, quando os bagos não estão tão susceptíveis ao

ataque de fungos, juntamente com a informação de que a frequência desta espécie é

rara noutros materiais, parece indicar que A. carbonarius está dependente da infecção

das uvas para completar o seu ciclo de vida.

Relativamente a Penicillium, as únicas espécies que aumentaram signifi-

cativamente a sua incidência nos bagos com o avanço da maturação foram P.

brevicompactum e P. glabrum/spinulosum. P. thomii por sua vez aumentou

significativamente a incidência nas uvas exclusivamente na região do Douro. Todas as

espécies de Penicillium que estão presentes em mais de 1% dos bagos na vindima já

foram isoladas no bago ervilha. O facto de apenas 3 espécies de Penicillium

aumentarem significativamente com a maturação leva-nos a postular que estas

espécies poderão estar ligadas directamente à vinha e às uvas, enquanto as restantes

espécies de Penicillium detectadas parecem não depender exclusivamente das uvas

para variar os seus efectivos. No entanto, se existirem condições favoráveis à infecção

dos bagos, especialmente em fases de sobrematuração, é possível que espécies como

P. expansum, possam causar podridão nas uvas (V. secção 6.3 deste capítulo).

Rastreios a uvas em diferentes estados de maturação permitiram retirar

conclusões semelhantes noutros países. Bau e colaboradores (2005) verificaram um

aumento significativo de Aspergillus e Penicillium com o avanço da maturação e um

decréscimo significativo na incidência de Alternaria e Cladosporium nos bagos. Bellí

e colaboradores (2004b) reportaram um aumento de Aspergillus da secção Nigri nas

uvas com a maturação. Sage e colaboradores (2004) reportaram um decréscimo de

Cladosporium e um aumento de A. niger e de P. expansum do final do pintor para a

vindima. Nas uvas portuguesas, não se verificou um decréscimo de Cladosporium

com o avanço da maturação. As diferenças no método de detecção usado podem estar

na base desta observação: Bau e colaboradores (ob. cit.) referem que a inspecção dos

bagos foi feita apenas no final do tempo de incubação de 7 dias. As colónias de

276

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

Cladosporium têm um crescimento mais lento que outros fungos, nomeadamente

Aspergillus, que aumentam com a maturação e que mascaram com frequência a

presença de Cladosporium nas amostras, levando a subestimar a incidência do género

nos bagos.

1.1.2. Variação da micoflora com a origem geográfica

Na vindima, observou-se que a população fúngica a que as uvas estão expostas

não difere significativamente entre regiões com a excepção de 3 géneros: Aspergillus,

Botrytis e Ulocladium. Observou-se que Aspergillus e Botrytis têm distribuições

inversas, isto é, as regiões onde se detectaram em média mais Botrytis foram aquelas

onde se detectaram em média menos Aspergillus nos bagos. As diferenças na

incidência de Aspergillus e Botrytis podem estar relacionadas com o clima das

regiões, em particular com o regime de precipitação e humidade. Por ordem

decrescente, as regiões em média com mais Botrytis e menos Aspergillus foram:

Vinhos Verdes, Ribatejo, Douro e Alentejo (as duas últimas regiões tiveram uma

média igual de Aspergillus nas amostras). A região mais húmida das estudadas é sem

dúvida a dos Vinhos Verdes, devido ao seu clima sofrer influências atlânticas e ser

Submediterrânico. Das regiões de clima Mediterrânico, a mais húmida é o Ribatejo,

seguida do Douro e Alentejo (tabela 3.4, capítulo 3, p. 135). Como foi mencionado na

introdução no capítulo 2, Botrytis é um patogénio da videira que requer humidade

para poder infectar as uvas, e é favorecido em ambientes húmidos e desfavorecido em

climas secos, como Douro e Alentejo. Por sua vez, os Aspergillus, em particular os

Aspergillus secção Nigri, as espécies dominantes na vinha, têm uma vantagem

adaptativa nestes climas, pois são capazes de crescer a temperaturas mais elevadas e

com menos humidade, e chegam a ser dominantes nas amostras.

Foi interessante verificar que apesar de não se verificarem diferenças

significativas quanto à incidência de Penicillium nas amostras, existiram diferenças

quanto à frequência das suas espécies. No caso dos Penicillium, as principais

diferenças não parecem estar relacionadas com o clima, mas sim com uma

distribuição geográfica Norte/Sul. Duas das espécies mais frequentemente detectadas

nas uvas, P. brevicompactum e P. thomii, têm uma distribuição inversa, isto é, P.

277

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

brevicompactum é mais frequente nas uvas do Sul de Portugal e P. thomii mais

abundante no Norte de Portugal.

Os locais estudados dentro das regiões tiveram uma micoflora bastante

semelhante no que diz respeito aos géneros de fungos mais frequentemente detectados

na vindima. As principais excepções foram um local no Douro e outro no Ribatejo.

No Douro, o local Do3 diferiu dos restantes dois locais quanto à incidência de

Alternaria e Aspergillus. Neste local, a incidência de Aspergillus foi

significativamente menor que nos outros locais, enquanto a incidência de Alternaria

nas amostras foi significativamente maior. A vinha do local Do3 situa-se no Douro

Superior, num espaço bem ventilado. Foi-nos indicado que devido ao bom arejamento

do local, que a vinha analisada é pouco susceptível à podridão. O ambiente

circundante é dominado por 408 hectares de vinha, não sendo observada outra cultura

relevante. Parece-nos possível que devido à ventilação e condições excepcionais do

local, que existam piores condições para o estabelecimento de Aspergillus saprófitas

nos bagos e melhores condições para Alternaria, um fungo típico de campo que pode

completar o seu ciclo de vida nas folhas mortas.

No Ribatejo, no local R1, a presença mais elevada de Rhizopus na placa de

isolamento causa problemas na detecção de outros fungos de crescimento mais lento,

como Cladosporium e Alternaria, ou de identificação mais tardia, como Botrytis. Por

isso, é provável que as diferenças observadas digam respeito ao método de detecção

usado, e que a frequência destas espécies tenha sido subestimada.

Na Tabela 5.4 estão indicados os fungos descritos como os mais frequentes nas

uvas nos rastreios feitos com o propósito de estabelecer a micoflora ocratoxigénica.

Sage e colaboradores (2004) obtiveram resultados semelhantes aos das uvas

portuguesas em uvas de diversas províncias francesas, tendo verificado que

Alternaria, Cladosporium, Botrytis, Aspergillus e Penicillium foram os géneros mais

frequentes nas amostras. Por outro lado, Magnoli et al. (2003), Bellí et al. (2004b) e

Bau et al. (2005) não reportaram Botrytis como um dos géneros mais frequentes nas

uvas. Aliás, na Argentina, Magnoli et al. (ob. cit.) enfatizam que não foi detectada a

presença de estirpes de B. cinerea durante a vindima de 2001 em 50 amostras de uvas

na província de Mendoza. No entanto, Rosa et al. (2002) verificaram que em uvas

originárias da Argentina da província de Mendonza e do Brasil (Rio Grande do Sul),

no ano de 1997-1998, os géneros mais frequentes foram Aspergillus, Penicillium e

Botrytis, e em menor abundância Alternaria e Cladosporium. Nos rastreios em que

278

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

não se detectou Botrytis ou em que a sua frequência foi baixa, o género dominante foi

Alternaria, presente em cerca de 80% das amostras. Cladosporium e Penicillium

foram sempre descritos entre os fungos mais frequentemente isolados, mas Bau et al.

(2005) reportaram uma incidência de Penicillium mais baixa nas amostras que os

restantes investigadores.

A baixa incidência de Botrytis referida nas uvas da costa Mediterrânica

espanhola e na Argentina na província de Mendonza poderá estar relacionada com as

condições climáticas, visto que o clima é bastante seco. Nestes locais, o género

Alternaria foi dominante. No entanto, nas regiões portuguesas, não se verificou um

aumento significativo de Alternaria a par da baixa incidência de Botrytis.

Quanto às espécies de Aspergillus identificadas, os Aspergillus da secção

Nigri foram referidos por todos os investigadores como as espécies de Aspergillus

mais frequentes nas uvas, e são discutidos com mais detalhe no ponto 2.

Quanto às espécies de Penicillium, os investigadores referiram entre as

espécies mais frequentemente isoladas P. brevicompactum e P. expansum (Sage et al.,

2004), P. glabrum/spinulosum, P. funiculosum e P. thomii (Battilani et al., 2003), P.

chrysogenum (Magnoli et al., 2003) e P. glabrum, P. citrinum e P. decumbens (Rosa

et al., 2002), P. citrinum, P. glabrum e P. chrysogenum (Bau et al., 2005). Todas estas

espécies são agentes de deterioração comuns. Nenhum dos investigadores referidos

detectou a presença de P. verrucosum ou de P. nordicum.

279

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

Tabela 5.4. Géneros mais frequentes indicados nos rastreios a uvas publicados para estabelecer a

micoflora toxigénica nas uvas de diversos países

Espanhab França a Argentina a Brasil a

Bellí et al.

(2004b)

Bau et al.

(2005)

Sage et al.

(2002, 2004)c

Magnoli et

al. (2003)

Rosa et al.

(2002)

Rosa et al.

(2002)

Absidia X

Acremonium <1 10

Alternaria 80 76 55 80 <5 8

Aspergillus 0-15 17 55 70 35 42

Botrytis <1 53 20 20

Cladosporium X 22 38 40 <5 <5

Epiccoccum X 27

Eurotium 20

Fusarium X 3 15 5

Geotrichum 9 (2002) 5

Monilia <1

Moniliella <5 8

Mucorales 8

Penicillium X 2 50 30 10 20

Phytophtora <5 10

Rhizopus X 12

Trichoderma <1 22

Ulocladium X 32 10

Total amostras 1600 280 60 50 100

Bagos por amostra 5 5 100 g 100 100 g

Método 1 1 2 3 4 a % de amostras; b % de bagos; c a frequência de amostras diz respeito aos resultados publicados

em Sage et al. (2004) excepto quando indicado o ano 2002; 1-Plaqueamento directo dos bagos em

DRBC; 2-Lavagem das uvas com solução estéril de SDS 0,05% e plaqueamento de 1ml de

solução em MEA e placas de solo; 3-Plaqueamento de uvas em DG18 após desinfecção

superficial com hipoclorito de sódio; 4-Homogeneização das uvas no stomacher com uma solução

de 0,1% peptona e plaqueamento da solução em DRBC e DG18

280

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

1.1.3. Classificação das amostras de uvas portuguesas de acordo

com a origem geográfica com base na micoflora

Com as árvores de decisão, explorou-se a possibilidade de classificar a região

de origem das uvas com base em diferenças na composição da micoflora das

amostras. Caso essa tarefa fosse possível, significava que cada área geográfica podia

estar exposta a uma micoflora mais ou menos constante, dependente da região de

origem, o que poderia ter relevância para o estabelecimento de mapas de risco e de

identificação de perigos locais. Caso não fosse possível, seria interpretado como

reflexo de independência entre a micoflora das uvas e a região de origem.

Com base na micoflora total das uvas, criou-se um modelo de classificação em

que através das diferenças observadas na incidência de A. niger, Botrytis, P.

corylophilum e P.thomii nas amostras foi possível identificar a origem geográfica das

amostras no momento da vindima. A região dos Vinhos Verdes e do Douro surgem

definidas por apenas uma folha, o que significa que a micoflora dessas regiões pode

ser definida com base num critério. Mas para o Ribatejo e Alentejo temos duas folhas,

o que significa que não foi possível definir cada uma destas regiões apenas com um

critério. As amostras da região dos Vinhos Verdes foram identificadas com base na

sua baixa incidência de A. niger e incidência relativamente elevada de Botrytis. As

amostras do Douro foram distinguidas das dos Vinhos Verdes com base na sua

incidência mais elevada de A. niger, e as amostras do Norte de Portugal foram

distinguidas das do Sul com base na incidência de P. thomii nas amostras. Mas a

distinção entre as duas regiões do Sul, Alentejo e Ribatejo, foi principalmente feita

com base na incidência de Botrytis nas amostras destas regiões, mais elevada no

Ribatejo que no Alentejo. No entanto, a capacidade preditiva deste modelo foi baixa,

sendo o Alentejo a região com mais insucesso de classificação, onde 50% das

amostras foram classificadas erroneamente como sendo do Ribatejo, pelos critérios

deste modelo. Com a selecção dos melhores atributos, o modelo continuou a usar os

dois critérios que permitiam a distinção das amostras dos Vinhos Verdes e do Douro e

entre Norte/Sul (agregado A. niger e P. thomii, respectivamente). Por sua vez, as

regiões do Alentejo e Ribatejo foram distinguidas com base na frequência de

Ulocladium e de A. niger. Mas novamente se verificou que a região do Alentejo era

classificada com pouco sucesso com validação cruzada, sendo incorrectamente

281

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

classificada como Ribatejo em 50% dos casos. Tornou-se claro que a distinção de

amostras do Ribatejo e Alentejo era complexa. Como tal, testou-se o modelo com

redefinição das classes: Douro, Sul e Vinhos Verdes.

O modelo com base apenas na frequência de A. niger e P. thomii nas amostras

revelou-se capaz de classificar correctamente 82% das amostras num estudo de

validação cruzada. Isto mostra que, aparentemente, as uvas das regiões dos Vinhos

Verdes, Douro e Sul estão expostas de forma diferente a estas espécies duma forma

bastante consistente, independentemente do local, casta ou ano estudados. As regiões

do Sul de Portugal- Ribatejo e Alentejo- surgem como uma região exposta à mesma

população fúngica e, consequentemente, aos mesmos riscos potenciais. Estas

diferenças na distribuição geográfica dos fungos, se provarem ser consistentes, podem

eventualmente ter aplicações na micologia forense, quanto à identificação da

proveniência da região das uvas pela sua composição micológica com base na

frequência de algumas espécies chave. Adicionalmente, a variação na micoflora que

se verificou nas regiões portuguesas reforça a ideia de que as diferenças na micoflora

das uvas referidas pelos investigadores de diferentes países podem não ser

exclusivamente devidas a diferenças no método usado ou ao clima, mas depender da

distribuição geográfica das espécies.

1.2. Micoflora das uvas após desinfecção superficial dos

bagos

Após desinfecção superficial, detectou-se uma menor diversidade de fungos

nas uvas, o que indica que muitos dos géneros estão apenas presentes na superfície

dos bagos. Foram detectados essencialmente fungos descritos como potenciais

causadores de podridão nos bagos, como Alternaria, Aspergillus, Botrytis,

Cladosporium, Penicillium, Stemphylium e Rhizopus (Lopes, 2002), incluindo fungos

saprófitas comuns em folhas verdes que em certas condições podem tornar-se

patogénicos para plantas, como Aureobasidium, Fusarium e Phoma (Lopes, ob. cit.).

Seis das 9 das espécies de Penicillium e estirpes do género Rhizopus só foram

detectadas na vindima, enquanto que outros fungos, como Alternaria, Aureobasidium,

Botrytis, Cladosporium, Epicoccum, P. glabrum/spinulosum, P. thomii e Stemphylium

282

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

foram detectados em todos os estados de maturação, indicando que a colonização do

bago com alguns fungos se dá desde os estados de maturação iniciais. Bau et al.

(2005) estudaram a composição micológica de sementes de uva, e não detectaram

qualquer fungo, o que leva crer que a contaminação fúngica com as espécies

saprófitas e patogénicos oportunistas advém essencialmente da superfície do bago.

1.3. Podridão detectada nos bagos

Nas vinhas estudadas raras vezes se observou podridão. Em algumas das

ocasiões em que se observou podridão, associado a Botrytis, foram detectados A.

carbonarius (uma única vez) e T. roseum. T. roseum não é um fungo muito

frequentemente referido como causador de podridão nas uvas. A única referência que

conhecemos a este respeito foi em uvas provenientes da Alemanha (Schwenk et al.,

1989). A podridão de T. roseum associada a Botrytis pode passar despercebida à

primeira vista. Nas adegas, o aspecto róseo por cima da podridão cinzenta de Botrytis

foi considerado descoloração do fungo pelos engenheiros agrónomos e, como tal, é

possível que seja mais frequente que o referido. T. roseum foi descrito como um

micoparasita dos esclerócios de B. cinerea (Domsch et al., 1993). As nossas

observações não são suficientes para afirmar se T. roseum estava de facto a parasitar

as hifas de B. cinerea, visto que não foram detectadas ao microscópio estruturas de

penetração nas hifas de Botrytis por T. roseum. Aparentemente, T. roseum apenas

cresce sobre Botrytis. Na placa de isolamento, T. roseum foi detectado muitas vezes a

crescer sobre Botrytis, sendo detectado frequentemente no final do tempo de vida da

placa de isolamento.

Durante os anos do nosso estudo, não se observou podridão por P. expansum

nas vinhas estudadas ou de que tivéssemos conhecimento, mas Abrunhosa (2001)

detectou uvas podres com esta espécie na vinha Do4 no ano de 1999.

Apesar de a podridão por Aspergillus negros ser considerada em alguns países

(v.g., Israel) de igual importância económica que a por B. cinerea e de ser o fungo

predominante em uvas destinadas ao fabrico de vinho (Zahavi et al., 2000), durante o

nosso estudo a podridão com Aspergillus foi observada uma única vez num cacho (A.

carbonarius). A podridão por Aspergillus em Portugal é raramente referida, sendo a

Botrytis considerada a principal causa de podridão nas uvas (Amaro & Couto, 2001).

283

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

1.4. Micoflora do mosto

A detecção e isolamento de fungos filamentosos no mosto de uvas antes e após a

primeira adição de sulfuroso foi dificultada pelo grande número de colónias de

leveduras presentes. Os principais fungos detectados no mosto foram Aspergillus,

Penicillium e Rhizopus. Foram detectadas duas espécies de Aspergillus da secção

Nigri, A. carbonarius e agregado A. niger. A presença de A. carbonarius só foi

detectada numa amostra, antes da adição de sulfuroso no mosto da casta alvarinho

proveniente da sub-região de Monção, onde nunca foi detectado este fungo nas uvas

da vinha estudada da mesma sub-região. Em todas as amostras foram detectadas

estirpes do agregado A. niger e do género Penicillium. Uma das espécies mais

frequentemente detectadas foi P. crustosum. Esta espécie é capaz de crescer em

condições bastante ácidas, a pH inferior a 2,2. Após a adição de sulfuroso, ainda

encontrámos propágulos viáveis de agregado A. niger, Mucor, Penicillium e Rhizopus.

O sulfuroso é um composto químico que tem acção fungistática, não fungicida. O

seu propósito é desinfectar o mosto e prevenir a proliferação de microrganismos

indesejáveis até ao arranque da fermentação, quando em condições industriais se

adicionam leveduras seleccionadas. Nas duas amostras de mosto em início de

fermentação da região dos Vinhos Verdes, não se detectaram colónias de fungos

filamentosos, apenas leveduras. Dada a dificuldade de detectar propágulos viáveis de

fungos filamentosos no mosto no início da fermentação devido ao grande número de

colónias de leveduras presentes nas placas, não se pode excluir que não possam

existir. No entanto, considera-se que mesmo que estivessem presentes propágulos de

fungos filamentosos viáveis no mosto nesta fase, estes não teriam condições para

crescer, dada a competição feroz com as leveduras.

284

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

2. Espécies de Aspergillus da secção Nigri produtoras de

OTA

A. carbonarius foi sem dúvida a principal espécie responsável pela produção

de OTA detectada nas uvas portuguesas, compreendendo 73% das estirpes produtoras

de OTA isoladas. Apesar das estirpes do agregado A. niger serem muito mais

frequentes, a produção pelas estirpes foi muito mais rara que por A. carbonarius. No

agregado A. niger, foi detectada produção de OTA por 4% das estirpes, enquanto que

100% das estirpes de A. carbonarius foram capazes de produzir a micotoxina.

Nenhuma das 3 estirpes de A. japonicus foi capaz de produzir OTA em níveis

detectáveis pelo método usado.

Os dados europeus são concordantes quanto ao facto de que a principal

espécie produtora de OTA isolada das uvas é A. carbonarius. No entanto, a proporção

de estirpes OTA+ referida variou consideravelmente. Nem todos os investigadores

referem 100% de produção de OTA pelas estirpes de A. carbonarius (Tabela 5.6).

Estes resultados são contrários aos obtidos no nosso estudo, bem como nos estudos

espanhóis e franceses, em que não se detectou uma única estirpe não produtora de

OTA desta espécie. Na literatura, outros estudos também não mencionaram 100% de

capacidade das estirpes de A. carbonarius produzirem a micotoxina (Abarca et al.,

2003; Joosten et al., 2001; Taniwaki et al., 2003; Téren et al., 1996). Este facto pode

ser devido a diferentes causas: 1) diferenças nos métodos e limites de detecção usados

em cada laboratório; 2) identificação errada dos metabolitos, visto que não é prática

corrente a confirmação dos metabolitos nas análises de ELISA e HPLC; 3)

identificação errada da estirpe; 4) diferenças locais quanto à proporção de estirpes

OTA+; 5) Algumas das estirpes verdadeiramente negativas poderão tratar-se de A.

ibericus, o taxon proposto que se pode confundir com A. carbonarius. Esta última

hipótese está na base da não detecção de OTA nas estirpes identificadas previamente

como A. carbonarius por Abarca et al. (2003).

Quanto às estirpes do agregado A. niger, a proporção de estirpes produtoras

nas uvas descrita na literatura também varia consideravelmente, entre 0 a 77%. As

causas para esta variação podem ser semelhantes às indicadas acima para A.

285

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

carbonarius. Tjamos et al. (2004) reportaram que 77% de estirpes do agregado A.

niger produziram OTA em níveis detectáveis, mas mencionam que apenas 6% das

estirpes são fortemente positivas. Rosa et al. (2002) e Magnoli et al. (2003) referiram

uma proporção elevada de estirpes OTA+ do agregado A. niger nas uvas, tornando

esta espécie a principal produtora de OTA nas uvas da Argentina. Dalcero e

colaboradores (2002) obtiveram resultados semelhantes em rações animais, onde A.

carbonarius não foi detectado e 46% das estirpes do agregado A. niger produziram a

micotoxina em níveis detectáveis por HPLC. No entanto, A. carbonarius existe na

Argentina, tendo sido detectado em uvas passas recentemente (Magnoli et al., 2004).

A proporção de estirpes OTA+ no agregado A. niger nas uvas portuguesas está de

acordo com os estudos de Battilani et al. (2003), Téren et al. (1996) e Taniwaki et al.

(2003), que detectaram estirpes OTA+ entre 3 a 5% das estirpes do agregado.

Os únicos investigadores que reportaram produção de OTA por estirpes de A.

japonicus foram Battilani et al. (2003) e Dalcero et al. (2002). No entanto, outros

investigadores, como Bau et al. (no prelo), defendem que as únicas espécies da secção

Nigri capazes de produzir a micotoxina são A. carbonarius e A. niger.

Considerando a percentagem de estirpes produtoras de OTA face ao número

total de estirpes de Aspergillus secção Nigri isoladas, as uvas portuguesas apresentam

uma proporção de estirpes semelhante à referida por Bau et al. (2005) e Battilani et al.

(2003) na Europa. Os investigadores que referiram a incidência mais baixa de estirpes

OTA+ na secção Nigri foram Bellí et al. (2004b). Na Europa, os investigadores que

registaram a proporção de estirpes OTA+ mais elevada na secção Nigri foram Tjamos

et al. (2004), na Grécia, e Sage et al. (2002), na França.

286

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

Tabela 5.5. Espécies de Aspergillus da secção Nigri e seu potencial ocratoxigénico referido nos

rastreios à micoflora ocratoxigénica das uvas publicados até ao momento de escrita desta dissertação

Referência Nº de estirpes isoladas (% de estirpes OTA+)

agregado

A. niger

A. carbonarius A. japonicus Aspergillus

negros

Portugal 622 (4) 69 (100) 3 (0) 702 (13)

Bellí et al. (2004b) n.i. n.i. n.i. 386 (5)

Bau et al. (2005) 474 (0) 101 (100) 5 (0) 575 (18)

Magnoli et al (2003) 63 (45e) 0 0 63 (45e)

Rosa et al. 2002 (Argentina) 48 (17c) 0 0 48 (17c)

Rosa et al., 2002 (Brasil) 53 (30d) 32 (25) 0 85 (28)

Battilani et al., 2003 270 (5) 86 (60) 108 (3) 464 (15)

Tjamos et al., 2004 159 (77a) 60 (97b) 0 219 (82f)

Sage et al., 2004 n.i. (0) n.i. (100) n.i. n.i.

Sage et al., 2002 1 (0) 14 (100) 0 15 (93)

n.i. = não indicado; a apenas 6% acima de 25 ppb; b 78% acima de 25 ppb; c entre 32-77 ppb; d

entre 26-96 ppb; e 11% entre 18-25 ppb (gama máxima); f 26% acima de 25 ppb

2.1. Estirpes OTA+ e maturação das uvas

As estirpes OTA+ não foram detectadas no estado mais inicial de maturação,

no bago ervilha. Foram detectadas estirpes OTA+ pela primeira vez no pintor, tanto de

A. carbonarius como do agregado A. niger, mas é na vindima que a maioria das

estirpes produtoras de OTA são detectadas. Foram detectadas estirpes do agregado A.

niger em todos os estados de maturação, mas a sua abundância aumentou

significativamente com o avanço da maturação. No entanto, a proporção de estirpes

OTA+ no agregado A. niger no pintor e na vindima é semelhante, correspondendo a 3

e 5%, respectivamente. O facto de não se terem detectado estirpes OTA+ do agregado

A. niger no bago ervilha pode por isso ser devido somente a uma questão de

amostragem, visto a espécie ser menos frequente. Por outro lado, Leong et al. (no

prelo) mostraram com experiências de campo que a dinâmica de A. carbonarius na

vinha é complexa. Os autores citados inocularam cachos antes do fecho com esporos

de A. carbonarius, e verificaram que o número de esporos viáveis diminuiu muito

significativamente com o aumento da maturação. No momento do pintor, só foram

287

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

detectados 0,001% dos esporos inoculados. A partir do pintor, observou-se um

aumento do número de esporos e podridão. Os autores atribuiram a diminuição do

número de colónias viáveis à morte dos esporos de A. carbonarius por exposição à

radiação UV. No entanto, não exploraram até à data outra possibilidade que nos

parece viável: que os esporos de A. carbonarius tenham problemas em aderir e

manter-se na superfície da uva em estádios iniciais de desenvolvimento do bago. Esta

hipótese é suportada pela observação ao SEM de esporos de A. carbonarius, em que

se vê que as equinulações dos esporos se quebram facilmente, podendo prejudicar a

adesão. Quando o cacho fecha, é possível que se este comporte como uma armadilha

de esporos, aprisionando-os no seu interior, de forma que estes possam infectar os

bagos caso haja danos nas películas.

A contaminação dos bagos de uvas portuguesas com estirpes OTA+ é

essencialmente superficial em uvas aparentemente saudáveis. Após desinfecção

superficial de uvas normais, detectou-se A. carbonarius no momento da vindima em

apenas 3 dos 1200 bagos analisados (0,25%).

2.2. Variação da incidência de estirpes OTA+ com a região

de origem

Foram detectadas estirpes OTA+ em todas as regiões estudadas à excepção do

Dão, e em todas as vinhas das regiões do Douro, Ribatejo e Alentejo, mostrando que

todas as uvas de locais de clima Mediterrânico estão expostas a estes contaminantes.

Na região dos Vinhos Verdes foi detectada a presença de A. carbonarius numa

amostra de uvas e em mosto proveniente da sub-região de Monção, mostrando que

estes contaminantes também estão presentes na região dos Vinhos Verdes, mas com

menor frequência.

Verificou-se que A. carbonarius foi mais frequente nas vinhas do Sul do país

que no Douro, apesar de também ser detectado nesta região. No entanto, A.

carbonarius só foi detectado após desinfecção superficial no Alentejo e Ribatejo. Na

vinha 5 registou-se a incidência mais elevada de estirpes OTA+ do agregado A. niger,

e este foi o único local onde estas estirpes foram isoladas consistentemente na

vindima todos os anos. Este facto parece indicar que a população de estirpes OTA+ do

288

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

agregado A. niger é residente nesta vinha. Por outro lado, a presença de estirpes OTA+

do agregado A. niger noutras vinhas foi ocasional. O mesmo se pode dizer da

incidência de A. carbonarius nas uvas, que variou consideravelmente, e só foi

detectado nos três anos na vinha 8.

A. carbonarius foi detectado a causar podridão no interior dum cacho podre da

vinha 5, e nesse ano, na vindima, não foi detectado em nenhum dos 50 bagos da

amostra. Este facto sugere que a capacidade de permanência de A. carbonarius na

superfície dos bagos é baixa, e só consegue manter-se no interior dos cachos mais

compactos, onde causa podridão quando as condições lhe são favoráveis. Sendo

assim, independentemente da sua incidência nos bagos, a presença de A. carbonarius,

principalmente nas vinhas de clima Mediterrânico, revela potencial para a ocorrência

de podridão mediante condições propícias, especialmente no interior dos cachos.

Battilani et al. (2003) não reportaram diferenças conspícuas na micoflora

ocratoxigénica do Norte e Sul da Itália, sendo a percentagem média de estirpes de

Aspergillus produtoras de OTA de 6 e 8% no Norte e Sul da Itália, respectivamente.

Por sua vez, Bau et al. (2005) e Bellí et al. (2004b) não reportaram diferenças na

incidência de Aspergillus negros na costa Mediterrânica de Espanha entre as regiões

de Barcelona, Tarragona, Valência, Múrcia e Cádiz, e entre Costers del Segre,

Penedés, Conca de Barberà e Utiel-Requena, respectivamente. No entanto, Sage et al.

(2002, 2004), no seu estudo de 6 regiões de França, só detectaram a presença de A.

carbonarius nas amostras nas regiões mais a sul (nomeadamente Aude e Languedoc).

Tjamos et al. (2004) reportaram diferenças entre a incidência de espécies de

Aspergillus negros nas castas Cabernet Sauvignon e Grenache Rouge na ilha de

Rhodes. A casta Grenache Rouge teve uma incidência muito maior de A. carbonarius

nas uvas que a casta Cabernet Sauvignon. Na Grenache Rouge, mais de 80% dos

bagos estavam colonizados com A. carbonarius, e menos de 10% dos bagos com

estirpes do agregado A. niger, enquanto na casta Cabernet Sauvignon, a contaminação

com A. carbonarius foi de 10 a 20%, e a contaminação com estirpes do agregado A.

niger mais de 80%. Desta forma, é na Grécia que foi referida a incidência mais

elevada de A. carbonarius numa vinha.

Em termos do conhecimento que se tem da distribuição geográfica das principais

espécies produtoras de OTA, do clima e da OTA detectada em vinhos, verifica-se que

foi referida a presença de A. carbonarius em todas as áreas onde foi detectada OTA

em vinhos (V. Capítulo 2).

289

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

2.3. Relação entre estirpes OTA+ e a restante micoflora das

uvas

Considera-se que a presença de microrganismos epífitos na superfície dos

diferentes órgãos das plantas pode influenciar o crescimento de fungos parasitas

(Lopes, 2002). A possibilidade de se usarem alguns microrganismos como

antagonistas de patogénicos fúngicos nas uvas tem sido investigada (Zahavi et al.,

2000). Os microrganismos seleccionados para testar as potencialidades em termos de

luta biológica foram principalmente leveduras e o fungo dimórfico Aureobasidium

pullulans, apesar de alguns fungos filamentosos exibirem capacidade como

antagonistas, como Acremonium cephalosporium. Estirpes destas espécies, em

particular de Aureobasidium pullulans, têm efeito antagonista quanto à infecção por

Aspergillus (Zahavi et al., 2000), e fazem parte da micoflora das uvas portuguesas.

Por outro lado, como foi referido na introdução, o uso de estirpes não

toxigénicas no controlo de micotoxinas em culturas tem sido proposto como luta

biológica, visto que estas estirpes deverão ocupar o mesmo nicho ecológico em

campo. Observou-se que a proporção de estirpes toxigénicas para não toxigénicas de

Aspergillus negros variou nas vinhas estudadas na vindima variou entre 1:1 até 0, mas

os baixos níveis de OTA nas uvas e vinhos portugueses em geral não permitem tirar

conclusões quanto à influência da micoflora no teor de OTA das uvas.

Em termos de frequência nas amostras de uvas, as únicas correlações que

parecem relevantes quanto à relação entre espécies OTA+ e a restante micoflora são

entre A. carbonarius e o agregado A. niger e entre A. carbonarius e P.

brevicompactum. As estirpes do agregado A. niger estão significativamente

correlacionadas de forma positiva com a incidência de estirpes OTA+ nas uvas, pois

reflectem as preferências climáticas dos Aspergillus negros no geral. A correlação

positiva entre A. carbonarius e P. brevicompactum pode ser devida ao facto de que

ambas as espécies foram mais frequentes nas amostras do Sul de Portugal.

Quanto à situação nacional estudada, visto que as uvas estiveram em bom

estado fitossanitário e a concentração de OTA detectada nas uvas foi sempre baixa,

não se podem tirar conclusões quanto à influência da micoflora OTA- nestes

290

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

parâmetros. Salienta-se apenas que de acordo com os nossos dados e com os estudos

previamente publicados sobre a micoflora ocratoxigénica das uvas, a presença de

Aspergillus negros nas uvas parece ser boa indicadora da possibilidade da presença de

estirpes OTA+, independentemente das espécies em questão.

3. Aspergillus ibericus

Visto que as diferentes espécies da secção Nigri possuem diferentes capacidades

de produzir OTA, e dada a proximidade morfológica das espécies, a necessidade de

identificar correctamente as estirpes desta secção é imperativa a fim de evitar a

confusão entre as espécies que produzem a micotoxina nesta secção.

As estirpes inicialmente identificadas como A. carbonarius que não produziram

OTA possuem um perfil molecular distinto das outras espécies da secção, que se

revelou por análise RAPD, análise da sequência do rDNA ITS-5.8S e por análise de

sequências do gene da calmodulina (Cabañes et al. (2004); Bau e colaboradores (no

prelo)). Considerou-se que estas estirpes poderiam representar uma nova espécie da

secção Nigri, designado provisoriamente de A. ibericus. A. ibericus foi isolado

raramente das uvas de climas Mediterrânicos, mas em estados de maturação e regiões

geográficas distintas, o que indica que está bem estabelecida nas vinhas portuguesas.

O nome A. ibericus foi por nós proposto por dois motivos: até à data, estas estirpes só

foram isoladas em Portugal e Espanha; por outro lado, não há nenhum aspecto

qualitativo a nível morfológico que lhe confira individualidade face às outras espécies

descritas na secção Nigri. A ausência de capacidade de produção de OTA pelas

estirpes de A. ibericus distingue-as das estirpes de A. carbonarius, mas não das

estirpes de A. niger. Por isso, apesar de diferenças quanto à produção da micotoxina, a

distinção destas estirpes tem de ser feita numa base molecular e/ou morfológica.

O estudo da morfologia dos esporos ao SEM permitiu verificar que não há

uma relação directa entre a ornamentação dos esporos, a taxinomia e a produção de

OTA quanto às duas classes definidas por Kozakiewicz (1989): verrucosos e

equinulados. Estes dois tipos de ornamentação foram detectados em estirpes do

agregado A. niger e A. carbonarius, por vezes na mesma estirpe. Por outro lado,

291

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

confirmou-se que o tamanho dos esporos é uma característica valiosa na distinção dos

3 taxa bisseriados isolados das uvas: agregado A. niger, A. carbonarius e A. ibericus.

Detectaram-se diferenças significativas entre o tamanho médio dos esporos

dos 3 taxa mencionados. Não há sobreposição quanto ao tamanho dos esporos das

estirpes do agregado A. niger e de A. carbonarius, mas verificou-se sobreposição do

tamanho de esporos de A. ibericus com o limite superior do tamanho dos esporos do

agregado A. niger e com o limite inferior do tamanho dos esporos de A. carbonarius.

Apesar disso, foi possível classificar as estirpes negras bisseriadas isoladas das uvas

com 100% de exactidão nestas 3 espécies com base no modelo de classificação

produzido com o tamanho médio dos esporos: < 5 µm, agregado A. niger; entre 5 e

6µm, A. ibericus; > 6µm: A. carbonarius. Segundo este critério, as estirpes da espécie

A. ibericus foram correctamente classificadas, mas com base num intervalo de apenas

1 micrómetro. Este critério força a uma capacidade de medição exacta dos esporos, e

juntamente com a sobreposição do tamanho dos esporos individuais com as outras

espécies, enfatiza a necessidade de se classificar as estirpes com base no tamanho

médio dos esporos. A produção de OTA é uma característica que facilita a distinção

entre as estirpes de A. ibericus e A. carbonarius, mas a distinção entre as estirpes de

A. ibericus e agregado A. niger reside no tamanho dos esporos.

As estirpes de A. ibericus revelaram-se muito uniformes quanto ao tamanho

médio dos esporos, ao contrário das estirpes do agregado A. niger e A. carbonarius,

em que o tamanho médio dos esporos varia significativamente com a estirpe.

As estirpes de A. niger e A. tubingensis mostraram diferenças significativas

quanto ao tamanho médio dos esporos, com A. tubingensis a exibir esporos mais

pequenos que A. niger. Adicionalmente, verificou-se que os esporos de A. tubingensis

eram menos ornamentados. Estas observações vão de encontro às verificadas por

Accensi (2000) num estudo de 92 estirpes do agregado A. niger. O investigador

verificou que os esporos de A. tubingensis tem em média 3,6 µm de diâmetro

enquanto os de A. niger têm 4,0 µm de diâmetro. Tal como Accensi (ob. cit.),

consideramos que as diferenças morfológicas observadas são muito subtis e não

permitem uma distinção fidedigna entre as duas espécies.

Por outro lado, considera-se que a identificação morfológica do taxa A.

ibericus é possível, e que essa tarefa é facilitada quando aliada à avaliação da

capacidade de produção de OTA, visto que até agora não foi detectada a capacidade

292

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

de produção de OTA por estas estirpes. Considera-se adicionalmente que este taxa

não complica a taxinomia das espécies bisseriadas da secção Nigri, mas ao invés

disso, estreita a relação entre a taxinomia e a produção de OTA das espécies, em

particular para A. carbonarius.

4. Concentração de OTA nas uvas portuguesas

As análises às uvas produziram resultados surpreendentes, na medida em que

se detectou OTA no bago ervilha, quando não foram isoladas estirpes OTA nesta fase

da maturação das uvas. Investigadores italianos também verificaram este fenómeno,

se bem que raramente (Battilani, comunicação pessoal). Adicionalmente, os níveis de

OTA detectados no bago ervilha e no pintor foram superiores aos detectados em uvas

normais na vindima. Apesar de a OTA ser detectada nas uvas desde os estados iniciais

de maturação, as implicações deste facto quanto aos níveis de OTA detectados na

vindima não são conhecidas. Visto que se detectaram níveis inferiores de OTA no

bagos maduro comparativamente aos estádios anteriores de maturação, é impossível

especular se este facto se deve a uma questão de amostragem ou se está relacionado

com outros fenómenos, como diluição com o aumento de volume do bago ou

degradação por fungos (Abrunhosa et al., 2002) ou pela própria planta. No entanto,

nenhum dos valores de OTA detectados em uvas normais excedeu o limite máximo de

2 µg/l de OTA proposto no vinho.

Em uvas aparentemente saudáveis, detectou-se OTA na vindima em 3 regiões

e uma sub-região: Dão, Madeira, Ribatejo e sub-região de Monção (região dos Vinhos

Verdes), respectivamente. Só foram detectadas diferenças significativas entre a

concentração de OTA nas uvas das regiões no momento da vindima. As amostras

oriundas do Ribatejo estiveram em média mais contaminadas que as provenientes das

restantes regiões. No entanto, a concentração média de OTA nas amostras do Ribatejo

não excedeu os 0,1 µg/kg.

Foi interessante verificar que na vindima, a OTA foi detectada nas regiões

mais húmidas de bioclima Mediterrânico Pluvio-estacional Oceânico, e de menor

continentalidade (mais oceânicas) (V. capítulo 3, Tabela 3.7, p. 138). Estes resultados

estão de acordo com a distribuição de OTA nos vinhos europeus, em que os vinhos

293

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

mais contaminados são originários da bacia Mediterrânica, em particular, do Sul da

Itália e ilhas Gregas (V. capítulo 2). A presença de A. carbonarius foi detectada em

todas as regiões (e sub-região) mencionadas em amostras de uvas ou de mosto.

No entanto, a única situação em que se excedeu o limite de 2 µg/l nas uvas foi

num cacho em que foi detectada podridão com A. carbonarius numa vinha do Douro.

Estes resultados enfatizam a necessidade de se usarem uvas em bom estado

fitossanitário para vinificação em todas as regiões onde as uvas estão expostas a A.

carbonarius, visto que nenhuma das amostras de uvas sem sintomas de infecção

fúngica excedeu a concentração de 2 µg/l de OTA nos bagos.

5. Avaliação do potencial ocratoxigénico das estirpes em

meio de uva

A produção de OTA por estirpes da secção Nigri entre CYA e GJ50 foi

consistente, significando que o CYA é um bom meio para avaliar a capacidade de

produção de OTA pelas estirpes em meio de uva. Confirma também que todas as

estirpes ocratoxigénicas têm um comportamento semelhante quanto à capacidade de

produzir a micotoxina em meio de uva. Para estudar a influência das diferenças na

composição nutricional das uvas quanto à maturação e à casta, seleccionou-se uma

estirpe de A. carbonarius. Os resultados revelaram que a composição nutricional das

uvas permite a produção da micotoxina em todos os estados de maturação e castas,

sendo favorecida por concentrações de ácidos orgânicos elevadas e baixos teores de

açúcares redutores que se verificaram em estados de maturação mais precoces e na

vindima em castas mais ácidas, como Vinhão. Em uvas no estado de bago ervilha, a

estirpe seleccionada produziu cerca de 100 vezes mais OTA que nas uvas maduras.

Esta observação suporta os dados obtidos respeitantes à concentração de OTA das

amostras, no sentido em que confirma que o bago ervilha tem condições

nutricionalmente adequadas para que haja produção da micotoxina, e em quantidades

superiores que no bago maduro. Parece-nos possível que casos pontuais de infecção

por A. carbonarius em bagos danificados nesta fase (v.g., bagos rachados por oídio)

possam levar à contaminação dos bagos com a micotoxina nos níveis observados em

campo.

294

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

6. Outros perigos micotoxigénicos nas uvas

Nesta secção discutem-se os principais perigos micotoxigénicos que

apresentam outros fungos filamentosos presentes nas uvas além dos Aspergillus.

6.1. T. roseum e seus metabolitos

O facto de se ter detectado podridão com T. roseum em uvas portuguesas

destinadas à vinificação, conjuntamente com o facto de se terem detectado

previamente metabolitos tóxicos produzidos por este fungo em vinhos, suscita

preocupação. A preocupação é particularmente acrescida na região dos Vinhos

Verdes, onde se observou podridão por este fungo num grande número dos cachos

que chegaram a adegas para serem vinificados, apesar de também ter sido detectada a

presença do fungo em cachos podres da região do Douro durante este estudo e em

1999 por Abrunhosa (2001). Apesar de não existir legislação sobre o assunto, e de se

considerar que o risco para a saúde dos metabolitos de T. roseum deva ser mínimo,

visto que a podridão por este fungo em alimentos é rara (Pitt & Hocking, 1997), trata-

se de compostos da família dos tricotecenos, compostos de reconhecida toxicidade

para animais. Adicionalmente, verificou-se que um dos metabolitos, a tricotecina,

apresenta toxicidade para leveduras, e que confere um gosto amargo ao vinho quando

em grandes quantidades, afectando as características organolépticas do vinho.

A podridão por este fungo só foi detectada associada a B. cinerea. A podridão

cinzenta de B. cinerea nos cachos causa um decréscimo enorme na qualidade das

uvas, dificultando o processo de vinificação. Visto ser a podridão cinzenta ser

fenómeno frequente na região dos Vinhos Verdes, algumas adegas possuem uma

avaliação da qualidade nas uvas pela quantificação da actividade de lacase, enzima

produzida por Botrytis e outros fungos, de forma a melhor avaliar a qualidade das

uvas. Por isso, especula-se que os metabolitos de T. roseum serão particularmente

importantes em vinhos de menor qualidade, feitos a partir de uvas com alguma

podridão cinzenta, e que é possível que a determinação da lacase esteja relacionada

com a eventual presença de metabolitos tóxicos na região, bem como outras regiões

295

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

susceptíveis à podridão. A presença de T. roseum nos cachos podres leva-nos a

chamar a atenção de que vinificar uvas podres, além de ser uma má prática agrícola e

levar a vinhos de pior qualidade, pode conduzir à presença de compostos

potencialmente nocivos para a saúde.

6.2. Alternaria e alternariol

A presença de metabolitos produzidos por alternaria é particularmente relevante

em alimentos em que se detecta podridão visível por este fungo. Durante este estudo

nunca foi observada podridão nas uvas por Alternaria, mas existem registos de

algumas ocorrências associadas a Botrytis (Lopes, 2002). A autora considera que só é

provável que ocorram metabolitos de Alternaria, em particular o alternariol, caso se

vinifiquem cachos podres, e por isso, subscreve-se o que foi dito para T. roseum.

Apesar de a presença destes compostos não estar legislada em nenhum produto, a sua

presença é indicadora de má qualidade das matérias-primas (Scott, 2001).

6.3. Penicillium e patulina

As espécies do género Penicillium são capazes da produção de várias

micotoxinas, sendo as mais relevantes a OTA e a patulina. Como foi indicado na

secção dos resultados, não foram detectadas espécies OTA+ de Penicillium nas uvas

portuguesas. As espécies mais frequentemente detectadas nas uvas portuguesas, P.

brevicompactum, P. glabrum/spinulosum e P. thomii não produzem micotoxinas

consideradas relevantes para a saúde humana. No entanto, foram isoladas nas uvas

várias espécies capazes de produzir patulina, das quais a mais frequente foi P.

expansum.

Em 1999, Abrunhosa (2001) fez um rastreio a uvas das regiões demarcadas

dos Vinhos Verdes e Douro. As uvas da região dos Vinhos Verdes foram vindimadas

em meados de Setembro, cerca de mês e meio antes das da região do Douro, onde a

vindima se deu no início de Novembro. Apesar de Abrunhosa ter verificado que

Botrytis e Cladosporium foram dominantes nas uvas de ambas as regiões estudadas, a

incidência de Penicillium nas amostras do Douro foi elevada, sobretudo de P.

296

CAPÍTULO 5. DISCUSSÃO

expansum, particularmente nas amostras de colheita mais tardia, no início de Outubro

e Novembro. Foi postulado que a maior incidência de Penicillium nas amostras do

Douro se deveu ao estado de sobrematuração das uvas nesta região, mas a ausência de

P. expansum na região dos Vinhos Verdes requeria investigações futuras para se

determinar se a maturação foi de facto o factor justificativo das diferenças observadas

entre as regiões ou se poderiam estar envolvidos factores ambientais na distribuição

da espécie (Abrunhosa et al., 2001).

Durante este estudo verificou-se que a espécie P. expansum existe tanto na

região dos Vinhos Verdes como na região do Douro, e que nos anos e locais

estudados, foi inclusive mais frequente nas uvas da região dos Vinhos Verdes. Em

2003 foram analisadas uvas do mesmo local do Douro que foi estudado em 1999

(Do4) numa vindima corrente, e apesar de P. expansum ter sido detectado na amostra,

não foi detectada podridão e a sua frequência foi muito baixa. Com base nestes dados,

conclui-se que P. expansum só causa risco de podridão das uvas em estados de

sobrematuração ou em situações pós-colheita, e que, como tal, à semelhança do que se

passa com as maçãs e com as situações referidas atrás, a sua presença em uvas e

sumos é indicadora de má qualidade da matéria-prima. No entanto, este contaminante

não deverá estar presente no vinho, visto que é destruído com a fermentação, como foi

mencionado no capítulo 1.

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