Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

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9 CAPÍTULO 1 Ecologia dos Ecossistemas Urbanos “Cidades são tão artifici ais quanto colméias.” (John Gray, 2006) “De fato, pelo viés direcionado a estudos de ambientes prístinos, muitos ecólogos sentem-se desconfortáveis com a noção de que seres humanos fazem parte da natureza. Assim, mesmo com uma generalizada crise ambiental, a ecologia acadêmica tem pouco a dizer sobre a ecologia do Homo sapiens ou sobre as cidades como fenômeno ecológico.” (Willian E. Rees, 1997) Ecologia designa uma ciência que investiga as relações entre organismos e seu ambiente. Em contraste com a ecologia geral, a ecologia humana se refere ao estudo das relações dinâmicas entre populações humanas e as características físicas, biológicas, culturais, sociais e econômicas do ambiente (Lawrence, 2003). Rees (1997) classifica a ecologia urbana como um ramo da ecologia humana. Ecologia urbana é pesquisa ecológica feita em cidades. Há muitas definições para o termo “cidade”, a mais generalista é aquela que define uma cidade como uma áre a densamente povoada e caracterizada por áreas habitacionais, de comércio, e industriais (Niemela, 1999). São quatro os campos principais de pesquisa no âmbito da ecologia urbana (tabela 1). Tabela 1: Campos de estudo da ecologia urbana 1) Estudo do meio físico: pesquisas sobre geomorfologia, substrato geológico, clima, como fatores determinantes da atividade biológica nas cidades. Influem em diversas características dos ecossistemas urbanos, como por exemplo na composição vegetal mais adequada à arborização de um bairro. 2) Estudo das populações biológicas: populações humanas podem ser estudadas sob pontos de vista diversos: demografia, etologia, saúde pública. O estudo de outras populações pode ser interessante para fins de controle de animais vetores de enfermidades. Comunidades vegetais podem ser estudadas para fornecer subsídios ao planejamento da arborização. 3) Estudo da estrutura e da evolução do ecossistema no espaço: os ecólogos entendem os ecossistemas como o resultado de processos históricos onde pode intervir o acaso, e de tendências espontâneas de auto-organização. Ecossistemas (urbanos ou não) são heterogêneos,

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1º capítulo do Livro PELOS QUINTAIS DE SARANDI: ECOLOGIA URBANA E PLANEJAMENTO AMBIENTAL (cópia integral pode ser obtida em http://www.cch.uem.br/observatorio

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CAPÍTULO 1

Ecologia dos Ecossistemas Urbanos

“Cidades são tão artificiais quanto colméias.” (John Gray, 2006)

“De fato, pelo viés direcionado a estudos de ambientes prístinos, muitos ecólogos sentem-se desconfortáveis com a noção de que seres humanos fazem parte da natureza. Assim, mesmo com uma generalizada crise ambiental, a ecologia acadêmica tem pouco a dizer sobre a ecologia do Homo sapiens

ou sobre as cidades como fenômeno ecológico.” (Willian E. Rees, 1997)

Ecologia designa uma ciência que investiga as relações entre organismos e seu

ambiente. Em contraste com a ecologia geral, a ecologia humana se refere ao estudo das

relações dinâmicas entre populações humanas e as características físicas, biológicas,

culturais, sociais e econômicas do ambiente (Lawrence, 2003).

Rees (1997) classifica a ecologia urbana como um ramo da ecologia humana. Ecologia

urbana é pesquisa ecológica feita em cidades. Há muitas definições para o termo

“cidade”, a mais generalista é aquela que define uma cidade como uma área densamente

povoada e caracterizada por áreas habitacionais, de comércio, e industriais (Niemela,

1999). São quatro os campos principais de pesquisa no âmbito da ecologia urbana (tabela

1).

Tabela 1: Campos de estudo da ecologia urbana 1) Estudo do meio físico: pesquisas sobre geomorfologia, substrato geológico, clima, como fatores determinantes da atividade biológica nas cidades. Influem em diversas características dos ecossistemas urbanos, como por exemplo na composição vegetal mais adequada à arborização de um bairro.

2) Estudo das populações biológicas: populações humanas podem ser estudadas sob pontos de vista diversos: demografia, etologia, saúde pública. O estudo de outras populações pode ser interessante para fins de controle de animais vetores de enfermidades. Comunidades vegetais podem ser estudadas para fornecer subsídios ao planejamento da arborização.

3) Estudo da estrutura e da evolução do ecossistema no espaço: os ecólogos entendem os ecossistemas como o resultado de processos históricos onde pode intervir o acaso, e de tendências espontâneas de auto-organização. Ecossistemas (urbanos ou não) são heterogêneos,

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como um mosaico, e as partes do mosaico urbano diferem de muitas maneiras: morfologicamente, socialmente, metabolicamente. A evolução da estrutura do ecossistema pode ser estudada sob diferentes escalas. Por exemplo, o grau de impermeabilização de um bairro pode repercutir em escalas superiores (causando inundações).

4) Estudos relativos ao metabolismo material e energético dos ecossistemas: quanta energia, quantos e que tipos de materiais entram, de que forma esses insumos são empregados dentro do ecossistema urbano e quanta energia e resíduos são exportados.

Fonte: Terradas, 2001

Odum (1988) define ecossistema ou sistema ecológico como qualquer unidade de área

que abranja todos os organismos interagindo com o ambiente físico de tal forma que um

fluxo de energia produza: 1) estruturas bióticas claramente discerníveis (os organismos);

e 2) uma ciclagem de materiais entre as partes vivas e não vivas do sistema. De acordo

com as fontes e o nível do fluxo de energia que perpassa os sistemas ecológicos,

podemos dividi-los em quatro categorias (tabela 2).

Tabela 2: Categorias de ecossistemas segundo a fonte e o nível de energia

Tipo de ecossistema Fluxo energético anual médio (kcal/m2)

1. Ecossistemas naturais, que dependem de energia solar, sem outros subsídios (oceanos abertos, florestas de altitude). Prestam serviços ambientais fundamentais para a manutenção da vida (ciclos biogeoquímicos da água e do carbono, por exemplo).

1.000 – 10.000

2. Ecossistemas com subsídios naturais. Dependem de energia solar, mas contam com inputs energéticos, o que os torna bastante produtivos. Grande capacidade de sustentação da vida, grande produção de matéria orgânica, as vezes exportada para outros sistemas (estuários de marés, florestas úmidas).

10.000 – 40.000

3. Ecossistemas com subsídios antropogênicos. Dependem de energia solar, mas recebem inputs energéticos maciços (geralmente de origem fóssil) sendo também muito produtivos (agricultura, aquacultura).

10.000 – 40.000

4. Ecossistemas urbano-industriais. Movidos sobretudo a combustíveis fósseis. Extremamente dependentes dos três outros tipos de ecossistema para a manutenção da vida e obtenção de matérias primas e combustíveis (cidades, bairros residenciais, zonas industriais). Sistemas geradores de riquezas e poluição de variados tipos.

100.000 – 3.000.000

Fonte: Odum, 1988; Collins, 2000

Cidades são geralmente definidas como centros de comércio, como centros de sistemas

de transporte e comunicação, como fontes de cultura e artes e sede de governos.

Algumas vezes, pode se fazer menção à poluição, congestionamentos e outras mazelas

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urbanas. Entretanto, muito raramente se reconhece as cidades como ecossistemas, ou,

em outras palavras, poucos reconhecem a urbanização e a as cidades como

manifestações da ecologia humana (Rees, 1997).

O ecólogo barcelonês Jaume Terradas (2001), caracteriza as cidades como ecossistemas

heterotróficos, dissipativos, que se organizam aumentando a entropia no restante do

planeta. Ao contrário dos ecossistemas autotróficos (essencialmente estruturados por

cadeias alimentares compostas por organismos fotossintéticos que convertem energia

solar em energia química, à qual alimenta grupos de organismos heterótrofos), os

ecossistemas heterotróficos (também denominados de ecossistemas incompletos)

dependem de grandes áreas externas a eles para a obtenção de energia, alimentos,

fibras e outros materiais (Odum, 1988). Pickett (et al, 2004) define a cidade como um

sistema ecológico, onde humanos e processos sócio-ambientais estão combinados em

uma rede de interações recíprocas.

Cidades não são o único exemplo de ecossistemas heterotróficos. Riachos, e recifes de

ostras também o são. Contudo, as cidades diferem de seus congêneres “naturais” por três

diferenças principais: 1) um metabolismo muito mais intenso por unidade de área,

exigindo assim um influxo muito maior de energia, que em parte é suprida por

combustíveis fósseis; 2) uma considerável necessidade de entrada de materiais, como

metais, para a produção de bens de consumo não necessariamente conexos à

sobrevivência humana; e 3) uma saída muito maior e mais poluidora de dejetos e

resíduos (Odum, 1988).

Em suma, cidades são ecossistemas que possuem ambientes de entrada (áreas de onde

se retiram matérias primas diversas) e de saída (pontos da biosfera que recebem os

resíduos do metabolismo urbano) muito maiores do que outros ecossistemas

heterotróficos (Odum, 1988, Wackernagel e Rees, 1996).

A Humanidade não afeta apenas ambientes locais. Muito além disso, ela cooptou a

biosfera para seus propósitos. Compreender as implicações deste conjunto de eventos

para a sustentabilidade requer um foco nos seres humanos como os maiores organismos

consumidores em todos os ecossistemas do planeta (Rees, 1997).

A área ocupada pelos ecossistemas urbanos situa-se entre somente 1 e 5% da parte

terrestre do globo. Ocorre que, por possuírem extensos ambientes de entrada e saída,

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estes sistemas alteram sobremaneira a natureza de rios, florestas, campos, oceanos e a

própria atmosfera (Odum, 1988, Odum, 2001).

Vários dados atestam a enorme amplitude dos ambientes de entrada e de saída dos

ecossistemas urbanos. Mais nitrato artificial é aplicado nas plantações de grãos do

mundo, do que a quantidade fixada por atividade bacteriana e outros processos naturais

(Rees, 1997). Talvez ainda mais significativa, de uma perspectiva ecossistêmica, é a

evidência de que seres humanos, uma espécie entre milhões, consuma, diretamente ou

indiretamente, 40% da produção fotossintética primária líquida terrestre, e 35% da

produção fotossintética líquida de zonas costeiras e ressurgências (Vitousek, 1994).

Isto significa que embora as cidades sejam descritas como entidades geográficas

isoladas, elas dependem dos recursos naturais de vastas regiões muito além de suas

fronteiras. Para quantificar o volume de recursos consumidos pelas cidades, Rees e

Wackernagel (1996) criaram um conceito, a pegada ecológica (ou ecological footprints)

para medir a dependência entre as cidades e seus hinterlands.

A pegada ecológica é definida como o total da área de terra produtiva e água requeridos

permanentemente para produzir todos os recursos consumidos e absorver todos os

dejetos produzidos por uma determinada população. Desde o começo deste século, a

pegada ecológica cresceu 5 vezes nos países industrializados (Alberti, 1997).

A pegada ecológica de cidades como Los Angeles ou Londres provavelmente possui área

entre 100 e 300 vezes maior do que a área ocupada pelos próprios assentamentos. A

pegada ecológica de Londres, com 12% da população britânica, estende-se por cerca de

20 milhões de hectares, o que equivale ao total de terras produtivas da Grã-Bretanha

(Girardet, 1999).

O arquiteto italiano Giulio Carlo Argan (1993), conseguiu, de maneira poética, explicitar

como as cidades, com a globalização econômica, espalham suas ramificações por sobre

toda a biosfera ao afirmar que

a natureza não esta mais além dos muros da cidade; as cidades não têm mais muros, mas estendem-se em desesperadores labirintos de cimento, desfiam-se nas sórdidas periferias de barracos e, para lá da cidade, ainda é cidade, a cidade das auto-estradas e dos campos cultivados industrialmente.

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1.1 - Crescimento populacional e consumo

Nossos padrões de consumo em muito excedem a energia alimentar necessária a

manutenção da vida humana, que é de aproximadamente 1 milhão de kcal/ano/indivíduo.

Nos Estados Unidos da América, cada cidadão consome em média 87 milhões de

kcal/ano (Odum, 1988).

Evidentemente, este enorme consumo de energia extra-somática gera uma cadeia

enorme de impactos que surgem da necessidade de se importar energia e matérias

primas. Importação que degrada outros ecossistemas, e sistemas de transporte que

fragmentam o território. Também são fontes de impactos a produção, consumo e descarte

de resíduos relacionados ao consumo.

Como observa o ecólogo Eugene Odum (2001)

A Terra pode suportar mais “corpos quentes” sustentados como muitos animais domésticos num comedouro poluído, do que pode sustentar seres humanos desfrutando do direito a um ambiente livre de poluição, com uma razoável oportunidade de liberdade pessoal e uma variedade de opções para a busca da felicidade. Não é a energia que em si mesma é limitante, mas sim as conseqüências da poluição resultante da exploração da energia. A poluição é agora o fator limitante mais importante para o homem (...) À escala mundial, o crescimento da população apresenta uma correlação positiva com a densidade, num pronunciado contraste com as populações da maioria dos organismos, nas quais a taxa de crescimento decresce com o aumento da densidade (...) Uma vez que para o homem sempre haverá um longo atraso temporal nos efeitos da „auto-aglomeração‟ e também nos efeitos do uso em excesso de um recurso, a densidade da população tenderá a „transbordar‟ a menos que haja fatores que reduzam rapidamente a taxa de crescimento.

Embora as taxas de natalidade venham caindo no planeta, ainda há uma grande

disparidade entre mulheres ricas e pobres. No Brasil, por exemplo, mulheres com renda

superior a 5 salários têm em média 1,1 filhos, contra 4,6 filhos daquelas com renda de ¼

de salário mínimo (IBGE, 2007).

O declínio da natalidade é uma boa nova, mas que deve ser comemorada com cautela.

Há três projeções para o estacionamento do crescimento populacional humano em 2150:

a menor, com 8,5 bilhões de pessoas, e a maior, com 13,5 bilhões. Uma população com

mais de 10 bilhões de pessoas fatalmente reduziria a qualidade da existência humana,

dados os recursos e a capacidade de suporte atuais do globo (Odum, 1988).

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Com a população se aproximando de 7 bilhões de humanos, dificilmente atingiremos a

projeção mais baixa para 2150, a menos que lancemos mão de estratégias amplas de

planejamento familiar, incluindo aí o direito universal ao aborto. Odum (2001) sugere

também restrições ao uso do solo e água, e forte incentivo à reciclagem.

De acordo com Alan Weisman (2007) no final do século XIX éramos 1,6 bilhão de

pessoas. O autor especula que, se por um consenso mundial conseguíssemos implantar

a política do filho único existente na China, em todos os países, ao final do século XXI

teríamos retornado á população do século XIX. Uma redução de mais de 5 bilhões de

pessoas, sem guerras, nem atitudes brutais.

Menos pessoas, menor apropriação da produção fotossintética, populações concentradas

em menos cidades, planejadas para serem mais autotróficas, e grandes áreas do globo

deixadas intactas para a recolonização por outras formas de vida. Uma população menor,

com mais oportunidades para a satisfação dos prazeres que o consumo nos traz, como

viagens planetárias, sem exceder a capacidade de suporte do planeta.

Uma utopia, sem dúvida. Mas, como afirmou Mahatma Ghandi, o planeta pode sustentar

as necessidades de todos, mas não as ambições de todos. Através de mecanismos

culturais, ou por restrições ambientais, haveremos de reduzir a população humana.

1.2 - O ambiente urbano

No desenvolvimento do movimento ambientalista dos anos 60 e 70, tornou-se um

modismo considerar tudo o que estivesse relacionado às cidades como ruim, e tudo que

fosse ligado à vida silvestre, como algo virtuoso. Ironicamente, embora desdenhar as

cidades tenha se tornado modismo, a maioria das pessoas vivem em ambientes urbanos

e sofrem com seu declínio (Botkin; Beveridge, 1997).

Geralmente evidenciamos os aspectos negativos do ambiente urbano. Como sociedade,

temos perdido de vista a importância das cidades para tornar nossas vidas mais criativas.

Certamente, a cidade é uma das maiores invenções da humanidade, senão a maior. O

adensamento da população nos permite o desenvolvimento de uma economia que

suporta instituições diversas, como universidades, hospitais e museus, por exemplo.

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Do ponto de vista ecológico, é melhor que as pessoas concentrem-se em cidades, pois

suas necessidades são atendidas mais facilmente. O uso de energia é mais eficaz nas

cidades do que em assentamentos dispersos (Alberti, 1997; Spirn, 1995).

Também é mais fácil corrigir eventuais impactos ambientais, bem como melhorar a

qualidade de vida dos urbanitas (Lugo, 1991). Do ponto de vista da sociedade, as cidades

produzem uma grande quantidade de informações, conhecimento, cultura e tecnologia,

exportando-os para outros sistemas (Celecia, 1994; Celecia, 1997).

As cidades produzem soluções para diversos dilemas da existência humana, mas

também produzem muitos problemas. Nas cidades brasileiras predomina uma horrenda

estética de concreto, com a vegetação ocupando espaços cada vez menores. Com

padrões de controle pouco rigorosos ou inexistentes, a poluição é outro dilema

onipresente.

Segundo os pesquisadores Paulo Saldiva, e Jorge Hallack, do Laboratório de Poluição da

Universidade de São Paulo, as regiões mais poluídas da cidade de São Paulo registram

um menor nascimento de bebês do sexo masculino. A hipótese dos pesquisadores é de

que alguns poluentes atuem como desreguladores endócrinos, alterando o mecanismo de

regulação hipotálamo-hipófise-gônadas, e assim inibindo a produção de espermatozóides

com o cromossomo Y (Collucci, 2008).

Nossa fabulosa capacidade cultural de criar artefatos, não altera nossa fisiologia:

continuamos a ser animais homeotérmicos. Temos profundas habilidades para modificar

ambientes, criando, porém, frequentemente, impactos nocivos à nossa biologia (como as

ilhas de calor). Somos muito hábeis para criar novos ambientes, mas muito menos

capazes de lidar com as conseqüências adversas desses câmbios.

As ilhas de calor, decorrentes do excesso de pavimentação, estão correlacionadas com o

aumento do número mortes de idosos em dias mais quentes. Há autores inclusive que

relacionam o aumento da temperatura nas cidades com o aumento de crimes violentos

(assaltos e assassinatos). Em experimentos controlados realizados em laboratório,

temperaturas elevadas aumentam a irritabilidade e a agressão entre humanos (Baker, et

al, 2002).

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As temperaturas elevadas, comuns nas cidades brasileiras e acentuadas pelas ilhas de

calor, também se constituem em um fator de estresse para a vegetação urbana. Sob forte

calor e pouca água disponível no solo, algumas espécies fecham seus estômatos

(diminutos orifícios existentes nas folhas para captação de CO2 para fotossíntese), e, por

conseqüência, param de liberar vapor d´água para a atmosfera.

Nessas ocasiões, a vegetação urbana perde sua capacidade de diminuir extremos de

temperatura, justamente quando esse serviço ambiental se faz mais necessário. Ademais,

com o fechamento dos estômatos, ocorre acúmulo de O2 nas folhas. O excesso de O2

provoca um fenômeno conhecido como fotorrespiração, o qual interrompe a fotossíntese,

privando a planta de obter energia para sua manutenção (Raven, 2001).

A agência de proteção ambiental estadunidense calculou em mais de 1 bilhão de dólares

anuais os gastos das cidades norte-americanas com energia elétrica para mitigar o

desconforto térmico das ilhas de calor. Ademais, as ilhas de calor aceleram reações

químicas que produzem altas concentrações de ozônio, deste modo aumentando a

poluição atmosférica urbana, com conseqüências deletérias para humanos e vegetação

(Botkin, Beveridge, 1997).

A urbanização tem efeitos favoráveis e adversos sobre as comunidades bióticas. Por um

lado, a diversidade da influência humana sobre os ecossistemas urbanos faz surgir uma

grande variedade de habitats que não ocorrem fora das cidades. Essa miscelânea de

habitats frequentemente suporta uma alta biodiversidade, inclusive a presença de

espécies ameaçadas. Por exemplo, rodovias e pilhas de detritos de minas de carvão

abrigam 35% das espécies raras de besouros da Grã Bretanha. No reverso da medalha, a

urbanização ameaça a integridade de espécies e habitats naturais. Em Munique,

Alemanha, durante o século XX, 180 espécies de plantas tornaram-se localmente extintas

(Niemela, 1999).

A heterogeneidade é uma das mais importantes características a influenciar os ambientes

surgidos com a urbanização. Esse fator cria e barra oportunidades para os organismos,

alterando assim a biodiversidade. Como os demais ecossistemas, os sistemas ecológicos

urbanos são compostos por mosaicos de ambientes heterogêneos.

Recursos naturais, capital, trabalho, conhecimento se deslocam diferentemente através

das diferentes partes do mosaico urbano. Ricos circulam preferencialmente em certas

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áreas de uma cidade, toxinas e detritos tendem a se acumular em outros locais (não raro,

onde residem os mais pobres). Essa hierarquia, comum nas sociedades humanas, cria

uma heterogeneidade espacial vasta. A variedade de peças dos mosaicos urbanos é

enorme (Pickett, et al, 1997).

Da mesma forma em que se observa uma heterogeneidade espacial no mosaico urbano,

(áreas vegetadas, áreas densamente construídas, etc) há também uma heterogeneidade

social. Essa heterogeneidade pode ser quantificada e espacializada através dados

socioeconômicos, censos demográficos e surveys sobre decisões individuais ou familiares

ligadas ao meio ambiente (Pickett, et al, 2004).

Água, poluição atmosférica, diferentes tipos de capital, de vegetação e de outras

características sócio-ambientais podem se acumular ou se mover por entre as parcelas do

mosaico. Quais os mecanismos de alocação social e física existem e como eles

restringem ou permitem esses fluxos são questões importantes de pesquisa (Pickett, et al,

2004).

O caráter de mosaico dos ecossistemas urbanos torna a dispersão, uma tarefa difícil e

arriscada, ao menos para espécies com menos habilidades locomotoras.

Consequentemente, a extensão de áreas verdes e sua conectividade é um importante

fator a influenciar a ocorrência de espécies animais em paisagens urbanas (Niemela,

1999).

O isolamento das parcelas de habitats urbanos leva a variações nos eventos de

colonização e extinção. Este fator, somado ao estágio de sucessão primário mantido por

perturbações ambientais periódicas (corte da vegetação, por exemplo), contribuem para

uma alta riqueza de espécies em algumas paisagens urbanas. Este fato está em

consonância com a “hipótese da perturbação intermédia” (Connel, 1978, in Niemela,

1999), a qual prediz que a riqueza de espécies é maior em locais medianamente

perturbados, do que naqueles não perturbados, ou severamente perturbados. Por

exemplo, a diversidade de pássaros em áreas levemente perturbadas, como vilas era

maior (22 espécies) do que em florestas (18 espécies) ou no centro de cidades

finlandesas (12 espécies).

A diversidade alfa é usualmente maior em habitats urbanos porque muitas espécies de

diferentes origens encontram condições apropriadas nesses locais. Por exemplo, um

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estudo norte-americano encontrou uma maior abundância de espécies de plantas

vasculares em lotes urbanos abandonados (412 espécies) do que em florestas semi-

naturais de coníferas (262 espécies). A diversidade beta também costuma ser maior em

cenários urbanos, devido a enorme variedade de tipos de habitat, que vai desde habitats

semi-naturais até aqueles altamente antropogênicos. Por exemplo em Helsinki a

diversidade beta de plantas é maior entre habitats urbanos do que entre florestas semi-

naturais contíguas à cidade (Niemela, 1999).

Invasões bem sucedidas de espécies exóticas são mais comuns em ecossistemas

humanos do que em outros habitats. Este fenômeno ocorre pelo aumento do número de

viajantes (que, voluntariamente ou não, atuam como dispersores), e pelo aumento do

cultivo de espécies exóticas. Por exemplo, na cidade argentina de Bariloche a proporção

de espécies introduzidas aumenta de 10% em áreas rurais contíguas a cidade para 100%

no centro da cidade. Se por um lado a introdução de espécies pode aumentar a riqueza

de espécies urbanas, ela também pode diminuir populações de espécies nativas

(Niemela, 1999).

A atividade de organismos decompositores de matéria orgânica é diferenciado nos

sistemas ecológicos urbanos. Em um estudo sobre a decomposição da serapilheira e

sobre o ciclo de nitrogênio em florestas de carvalho (Quercus spp) variando ao longo de

um gradiente urbano-rural, chegou-se a conclusão que nas florestas urbanas a

decomposição e as taxas de nitrificação eram mais velozes, mesmo tendo essas áreas

populações de fungos e microartrópodos menores do aquelas encontradas nas florestas

rurais. Essas diferenças foram atribuídas a duas causas antropogênicas: temperaturas

mais altas causadas pelas ilhas de calor urbanas (o que apressa a decomposição) e uma

bem sucedida colonização do solo por minhocas (Zipperer, 1997).

Por possuírem uma nuvem de partículas em suspensão, cidades muitas vezes têm

chuvas com mais freqüência que os arredores, já que as partículas funcionam como

pontos de condensação de vapor d´água. Em alguns centros urbanos a percentagem de

precipitações é de até 10% maior do que no entorno (Baker, 2002). Ao mesmo tempo,

cidades usualmente são excessivamente pavimentadas, e portanto impermeáveis à

infiltração de água. Em outros ecossistemas, evaporação de água do solo é um

importante fator de refrigeração. A excessiva pavimentação pode ocasionar enchentes,

como as que ocorrem anualmente durante o verão na cidade de São Paulo.

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1.3 Influências humanas sobre sistemas ecológicos urbanos

Os efeitos da influência humana sobre os ecossistemas urbanos podem ser bons

(produção de conhecimento e difusão de práticas ambientais positivas), ruins (poluição e

outros impactos) e sutis (por exemplo câmbios na competição entre espécies pela

introdução de espécies exóticas).

Essas influências são de caráter econômico, social, político, e cultural (dando ao termo

“cultural” significação latu sensu). São dinâmicas correlatas, interconectadas: dinâmicas

ambientais e humanas. A religião, por exemplo, pode desempenhar uma dessas

conexões.

Em Salvador, na Bahia, com população de mais de 80% de negros e pardos, há,

registrados pela Febacap (Federação Baiana dos Cultos Afro-brasileiros), mais de 3500

terreiros de Candomblé. Cada terreiro possui uma área verde, com plantas sagradas para

seus praticantes. Num contexto de uma cidade tropical, com média de temperatura anual

próxima aos 30° C e extremamente mal arborizada, os terreiros muito provavelmente

exercem uma influência considerável sobre o conforto térmico dos arredores.

O Candomblé ilustra como as relações entre seres humanos e vegetação não se dão

apenas sob influência de fatores socioeconômicos. Em Salvador um fato acontecido nos

anos 80 ilustra com vivas cores uma dinâmica cultural mediando um relacionamento

ambiental entre pessoas e um bosque. O então prefeito da cidade, Renan Baleeiro,

propôs que o Parque Metropolitano de Pirajá (com área de 1500 hectares e uma bacia

hidrográfica) fosse parcialmente desmatado e seu solo convertido em moradias para

cidadãos pobres da proximidade.

O Parque é uma referência nacional para os praticantes do candomblé, área de culto de

diversos Orixás, como Oxumaré e Oxossi, desde o século XIX. A proposta do prefeito foi

combatida por intelectuais como Jorge Amado e líderes espirituais do Candomblé, como

Mãe Menininha do Gantois. Mas o que mais pesou no recuo do prefeito foi a recusa dos

moradores em se mudarem para solo sagrado, e, assim, desagradarem os Orixás

(Angeoletto, 2000).

A presença de vegetação nas cidades deve ser analisada também através de outros

prismas. Árvores frutíferas atraem morcegos e outros animais dispersores de sementes.

Poderíamos construir elos entre fragmentos florestais separados por cidades, para esses

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vetores ambientais? Sabemos que a fragmentação de ecossistemas é um dos mais

importantes causadores de perda de biodiversidade. Poderíamos planejar a arborização

de uma cidade não apenas para nossos propósitos, mas também para alicerçar dinâmicas

ambientais? Essas perguntas ainda estão por serem respondidas.

As relações entre pessoas e ambiente não são apenas espaciais, mas também biológicas

e culturais (Boyden, 1987 in Lawrence, 2003). Cenários humanos e seus processos

ecológicos não estão circunscritos a limites administrativos, geográficos ou políticos.

Cidades estão abertas a influências ecológicas (poluição emitida por outras cidades);

biológicas e antropológicas (fluxos migratórios, por exemplo) (Lawrence, 2003; Odum,

1988).

Somos primatas, com necessidades biológicas comuns a outros animais. Em cidades

brasileiras com temperatura média de 20° C, o consumo médio diário de água é de 470

litros por família. Se a temperatura média é de 30° C, o consumo aumenta para 570 litros

(Moraes, 2008).

Mas também é verdade que somos um amálgama de biologia e cultura: com temperatura

média de 25° C, os brasileiros consomem 114 milhões de latas de cerveja por dia. Se a

temperatura se eleva para 30° C, o consumo cresce para 120 milhões de latas/dia. A cada

1% de aumento na temperatura atmosférica, o consumo de cerveja cresce 0,28%. As

indústrias cervejeiras do Brasil investem pesadamente em serviços de previsão

meteorológica com o fito de aumentar a produção para suprir a demanda de dias mais

quentes (Mores, 2008).

Os dados acima exemplificam bem nossas complexas relações com o ambiente: dias

mais quentes demandam mais água, o que se explica pela biologia dos humanos, mas

dias de mais calor também demandam mais cerveja, um produto cultural, cujo consumo

obviamente está atrelado a uma cadeia de impactos ambientais negativos muito maior do

que aquela ligada ao mero consumo de água potável.

Outro complicador no que tange aos estudos de ecossistemas urbanos é a sociobiologia

humana, definida como as bases biológicas dos comportamentos sociais (Wilson, 1980).

Refletindo sobre o embate natureza x cultura, Foster (2000) e Pinker (2004) descrevem o

que denominam de modelo padrão das ciências sociais. De acordo com essa linha de

Page 13: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

21

argumentação, somos como páginas em branco ao nascer, e vamos adquirindo

comportamentos de acordo com os ambientes que freqüentamos.

Seguindo esse raciocínio, poderíamos, por exemplo, concluir que quanto mais renda e

educação tivessem acesso um grupo de consumidores, menor uso fariam eles de seus

carros, dada a maior consciência a respeito da gravidade dos problemas causados pelo

uso dessas máquinas.

O geógrafo Paul Robbins (2001) testou uma hipótese similar à formulada no parágrafo

anterior. Investigando o uso de fertilizantes químicos e pesticidas em gramados de

residências da cidade de Columbus, estado de Ohio, EUA, Robbins descobriu que: 67,2%

dos proprietários com renda anual acima de US$ 75.000,00 usam fertilizantes químicos,

ao passo que apenas 28,6% daqueles cuja renda anual é de US$ 20.000,00 o fazem.

Em relação à escolaridade, 53,3% dos que aplicam fertilizantes químicos possuem nível

superior, enquanto que apenas 24,1% possuem apenas o ensino médio ou sequer. 73,3%

dos usuários de fertilizantes e pesticidas declararam conhecer que esta prática causa

impactos ambientais negativos.

Para equacionar a dimensão ambiental do uso generalizado desses produtos nos

gramados norte-americanos, basta citar que, em 1984, mais fertilizantes químicos foram

aplicados nos gramados norte-americanos do que a Índia aplicou em todas as suas

plantações de grãos.

A área ocupada por gramados nos Estados Unidos foi calculada em 16 milhões de

hectares, ultrapassando largamente cultivos de exportação como cevada (5 milhões de

hectares), algodão (4,5 milhões) e arroz (1,1 milhão). Obviamente, o aumento da área dos

gramados, e do uso de produtos químicos relacionado, provoca sérios problemas de

qualidade da água para consumo humano. Aproximadamente 74% dos lares americanos

usam fertilizantes e pesticidas em seus gramados. São cerca de 70 milhões de moradias

injetando esses produtos na biosfera (Robbins, 2001).

Dados como os expostos acima exemplificam bem a complexidade dos ecossistemas

urbanos, cujo “funcionamento” está permeado por dinâmicas sócio-ambientais múltiplas.

O gerenciamento dos gramados norte-americanos cuja estética é obtida pelo uso de

toneladas de produtos nocivos ao ambiente (incluem-se aí os milhões de litros de gasolina

Page 14: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

22

queimados nos cortadores de grama e as emissões poluentes derivadas) e independe,

como vimos, de uma suposta “consciência ambiental” de cidadãos mais educados.

Ademais, esse mito politicamente correto da “consciência ambiental” paradoxalmente,

esconde um preconceito contra os mais pobres e com menos educação formal. Por

dedução, pobres teriam comportamentos ambientais mais inadequados devido ao menor

acesso à informação.

Obviamente, não somos autômatos expressando comportamentos ditados por genes,

mas também não somos meramente produto de nossas vivências nos ambientes nos

quais transitamos. Explicar comportamentos meramente pela genética ou pelo ambiente

tem o mesmo sentido de se perguntar de onde vem a música: do instrumentista ou de seu

instrumento.

Na história evolutiva de nossa espécie, tendências comportamentais foram selecionadas,

porque eram adaptativas. Sendo conciso, temos genes que transcrevem proteínas, às

quais ativam determinados circuitos neuronais, deflagrando comportamentos, em

decorrência de características do ambiente.

O antropólogo Donald Brown listou mais de 200 comportamentos universais (tabela 3), o

que aponta claramente para uma base genética comum para as diversas culturas

humanas. A expressão “base genética” usualmente atrai a ira de setores acadêmicos e da

sociedade civil. Para esses segmentos, é indefensável que nossos comportamentos

sejam relacionados ao genoma, pois isso poderia municiar idéias e teorias racistas.

Intelectuais de esquerda, sobretudo marxistas, têm ojeriza ao fato de que não somos

apenas produtos de nossas influências culturais, mas, ao revés, um amálgama intricado

de biologia e cultura. Por possuirmos genomas distintos e vivências ambientais únicas,

jamais seremos iguais, como almejam os marxistas. Cada ser humano, um amálgama,

cada um com capacidades distintas.

Em qualquer sociedade haverá os mais e menos inteligentes, os mais extrovertidos, os

mais capacitados para a política, os mais reflexivos, pendendo para a produção

intelectual. Inexoravelmente, essas diferenças levarão à desigualdades na apropriação de

bens e poder.

Page 15: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

23

De fato, desigualdades econômicas são universais nas culturas humanas, como aponta

Brown. Mas a consciência dessas desigualdades, e a ânsia por equidade também o são.

Por isso desenvolvemos leis, e se somos desiguais em habilidades, deveríamos em tese

ser iguais perante a lei.

Tabela 3. Comportamentos humanos universais

Machos dominando a esfera política Cuidados parentais dirigidos às crianças

Machos mais engajados em coalizões com propósitos violentos

Classificação, classificação de fauna e flora

Machos mais agressivos Classificação de parentesco, sexo, espaço, ferramentas, condições climáticas

Machos mais propensos ao uso de violência letal

Coalizões

Machos mais propensos ao roubo Música, mitos, narrativas, poesia

Machos viajando em média maiores distâncias ao longo da vida

Proibição do homicídio

Manipulação de relações sociais Estupro; proibição do estupro

Crença no sobrenatural/religião Preferência pelos filhos e parentes (nepotismo)

Capacidade de mensurar Estética

Medicina Planejamento

Mapas mentais Fofoca

Cooperação Conflitos; mediação de conflitos

Alteração do humor ou consciência por ingestão de substâncias psicoativas

Propriedade

Sentimentos morais Trocas recíprocas de trabalho, bens, serviços e favores sexuais

Reciprocidade negativa (vingança, retaliação) Resistência ao abuso de poder

Preocupação com a imagem, perante outros Atração sexual

Diferenças sexuais em cognição espacial e comportamento

Ciúme sexual

Treino para melhorar habilidades Regulação sexual (incluindo prevenção do incesto)

Status como forma de distinção de outros indivíduos

Desaprovação da avareza

Desigualdades econômicas Consciência das desigualdades econômicas; ânsia por equidade

Fonte: Brown, 1991; Brown, 2000

Como se percebe, os comportamentos listados por Brown incluem uma mescla

interessante de atitudes “nobres” (cooperação, por exemplo), com outros eticamente

questionáveis, como o nepotismo.

Um desses comportamentos, a busca por status, está mais diretamente correlacionada

com a crise ambiental de nossos dias. O prestígio, seja materializado na forma de bens,

de poder, de títulos ou honrarias, é evidentemente um trunfo importante ao seu detentor.

Lhe permite a atração de parceiros, ou bem para propósitos sexuais, ou para a formação

de coalizões para a conquista de metas.

Page 16: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

24

De acordo com evidências corroboradas por estudos psicológicos, o bem estar de uma

pessoa decorre das diferenças entre o que uma pessoa tem, e o que ela quer

(aspirações), o que as outras pessoas possuem (comparação social), o que a pessoa

tinha no passado (história), o que ela esperava ter no passado (desapontamentos), o que

ela espera obter no futuro (esperança), o que ela merece (equidade), e o que ela precisa.

Quanto maiores forem as lacunas entre aspirações, comparações sociais, equidade e

necessidades, menor será a sensação de bem estar (Dodds, 1997).

A humanidade sempre viveu, nas palavras do ecólogo espanhol Juan Pedro Ruiz Sanz,

uma fuga em direção ao adiante. Nossa história evolutiva nos impulsionou à cooperação.

Através da cooperação, desenvolvemos um comportamento gregário (ao contrário de

outras espécies de primatas, como os orangotangos, que são essencialmente solitários),

o que nos permitiu seguir adiante, e cooptar a biosfera para nossos propósitos.

Na vida social, foram selecionadas tendências comportamentais importantes, como o

senso de equidade (que, registre-se, não é exclusivo da espécie humana, tendo sido

detectado através de experimentos etológicos em outras espécies de primatas e em

cães). Com a primazia absoluta do capitalismo sobre a humanidade, nosso senso de

equidade, nossa necessidade de prestígio, e as comparações sociais que cotidianamente

fazemos entre o que temos e o que os outros possuem, nos impelem a consumir.

Em larga medida, os impactos ambientais gerados nos ecossistemas urbanos têm sua

origem em nossas opções de consumo. E consumir é a forma mais direta de obtermos

prestígio. Um automóvel não é apenas uma máquina que nos desloca entre distâncias. Se

assim fosse, não haveria tanta diversidade de modelos e preços. É também um objeto e

símbolo que conferem prestígio ao seu possuidor. Surveys realizados na Holanda, um

país com excelentes sistemas de transporte público e redes de ciclovias, indicam que o

status é o principal motivo para a aquisição de automóveis (Mcclintock, 2000).

Roupas, adornos, viagens, mobília com um design exclusivo (que a distingue, portanto,

dos móveis mais baratos) uma biblioteca repleta de títulos importados, se você é um

intelectual. As opções são ilimitadas.

Assim, podemos retomar a discussão sobre os gramados dos subúrbios norte-

americanos, afirmando que: os moradores buscam uma estética para seus quintais; esse

Page 17: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

25

padrão rende aos proprietários algum prestígio (ambos, comportamentos universais),

obtido através da aplicação de toneladas anuais de substâncias nocivas, sobretudo aos

corpos hídricos do entorno das cidades.

1.4 - Sustentabilidade urbana

O conhecimento das características ecológicas das cidades é fundamental para a

sustentabilidade global. Infelizmente essas características são invisíveis às análises

urbanas convencionais. A maioria dos estudos sobre as cidades está focada em fluxos de

investimento, geração de renda, taxas de criação de empregos, estatísticas de crimes e

outros indicadores socioeconômicos.

Contudo, essas análises econômicas são de tal modo dissociadas da realidade física, que

não revelam nada sobre fatores estruturais, espaciais, e temporais que influenciam os

ecossistemas urbanos. O foco dominante na riqueza gerada por cidades “bem sucedidas”

é absolutamente omisso no que diz respeito às condições dos ecossistemas dos quais se

retiram os recursos para a geração de riquezas (Rees, 1997).

Para alguns autores, como Rees (1997-b), a expressão “cidades sustentáveis” é apenas

um oxímoro. Outros, como Chambers (2001) defendem o planejamento como forma de

torná-las mais sustentáveis.

Para responder à idéia de sustentabilidade, áreas urbanas precisam manter um balanço

entre atividades econômicas, crescimento populacional, infra-estrutura e serviços,

poluição, entre outros fatores, de modo a limitar, tanto quanto seja possível, impactos

ambientais sobre outros ecossistemas (Barredo, et al, 2003). Como reconhecer,

mensurar, e interpretar problemas urbanos; e como responder a esses problemas será

determinante para que se alcance a sustentabilidade urbana (UNCHS, 1997).

Por seu caráter heterotrófico, nenhuma cidade pode ser sustentável em um sentido

absoluto. As cidades não empregam apenas recursos próprios. Logo, para um maior nível

de sustentabilidade é necessário incluir nas análises do ecossistema urbano os sistemas

mais amplos, onde se geram os recursos e onde se depositam os resíduos. Em outras

palavras, em qualquer estratégia de sustentabilidade urbana há que incluir um diagnóstico

do metabolismo urbano, de suas dependências e dos impactos provocados (Terradas,

2001).

Page 18: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

26

A expressão metabolismo urbano ou tecnometabolismo evidentemente é uma metáfora

(máquinas não respiram ou fotossintetizam). Todavia, é uma metáfora bastante

adequada: de modo análogo ao que ocorre com seres vivos, temos nas cidades um

aparato tecnológico vasto (de liquidificadores a máquinas que produzem aviões, bombas

atômicas, livros, automóveis...). Essas máquinas, essenciais para a manutenção de nosso

estilo de vida, “consomem” matérias primas e energia, produzindo assim bens de

consumo e resíduos.

Nas palavras do ecólogo humano Roderick J. Lawrence (2003):

A crescente disparidade entre processos biológicos e ecológicos, e entre produtos está relacionado ao rápido crescimento de populações urbanas, à criação de muitos produtos sintéticos que não podem ser reciclados por processos naturais e pelo aumento do uso de energia não renovável, ou renovável em taxas mais altas do que a capacidade de reposição dessas fontes. As conseqüências negativas dessas tendências incluem a depleção da camada de ozônio, acúmulo de resíduos, aquecimento global e incidência de catástrofes ambientais como enchentes, deslizamentos de terra e fome.

Índices de mensuração econômica como o Produto Interno Bruto escondem uma

simplificação bastante grosseira da realidade ambiental, por não calcularem os impactos

sócio-ambientais da produção de bens. Converter um manguezal em hotel de luxo pode

elevar o PIB, mas certamente isso trará reflexos negativos para os pescadores locais.

As cidades mais abastadas deveriam compensar impactos causados em outros territórios

por seus padrões de consumo. E o PIB como medida do vigor de uma economia deveria

ser substituído por índices que considerassem também os impactos negativos causados

pela produção econômica.

1.5 - Planejamento de ecossistemas urbanos

Para Odum (2001), com o crescimento da população humana, a aplicação de princípios

ecológicos ao planejamento do uso do solo é sem dúvida o labor mais importante das

ciências ambientais. O uso do solo aumenta dramaticamente na falta de controle sobre o

desenvolvimento urbano (tabela 4). Como nos adverte o ecólogo, todos sofrem as

conseqüências da má utilização e degradação do solo, e todos pagam pela sua

recuperação.

Page 19: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

27

Se, por exemplo, é permitida a criação de bairros residenciais em planícies sujeitas a

inundações (mau uso do solo), fatalmente haverá perdas econômicas (e de vidas

humanas, como tão frequentemente ocorre nas cidades brasileiras durante a estação

chuvosa). Se, ao revés, tais planícies forem usadas para agricultura, silvicultura e lazer,

aos impostos será acrescentado valor, e não subtraído (bom uso do solo). Odum lamenta

o declínio do interesse público pelo planejamento da cidade, resultante da

sobrevalorização atribuída aos valores econômicos.

Tabela 4 Projeção de aumento da mancha urbana com e sem planificação do uso do solo

População de 20.000 habitantes

110.000 habitantes, urbanização planificada

110.000 habitantes, urbanização não planificada

Área Urbana 5263 hectares 12145 hectares 15384 hectares

Fonte: Odum, 2001 (baseado em estudos de caso de cidades estadunidenses).

Desafortunadamente, planejamento é apenas uma quimera em muitas áreas do planeta.

Sobretudo, planejamento urbano com um viés ambiental, em áreas de grande

biodiversidade do 3° mundo (Angeoletto, et al, 2008). Um clichê muito difundido reza que

não há planejamento nas cidades brasileiras. Esta é apenas uma meia verdade, e como

tal, prenhe de desinformação. Planejamento há, comumente associado ao crescimento

urbano dirigido por grandes empreendimentos, como construções de shopping centers, ou

pelo parcelamento de solo para o surgimento de bairros de classe média.

O que, efetivamente, não há no Brasil, é o podemos definir como uma categoria de

planificação alicerçada em critérios ambientais. Há várias expressões para defini-lo,

sendo a mais usual “planejamento ambiental”. Em se tratando de cidades, o termo

“planejamento ecossistêmico” poderia também ser usado.

Não se trata de mera questão semântica: ecossistêmico remete ao caráter de sistema

ecológico que as cidades possuem. Podemos definir o planejamento ecossistêmico como

aquele que considera a ecologia urbana, em suas variadas facetas, como um norteador

para a execução de políticas que visem diminuir impactos ambientais e aumentar a

qualidade de vida dos cidadãos.

Nem a ecologia urbana, nem a ecologia geral foram plenamente incorporadas ao

planejamento urbano e econômico. Por um lado, há uma permeabilidade bastante

escassa de alguns coletivos profissionais frente à questão ambiental. Mas há que se

Page 20: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

28

acrescentar também que contribui para a falta de conhecimento ecológico na planificação

a insuficiência teórica da ecologia urbana (Terradas, 2001).

A virtual inexistência de planejamento urbano ecossistêmico é, em parte, explicada pela

falta de informação e conhecimento. Ecossistemas urbanos são pouco estudados. A

percentagem de artigos sobre ecologia urbana publicados nos principais periódicos

científicos internacionais sobre ecologia é de meros 0,4% (Collins, 2000, Robbins, 2001).

Ecossistemas urbanos têm recebido pouca atenção da comunidade acadêmica,

sobretudo de pesquisadores das ciências sociais e ciências ambientais (Botkin,

Beveridge, 1997; Zipperer, 1997).

Por outro lado, em grande medida, os planejadores comungam do ideário o qual

preconiza que as cidades são forjadas principalmente por forças sociais e econômicas, e

que a natureza desempenha um papel meramente estético, de embelezamento da urbe,

através da criação de parques e espaços arborizados. Entre esses profissionais persiste a

crença de que as cidades são a antítese da natureza. Essa crença dominou a forma pela

qual a cidade é percebida e continua a afetar a forma como ela é construída (Spirn, 1995).

Nas palavras da bióloga Maria Angela Faggin Pereira Leite (1994):

As práticas do urbanismo (...) não fazem uso do conjunto de características naturais e sociais de um lugar - da natureza desse lugar - para avaliar, selecionar, emitir juízo ou implantar concepções de organização urbana, mas parecem procurar perpetuar, numa atitude temerária, a reprodução de modelos parciais, generalizantes e dogmáticos, que apesar de reduzir a natureza ao urbano, não têm a capacidade de integrar o natural e o construído (...)

Usualmente, as cidades estão localizadas em ambientes-chave: próximas de rios, ao

longo de costas oceânicas, entremeadas a florestas. Portanto, cidades tendem a se

desenvolver em cenários cruciais para a conservação biológica, o que evidencia a

urgência de começarmos a projetar cidades menos hostis à vida silvestre. Segundo Baker

(et al, 2002) o planejamento adequado de cidades é tão importante para a conservação

quanto a criação de áreas naturais legalmente protegidas.

No que tange às cidades brasileiras, certamente o planejamento urbano ecossistêmico é

ainda mais importante do que a criação de reservas naturais. Na região metropolitana de

São Paulo, o desmatamento de áreas de mata atlântica cresceu 810% entre 2000 e 2005.

Especulação imobiliária e invasão de pobres para construção de favelas são dois fatores

que explicam a devastação.

Page 21: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

29

Contudo, a causa mais importante do desmatamento foi a construção de um complexo de

rodovias (o “rodoanel de São Paulo”), construído para desafogar o trânsito. Questionado

sobre a destruição de áreas florestais, o secretário municipal de meio ambiente da cidade

de São Paulo afirmou que o desmatamento causado pela estrada foi autorizado pelos

órgãos ambientais competentes, e seria recompensado com o replantio de árvores e com

a criação de quatro parques na cidade (Balazina, 2008).

O raciocínio do secretário de meio ambiente paulistano demonstra a insignificância

política que os órgãos ambientais brasileiros possuem na esfera do planejamento das

cidades. Ante o imperativo de se converter mais e mais áreas ambientalmente

importantes em solo sepultado por concreto, para o deslizar macio de uma frota de

veículos já saturada e que não para de aumentar, acena-se com a fantasia de replantio de

árvores e criação de parques. Se as árvores serão ou não plantadas, é irrelevante.

Centenas de hectares de florestas foram destruídas, e uma floresta é muito mais do que a

soma das árvores que por ventura venham a ser replantadas.

A criação de parques, como propõe o secretário, têm pouca efetividade, primeiro porque é

impossível protege-los de impactos humanos como o aquecimento global, ou poluição

atmosférica. Não se pode murar a atmosfera, estarão cientes as autoridades ambientais

brasileiras desse fato?

Ademais, existe uma insuficiência crônica de recursos e pessoal qualificado para

gerenciar essas áreas, o que dá margem a ocorrência de toda sorte de desmatamentos e

outros impactos. No Brasil, comumente os menores orçamentos são destinados aos

órgãos ambientais, seja na esfera municipal, estadual ou federal, em governos de

esquerda ou de direita.

As inter-relações entre as diferentes escalas do planejamento urbano, do quarto à

moradia; da residência ao quarteirão e à cidade devem ser cuidadosamente

considerados, no desenvolvimento urbano (Boyden, 1981, in Lawrence, 2003). A maneira

como damos forma às cidades evidentemente repercute na biosfera. Cidades brasileiras

como Maringá, descentralizada e altamente dependente do automóvel privado, geram

impactos ambientais como a uma maior emissão de gases estufa.

Page 22: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

30

O desenvolvimento das cidades deve abarcar também um planejamento paisagístico

conseqüente, que vá além da maquiagem cosmética de florezinhas coloridas isoladas no

mar de concreto das edificações. Um planejamento que permita aos moradores o acesso

aos benefícios da arborização, ao mesmo tempo que as facilidades de cidades mais

compactas, incluindo aí uma oferta de equipamentos e produtos culturais (teatro,

cinemas, música nos bairros, possibilidades de entretenimento paras as diferentes faixas

etárias) igualmente sejam oferecidas.

Também é importante discutir, novas formas de taxação do uso dos espaços públicos,

muito embora no Brasil esse seja um tema espinhoso e impopular, dado o fato de que

nossa carga tributária é uma das mais elevadas do mundo, e os serviços públicos em

geral são de baixa qualidade. Não obstante, a questão é: quais são os custos ambientais

embutidos na opção de moradia descentralizada e altamente dependente do automóvel?

Nos últimos anos têm crescido nas cidades brasileiras o número de condomínios

residências fechados em áreas anteriormente rurais.

Aqueles que preferem as periferias verdes das cidades brasileiras, representadas por

condomínios de classe média e alta, que buscam qualidade de vida e a proteção dos

muros de suas cidadelas, e que pagam por isso, não deveriam também arcar com os

impactos ambientais de sua opção? Numa situação ideal, a taxação desse modelo

urbanístico poderia ser utilizada para obras de infra-estrutura básicas nas periferias

habitadas por aqueles que não estão fugindo da cidade, ao revés, anseiam poder usufruir

de serviços urbanos que sempre lhes foram negados.

1.6 - Cidades compactas: desejáveis e mais sustentáveis?

Existem pelo mundo vários dados que atestam uma realidade perturbadora. O percentual

de aumento de solo urbano nas cidades (conversão de solo ambientalmente relevante em

ruas e infra-estrutura de cidades) tem crescido mais do que a população dessas cidades.

Nos EUA, por exemplo, entre 1982 e 1997 o aumento foi de inaceitáveis 34% (Grove, et al

2006). Em Barcelona, a ocupação urbana do solo sofreu um incremento de 130% entre

1973 e 1992, ao passo que a população cresceu apenas 16,7% (Terradas, 2001).

Um estudo comparativo entre 15 cidades européias de vários países revelou que em

todas as cidades investigadas, a área construída cresceu mais do que a população. Os

Page 23: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

31

dados cobrem um intervalo de tempo de 50 anos e revelam inequivocamente uma

tendência de desenvolvimento de bairros residenciais menos densos (Kasanko, et al,

2006). Em Palermo, por exemplo, enquanto que a população cresceu 38,1%, a área

construída cresceu 220%. Deste percentual, 79% destinou-se a áreas residenciais, e 55%

da urbanização ocorreu sobre áreas agrícolas (tabela 5).

Tabela 5 Tendências de urbanização de cidades européias

Cidade Crescimento Populacional

Crescimento da Área

Construída

Crescimento da área construída

residencial

Urbanização em solos agrícolas

Dresden - 9,4% 39% 67% 71%

Milão 17,4% 75% 53% 100%

Copenhagen 18,7% 52% 63% 72%

Porto 23,3% 98% 61% 68%

Praga 23,4% 50% 58% 83%

Bruxelas 28,8% 85% 75% 84%

Lyon 33,8% 75% 62% 86%

Palermo 38,1% 220% 79% 55%

Fonte: Kasanko, et al, 2006

Embora o planejamento de cidades mais compactas seja uma meta da agenda política da

União Européia, os esforços governamentais não se traduziram em resultados palpáveis.

Com exceção de Helsinque e Talinn, nas cidades estudadas, há uma evidente da

urbanização sobre áreas agrícolas.

O fenômeno ocorre principalmente por três fatores: 1) a maior parte do solo disponível

para o aumento da área construída é agrícola; 2) em geral solo agrícola é tecnicamente

mais desejável para construções do que florestas, em termos econômicos e topográficos

e, 3) áreas naturais são usualmente consideradas pelo valor recreativo, e assim

protegidas da conversão em solo urbano. Duas tendências explicam a diminuição da

compactação urbana nas cidades européias estudadas: uma maior preferência por

residências individuais do que por blocos de apartamentos, a qual por sua vez redunda e

mais espaço por habitante (Kasanko, et al, 2006).

Há evidências que cidades compactas influem no comportamento dos moradores,

fazendo-os caminhar mais, diariamente. Na cidade de Belfast, em bairros de maior

densidade, onde a distância de um morador para seu vizinho é de 5 m ou menos, a

probabilidade de que um cidadão se desloque a pé para o trabalho é de 7%, para

compras, 11%. Em bairros menos densos esses percentuais caem para 2% e 2%,

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32

respectivamente. Pessoas residindo em bairros densos tendem a usar mais espaços

públicos como praças e parques (Cooper, 2001).

Efetivamente, o apoio político e acadêmico à idéia da compactação urbana têm sido

entusiástico em algumas nações, como o Reino Unido. Haughton (1997), por exemplo,

defende a cidade compacta como um antídoto à conversão de solo agrícola em solo

urbano:

Cidades compactas podem conter menos natureza, uma vez que o solo é alocado mais parcimoniosamente para a urbanização, mas possivelmente cidades assim gerarão menos impactos ambientais externos, ao menos, se reduzirá a tomada de solo agrícola para o desenvolvimento urbano.

Na Inglaterra, depois de 10 anos de debates entre políticos, militantes ambientalistas e

empresários do setor imobiliário, foi aprovada uma lei que determina que 60% do

desenvolvimento de cidades inglesas deve ocorrer dentro de seus limites municipais. Em

princípio, uma vitória contra a especulação imobiliária desenfreada. Mas os partidários

dessa solução raramente se perguntam se níveis elevados de adensamento urbano

podem realmente ser alcançados (Breheny, 1997).

Com a nova legislação inglesa sobre uso do solo, cresceu a urbanização dos chamados

“brownfield sites”, antigas áreas industriais abandonadas. Mas essa usualmente é uma

tarefa complicada, pois muitas vezes o nível de poluição do solo local é alto, e esses

espaços estão localizados em pontos pouco atrativos, e reurbanizá-los demanda um

volume bastante elevado de investimentos públicos (Breheny, 1997).

Cidades compactas significam maior densidade populacional. Criar mais moradias em

menor área, através, por exemplo, de conjuntos de apartamentos, não é uma tarefa

complexa, do ponto de vista de engenharia. Mas acomodar pessoas, animais com

necessidades biológicas, sociais e culturais diversas, seguramente é muito mais

complicado.

Surveys realizados nas principais cidades da Inglaterra atestam que, em se levando em

consideração a opinião dos entrevistados, a compactação é uma solução profundamente

impopular. Quanto mais compacto o bairro, menor é nível de satisfação com a moradia

(tabela 6). Em áreas de baixa densidade (menos de 5 pessoas/ha), 68% dos

entrevistados estão muito satisfeitos com o entorno. Ao revés, em áreas de alta

Page 25: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

33

densidade (40 pessoas/ha ou mais) apenas 37% estavam muito satisfeito com o bairro

(Breheny, 1997).

Seres humanos não possuem apenas uma história social, mas também uma história

natural. A maior parte de nossa evolução aconteceu em espaços abertos, próximos a

recursos como fontes de água, árvores frutíferas, sítios de caça. Elementos naturais em

paisagens urbanas são obviamente apreciados, inclusive porque trazem diversidade

visual, quebrando a monotonia do concreto. Para 64% dos entrevistados nos surveys

ingleses, uma casa com quintal é considerada muito importante, percentual que sobe para

80% no caso de famílias com crianças.

Por outro lado, embora “flats” de um quarto em bairros compactos sejam extremamente

impopulares entre os jovens, eles têm a preferência de 55% de moradores idosos e que

vivam sós (Breheny, 1997). A preferência dos idosos por esse tipo de moradia é

facilmente explicável. Espaços menores requerem menos manutenção, os flats são mais

seguros do que casas e facilidades como farmácias e mercados estão mais próximos.

Essas estatísticas demonstram um claro conflito entre os defensores de um maior

adensamento urbano e os cidadãos, claramente inclinados a viver em espaços menos

densos e mais descentralizados. Medidas de compactação urbana são bem-vindas, mas

militantes ambientalistas, planejadores e políticos precisam ter em mente nossa condição

animal. Não somos pombas, cuja evolução se deu em paredões rochosos, uma paisagem

similar aos muros contínuos formados pelos edifícios das metrópoles (o que explica em

parte porque elas, as pombas, se adaptaram bem aos ecossistemas urbanos).

Somos primatas, uma espécie social de comportamento gregário. Precisamos de algum

nível de adensamento, mas também são necessárias paisagens que nos ofereçam

diversidade visual, que despertem a curiosidade intrínseca aos primatas. É perfeitamente

compreensível que pais desejem casas com quintais para filhos que estão descobrindo o

mundo. Evidências neurológicas indicam que crianças expostas a ambientes

sensorialmente mais ricos apresentam um desenvolvimento cognitivo maior do que

crianças confinadas em apartamentos (Ehrlich, 1974).

Como é freqüente entre militantes ambientalistas, uma idéia transforma-se em panacéia.

A realidade nos aponta um outro caminho: os méritos das cidades compactas são

Page 26: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

34

evidentes, mas a urbanização nesses termos deve ser submetida previamente a uma

discussão desapaixonada de prós e contras.

Não é possível, sem estudos similares, apontar que a preferência dos ingleses por

residências em bairros menos adensados seja universal. Mas sem dúvida é uma hipótese

interessante e bastante plausível. Quanto aos brasileiros, o que preferem? O que levam

em conta as famílias ao decidir entre uma moradia adensada (apartamento) e uma que

requer mais solo (casas com quintais)? São perguntas que cabem aos ecólogos urbanos

responder. No Brasil, provavelmente a violência urbana generalizada seja um fator

correlacionado positivamente à escolha por apartamentos.

O impacto maior não está embutido em algum nível de descentralização, mas na

expansão regulada por apetites mais e mais intensos por lucro imobiliário, aliada a usual

conivência de gestores públicos com o surgimento de bairros cada vez mais afastados,

enquanto que, nas cidades brasileiras, muitas vezes vazios urbanos não são ocupados.

Na cidade de Sarandi, por exemplo, com a conivência dos poderes públicos, muitos

bairros surgiram nos extremos do município, com escassez de infra-estrutura e serviços

(poucas opções de transporte coletivo, por exemplo), a despeito de uma abundância de

solo disponível (vazios urbanos) em áreas mais estruturadas (figura 1).

Tabela 6 Satisfação com a moradia em cidades inglesas

Muito satisfeito

(%)

Medianamente satisfeito

Neutro Medianamente insatisfeitos

Muito insatisfeitos

Centro da Cidade

46% 38% 3% 8% 5%

Áreas residenciais

54% 36% 3% 5% 2%

Residências Rurais

64% 29% 3% 3% 1%

Fonte: Breheny (1997)

Page 27: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

35

Figura 1. Vazios urbanos da cidade de Sarandi (em vermelho)

No Brasil, as cidades difusas são e serão tendência predominante. Logo, urge que a

voracidade do mercado seja regulada pelo planejamento e pela oposição organizada da

sociedade civil contra abusos. Ao seu talante, o mercado optará por um urbanismo

padronizado, menos custoso, ambientalmente pobre, visualmente desinteressante,

sempre aliado a desperdícios de solo. Como acertadamente se referiu Terradas (2001), a

essas questões, algum planejamento, mesmo sujeito a equívocos, é melhor que nenhum.

Revistas científicas conceituadas como a Cities, Landscape and Urban Planning e Urban

Ecology costumeiramente publicam artigos de autores favoráveis à compactação urbana.

Para seus defensores, a expressão “cidade compacta” é praticamente um sinônimo de

cidade sustentável. Mas esse ideário de planificação também tem críticos bastante

incisivos.

Para Michael Neuman (2005), a literatura sobre cidades compactas é deficiente de dois

modos. Primeiro porque não há uma definição consensual sobre a expressão “cidades

Page 28: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

36

compactas”, a despeito do seu emprego corriqueiro. Ademais, segundo este autor, pouca

evidencia suporta a hipótese que as cidades compactas sejam mais sustentáveis.

Outro aspecto problemático das análises sobre cidades compactas é que elas usualmente

estão focadas em um único aspecto: densidade populacional. Uma única variável

norteando estudos de uma entidade tão complexa quanto uma cidade, o que empobrece

as investigações.

A questão correta, segundo Neuman (2005), não é a respeito da suposta maior

sustentabilidade das cidades compactas, mas que processos fazem as cidades mais ou

menos sustentáveis. Usando de uma metáfora o autor afirma que não faz sentido

perguntar se um corpo (a cidade) é sustentável, mas ao invés, se questionar se o ser que

habita esse corpo (a população) vive de modo sustentável.

Os defensores da compactação urbana afirmam que essa medida diminui a circulação de

veículos, e, portanto, a emissão de poluição. Certamente, a questão do transporte é um

fator imprescindível a ser examinado e planejado se o objetivo é alcançar ecossistemas

urbanos que perturbem menos a biosfera.

As viagens intra-urbanas têm crescido velozmente nas últimas décadas. No Reino Unido,

por exemplo, o aumento, entre 1952 e 1996 foi de 227%, sendo a maior parte desse

crescimento atribuído a deslocamentos feitos por automóveis particulares. As distâncias

percorridas por automóveis em 1996 eram em média 10 vezes maiores do que aquelas

percorridas em 1952 (Cooper, 2001).

Entretanto, estudos realizados por Breheny, Burton e Jenks (2000, in Neuman, 2005)

apontam que cidades mais densas podem reduzir deslocamentos curtos para atividades

locais, mas que deslocamentos mais longos visando empregos especializados, consumo

sofisticado ou formas de lazer não encontradas nos núcleos urbanos são independentes

da densidade urbana. Os autores concluem que o crescimento do número de proprietários

de automóveis, viagens aéreas de fim de semana, viagens a negócios e padrões de vida

crescentemente dispersos tornam inúteis os esforços de racionalizar os deslocamentos

através do design urbano.

Page 29: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

37

Bouwman (2000, in Neuman, 2005) em investigação de cidades holandesas concluiu que

a média de uso individual de energia para transporte diferiu apenas 5% em diferentes

cenários urbanos (tabela 7).

Tabela 7 Uso médio de energia em distintos cenários espaciais de cidades da Holanda

Densidade Urbana Uso médio de energia por pessoa (MJ/dia)

Muito fortemente urbanizado 50,9

Fortemente urbanizado 54,5

Urbanizado 54,5

Fracamente urbanizado 48,4

Rural 51

Fonte: Neuman (2005)

De acordo com Hall (2001, in Neuman, 2005), que fez uma apurada revisão de estudos

relacionando compactação à diminuição do consumo de petróleo, em âmbito mundial,

deslocamentos urbanos estão muito mais ligados aos preços de combustíveis e a renda

do que a densidade populacional.

Para Terradas (2001), a discussão em torno de cidades compactas ou difusas está

ultrapassada. Este autor prefere a expressão Cidades Intensas, para se referir a cidades

que, independentemente de sua maior ou menor compactação, possuem padrões de

consumo que implicam num tecnometabolismo elevado, com conseqüências ambientais

globais.

1.7 - Sobre a pesquisa em ecologia urbana

Usualmente, ecólogos encaram seres humanos meramente como fatores de perturbação

e as cidades como ambientes extremos e indesejáveis. Contudo, seria mais efetivo

reconceitualizar a teoria para melhor explicar as cidades desde um ponto de vista

ecológico.

A conversão de áreas prístinas, estudadas a partir de modelos conceituais tradicionais,

em solo urbano, requer uma evidente apreciação do papel dos seres humanos nesse

processo. Por exemplo, nos EUA embora a população venha crescendo relativamente

devagar, a proporção de população habitando solo urbano, bem como o avanço do solo

urbano tem aumentado dramaticamente. A respeito dessas tendências, ecólogos em geral

evitam focar estudos em áreas urbanas (Picket, et al, 1994).

Page 30: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

38

Mesmo a literatura técnica trata a ecologia urbana sobretudo como a ecologia de espécies

não humanas habitando as cidades. Certamente há muito interesse científico no estudo

das espécies que conseguiram se adaptar às cidades. Entretanto, é chegado o momento

para que os ecólogos submetam sua própria espécie às mesmas análises que foram

reservadas a outros organismos com os quais dividimos o planeta. Humanos criam

cidades, logo, são a espécie-chave em ecossistemas urbanos, dominantes em termos de

fluxo de energia e biomassa animal (Rees, 1997).

Ecossistemas urbanos podem ser estudados sob dois enfoques. Por um viés

ecossistêmico, se estudam fluxos de matéria e energia, priorizando-se a magnitude e

controle de fluxos de nutrientes, toxinas, resíduos e energia nos sistemas.

A segunda abordagem metodológica é focada nas partes do mosaico urbano. A geração

do mosaico, via interação e performance dos organismos, ou pela interação e

comportamento dos vários segmentos sociais e instituições. Para este paradigma,

interessa compreender as causas, estruturas e mudanças de padrões espaciais, e os

processos que são afetados pelas dinâmicas espaciais. A pesquisa em ecologia urbana

pode combinar essas duas abordagens, gerando mais conhecimento (PIckett, et al, 1997.)

A lacuna de conhecimentos sobre ecologia urbana: 1) priva a ecologia básica do

entendimento da mais disseminada e extremada forma de intervenção humana sobre a

biosfera; 2) impossibilita à ecologia aplicada o acesso a opções de gestão nos núcleos

urbanos; 3) limita a capacidade de prover aos cidadãos mais qualidade de vida, saúde e

bem estar. Processos sociais, culturais, e econômicos devem ser relacionados com

processos biológicos e físicos, num esforço de compreensão de áreas urbanas como

sistemas integrados (Pickett, 1997).

A ecologia urbana necessita de conceitos integrados, para os ecossistemas urbanos,

capazes de satisfazer cientistas humanos e naturais. A questão é: como adicionar

humanos aos modelos ecológicos usados para entender ecossistemas urbanos? O

conceito de ecossistema pode ser usado como base conceitual, mas atributos sociais

específicos de seres humanos precisam ser adicionados. Conhecimentos e retro-

alimentação entre os componentes naturais e humanos dos ecossistemas urbanos são

atributos fundamentais para o surgimento de modelos de estudo integrados (Pickett, et al,

1997).

Page 31: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

39

No que tange à ecologia urbana, algumas questões têm emergido e precisam ser

respondidas. Entre elas: “qual é a ligação entre câmbios sociais (mudanças na renda ou

porcentagem de pessoas empregadas em um bairro) e características ambientais desse

espaço (estrutura da vegetação, erosão do solo, qualidade do ar, etc)”. E ainda: quais são

as relações entre os diferentes tipos de uso do solo (agrícola, residencial) e a extensão,

distribuição, estrutura, diversidade de espécies, e taxas de regeneração, crescimento e

mortalidade da vegetação em dado período de tempo? (Grove e Burch, 1997).

Também Grimm (et al, 2004) destaca a escassez de estudos sobre ecossistemas

urbanos, todavia evidenciando que esses sistemas possuem uma “vantagem” em relação

aos demais. Geralmente, em áreas urbanas, há uma abundância de dados coletados por

numerosas agências, embora não sob um paradigma ecológico.

Essa riqueza de dados é tremendamente importante, e deve ser analisada a partir de um

quadro conceitual sócio-ecológico. É impossível promover estudos sobre ecossistemas

urbanos sem a inclusão de variáveis sociais, além das variáveis ambientais. (Picket et al,

2004). A inclusão de variáveis de outros campos científicos nos leva seguinte questão: em

que extensão e de que maneiras os padrões e processos em curso nos sistemas urbanos,

para que sejam compreendidos, requerem câmbios na teoria ecológica tradicional?

Para Niemela (1999), os processos que ocorrem em outros ecossistemas também

acontecem nos sistemas ecológicos urbanos. Portanto, não haveria necessidade de uma

teoria distinta para a ecologia urbana. As teorias da biogeografia de ilhas, da

metapopulação e a hipótese da perturbação intermédia seriam suficientes para estudos

ecológicos em cenários urbanos.

Por exemplo, Klausnitzer (in Niemela, 1999) descreve vários exemplos de uma correlação

positiva entre a riqueza de espécies e a área da parcela urbana estudada, como prevê a

teoria biogeográfica de ilhas, isto é, aumento do número de espécies proporcional ao

aumento das áreas estudadas.

Para estudos ecológicos nas cidades as teorias citadas por Niemela certamente são de

grande validade. Mas se o foco é a ecologia das cidades, ecossistemas dominados por

primatas complexos, onde dinâmicas ambientais estão inexoravelmente inter-relacionadas

a dinâmicas socioeconômicas, políticas e culturais, os resultados das investigações nem

sempre estarão em consonância com as teorias.

Page 32: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

40

Por exemplo, em nossa pesquisa sobre a vegetação de quintais da cidade de Sarandi

(relatada no capítulo 2), encontramos uma maior riqueza de espécies em um bairro cuja

área média dos quintais era de pouco mais de 100 m2, e a menor riqueza, no bairro cujos

quintais tinham área de 264 m2 em média.

Adicionar ou não humanos ao estudo de ecossistemas é na verdade uma questão

irrelevante. De fato, a influência humana se estende por toda a biosfera, e quiçá sequer

exista um ecossistema realmente prístino, a salvo de alguma influência humana (poluição

ou introdução de espécies exóticas, por exemplo). Por outro lado, simplesmente introduzir

humanos como organismos componentes dos ecossistemas e estudá-los meramente a

partir de características como sua densidade populacional não é incorreto, mas,

certamente, inadequado. Tal enfoque é pobre, porque desconsidera nossas

características sociais e culturais (Picket, et al, 1997).

A respeito dos ecossistemas urbanos, é fundamental examinar como dinâmicas biológicas

e mecanismos de alocação social tais como intercâmbios econômicos, autoridade,

tradições, e conhecimento afetam a distribuição de recursos como energia, materiais,

nutrientes, população, informação genética e não genética, trabalho, capital,

organizações, crenças e mitos (May, 2004).

Somos criaturas sociais com muitas capacidades de manipulação do ambiente e

adaptação por aprendizagem. Erigimos instituições com enormes subsídios energéticos

que nos permitem uma vasta alteração da natureza. Essas características humanas,

geralmente estudadas por sociólogos, precisam ser levadas em conta para a

compreensão dos ecossistemas urbanos (Pickett, et al, 1997).

Dada a presença e impactos dos humanos não apenas em ecossistemas urbanos, mas

em toda a biosfera, necessitamos de uma mudança de mentalidades. E os ecossistemas

urbanos, devido às evidentes influências de pessoas, instituições e ambiente construído,

são os melhores laboratórios para se examinar possíveis refinamentos da teoria ecológica

(Grimm et al, 2004).

Todas as espécies sociais são caracterizadas por possuírem vários níveis de padrões e

processos de diferenciação social (Wilson, 1980). O conceito de diferenciação social é

importante para compor abordagens metodológicas de estudos de ecossistemas urbanos

Page 33: Capítulo 1 - Ecologia de Ecossistemas Urbanos

41

porque esse fator afeta a alocação de recursos críticos (naturais, socioeconômicos e

culturais). Deste modo, não se pode compreender a composição de fauna ou flora de

uma área urbana sem se conhecer a composição social desse espaço (Grove e Burch,

1997).

Processos e padrões no comportamento de populações urbanas estão profundamente

ligados a pressões diretas pela exploração de recursos naturais, respondendo, direta ou

indiretamente, por impactos como poluição atmosférica ou introdução de espécies

exóticas nocivas. Tais ligações são outra forte motivação para a integração das ciências

sociais e ambientais em práticas de gestão dos ecossistemas urbanos.

Para se compreender as mudanças que nós perpetramos na paisagem, é necessário

recorrermos à sociologia. Há uma hierarquia opera nas sociedades humanas: renda,

conhecimento, status, território, e poder. Alguns grupos têm mais acesso a esses

recursos do que outros, o que provoca uma diferenciação espacial conspícua. Tal como

os mosaicos naturais afetam a geração, fluxo e concentração de recursos em uma dada

região, o mesmo ocorre com os ecossistemas urbanos.

Entretanto, uma confusão comum entre pesquisadores das ciências naturais que não

estudam pessoas ou outras espécies sociais é a afirmação de que mensurações de

comunidades humanas são muito difíceis ou mesmo impossíveis. Na verdade as

dificuldades estão ligadas mais à complexidade das questões levantadas do que aos

fenômenos mensurados. Muitos estudos de ecossistemas não humanos possuem

questões teóricas que requerem apenas medições simples, elementares, e nos

ecossistemas humanos, frequentemente dados diversos possuem acurácia elevada, e

revelam facetas importantes desses ecossistemas. (Grove e Burch, 1997).