Capítulo 1. Avaliação de necessidades em...
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Captulo 1. Avaliao de necessidades em sade
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Captulo 1. Avaliao de necessidades em sade
1.1. Introduo
Em Portugal, o Programa Nacional de Cuidados Paliativos (DGSa, 2005) considera
destinatrios destes cuidados os doentes que cumulativamente: no tm perspetiva de
tratamento curativo, tm rpida progresso da doena e expetativa de vida limitada; tm
intenso sofrimento; tm problemas e necessidades de difcil resoluo, que exigem apoio
especfico, organizado e interdisciplinar.
Segundo o Programa Nacional, os Cuidados Paliativos (CP) no so determinados pelo
diagnstico, mas pela situao e necessidades do doente.
Na fase inicial do desenvolvimento dos CP, estes dirigiam-se, essencial e unicamente, aos
doentes do foro oncolgico, nas fases mais avanadas da sua doena. Na sequncia das
alteraes que a Organizao Mundial de Sade (OMS) introduziu no conceito de cuidados
paliativos, centrando a sua prtica nas necessidades dos doentes e no no seu prognstico,
tambm os alvos dos cuidados paliativos mudaram, preconizando-se, atualmente, que estes
cuidados e os recursos especficos, estejam vocacionados para cuidar de doentes oncolgicos,
com SIDA, insuficincia terminal de rgos (corao, rins, fgado, pulmo), demncias,
doenas crebro-vasculares, esclerose lateral amiotrfica, doenas do neurnio motor, fibrose
qustica, entre outras (Capelas & Neto, 2010 p. 794).
Se os cuidados paliativos constituem uma resposta organizada necessidade de tratar, cuidar
e apoiar ativamente os doentes, na fase final da vida, ser necessrio encontrar formas de
avaliar essas mesmas necessidades, de uma forma geral, at porque a opinio do doente pode
ser diferente da opinio dos seus profissionais de sade ou dos familiares que cuidam dele.
Algumas pessoas esto mais preocupadas com sintomas fsicos, tais como a dor, e outras com
o impacto que a doena tem no seu dia-a-dia; outros, ainda, podem estar angustiados com a
incerteza da sua situao, com preocupaes religiosas ou espirituais, ou com o impacto da
doena na sua famlia (WHO, 2004 p.12).
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A maioria das investigaes tem sido centrada nas pessoas que vivem com neoplasia. As
preocupaes comuns a muitos doentes incluem a necessidade de comunicar com os seus
familiares e os profissionais de sade, de lidar com a incapacidade, a dor, a dispneia, a
ansiedade e a depresso. Os familiares e cuidadores relatam, frequentemente, a necessidade de
suporte nos cuidados da pessoa doente e a de lidar com a ansiedade e a depresso. Dados
recentes revelam preocupaes comparveis e, possivelmente, maiores necessidades nas
pessoas que sofrem de doenas no neoplsicas (WHO, 2004 p.12).
No entanto, enquanto que a evoluo da doena neoplsica pode, frequentemente, ser prevista,
existe uma grande incerteza em muitas doenas crnicas comuns. As pessoas com
insuficincia cardaca ou com DPOC, por exemplo, podem viver com maior incapacidade e
durante mais tempo e morrem depois de uma rpida deteriorao e subitamente, sem estarem
espera (WHO, 2004 p.12). As trajetrias das doenas no-neoplsicas podem dar a
impresso de dificultar a estratgia dos servios a dispensar, no entanto e, apesar da incerteza
do prognstico, isso no quer dizer que as necessidades dos doentes e familiares sejam menos
importantes (WHO, 2004 p.13).
O declnio funcional, nos meses anteriores morte, foi descrito por vrios investigadores,
entre os quais Glaser e Strauss, que, em 1968, definiram trs trajetrias possveis para a morte
(Glaser, 1968 citado por Sands, 2010 p.74). Mais recentemente, Lunney et al (2003)
operacionalizaram essas trajetrias tericas num estudo (Established Populations for
Epidemiologic Studies of the Elderly-EPESE), descrevendo o padro geral de declnio
funcional em quatro trajetrias de funo e bem-estar, ao longo da vida e de acordo com o
tipo de doena (figura 1). Estas trajectrias so:
1. A trajetria de morte sbita de que so exemplos o trauma e o enfarte do miocrdio;
2. A trajetria da doena oncolgica com um elevado nvel funcional inicial e com um
declnio rpido num curto perodo de tempo, facilitando a deciso de indicao para cuidados
paliativos;
3. A trajetria das insuficincias de rgos com limitao da funo e do bem-estar, a longo
prazo, mas com episdios graves e intermitentes, exigindo, por vezes, internamentos de
urgncia e podendo levar a uma morte repentina;
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4. A trajetria das demncias / fragilidade - com funcionalidade muito diminuda e um
declnio prolongado, condicionando problemas na prestao de servios abrangentes e
coordenados;
morte
Falncia de rgo
m
boa
Fu
n
o
Tempo
morte
Fragilidade
m
boa
Fu
n
o
Tempo
morte
Morte sbita
m
boa
Fu
n
o
Tempo
morte
Doena terminal
m
boa
Fu
n
o
Tempo
Figura 1 Trajetrias funcionais no fim da vida. Adaptado de Lunney (2002)
O importante na definio destas trajetrias funcionais possveis que as necessidades fsicas,
sociais, psicolgicas e espirituais dos doentes e dos seus cuidadores variam
consideravelmente de acordo com o tipo de trajetria de doena (Lynn, 2001).
Segundo Sands et al (2010, p.75), a informao epidemiolgica individual sobre a
funcionalidade e o performance status pode ajudar a responder a questes, tais como Ser
possvel que eu tenha que ficar acamado sem conseguir falar ou levantar-me?, Ser que
preciso de algum que cuide de mim?, Serei capaz de ficar em casa?. Apesar de parecer
redundante, para muitos mdicos, distinguir as diferenas entre o declnio funcional e os
cuidados necessrios de um doente com doena de Alzheimer e um doente com leucemia
mielide aguda, o que certo que, para os doentes e seus cuidadores, estas diferenas no
so to bvias. Por isso, os indivduos beneficiam de informao sobre trajetrias funcionais,
em vez de serem deixados entregues s suas prprias concluses, baseados no que observam
ou no que consultam na literatura e nos media (Sands, 2010).
Apesar do prognstico ser reconhecido como uma das trs principais competncias mdicas,
em conjunto com o diagnstico e o tratamento, muitos clnicos no o realizam (Hutchinson,
1934 citado por Glare et al, 2010). Segundo Christakis & Iwashyna (1998), num inqurito
realizado a cerca de 700 mdicos americanos (internistas, cardiologistas, gastrenterologistas,
pneumologistas, hematologistas, entre outros), quase 60% considerava-se com formao
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inadequada para estabelecer um prognstico. A maioria referia dificuldades tcnicas
(formulao complicada) ou operacionais (inquietao na comunicao do resultado). As
razes para considerarem stressante esta tarefa estavam relacionadas com a dificuldade da
formulao, propriamente dita, com a perceo de que os doentes desejavam muita certeza e
preciso da previso e, ainda, com o facto de se sentirem intimidados pelo julgamento dos
doentes e dos seus colegas, se o prognstico falhasse. Assim, muitos evitavam fazer
prognsticos, esperando, geralmente, serem interrogados, particularmente se se tratassem de
situaes clnicas atpicas ou com uma evoluo mais incerta do que a habitual.
A dificuldade ainda maior se se tratar de doenas no neoplsicas, j que a esmagadora
maioria dos trabalhos publicados sobre a arte de prognosticar analisa populaes de doentes
oncolgicos. Apesar de as fases avanadas das doenas no oncolgicas (insuficincias de
rgo, SIDA, demncias e outras doenas neurodegenerativas) merecerem menos ateno
editorial, tm surgido, nos ltimos anos, publicaes de referncia no mbito do prognstico
ps-encefalopatia anxica, na insuficincia cardaca, na insuficincia renal crnica sob dilise
e na insuficincia heptica (Tavares, 2010 p.45).
Coventry et al (2005) realizaram uma reviso sistemtica, com o objetivo de analisar os
instrumentos e variveis preditivas que pudessem auxiliar os clnicos a melhorar a capacidade
de prognosticar nos doentes com doenas no neoplsicas. Identificaram apenas onze estudos,
em ambiente hospitalar e comunitrio. Os modelos de prognstico que pretendem estimar a
sobrevida inferior a seis meses, em doentes com neoplasia tm, geralmente, um fraco poder
discriminativo nos doentes com doenas no neoplsicas, o que reflete a natureza imprevisvel
da maioria destas doenas. No entanto, foi identificada uma srie de variveis genricas e
especficas de doena com valor preditivo, para poder auxiliar os mdicos a identificar os
doentes com pior prognstico e necessidades de cuidados paliativos. Contudo, so ainda
necessrios modelos de prognstico simples e bem validados que forneam aos clnicos
medidas objetivas de status paliativo em doentes com doenas no neoplsicas (Coventry et al,
2005).
Tradicionalmente, os cuidados paliativos so, maioritariamente, destinados a doentes com
neoplasias, em parte porque a evoluo destas doenas mais previsvel, sendo mais fcil
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reconhecer e planear as necessidades destes doentes e dos seus cuidadores. Como
consequncia, existe a perceo de que os CP so relevantes nas ltimas semanas de vida
(quando os tratamentos curativos deixam de ser benficos) e devem ser fornecidos apenas por
servios especializados. De facto, as pessoas doentes e os seus familiares tm problemas
durante os anos da sua doena e necessitam de ajuda sem ser propriamente a partir de uma
data facilmente definvel, antes de morrer. O conceito de oferta de CP, apenas em fim de
vida, no se ajusta a vrias doenas e a OMS considera que os CP so uma interveno a ser
potencialmente oferecida durante o tratamento curativo, devendo ser desenvolvido e utilizado
para colmatar necessidades de populaes idosas e, tambm, de populaes mais jovens ou
crianas que tm doenas com risco de vida (WHO, 2004 p.14-15).
O aumento significativo da populao de doentes com insuficincia cardaca, DPOC, acidente
vascular cerebral e demncias levou Stewart & Mcmurray (2002) a descrever a "paralisia do
prognstico que ocorre quando os clnicos, em face de trajetrias incertas de certas doenas,
no se definem quanto a questes de fim de vida, tendo como consequncia a ausncia de
cuidados paliativos progressivos no fim de vida (Murray et al, 2005) e um planeamento de
decises por vezes desadequado.
Se a indicao para cuidados paliativos baseada em necessidades, mais do que no
prognstico, e sabendo-se da dificuldade de prognosticar, interessa ento definir o conceito
de necessidade.
Segundo Fortin (2009, p. 70), o conceito o elemento essencial em qualquer investigao,
dado que ele que estudado e no a prpria populao. No domnio da sade, o conceito
pode definir-se como uma atitude ou um estado de esprito manifestado por indivduos face a
acontecimentos particulares e serve para ligar o pensamento abstrato e a experincia sensorial,
porque ele resume e categoriza as observaes empricas.
O conceito de necessidade, to vulgarmente utilizado nas ltimas dcadas, foi alvo de anlise
cuidadosa apenas recentemente. H 30 anos, Soper (1981) referia que ''existem poucos
conceitos to frequentemente invocados e ainda to pouco analisados como o das
necessidades humanas. Stevens (1998, citado por Asadi-Lari et al, 2003), identifica o
interesse da avaliao de necessidades em vrias fases: a abordagem sociolgica da dcada de
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1960 foi substituda pelo planeamento racional e alocao de recursos baseados nos dados
epidemiolgicos, na dcada de 1970; na dcada de 1990, a reforma do Servio Nacional de
Sade ingls introduziu necessidade como alvo da alocao de recursos e, desde o incio do
sculo XXI, o foco tem sido centrado sobre a "ao colaborativa", j que a necessidade de
cuidados de sade deve ser coletivamente identificada pelas partes interessadas ".
Existem diferentes abordagens tericas para compreender as necessidades humanas e as
principais foram definidas pela hierarquia das necessidades de Maslow (1954) e pela
taxonomia das necessidades de Bradshaw (1972, citado por Higginson, 2007). Segundo
Maslow, psiclogo e filsofo americano, a motivao humana resulta de uma hierarquia de
necessidades (figura 2). Essas necessidades comeam num nvel fisiolgico mais bsico (sede,
fome, entre outras) e progridem para nveis superiores de necessidades de segurana,
necessidades de pertena e estima, culminando em necessidades de autorrealizao. Abraham
Maslow (1954) argumentou que s quando o nvel inferior de necessidades era satisfeito
surgia motivao para enfrentar as necessidades de nvel superior. A aplicao desta teoria
pode ser til para compreender que cuidados paliativos e alvio de sintomas devem preceder
necessidades mais bsicas como a fome, a sede ou a habitao. No entanto, o modelo de
Maslow implica uma ordenao linear simplista das necessidades, o que nem sempre se aplica.
Por exemplo, no necessariamente verdade que necessidades mais elevadas, tais como a
valorizao de relaes ou a arte no sejam importantes mesmo que necessidades de nvel
inferior no estejam ainda satisfeitas (Higginson, 2007).
Necessidades fisiolgicas bsicas
Necessidades de segurana
Necessidades sociais
AutoestimaAutoestima
AutorrealizaAutorrealizaoo
Figura 2 - Hierarquia de necessidades, segundo Maslow
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Segundo John Bradshaw (1972, citado por Higginson et al, 2007), socilogo americano, as
necessidades so consideradas no contexto de quem as define, sendo divididas em quatro
categorias:
Necessidade sentida o que o indivduo sente que necessita, isto , a necessidade na
perspetiva da pessoa que a tem.
Necessidade expressa o que o indivduo diz que precisa. i. e. a necessidade sentida
transformada em ao; tambm chamada demanda em alguns contextos (Wright et al,
1998).
Necessidade normativa necessidade que identificada de acordo com uma norma (ou
padro definido); tais normas so geralmente definidas por especialistas e correspondem
ao que os profissionais pensam que o indivduo necessita.
Necessidade comparativa problemas que emergem por comparao com as
necessidades noutras reas ou situaes.
Esta taxonomia valiosa no contexto de cuidados paliativos, porque salienta quem avalia e
quem define a necessidade. Por exemplo, muitos doentes com doena progressiva no so
capazes de expressar ativamente as suas necessidades de cuidados paliativos ou de alvio de
sintomas. Assim sendo, analisando as necessidades expressas de cuidados paliativos,
provvel que subestimem o nvel de necessidade. No entanto, se tivermos em considerao
apenas as necessidades normativas, dependentes do conhecimento dos profissionais,
atendendo a que os conhecimentos de cada profissional podem ser muito variados, as
necessidades tambm podero ser subestimadas (Higginson et al, 2007).
Qualquer que seja a definio utilizada para necessidade, dever ser operacionalizada a forma
de avaliar essa necessidade. Por essa razo, Stevens & Raftery (1994) definiram necessidade,
no contexto dos cuidados de sade, como "a capacidade de beneficiar de cuidados de sade".
Reconhecendo a taxonomia de Bradshaw (1972), Stevens & Raftery (1994) combinaram
diferentes abordagens para determinar o que necessidade, adicionando um componente
importante o de beneficiar de cuidados de sade. Assim, para cada necessidade ser
reconhecida, por definio, dever existir uma soluo eficaz de cuidados de sade, de outra
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forma poder ser uma necessidade, mas no relacionada com cuidados de sade. Nesta
definio, particularmente relevante no que concerne aos objetivos dos cuidados paliativos,
necessidade equivalente a capacidade de beneficiar (Higginson et al, 2007). E esse
benefcio no ser restritamente clnico, mas abrange outras dimenses que podero incluir
confiana, cuidados de suporte e alvio dos cuidadores (Stevens & Gillam, 1998).
1.2. Importncia da avaliao de necessidades em cuidados paliativos
Segundo Wright et al (1998), a avaliao de necessidades em sade fornece a oportunidade
para:
Descrever os padres de doena na populao local e as diferenas regionais;
Aprender mais sobre as necessidades e prioridades da populao local;
Destacar as reas de necessidades no satisfeitas e oferecer um conjunto claro de
objetivos para satisfazer essas necessidades;
Decidir como usar racionalmente os recursos para melhorar a sade da populao e a
maneira mais eficaz e eficiente; influenciar a poltica, a colaborao entre parceiros,
ou a investigao de prioridades de desenvolvimento;
Monitorizar as necessidades de sade, permitindo, ainda, facilitar a promoo da
equidade na prestao e utilizao dos servios de sade e diminuir desigualdades de
fornecimento de cuidados de sade.
Reconhece-se, consequentemente, a importncia de avaliar as necessidades de sade, em vez
de reagir s demandas de sade (Wright et al, 1998).
Segundo Higginson et al (2007), existem vrias formas de se abordar as necessidades em
sade, em geral, ou, em particular, em cuidados paliativos. Idealmente, devem ser utilizadas
as seguintes abordagens, em combinao:
Abordagem epidemiolgica - faz triangular trs fontes de informao: dimenso da
necessidade (determinada pela informao disponvel sobre a incidncia e prevalncia
dos problemas ou sintomas), disponibilidade dos servios e eficcia e custo-eficcia
dos potenciais servios. Esta forma de abordagem poder ter algumas limitaes j
que depende da disponibilidade e rigor da informao e, por isso, poder incluir as
duas abordagens seguintes:
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Abordagem corporativa corresponde avaliao direta das necessidades e
prioridades da populao. Wrigtht et al (1998) defendem que seja posta a questo: O
que querem os doentes?, como elemento principal numa avaliao de necessidades.
Os mtodos a utilizar podero ser vrios: painis de consulta, grupos focais (focus
groups), inquritos (surveys) ou sondagens de opinio. No entanto, embora a avaliao
de necessidades deva ser abrangente, existem desafios muito especficos para garantir
o envolvimento significativo de populaes paliativas. Uma das dificuldades deste
tipo de avaliao o da escolha da populao alvo. E disso exemplo o estudo de
Currow et al (2008) que descreve as necessidades no atendidas de 644 doentes com
DPOC, no atravs dos doentes mas dos seus cuidadores, em luto.
Abordagem comparativa a avaliao comparativa de necessidades salienta os
contrastes entre populaes de diferentes reas.
Atualmente, a literatura disponvel para escolher o mtodo mais apropriado de avaliao de
necessidades, mesmo nos pases desenvolvidos, ainda reduzida (Higginson et al, 2007).
Em Portugal, Capelas (2009), aplicando metodologia recomendada e utilizando os dados
demogrficos portugueses, relativos ao ano de 2007, divulgados pelo Instituto Nacional de
Estatstica, calculou que, nesse ano, cerca de 62 000 doentes tiveram necessidade de cuidados
paliativos e, para estes doentes, estimou as necessidades das respetivas equipas e unidades de
cuidados paliativos. Em termos de camas, Capelas considerava podermos estar prximos dos
10% das necessidades, o mesmo no acontecendo com as equipas de outras tipologias
(equipas domicilirias e equipas de suporte intra-hospitalar), com implementao ainda mais
limitada.
A avaliao de Capelas (2009), utilizando a abordagem epidemiolgica de necessidades,
justificada pela implementao apenas recente deste tipo de cuidados em Portugal. As
primeiras iniciativas surgiram apenas no incio dos anos 90 (Servio de Medicina Paliativa do
Hospital do Fundo 1992) (Marques et al, 2009). E, ao longo de vinte anos, surgiram, em
Portugal, vinte unidades/equipas de Cuidados Paliativos (APCP, 2011), o que
manifestamente insuficiente para a populao portuguesa. Assim sendo, de esperar que os
doentes no oncolgicos tenham uma resposta ainda mais limitada neste tipo de cuidados.
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No havendo, em Portugal, dados gerais da caraterizao dos doentes tratados em Cuidados
Paliativos, sabe-se que o doente no oncolgico tem ainda um acesso muito limitado,
correspondendo, na anlise de Tavares et al (2008), a 9,2% dos doentes tratados.
Mesmo em pases onde a prtica de cuidados paliativos est consistentemente implementada,
constata-se uma integrao de doenas no oncolgicas muito inferior esperada, se tivermos
em conta a prevalncia dessas patologias e as necessidades dos doentes e dos seus cuidadores.
No Reino Unido, Partridge et al (2009) avaliaram os profissionais de servios de tratamento
de doenas respiratrias crnicas e constataram que apenas uma minoria referia um acesso
fcil a cuidados paliativos. Cerca de 20% dos servios tinham polticas formais para
atendimento de pacientes com doena respiratria crnica, chegando ao fim da vida, mas
87,9% dos entrevistados no tinham nenhum processo formal para iniciar as discusses de
final de vida com os doentes com doena respiratria terminal.
Por outro lado, em Portugal, reconhecida a necessidade de formao em Medicina Paliativa
mas existe, ainda, uma enorme relao entre o prognstico e a oferta de estratgias paliativas.
No estudo de Carneiro et al (2010), realizado a 50 profissionais de uma enfermaria de
Medicina Interna, 98% consideravam que a maioria dos seus doentes beneficiava de
estratgias especializadas, nesta rea, mas 57,1% dos inquiridos achavam fundamental a
elaborao de um prognstico prvio oferta de estratgias paliativas, o que poderia ser
comentado, de acordo com Stewart & Mcmurray (2002), como um exemplo de "paralisia do
prognstico.
H muitas barreiras extenso dos servios especializados de cuidados paliativos para
doentes com doenas no-neoplsicas. Segundo Coventry et al (2005), estas barreiras incluem
a preocupao de que tal expanso possa levar ao agravamento dos recursos financeiros,
comprometendo a capacidade das equipas existentes, especializadas em cuidados paliativos
para prestar cuidados a doentes com neoplasia. Alm disso, pouco se sabe sobre a aceitao
deste grupo de doentes pelos servios especializados de cuidados paliativos. Mas, talvez, a
principal barreira para aumentar a acessibilidade dos doentes no-neoplsicos aos cuidados
paliativos esteja relacionada com a relutncia dos mdicos e / ou a incapacidade de definir o
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status paliativo e a previso de tempo at morte, neste grupo de doentes (Field & Addington,
1999).
Os princpios e os valores atuais dos programas pblicos de cuidados paliativos
fundamentam-se no direito humano1 qualidade de cuidados em final de vida (WHO, 1994),
justificando o desenvolvimento de medidas de apoio a pessoas em situaes de
vulnerabilidade, respeitando os seus valores e preferncias.
Assim, e enquanto, em Portugal, os Cuidados Paliativos existentes, no satisfizerem as
necessidades, poderemos pensar em aplicar uma abordagem corporativa - avaliao direta das
necessidades e prioridades da populao e que, tal como Wrigtht et al (1998) defendem,
coloque a questo O que querem os doentes?, como elemento principal, numa avaliao de
necessidades.
Se o movimento de cidados por melhores Cuidados Paliativos, em Portugal, considera que
ter acesso aos cuidados paliativos, em Portugal, continua a ser muito difcil (APCP, 2011),
como poderemos avaliar necessidades em cada cidado? Que instrumento de avaliao
escolher?
Partindo do princpio de maior paralisia do prognstico em doenas no neoplsicas,
consideramos que seria importante avaliar as necessidades numa populao no neoplsica.
Sendo a insuficincia respiratria crnica (IRC) a evoluo esperada de uma das doenas
com maior prevalncia - a Doena Pulmonar Obstrutiva Crnica (DPOC) e de outras doenas
respiratrias crnicas, musculoesquelticas ou da parede torcica, com menor prevalncia mas
impacto semelhante, consideramos que o alvo do nosso estudo deveria ser esta falncia de
rgo.
1 Patients have the right to relief of their suffering according to the current state of knowledge and Patients
have the right to humane terminal care and to die in dignity
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1.3. Avaliao de necessidades no doente com insuficincia respiratria crnica
A IRC definida por presso parcial arterial de oxignio (PaO2) inferior a 8,0 kPa (60 mmHg),
com ou sem presso arterial parcial de dixido de carbono (PaCO2) superior a 6,7 kPa (50
mmHg) a respirar ar ambiente ao nvel do mar (GOLD, 2010), uma complicao grave de
vrias doenas pulmonares, sendo a DPOC a mais comum. A IRC pode ainda ser causada por
bronquiectasias, doena intersticial pulmonar (DIP), doenas neuromusculares (DNM),
sequelas de tuberculose e doenas da parede torcica, entre as quais a cifoescoliose a mais
frequente (Fauroux et al, 1992; Chaileux et al, 1996; Zielinski, 2000). Nos ltimos anos tem
sido crescente a prevalncia da sndrome de obesidade hipoventilao (SOH) como causa de
IRC (McKim et al, 2011; Janssens et al, 2003).
De um modo geral, a IRC irreversvel e requer tratamento com oxigenoterapia de longa
durao (OLD) e/ou ventilao domiciliria (VD), sendo os critrios de prescrio definidos
por recomendaes nacionais (DGS, 2006) e internacionais (Consensus, 1999). semelhana
de outros pases europeus (Fauroux et al, 1992; Gustafson, 2007), no existe, ainda, em
Portugal, um registo nacional de insuficientes respiratrios crnicos, sabendo-se, no entanto,
que, em 2002, a prevalncia estimada de doentes com necessidade de VD era de 9,3 por
100000 habitantes (Lloyd-Owen et al, 2005) e que os custos2 diretos e indiretos tm sido
significativos (Borges et al, 2009) e crescentes (DGSb, 2005; DGS, 2011 p. 7).
A trajetria de doena na insuficincia de rgo, como o caso da IRC, na DPOC, carateriza-
se por uma deteriorao progressiva, durante um longo perodo, a presena de agudizaes
graves, que requerem internamentos e que, em alguns casos, podem levar morte, alternando
com perodos de estabilidade mas com sintomas (Soler-Catalua et al, 2005). O mesmo tipo
de evoluo pode ter outras patologias causadoras de insuficincia respiratria tais como as
sequelas de tuberculose, a patologia do interstcio pulmonar, a cifoescoliose e as
bronquiectasias (Zielinski, 2000).
2 Custos directos valor dos recursos dos cuidados de sade destinados ao diagnstico e tratamento; custos
indirectos consequncia econmica da incapacidade, ausncia laboral, mortalidade prematura e custos para o
doente e cuidadores.
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A maioria da investigao tem sido desenvolvida na rea da DPOC, o que, em parte, se
explica pela sua prevalncia, j que corresponde quinta causa de mortalidade, mais
frequente nos pases de altos recursos, entre os quais Portugal se inclui, e 11. causa de
incapacidade, no mundo (Mathers & Loncar, 2006; Sands et al, 2010 p.60-61). A grande
carga3 econmica e social da DPOC (Pauwels & Rabe, 2004) justificou mesmo um programa
especfico, apoiado pela OMS, e desenvolvido em todo o mundo, desde 2000 (GOLD -
Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease), e que foi a fonte inspiradora do
Programa Nacional de Preveno e Controlo da Doena Pulmonar Obstrutiva Crnica,
desenvolvido em 2005 (DGSb, 2005).
A concentrao de esforos cientficos na DPOC tem ainda fundamentao acrescida se se
tiver em considerao que est previsto o seu aumento nas prximas dcadas, no s pela
exposio continuada aos fatores de risco, mas tambm devido maior longevidade da
populao mundial (GOLD, 2010).
A anlise das tendncias nas taxas de mortalidade da DPOC complicada porque tm sido
feitas mudanas nos rtulos de diagnstico4 (Seamark et al, 2007). No entanto, tem sido
analisada em alguns estudos. Recentemente, Soriano et al (2000) avaliou, no Reino Unido, a
sobrevida de um doente com DPOC, sendo aos cinco anos aps diagnstico de 78% nos
homens e 72% nas mulheres com doena ligeira, mas diminuindo para 30% nos homens e
24% nas mulheres com doena grave.
Segundo Curtis (2008), na DPOC, difcil identificar os doentes que tm uma probabilidade
de morrer dentro de seis meses. Os modelos prognsticos, utilizados no estudo SUPPORT
(1995), baseados na Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II documentam essa
dificuldade. Estes modelos mostraram que, nos cinco dias que precederam a morte, nos
doentes com neoplasia do pulmo, tinha sido feita uma previso de 10% de probabilidade de
3 Carga da doena estimada a partir dos indicadores de incidncia, prevalncia, durao e mortalidade.
4 At 1968, na oitava reviso da Classificao Internacional de Doenas (CID), os termos bronquite crnica e
enfisema eram amplamente utilizados. Nos anos 70, o termo DPOC substituiu os termos anteriores, em alguns
pases mas no em todos, o que teve como consequncia uma maior dificuldade de comparar a mortalidade da
DPOC nos vrios pases. A situao melhorou com a nona e dcima revises do CID, pois a DPOC e doenas
obstrutivas das vias areas foram integradas na categoria DPOC e condies associadas (cdigo 490496 da
CID9 e cdigo J4246 da CID10). (GOLD, 2010, p. 9).
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sobreviver aos seis meses, enquanto que, nos doentes com DPOC, a previso de probabilidade
de sobreviver era de 50% (Claessens et al, 2000).
A identificao de marcadores validados para ajudar a prever a mortalidade da DPOC
claramente desejvel, mas no necessariamente simples, provavelmente reflexo da quantidade
de comorbidades, causas de morte e complexidade dos mecanismos subjacentes associados
DPOC. O fator prognstico mais amplamente utilizado em doentes com DPOC o FEV1
(Forced Expiratory Volume in one second). No entanto, cada vez mais claro que as
ferramentas de prognstico que melhor integram uma avaliao das comorbidades
demonstram desempenho superior ao do FEV1 sozinho. O ndice BODE (B: ndice de massa
corporal; O: obstruo do fluxo areo; D: Dispneia e E: capacidade de exerccio) um
exemplo recente de um instrumento multidimensional que evidencia uma grande promessa no
prognstico e previso de doentes com DPOC (Sin et al, 2006). Infelizmente, mesmo os
melhores modelos de sobrevivncia aos seis meses para doentes com DPOC (RocKer et al,
2007) tm uma capacidade limitada para prever a morte para doentes individuais e assim a
morte inesperada ocorre frequentemente (Hansen-Flaschen, 2004; Patel et al, 2011).
Os recentes esforos para identificar modelos de prognstico especficos para doentes com
DPOC, melhoraram a acuidade5 do prognstico, mas no conseguem prever a sobrevida
individual, a curto prazo, o que alis tambm acontece para doentes com neoplasia (Celli et al,
2004). Assim sendo, a maior incerteza do prognstico dificulta no s as discusses sobre o
prprio prognstico mas tambm a escolha dos cuidados a fornecer aos doentes com DPOC,
comparativamente com os doentes com neoplasia. Por outro lado como os mdicos tm
dificuldade em discutir o prognstico num cenrio de incerteza, no surpreendente que eles
tambm se debatam com a dificuldade de saber quando levantar questes sobre os cuidados a
administrar no fim de vida. Mesmo assim, os profissionais so responsveis por cuidar dos
doentes com DPOC grave, promovendo o ensino sobre os cuidados de fim de vida e
garantindo que os doentes recebam cuidados de acordo com as suas preferncias, para tal
necessrio percorrer um caminho com os doentes e os seus familiares em busca dos valores e
objectivos dos cuidados a fornecer, tendo em ateno a qualidade de vida actual e
eventualmente futura (Shanawani et al, 2008; Escarrabill et al, 2009).
5 Acuidade - diferena entre o valor estimado e o valor real.
Captulo 1. Avaliao de necessidades em sade
15
Um outro aspeto a ter em considerao na deciso de seleo de uma populao de estudo
baseia-se em investigao recente comparando os sintomas nos doentes com DPOC e nos
doentes com neoplasia do pulmo. Os sintomas dos doentes com DPOC so mais graves e os
servios so limitados e sem cuidados de fim-de-vida (Edmonds et al, 2001; Elkington et al,
2005; Gore et al, 2000; Habraken et al, 2009).
reconhecido por vrios autores que o clnico tem um enorme desafio quando procura
encontrar um equilbrio ajustado a cada doente de forma a conseguir motivar para os
autocuidados sem provocar angstia (Seamark et al, 2007). A grande dificuldade reside no
facto de, frequentemente, no existir um ponto de transio entre o tratamento activo e os
cuidados paliativos de suporte, e por isso a deciso geralmente baseada no julgamento de
clnicos experientes (Seamark et al, 2007) o que de alguma forma uma tarefa difcil e por
isso justifica mais investigao nesta rea.
Na primeira dcada do sculo XXI, apesar da DPOC ser alvo de maior investigao,
comparativamente com outras patologias, tambm causadoras de IRC, a comunidade
cientfica debruou-se tambm, nos aspetos relacionados com o fim de vida, nos doentes com
insuficincia respiratria em ventilao domiciliria, no que respeita a qualidade de vida
(Carone et al, 1999; Windisch et al, 2003), a sobrecarga na vida real (Vitacca, 2007) e a
perceo da famlia (Vittaca et al, 2010), entre outros.
Segundo Escarrabill et al (2009), a melhor oferta de cuidados deve incluir: tratamentos
mdicos, de eficcia comprovada; tratamentos que assegurem o conforto; assistncia
coordenada e global, plano teraputico prvio; cuidados individualizados, tendo em conta as
preferncias do doente; utilizao atenta dos recursos do doente e da famlia; suporte para
fazer o melhor cada dia, tendo tambm em conta a presena de comorbilidades. Para planear
este modelo de cuidados, parece-nos importante a deteo das necessidades do doente, nas
vrias fases da doena.
Ter em considerao as necessidades do doente poder ser uma forma de contornar a
paralisia do prognstico, identificada por Stewart & McMurray (2002), e , tambm, uma
forma de envolver o principal interessado: o doente.
Captulo 2. Reviso da literatura
16
Captulo 2. Reviso da literatura
2.1. Instrumentos de avaliao de necessidades de cuidados paliativos
A pesquisa de um instrumento para avaliao de necessidades tem sido desenvolvida por
vrios investigadores, j que a sua aplicao poder ter interesse no s na prtica clnica
diria, para avaliao de necessidades individuais transversais e longitudinais, mas tambm na
organizao dos cuidados de sade, na avaliao da qualidade de cuidados e, ainda, em
investigao. Duas das mais recentes revises sobre instrumentos de avaliao de
necessidades (Wen & Gustafson, 2004 e Richardson et al, 2007) identificaram vrios
instrumentos disponveis, alguns deles com informao detalhada sobre o seu
desenvolvimento e as suas propriedades psicomtricas. No entanto, ambos os autores
concluiram que os dados sobre a capacidade de resposta e o impacto da administrao desses
instrumentos era escasso. Por outro lado, a maioria dos estudos desenvolvidos nesta rea
(avaliao de necessidades) tinha sido feita em doentes oncolgicos.
Tratando-se de encontrar um instrumento de avaliao de necessidades e escolhendo uma
abordagem corporativa, com avaliao direta das necessidades e prioridades da populao,
defendida por Higginson et al (2007), mas tendo, tambm, em considerao que o instrumento
de avaliao abrangesse as dimenses consideradas de importncia em doentes com
insuficincia respiratria, optmos pela escolha de um instrumento que pudesse vir a ser
aplicado, tanto numa populao geral, como, tambm, especfica, para doentes com
insuficincia respiratria.
No existindo, at presente data, em lngua portuguesa, um instrumento de medida com
estas caractersticas e de forma a identificar os principais instrumentos de medida de
necessidades em cuidados paliativos, que permitissem responder questo quem necessita
de cuidados paliativos? foi desenvolvida uma estratgia de pesquisa que incidiu sobre as
seguintes bases eletrnicas de dados: Medline (sem limite/2010) e Cochrane Database of
Systemic Reviews. A estratgia de pesquisa desenvolvida para as bases de dados mencionadas
foi a seguinte: #Palliative care needs tool.
Captulo 2. Reviso da literatura
17
Foram obtidos os resumos dos estudos identificados pela estratgia de pesquisa, de forma a
selecionar quais os estudos a ser includos na anlise. Dos 77 trabalhos identificados6, foram
seleccionados 18, tendo sido identificados nove instrumentos de avaliao de necessidades em
CP (cujos critrios de seleo se encontram referidos no quadro 1):
Needs Assessment Toll: Progressive Disease Cancer (NAT:PD-C) (Waller, 2008;
2009; 2010);
Palliative Care Outcome Scale (POS) (Hearn, 1999; Slater, 2004; Serra-Prat, 2004;
Stevens, 2005; Harding, 2010);
Needs of social nature Existencial concerns Symptoms Therapeutic interaction
(NEST 13+) (Emanuel, 2000; Emanuel, 2001; Scandrett, 2010);
Problems and Needs in Palliative Care questionnaire-short version (PNPC-sv) (Osse,
2004; 2007);
Hamilton Chart Audit Tool (H-CAT) (Slaven, 2007);
Supportive Care Pathway (SCP) (Main, 2006);
Symptoms and Concerns Checklist (SCC) (Lidstone, 2003);
Resident Assessment Instrument for Palliative Care (RAI-PC) (Stel, 2003);
Support Team Assessment Schedule (STAS) (Higginson, 1993; Lagabrielle, 2001).
Para a anlise dos questionrios disponveis, foi tida em considerao a opinio da Associao
Europeia de Cuidados Paliativos (Caraceni et al, 2002) sobre as caractersticas ideais dos
instrumentos de avaliao a utilizar em cuidados paliativos:
1) Simplicidade. A populao de doentes em medicina paliativa , muitas vezes, frgil, tem
deteriorao da sade e apresenta sintomas mltiplos. Para alm de apresentar, com
frequncia, compromisso cognitivo de gravidade varivel;
2) Validade. necessrio avaliar as propriedades psicomtricas dos instrumentos a utilizar,
para que eles meam efectivamente aquilo que suposto medirem. A validao deve ser
efetuada numa populao que pertena rea especfica de interesse e deve ter sido sujeito a
validao na lngua e cultura a que se destina, s dessa forma so permitidos estudos
multicentricos internacionais.
6 A reviso de literatura encontra-se resumida em anexo I - disponvel em CD-R. A maioria dos trabalhos
excludos correspondiam a investigao qualitativa na rea dos cuidados paliativos, alguns artigos eram de
opinio e os restantes correspondiam a investigao em doenas especficas, no tendo sido considerados de
interesse para este estudo.
Captulo 2. Reviso da literatura
18
Dos nove instrumentos disponveis, cujos critrios de seleo se encontram expostos no
quadro 1, o NEST - Needs of social nature Existencial concerns Symptoms Therapeutic
interaction, desenvolvido por Linda Emanuel et al (2001), foi considerado o instrumento de
medida mais apropriado por reunir mais condies necessrias ao estudo que nos
propnhamos realizar. Os restantes oito instrumentos foram excludos pelos seguintes
motivos:
Questionrio desenvolvido com populao exclusivamente com doena oncolgica:
NAT: PD-C; POS; PNPC-sv; H-CAT; SCC.
Questionrio exclusivamente preenchido por profissionais de sade e no pelo doente:
NAT:PD-C; H-CAT; SCP; SCC.
Questionrio excessivamente longo: PNPC-sv; SCC.
Questionrio referindo sintomas vrios mas excluindo o sintoma principal na IRC
(dispneia/cansao): NAT:PD-C; POS; PNPC-sv.
Publicao sem referncia s propriedades psicomtricas do instrumento: NAT: PD-C;
H-CAT; SCP; STAS.
A escolha do NEST foi ainda justificada pelas seguintes razes:
Foi construdo e validado numa amostra mista de doentes oncolgicos e no oncolgicos de
grandes dimenses (988 doentes) e com 10,9% de doentes com DPOC;
Revelou um grau elevado de fidelidade ( 0,63-0,85) e validade (Emanuel, 2000; Emanuel,
2001; Kissane & Street, 2010 p. 411);
Facilitou a identificao de um conjunto importante de necessidades comparativamente com
a avaliao clnica convencional (Scandrett et al, 2010);
Tem apenas 13 perguntas, pois foi preocupao dos autores torn-lo conciso mas abrangente
e multidimensional no que respeita aos domnios avaliados: Necessidades sociais:
financeiras, acesso a cuidados, necessidades dos cuidadores e proximidade; Existenciais:
angstia, espiritualidade, estabilidade e utilidade; Sintomas: fsicos e mentais e
Teraputicas: relacionamento, informao e objectivos dos cuidados;
Tem a vantagem de ser preenchido pelo doente, podendo ser utilizado em questionrio-
entrevista;
Tem a possibilidade de ser aplicvel em doentes com uma grande diversidade de
diagnsticos, circunstncias sociais e locais de cuidados (Grudzen et al, 2011);
Captulo 2. Reviso da literatura
19
Quadro 1- Sumrio das caratersticas dos instrumentos de avaliao de necessidades selecionados aps reviso da literatura Instrumento
Estudos
Publicados
Origem
Populao
validao
Quem
preenche
instrumento
N. itens
(tipo de
resposta)
Demora
preenchimento
Dimenses no
abrangidas
Fidelidade
Needs Assessment Toll:
Progressive Disease
Cancer
(NAT:PD-C)
(Waller, 2008; 2010
e 2010)
Austrlia
50 doentes
oncolgicos
11 PS
PS 17 (sim/no
ou 3 pontos) lista de sintomas
sem referncia a
dispneia
Palliative Care Outcome
Scale (POS)
(Hearn, 1999;
Slater, 2004;
Serra-Prat, 2004;
Stevens, 2005;
Harding, 2010)
Reino
Unido
148 doentes
oncolgicos
e PS
Doente ou
PS
10 (escala
Likert 0-4) +
1 pergunta
aberta
7 minutos
lista de sintomas
sem referncia a
dispneia;
espirituais
Cronbach 0,65-
Doentes
0,70 - PS
Needs of social nature
Existencial concerns
Symptoms Therapeutic
interaction (NEST 13+)
(Emanuel, 2000;
Emanuel, 2001;
Scandrett, 2010)
EUA
988 doentes
onc. e no onc.
Doente ou
PS
13
(0-10 pontos) Cronbach
0.63 - 0.85
Problems and Needs in
Palliative Care
questionnaire-short
version (PNPC-sv)
(Osse, 2004, 2007)
Holanda
94 doentes
oncolgicos
Doente 33
(sim/no) lista de sintomas
sem referncia a
dispneia
Cronbach 0,67 -0,89
Hamilton Chart Audit
Tool (H-CAT)
(Slaven, 2007)
Canada
222 doentes
onc. e no onc.
falecidos
PS sem perfil
especfico de
CP
15 minutos
espirituais
Supportive Care
Pathway (SCP)
(Main, 2006)
Reino
Unido PS
Symptoms and Concerns
Checklist (SCC)
(Lidstone, 2003)
Reino
Unido
480 doentes
oncolgicos
Doente 31 (escala
Likert 0-3)+1
pergunta aberta
5 minutos Cronbach 0,85
Resident Assessment
Instrument for Palliative
Care (RAI-PC)
(Steel, 2003) EUA 151 doentes
K
0.76 - 0.95.
Support Team
Assessment Schedule
(STAS)
(Higginson, 1993;
Lagabrielle, 2001)
Reino
Unido
50 doentes onc.
ou com SIDA
Doentes,
Cuidadores e
PS
16 (escala
Likert 0-4)
informao no disponvel; Onc. Doentes oncolgicos; PS Profissionais de sade;
Captulo 2. Reviso da literatura
20
2.2. Instrumentos de avaliao em doentes com insuficincia respiratria crnica
No existem instrumentos de avaliao de necessidades, especficos para uma populao de
doentes com IRC ou mais especificamente para doentes com DPOC.
Em 2003, Windisch et al. desenvolveram um instrumento para avaliao de qualidade de vida
em doentes com IRC - Severe Respiratory Insufficiency (SRI), a verso original alem e foi
traduzido e validado em castelhano (Lpez-Campos et al, 2006), holands (Duiverman et al,
2008) e ingls (Ghosh et al, 2011). O questionrio apresenta 49 questes abrangendo sete
dimenses: 1) sintomas respiratrios, 2) funcionamento fsico 3) sintomas acompanhantes e
sono, 4) relacionamento social 5) ansiedade 6) bem estar psicolgico e 7) funcionamento
social.
Em 2010, Vitacca et al. desenvolveram um questionrio de 35 questes para cuidadores, de
doentes ventilados no domiclio, em luto. O questionrio avalia seis domnios especficos 1)
controlo de sintomas; 2) conhecimento e controlo da doena; 3) sobrecarga familiar; tempo
gasto para atendimento; encargos financeiros; 4) processo de morrer; 5) problemas mdicos
(consultas, internamentos) e 6) problemas tcnicos (relacionados com a ventilao). Apesar da
pertinncia e interesse deste estudo, no foram testadas as propriedades psicomtricas deste
questionrio (Windisch, 2010).
Apesar da importncia destes dois questionrios no mbito da IRC, nomeadamente nos
doentes ventilados no domiclio, a sua utilizao no nos permitiria rastrear as necessidades
dos doentes em cuidados paliativos.
A escolha do questionrio NEST teve em considerao o facto de ter sido construdo com
base numa populao mista de doentes neoplsicos e no neoplsicos entre os quais 10,9%
dos doentes tinham DPOC (108 doentes), por outro lado foi pedida a opinio autora e
consubstanciada esta deciso, aquando do pedido de autorizao para a sua utilizao (anexo
1 e 2 correspondncia com a autora, 16 Julho 2010).
Captulo 2. Reviso da literatura
21
2.3. O questionrio NEST
O NEST (Needs at the End-of-Life Screening Tool ou Needs of a social nature; Existential
concerns; Symptoms; and Therapeutic interaction) foi desenvolvido por Linda Emanuel e
colaboradores e o projecto recebeu a aprovao Institucional dos Conselhos de Reviso da
Harvard Medical School e do Dana-Farber Cancer Institute em Boston, em colaborao com
38 hospitais de seis locais geogrficos (Emanuel et al, 1999; 2000; 2001).
Aps a construo e validao do questionrio, ocorrida entre 1999 e 2001, procedeu-se sua
reviso em 2006 (Buehler Center on Aging, 2006 - anexo 3) e aplicao em 2010 e 2011.
2.3.1. Caratersticas e estrutura do questionrio NEST
O questionrio foi construdo para ter um alcance abrangente, podendo ser utilizado em
avaliaes sequenciais e num grupo vasto de diagnsticos, sendo, no entanto, suficientemente
breve para poder ser administrado cabeceira da cama.
O questionrio NEST consiste num instrumento de avaliao e triagem de necessidades,
constitudo por 13 perguntas que exploram as necessidades econmicas, o acesso aos
cuidados, a prestao de cuidados, a angstia relacionada com a doena, os sintomas fsicos e
mentais, a proximidade, a espiritualidade, os relacionamentos, o sentido de vida, a
comunicao doente/clnico, a informao e os objetivos dos cuidados.
A forma de pontuao de cada resposta numrica. O formato de resposta do NEST o de
uma escala com diferenciao semntica, com palavras-ncora nos extremos e deriva de uma
escala tipo Likert, uniformizada para uma escala de 0-10, sendo que o score 0 corresponde a
menor intensidade e 10 corresponde a maior intensidade de necessidades.
A interpretao das respostas feita mediante uma chave de scores diferentes, de acordo
com cada questo (Buehler Center on Aging, 2006). Ultrapassado esse score, a resposta
considerada significativa. O sistema de pontuao do NEST realizado item a item,
contribuindo para definir um perfil das reas de fora ou vulnerabilidade do doente - perfil de
Captulo 2. Reviso da literatura
22
necessidade, no sendo avaliado o seu score total (ndice de necessidade) (McDowell, 2006
p.15).
Sendo o NEST uma escala de avaliao numrica de 0-10, as suas pontuaes significam
intensidade de uma necessidade e so variveis qualitativas ordinais pelo que o valor
atribudo no uma quantidade real.
2.3.2. Aplicao do questionrio NEST
O NEST administrado em formato de papel, podendo ser preenchido pelo doente
(autoadministrado) ou ajudado por profissional de sade (questionrio-entrevista). No
existe verso eletrnica deste instrumento. Em 2010, Scandrett et al testaram-no como
ferramenta-de-cabeceira para detetar e documentar as necessidades e para orientar
intervenes a doentes internados com neoplasia (em hospitais, no hospcios) e, em 2011,
Grudzen et al testaram-no num servio de urgncia em doentes com mais de 65 anos, com
doenas neoplsicas e no neoplsicas (incluindo insuficincia respiratria, cardaca, renal,
heptica, AVC e demncia). Em ambos os estudos foi administrado sob a forma de
questionrio-entrevista. No estudo de Scandrett et al (2010), a segunda aplicao do teste, no
final do internamento, foi parcialmente efetuada por entrevista telefnica (nas primeiras 48
horas, aps alta).
Nos estudos de Emanuel et al (2000 e 2001), Scandrett et al (2010) e Grudzen et al (2011) no
h informao disponvel quanto percentagem de dados omissos ou dificuldade na
interpretao dos resultados.
O tempo de preenchimento do questionrio no foi referido nos dois estudos em que foi
avaliada a sua viabilidade (Scandrett et al, 2010 e Grudzen et al, 2011). No entanto, a sua
aplicao foi feita sob a forma de questionrio-entrevista, sendo, ainda, complementada por
perguntas adicionais (NEST13+7) no estudo de Scandrett et al.
7 Anexo II- disponvel em CD-R.
Captulo 2. Reviso da literatura
23
Apesar de se tratar da aplicao do questionrio NEST num servio de urgncia Grudzen et al
(2011) referem uma elevada percentagem de doentes excludos (38,4%) no teste de rastreio
cognitivo (six-item screener de Callahan et al, 2002) que consideraram necessrio para a
participao no estudo. No entanto este pr-requesito no tem sido unanimemente utilizado na
aplicao de instrumentos de avaliao em CP, nem o tinha sido no estudo de Scandrett
(2010).
Como j foi anteriormente referido, a sua aplicao j foi testada em dois ambientes:
internamento e servio de urgncia.
No estudo de Scandrett et al (2010) foi, ainda, testada a sua capacidade de avaliao de
resposta (pr e ps interveno).
O instrumento de avaliao NEST foi projetado para auxiliar as equipas de sade a avaliar e
resolver as necessidades relacionadas com a doena, habitualmente no avaliadas pela
avaliao convencional. Depois de desenvolvido e validado, foi testado em doentes com
neoplasia, no Northwestern Memorial Hospital (Estados Unidos da Amrica), detetando
sofrimento relacionado com a doena, dificuldades de acesso aos cuidados, satisfao quanto
aos objetivos do atendimento e necessidade de cuidadores. O objetivo principal dos autores
com a utilizao deste instrumento proporcionar uma avaliao individual e global de cada
pessoa doente, com doena crnica ou em risco de vida. O NEST no est traduzido noutra
lngua nem foi validado noutro pas. A sua viabilidade foi testada, em 2010 e 2011.
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
24
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
Neste captulo, desenvolvem-se os fundamentos tericos que condicionaram a metodologia
utilizada neste estudo.
3.1. Validao de instrumentos
Para validar um questionrio necessrio verificar se o instrumento tem as caratersticas
psicomtricas adequadas para o qual o instrumento foi projetado. Avaliar as propriedades
psicomtricas de um instrumento um critrio essencial para determinar a qualidade da sua
medio (McDowell, 2006).
As duas caratersticas mtricas essenciais para avaliar a preciso de um instrumento so a
fidelidade e a validade. O objetivo principal da validao diz respeito ao significado ou
interpretao dos scores do instrumento. Este conceito de validao, que reflete a ideia de
concordncia com um critrio, habitualmente utilizado em epidemiologia e pressupe a
noo de sensibilidade e especificidade (Macdowell, 2006 p. 30). Um instrumento pode ser
fiel porque mede uma varivel de uma forma constante mas invlido se no mede os
fenmenos que suposto medir (Fortin, 2009). A capacidade de resposta e a viabilidade so
duas outras propriedades mtricas que tambm contribuem para a validade de um instrumento
(Andrews et al, 1994).
A avaliao das propriedades psicomtricas de um instrumento d consistncia aos resultados
obtidos e, desta forma, podem ser comparados com os obtidos em outros estudos que
utilizaram os mesmos instrumentos. A validao de um instrumento um processo contnuo e
dinmico, que adquire mais consistncia medida que mais propriedades psicomtricas so
medidas em culturas diferentes, com diferentes populaes e indivduos (McDowell, 2006).
3.1.1. Conceito de fidelidade
A fidelidade refere-se preciso e consistncia das medidas obtidas com a ajuda de um
instrumento de medida. Reporta-se capacidade do instrumento medir de uma vez para a
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
25
outra um mesmo objeto de forma constante reprodutibilidade das medidas (Fortin, 2009 p.
348-350).
Existem diversos critrios para avaliar a fidelidade dos instrumentos de medida. Os principais
so a estabilidade, a consistncia interna e a equivalncia.
A estabilidade ou fidelidade temporal ou consistncia externa refere-se ao grau de
concordncia entre duas medidas colhidas em dois momentos diferentes (Aguiar, 2007
p. 62). Considera-se um instrumento como sendo estvel, quando as duas medidas,
efetuadas nas mesmas condies e junto dos mesmos indivduos, do resultados
idnticos. Apesar de alguns autores recomendarem intervalos de duas a quatro
semanas, entre as duas medies (Fortin, 2009 p.349), numa populao de cuidados
paliativos habitual optar por intervalos inferiores, de forma a repetir a medio em
condies semelhantes.
A estabilidade do instrumento de medida avalia-se por meio da tcnica de teste-
reteste e a relao entre os dois conjuntos de scores exprime-se por um coeficiente de
estabilidade. Um coeficiente de correlao elevado (> 0,70) significa que as medidas
mudaram pouco, de uma vez para a outra (Fortin, 2009 p. 350).
A fidelidade interna ou consistncia interna designa a concordncia existente entre
todos os enunciados individuais que constituem o instrumento de medida. Refere-se
homogeneidade de um conjunto de enunciados que servem para medir diferentes
aspetos de um mesmo conceito. Quanto mais os enunciados so correlacionados,
maior a consistncia interna do instrumento. A consistncia interna assenta no
princpio de que o instrumento unidimensional, isto , que mede um s conceito.
A tcnica correntemente utilizada para apreciar o grau de consistncia interna de um
instrumento o clculo do coeficiente alfa () de Cronbach. O alfa () de Cronbach
permite determinar at que ponto cada enunciado da escala mede um dado conceito da
mesma forma que os outros. O coeficiente alfa () funo do nmero de enunciados
de uma escala e mais elevado se a escala comporta vrios enunciados. O valor dos
coeficientes varia entre 0,00 e 1,00; um valor elevado indica uma grande consistncia
interna (Fortin, 2009 p. 350-351).
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
26
A equivalncia de um instrumento aprecia-se em duas circunstncias: quando se
utilizam duas formas equivalentes de um mesmo instrumento (as formas equivalentes
so utilizadas para evitar o efeito de aprendizagem) e quando um fenmeno
observado por diferentes pessoas (fidelidade inter-juzes) (Fortin, 2009 p.351-352). No
caso do questionrio NEST, no existem duas formas equivalentes deste instrumento e
o instrumento foi construdo para ser preenchido exclusivamente pelo doente, pelo que
a avaliao da equivalncia no ser efetuada.
3.1.2. Conceito de validade
A validao corresponde ao grau de preciso com o qual o conceito representado por
enunciados particulares num instrumento de medida. Um instrumento vlido se ele mede
bem o que suposto medir (Fortin, 2009 p. 354-355). Importa avaliar a validade de contedo,
a validade de critrio e a validade conceptual.
Validade de contedo refere-se ao carcter representativo dos enunciados utilizados
num instrumento para medir o conceito ou domnio em estudo. A validade de
contedo est diretamente ligada definio terica do conceito, definio precisa
do objeto de estudo e determinao dos indicadores que servem para avaliar os
comportamentos a observar (Fortin, 2009 p. 355-356; McDowell, 2006 p. 30). A
avaliao da validade de contedo especialmente relevante quando o instrumento
est a ser desenvolvido, sendo de menor importncia quando j foi validado e utilizado
em diferentes reas (Agra et al, 1998). Pode ser avaliada atravs de entrevistas
cognitivas aos respondentes, de forma a verbalizarem as suas reaes a cada uma das
questes e assim entender como foram percebidas (McDowell, 2006 p. 31).
A validade de critrio refere-se correlao entre um instrumento de medida e um
outro instrumento (critrio) que mede o mesmo fenmeno. O primeiro instrumento
pode predizer um resultado que produzir um outro instrumento que mede o mesmo
conceito, no mesmo momento. A validade de critrio pode ser dividida em
concomitante e preditiva, referindo-se a primeira ao estado atual e a segunda ao estado
futuro.
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
27
A validade concomitante refere-se correlao entre duas medidas do mesmo
conceito, tomadas ao mesmo tempo junto dos indivduos (Fortin, 2009 p. 356).
Idealmente, o estudo decorre em uma populao no selecionada, aplicando o
instrumento a estudar e o goldstandard. Como alternativa, aplica-se o instrumento a
indivduos com e sem o problema, selecionados atravs do goldstandard. A aplicao
do instrumento desta forma permite estabelecer a sua sensibilidade e especificidade
(McDowell, 2006 p.31-34). A validade concomitante seria avaliada no NEST se
estivesse disponvel em lngua portuguesa um instrumento goldstandard ao qual o
NEST seria comparado. Mas, para a avaliao da validade concomitante, pode, ainda,
comparar-se a escala de medida com dados clnicos (Fortin, 2009 p.357), pelo que
poder ser explorada a correlao entre certos enunciados e dados sociodemogrficos
e clnicos, colhidos data do preenchimento do questionrio. A validade preditiva
refere-se capacidade de um instrumento poder prever uma situao futura, a partir de
um resultado atual. O desenho transversal deste estudo no permite este tipo de
validao.
A validade conceptual ou validade de construto diz respeito capacidade de um
instrumento medir o conceito ou o construto definido teoricamente (estrutura terica).
Para estimar a validade conceptual, utiliza-se a anlise estrutural, os grupos de
contraste, a validade convergente e a validade divergente.
Um grau elevado de validade conceptual ou estrutura terica deve poder mostrar que
a estrutura terica est de acordo com a teoria subjacente (Vallerand, 2000 citado por
Fortin, 2009 p.358) a anlise fatorial um mtodo que permite reter agrupamentos de
conceitos fortemente ligados entre si (fatores) e til para determinar se os enunciados
de uma escala de medida se reagrupam em torno de um s fator. A anlise de
componentes principais poder ser realizada para descobrir e sumarizar o padro de
intercorrelaes entre as variveis.
O mtodo dos grupos de contraste consiste em aplicar uma escala de medida a dois
grupos de indivduos diferentes em que se espera que obtenham scores opostos com a
varivel medida (Fortin, 2009 p.358).
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
28
Validade convergente e validade divergente para avaliao da validade
convergente correlacionam-se entre si dois ou mais instrumentos, medindo o mesmo
conceito. Para estabelecer a validade divergente correlacionam-se os resultados
obtidos por meio de dois ou mais instrumentos, medindo conceitos diferentes
(Mcdowell, 2006 p. 34-35).
Para a interpretao dos coeficientes de correlao, Macdowell (2006 p. 35) alerta
para a dificuldade de correlacionar um instrumento com outro j que, habitualmente,
surgem alguns problemas lgicos. Como o instrumento que se quer correlacionar no
foi geralmente desenhado para reproduzir a ou as escalas com o qual est a ser
comparado, no de esperar que a correlao seja perfeita e, por isso, sugere que se
fundamente com que tipos de variveis se deve relacionar, logicamente, o instrumento
de medida e qual a magnitude esperada para esse coeficiente de correlao, antes de se
proceder ao teste emprico de validao.
O coeficiente de correlao pode variar de -1.0 (indicando uma associao inversa) at
+1,0, tendo 0,0 o significado de no existir qualquer associao. Como existem
sempre erros de medio aleatria, a correlao mxima nunca pode atingir 1,0.
Quando os coeficientes de fidelidade dos instrumentos so conhecidos, a correlao
observada pode ser comparada com o mximo teoricamente possvel8, ajudando na
interpretao do coeficiente obtido entre duas escalas.
3.1.3. Conceito de capacidade de resposta
A capacidade de resposta do instrumento tambm uma forma de avaliao de um
instrumento e corresponde sensibilidade do instrumento detetar a mudana, ao longo do
tempo e aps uma determinada interveno, omitindo a mudana aleatria. A forma mais
consensual de avaliar essa capacidade de resposta ou sensibilidade tem como numerador a
mudana de pontuao (tipicamente antes e aps o tratamento) e, como denominador, o
desvio padro da medida em linha de base ou o erro padro dos scores (McDowell, 2006 p.
42). O desenho transversal deste estudo no permite este tipo de avaliao do instrumento.
8 Correlao mxima esperada teoricamente entre dois instrumentos - raiz quadrada do produto das suas
fidelidades (McHorney, 1995 citado por Macdowell, 2006 p. 35).
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
29
3.1.4. Conceito de viabilidade
A dificuldade de implementar a utilizao rotineira de um instrumento de medida, na prtica
clnica, relaciona-se com a viabilidade desse instrumento. Apesar de no haver consenso
sobre o significado de viabilidade ou de como ele deve ser medido Slade et al (1999),
consideram importante analisar esta propriedade psicomtrica e definem uma escala vivel
como simples, rpida de preencher, relevante, aceitvel, disponvel e valiosa. Para tal so
necessrias certas caractersticas particulares do instrumento que se repercutem na:
infraestrutura necessria para a recolha de dados (motivao e treino do pessoal que a utiliza)
e para a anlise dos resultados que, por sua vez, permitiro gerar mudanas nos cuidados
clnicos a administrar ou nos planos dos servios onde esse instrumento vai ser implementado.
Andrews et al (1994) identificaram trs dimenses de viabilidade: aplicabilidade, aceitao e
praticabilidade. A aplicabilidade o grau em que uma medida avalia dimenses de
importncia para o avaliador. A aceitabilidade descreve a facilidade com que um avaliador
pode utilizar uma determinada medida. A praticabilidade refere-se aos requisitos de treino e
complexidade da pontuao, relatrio e interpretao dos resultados. Quando so avaliados
estes parmetros, compreendem-se as possveis barreiras implementao e os ingredientes
necessrios para a sua aplicao com sucesso clnico dirio.
De certa forma o conceito de viabilidade corresponde ao conceito de utilidade analisado por
outros autores que consideram necessrio analisar o tempo de preenchimento, o nmero de
respostas preenchidas, a facilidade do preenchimento, a necessidade ou no de ajuda de
terceiros no preenchimento, bem como outros aspetos de interesse para o clnico que utiliza o
questionrio e que esto relacionados com o formato do questionrio, a clareza das perguntas,
o registo, a codificao e interpretao dos resultados e a perceo do seu uso na prtica
clnica (Argimon & Jimnez, 2004; Wen & Gustafson, 2004; Richardson et al, 2005).
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
30
3.2. Adaptao transcultural de um instrumento
3.2.1. Equivalncia transcultural
A adaptao transcultural de um questionrio de estado de sade para utilizao num pas
diferente daquele onde o questionrio foi desenvolvido (pas, cultura, e/ou linguagem) precisa
de ser feita de forma metdica, para que se mantenha a equivalncia entre a verso original e
a verso traduzida.
Se o questionrio vai ser utilizado numa cultura diferente, os itens devem ser bem traduzidos
linguisticamente, mas tambm devem ser adaptados cultura-alvo, de forma que se mantenha
a validade de contedo do instrumento, ao nvel conceptual. S desta forma se assegura que o
impacto de uma doena ou do seu tratamento seja descrito de forma semelhante em estudos
multinacionais. O termo "adaptao transcultural" utilizado para englobar um processo que
tem em considerao a lngua (traduo) mas, tambm, problemas culturais de adaptao no
processo de preparao de um questionrio para utilizao num ambiente diferente do original
(Beaton et al, 2000).
A traduo de uma escala deve permitir a comparao dos conceitos entre respondentes
pertencentes a culturas diferentes (Fortin, 2009). Segundo Hulin (1987, citado por Fortin,
2009 p.396), este gnero de comparao possvel se o significado que dado aos conceitos
da escala original e que validado noutra lngua for o mesmo para as duas culturas
comparadas. O objetivo obter medidas equivalentes. O que procurado a equivalncia das
medidas. Para que tal acontea deve ser procurada equivalncia, entre a verso original e a
verso traduzida, em quatro reas (Beaton et al, 2000):
Semntica: as palavras escolhidas significam o mesmo? Existem vrios significados
para o mesmo item? Existem dificuldades gramaticais na traduo?
Idiomtica: os coloquialismos ou expresses idiomticas so difceis de traduzir. Se
necessrio, um comit de traduo deve formular uma expresso equivalente na verso
a traduzir;
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
31
Experimental /experiencial: os itens podem abranger atividades que no so
praticadas no pas de destino e, assim, mesmo que seja traduzvel, deve ser substitudo
por um item semelhante;
Conceptual: por vezes, as palavras tm significados conceptuais diferentes, consoante
as culturas. Por exemplo, o conceito de famlia pode ser mais expandido ou nuclear.
O que se pretende no uma traduo literal mas uma traduo que conserve o significado
dos conceitos.
Um outro aspeto a ter, ainda, em considerao a de que o questionrio final deve ser
compreendido por uma pessoa com 12 anos de idade (equivalente ao sexto ano de
escolaridade), j que esta a recomendao geral para questionrios (Beaton et al, 2000).
3.2.2. Processo de traduo
Para obter uma adaptao transcultural de um instrumento em outra lngua a Task Force for
Translation and Cultural Adaptation (Wild et al, em 2005) sugere o mtodo de traduo-
retrotraduo utilizado por tradutores bilingues, devendo ser seguidos os seguintes passos:
traduo na lngua-alvo, por tradutores bilingues independentes, preferencialmente um
da rea de sade, com a intenso de obter duas tradues que captem o significado
conceptual, mais do que serem tradues literais;
anlise de discrepncias, por peritos, com conciliao sobre hbitos lingusticos e
preferncias e criao de uma verso de traduo consensual na lngua alvo;
reviso de erros gramaticais ou outros, sempre que feita uma nova traduo para a
lngua alvo;
anlise de compreenso e aceitabilidade, aps aplicao da verso traduzida num teste
piloto. Este passo tem como objetivo resolver problemas que possam resultar no no
preenchimento, eventualmente relacionados com palavras ou frases com que os
utilizadores do questionrio possam no estar familiarizados;
retrotraduo sem conhecimento da verso original; com eventual repetio, caso seja
necessrio fazer alteraes verso traduzida na lngua alvo;
comparao da verso retrotraduzida com a original, analisando a equivalncia
semntica;
Captulo 3. Validao e adaptao transcultural de instrumentos
32
relatrio, especificando as escolhas feitas em todo o processo de traduo e pedido de
aprovao ao autor;
Captulo 4. Estudos de validao de questionrios
33
Captulo 4. Estudos de validao de questionrios
Neste estudo foram aplicados dois instrumentos o NEST e o MOS-SF36.
4.1. Validao do questionrio NEST
O NEST (Needs at the End-of-Life Screening Tool ou Needs of a social nature; Existential
concerns; Symptoms; and Therapeutic interaction) foi desenvolvido por Linda Emanuel e
colaboradores e o projeto recebeu a aprovao Institucional dos Conselhos de Reviso da
Harvard Medical School e do Dana-Farber Cancer Institute, em Boston, em colaborao com
38 hospitais de seis locais geogrficos (Emanuel et al, 1999; 2000; 2001).
A validao do NEST englobou trs fases:
Na primeira fase - construo do questionrio - realizou-se uma sondagem com 15 focus
groups e 6 entrevistas em profundidade (in-depth interviews), com uma grande variedade de
pessoas envolvidas em cuidados de fim de vida, incluindo doentes internados em hospcios,
doentes em reabilitao hospitalar, doentes afroamericanos e hispnicos, cuidadores de
doentes terminais, cuidadores que estavam em luto recente, indivduos idosos, mdicos,
enfermeiras de cuidados intensivos, prestadores de servios em unidades de cuidados
paliativos ou domicilirios, assistentes sociais hospitalares cuidando de doentes terminais e
prestadores de cuidados religiosos. Utilizando anlise de contedo informal de gravaes dos
grupos focais e entrevistas, bem como uma extensa reviso da literatura, foram encontradas as
dimenses consideradas de maior importncia na experincia dos doentes em fim de vida
(Emanuel & Emanuel, 1998). O quadro conceptual estudado descreve um conjunto de
caratersticas fixas do paciente, de dimenses modificveis da experincia do doente e uma
srie de intervenes a proporcionar que pudessem modificar a experincia do doente e
influenciar os resultados.
As dimenses modificveis incluram: sintomas fsicos, sintomas psicolgicos e cognitivos,
relaes sociais, necessidades econmicas, necessidade de cuidados, esperana e expectativa e
sentimentos espirituais e existenciais. As intervenes a efetuar pelo sistema de cuidados
Captulo 4. Estudos de validao de questionrios
34
incluam fatores de base familiar, social, servios mdicos e institucionais e ainda fatores
econmicos.
De vrias escalas padro e questionrios foram adaptadas uma srie de perguntas. As questes
relacionadas com sintomas foram adaptadas do Wisconsin Brief Pain Inventory, do Medical
Outcomes Study (MOS) SF-36 e do European Clinical Oncology Group (ECOG), as questes
relacionadas com medidas de desempenho e apoio social foram adaptadas da escala MOS
Social Support Scale. O instrumento desenvolvido para a entrevista inclua 135 questes e foi
pr-testado com 18 doentes e 15 cuidadores (Emanuel et al, 1999). Cada uma das questes
tinha vrias opes de resposta, em 10 domnios: (1) caractersticas do doente; (2) estado de
sade e sintomas; (3) interaes sociais; (4) comunicao com o mdico / enfermeiro; (5)
significado pessoal; (6) responsabilidades nos cuidados; (7) planos e preferncias; (8)
sobrecarga econmica dos cuidados; (9) perceo de entrevista; e (10) atitudes sobre a
eutansia e suicdio medicamente assistido. O questionrio foi posteriormente sujeito a
reviso por peritos e refinamento.
Na segunda fase - validao do questionrio (Emanuel et al, 2000) - foram selecionados
1.131 doentes elegveis (maiores de 18 anos, mentalmente competentes e falando ingls), de
cinco reas metropolitanas e uma rea rural (representativas da diversidade geogrfica dos
Estados Unidos), atravs de 383 mdicos selecionados aleatoriamente (atravs de registo de
mdicos centrais e listas de membros de vrias sociedades e especialidades, incluindo
oncologistas, cardiologistas, pneumologistas, gastrenterologistas e internistas), a quem foi
pedido que referenciassem para o estudo doentes com uma expetativa de vida de seis meses
(portadores de qualquer doena exceo de infeo VIH/SIDA).
Dos 1.131 doentes elegveis, aps a primeira entrevista, 988 foram entrevistados (taxa de
resposta de 87,4%). Dos 682 doentes que se mantiveram vivos 4 a 6 meses aps a primeira
entrevista (69%), 650 foram novamente entrevistados (95,3% de taxa de resposta). Dos 988
entrevistados 59,4% tinham mais de 65 anos e 51,5% eram mulheres. A patologia terminal
mais frequente foi a neoplsica (em 51,8% dos doentes) seguida da doena cardaca (18,0%) e
DPOC (10,9%). A maioria (96%) estava em ambiente ambulatrio, 4% estavam
institucionalizados (incluindo hospitais, hospcios e clnicas com enfermagem). As entrevistas
Captulo 4. Estudos de validao de questionrios
35
ocorreram entre maro de 1996 e julho de 1997 e foi utilizado um questionrio de 52 questes,
na primeira entrevista, e de 58 questes, na segunda entrevista.
Para avaliar a validade de construto foi feita anlise fatorial exploratria que identificou 12
fatores discretos (explicando 55% da varincia; p mximo de Spearman = 0,24), dos quais 8
fatores preencheram os critrios para representar as dimenses mensurveis (correspondendo
a 46% da varincia). Estes 8 fatores foram: relao doente-clnico; conexo social; cuidados
necessrios; sofrimento psicolgico; espiritualidade / religiosidade; aceitao pessoal; sentido
de propsito e comunicao com o mdico. Os Eingenvalues variaram entre 1,45-6,30 e de
Cronbach entre 0,63-0,85.
No follow-up foram tambm evidenciadas as mesmas dimenses, exceto no que diz respeito
s duas primeiras dimenses (relao mdico-doente e conexo social), transformadas num
fator combinado - interao clnica (Eigenvalue entre 1,83-7,92; de Cronbach entre 0,64 -
0,86) conforme se expe no quadro 2.
Quadro 2 Consistncia interna e fidelidade das dimenses do NEST *
Sondagem inicial Eingenvalue Coeficiente de Cronbach
1. Relao doente-clnico 6,30 0,77
2. Conexo social 4,20 0,85
3. Cuidados necessrios 3,01 0,79
4. Sofrimento psicolgico 2,83 0,70
5. Espiritualidade / religiosidade 2,65 0,71
6. Aceitao pessoal 1,76 0,63
7. Sentido de propsito 1,56 0,65
8. Comunicao com o mdico 1,45 0,83
Sondagem 4-6 meses depois
1. Interao clnica 7,92 0,85
2. Conexo social 4,51 0,86
3. Cuidados necessrios 2,92 0,80
4. Sofrimento psicolgico 2,60 0,73
5. Espiritualidade / religiosidade 3,55 0,83
6. Aceitao pessoal 2,00 0,69
7. Sentido de propsito 1,83 0,64
Nota: Eingenvalues 1 foram interpretados como identificadores de dimenses subjacentes.
Foi necessrio coeficiente Cronbach > 0,60 para um fator representar uma dimenso
mensurvel. * verso original: 52 questes na primeira sondagem e 58 questes na segunda
sondagem (Emanuel et al, 2000).
Captulo 4. Estudos de validao de questionrios
36
O modelo multidimensional foi subsequentemente testado com anlise fatorial confirmatria
para avaliar a qualidade do ajuste e do fator de invarincia de acordo com o grupo etrio, sexo,
nvel de educao, grupo tnico e geogrfico.
Ainda para avaliar a validade de construto foi procurada associao entre as dimenses, tendo
sido examinadas associaes entre pares de dimenses e associaes entre as dimenses
individuais e as variveis sociodemogrficas ou caractersticas dos cuidados de interveno,
atravs de anlise de regresso logstica. Para poder quantificar as dimenses foi necessrio
uniformizar a escala de resposta para cada questo de cada dimenso. Para examinar as
associaes entre dimenses, cada dimenso foi dicotomizada na sua mediana. Foram testadas
associaes entre cada dimenso, usando-a como uma varivel dependente, e as dimenses
restantes, utilizando-as como variveis independentes. Da mesma forma, foram testadas
associaes entre cada dimenso e outras variveis independentes, entre as quais: idade do
doente, gnero, raa, grupo minoritrio, religio, estado civil, rendimento, educao, presena
ou ausncia de neoplasia, durao da doena, experincia prvia do doente com a morte
(prestao de cuidados, decises de fim-de-vida) e pedido de tratamento adicional para dor.
Quanto s associaes entre pares de dimenses, a comunicao com o mdico e a
relao doente-clnico foram associadas (odds ratio [OR] 2,79). Uma melhor
comunicao com o mdico correlacionou-se com uma melhor aceitao pessoal
(OR 1.10), e uma melhor relao doente-clnico correlacionou-se com menor
sofrimento psicolgico (OR 0,84). Os doentes com maior espiritualidade
/religiosidade (OR 1,38) foram associados com os que apresentavam maior sentido
de propsito (OR 1.36), e os doentes com maior aceitao pessoal foram mais
propensos a ter medidas melhores nessas dimenses (OR 1.11 e OR 1.20
respetivamente).
Quanto s associaes entre as dimenses individuais e as variveis
sociodemogrficas, foram poucas as caratersticas com associao significativa. No
entanto, destacaram-se algumas associaes: os doentes casados ou que viviam com
um parceiro (OR 3,37) e aqueles que tinham menos de 65 anos (OR 1,44)
apresentavam maior conexo social. A aceitao pessoal foi maior entre os
doentes que consideravam o enfermeiro o seu clnico principal, em oposio a um
mdico (OR 2,79). As doentes do sexo feminino (OR 1,67), os grupos minoritrios
Captulo 4. Estudos de validao de questionrios
37
(OR 1.70), e os mais instrudos (OR 1,77) foram mais propensos a considerar a
relao doente-clnico boa. Por outro lado, as doentes do sexo feminino (OR 1.42) e
os doentes mais jovens (OR 1.59) relataram maior sofrimento psicolgico (Emanuel
et al, 2000 p. 427).
A anlise de resultados iniciais e quatro a seis meses depois foram realizadas separadamente
para fornecer uma avaliao da estabilidade ao longo do tempo, para as dimenses do
construto obtidas - validao de estabilidade com teste-reteste.
Nesta fase do estudo, demonstrou-se a concordncia entre os domnios teorizados no quadro
conceptual (Emanuel & Emanuel, 1998) e as dimenses identificadas aps anlise fatorial da
sondagem efetuada aos doentes, com apenas duas excees, dado que emergiram duas
dimenses novas: espiritualidade / religiosidade e sentido de propsito, sendo que j tinha
sido colocada a hiptese relacionada com "crenas espirituais e existenciais. Alm disso,
uma outra hiptese colocada no quadro conceptual "esperanas e expectativas" no foi
considerada como dimenso distinta, embora a aceitao pessoal fosse identificada.
Segundo Emanuel et al (2000), os resultados da validao do NEST indicaram que as oito
dimenses eram relevantes para os doentes nos diferentes grupos sociodemogrficos e
continuavam a ser relevantes ao longo da trajetria de vida. O modelo de oito fatores
mostrou-se adequado para diferentes idades, gneros, nveis de ensino, etnias e grupos
geogrficos.
Posteriormente, selecionaram-se e desenvolveram-se as questes para o questionrio NEST
(Emanuel et al, 2001). Foram realizadas modificaes no questionrio, de forma a estar
adaptado ao contexto clnico. Da anlise e modificaes efetuadas, resultou um questionrio
com 13 questes. Finalmente, para facilitar a utilizao cabeceira do doente, foi criada
uma mnemnica, englobando os quatro temas centrais dos cuidados paliativos, incluindo as
letras do acrnimo NEST: Necessidades (sociais), Existenciais, Sintomas e questes
Teraputicas. A mnemnica NEST teve em considerao a afirmao de Cicely Saunders
(1959, citada por Emanuel, 2001), de que cuidar de doentes deve incluir uma avaliao das
suas necessidades sociais, espirituais, fsicas e mentais.
Captulo 4. Estudos de validao de questionrios
38
A seleo das perguntas foi baseada numa combinao das suas caratersticas psicomtricas e
operacionais e no julgamento clnico de um grupo de foco (focus group).
Em relao s propriedades psicomtricas foram utilizados os factor loadings
(coeficiente de saturao) para a escolha dos itens. Quanto maior o peso de cada fator,
maior a possibilidade do item ter sido selecionado.
No que respeita s caratersticas operacionais, foram escolhidos os itens que
mostraram maior sensibilidade ou capacidade de detetar a dimenso subjacente. Esta
anlise foi feita comparando quantas vezes uma resposta positiva a qualquer item de
uma determinada dimenso coincidiu com uma resposta positiva a outros itens dentro
dessa dimenso. Foi dada prioridade sensibilidade mais do que especificidade,
pois, embora fosse importante a preciso duma questo com alta especificidade,
pretendia-se que o NEST fosse predominantemente um instrumento de triagem.
O grupo focal foi composto por trs mdicos de cuidados paliativos e hospcios e uma
enfermeira de cuidados paliativos. Foi feito um julgamento clnico para ajudar a
selecionar quais os itens capazes de fornecer informao significativa numa consulta
clnica. A redao de cada item foi adaptada ao ambiente clnico. Por exemplo, os
pronomes foram alterados de acordo com a consulta clnica. Sempre que possvel
simplificou-se o texto, sem alterar o seu significado e foram feitas algumas
combinaes de itens com o objetivo de maximizar o factor loading, a sensibilidade e
o significado clnico.
O formato de resposta de todos os itens NEST foi aumentado, dos 4 a 5 pontos da escala de
Likert original, para uma escala uniforme de 0 a 10. Esta alterao foi feita, no s para
maximizar o poder discriminatrio mas, tambm, para aplicar uma escala j familiar em
alguns contextos clnicos, como, por exemplo, na monitorizao da dor. A formulao das
respostas foi ainda ajustada para se adequar escala de 0 a 10, sendo os scores mais elevados
indicadores de maior gravidade/necessidade.
A primeira publicao do questionrio NEST, apresentando as 13 questes selecionadas, data
de 2001 (Emanuel et al, 2001). Em 2006, foi publicada a sua reviso (Buehler Center on
Captulo 4. Estudos de validao de questionrios
39
Aging, 2006)9. Nessa nova verso esto includas as instrues e os respetivos scores de cada
item, tendo ainda sido feita alterao da ordem de algumas perguntas. Nesta nova verso
NEST 13+10
, o questionrio de rastreio pode ainda ser complementado por 48 questes
adicionais, caso a resposta a cada pergunta ultrapasse o score considerado significativo, e,
ainda, utilizando a escala de ESAS (Bruera et al, 1991) no caso das perguntas n. 5 (sintomas
fsicos) e ou n. 6 (sintomas psicolgicos) ultrapassarem os scores considerados significativos.
Na terceira fase, foi feita a avaliao da viabilidade do NEST, como instrumento de rastreio
de necessidades, complementada ou no pelas perguntas adicionais do NEST13+ (Scandrett et
al, 2010). O estudo foi aprovado pela University Northwestern e Hospital Northwestern
Memorial, em Chicago, EUA, e consistiu num ensaio clnico controlado em 451 doentes
internados num servio de oncologia, pelo menos durante dois dias, com mais de 21 anos e
em condies fsicas para participar na entrevista.
No primeiro dia de internamento, foi feito o preenchimento do NEST ou NEST13+, a todos
os doentes. s equipas dos doentes no intervencionados (149 doentes) no foi fornecida
informao sobre os resultados do NEST13+, s equipas dos doentes intervencionados (159
doentes) o entrevistador forneceu os resultados do NEST13+ e respetivas recomendaes
clnicas de acordo com as dimenses que tinham ultrapassado os