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J u n h o d e 2 0 0 5 • A n o 2 • n º 1 1 w w w . d e s a f i o s . o r g . b r
do desenvolvimento
BERTA BECKER“A única forma de salvar a Amazônia é saber explorá-la”
DÍVIDARenegociação argentina serviria para nós?
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Junho de 2
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no 2 • nº
11 desafios
Fornecimento de energia está garantido até 2009,mas sem novos investimentos o país pode f icar no escuro
desafios
Brasil Ligado
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Desafios • junho de 2005 3
desafiosdo desenvolvimento
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Ha-Joo ChangDois pesos e duas medidas
Rubens NavesO futuro das ações sociais empresariais
Regina Polo MüllerBrèsil Indien, as artes dos ameríndios
José Eli da VeigaLembrar de Bizâncio
Carlos Octávio Ocké-ReisNovos modelos para a saúde privada
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Entrevista Berta BeckerNão basta preservar a floresta, é preciso saber explorá-la
Setor Elétrico Promessas e incertezasGoverno federal define regras para atrair investidores privados
Sociedade Ação & reaçãoPesquisa mostra que 74% das empresas do Nordeste realizam ações comunitárias
Internacional Argentina, um vizinho barulhentoAs lições que a tragédia macroeconômica pode ensinar
Metas do Milênio Longe dos objetivosMulheres brasileiras estudam mais do que os homens, mas ganham menos
Tecnologia Teia de novos negóciosRede Brasil de Tecnologia promove parcerias entre empresas e centros de pesquisa
Melhores Práticas Vida boa para os idososParque Municipal do Idoso oferece lazer, assistência médica e educação
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Sumário
Artigos
Giro
Estante
Circuito
Indicadores
Cartas
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Seções
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4 Desafios • junho de 2005
desafiosdo desenvolvimento
A crise energética de 2001 deixou-nos marcas profundas:
transtornos em nossa vida doméstica e o trauma de interromper mais
um ciclo de crescimento.A reportagem de capa desta edição discute as
dúvidas e incertezas que ainda persistem quanto ao modelo regulatório
do setor elétrico.
Matéria especial da série vinculada à 3ª Conferência Nacional de
Ciência, Tecnologia e Inovação mostra que a Rede Brasileira de
Tecnologia transforma ciência em tecnologia e permite a substituição
de produtos importados por originais nacionais. Em três anos envolveu
486 empresas e 690 laboratórios em parcerias do tipo ganha-ganha,
com grande potencial de expansão.
Até que ponto são comparáveis as situações macroeconômicas de
Brasil e Argentina e as reações de seus respectivos governos aos
constrangimentos do cenário internacional? Discute-se esses limites
e se mostra o preço que pode ser cobrado da população pela
irresponsabilidade de governantes.
Desafios traz ainda os resultados de uma nova pesquisa do Ipea
sobre as práticas de responsabilidade social das empresas. E apresenta a
primeira edição de Brasil: o Estado de uma Nação.A obra, que
mobilizou dezenas de pesquisadores do Ipea e de outras instituições,
oferece análises da conjuntura em vários aspectos e aponta caminhos
para um futuro melhor para o país.A coordenadora do capítulo de
meio ambiente foi a geógrafa Berta Becker, a entrevistada do mês.
A implantação de Desafios do Desenvolvimento tem sido tarefa
tão complexa quanto instigante.As primeiras e decisivas dez edições
aconteceram graças à equipe formada e conduzida pelas mãos
experientes do jornalista Ottoni Fernandes Jr.. Resolvido a voltar para
São Paulo, Ottoni deixa a direção de redação para colaborar com a
revista, como editor.A existência e a qualidade de Desafios devem
muito à liderança de Ottoni, a quem somos todos reconhecidos.A partir
deste número a redação passa a ser chefiada pela jovem e competente
jornalista Maysa Provedello, companheira de jornada desde os
primeiros tempos de Desafios, a quem desejamos muito boa sorte.
Luiz Henrique Proença Soares, Diretor-Geral
Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.org.br
Carta ao leitorwww.desafios.org.br
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)PRESIDENTE Glauco Arbix
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)REPRESENTANTE NO BRASIL Carlos Lopes
DIRETOR-GERAL Luiz Henrique Proença Soares
RedaçãoEDITORA CHEFE Maysa Provedello
EDITORES Andréa Wolffenbüttel e Ottoni Fernandes Jr.
EDITORAS ASSISTENTES Clarissa Furtado, Lia Vasconcelos e Marina Nery
COLABORADORES Hylda Cavalcanti (redação),Ana Cláudia Jatahy,Andrea Marques,Geraldo Ataíde, Ricardo B. Labastier (fotografia), Regina Pereira (revisão)
PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE Renata Buono
EDITORA ADJUNTA DE ARTE Luciana Evangelista
ARTE Rafaela Ranzani
CAPA ApontoZ.com TRATAMENTO DE IMAGEM E FINALIZAÇÃO Inovater
PublicidadeDIRETORA Bia Toledo • [email protected]
BAHIA E SERGIPE Canal C ComunicaçãoTel. ( 71) 358-7010, (71) 9988-4211• e-mail: [email protected]ÍRITO SANTO • Mac Marketing e Assessoria de ComunicaçãoTelefax (27) 3229-2579 • e-mail: [email protected] GERAIS • Ponto de Vista Comunicação MarketingTel. (31) 3281-7363 • e-mail: [email protected]Á • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (41) 3019-3717 – Fax (41) 3019-3716 • e-mail: [email protected] GRANDE DO SUL • RR Gianoni RepresentaçõesTel. (51) 3388-7712 • e-mail: [email protected] CATARINA • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (48) 348-4121, (48) 9977-9124 • e-mail: [email protected]
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H a - J o o n C h a n gARTIGO
questão mais importante para os paísesem desenvolvimento que participarãoda próxima reunião ministerial daOrganização Mundial do Comércio
(OMC), a realizar-se em Hong Kong, em dezem-bro de 2005, será a negociação sobre o Acesso aosMercados Não-Agrícolas (Nama na sigla em in-glês), cujo tema mais importante é a redução dastarifas industriais. A redução das tarifas, princi-palmente as industriais, sempre foi o objetivoprincipal do Acordo Geral sobre Tarifas e Co-mércio (Gatt na sigla em inglês). Entretanto, oscortes tarifários propostos no Nama apresentamuma escala sem precedentes em termos históri-cos. Se a proposta mais radical dos Estados Uni-dos for adotada, a tarifa média para a maioria dospaíses em desenvolvimento cairá da faixa atualde 10% a 70% para o intervalo de 5% a 7%.
Isto significaria que, em média, as tarifas in-dustriais nos países em desenvolvimento serãoas mais baixas desde os Tratados Desiguais (im-postos pela Grã-Bretanha à China) do século 19e início do século 20, quando países mais fracos(embora independentes) foram privados de au-tonomia tarifária e obrigados a adotar uma alí-quota muito baixa, não superior a 5%.As conse-qüências de tão drástica redução das tarifas paraos países em desenvolvimento poderão ser real-mente gigantescas.
O pressuposto no qual se baseia a negociaçãodo Nama é que uma maior liberalização do co-mércio (redução de tarifas, redução das barreirasnão-tarifárias) é sempre melhor. Entretanto, o re-sultado de um corte tarifário depende em grandeparte de onde e de como é feito. Se a magnitudedo corte for muito grande, como provavelmenteserá no âmbito da atual negociação proposta, osprodutores locais dos países em desenvolvimen-to precisarão aumentar muito rapidamente suaeficiência a fim de sobreviver.A definição de tari-fas muito baixas poderá acarretar o fechamentode indústrias básicas, destruindo rendas e empre-gos, em lugar de elevar sua eficiência.
O corte das tarifas poderá prejudicar o desen-volvimento econômico no longo prazo. Quantoao futuro próximo, talvez seja mais eficiente para
os países em desenvolvimento eliminar as indús-trias que não conseguem sobreviver sem a prote-ção de altas tarifas e outras medidas de proteção,e dependem da agricultura e de alguns outros se-tores de mão-de-obra intensiva. Entretanto, nolongo prazo, é extremamente improvável que ospaíses possam desenvolver-se nessas condições– conforme a história tem mostrado.
A maior parte dos países desenvolvidos daatualidade – entre eles Grã-Bretanha e EstadosUnidos, os supostos baluartes do livre-comércio– dependeu da proteção tarifária, dos subsídios ede outras medidas para promover suas “indústriasincipientes”nos primeiros estágios de seu desen-volvimento. Prósperos países em desenvolvimen-to, como Coréia, Taiwan, China e Índia, expandi-ram sua capacidade industrial graças ao amparoda proteção tarifária e de outros mecanismos.
Na campanha pela redução das tarifas indus-triais, um dos argumentos usados é que os paísesem desenvolvimento devem “nivelar o campo dejogo” facilitando o acesso dos exportadores dasnações desenvolvidas a seus mercados industriais.Entretanto, quando os jogadores estão em con-dições desiguais, esse princípio não se aplica. Narealidade, na maioria dos esportes, jogadores emsituação desigual não podem competir entre si.No boxe,na luta romana e em muitos outros,exis-tem categorias de acordo com o peso dos com-petidores. Em esportes como o golfe, temos atémesmo um sistema explícito de handicaps, quepermite aos jogadores mais fracos competir comdeterminadas vantagens na proporção (inversa)a sua habilidade no jogo.
Os países em desenvolvimento devem desper-tar para a realidade concreta do Nama. Se as ne-gociações prosseguirem no plano em que se en-contram neste momento,é possível que,no futuropróximo, a expansão industrial deixe de existir nomundo em desenvolvimento. Pode parecer umaafirmação muito drástica, mas ambas as teorias eas evidências (históricas e contemporâneas) suge-rem que essa é a única avaliação realista.
Ha-Joon Chang é diretor assistente de Estudos do Desenvolvimento da
Faculdade de Economia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra
Dois pesos e duas medidas
“Proposta de redução
tarifária no âmbito da
negociação sobre o
Acesso aos Mercados
Não-Agrícolas fará
com que países
desenvolvidos e em
desenvolvimento
tenham de competir
de igual para igual
por novos mercados ”
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GIROp o r A n d r é a
W o l f f e n b ü t t e l
Além das extensas e concorridas praias, as cidadeslitorâneas de Santa Catarina também têm outra ca-racterística comum: estão enfrentando dois gravesproblemas, o crescimento acelerado e a conseqüentedificuldade no combate à pobreza. Os números sãoimpressionantes. Algumas cidades, como Itapoá eItapema, dobraram de população nos últimos 15anos e outras, como as famosas Camboriú e Balneá-rio Camboriú, têm atualmente maior porcentagemde pobres do que no início dos anos 90. Em busca deuma solução, foi criado o programa Meu Lugar, uma
parceria entre o Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud) e o governo do estado. Oobjetivo é criar estratégias de desenvolvimento para30 regiões catarinenses que evitem o êxodo em di-reção ao litoral. O drama não se restringe às peque-nas cidades, a capital, Florianópolis, também viu suapopulação inchar durante a década passada. O pro-grama pretende primeiro detectar os potenciais, asdemandas e as carências locais. A partir dessa de-finição será elaborado um plano de desenvolvimen-to sustentável para cada uma das regiões.
Desenvolvimento regional
Bela e populosa Catarina
Depois do Nafta e do Cafta, osEstados Unidos estudam a possi-bilidade de um contrato de livre-comércio com três países do Gru-po Andino: Colômbia, Equador ePeru (a Bolívia entraria em um se-gundo momento). A sociedadepoderá chamar-se Agfta (Andi-nean Group Free Trade Área).Além dos interesses puramentecomerciais,a parceria serviria paraajudar no combate ao narcotráfi-co, na medida em que incentivariaa substituição do plantio de cocapor outros produtos a serem ven-
didos no mercado norte-ameri-cano. Especialistas do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada(Ipea) elaboraram um estudo paraavaliar os impactos que esse acor-do traria para o Brasil. A conclu-são é tranqüilizadora. As estru-turas de competitividade setorialdos Estados Unidos, do GrupoAndino e do Brasil, como expor-tadores e importadores, indicamque eles não concorrem entre si,exceto por um conjunto muito pe-queno de produtos. As exporta-ções brasileiras para o mercado
norte-americano praticamentenão devem sofrer alterações. Já asvendas para o Grupo Andino po-derão ter perda de cerca de 43milhões de dólares, sobretudoem têxteis, máquinas e equipa-mentos mecânicos, e veículos eautopeças.O estudo também con-cluiu que, ao contrário do que seimaginava, a parceria dos Esta-dos Unidos com os três países sul-americanos não deve afetar as ex-portações brasileiras de celularese produtos de informática para oGrupo Andino.
Comércio exterior
Quem tem medo da Agfta?
A aversão nutrida por grandeparte dos jovens pela políticapartidária não significa, neces-sariamente, que eles estejamalheios aos destinos do país. Aconclusão é da socióloga HelenaAbramo e foi exposta no En-contro Latino-Americano e Ca-ribenho de Lideranças Juvenis,realizado em maio, em Belo Ho-rizonte.A especialista,da Univer-sidade de São Paulo (USP), cons-tatou que os jovens continuamquerendo mudar o mundo, masque os caminhos buscados ago-ra são diferentes dos utilizadosno passado.Vivendo em um am-biente de democracia, eles seafastaram das bandeiras exclusi-vamente políticas e aderiram anovas lutas nas mais diversasáreas. As mobilizações se con-centram em torno de objetivosculturais, ambientais, étnico-ra-ciais e econômicos.A identidadedeles junto à sociedade tambémmudou. Antes se apresentavamcomo estudantes e o centro dasreivindicações era a universida-de. Atualmente, os pólos estãomais dispersos e o jovem se vêcomo um cidadão atuante, inde-pendente da vida estudantil. Oingresso no meio político se dáde forma mais natural, à medidaque eles entendem que, para al-cançar suas metas, terão neces-sariamente de lidar com a reali-dade político-partidária.
Juventude
A luta continua
Fernando Vargas/Secretaria Municipal de Turismo de Camboriú
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O Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea) acaba delançar o Radar Social, uma com-pilação e análise de dados que tra-çam um panorama dos principaisproblemas sociais do Brasil. O tra-balho busca não só apresentar asmudanças mais importantes nocampo social, a partir da últimadécada, como também explicaros motivos. Os principais temasabordados são demografia, edu-cação,saúde,trabalho,renda,mo-radia e segurança. Leia abaixo umtrecho das conclusões do capítuloreferente ao trabalho.
“Os maiores problemas enfrenta-dos pelo trabalhador no Brasil são odesemprego, a informalidade e aqueda da renda média real. A taxade desemprego brasileira cresceu en-tre 1995 e 2003.Ela passou de 6,2%para 10%, respectivamente. Isso sedeve, grosso modo, ao fraco desem-penho da economia, que não criounovos postos de trabalho no volumee no ritmo necessários,e à moderni-zação das empresas, que destruiuoutros tantos postos.
De maneira relacionada,a infor-malidade da ocupação vem se man-tendo alta desde o começo da déca-
da de 1990,passando de 44,7% em1995 para 47,2% em 2002, aindaque tenha diminuído para 45,5%em 2003.
A renda média real dos traba-lhadores caiu nos últimos anos,pas-sando de 754 reais em 1996 para589,90 reais em 2002, ainda quetenha se recuperado parcialmenteem 2003, quando chegou a 639,30reais (em valores reais).Observa-seainda uma redução no diferencialde renda entre trabalhadores infor-mais e trabalhadores formais (dife-rencial que beneficiava estes últi-mos). Isso por causa da perda depoder de barganha dos trabalha-dores do setor formal e da maior in-dexação das remunerações do setorinformal ao salário mínimo.
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Monitordas reformas
Reforma do JudiciárioO presidente doCongresso afirmouque a CPMI dosCorreios não vai paralisar as votaçõese mencionounominalmente aReforma doJudiciário, que, apesarde já ter sido aprovada, aindaprecisa ser regulamentada.
Reforma TributáriaAcordo firmado entreos líderes adiou parao segundo semestrea votação.Todos ganharam tempo parabuscar um consensoentre os interessesde prefeitos,governadores egoverno federal.
Reforma PolíticaMesmo cercada de polêmica – o únicoponto de consenso é o da fidelidade partidária –, deve servotada ainda nesteano para poder seraplicada às eleiçõesde 2006.
ReformaOrçamentáriaNão tem sido muito mencionada, mas deveser votada aindaneste ano para poderser aplicada na confecção da Lei deDiretrizesOrçamentárias de2006.
Reforma UniversitáriaO MEC apresentouuma proposta final nodia 30 de maio, masainda não tem datapara votação
Já está em funcionamento, em caráter experimental, o portal demedicamentos do governo federal. O objetivo do site é reunir em um sólocal todas as informações referentes a compras de remédios realizadascom recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), em todas as instânciasgovernamentais: federal,estadual e municipal.A idéia é gerar um cadas-tro nacional que permita aos gestores públicos identificar os melhorespreços praticados.Posteriormente,o portal também facilitará a formaçãode consórcios reunindo estados e municípios para aquisições em grandeescala (leia mais na edição nº 10 de Desafios).A iniciativa pretende re-duzir o valor das compras de medicamentos e materiais hospitalares pe-lo governo, que atualmente gira em torno de 13 bilhões de reais anuais.A expectativa é que, quando estiver plenamente implantando, o sistemapossa gerar uma economia de até 10% sobre o custo total das aquisições.
Compras governamentais
Uma só porta para os medicamentos
Justiça social
Um radar para detectar problemas
Quem pensa que a mate-mática é o principal algoz dosestudantes pode estar enga-nado. A quantidade de ins-critos para a primeira olim-píada de matemática exclusi-va para alunos da rede públi-ca superou todas as expecta-tivas e mostrou que a turmaestá disposta a encarar osnúmeros. Dos cerca de 30 mi-lhões de possíveis candidatos,4,75 milhões se apresentarampara concorrer. Com essamarca, a olimpíada já cum-priu seu primeiro objetivo,que é incentivar o estudo damatemática. Já o segundo ob-jetivo – descobrir novos ta-lentos para a ciência e tec-nologia – só será alcançadoapós as provas, que começa-rão em agosto. Entre os prê-mios, estão duas mil bolsas deiniciação científica do Con-selho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecno-lógico (CNPq). Mais infor-mações sobre as olimpíadasde matemática podem ser ob-tidas no site da entidade orga-nizadora www.obmep.org.br.
Educação
Dois mais dois
Divu
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A s o l u ç ã o p a r a e v i t a r a d e g r a d a ç ã o d a f l o r e s t a a m a z ô n i c a ENTREVISTA
Desafios – A senhora cita em suas palestras
e livros que o dilema da Amazônia é a conser-
vação com inclusão social. No que ele difere do
conceito preservacionista dos anos 90?
Becker – É uma diferença conceitual,mas bastante importante. Preservaçãoé diferente de conservação. Preservar énão tocar, é deixar como está. Conser-vação é utilizar sem destruir. E eu pre-firo a conservação com inclusão, acre-dito piamente no uso não-destrutivodo patrimônio natural de modo a ge-rar trabalho e renda sem deteriorá-lo.
Desafios – E depois de tanta experiência na
academia e em consultorias, a senhora acredita
que é possível, operacionalmente, atingir o obje-
tivo da conservação com inclusão?
Becker –Acredito.É possível,mas é difí-cil. São muitos os obstáculos, especial-mente a questão fundiária,que no Brasilé estrutural e está ligada ao poder. Aselites,historicamente,querem ter terras,e não estamos falando só do momentopresente. Querem terras não somente
Não basta preservar a floresta
Amazônia abriga 20% de toda a água doce do planeta, ocupa 5% da área do globo terrestre,guarda 30% das florestas tropicais ainda vivas, mas é habitada por apenas 3,5 milésimos dapopulação mundial.A grandiosidade da região é inversamente proporcional à sua fragilidade
e vulnerabilidade perante a antiga ameaça da mão do homem. Mas a velha idéia de preservar a flo-resta intocada já está ultrapassada. O futuro é explorar o que ela pode oferecer enquanto está viva, empé. O assunto foi apresentado detalhadamente no livro Brasil – Estado de Uma Nação, do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a ser lançado neste mês, mais especificamente no capítulo“Amazônia: desenvolvimento e soberania”, coordenado pela geógrafa Berta Becker.
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Berta BeckerP o r M a y s a P r o v e d e l l o , d o R i o d e J a n e i r o
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Entrevista 02/06/05 16:17 Page 10
Desaf ios • junho de 2005 11
para a produção organizada,mas porquesignifica poder, status, reserva de valorpara o futuro. No Brasil e em boa parteda América Latina, o crescimento daprodução agrícola foi baseado na expan-são da fronteira, ou seja, o crescimentosempre foi feito a partir da exploraçãocontínua de terras e recursos naturais,que eram percebidos como infinitos. Oproblema continua até hoje. E a questãofundiária está intimamente ligada a esseprocesso, em que a a terra dá status epoder,com o decorrente avanço da fron-teira da produção agrícola, que rumoupara a Amazônia nos últimos anos.
Desafios – Mas a modernização agrícola,
pela lógica, não deveria ter diminuído o avanço
da fronteira, pois atingiu mais produtividade
num mesmo espaço de terra?
Becker – A modernização da agricul-tura propiciou, por um lado, maiorprodutividade nas lavouras, mas fez au-mentar a velocidade na incorporaçãode novas áreas, apoiada também pelastecnologias da informação. É a chama-da cronopolítica, que começa a superaraté a geopolítica. A iniciativa privadasabe muito bem se mover nessa novavelocidade, enquanto o Estado ainda semexe no mesmo tempo pretérito. Por-tanto, acaba sendo criado na Amazôniatodo um sistema logístico, de arma-zéns, cidades, redes de comunicação,que permite uma rapidez muito maiorda expansão da fronteira. Isso é muitonítido por lá, basta chegar em qualquercidade para perceber, pois são os em-presários que dominam tudo, que ins-talam e comandam essa logística, e oEstado está sempre atrás.
Desafios – Além da questão histórica da terra,
quais outros fatores dif icultam a conservação
com inclusão?
Becker – Sou adepta da tese de que afloresta amazônica só vai ser conserva-da quando lhe for atribuído um valor talque a torne competitiva, com o valorque ela pode ser capaz de gerar en-
quanto está em pé. Seus produtos pre-cisam assumir preços de commodities.
Desafios – A senhora se refere também aos
produtos de extrativismo e à prestação de ser-
viços ambientais, como os projetos de venda de
crédito de carbono?
Becker – Também estou falando dosserviços, mas não tenho muita paixãopor essa alternativa,porque não gera tra-balho direto e renda para a população.Etambém porque implica a existência deum certo controle externo sobre nossasflorestas,porque,se alguém paga por al-gum serviço, vai querer cobrar. Não mesinto maravilhada com a idéia de vendercréditos de carbono, porque não levadinheiro para a mão da população, quequer se desenvolver, crescer. Dou prefe-rência ao aproveitamento das riquezasda floresta, pois já existem mercados aserem explorados e muitos outros a se-rem abertos. Há vários exemplos decampos comerciais que estão prontospara serem aproveitados. O ramo bio-médico, por exemplo, embora seja difí-cil concorrer com os grandes labora-tórios mundiais.O da nutracêutica,queé gigantesco, e para quem não sabe dizrespeito aos alimentos naturais que ge-ram bem-estar e saúde. E a dermocos-mética, que algumas empresas brasilei-ras estão começando a explorar muitobem,inclusive internacionalmente.A al-ta tecnologia precisa entrar na Amazô-nia para permitir a descoberta de novosprodutos e mercados.
Desafios – E a população está preparada para
tal mudança?
Becker –A região amazônica,primeira-mente, não pode ser encarada como al-go único. É um caldeirão de diferençassociais,é grande e diversa.Mas uma coi-sa é comum: o nível de aspirações se ele-vou enormemente para todos os atoressociais daquela região, desde empresá-rios, agricultores e governos, até ribeiri-nhos,índios e pequenos produtores agrí-colas. Todo mundo quer se desenvolver,
s e r á o e m p r e g o s u s t e n t á v e l d a p r o d u ç ã o n a t u r a l
Berta Becker é filha de ucranianos eromenos vindos ao Brasil para fugir daPrimeira Guerra Mundial.“Nasci no Rio, soucarioca da gema, da Tijuca”, gosta de dizercom seus olhos azuis, sorridentes e anima-dos.A carreira acadêmica começou no cur-so de Geografia e História, na década de50, na Universidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ).
Desde o começo na universidade, suavida foi uma seqüência de sucessos acadê-micos até conquistar a posição de professo-ra emérita da UFRJ. Hoje, ela não dá maisaulas. Reserva seu tempo para participardos conselhos de projetos como o Expe-rimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, liderado pela Nasa,a agência espacial norte-americana.
Aos 74 anos, ela, que mora num antigoprédio de frente para o mar, em Copacaba-na, no Rio de Janeiro, parece que tem rodasnos pés: um dia está em Brasília, no outro naAmazônia, depois em qualquer outro lugardo país ou do mundo, para falar aos mais di-versos ouvintes, “de governantes até bis-pos”, sobretudo sobre suas propostas paraa Amazônia.
Propostas paragerar polêmica
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12 Desafios • junho de 2005
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é um caminho sem volta.Acabou a fasede ocupação pura e simples. É urgente aconcepção de uma política de consoli-dação do desenvolvimento. Por isso euacredito que estão preparados e muitosaté mobilizados,em diferentes níveis,tra-balhando em conjunto para melhoraraqui e ali.
Desafios – A senhora já af irmou que está na
hora de o movimento ambientalista fazer uma auto-
avaliação e rever alguns de seus princípios básicos.
Quais seriam esses pontos a serem revistos?
Becker – O movimento ambientalistafoi muito importante, fundamental, eudiria. Ele foi o responsável por barrar oavanço da fronteira agrícola e a depre-dação madeireira da região amazôni-ca nos anos 90. Certamente atingiu osobjetivos a que se propunha. Hoje,30% do território amazônico está pro-tegido, o equivalente à área da Espa-nha. Mas o mundo mudou e a Ama-zônia também, assim como os atoresenvolvidos.Agora eles precisam de tra-balho, emprego, dinheiro, pois queremconsumir produtos e serviços, desejamfazer parte da nação, como qualqueroutro cidadão. Não dá mais para pen-sar que basta proteger áreas para solu-cionar os problemas, porque os confli-tos aumentam e resultam em casos emais casos de violência e morte. Nãobasta delimitar áreas protegidas parasolucionar a questão da Amazônia. Énecessário passar do preservacionismopara o conservacionismo.
Desafios – Essa tendência de mudança é mundial?
Becker – Ninguém fala disso aberta-mente, mas eu acredito que sim. Provadisso são os selos criados para atestarque os produtos vendidos no exterior fo-ram produzidos de maneira a não agre-dir a natureza.Eles são um instrumentode trabalho nesse sentido. Ou seja, o ca-pital natural que foi preservado na déca-da de 90 pode agora ser utilizado.O quenos resta é encontrar as formas de explo-rar isso tudo da melhor forma possível.
Desafios – Ciência e inovação podem ajudar
nesse processo?
Becker – Ciência,tecnologia e inovaçãosão fundamentais. Primeiro porquepatrimônio amazônico ainda não é co-nhecido e precisa ser considerado tam-bém em termos de América do Sul.Quando se pensa em geopolítica,é maisrelevante atuar em bloco com outrospaíses,trabalhar em conjunto,com maispresença internacional.A ciência é peça-chave para desenvolver tecnologias cria-tivas para a implementação de um novomodelo de uso dos recursos naturais.Temos de encontrar saídas. Um bomexemplo de tecnologia aplicada naAmazônia é a produção de biodiesel apartir do óleo de dendê, que é tem ori-gem na Bahia mas está sendo plantadoem áreas desmatadas da Amazônia.Nãovejo o menor problema nisso, até achoótimo,mas seria melhor ainda se fossemdesenvolvidos mecanismos para criarbiodiesel a partir de outros produtos dafloresta que não precisassem de áreaplantada,mas sim de extração organiza-da.Para isso é necessária a presença fortedo Estado, organizando essa pesquisa,para tornar realidade a produção.
Desafios – A ausência do Estado é nítida na
região amazônica. Como ele poderia se fazer
mais presente, uma vez que aquela é uma área
tão vasta e de difícil acesso, com pouca densi-
dade demográf ica?
Becker – A população amazônica pedea presença do Estado. Depois de muitoouvir aqui e ali eu me arrisquei e codi-fiquei como é que o Estado pode se fa-zer presente na Amazônia sem estar emtodos os lugares ao mesmo tempo. Ini-cialmente é essencial definir com cla-reza as regras do jogo. Para quem é pro-prietário, para quem é beneficiário deassentamentos, para quem vai ser fun-cionário. E, à medida que ficarem cla-ras as regras do jogo, elas têm de sercumpridas e o Estado precisa trabalharno monitoramento desse processo. Es-se é o cerne da questão institucional naregião.Mas atualmente existe uma gran-de balbúrdia,ninguém sabe direito quaissão as regras, nem mesmo quem são osproprietários das terras.
Desafios – A senhora citou os assentamentos
na região. Eles têm se mostrado inef icientes, com
altas taxas de evasão. O que está acontecendo?
Becker – O modelo tradicional de assen-tamento rural, aquele em que cadafamília ganha um pedaço de terra paratrabalhar isoladamente,não funciona naAmazônia.É obsoleto e não atende nemàs necessidades ambientais nem ao po-vo da região.É uma atitude perversa pe-gar um monte de gente vulnerável, des-preparada, e mandar para uma regiãosem estradas, sem infra-estrutura, seminformação, sem nada. É por essa razãoque a evasão dos assentados ao redor deSantarém, no Pará, chegou a 70%. Nãoé porque exista má vontade ou preguiçados assentados, mas sim porque não dápara produzir desse jeito, não dá paratrabalhar no meio do nada, de formaisolada. Até agora o governo não deu oapoio necessário e não vai dar, simples-mente porque não é possível em termosoperacionais. Imagine que estão plane-jados hoje 177 assentamentos ao longode uma só estrada,a Cuiabá–Santarém.São milhares de pessoas, sendo impos-sível dar estrada,luz,assistência técnica,estrutura de comercialização para todomundo. Os assentados ficarão lá alguns
“Um bom exemplo de
tecnologia aplicada na
Amazônia é a produção
de biodiesel a partir
do óleo de dendê.
Mas seria melhor se fossem
criados mecanismos para
usar matéria-prima nativa
da floresta, que não
precisasse de área
plantada, mas sim
de extração organizada”
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14 Desafios • junho de 2005
Desafios – As organizações não-governamen-
tais (ONGs), tanto nacionais quanto internacionais,
ocupam importante espaço no cenário ambiental
brasileiro. Elas conseguem exercer forte inf luên-
cia no campo das políticas públicas e mobilizar a
população. A senhora já questionou em seus li-
vros o papel de tais organizações. Na sua opinião,
o que deve ser observado no trato com elas?
Becker - Acredito que precisamos sem-pre prestar atenção ao papel dessas or-ganizações no que diz respeito à geopo-lítica.Algumas entidades, muitas delasbastante fortes e representativas de in-teresses internacionais, fazem de certa
forma um jogo anti-Estado. Elas pre-gam um pouco a tese de que o Estadodiminuiu e que são elas que precisamocupar o espaço deixado, como as sal-vadoras da pátria. Na verdade não foinada disso. Os Estados não acabaram,estão aí definindo políticas e muitos de-les têm braços que apóiam aberta ousecretamente as grandes ONGs e or-ganismos multilaterais, para financiarpolíticas em outros países em desen-volvimento. As ONGs acabam sendoferramentas de influência direta de al-guns governos sobre outros. Tambémchamo a atenção para o fato de quemuitas vezes são essas organizações eorganismos que ditam a agenda de dis-cussão. E quem define a agenda tem opoder,porque o que entra em discussãopode ser definido e o que não entra nãotem nem chance. São as regras do jogo.
Desafios – E o Brasil tem conseguido inf luen-
ciar mais a agenda ambiental de discussão?
Becker - Eu diria que o Brasil, durantemuito tempo,teve uma atitude até infan-til nesse ponto.As posições eram radi-cais: ou se era totalmente contra o impe-rialismo americano ou era uma posiçãode “venha e pegue tudo”. Agora estamosaprendendo a negociar, o que é funda-mental. Porque a cooperação técnica éimportantíssima.Mas ela precisa ser ne-gociada e discutida, e nós aprendemosmuito sobre isso nos últimos tempos.
Desafios – Qual o seu sentimento sobre o fu-
turo ambiental do Brasil, sobretudo da Amazô-
nia? É otimista ou pessimista?
Becker – Eu gostaria de manter o meuhistórico otimismo,especialmente por-que tenho trabalhado bastante em con-sultorias para implementar novos mo-delos de uso da floresta amazônica.Masàs vezes me sinto um pouco pessimista.O importante é que há um grande de-bate sobre o assunto.O processo deman-da debate,criatividade e repercussão,pa-ra que consigamos mostrar a quem de-cide o que é mais importante para aque-la região. Eu amo muito aquilo tudo,amo muito o Brasil.Estou cheia de idéias,e isso é que é bom, é o que importa.
meses e depois irão embora, e quem fi-cará com as terras,como acontece há dé-cadas, serão os grandes agricultores.
Desafios – E como resolver esse impasse?
Becker – Eu tenho uma proposta polê-mica,mas que,na minha cabeça,depoisde tudo o que eu já vi, faz todo o senti-do. Proponho que sejam implemen-tadas grandes fazendas de colonos,numesquema cooperativo. Elas precisam serenormes, nas proporções amazônicas,para possibilitar produção em escalaEm vez de colocar cada assentado numpedaço pequeno, em que ele só poderáutilizar 20% da área, conforme a legis-lação ambiental,será melhor partir paraunidades maiores, exploradas coope-rativamente. Numa grande proprie-dade, usar 20% da área permitirá umagrande produção, muitas vezes maiordo que se fossem utilizados os pedaci-nhos de cada assentamento individualAlém disso, esse modelo facilita a orga-nização de infra-estrutura, ao criar umpequeno pólo populacional com luz,esgoto, escola e apoio técnico. Não sedeve dar o título de propriedade da ter-ra,pelo menos por um tempo,mas ape-nas garantir a concessão.A escolha dasáreas deve ser precedida de um estudode mercado,estabelecendo o que deveráser produzido, dependendo da existên-cia de condições de comercialização.Com pouco mais de uma dúzia dessasfazendas na região da mesma BR-163,as coisas estariam mais bem equaciona-das, elas seriam capitalizadas em poucotempo e assim se poderia enfrentarmuito melhor o problema da invasão dapecuária e da soja sobre a floresta. Osassentados, trabalhando cooperativa-mente,poderiam ganhar algum dinhei-ro e o governo teria, assim, condição dedar apoio a uma dúzia de núcleos dessetipo, em vez de 200 assentamentos commilhares de pedaços de terra dispersos,que acabariam produzindo apenas paraa subsistência. E, de quebra, a área pro-tegida por lei não seria difusa em pe-quenos pedaços de cada assentado, con-tinuaria sendo protegida,mas estaria in-terligada em apenas uma fazenda. d
A solução para a
Amazônia é criar grandes
fazendas exploradas de
maneira cooperativada,
em vez de assentar
a população em pequenas
áreas, sem acesso
à infra-estrutura
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Entrevista 02/06/05 16:21 Page 14
16 Desafios • junho de 2005
SETOR ELÉTRICO
incertezasPromessas e
O g o v e r n o f e d e r a l d e f i n i u u m c o n j u n t o d e r e g r a s p a r a t e n t a r e s t i m u l a r a
a p l i c a ç ã o d e r e c u r s o s n a g e r a ç ã o d e e l e t r i c i d a d e , m a s o s i n v e s t i d o r e s
p r i v a d o s a i n d a r e l u t a m e m a s s u m i r r i s c o s
P o r C l a r i s s a F u r t a d o , d e B r a s í l i a
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ara sustentar um crescimento doProduto Interno Bruto (PIB) nafaixa de 3,5% anuais, será precisoaumentar em pelo menos 4,5%
ao ano a produção brasileira de energiaelétrica a fim de evitar a repetição do pe-sadelo do racionamento de 2001. Dessavez estão cheios os reservatórios que abas-tecem as usinas hidrelétricas, mas isso nãobasta para assegurar que haverá energiaelétrica suficiente para bancar a expansãoda economia, embora ajudem a diminuirpara patamares mínimos as ameaças deracionamento. O risco, dessa vez, não vemda meteorologia, mas da incerteza dos in-vestidores quanto à estabilidade das regras
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do jogo, num setor que exige vultosos in-vestimentos e longo prazo para que pas-sem a ser rentáveis. Especialistas calculamque será necessário investir cerca de 20 bi-lhões de reais por ano para assegurar aoferta de eletricidade ao país, e a maiorparte dos recursos terá de vir da iniciativaprivada. A estatal Eletrobrás, que reúnecentrais hidrelétricas responsáveis por 60%da energia gerada nacionalmente, planejainvestir 4,6 bilhões de reais em 2005, ou23% dos investimentos necessários.
Na opinião de Adriano Pires, diretordo Centro Brasileiro de Infra-Estrutura(CBIE) e professor da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ), o governonão terá dinheiro suficiente para atenderà demanda de energia elétrica e o investi-dor privado fica receoso de aplicar numsetor em que as regras são instáveis e fa-voráveis às empresas estatais.
O governo criou, no ano passado, umnovo modelo para o setor, com o qual es-pera atrair recursos privados para a ex-pansão da geração de energia e ainda ga-rantir tarifas baratas para o cidadão. Sãonovas regras, instituições e várias mu-danças em relação a contratos de comprae venda de energia.Ainda pairam dúvidasse a estratégia adotada pelo governo estáno caminho certo. Sobretudo porque so-braram várias lacunas importantes a se-rem resolvidas, como alguns pontos semregulamentação definida ou detalhamen-to apropriado. O grande teste deverá acon-tecer até o final deste ano, quando o Mi-nistério de Minas e Energia (MME) es-pera colocar em licitação 17 projetos denovas usinas hidrelétricas, com capaci-dade para produzir 2,8 mil megawatts(MW) de potência. Se aparecerem investi-dores interessados, ótimo. Caso contrário,o país corre o risco de repetir daqui a cin-co ou seis anos a triste experiência doracionamento.
Em tese, a oferta de energia para ospróximos cinco anos estaria garantida,pois existem 78 empreendimentos emconstrução (veja tabela na pág. 20), compotencial para gerar 7,6 mil MW. Outros515 projetos foram outorgados pelas auto-ridades, mas as obras ainda não foram ini-ciadas. Eles têm potencial para produzir
25,7 mil MW. Na lista estão incluídas 45usinas hidrelétricas,com potencial para 13mil MW, que foram licitadas desde 2000,mas estão em obras ou ainda não foraminiciadas por falta de licenças ambientais.Um grupo de trabalho interministerial foicriado pelo governo federal para agilizar aliberação das obras paradas e já conseguiuresolver as pendências de 25 projetos, quetotalizam quase 10 mil MW. O términodas 45 usinas é essencial para que o paísnão tenha problemas de falta de energia jáa partir de 2010.
Dúvidas No entanto, o início das obras deunidades já autorizadas esbarra na inse-gurança dos investidores privados quan-to às futuras regras do jogo, especialmenteno caso de usinas termelétricas, abasteci-das por gás natural, que incluem 96 em-preendimentos outorgados, com potencialpara gerar 10,7 mil MW. Existe dúvidaquanto ao preço futuro do gás natural,influenciado diretamente pelo preço dopetróleo e, portanto pelas variações cam-biais, e sobre a forma como a eletricidadegerada por usinas termelétricas será vendi-da.Xisto Vieira Filho,diretor da AssociaçãoBrasileira de Geradoras Termelétricas(Abraget), sustenta que os investidores in-teressados nesse tipo de usina estão es-perando a regulamentação ficar mais clarapara aportar recursos em novos projetos ecobra um conjunto específico de regraspara o gás natural, o melhor combustívelpara usinas termelétricas na opinião devários especialistas do ramo.
O ponto principal é saber se haverá in-teressados em colocar dinheiro no setor.O governo não tem mais condições debancar as obras, como fazia até a décadade 80, com recursos provenientes de or-ganismos multilaterais, como o BancoMundial ou o Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID). Para entrar emum segmento em que os valores investidossão muito altos e o retorno é a médio elongo prazos, os investidores são exigen-tes. Querem segurança de que as regrasnão mudarão de um dia para o outro e deque serão remunerados adequadamente.O principal problema é a tarifa de energia.Os empreendedores querem que ela seja
Os reservatórios das
usinas hidrelétricas, como
a de Xingó, no Rio São
Francisco, estão cheios
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18 Desafios • junho de 2005
A p a r t i r d e ago ra o g ove r n o s ó fa z a l i c i t a ç ã o d e n ovas u s i n a s h i d r e l é t r i c a s
alta o suficiente para pagar o que eles gas-taram e obter lucro, claro. Por outro lado,o governo sabe que o valor não pode subirdemais, para não alimentar a inflação eprejudicar os consumidores, ainda maisem um país de baixa renda como o Brasil.Encontrar o equilíbrio entre essas duasposições é outra dificuldade que deve serresolvida pelo MME e pela Agência Na-cional de Energia Elétrica (Aneel). Paracompletar, o governo tem pela frente atarefa de planejar como será a matriz ener-gética do país nos próximos anos, ou seja,quais serão as fontes usadas para produzireletricidade. Hoje, 75% da energia é gera-da por hidrelétricas (leia tabela na página
ao lado). Mas é preciso criar garantias deque outras fontes de abastecimento esta-rão disponíveis quando o país passar porum período de falta de chuva, especial-mente as termelétricas.
Para alguns representantes do mercadoe estudiosos, a União não está sendo bem-sucedida ao tentar criar um ambiente favo-rável ao investidor.O presidente da CâmaraBrasileira de Investidores em EnergiaElétrica (CBIEE),Cláudio Sales,por exem-plo,não tem certeza de que a tarifa de ener-gia nos próximos anos será suficiente para
pagar todos os agentes envolvidos na cadeiade produção de eletricidade.A entidade pre-sidida por Sales é formada por grupos em-presariais que respondem por 66% da dis-tribuição de energia e 28% da geração noBrasil.Armando Castelar Pinheiro, econo-mista do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), diz que o processo detomada de decisão de investir no setorelétrico ficou paralisado porque a privatiza-ção iniciada no governo Fernando Henri-que Cardoso não foi implementada com-pletamente (leia quadro na página 21).
Complexidade Qualquer ação no setor elé-trico é bastante delicada porque se trata deum segmento ultracomplexo, compostohoje de 31 empresas de geração, a maiorparte estatais – proprietárias das usinashidrelétricas, térmicas ou nucleares –, e de64 distribuidoras (cerca de 75% são empre-sas privadas) – companhias mais conhe-cidas do consumidor residencial, res-ponsáveis por adquirir a energia e entregá-la para 47,2 milhões de consumidores, dosquais 85% são residências.Existem ainda asconcessionárias das linhas de transmissãode alta tensão. Além disso, participam domercado os fornecedores de equipamento
e de serviços e os agentes financiadores.Um primeiro passo para reduzir as in-
certezas dos investidores interessados emobter concessões de usinas hidrelétricasdiz respeito ao meio ambiente.A autoriza-ção para levar em frente o projeto porparte das autoridades ambientais passoua ser feita antes mesmo de aberto o proces-so de licitação. A falta de licenciamentoambiental prévio era um dos principaismotivos de atraso nas obras de usinashidrelétricas.Agora, o MME informa commais precisão aos possíveis interessadosquanto eles terão de gastar para minimizaro impacto ambiental e social causado pelainundação de grandes áreas. Diminui, as-sim, a chance de surpresas desagradáveispara o empreendedor e de prejuízos exa-gerados à natureza e às comunidades.
Na mesma direção, o novo sistema es-tabeleceu a obrigação de que as distribui-doras firmem contratos de longo prazocom as geradoras. Nesses contratos, de-nominados de PPA, da sigla em inglêsPower Purchase Agreement, ou Acordo dePoder de Compra, elas garantem que com-prarão energia suficiente para suprir todaa demanda que projetam ter pelos próxi-mos cinco anos pagando, por isso, preçodeterminado em leilão organizado pelogoverno. Com o PPA na mão, as gerado-ras de energia têm, em tese, certeza de queterão clientes no futuro e podem, assim,comprometer parte de sua receita comnovos investimentos. Podem, ainda, pedirfinanciamentos aos bancos, dando o con-trato como garantia. Os PPAs são firma-dos durante leilão organizado pela Câ-mara Comercializadora de Energia Elé-trica (CCEE), entidade ligada ao MME eque, durante o processo de venda, repre-senta as distribuidoras.Até hoje, só foramfeitos leilões de energia velha .
Diferenças O conceito parece um tantoetéreo, já que, para o consumidor, energiaé um produto padronizado, que não tem,como uma roupa, cara de velho ou de no-vo. Na verdade, a divisão feita pelo gover-no é uma tentativa de separar a energia
Paulo Born, da Duke Energy: as usinas existentes ficaram com os riscos
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proveniente de hidrelétricas antigas, cominvestimento já amortizado, daquela queserá gerada por usinas que ainda nãosaíram do papel. O objetivo da separaçãofoi baixar o preço da tarifa, já que o custode produzir em usinas antigas é muitomais baixo do que o da energia provenientede uma usina nova em folha.Para o profes-sor Adilson de Oliveira, da UFRJ, a sepa-ração entre energia nova e velha não é enten-dida pelo consumidor e pode gerar ques-tionamentos e pressões políticas no futuro.É como se no supermercado fosse vendidoum tomate de uma fazenda já antiga porum preço menor do que o cobrado pelo
d e p o i s q u e o e m p r e e n d i m e n t o f o i a p r o v a d o p e l a s a u t o r i d a d e s a m b i e n t a i s
Tipo Quantidade Potência MW Participação
Hidrelétricas 571 69.666 76,3%
Termelétrícas 835 19.613 21,5%
Nuclear 2 2.007 2,2%
Eólica 11 28 0,0%
Fontes alternativas 1 0 0,0%
Total 1.420 91.315 100,0%
Usinas hidrelétricas predominam
Produção de energia elétrica por tipo de geradora
Fonte: Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
Usinas hidrelétricas, como a de Funil, no Rio de Janeiro, garantem 75% da eletricidade gerada no Brasil
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ras preferiram ficar sem contratar avender por preços baixos. Assim, o leilãopôs por terra o primeiro preceito do no-vo modelo, que era assegurar 100% decontratação , diz Sales, da CBIEE.
Uma das dúvidas do mercado é sehaverá, entre os agentes do setor, recursosdisponíveis para construir novas usinas.Isso porque as geradoras já existentes po-dem ter ficado sem sobra de capitalpróprio ao vender sua produção por pre-ços muito baixos.As geradoras venderamenergia velha barato e, com isso, perde-ram receita presumida. Isso faz com queelas se descapitalizem, e uma das princi-pais alavancas do desenvolvimento do se-tor é o capital das próprias geradoras,
Impactos Mas a avaliação do mercado éque os resultados das vendas foram umfracasso, já que as geradoras não se inte-ressaram por comercializar nenhum wattsequer de energia a partir de 2009. Arazão é simples: os preços estavam muitobaixos e as companhias parecem terpreferido esperar um momento melhorpara desovar seu produto. Os impactosdesse resultado pífio estão sendo ampla-mente discutidos no mercado. Para váriosestudiosos e investidores, é aí que co-meçam os problemas do novo modelo. Oobjetivo do leilão, e um dos pilares domodelo, era que se chegasse a um pontode equilíbrio entre oferta e demanda, masisso não aconteceu, já que muitas gerado-
tomate de uma fazenda nova. Não faz sen-tido para o consumidor.“É uma situaçãoabsolutamente incomum no mundo eco-nômico”, diz ele.
O problema também é apontado pelovice-presidente da Duke Energy, PauloBorn.Para ele,o modelo representou um es-forço no sentido de tentar reduzir os riscosdo mercado,mas,com a separação entre ostipos de energia,os riscos maiores acabaramficando para os donos de usinas existentes.
Até 2004, cada distribuidora firmavacontratos bilaterais com a geradora que es-colhesse,de prazo e preço variados,mas como atual mecanismo a venda é feita exclusi-vamente nos leilões públicos. É formadoum pool de distribuidoras que entram nojogo dizendo qual será a demanda de ener-gia que terão pelos próximos cinco anos.Asgeradoras, por sua vez, colocam no leilão aquantidade de megawatts que têm a ofertar.O governo federal estabelece um preçomáximo a ser pago, denominado preço dereserva.A partir daí, começa a negociação.A geradora coloca quanto quer vender,anoa ano, e seu preço, que não pode superar oteto determinado pelo governo. Se apare-cerem interessados, é feito o negócio. Casocontrário,parte-se para um preço mais bai-xo.Foram realizados dois leilões,em dezem-bro do ano passado e em abril deste ano.
20 Desafios • junho de 2005
O governo federa l garante que o BNDES f i nanc iará novos proje tos para geração
Tipo Quantidade Potência MW Quantidade Potência KW
Hidrelétrica 59 4.860 277 8.510
Termelétrica 19 2.721 96 10.701
Eólica 0 142 6.479
Total 78 7.581 515 25.690
Promessas de mais energiaPor tipo de usina geradora
Fonte: Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
Em construção Outorgados
Para Zaroni (à esquerda), da Tractebel, ajustes são necessários e Pinguelli, da UFRJ, diz que as geradoras estão descapitalizadas
Agência EstadoDivulgação
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Desaf ios • junho de 2005 21
d e e n e rg i a e l é t r i c a , m a s o me r c ad o d u v i d a e t eme uma p a r a l i s i a d a s o b r a s
avalia o professor da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidenteda Eletrobrás, Luís Pinguelli Rosa. NelsonHubner, secretário executivo do MME,discorda do argumento.“O que não po-díamos deixar é que a energia de usinas játotalmente amortizadas fosse vendida apreços altos por toda a vida. O custo deoperação dessas usinas é baixíssimo: 7 ou8 dólares o megawatt. No sistema antigo,elas estavam vendendo essa energia atépor 120 reais, quando havia venda entregeradoras e distribuidoras do mesmogrupo. E esse valor todo ia para a tarifa doconsumidor (leia tabela na página 22). Noúltimo leilão, elas venderam por cerca de57 reais, ou seja, deu para remunerar to-do o custo de operação e ainda ter lucro.Portanto, as empresas não ficaram des-capitalizadas. Além disso, a maior partedos novos investimentos do setor não viráde capital próprio e sim de recursos doBanco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES) ou de ou-tros bancos”, afirma.
Resultados Uma das empresas ainda in-teressadas no mercado nacional é a DukeEnergy, de capital norte-americano, que játem investimento de 1,5 bilhão de dólaresem geração no Brasil.“Quando pensamosem novos aportes, somos confrontadoscom a pergunta de como estão os investi-mentos que já temos no país.A resposta éque temos tido resultados satisfatórios,que poderiam ser melhores, dependendode regulamentações e dos próximos lei-lões de energia velha ”, completa Born.
Manoel Zaroni, presidente da TractebelEnergia, empresa que pertence ao grupoSuez da França, a maior geradora privadade energia do Brasil, tem opinião seme-lhante.“O novo modelo avança no objeti-vo de atrair investimentos.Mas alguns ajus-tes são necessários. É preciso encontrarmecanismos que permitam que usinas lici-tadas no modelo anterior possam partici-par em condições de igualdade com usinasa serem licitadas no novo modelo”, diz. ATractebel também garante que pretende
Até o governo Fernando Henrique Cardoso, as estatais dominavam o mercado brasileiro deenergia elétrica e cabia ao Ministério de Minas e Energia fazer o planejamento de longo prazo.Não havia competição entre as empresas estatais. Os investimentos eram realizados pelo poderpúblico. Até a década de 80, os gastos do governo em energia eram altos, cerca de 0,8% doProduto Interno Bruto (PIB). Mas, a partir daí, o Estado passou a ter mais dificuldades para con-seguir financiamentos e a capacidade de endividamento diminuiu, assim como o acesso a capi-tais baratos, vindos de empréstimos de organismos multilaterais.Na década de 90,os investimen-tos haviam caído para 0,3% do PIB.A reforma elaborada no governo FHC pretendia tirar o setordas mãos do governo e passar a bola para o mercado.
Para isso, foram privatizadas várias empresas, principalmente do setor de distribuição. Amaior parte das geradoras estatais, no entanto, não foi vendida e hoje as usinas do grupoEletrobrás ainda respondem por 60% da energia elétrica gerada no Brasil. Mesmo sem comple-tar a venda ao setor privado, o modelo de FHC preferiu tirar do governo a função de planejadore deixou ao mercado essa responsabilidade.A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foicriada para regular o mercado, mas não conseguiu exercer o papel de planejadora. E, ao con-trário do que se esperava, as forças do mercado não souberam, sozinhas, cuidar do problema, jáque as empresas não investiram em aumento da geração.A incerteza sobre o processo de priva-tização foi um dos principais motivos.As estatais não tinham incentivo para investir, já que seriam,em tese, vendidas.As privadas também não conseguiam prever como se configuraria a concor-rência.A desconcentração do mercado, para evitar que geradoras e distribuidoras estivessemdentro do mesmo grupo econômico, também não foi concluída. O resultado é que empresas ge-radoras preferiam vender energia para distribuidoras do mesmo grupo,por um preço alto, a apos-tar em novas usinas.Além disso, a falta de regras sobre o funcionamento do mercado incentiva-va o fechamento de contratos de curto prazo. Sem garantias de retorno a longo prazo, não haviasegurança para fazer novos empreendimentos.A conseqüência da falta de investimento, somadaao prolongamento da estação seca, foi o racionamento de 2001.
Privatização pela metade
Divu
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22 Desafios • junho de 2005
Ano Tarifa média
1994 39,50
1995 59,60
1996 74,50
1997 82,20
1998 86,60
1999 95,90
2000 108,50
2001 122,90
2002 143,10
2003 167,20
2004 197,40
Energia elétrica sobe depois do racionamento de 2001Reais por megawatts/hora - Mw/h
Fontes: Ipeadata/Eletrobras
ampliar sua fatia de participação no mer-cado, hoje na casa de 8%. A empresa foiuma das que saíram do leilão de energiavelha sem vender e preferiu apostar na ven-da a consumidores livres.Ela participa com30% do capital do consórcio que está cons-truindo a usina hidrelétrica de Estreito, nadivisa dos estados de Tocantins e Mara-nhão, com potencial de 1,1 mil MW e quefoi licitada em 2002, mas só em maio desteano recebeu autorização ambiental.
Luiz Carlos Guimarães, presidente daAssociação Brasileira de Distribuidores deEnergia Elétrica (Abradee), defende que onovo modelo e o decreto que o regulamen-tou trouxeram alguns pontos positivos,co-mo a retomada do planejamento do setorpelo governo.Mas também faz ressalvas.“Épreciso resolver, antes do leilão de energianova,com urgência,uma série de itens ain-da não definidos na regulamentação e queaumentam o risco para o investidor. Faltaresolver a questão de vários encargos quepesam no custo das empresas,como os sub-sídios obrigatórios à energia alternativa e
aos benefícios sociais. São essenciais aindaregras melhores e mais claras para a revisãotarifária. Por exemplo, a Aneel divulgou re-centemente uma resolução mudando a me-todologia de cálculo da base de remunera-ção das empresas, que é o que remunera oinvestimento já feito.A resolução reduz essevalor. Isso assusta os investidores”, diz.
Críticas Indústrias que consomem inten-sivamente energia elétrica também colo-cam dúvidas na eficácia do modelo ado-tado pelo atual governo. A AssociaçãoBrasileira de Grandes Consumidores deEnergia Elétrica (Abrace) reúne 63 gruposindustriais consumidores de 25% da ener-gia elétrica produzida no Brasil. São críti-cos da indefinição de certas regras como,por exemplo, para as empresas que pro-duzem a própria energia que consomem.“O governo cria dificuldades para que es-sas empresas se liguem à malha de trans-missão, impondo a intermediação dasdistribuidoras”, afirma Paulo Ludmer, di-retor executivo da Abrace.
Nelson Hubner, do MME, defende oponto de vista federal.Afirma que colocardinheiro no setor ficou mais seguro e a ati-vidade é extremamente lucrativa, e provadisso são os leilões de grupos de linhas detransmissão, conjunto de cabos que levama energia das geradoras até as centrais dedistribuição.“No governo anterior, as es-tatais eram proibidas de entrar na disputapelas linhas e praticamente não havia de-ságio sobre valor mínimo oferecido pelogoverno. Desde 2004, quando entraramem vigor as novas normas e as estatais fo-ram autorizadas a participar, chegamos ater 46% de deságio no último leilão, ven-cido por uma empresa privada espanholaque nunca tinha participado do setor an-tes. Ou seja, continuam aparecendo in-teressados, mesmo recebendo valores me-nores”, declara o secretário executivo.
Os leilões são parte do mercado regula-do,mas o governo também criou um mer-cado livre.Os consumidores de alta potên-cia (acima de 3 megawatts),como as indús-trias ou grandes shoppings centers,podem
optar por não comprar das distribuidorase se abastecer diretamente nas geradoras.Assim,não precisam participar dos leilões.Do mesmo modo que a distinção entreenergia velha e nova, a separação dos mer-cados também cria algumas incertezas.Para os pesquisadores do Ipea, RonaldoSeroa da Motta e Ajax Moreira, autores doestudo “As dualidades do novo modelo dosetor de energia elétrica”, a tendência é queaumente a migração dos geradores e dosgrandes consumidores do mercado regu-lado para o mercado livre.A conseqüênciaserá a diminuição da oferta de energia parao mercado regulado, onde estão os con-sumidores residenciais.“O investidor podeoptar por direcionar recursos para o mer-cado livre,deixando o consumidor residen-cial sem a garantia de que haverá expansãoda energia”, adverte Seroa da Motta.
Para completar o rol de críticas à no-va organização do setor, há quem reclameda paralisação do processo de privatiza-ção e dos problemas que surgem da con-vivência entre estatais e privadas. ParaSeroa da Motta, por exemplo, é impossí-vel criar algum tipo de regulação em ummercado dominado por empresas esta-tais, como é o caso da geração de energiaelétrica, com a presença da gigante Ele-trobrás, responsável por 60% da eletrici-dade produzida no país. “Hoje, só umaparte do lucro da Eletrobrás é reinvesti-da, porque grande parte é usada pelo go-verno para fazer superávit fiscal. Mas sevocê é um ente privado e souber que aEletrobrás pode resolver produzir maisenergia, surge o temor de que ocorra ex-cesso de oferta e o preço caia. Isso não dásegurança para quem quer entrar no se-tor”, analisa. Em artigo sobre o tema, nosite Canal Energia, Sales, da CBIEE, es-creve:“Para quem já assistiu aos inúmerosepisódios de projetos estatais que prome-teram orçamentos que se transformaramem meras peças de ficção, um leilão deenergia nova em que ganha quem oferecea menor tarifa desperta certa preocupa-ção: quem pagará a conta se o orçamen-to não for cumprido e se a tarifa prometi-
L e i l õ e s d e l i n h a s d e t r a n sm i s s ã o t êm a t r a í d o n o v o s i n v e s t i d o r e s . N a ú l t i m a
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Fontes: Ipeadata/Eletrobras
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da não for entregue aos níveis iniciais?”.Hubner, do MME, contesta os argu-
mentos. “As estatais têm de ter regrastransparentes porque prestam contas pú-blicas e, ao mesmo tempo, têm de ser maiscompetitivas. As estatais não entram emum negócio que não dê lucro. No caso doúltimo leilão de linhas de transmissão, porexemplo, um grupo privado ofereceu umdeságio maior do que o que havia sidoapresentado por um grupo de estatais evenceu a disputa. Então, não se pode di-zer que as estatais dão preços fictícios,afirma. Para ele, no atual estágio do setorno Brasil, é importante a participação deestatais para fazer uma espécie de con-trapeso no mercado, colaborando parabaixar os preços.
O modelo adotado pelo governo fede-ral não garante que o consumidor venha apagar valores baixos pelo fornecimento de
energia elétrica, pois a tendência é que opreço siga uma curva ascendente, já que aprodução deve ficar cada vez mais cara.No caso da energia produzida por recur-sos minerais, como carvão, óleo e gás, ajustificativa é que esses minerais um diairão se esgotar. No caso da geração prove-niente de água, o problema é que as usinasde construção mais simples e barata jáforam feitas. E as novas têm custos ambi-entais, sociais e de engenharia mais altos.Mas somente a garantia de uma oferta fu-tura de energia elétrica permitirá que ospreços sejam compatíveis com o poder decompra dos brasileiros. Se persistir a in-certeza quanto ao funcionamento do mo-delo definido pelo atual governo federal eos investidores privados não assumiremnovos projetos de geração, o país correráo risco de novo racionamento e de alta dospreços da energia elétrica.
Indústria 36,4%
Comércio 72,1%
Residencial 40,3%
Outros 36,8%
Total 42,0%
Aumento do consumo de energia elétricaEntre 1994 e 2004
r o d a d a , a v e n c e d o r a f o i u m a e m p r e s a e s p a n h o l a , r e c é m - c h e g a d a a o s e t o r
A incerteza quanto aos preços futuros do gás natural cria problemas para as usinas térmicas, como a da CGTEE no Rio Grande do Sul
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O Inst i tuto de Pesquisa Econômica
Apl icada d i vu lga estudo sobre
a ação socia l das empresas e
permite, pe la pr imeira vez, que se
trace a evo lução da responsabi l idade
socia l nos ú l t imos anos
SOCIEDADE
á cerca 15 anos, quando algumas empresas brasileirascomeçavam a aderir ao movimento de responsabilidadesocial, havia quem dissesse que não passava de moda,uma mera ação momentânea de marketing. De lá para
cá, a realidade mudou bastante, pelo menos nas Regiões Sudestee Nordeste, que representam 70% do Produto Interno Bruto na-cional, pois cresceu o número de empresas que investem volun-tariamente em algum tipo de ação social junto à comunidade. Opercentual de companhias nordestinas passou de 55% do totalem 1999 para 74% em 2003, enquanto no Sudeste a participaçãoem ações sociais subiu de 67% para 71%, conforme mostrou asegunda edição da pesquisa Ação Social das Empresas, realizadapelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).O primeirolevantamento foi realizado em 1998 e 1999.
O Ipea apurou os dados em duas etapas. Na primeira, feitapor telefone junto a 4.109 empresas que compõem a amostra e
H
P o r H y l d a C a v a l c a n t i , d e B r a s í l i a
reação&Ação
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concluída em outubro de 2004, o objetivo foi identificar quaisempresas praticavam ações sociais voluntárias. Para aquelas queresponderam positivamente, foi enviado um questionário maisdetalhado, para detectar a natureza dos investimentos de carátersocial: o que as empresas fazem, a quem atendem, como operam,quanto aplicam. A amostra foi extraída de cadastro nacionalmantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e composto daRelação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Cadastro deEmpregados e Desempregados (Caged).
Os resultados não surpreenderam Oded Grajew, presidentedo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, orga-nização não-governamental sediada em São Paulo, para quem onível de consciência do empresariado cresceu bastante nos últi-mos anos. Isso também fica evidente pelo aumento das adesõesao próprio Ethos, que foi fundado há sete anos, com 11 associa-dos, e hoje já conta com 1.027 participantes pagando mensali-dades regularmente, sendo que 45% do total são micros ou pe-
quenas empresas. Grajew acredita que o conceito de responsabili-dade social já foi integrado à lógica dos negócios e faz parte daestratégia das empresas, sobretudo da mentalidade dos acio-nistas. De fato, a pesquisa mostrou que em 53% das empresas doSudeste a responsabilidade pelas ações sociais cabe ao dono daempresa e no Nordeste a proporção é ainda maior, chega a 64%.
Recursos Mas o aumento da proporção das empresas com atu-ação social não foi acompanhado pelo crescimento proporcionaldo volume de recursos aplicados, ao menos no Sudeste, onde osinvestimentos sociais foram de 3,1 bilhões de reais em 2003, oque representou 0,35% do PIB da região, quando em 1998 repre-sentaram 0,61% do PIB. No Nordeste, no entanto, os investimen-tos em 2003 foram de 505 milhões de reais, ou 0,24% do PIB re-gional, comparado com 0,19% em 1999. De acordo com AnnaMaria Peliano, coordenadora-geral da pesquisa e diretora deEstudos Sociais do Ipea, os dados podem indicar que os recur-
O dono de uma rede de padarias de Brasília, Lázaro Flausino (no centro, cercado por seus funcionários) doa pães para famílias carentes
Rica
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Renda a pagar se fizeram doações para programas sociais desti-nados a crianças e adolescentes. E a pesquisa confirma que osbenefícios fiscais pouco contribuem para financiar as ações so-ciais empresariais, pois no Sudeste apenas 1% das empresas osutilizaram em 2003, enquanto no Nordeste a proporção chegoua 7% do total.“Esse resultado confirma que o envolvimento so-cial do setor privado ocorre independentemente do Estado: tra-ta-se de um trabalho das próprias empresas, que não reconheceminfluências do governo no processo de sua atuação”, explica otexto da pesquisa do Ipea.
O ministro de Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
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Desde 1998 , o número de empresas que desenvo l ve a l g um t i p o de ação soc i a l
sos destinados a ações sociais acompanham os movimentos daeconomia. E devem ter refletido as dificuldades econômicas dopaís em 2003, ano de estagnação da produção nacional.
Ao avaliar os dados gerais do levantamento, Peliano explicaque o empresariado continua dando preferência a ações decaráter predominantemente filantrópico, com forte concentraçãonas atividades voltadas para as crianças. No Sudeste, 61% dasempresas desenvolveram alguma atividade em benefício da in-fância, e no Nordeste a proporção foi de 55%. Este investimentopoderia ser ainda maior, sustenta Grajew, pois muitos em-presários não sabem que podem abater até 1% do Imposto de
Grau de participação em ações
sobre o total de empresas da região
Mineiros lideram
Minas Gerais 81%
Bahia 76%
Ceará 74%
Pernambuco 73%
Rio de Janeiro 69%
São Paulo 68%
Maiores empresas participam mais
Número de empregados Sudeste Nordeste
1 a 10 70% 71%
11 a 100 81% 78%
101 a 500 75% 75%
Mais de 500 96% 94%
Destaque para a agricultura
Por setores econômicos Sudeste Nordeste
Agricultura 78% 86%
Comércio 72% 75%
Serviços 75% 69%
Construção civil 46% 75%
Indústria 66% 76%
Fonte: Ipea - Pesquisa Ação Social das Empresas/2004 Jovens que participam do programa “Pão, Ação e Arte” (acima), promovido pela
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Patrus Ananias, considera extremamente válida a ação conjuntaentre empresas e Estado na área social, mas julga fundamental aliderança estatal.“Por mais importantes que sejam as ações em-presariais na área social, sem a ajuda do governo, muitas vezesacabam por demonstrar um caráter apenas setorial,quando pode-riam ter um alcance muito maior”,analisa Ananias.Na opinião deOdilon Faccio,coordenador do instituto de pesquisa ObservatórioSocial, a participação privada em ações sociais é importante, masinsuficiente, sobretudo porque o Estado brasileiro diminuiu suacapacidade de intervenção para corrigir a desigualdade social.
Identificação É crescente a percepção de que os atores do setorprivado realizam ações sociais com finalidade de se aproximar dacomunidade onde estão inseridos, de criar identificação comconsumidores e clientes e até gerar estímulos aos próprios empre-gados. Para Jorge Parente, presidente do recém-criado conselhotemático de responsabilidade social da Confederação Nacionalda Indústria (CNI) e também presidente da Federação dasIndústrias do Ceará (Fiec), a tradicional visão capitalista de queas empresas devem apenas gerar lucros está sendo superada pelabusca de valores intangíveis, como “credibilidade e respeito, doisdos itens que as empresas perseguem ao trilhar a rota da respon-sabilidade social”.A Fiec procura dar o exemplo pois realiza, jun-to ao Sindicato dos Panificadores, o programa de inclusão social“Pão, Educação e Arte”. O projeto atinge 246 crianças e adoles-centes que participam de suas atividades,incluindo educação mu-sical, desde que não faltem às aulas da rede escolar.Outra ação so-cial da Fiec beneficia a comunidade indígena Tremembé, no mu-nicípio de Itarema, no litoral leste cearense, com treinamentoprofissionalizante, mas também com o objetivo de difundir a cul-tura desta tribo.
O estudo do Ipea comprova que as pequenas empresas tam-bém assumem ações sociais, pois entre as empresas com até dez
c r esceu bas t an te , mas não necessa r i amen te os r e cu r sos ap l i c ados
Qual a forma de ação social
Sudeste Nordeste
Recursos f inanceiros 48% 64%
Doação de materiais 56% 70%
Liberação de funcionários no horário de serviço 14% 7%
Cessão de espaço 18% 5%
Prestação gratuita de serviços 11% 12%
Fonte: Ipea - Pesquisa Ação Social das Empresas/2004
Fiec, que é presidida por Jorge Parente (foto no alto)
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presas privadas do setor agropecuário em programas sociaismostra que mudou o pensamento do empresariado, que hoje dámais importância à execução de programas educativos, de capa-citação de técnicos agrícolas e profissionalização de agricultoresem comunidades rurais.“As agroindústrias começam a tomarconsciência da importância de ações sociais”, garante. No Paraná,empresários e entidades de classe firmaram parcerias com órgãospúblicos para investir cerca de dois milhões de reais por ano emprogramas do Senar, desde cursos de formação profissional den-tro de presídios agrícolas até mutirões de cidadania, com a entre-ga de carteiras de trabalho para a população da zona rural. Outroestímulo para as ações sociais do empresariado do agronegóciovem do exterior: consumidores europeus e norte-americanos evi-tam produtos de empresas que tenham má imagem no quesitoresponsabilidade social, conforme lembra Grajew.
Comércio A pesquisa ressalta o expressivo aumento da participa-ção social das empresas comerciais, com participação de 70% dototal, no Sudeste, enquanto no Nordeste a proporção chegou a75% . Já em relação à construção civil, a participação em açõessociais no Nordeste subiu de 31% do total em 1999 para 75% em2003, com aumento de 140%. Para o presidente da CâmaraBrasileira das Indústrias da Construção Civil, Paulo Simão, a par-ticipação do segmento vem crescendo porque é amplo o lequede programas sociais realizados. O diretor do Sindicato daConstrução Civil do Distrito Federal, Roberto Cortopassi, res-salta que as empresas da área costumam utilizar materiais quesobram para obras em escolas nas comunidades que atendem.
De fato, a forma predominante de ação social foi a doação demateriais, prática realizada por 56% das empresas do Sudeste e70% das nordestinas (leia a tabela na pág. 29). O estudo do Ipeatambém mostra que ainda há espaço para crescimento, pois umquarto das empresas das duas regiões pesquisadas não realizanenhuma ação social para a comunidade e os empresários dessegrupo alegaram a falta de recursos como o motivo pelo não-en-gajamento. Fica a expectativa de que a retomada do crescimen-to da economia incentive esse grupo de empresários a assumirsuas responsabilidades sociais.
funcionários a proporção daquelas que realizou ações sociais vol-untárias foi de 70% no Sudeste e de 71% no Nordeste (leia tabela
na pág. 28). É o caso do empresário Lázaro Flausino, proprietáriode uma rede de padarias em Brasília, que doa pães e outros ali-mentos para famílias carentes, mas sem medir o retorno.“É umcontato que se solidifica a cada dia, não apenas com a vizinhança,que conhece meu jeito de ser, como também com as famílias dosfuncionários, que fazem uma comunicação boca-a-boca do tra-balho social que realizamos. Cria-se, assim, um clima de simpa-tia e solidariedade”, enfatiza.
De acordo com o levantamento, Minas Gerais é o estado queapresenta o melhor desempenho da iniciativa privada na área so-cial, pois 81% das empresas pesquisadas investem em algum tipode programa voltado para redução da pobreza (leia tabela na pág.
28). Grajew, do Instituto Ethos, atribui a grande participação doempresariado mineiro à atuação de duas entidades: a Federaçãodas Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e o Clube de DirigentesLojistas do estado.“A Fiemg é a entidade empresarial brasileiraque mais se destaca pela promoção da responsabilidade socialjunto a seus associados”, afirma. Em segundo lugar vem a Bahia,onde o percentual é de 76% das empresas. O Ceará foi um dosestados que registraram maior crescimento da proporção de em-presas atuantes, pois a participação, sobre o total de empresas,passou de 45% em 1998 para 74% em 2003.
Nas duas regiões avaliadas, as empresas de agricultura, silvi-cultura e pesca obtiveram, proporcionalmente, liderança noatendimento às comunidades (leia tabela na pág. 28). No Sudeste,78% delas realizam algum tipo de assistência social e no Nordestea proporção atinge 86%. Para Ronei Volpi, superintendente doServiço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), da Confe-deração da Agricultura e Pecuária do Brasil, o empenho das em-
30 Desafios • junho de 2005
Em Minas Gera is, 81% das empresas investem em a lgum t ipo de programa soc ia l
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada www.ipea.gov.br/asocial
Instituto Ethos www.ethos.org.br
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas www.gife.org.br
Instituto de Pesquisa Observatório Social www.observatoriosocial.org.br
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas www.ibase.org.br
Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social www.fides.org.br
Saiba Mais:
Francisco José, da tribo Tremembé
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R u b e n s N a v e sARTIGO
os últimos anos, o empresariado pareceter aberto os olhos para os graves pro-blemas sociais de nosso país. Hoje, achamada “responsabilidade social em-
presarial” está na pauta das falas dos homens denegócios,das campanhas de marketing e de açõesem campos antes restritos à esfera pública.
Como todos sabem,a “responsabilidade socialempresarial”não se restringe ao que chamamos defilantropia.Envolve uma nova mentalidade de go-vernança corporativa, que se traduz na busca devalores éticos e na sua incorporação aos processosde decisão em toda a cadeia produtiva.
A nova atitude das empresas, ao procurar um“lado mais humano” para a atividade comercial,capitalizada por um discurso eficaz, conquistousimpatias. Os ganhos foram imediatos: fidelidadea marcas e produtos,valorização acionária,obten-ção de mídia espontânea, isenções fiscais e maiormotivação dos empregados. Entre as ações quemais trazem retorno estão a contratação de por-tadores de necessidades especiais; a colaboraçãocom entidades sociais das comunidades; os pro-gramas de alfabetização de empregados e seus fa-miliares, entre outras.
Porém tais ações, mesmo quando trazem re-sultados aos seus beneficiários imediatos, não es-tão à altura da gravidade de nossos problemas.Sabemos, por exemplo, que mais de 50% dascrianças brasileiras com menos de 2 anos per-tencem a famílias muito pobres; apenas 33% dosadolescentes freqüentam o ensino médio e cercade 3,8 milhões de crianças entre 5 e 16 anos tra-balham. No que diz respeito ao racismo, bastalembrar que os afrodescendentes, 45% da popu-lação brasileira, constituem 70% dos indigentes.
Os índices de desigualdade nos forçam a reco-nhecer que a lógica da responsabilidade social nãoé, nem poderia ser, a mesma lógica da empresaobrigada a garantir seu lugar ao sol.A responsabi-lidade social está, precisamente, no abandono davisão individualista a favor do coletivo.Sem dúvi-da é legítima a preocupação da empresa que criaum projeto social para garantir para si maior visi-bilidade. Do ponto de vista do país, o resultado éum fantástico desperdício de trabalho e dinheiro.
Estão em prática, hoje, inúmeros projetos ex-celentes, mas carentes de recursos, em áreas quevão do combate à violência doméstica à pro-moção da igualdade racial, passando pelas maisvariadas formas de auxílio à infância. Projetosque poderiam obter resultados muito proveitososse contassem com alguma parceria financeira eadministrativa, áreas nas quais as empresas têmmuito a compartilhar.
É urgente somar esforços para os projetos jáexistentes,o que significa também uma aliança en-tre empresários e organizações não-governamen-tais. A partir do momento em que as empresascriam seus próprios institutos,competem na cap-tação de recursos com as ONGs. Uma parceriadessa natureza permitirá, ao juntar forças, maioreficácia na gestão das organizações e melhor apro-veitamento dos recursos das empresas.
São inúmeros os temas que esperam maiorparticipação do empresariado, como a defesa domeio ambiente e o combate à corrupção. Tendoem vista a gravidade da situação, uma conclusãoimpõe-se: é no campo da gestão pública que asparcerias mais se fazem necessárias.As ações liga-das ao Estado são as únicas que podem ser apli-cadas em âmbito nacional, a longo prazo, sendoassim capazes de gerar impactos fortes o suficientepara transformar nossa realidade.
Outro desafio será impedir a descontinuidadeadministrativa.A cada ciclo político, projetos sãointerrompidos, acarretando danos inestimáveis.A participação da sociedade nas questões de in-teresse público tende a estimular a continuidade.
Esse tipo de parceria não só é possível, comodá certo. O Instituto São Paulo Contra a Violên-cia é um exemplo. Responsável pela queda da vio-lência no último qüinqüênio em todo o Estadode São Paulo, angaria esforços da sociedade civilnuma área antes exclusiva do setor público. Ouseja, é mais do que tempo de arregaçar as man-gas e abandonar velhos preconceitos. O Brasilprecisa de todo o nosso empenho.
Rubens Naves é advogado, professor licenciado da PUC-SP, fundador e
conselheiro da Transparência Brasil e presidente da Fundação Abrinq pelos
Direitos da Criança e do Adolescente
O futuro das ações sociais empresariais
“A responsabilidade
social empresarial
não se restringe aos
atos de filantropia.
Ela envolve a
busca de valores
éticos e sua
incorporação aos
processos de
decisão em toda a
cadeia produtiva”
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R e g i n a P o l o M ü l l e rARTIGO
résil Indien é o título que os franceses de-ram à exposição de objetos, imagens emúsica produzidos por povos indígenasque vivem no Brasil para aquele que foi
o evento inaugural do “Ano do Brasil na França”,calendário de eventos denominado Brésil, Brésils.Trata-se da temporada cultural que tem o nossopaís como convidado, cuja programação tem co-mo finalidade divulgar a arte e a cultura brasilei-ras, de modo a incrementar as relações entre osdois países, neste e em outros âmbitos.
O principal objetivo do projeto curatorialcuja autoria divido com Luis Donisete Benzi Gru-pioni é apresentar,mais do que o lugar das culturasindígenas no “mosaico multicultural” brasileiro,aquilo que as torna particulares, autônomas e so-breviventes às transformações históricas que vêmsofrendo, da conquista aos tempos da globaliza-ção. O “Brasil Índio” de que trata essa exposiçãonão diz respeito ao nosso modo “índio”de ser, in-fluências ou origens de uma cultura nacional,mas sim à realidade de povos com organizaçãopolítica e cultural profundamente diversa da so-ciedade brasileira. Não aceitamos as idéias de sin-cretismos e amálgamas tão caros à construção doconceito de cultura nacional, como o título fran-cês poderia sugerir, mas o aceitamos por sua du-biedade que problematiza a questão da plurali-dade cultural.
Antes de mais nada, e retomando as conside-rações da antropologia contemporânea, con-sidero que uma das melhores maneiras de abor-dar a diferença essencial que torna esses povosparticulares e únicos, cada um com seu modopróprio de ser, é apresentar o lugar que a arte, talcomo a concebemos, ocupa nessas sociedades. Epara fazer isso nosso projeto não é uma discussãoconvencionalmente formulada no âmbito dasciências antropológicas e etnológicas, mas umaapresentação sensível de informações apreendi-das pela fruição estética, segundo partido quetomamos no projeto curatorial, dessa vez emconjunto com a cenografia de Daniela Thomas eFelipe Tassara.
Estou falando aqui de uma aproximação en-tre universos estéticos, de modo que o conheci-
mento possa se realizar a partir de uma experiên-cia humana comum. São exibidos, assim, pormeio de uma cenografia concebida nesses ter-mos, objetos de grande impacto artístico. Urnasmarajoaras, estatuetas antropomórficas e vasoscariátides de coleções arqueológicas brasileirase européias, para os tempos pré-históricos, bemcomo máscaras e plumária do século 18, de mu-seus europeus, são reunidos para evidenciar, naprimeira parte da exposição, as tradições estéti-cas desses povos. A plumária contemporânea eos objetos trançados, cuja matéria-prima prin-cipal, a folha de palmeira, é um signo dos trópi-cos, emprestados principalmente de museus ecoleções brasileiras, abrem a segunda parte. De-zenas de culturas estão aqui representadas, pormeio de exemplares belíssimos e únicos, pelo usoe significado, e que reúnem, por outro lado, esti-los técnicos diversos e matéria-prima comum.
Objetos, imagens em movimento e sons de-vem proporcionar experiências cinestésicas queconduzem o público a deparar com o conhecido– música, teatro, dança e artes plásticas – e tam-bém com a religião, ética e relações de reciproci-dade social e econômica, muito diferentes denossos sistemas ocidentais.
O projeto curatorial busca, em suma, demons-trar que se encontra nas culturas indígenas apre-sentadas uma verdadeira busca estética na con-fecção de objetos utilitários – do conforto pessoalaos equipamentos de processamento de produ-tos alimentares –, nas cerimônias de troca econô-mica e de socialização dos indivíduos e nos ri-tuais religiosos, ocasião reflexiva sobre a históriae a cosmologia e mecanismo de transmissão devalores éticos e morais.
Regina Polo Müller é antrópologa, professora da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), membro da diretoria do Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
Brésil Indien, as artes dos ameríndios
“A exposição o
Brasil Índio não diz
respeito ao nosso
modo ‘índio’ de ser,
influências ou origem
de uma cultura
nacional, mas sim
à realidade de povos
com organização
política e cultural
profundamente
diversa da sociedade
brasileira”
BDivu
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34 Desafios • junho de 2005
Da moratór ia à renegoc iação da d ív ida .
Da cr ise à retomada do cresc imento.
As l i ções que a tragéd ia argent ina pode ens inar
INTERNACIONAL
um vizinho barulhentoArgentinaP o r A n d r é a W o l f f e n b ü t t e l , d e S ã o P a u l o
ma conhecida canção, escritapor um compositor argentinoexilado em Barcelona, na Es-panha, durante os anos da dita-
dura militar, perguntava de forma ine-gavelmente saudosa ¿Como estará BuenosAires cuando llegue el invierno? Espe-cificamente neste junho de 2005,o invernoencontra uma Argentina castigada, teme-rosa, porém com a reconfortante sensaçãode ter acertado o caminho da reconciliaçãocom a dura realidade do mercado finan-ceiro mundial.Depois da moratória decre-tada na última semana de 2001 por umpresidente que permaneceu no cargo ape-nas sete dias, o governo conseguiu renego-ciar boa parte de sua dívida e limpar, pelomenos parcialmente,o nome da Argentinano sistema de proteção ao crédito do mun-do. A taxa de adesão dos credores foi de76% e o valor total da dívida caiu de 191bilhões para 125 bilhões de dólares, semmencionar outros detalhes importantesque facilitarão o pagamento.A operação foiclassificada como uma estrondosa vitória
pelo governo,apesar de ter varrido para de-baixo do tapete os 24% que não aceitaramas condições propostas, o que representaum barulhento grupo que levou um calotede 20 bilhões de dólares (leia mais sobre o
assunto na edição nº 10 de Desafios).Com uma dívida menor pesando no
bolso e registrando crescimento significa-tivo, da ordem de 8%, do Produto InternoBruto (PIB) desde 2003, o cenário argenti-no começou a despertar certo sentimentode inveja nos vizinhos de fala portuguesa.O Brasil tem se comportado bem nos úl-timos anos e entregou com capricho todasas lições de casa exigidas pelo FundoMonetário Internacional (FMI), no entan-to a economia não decola e às vezes até an-da para trás. Uma fotografia do desenvol-vimento batida hoje em ambos os paísesmostraria uma curva ascendente maior dolado argentino, mas, retrospectivamente,a queda do PIB per capita foi muito maiorno país vizinho (veja gráfico na pág. 38 ).No aspecto político, a situação tambémestá mais tranqüila para os argentinos. O
presidente Néstor Kirchner desfruta deapoio popular muito mais amplo do queseu correspondente brasileiro. Assim co-mo o ex-presidente Sarney, em 1987, ele ésaudado como um defensor da soberanianacional. Um dos nomes que não escon-dem a admiração pela dureza com que aArgentina tratou seus credores é o três ve-zes ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira.“Não somos nós que estamos nos com-portando bem, são eles. Bem-comporta-do é o governo que obedece aos interessesde seu povo e não aos dos investidores in-ternacionais. Nós temos um governo per-
U
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dulário, que gasta o dinheiro público pa-gando juros absurdos”, dispara. Ele apres-sa-se a explicar que não defende nenhumaforma de moratória unilateral,apenas achaque a trajetória argentina deve servir parareflexão.“Aqui aceitamos todas as condiçõesimpostas pelo mercado internacional e,mesmo assim, freqüentemente somosameaçados com o aumento do risco-país ea fuga de investimentos.Sempre há uma no-va desculpa, como na fábula do lobo e docordeiro no riacho.De nada adiantam os ar-gumentos bem fundamentados do cordei-ro porque ele acaba inevitavelmente devo-
rado pelo lobo.Do mesmo modo o merca-do é guloso e não respeita quem o teme .”
Sorte A renegociação dos títulos da dívi-da argentina foi mesmo efetuada em basesvantajosas: os credores aceitaram trocar ospapéis por outros com um quarto do va-lor, ou seja, concordaram em receber 25centavos para cada dólar a que tinham di-reito. Quem não atendeu o chamado teori-camente não verá a cor de dinheiro algum.Porém o mérito não é exclusivo da ousa-dia dos governantes vizinhos. Uma con-junção de fatores no primeiro trimestre de
2005 deu uma mãozinha determinante aoprocesso. As taxas de juro nos EstadosUnidos caíram, houve aumento de liqui-dez na economia e boa vontade genera-lizada em relação aos mercados emer-gentes. Se a data para a renegociação fos-se 60 dias antes ou depois, o humor doscredores poderia ter sido outro e o desfe-cho da história um pouco diferente. Mascontando com a sorte ou não, a renegocia-ção estava fadada a dar certo por conta demecanismos internos do mercado finan-ceiro. Desde que ficou claro que a econo-mia argentina caminhava para o colapso,
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Logo após a moratória, em 2002, a economia argentina encolheu 25% e a população foi às ruas em violentos protestos
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A proposta de renegociação da dívida argentina não foi descabida. A avaliação do FMI é que
os papéis da dívida passaram a ser nego-ciados a preços cada vez mais baixos.Investidores profissionais, que possuíamtrês quartos dos títulos, se apressaram arepassá-los e eles foram vendidos sucessi-vas vezes, ficando cada vez mais baratos.Quando chegou o momento da renego-ciação, os detentores da dívida haviamcomprado os papéis a preços muito próxi-mos do valor que o governo argentino ofe-receu para troca, alguns até por menos.“Ao contrário do que muitos dizem, a pro-posta da Argentina não foi descabelada.Aavaliação do FMI é que essa é a capacidadede pagamento dela, portanto não surpre-endeu nem ofendeu o mercado”, diz PauloVieira da Cunha, economista-chefe paraAmérica Latina do banco HSBC. Ele ain-da avisa que, na primeira negociação dostítulos da dívida, o valor cairá.“Provavel-mente a notícia se espalhará como um sin-toma de desconfiança em relação ao com-promisso argentino, mas não é. São ape-nas ajustes técnicos.”A conclusão defini-tiva da reestruturação da dívida foi retar-dada porque um dos credores entrou comum embargo na Justiça norte-americanae conseguiu parecer favorável. Com isso,os novos títulos, que deveriam ter sido dis-tribuídos no dia 1º de abril, só começarama ser entregues no final de maio, depoisque o governo argentino conseguiu sus-pender o bloqueio.
Castigo Esse desfecho da renegociaçãofrustrou algumas expectativas muito di-vulgadas na ocasião. Primeiro, o mercadofinanceiro não foi punido nem perdeutanto, ou melhor, o prejuízo foi diluído en-tre muitos. E como conseqüência o infer-no argentino em relação aos investidoresnão é tão quente nem vai durar como seesperava. Em segundo lugar, o FMI não foitão desafiado assim, e na próxima rodadade negociações deverá ser mais flexível nahora de impor suas condições, sobretudono que diz respeito às metas de rigor fis-cal, ramo ao qual o governo argentino temse mostrado historicamente muito refra-tário. Por tudo isso, o ex-presidente do
Banco Central Carlos Lessa vaticina quedentro de dois anos a Argentina terá umrisco-país inferior ao brasileiro e toda acatastrófica bancarrota de 2001 terá sidoesquecida. O pesquisador do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Fa-bio Giambiagi não é tão otimista em re-lação às perspectivas argentinas, mas ad-mite que os dois países deverão estar emsituação muito próxima dentro de cincoanos. Porém lembra que a trajetória re-cente de ambos não tem semelhança e nãohá razão para que o Brasil pense em ado-
tar nenhum procedimento parecido ao dovizinho.“As circunstâncias argentinas e oprocesso resultante são muito distintosdas condições brasileiras, e não faz senti-do algum querer aplicar aqui o que foi feitolá.” Uma das diferenças determinantes,lembra Giambiagi, é a composição da dí-vida. Enquanto no Brasil a parte externada dívida pública é de apenas 7% do PIB,na Argentina a proporção é dez vezesmaior. Portanto, qualquer tipo de caloteno Brasil prejudicaria, acima de tudo, ospróprios brasileiros.
Rickey Rogers/Reuters
Os argentinos viram suas economias minguarem com o abandono da paridade em relação ao dólar
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está dentro da capacidade de pagamento dela. Não surpreendeu nem ofendeu o mercado
Na moratória argentina quem ficoucom a parte mais amarga do prejuízo fo-ram os chamados buyer hold long, que, aopé da letra, quer dizer “compradores queabraçam por longo tempo”, isto é, quemcompra títulos para permanecer com elese não para arriscar diariamente na ciran-da financeira. Normalmente não são in-vestidores profissionais, senão pessoas físi-cas que aplicam suas economias em papéiscom o objetivo de aumentar o “pé-de-meia”. Eles compraram caro os títulos dadívida argentina, foram surpreendidos
com a moratória e se sentiram aviltadoscom a proposta de trocar seus papéis poroutros valendo apenas um quarto dopreço original. Esse grupo representa os24% que ficaram fora da renegociação. Opresidente Kirchner declarou que simples-mente vai ignorá-los, mas todos sabemque é impossível. Sobretudo porque sãobasicamente investidores italianos, suíçose norte-americanos (veja gráfico na página
38). O problema é muito mais político doque econômico, já que os governos dessespaíses sentem-se na obrigação de dar al-
guma satisfação a seus eleitores logrados.Entretanto a margem de manobra é pe-quena e o caminho é um só. Os argentinosterão, inevitavelmente, de deixar de igno-rar o grupo e sentar-se à mesa de negocia-ções com ele. Por outro lado, os credoresterão de aceitar as mesmas condições ofe-recidas anteriormente, uma vez que qual-quer vantagem extra geraria uma torrentede processos por parte daqueles que tro-caram os títulos na primeira convocação.Em outras palavras, em breve os 20 bi-lhões de dólares que estão nas mãos dosbuyer hold se transformarão em cinco bi-lhões. É só uma questão de tempo.
Escolhas Aliás, a administração do tem-po foi fator o fator determinante para evi-tar que o Brasil terminasse dançando nomesmo ritmo argentino. Houve um mo-mento em que ambos mantinham a pari-dade de suas moedas em relação ao dólare garantiam o crescimento à custa depoupança externa. Em 1998, o sistemabrasileiro começou a dar sinais de que setornaria insustentável. Como as amarrasaqui não eram tão fortes quanto as de lá,em janeiro de 1999 o Banco Central acei-tou a flutuação cambial, depois de quei-mar quase 50 bilhões de dólares de suasreservas tentando manter a cotação. O realdespencou, um monte de gente perdeu osanéis, mas os dedos salvaram-se. As ex-portações se expandiram e passaram atomar novos mercados, incluindo os dosprodutos dos vizinhos.A sustentabilidadeda economia argentina dependia de umnível seguro de ingresso de dólares parabancar todos os compromissos assumidoscom base na moeda estrangeira, e as tor-neiras começaram a secar. Os governantesargentinos sabiam que, mais cedo ou maistarde, teriam de abandonar a conversibi-lidade, mas ninguém ousava fazê-lo por-que a crise seria enorme.
“É fácil bancar o técnico de futebol nasegunda-feira. Difícil é tomar as decisõesquando a bola ainda está rolando”, dizDaniel Heiymann, macroeconomista doescritório da Comissão Econômica para a
Carlos Barria/Reuters
O mercado de ações não ficou imune ao colapso econômico em 2001
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O crescimento da economia argentina foi de 9% entre 2003 e 2004 e contribuiu para
América Latina (Cepal), ligada à Organi-zação das Nações Unidas. Mas tentandoescapar da tempestade, a Argentina aca-bou tendo de enfrentar um naufrágio.Entre 1999 e 2001, o PIB argentino enco-lheu 8,4% e depois da inevitável moratóriacaiu ainda mais. Em 2002, a reduçãochegou na casa dos 10%. “Como estãovindo muito de baixo, os argentinos estãoatravessando com tranqüilidade este mo-mento, mas é bom lembrar que ainda con-vivemos com taxas de desemprego de 12%e, mesmo com sucessivos crescimentos doPIB, ainda não voltamos ao patamar de1998”, alerta Heynemann, da Cepal. Ospróprios argentinos são os primeiros a de-sestimular qualquer um que pense emseguir seus passos. O ministro da Eco-nomia, Roberto Lavagna, declarou paraquem quisesse ouvir que a Argentina nãodeve servir de exemplo para nenhum paísem dificuldades econômicas.“Ninguémdeve planejar uma reestruturação ao esti-lo argentino. O preço a pagar por tal planoé tão alto que decididamente não pode-mos ser precedentes para outros países,nem sequer para nós mesmos.”A questão,como se viu, é que o verbo “planejar” teveuma participação muito pequena no de-senrolar dos acontecimentos.
Indústria Diante do debate sobre o exem-plo argentino, há quem veja mais seme-lhanças do que diferenças entre os doisvizinhos, porém não no passado, senão nofuturo. “Se o Brasil insistir no modeloatual, baseado em exportações e de-pendência de moeda estrangeira, e não sevoltar para o mercado interno, corre orisco de entrar numa crise também”, dizRafael Freire, diretor executivo da CentralÚnica dos Trabalhadores (CUT). Com oolhar voltado mais para o mundo produ-tivo do que para os aspectos macro-econômicos, o sindicalista toca em umtema delicado que precisa ser encaradopelo governo argentino: a sistemática fal-ta de política industrial, que acabou porlevar ao desmantelamento do parque pro-dutivo.“Nós devemos nos resignar com o
Evolução do PIBVariação percentual em relação ao ano anterior
Evolução do PIB per capita(em dólares)
De onde são
os investidores
privados que
compraram
títulos da dívida
argentina (em %)
10
5
0
-5
-10
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10.000
9.000
8.000
7.000
6.000
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4.000
3.000
2.000
1.000
0
Argentina
Itália
Suíça
EUA
Alemanha
Japão
Demais
Brasil Argentina
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005*
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Brasil Argentina
3,27
0,13
4.932 4.739
3.1803.516
2.9332.604
2.831
3.6504.220
7.2107.4407.7808.030
8.950
0,79
4,36
1,31 1,93
0,54
5,183,7
-3,4
3,98,1
-0,8
-4,4
-10,9
8,8 9,0
6,0
18%
39%
16%
10%
9%
5%
3%
Fontes: Banco Central do Brasil e Instituto Nacional de Estadísticas Económicas da Argentina. *Previsão do FMI
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que as exportações do Brasi l para lá aumentassem nutr idos 60% no mesmo período
fato de que nos anos 90 fizemos umaArgentina absolutamente dependente, nósa esvaziamos, nós a quebramos”, admitiuo presidente Kirchner, insistindo que atarefa “agora é recuperar o sentido de rein-dustrializar a Argentina”. E é justamentenesse campo que o Brasil ora joga comoparceiro, ora como adversário. Freire, daCUT, acha que o papel do Brasil é ajudara Argentina, abrindo as portas do merca-do mundial por meio do Mercosul.“Ne-gociações com os países árabes e asiáticosiniciadas recentemente pelo Brasil tam-bém podem servir para a Argentina”, dizele. A sugestão conciliadora é muito ade-quada para quem quer formar um bloco,mas de difícil execução para quem viveenvolto em eternos conflitos comerciais.O mesmo Kirchner que admite estar nocomando de um país dependente acusa oempresariado paulista de querer concen-trar em São Paulo o desenvolvimento edeixar “sem indústrias”o restante da Amé-
rica Latina. O problema é que nos últimostrês anos a Argentina se desenvolveu ocu-pando capacidade ociosa, mas agora o es-paço acabou, e para crescer mais é precisogastar. Portanto, para reestruturar sua in-dústria, vai necessitar de investimentos es-trangeiros diretos, e nesse campo bate defrente com o Brasil. Especialmente porquedurante a pior fase da crise algumas em-presas, sobretudo do setor de autopeças,fecharam as portas na Argentina e se mu-daram para o lado de cá da fronteira.
Afinidades Pirraças à parte, a verdade éque Brasil e Argentina estão condenadosà vizinhança geográfica, histórica e eco-nômica. A discussão sobre seguir ou nãoos exemplos alheios só existe porque osdois patinam e derrapam na mesma reali-dade: a falta de recursos próprios para su-prir suas necessidades.Ao ter de apelar re-petidas vezes ao FMI, ambos deparamcom as exigências de Washington e o dile-
ma de se submeter ou se rebelar. Não exis-te receita sobre como se conduzir e a cadanova rodada de negociações todos os ris-cos precisam ser reavaliados. Os dois jáousaram decretar moratória, os dois paga-ram caro por isso, os dois se recuperarame viveram outras e outras crises mais.Apesar de tudo, a declaração do presidenteargentino Roque Saenz Peña, que, em visi-ta ao Brasil, em 1910, afirmou que “tudonos une e nada nos separa”, ainda está lon-ge de ser aceita no coração dos irmãos decontinente, que insistem em se comportarcomo se estivessem sempre jogando umafinal de Copa do Mundo. Em vez de estarem campos opostos,Argentina e Brasil sãodois grandes aliados comerciais. É só con-sultar a balança comercial. Entre 2003 e2004, quando o PIB argentino cresceu 9%,nossas exportações para lá aumentarammais de 60%. Alguém ainda tem dúvidasobre quem mais se beneficia com o de-senvolvimento argentino? d
Lula Marques/Folha Imagem
Encontro dos presidentes Lula e Kirchner: conflitos comerciais freqüentemente prejudicam as relações políticas entre os dois países
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As mu lheres bras i le i ras estudam mais do que os homens,
recebem sa lár ios menores e ocupam cargos no Leg is lat i vo
em proporção muito inferior à sua partic ipação demográf ica.
Por isso, o Bras i l a inda está longe de cumpr ir as metas da
ONU para promoção da igua ldade entre os sexos.
METAS DO MILÊNIO
mulheres. Para cumpri-lo, os países pre-cisam ter uma agenda mínima que reduzaas disparidades entre os sexos no ensinoprimário e secundário até 2005 e em to-dos os níveis educacionais até 2015.Existem quatro formas a serem escolhidaspelos signatários dos ODM para compro-var se atingiram ou não tal meta, que vãodesde dados simples sobre matrículas demeninos e meninas nas escolas até a par-ticipação política de homens e mulheres(leia quadro na pág. 41).
No caso brasileiro, o principal entravepara o alcance do objetivo é a participaçãopolítica, mais especificamente com relaçãoao número de mulheres que ocupam
dna Maria Silva mora na regiãometropolitana de Salvador, tem 39anos e é costureira de mão-cheia.Além de saber operar todos os
tipos de máquina que envolvem a suaprincipal ocupação, ela também aprendeunos últimos meses a trabalhar com o com-putador para desenvolver melhor umafunção paralela, a de secretária da Coo-perativa de Costureiras do Parque SãoBartolomeu, da qual faz parte. Ex-empre-gada doméstica, ex-atendente de videolo-cadora e ex-professora de escola infantil,ela hoje ocupa uma importante posiçãonas estatísticas nacionais: está entre osmais de 15 milhões de mulheres – o equi-valente a 29% dos domicílios – que che-fiam lares brasileiros, segundo dados doInstituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE).
A história da baiana Silva e das cos-tureiras do Parque São Bartolomeu é umexemplo de sucesso e uma gota em umoceano de problemas enfrentados pelasmulheres brasileiras. Um panorama dessasdificuldades é apresentado por Desafiosdo Desenvolvimento nesta terceira re-portagem sobre os oito Objetivos do Mi-lênio (ODM) – um conjunto de compro-missos firmados em 2000 pelos países in-tegrantes da Organização das NaçõesUnidas (ONU) com a intenção de reduzira pobreza pela metade até 2015. O terceiroobjetivo diz respeito à promoção da igual-dade entre os sexos e a autonomia das
E
P o r M a r i n a N e r y , d e B r a s í l i a
mandatos legislativos. Existem hoje noCongresso Nacional 55 mulheres e 539homens. Do total de 1.059 parlamentaresem níveis estaduais em todo o país, apenas133 são do sexo feminino. Já o universo devereadores é de 51.800 cadeiras e apenas12,5% delas são ocupadas por mulheres.Em todos os casos, a participação das mu-lheres é menor do que estipula a Lei9504/97, ou seja um mínimo de 30% e ummáximo de 70% de vagas de cada partidodevem ser destinadas a cada sexo.As cotasna política são apoiadas por diversos mo-vimentos feministas.“Ajudou a recomporo cenário de desigualdade, aumentandoum pouco o número de mulheres, mas,
Longe dos objetivosGe
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Indicadoresde monitoramento doObjetivo do Milênio nº 3
• Proporção de pessoas do sexo masculinoe do feminino matriculadas no ensino básico, médio e superior
• Razão entre mulheres e homens alfabetizados na faixa etária de 15 a 24 anos
• Percentagem de mulheres assalariadasno setor não-agrícola
• Proporção de mulheres com mandatos no Parlamento nacional
Edna Maria Silva (esquerda) e as costureiras do Parque São Bartolomeu, de Salvador: capacitação gerou nova vida, autonomia e planos para o futuro
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mento do nível de escolaridade, foram de-terminantes para a entrada da populaçãofeminina na vida profissional. Porém, ocenário é ainda desigual: 50,3% da popu-lação feminina com mais de 16 anos tra-balha, enquanto 73,2% dos homens estãona ativa.
Diferenças Luana Pinheiro Simões, pes-quisadora do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea), explica que existeum hiato salarial entre homens e mulherese que ele cresce quanto maior for o grau deinstrução analisado. Os resultados da Pes-quisa Nacional de Amostra por Domicílio(PNAD) mostram que mulheres com atéquatro anos de estudos recebiam 81% dorendimento dos homens por 1 hora detrabalho em 2002 – 1,70 real/hora contra2,10 reais/hora. Na faixa de doze anos deestudo, elas ganhavam 9,10 reais/hora, en-quanto eles recebiam 14,50 reais/hora, ou
42 Desafios • junho de 2005
A par t i c ipação da mu lher na po l í t i ca bras i l e i ra é a inda bastante t ím ida . Há quem
conclusões do relatório “Desigualdades deRaça e de Gênero – Promover a Igualdadeentre os Sexos e a Autonomia das Mulhe-res”, que faz parte da Coleção de EstudosTemáticos sobre os Objetivos de Desen-volvimento do Milênio, do Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento(Pnud) . O documento foi elaborado pelaUniversidade Federal de Pernambuco,Pontifícia Universidade Católica de MinasGerais e pelo Instituto de Desenvolvimen-to Humano Sustentável.
O aumento da participação femininano mercado de trabalho se intensificouapós o início da década de 70, com a cres-cente industrialização e urbanização dopaís. Houve uma série de transformaçõesno conjunto de valores da sociedade bra-sileira, sob influência dos ideais feministase do protagonismo das mulheres no es-paço público. Tais mudanças, somadas àredução das taxas de fecundidade e ao au-
como esse percentual não é obrigatório,até hoje nenhum partido cumpriu a cotamínima”, afirma Giane Boselli, sociólogae assessora técnica do Centro Feminista deEstudos e Assessoria (Cfemea).
Números Quanto aos aspectos educacio-nais, o Brasil apresenta médias estatísticasque demonstram uma boa situação paraas mulheres: elas possuem nível de escola-ridade superior ao dos homens. Porém, osindicadores de participação no mercadode trabalho provam que o velho ditado“Quem não tem competência não se esta-belece” não pesa da mesma forma parapessoas do sexo masculino e do feminino.Se, por um lado, elas estudam e se pre-param mais, por outro são eles que con-seguem mais e melhores posições no cam-po profissional. Tal situação é agravada,em determinados casos, dependendo doquadro racial analisado. Essa é uma das
A educação é um dos passos mais valiosos e fundamentais para a emancipação feminina
Eduardo Nicolau/AE
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seja, 63% dos rendimentos-hora dos ho-mens. Isso significa dizer que o abismosalarial entre a parcela feminina e a mas-culina se aprofunda à medida que a mu-lher estuda mais.
Um desequilíbrio mais acentuado épercebido quando se analisa a questãoracial: mulheres negras são as mais dis-criminadas. Segundo as informações con-solidadas da Pesquisa Mensal de Empregode 2003, do IBGE, o salário recebido porhora trabalhada por homens brancos erade 7,16 reais e por mulheres brancas, de5,69 reais. Os homens negros foram remu-nerados no período com média de 3,45reais e as mulheres negras com 2,78 reais.Com relação aos rendimentos do traba-lho, portanto, os homens ganham sempremais que a parcela feminina, mas as mu-lheres brancas ganham mais que os ho-mens negros e as mulheres negras menosque todos os outros.“Essa discriminaçãotem motivos históricos, e o que preci-samos fazer para combatê-la é criar mais
danças a serem feitas no sentido de igualaras condições de escolha e de trabalho dehomens e mulheres no ambiente profis-sional, e quando uma empresa passa poruma mudança interna de mentalidadeacaba sofrendo até alterações físicas.“Aopromover a revisão de equipamentos parabeneficiar a mulher e evitar sobrecarga depeso, por exemplo, o empresário acabamelhorando as condições de trabalho dohomem também”, diz.
Trampolim Com cargo de direção ou não,é com estudo e capacitação que as mulheresconseguem mudar de vida. E foi assim queaconteceu com a costureira Silva, que, aoentrar para uma cooperativa feminina,conseguiu aperfeiçoar seus conhecimentos.“Hoje, há um certificado de costureira naminha parede e finalmente posso dizer quetenho uma profissão”, conta. Assim comoela, outras 50 costureiras com idade de 20a 70 anos que fazem parte da cooperativaaprenderam não só os ofícios das linhas e
de fe n d a a c r i a ç ã o d e c o t a s n a s e l e i ç õ e s c omo fo rma d e d im i n u i r e s s a l a c u n a
políticas públicas direcionadas aos negros,além de campanhas de combate ao racis-mo nos meios de comunicação”, defendeGiane Boselli, do Cfemea.
Mesmo quando elas conseguem trans-por todas as barreiras e obter bons empre-gos, poucas chegam aos cargos de decisão.Essa foi a evidência encontrada em levan-tamento realizado pelo Instituto Ethos em2003 que analisou o perfil dos diretoresdas 500 maiores empresas brasileiras.Enquanto a distribuição entre homens emulheres da população brasileira é prati-camente equilibrada (elas são 51,2%, se-gundo a PNAD 2003), a imensa maioriados executivos das maiores empresas(91%) é composta de homens. “O quecausa perplexidade no estudo é que oproblema é mais de mentalidade que derecursos”, afirma Reinaldo Bulgarelli, de43 anos, consultor do Fundo das NaçõesUnidas para a Infância (Unicef) e da TxaiCidadania e Desenvolvimento Social. Se-gundo ele, existe uma infinidade de mu-
Salu Parente/Divulgação
Vera Soares, do Unifem (esquerda), lembra que também é preciso se preocupar com temas como os direitos políticos das mulheres
Ricardo B. Labastier/Sorvo
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sistema de ensino?”. Para Soares, não sepode esquecer as questões relacionadas aoutros fatores, como trabalho, violência,participação política e acesso a direitos se-xuais e reprodutivos.“É fundamental termais indicadores”,afirma ela,e ressalta queno Plano Nacional de Políticas para Mu-lheres estão sendo elaborados mais indica-dores. “Se as mulheres obtiverem maiorcontrole sobre os recursos e maior acessoaos bens, a sociedade como um todo lu-crará; porém,se persistir a desigualdade degênero, grandes perdas para todos conti-nuarão a existir”, resume Soares
Intervenção Políticas públicas não são osuficiente para igualar condições entre ho-mens e mulheres em uma sociedade. Masconseguem diminuir diferenças.Um exem-plo disso pode ser observado no caso dasmulheres que moram na zona rural. Nosúltimos anos, elas foram gradativamenteganhando direitos, como o de poder secandidatar ao Programa Nacional deFortalecimento da Agricultura Familiar(Pronaf),o de ter titulação conjunta de ter-ras e fazer parte do Programa Nacional deDocumentação da Trabalhadora Rural,que tem como objetivo fornecer, gratuita-mente, documentação civil básica paramulheres assentadas na reforma agrária eagricultoras familiares.Embora sejam açõespositivas, ainda parecem poucas perantetantas questões a serem enfrentadas.
Os esforços são muitos e o caminho élongo. Não é à toa, portanto, que os avan-ços constatados em histórias como a dabaiana Silva devem ser comemorados.Afi-nal, ela tem uma posição que costumavaser exclusivamente masculina: é a prove-dora da casa.“Sou o pai e a mãe”, diz com afirmeza necessária de quem é a única res-ponsável pelo sustento do lar. Neste caso, avelha frase de Hamlet, no drama deWilliam Shakespeare,“Fragilidade, teu no-me é mulher”, já foi substituída por outra,da nossa contemporânea Rita Lee:“O sexofrágil não foge à luta”. Em um país de mu-lheres como a costureira Silva, Shakespearenão precisaria escrever tragédias...
tecidos,mas também a administrar as con-tas pessoais e da família,receberam noçõesde direitos e cidadania e, ainda, tomam aspróprias decisões sobre os próximos pas-sos a serem dados pela associação. Elas ti-veram sorte, pois puderam fazer parte deum projeto social,no caso coordenado poruma organização não-governamental, aPangea, e apoiado por empresas comoTelefônica e Vivo, além do Banco Intera-mericano de Desenvolvimento (BID).
Resultados Boselli, do Cfemea, destaca aimportância de iniciativas que geram ca-pacitação, auto-estima e autonomia para aparcela feminina da população: “Essasações afirmativas atingem em cheio a mãeque se preocupa com a família, propician-do aumento do poder da mulher”, escla-rece.Alguns resultados importantes foramverificados.“O indicador positivo que maisimpressiona é o processo de organizaçãodas mulheres, que passaram a controlar aprópria vida”, diz Sérgio Mindlin, presi-dente da Fundação Telefônica. São mu-lheres que,na relação familiar,eram depen-dentes de homens que não levavam di-nheiro para casa, por problemas diversos,como o alcoolismo.Atuar na família,e prin-cipalmente junto à mãe, contribui para re-tirar os filhos da situação de risco,conta ele.
Existe entre os especialistas ligados aosassuntos de gênero um descontentamen-to quanto ao fato de os Objetivos do Mi-lênio para as mulheres serem medidos emtermos de educação e participação políti-ca. Segundo eles, a agenda de debate econquistas a serem alcançadas é muitomais ampla. Por exemplo, o Brasil ocupao 51º lugar de um ranking de 58 países so-bre a diferença de direitos entre os sexos,divulgado em maio deste ano pelo FórumEconômico Mundial.
“O problema da utilização do nível deensino para avaliar o cumprimento dasmetas do milênio é que a educação por sisó não traz a autonomia às mulheres”,polemiza Vera Soares, coordenadora doPrograma de Desigualdade e Raça doFundo de Desenvolvimento das Nações
Unidas para a Mulher (Unifem ). Bulgare-lli,o consultor da ONU,também consideramuito reduzida a meta do Objetivo doMilênio e questiona:“Será que a escola nãoestá muito feminina, com uma maioria deprofessoras primárias do sexo feminino,provocando a vulnerabilidade dos meni-nos e a identificação das meninas com o
8 jeitosde mudar o mundo1. Erradicar a extrema pobreza e a fome
2. Atingir o ensino básico universal
3. Promover a igualdade de gênero
e a autonomia das mulheres
4. Reduzir a mortalidade infantil
5. Melhorar a saúde materna
6. Combater o HIV/AIDS, a malária
e outras doenças
7. Garantir a sustentabilidade ambiental
8. Estabelecer uma parceria mundial
para o desenvolvimento
d
A participação das mulheres é de apenas 9% entre os executivos das maiores empresas
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TECNOLOGIA A Rede Brasi l de Tecnolog ia promove parcerias entre empresas e
Fotos Divulgação
TeiaP o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a
de novos negócios
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centros de pesquisa nas áreas de petróleo, gás natural, eletr ic idade e agronegócios
Desafios • junho de 2005 47
praticamente impossível, hoje emdia,falar em desenvolvimento semfalar em redes. Elas estão presentesem todos os setores sociais e eco-
nômicos da atualidade. Existem redes deinfra-estrutura – saneamento,transportes,educação, saúde –, redes sociais, de presta-ção de serviços, redes de comunicação, dedistribuição, de pesquisa, de troca de ex-periência e de informações,enfim,um uni-verso que, direta ou indiretamente, afetainvariavelmente a vida de todos os sereshumanos. Numa tentativa de aproveitar opotencial positivo de mobilização e articu-lação das redes, o Ministério da Ciência eTecnologia (MCT) busca, desde 2003,
atuar como entrelaçador dos setores da so-ciedade que não têm o hábito de se articu-lar naturalmente para tentar tecer uma no-va trama. Foi com o objetivo específico dejuntar as forças nacionais para substituirimportações ou desenvolver novos produ-tos e serviços de alto valor tecnológico quenasceu a Rede Brasil de Tecnologia (RBT).
Por meio da RBT, o ministério colocaem contato a indústria,os agentes financei-ros, a comunidade acadêmica e o própriogoverno. A Rede identifica demandas deimportantes setores da economia – porexemplo,uma máquina ou peça compradano exterior –, incentiva a articulação dosparceiros e garante financiamento para a
fabricação de um similar nacional.Por umaquestão de foco, se optou por quatro seg-mentos específicos de atuação, sobretudoporque o Brasil possui empresas de capitalnacional e líderes mundiais nessas áreas.São elas: petróleo, gás natural, energias al-ternativas e agronegócios. Já estão cadas-trados na rede, participando da iniciativa,486 empresas e 690 laboratórios de pesqui-sa com 10.571 pesquisadores.
Os primeiros resultados concretos sódevem vir dentro de dois anos, pois sãoprojetos de longo prazo, com períodosextensos de maturação, e a RBT foi esta-belecida em 2003. Mas as estimativas sãoanimadoras. Os coordenadores da RBT
É
Maria Carolina Reis Antony Nagelmann/Getty Images
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A origem da Rede Brasil de Tecnologia foi um projeto montado noRio Grande do Sul.Tudo começou em 2000, quando Marcelo Lopes, atualcoordenador da RBT, era diretor técnico da Secretaria de Ciência eTecnologia gaúcha e um grupo de empresários do estado, com negó-cios na área de petróleo, propôs a criação de um fórum de discussãosobre inovação tecnológica. A idéia vingou e surgiu a Rede Petro RioGrande do Sul, que, em 2003, tomou a forma da RBT.
Uma das empresas que ganharam asas com apoio da Rede Petrofoi a Dambroz, metalúrgica de Caxias do Sul, que entrou no ramo pe-trolífero por acaso. Fundada em 1945, sempre atuou nos segmentos defundição de ferro e aço, máquinas para madeira, perfilados em chapasde aço e implementos rodoviários, mas seus horizontes se alargaram,quando entrou para a rede Petro.“Fechamos um contrato com a Pe-trobras e com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul para desen-volver uma unidade de bombeio (UB) nacional”, diz Álvaro Tergolina, di-retor-presidente da Dambroz. Essa máquina, mais conhecida como ca-
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prevêem que as 59 parcerias firmadas efinanciadas entre 2003 e 2004 gerem fatu-ramento anual de 532 milhões de reais.
A articulação para cada um dos setoresé feita por uma empresa estatal. A Petro-bras cuida de projetos de gás natural eenergias alternativas, a Eletrobrás da áreade energia elétrica e a Empresa Brasileirade Pesquisa Agropecuária (Embrapa) dosegmento de agronegócios. Petrobras eEletrobrás são líderes em seus segmentosde atuação e grandes importadoras de má-quinas e equipamentos,muitos sem corres-pondentes nacionais. No setor de agrone-gócios o objetivo é encontrar empresas
que passem a fabricar máquinas, produtose equipamentos desenvolvidos pela Em-brapa, que encontra grande dificuldadepara colocá-los no mercado.
Seleção A Petrobras e a Eletrobrás definemquais produtos e serviços são necessários ea RBT tem a missão de articular centros depesquisa capazes de desenvolver soluções eselecionar,por meio de editais,as empresasdispostas a assumir a produção.Além dis-so, garante o financiamento. Uma das pe-culiaridades da rede é que os editais sãomuito específicos,uma vez que a Petrobrase a Eletrobrás, em conjunto com o MCT,
decidem quais máquinas e equipamentosa chamada pública deve contemplar.O obje-tivo é claro: selecionar empresas que rece-berão financiamento para produzir bens eserviços de interesse das cadeias produtivasde petróleo, gás natural e de energia elétri-ca. Cabe à Financiadora de Estudos eProjetos (Finep) administrar os editais,queestabelecem a cooperação entre as empre-sas que pretendem assumir a produção e asinstituições científicas e tecnológicas. Oseditais da RBT estão abertos para qualquertipo de empresa, mas 472 empresas, ou97% dos participantes, são de capital na-cional (leia tabela ao lado). Entre as empre-sas cadastradas, 65% não têm centro depesquisa própria, mas 80% delas têm es-quema de cooperação permanente cominstituições de pesquisa.
“Nosso foco é em pesquisa aplicada.ARBT não financia pesquisa básica”, afirmaMarcelo Lopes, secretário de Política deInformática do MCT e coordenador daRBT. Para Mário Salerno, diretor de as-suntos setoriais do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), a Rede estáalinhada com a Política Industrial, Tecno-lógica e de Comércio Exterior (PITCE) do
En t r e a s empresas s e l e c i o n adas p e l a RBT pa ra d e sen vo l ve r n ovos p r odu to s e
ORIGEM DO CAPITAL NÚMERO DE EMPRESAS EM %
Nacional 472 96,90
Estrangeiro 6 1,23
Misto 9 1,84
Nacionais lideram projetos da RBT
Fonte: Rede Brasil de Tecnologia
Melhor do que o original
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valo-de-pau, serve para tirar o petróleo da terra e trazê-lo para a super-fície.“O mercado para esse tipo de equipamento é relativamente pe-queno, mas a demanda é latente e é melhor poder comprar no Brasiluma máquina antes importada, pois gastamos entre dez e vinte milhõesde dólares anuais com a compra de novas unidades de bombeio”, expli-ca Ronaldo Mascarenhas Lima Martins, gerente setorial de desenvolvi-mento de materiais da Petrobras.
A engenharia reversa ajudou a Dambroz a dar forma ao produto.Tergolina conta que a Petrobras forneceu uma unidade importada, to-talmente desmontada, para servir de modelo.A partir daí, os engenheirosda Dambroz e da Petrobras desenvolveram uma unidade de bombeio que,ao contrário da que serviu de modelo, não é acionada por correias. Oprojeto aprovado pela Rede Petro envolvia a fabricação de oito máqui-nas, com prazo de 18 meses.A grande inovação conseguida pela Dam-broz, por sugestão da Petrobras, foi eliminar a correia do equipamento,que costuma quebrar e interromper a extração de petróleo.Além disso,
a UB da Dambroz consome de 10% a 12% menos energia do que a im-portada e pode ser operada por apenas um técnico, que, com uma mãocontrola o motor elétrico acoplado, e com a outra aciona o freio. Já nomodelo convencional são necessários dois operadores.
A Dambroz entrou num mercado muito seleto, em que existem ape-nas quatro fabricantes mundiais das UB convencionais.A Petrobras en-comendou, em outubro do ano passado, mais 35 unidades de bombeioproduzidas pela Dambroz e já propõe novos desenvolvimentos. O suces-so da parceria com a Petrobras levou a Dambroz a investir na cons-trução de uma nova unidade de negócios, voltada exclusivamente à in-dústria de petróleo, com capacidade para produzir 20 unidades debombeio mensais.“Vamos produzir novas unidades de bombeio, peçasde reposição e prestar assistência técnica”, afirma Tergolina. Cemnovos empregos diretos serão criados e o diretor-presidente prevê quepermitirá dobrar o faturamento anual da Dambroz, atualmente em tornodos 35 milhões de reais.
governo federal.“A RBT atua nas linhas deações horizontais da PITCE, que incluem,entre outros aspectos, a inovação e o de-senvolvimento tecnológico, a inserção ex-terna, a modernização industrial e o au-mento da capacidade e escala produtiva.”
A Eletrobrás, responsável por 60% daenergia elétrica gerada no Brasil (leia repor-
tagem na página 16), participa da elabora-ção da chamada pública indicando as de-mandas tecnológicas das empresas do gru-po.“Operacionalizamos a carteira de proje-tos relacionada ao desenvolvimento de pro-cessos,equipamentos,materiais,bens e ser-viços associados a geração, transmissão edistribuição de energia elétrica”, explicaRonaldo Monteiro Lourenço,chefe do De-partamento de Desenvolvimento Tecno-lógico e Industrial da Eletrobrás. Umagrande vantagem para as empresas selecio-nadas nos editais da RBT é a garantia demercado para seus produtos ou serviços,lembra Lourenço.“A contrapartida da Pe-trobras é assumir os riscos dos testes decampo e oferecer suporte técnico,” diz Ro-naldo Mascarenhas Lima Martins, gerentesetorial de desenvolvimento de materiais daPetrobras.A chamada pública de 2005,por
s e r v i ç o s v o l t a d o s p a r a s u b s t i t u i r i m p o r t a ç õ e s , 97% s ã o d e c a p i t a l n a c i o n a l
Lopes, coordenador da RBT, em visita à Petrobras: o investimento é voltado para a pesquisa aplicada
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no Ceará,em Pernambuco,em Alagoas,noRio Grande do Norte, na Bahia, em Sergi-pe, em Minas Gerais, no Espírito Santo, noRio de Janeiro e em Tocantins. “Até julhoqueremos estar em 20 estados. Algumasações precisam de proximidade geográfica.Muitas das relações entre os participantessão feitas pelo site, mas visitas ao chão defábrica para apresentar o projeto e aproxi-mar os atores envolvidos também são fun-damentais.Além disso,os núcleos regionaistêm a tarefa de definir a estratégia mais ade-quada para aquele estado”,diz Lopes.O se-cretário explica que qualquer empresa podese cadastrar na RBT.São apenas duas as res-trições: estão fora do programa compa-nhias que sejam apenas representantes co-merciais e empresas que não estejam en-volvidas com a oferta de serviços de tecno-logia.“A RBT tem importância estratégicapara a indústria brasileira ao identificar de-mandas das grandes empresas e permitir osurgimento de novos fornecedores no mer-cado nacional,com preços mais competiti-
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um instituto de pesquisa na parceria.Os projetos têm de ser aprovados por
um comitê gestor composto de represen-tantes do Ministério do Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior (MDIC),Ministério das Relações Exteriores (MRE),Confederação Nacional da Indústria (CNI),Instituto de Estudos para o Desenvolvi-mento Industrial (Iedi) e do Serviço Bra-sileiro de Apoio às Micro e Pequenas Em-presas (Sebrae). A presidência do comitêcabe a um representante do MCT. “A Redetem papel fundamental porque aproximaa demanda por desenvolvimento tecnoló-gico da estrutura existente. Entre empresase empreendedores, o Sebrae atende porano 3,5 milhões de clientes, e aproveita-mos para divulgar informações da Rede”,afirma Paulo Alvim, gerente de inovaçãodo Sebrae nacional.
Além disso, a RBT também conta comuma secretaria executiva cuja atribuiçãoprincipal é estruturar um conjunto de redesestaduais.Já existem núcleos no Amazonas,
exemplo, pedia propostas de produção decerâmicas porosas para aplicação em sis-temas de combustão e de desenvolvimentode robô para inspeção de linha de trans-missão, entre outros.
Recursos Até agora a RBT realizou seischamadas públicas e investiu 37 milhõesde reais, sendo que o valor previsto para2005 é de 14 milhões de reais. Os recursosvêm de quatro fundos setoriais adminis-trados pela Finep: do petróleo (CTPetro),da energia (CTEnerg), mineral (CTMine-ral) e do agronegócio (CTAgro). Lopes, doMCT, garante que não haverá contingen-ciamento de recursos em 2005, pois o co-mitê gestor da RBT já sabia de quanto po-deria dispor efetivamente quando foi toma-da a decisão sobre o valor a ser investido.Cada edital define os produtos e serviçosnecessários e o valor do financiamento. Osinteressados podem fazer a inscrição pelosite da RBT. Uma vez fechado o contrato énecessário envolver uma universidade ou
A E m b r a p a u s a a R e d e p a r a b u s c a r e m p r e s a s c o m c o n d i ç õ e s d e p r o d u z i r
França, da Embrapa (à esquerda), e Martins, da Petrobras (à direita): junção de forças fortalece a indústria nacional e gera mais patentes
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vos do que os de outros países”, diz CarlosCavalcante, superintendente do InstitutoEuvaldo Lodi, entidade integrante da CNI.
Gargalo Para atender às demandas do se-tor agropecuário, a RBT funciona de mo-do diverso.A lógica da substituição de im-portações também se aplica nesse caso,mas a Embrapa oferece ao mercado osprodutos que desenvolve internamente.“AEmbrapa tem 37 centros de pesquisa e umpotencial enorme, mas nossa tecnologia,na maioria dos casos, não está no merca-do. A RBT atua nesse gargalo, realiza aschamadas públicas, seleciona participan-tes e garante o apoio financeiro para de-senvolver protótipos e arcar com custoslegais de registro e patentes”, afirma JoséGeraldo Eugênio de França, diretor execu-tivo da Embrapa. Segundo ele, graças àRBT “é possível transformar conhecimen-to em riqueza, fortalecer a indústria na-cional, importar menos e registrar mais pa-tentes”. A RBT fez dois editais na área de
agronegócios, em 2004 e 2005. No primei-ro, a Embrapa ofereceu 28 projetos, dosquais nove foram aprovados. Na segundachamada pública foram oferecidos 59 pro-jetos e 13 foram aceitos.
Os editais da Finep tornam públicosserviços, processos, produtos e equipa-mentos que a Embrapa tem a oferecer parao mercado. As empresas manifestam seuinteresse em fabricar determinado produ-to. O edital da Embrapa de 2004 tinha em-butida uma linha de financiamento de 2,25milhões de reais.Os nove projetos escolhi-dos pelas empresas sairão do mundo dapesquisa e alcançarão as prateleiras das lo-jas. Cada projeto tem duração de cerca dedois anos.A grande maioria ainda está emfase de desenvolvimento. Já no edital desteano, a Embrapa colocou à disposição domercado projetos que consumirão recur-sos da ordem de 1,5 milhão de reais. Trezedespertaram o interesse de empresas fabri-cantes.“A idéia é não só substituir impor-tações, mas também colocar à disposiçãode pequenos e médios empreendedores atecnologia desenvolvida pela Embrapa. Oque a experiência tem nos mostrado é queexistem produtos nacionais tão bons ou atémelhores do que os importados. É um im-portante incentivo prático à inovação”, dizFrança, diretor executivo da Embrapa.
Pulverizador No edital de 2004 constavam,por exemplo, projetos como de uma má-quina descascadora de frutos de casca du-ra, tais como dendê, babaçu e açaí; umequipamento para a redução de uso deagrotóxicos; e uma serraria móvel voltada apequenos e médios produtores rurais.Já noedital deste ano, foram oferecidas tecnolo-gias de produção de leite de soja enriqueci-do com cálcio; produção de licor de acero-la; e utilização do óleo extraído das semen-tes de gergelim produzidas por agricultoresfamiliares do Nordeste para fabricação desabonete. O equipamento para redução deuso de agrotóxicos,oficialmente conhecidocomo pulverizador hidráulico eletrostáticocostal, permite que os produtores ruraiseconomizem em média 50% em defensivos
agrícolas a cada ano.A grande novidade éque as partículas expelidas pela máquinasão carregadas com eletricidade, o que fazcom que o defensivo agrícola fique deposi-tado na parte inferior da planta,onde ocor-re grande parte das pragas.“A pulverizaçãoé mais eficiente e dura mais tempo,portan-to um menor número de pulverizações énecessário”, explica o engenheiro agrôno-mo e pesquisador da Embrapa Meio Am-biente,Aldemir Chaim. O protótipo já estásendo testado,mas existem problemas pen-dentes que precisam ser resolvidos: o proje-to está parado à espera de recursos, pois afundação que deveria repassar o dinheiropara a Embrapa está regularizando sua si-tuação junto à Finep.
O potencial dos projetos aprovados pe-la RBT, especialmente na substituição deimportações, pode ser avaliado pelo suces-so de uma empresa que foi patrocinadapor uma iniciativa semelhante e precurso-ra, no Rio Grande do Sul, que conseguiufabricar um equipamento usado na pro-dução de petróleo mais eficiente do que ossimilares importados (leia quadro na pági-
na 48). Comprova, na prática, que a recei-ta poderá ter sucesso.
Saiba mais:Rede Brasil de Tecnologiawww.redebrasil.gov.br
Finepwww.finep.gov.br
e c o l o c a r n o m e r c a d o a s m á q u i n a s e o s e q u i p a m e n t o s q u e d e s e n v o l v e
Nível médio/técnico 1.746
Nível superior 2.570
Pós-graduação 1.095
Mestrado 2.582
Doutorado 2.578
Total 10.571
Número de pesquisadores cadastrados por titulação
Empresas 486
Laboratórios 690
Serviços 132
Instituição de apoio 40
Número de instituiçõescadastradas
Fonte: Rede Brasil de Tecnologia
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Esta é a segunda matéria de uma série deseis sobre temas que serão discutidos na 3ªConferência Nacional de Ciência,Tecnologiae Inovação (CNCTI), que será realizada emoutubro, em Brasília. Informações sobre aconferência estão disponíveis na internet,noendereço www.desafios.org.br/conferencia
Apoio
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J o s é E l i d a V e i g aARTIGO
uem está hoje com 25 anos nem acredi-ta que o uso do adjetivo sustentável te-nha idade bem próxima à sua. Muitosdesses jovens foram familiarizados coma noção de sustentabilidade desde a es-
cola secundária. Não podem nem sequer imagi-nar que antes dos anos 80 essa idéia fosse restri-ta a um punhado de pesquisadores especializa-dos em biologia populacional. Particularmenteos que procuravam estimar os níveis em queuma atividade extrativa – como a pesqueira oua madeireira – ultrapassava os limites de repro-dução do cardume, da mata, ou do respectivoecossistema.
Por mais complicado que possa ser esse tipo decálculo, e por mais grosseiros que possam ser osresultados, ocorre o inverso com sua base episte-mológica. Quando se pensa na extração de qual-quer recurso natural renovável, a idéia de sus-tentabilidade pode ser até espontânea ou intuiti-va. Mas nada parecido ocorreu desde que foi ex-portada para desqualificar os processos contem-porâneos de evolução socioeconômica.Isto é,des-de 1979, quando a expressão “desenvolvimentosustentável” começou a ser usada em influentessimpósios internacionais. E principalmente des-de 1987, quando foi apresentada à AssembléiaGeral das Nações Unidas como “conceito políti-co” mais adequado para expressar o desafio doséculo 21. Uma pesadíssima pá de cal sobre ovocábulo “ecodesenvolvimento”, que tanto haviairritado os meios políticos dirigentes dos EUA.
Todavia, mesmo que o desfecho dessa estra-nha disputa diplomática tivesse sido inverso, oproblema de fundo permaneceria exatamente omesmo. Não é difícil contestar que os atuais pa-drões de crescimento econômico sejam capazesde engendrar um desenvolvimento que possacontemplar toda a população mundial, e que ain-da por cima seja garantido às gerações futuras.No entanto, ninguém é capaz de dar uma boa res-posta positiva. Isto é, evidenciar o que é desen-volvimento sustentável,em vez de apontar a insus-tentabilidade dos atuais estilos de crescimento.Claro, não falta quem pretenda o contrário, masse percebe em xeque-mate, ou vem com saídas
das mais pueris, tão logo é pressionado a dar umexemplo concreto de desenvolvimento susten-tável. O que não chega a ser grave, pois o mesmoacontece com grande parte dos mais elevadosvalores já enunciados pela humanidade. Ou seráque alguém poderia dar algum exemplo concre-to de “justiça social”?
Em tais circunstâncias, o mais razoável é es-tabelecer comparações entre os processos de de-senvolvimento com o intuito de emular os que semostrem menos insustentáveis e repudiar os de-mais. Não mediante algum índice sintético dedesenvolvimento sustentável, idéia que tende aser afastada por todos os que examinam seria-mente as dificuldades envolvidas. A tendência éque venha a ser adotado algum índice bem maisespecífico – de sustentabilidade ambiental – quepossa ser confrontado com o Índice de Desen-volvimento Humano (ou semelhantes) com oobjetivo de identificar as diversas situações possí-veis de combinação entre graus de desenvolvi-mento e graus de sustentabilidade.
Com certeza muita água ainda vai rolar antesque apareça um índice de sustentabilidade quepossa produzir consenso internacional parecidoao conquistado pelo IDH para o desenvolvimen-to. A enxurrada de críticas já feitas às primeirastentativas mostra que não está próximo o dia emque surgirá algum que possa obter legitimidadecomparável. Construir índice é tarefa bem maiscômoda do que conseguir emplacá-lo.
Mesmo assim, o apanhado feito para o livroDesenvolvimento Sustentável – O Desafio doSéculo XXI (RJ: Garamond, 2005) sugere que oscinco países de desenvolvimento mais insusten-tável sejam, respectivamente, Coréia do Sul, Bél-gica, Inglaterra, Polônia e Itália, enquanto o ex-tremo oposto é ocupado por Finlândia, Noruega,Suécia, Canadá e Suíça. Por isso, para que não se-ja bizantina, qualquer formulação responsável eprudente de uma estratégia de desenvolvimentoprecisa se basear em séria comparação entre es-ses dois pequenos grupos de nações.
José Eli da Veiga é professor titular do Departamento de Economia
da FEA-USP
Lembrar de Bizâncio
“A tendência é que
venha a ser adotado
um índice de
sustentabilidade
ambiental que possa
ser confrontado com
o Índice de
Desenvolvimento
Humano, com o
objetivo de identificar
as diversas situações
possíveis de
combinação entre graus
de desenvolvimento
e graus de
sustentabilidade”
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MELHORES PRÁTICAS
O Brasil conta com uma inovadora
legislação para a terceira idade,
porém ainda pouco praticada
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Vida boa para os
Brasil tem uma avançada legis-lação para a garantia dos direitosdaqueles que já passaram dos 60anos, mas poucas administra-
ções implementaram políticas e práticasespecíficas para os idosos.A inovadora leique trata da proteção integral desse públi-co foi aprovada em 1994. Ela foi elabora-da de modo a proporcionar saúde e bem-estar no processo de envelhecimento econstruir uma rede de proteção social quecontemple todas as esferas da vida dosidosos. A Política Nacional do Idoso(PNI), regulamentada no ano passado, sepropõe ainda a incentivar a autonomia ea independência das pessoas dessa faixaetária. O objetivo maior, dentro de diretri-zes adotadas internacionalmente duranteduas assembléias mundiais sobre o enve-lhecimento, é construir uma sociedademais justa para todas as idades.
Para que esses princípios se tornem
realidade, as prefeituras têm de tomaruma série de iniciativas, de forma a criarações locais voltadas especificamente paraa promoção da saúde, da cidadania e daintegração desse público. Um exemplo éa instalação do Conselho Municipal doIdoso, constituído por representantes dogoverno e pessoas com mais de 60 anos eque tem, entre suas atribuições, o papel desugerir o estabelecimento de ações muni-cipais de acordo com as necessidades dacomunidade. Poucas cidades brasileirasavançaram na agenda prevista nessa no-va política. É possível contar nos dedosdas mãos quantas o fizeram. Manaus é amais destacada delas. E mais especifica-mente um local, chamado Parque Muni-cipal do Idoso, é considerado hoje um dosmais fortes exemplos de que é possível tra-balhar, no âmbito da terceira idade, va-lores como auto-estima, cidadania, pro-moção de saúde, socialização e integração
idososO Parque Municipal do Idoso, em Manaus, atende 1,2 mil pessoas com mais de 60 anos
e oferece lazer, assistência médica, artesanato e educação. Um exemplo de como as
prefeituras deveriam implementar a Política Nacional prevista em lei desde o ano passado
P o r C l a r i s s a F u r t a d o , d e M a n a u s
F o t o s A n a C l á u d i a J a t a h y
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entre as gerações, com respeito às limi-tações próprias da idade, mas sem cair emclichês como os que consideram o idosoum indivíduo dependente, frágil, sem in-teresse próprio, abandonado.
Ataxerxes Amazonas de Oliveira, de 73anos,é citado pelo diretor do parque,Max-mor Nunes de Souza, como um exemplode que a vida pode ser refeita após umatristeza grande e não é preciso ficar emcasa esperando a próxima peça a ser pre-gada pelo destino. Oliveira estava depri-mido depois da morte da esposa, comquem viveu 49 anos, mas teve uma grandemelhora quando começou a freqüentar oparque, há dois anos. A agenda semanal écorrida: faz ioga, caminhada orientada eparticipa de um grupo que trabalha a me-mória. Além disso, passa por acompa-nhamentos periódicos das condições desaúde e, caso seja detectado algum pro-blema iminente, é encaminhado ao servi-ço local público de saúde. Mas ele gostamesmo é de dançar. Dança várias horaspor dia ao som de boleros, sambas e ou-tras canções tocadas na área em frente àlanchonete do parque, para alegria dassenhoras que também freqüentam o local.
Oportunidade O parque oferece gratuita-mente, apenas para quem já passou dos60, aulas de hidroginástica, natação, vôlei,caminhada orientada, ioga, alongamento,caratê, tai chi chuan, teatro, artesanato,dança coreográfica, dança de salão, dançado ventre, aulas de alfabetização, de inglêse de espanhol. As atividades são coorde-nadas por 94 profissionais qualificados,treinados para atender à população idosa.Muitos têm, lá, a chance de fazer coisasque nunca tinham feito ao longo da vida,por falta de tempo,de dinheiro ou de opor-tunidade.“Sou filha do interior do Ama-zonas, fui criada na lida da juta e da cas-tanha. Quem diria que eu, uma cabocla,um dia ia fazer aula de espanhol e de dan-ça do ventre. Chego às 8 e meia da manhãe só saio às 5 horas da tarde. Se eu estivesseem casa, estaria quebrando a cabeça comneto, com quintal... aqui é só divertimen-
to e curtir a vida com as amigas”, afirmaMargarida Moreira da Fonseca, de 63anos. Para o idoso Luís Marinho Batista,o parque é a melhor opção.“Estou aqui desegunda a sexta-feira. Não tenho outro lu-gar para ir. Se o parque não existisse, ou euficaria em casa no calor ou, quem sabe, narua bebendo”, comenta.
Instalado em uma área de 11 mil metrosquadrados, em um bairro de classe médiaalta da capital amazonense, o complexo de
atendimento aos idosos foi inaugurado em2002 e custou 4,3 milhões de reais, banca-dos pela prefeitura. O local tem piscina,ginásio coberto, auditório, pista de cami-nhada, salas de aula, dança e artesanato,lanchonete, restaurante e salão de beleza.O custo mensal para manter o parque fun-cionando é de 20 mil reais, segundo dadosda Fundação Doutor Thomas, entidadecom nível de secretaria municipal, respon-sável pela coordenação do parque. O con-
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Entre os freqüentadores do Parque do Idoso de Manaus, 34% têm renda mensal de
Mobiliário adequado, ausência de barreiras físicas e espaços amplos resultam em um ambiente apropriado à
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junto faz parte da política Municipal doIdoso, aprovada em lei municipal. O obje-tivo do Programa Conviver, no qual se in-sere a iniciativa, é promover a integraçãodas pessoas idosas e facilitar o convíviodelas com a família e com a comunidade.E, obviamente, promover um envelheci-mento mais saudável.
Quem visita o local percebe logo quenão se trata de um discurso vazio nem me-ramente de preencher o horário dos be-
neficiários com uma série de atividadessem sentido.A iniciativa tem, realmente, opoder de alterar a vida dos freqüentado-res. Tristeza, angústia ou solidão, senti-mentos vividos por muitos que chegam aidades mais avançadas, não têm espaçoquando as pessoas passam o dia cercadasde colegas da mesma idade, conversando,trocando experiências, se divertindo ouaprendendo.“A minha amiga ficou viúva,vivia chorando. Eu a convidei para vir
para o parque e ela hoje está ótima, já atéarrumou namorado”, conta Ilma Pereira,de 68 anos.“Se a gente fica em casa, fica sópensando besteira. Venho ao parque hátrês anos e é bom para minha saúde. Mi-nha vida mudou, fiquei mais alegre, atémeus netos percebem”, diz Maria deLourdes Abrantes Pinto, de 78 anos.
Toda sexta-feira é oferecido um mo-mento de integração, conhecido como“Tarde Dançante”. A música não pára e o
um salário mínimo, 39% de dois a quatro mínimos e 12% maior do que cinco mínimos
Atençãoaos maus tratos
A Fundação Doutor Thomas existe des-de 1909,mas só recebeu essa denominaçãoem novembro de 1967. O nome foi dado emhomenagem ao médico alemão HamiltonWolferstan Thomas,que chegou a Manaus noinício do século passado para trabalhar nocombate à varíola e construiu a casa quedeu origem à instituição.
Atualmente, a autarquia pertence àadministração indireta da prefeitura muni-cipal de Manaus e se mantem com recursospúblicos e com contribuições privadas.A en-tidade coordena um programa de moradiapara idosos, o Parque Municipal do Idoso, eainda o programa Disk Idoso, implantado em1997.A população de Manaus usa o serviçopara fazer denúncias de maus tratos e tam-bém para pedir orientação em relação aotratamento dos idosos.
Em alguns casos, após o recebimentoda ligação é feita uma visita à casa da famí-lia, dentro do Programa de Atendimento Do-miciliar ao Idoso.A visita pode ser feita porassistente social,advogado,psicólogo, fisio-terapeuta ou técnicos de enfermagem. Sãoatendidos cerca de 400 idosos por mês. Aeducação continuada dos técnicos e profis-sionais da Fundação é outro objetivo da en-tidade, que emprega 303 pessoas.
integração e ao bem-estar; Maria de Lourdes Abrantes Pinto: “Fiquei mais alegre, até meus netos percebem”
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Nas of ic inas de memória os idosos são est imulados a manter al to nível de at iv idades
Em sentido horário: aula de karatê, alongamento e caminhadas; Ataxerxes Amazonas de Oliveira (à direita): agendarepleta de atividades e muita dança para ajudar a superar a tristeza após a morte da esposa
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clima é de festa.Antes disso,é feita uma pa-lestra sobre assuntos variados, como pre-venção e tratamento de doenças típicas doenvelhecimento e sexualidade. Os direitosda população mais velha também são de-batidos nas palestras. Em uma das salas doparque funciona o Conselho Municipal doIdoso. Além disso, um profissional doInstituto Nacional da Seguridade Social(INSS) dá plantão no parque uma vez porsemana, orientando os freqüentadores so-bre aposentadoria e outros benefícios con-cedidos aos maiores de 60.
Socialização O Parque Municipal do Idosoatende a pessoas de várias classes sociais,embora prevaleça a classe média, devidoà localização do espaço. Segundo levanta-mento realizado no local em 2003, 34%dos freqüentadores tinham renda de umsalário mínimo, 39% de dois a quatro sa-lários mínimos, 15% não tinham renda e12% tinham renda acima de cinco salá-rios mínimos.
Quando vão ao parque pela primeiravez, os idosos passam por uma entrevistacom o médico e com as assistentes sociaispara detectar doenças e limitações físicase, a partir daí, é elaborada uma ficha queservirá para acompanhar o desenvolvi-mento da pessoa. O idoso com alguma re-strição de saúde é orientado sobre as ativi-dades físicas mais adequadas para as suascondições e, se for o caso, é direcionadopara tratamento na rede pública de saúde.Quando há necessidade, a família é cha-mada pela equipe do parque para conver-sar e recebe orientação sobre problemasde saúde e psicológicos. Os familiarestambém são acionados quando a equipedo parque detecta que a saúde do idosoestá piorando ao longo dos meses.
Luciane Coimbra, assistente social doparque, conta que é alto o índice de de-pressão, detectada logo nas entrevistas ini-ciais, muitas vezes relacionada a perda defilhos, companheiros, amigos, da aposen-tadoria, da solidão e da dificuldade em li-dar com as doenças da idade. Depois deum tempo freqüentando o parque, os
índices de depressão diminuem sensivel-mente. “Temos depoimentos que falamque aqui é como se eles entrassem em umnovo mundo, em que ninguém é feio,ninguém é ridículo, eles não precisam tervergonha e podem se comportar à vonta-de. Em casa, as idosas muitas vezes nãopassam nem um batom, aqui é a primeiracoisa que elas fazem quando chegam”,conta a assistente social. “Quando o tra-balho começou, achávamos que o maisimportante para o desenvolvimento doidoso seria a prática de atividades físicas.Depois, percebemos que a socialização étão importante quanto isso. O idoso sai decasa, onde muitas vezes ele é a única pes-soa de mais idade, e vai para um lugar on-de pode conversar com pessoas que vivemos mesmos problemas e têm os mesmosinteresses”, completa Coimbra.
Também é importante o acompanha-mento psicológico, que é feito em gruposou individualmente. Durante os encontrosde terapia em grupo, as perdas que acon-tecem com a chegada da velhice são de-batidas.“Quando eles começam a perce-ber que as outras pessoas vivem proble-mas semelhantes aos deles, passam a seaceitar melhor e a auto-estima se desen-volve muito.Aqui eles são eles mesmos, es-tão vivendo e se redescobrindo, não so-frem críticas ou são ridicularizados”, con-ta Cremilda Ramos da Silva, uma das psi-cólogas do parque.“É como se fosse umareunião de psicólogos, você ouve a históriade cada um e todos se apóiam”, confirmaTeresinha Pampolha, de 68 anos, freqüen-tadora do parque.
Outro trabalho interessante é o dasoficinas de memória.“É um instrumentofundamental de atividade, porque a me-mória é sempre afetada pelo envelheci-mento e não existe remédio para isso. Amelhor forma de evitar a perda é manterum alto nível de atividade mental”, expli-ca o diretor do parque. Nas oficinas, osgrupos de idoso fazem quebra-cabeças epalavras cruzadas, são incentivados a es-crever ou desenhar sobre memórias da in-fância e a elaborar poemas, entre outras
men ta i s , c omo l e i t u ra , p r á t i c a de queb ra - cabeças e pa l av ras c r u z adas
• Sexo 77% mulheres
23% homens
• Idade35% de 60 a 65 anos
30% de 66 a 70 anos
20% de 71 a 75 anos
10% de 76 a 80 anos
• Renda39% de dois a quatro salários mínimos
34% um salário mínimo
15% sem renda
12% acima de cinco salários mínimos
• Saúde38% hipertensos
11% diabéticos
9% cardíacos
7% com osteoporose
4% com reumatismo
21% sem patologias identif icadas
10% outras patologias
• Atendimento de saúde52% são atendidos pelo SUS
48% têm plano de saúde
• Estado civil36% viúvos
41% casados
11% solteiros
11% separados ou divorciados
• Escolaridade6% não são alfabetizados
14% são alfabetizados
10% têm o fundamental completo
39% têm o ensino fundamental incompleto
19% têm o ensino médio completo
4% têm o ensino médio incompleto
7% têm curso superior completo
1% têm curso superior incompleto
• Com quem moram79% com familiares
11% sozinhos
8% com companheiro(a)
2% em casa de terceiro
Perfil dos idosos freqüentadores do Parque Municipal do Idoso*
*Dados coletados no parque em 2003 com 2.497 idosos
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O programa para idosos praticado em Manaus contribui para aumentar a auto-estima dos
beleza do parque. O programa contribuipara mudar a imagem dos idosos na so-ciedade, geralmente vistos como seresfrágeis, dependentes e até infantilizados.“O parque tem uma resposta significativana vida das pessoas e ajuda a mostrar paraa sociedade que, mesmo com as limitaçõespeculiares da idade, o idoso está ativo,corre, anda, namora”, comenta a assistentesocial Coimbra.
O parque torna realidade uma das di-retrizes definidas na legislação nacional so-bre o tema: viabilizar formas alternativasde participação, ocupação e convívio doidoso, que proporcionem sua integração àsdemais gerações. Ainda é bem menos doque o necessário.Afinal, em Manaus exis-tem 110 mil pessoas com mais de 60 anos.O governo do estado afirma que irá cons-truir novos parques, em outras áreas, masainda não existe um prazo para isso. Nocaso do parque que já está em funciona-mento, o público atendido também pode-ria ser maior, se fosse resolvida a dificul-dade de acesso. Faltam linhas de ônibuspara levar a população ao local. O parquefoi projetado para atender duas mil pessoaspor dia, mas recebe, atualmente, cerca de1,2 mil idosos.
Mesmo assim, o programa adotado emManaus é um dos poucos, talvez o único,no país, que conseguem atender a tantasdimensões da vida do idoso, com resulta-dos positivos na prevenção de doenças ena melhoria da qualidade de vida dessaspessoas. A população de Manaus não ga-nhou esse presente de repente. A cidadetem, há um bom tempo, uma preocupa-ção com as pessoas dessa faixa etária. AFundação Doutor Thomas, que hoje tema função de Secretaria Municipal do Ido-so, surgiu em 1909, funcionando comoum “asilo de mendicância”, que recebiatanto idosos quanto moradores de rua oupessoas doentes. Aos poucos, foi mudan-do seu perfil. Hoje, a fundação é respon-sável por implantar a política municipaldo idoso e, para isso, tem vários progra-mas (ver o quadro na página 57).
“A grande inovação da Política Na-
atividades. “Também orientamos paraque eles façam exercícios como, antes dedormir, tentar se lembrar de tudo que foifeito durante o dia”, diz a psicóloga Silva.As aulas de teatro e artesanato tambémsão importantes para exercitar técnicas dememorização.
Os freqüentadores do parque conse-guem melhorar o seu posicionamento nacomunidade em que vivem. Deixam, mui-tas vezes, de ser uma preocupação para osfilhos e, ao conquistar qualidade de vida,autonomia e independência, podem con-viver melhor com as outras gerações. Noscasos em que o relacionamento familiar édifícil, a equipe do parque procura a fa-mília para buscar soluções. Mas as mu-danças vividas pelos idosos por causa dasatividades que eles têm no parque costu-mam até surpreender os familiares:“Quan-do a gente leva para a família os amigosque fizemos aqui, eles ficam impressiona-dos, pois não nos julgavam mais capazes”,conta Pampolha.
A integração dos idosos com as outrasgerações também acontece dentro do par-que. Embora as atividades sejam restritasaos maiores de 60, a comunidade local po-de freqüentar o parque para fazer cami-nhada, em determinados horários, ou usara lanchonete e o restaurante. Os resultadosda troca de experiência são positivos paraos dois lados. José Joaquim da Silva, de 69anos, conta que, depois que começou a fre-qüentar o parque, mudou a maneira de serelacionar com os mais jovens.“Antes, euagia como se fosse dono da verdade. De-
Número Sobre totalno Brasil população
Homens 6.527.630,00 7,8%
Mulheres 8.011.358,00 9,3%
Total 14.538.988,00 8,6%
População de mulheres idosas supera a masculina
Fonte: IBGE/Censo Demográfico 2000.
pois, ao conviver com os mais jovens tam-bém vi que a gente tem de aceitar que nãosabe tudo e procurar aprender”, conta. Eletrabalha no parque,durante as manhãs,ematividades de apoio administrativo e par-ticipa das atividades durante a tarde. Eleentrou para a equipe do parque desde ocomeço, quando a administração abriu va-gas para idosos que quisessem trabalhardurante meio período.
Carinho Para os menores de 60 que fre-qüentam o local, a convivência é provei-tosa.“É gratificante trabalhar aqui. Vocêaprende muito com a experiência deles.Eles são carinhosos com a gente, contamhistórias, conversam.Vejo que muitos nãorecebem carinho em casa, têm problemascom os filhos e aqui eles podem falar, de-sabafar e, ao ouvir as histórias de vida de-les, a gente ganha muito”, afirma JucicleideOliveira de Castro, ajudante do salão de
Maxmor de Souza: “A vida pode ser refeita”
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freqüentadores, que deixam de se considerar frágeis, dependentes e assumem postura ativa
Leis modernas, porém não aplicadas
A atuação do Estado na assistência ao idosoestá prevista na Constituição de 1988.Com a pre-sença de regras na lei maior do país, houve umincentivo a legislações complementares sobre oassunto. No final de 1993, foi aprovada a Lei Or-gânica de Assistência Social (Loas), Lei nº 8.742,que trouxe medidas específicas a favor do idoso,como a garantia de renda de um salário mínimomensal ao idoso que comprovar não possuirmeios de se sustentar ou não ter apoio da família.
Em janeiro de 1994 foi aprovada a Lei nº8.842, que constituiu a Política Nacional doIdoso (PNI) e integra o Programa Nacional deDireitos Humanos.A lei parte do princípio de queo envelhecimento diz respeito à sociedade emgeral e, assim, fortalece a importância de garan-tir direitos de cidadania ao idoso, protegendo-ocontra a discriminação.
Algumas das diretrizes traçadas pela PNI são:o idoso deve ter formas de participar da comu-nidade e de se integrar às demais gerações; eletem o direito de participar, por meio de organiza-ções que o representem, da formulação, implan-tação e avaliação das políticas, programas e pro-jetos; deve ser priorizado o atendimento ao idosodentro de suas próprias famílias,em detrimento doatendimento em asilo;deve ser dada prioridade aosidosos no acesso a serviços de órgãos públicos eprivado; o Estado deve trabalhar para capacitarpessoas nas áreas de geriatria (medicina voltadapara o idoso) e gerontologia (especialização deprofissionais no atendimento à população idosa).
A PNI foi regulamentada, dez anos depois,pelo Estatuto do Idoso, aprovado em 2004. O es-tatuto estabelece punições para quem não res-peitar os direitos dos idosos e traz determina-ções específicas, como a obrigação de as em-presas de transporte coletivo interestadual re-servar duas vagas gratuitas para idosos queganhem até dois salários mínimos. A criação dapolítica e a sua regulamentação no estatuto sãograndes avanços do país. Mas ainda faltam maisações de todos os níveis de governo para que aassistência ao idoso melhore efetivamente.
Parque viabiliza formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso
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62 Desafios • junho de 2005
A popu lação i dosa bras i l e i ra passou de 4% do to ta l em 1950 para 8% em 1996
nação política de priorizar o atendimento aessa população,com o investimento de umvalor significativo.A intenção da FundaçãoDoutor Thomas, no final dos anos 90, eravender parte do seu terreno de 54 mil me-tros quadrados para financiar uma reformana casa que hoje funciona como moradiapara idosos.O terreno está num bairro no-bre da cidade e,certamente,seria alvo de in-teresse imobiliário. No entanto, a idéia deusar a área para construir um espaço paraconvivência do público idoso acabou ga-nhando força dentro da prefeitura. O pro-jeto deu visibilidade à administração mu-nicipal. Mas uma das críticas que se faz éque, por causa da construção, a reforma dacasa da Fundação Doutor Thomas foi adia-da e só está saindo hoje.
Experiência Abigalil, do Ministério doDesenvolvimento Social, considera quepara que projetos semelhantes sejam im-plantados em outros lugares são funda-mentais a existência de vontade política eo investimento na formação de profis-sionais qualificados no atendimento à ter-ceira idade.
O arquiteto autor do projeto do par-
que, Almir de Oliveira, lembra que a tec-nologia para construção desse tipo de es-paço já é conhecida: são técnicas que eli-minam barreiras físicas e mobiliário ade-quado para a população idosa – bancosmais altos, por exemplo.“O que é precisopara replicar esse tipo de experiência é, ba-sicamente, a vontade de fazer. E também éessencial ter um espaço grande, para queo atendimento possa ser feito em uma es-cala razoável”, afirma.
A população brasileira está envelhe-cendo. O percentual de maiores de 60anos era de 4% em 1950 e pulou para 8%em 1996. Espera-se que, em 2020, existam28,5 milhões de pessoas idosas. E a ten-dência, graças aos avanços da ciência e damedicina, é que as pessoas vivam maistempo, e com mais saúde. É preciso, por-tanto, que as diretrizes traçadas na PolíticaNacional do Idoso se tornem realidade eque programas como o de Manaus sejamimplantados em outras cidades. Assim,poderemos garantir que essa importantefase da vida seja vivida com intensidadee que a sabedoria de quem já passou portanta coisa seja compartilhada com osmais novos.
cional do Idoso é o desenvolvimento deuma rede de proteção social aos indiví-duos com mais de 60 anos. E no Brasil oúnico lugar que já tem esse atendimentointegral é Manaus”, explica Alba MariaAbigalil, do Ministério do Desenvol-vimento Social e Combate à Fome, órgãoresponsável por coordenar a implantaçãoda política no Brasil. A maior atenção àspessoas mais velhas é um processo que sedesenvolve em Manaus já há algum tem-po. Para a diretora da Fundação DoutorThomas, Lúcia Ramos, a razão para issopode ser a tradição da população de se ar-ticular em movimentos sociais. Na cidade,existem cerca de 180 grupos de idosos quese reúnem nos bairros e, além de pro-mover atividades de lazer e sociais, ten-tam defender os direitos dos grupos.“Em1988, por exemplo, esses grupos fizerammanifestação na sede do governo do esta-do e o resultado foi a apresentação do pro-jeto dos Centros de Atenção Integrada daMelhor Idade (Caimi)”, conta. Os Caimifuncionam como postos de saúde espe-ciais para o público mais velho.
No caso do parque,mais do que pressãodos grupos organizados, houve a determi- d
Além das atividades físicas, são realizados acompanhamentos psicológicos e encaminhamentos médicos e jurídicos, quando necessário
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ARTIGO C a r l o s O c t á v i o O c k é - R e i s
o contexto do Sistema Único de Saúde,é preciso readequar o papel dos planosprivados de saúde, seja para garantir obem-estar dos consumidores, seja para
reduzir os custos dos empregadores ou ainda pa-ra corrigir as falhas desse mercado, em especialquando se trata de doentes crônicos e idosos.
Na direção desse objetivo sugerimos a cria-ção de benchmarks (empresas-modelo), paraservir como faróis na regulação de preços, pa-dronização da cobertura, melhoria da qualidadeda atenção médica, adoção de arranjos organi-zacionais solidários e cumprimento de metasclínicas e epidemiológicas definidas pelo Minis-tério da Saúde.
O “Programa de Qualificação da Saúde Su-plementar” implantado pela Agência Nacionalde Saúde (ANS) aparece, em um primeiro exa-me, enquanto iniciativa inovadora. Ao apostarna melhoria da qualidade da atenção médica dasaúde privada, procura-se aplicar as normas emdefesa do consumidor e do interesse público, le-vando em consideração o equilíbrio atuarial dacarteira de usuários. Contudo, combinado aesse programa, caso se queira preservar outropreceito normativo básico da Agência – a con-corrência regulada –, deveria haver uma avalia-ção da possibilidade de se esboçar uma propos-ta de reforma institucional do mercado de pla-nos de saúde.
Com o intuito de colaborar com esse debate,seguem as principais diretrizes da proposta dereforma, que visa a induzir a criação de novosmodelos organizacionais na saúde privada:
a. Criação de um ranking para avaliar o de-sempenho e a responsabilidade social das opera-doras. Identificar clusters (agrupamentos) nomercado, segundo indicadores econômico-fi-nanceiros, rede hospitalar credenciada, desem-penho médico-assistencial, número de usuáriose localidade geográfica. A ANS indicaria as quemais se aproximam da best practice e o rankingfuncionaria como um suporte acessório dasações regulatórias.
b. Seleção de uma empresa-modelo. Conside-rando a necessidade de estimular um papel mais
próativo dos empregadores – públicos e priva-dos – na gestão da saúde privada, destacam-se osplanos de autogestão, em particular os típicossistemas mutualistas de financiamento e admi-nistração, devido ao caráter não-lucrativo, à pre-sença de subsídios cruzados entre os diferentesgrupos de risco e de renda, e aos baixos custos decomercialização e intermediação. Naturalmente,tais empresas-modelo poderiam ser identifica-das em outras modalidades de pré-pagamentoexistentes no mercado, como por exemplo ascooperativas médicas, a medicina de grupo etc.
c. Instituição de novas estruturas organiza-cionais. Para isso seria necessário: 1) Criar spon-sors, agentes coletivos do lado da demanda, paraintermediar a contratação dos planos de saúde.Adotando uma via corporativa, essa intermedia-ção poderia ser feita por sindicatos patronais oucentrais sindicais. Em relação às pequenas ope-radoras – cuja clientela em boa parte são traba-lhadores informais ou oriundos de microempre-sas – poder-se-ia pensar na atuação do ServiçoBrasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empre-sas (Sebrae). 2) Constituir um plano de saúdecogestionário entre servidores públicos e gover-no federal.A escala do número de usuários cria-ria precondições favoráveis ao corte de gastos damáquina burocrática.
Esses benchmarks deveriam ser instituições-chave para irradiar os princípios normativos daANS, no contexto da ação regulatória. Além domais, sua adoção significaria seguir as orien-tações do Instituto Ethos, que sensibiliza as em-presas a gerir seus negócios de forma socialmenteresponsável, no contexto do programa GlobalCompact, da Organização das Nações Unidas.
Carlos Octávio Ocké-Reis é pesquisador do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea)
Novos modelos para a saúde privada
“Empresas-modelo
seriam como faróis
na regulação de
preços, na melhoria
da qualidade da
atenção médica e no
cumprimento de
metas do Ministério
da Saúde”
NDivu
lgaç
ão
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obra em dois volumes resulta deseminários organizados por pro-fessores da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ) no fi-
nal de 2003, cobrindo grandes temas daeconomia e da ciência e tecnologia, com aparticipação de formuladores de políticase de acadêmicos brasileiros e estrangeiros.O debate partiu da idéia de que o desen-volvimento é um processo sustentado decrescimento, transformação produtiva edistribuição de riquezas, ou seja, uma de-finição fortemente lastreada nos conceitosdo economista Celso Furtado, cujo texto“Para recuperar o dinamismo” abre a edi-ção. Os 15 trabalhos constantes do primei-ro volume cobrem problemas cruciais degestão macroeconômica, de infra-estrutu-ra, de competitividade, do papel da ciên-cia e inovação e das tecnologias da infor-mação. Surpreendentemente, os organi-zadores iniciam a discussão sustentandoque,“à diferença da década de 50, não exis-te neste começo de século 21 uma defini-ção clara dos caminhos para o desenvolvi-mento brasileiro”.
Os autores, com base num exame dasrestrições de curto prazo e das dificuldadesestruturais existentes, procuraram elucidaras razões das limitações e dos obstáculos
que se interpõem à definição de um proje-to de médio e longo prazos para o desen-volvimento brasileiro. As tarefas e reco-mendações formuladas ao longo do livroparecem, mas nem sempre são fáceis deserem concretizadas: promover a moder-nização tecnológica com base em metas eobjetivos estratégicos; integrar políticasmacroeconômicas, tecnológicas, indus-triais, de regulação de mercados e de co-mércio exterior; promover políticas de in-clusão social com base na educação e noemprego; superar os problemas de finan-ciamento de longo prazo; articular os pa-péis do Estado e do mercado na infra-es-trutura; articular as ações das instituiçõese do setor privado para a ciência e a tec-nologia; estruturar blocos comerciais e ne-gociar acordos internacionais.
Os organizadores acreditam que o mo-mento é propício para a definição dessasestratégias de desenvolvimento e, comoacadêmicos, acham que não se pode des-vincular as políticas da teoria. Eles tambémconsideram que as condições necessáriase suficientes para gerar um ciclo virtuosode desenvolvimento não surgem automati-camente, mas dependem de “intervençõespúblicas específicas e coordenadas”, o quetalvez já seja mais difícil de assegurar. Em
todo caso, tanto no seio da academia quan-to no âmbito do governo e entre os grandesgrupos econômicos nacionais parece estaremergindo um consenso sobre o conjun-to de tarefas indispensáveis para sustentarum novo ciclo de desenvolvimento. CelsoFurtado, por exemplo, acredita que isso re-quer uma alteração nos mecanismos estru-turais de concentração da renda. Outrosautores preferem enfatizar os requerimen-tos tecnológicos e de infra-estrutura, in-clusive nas áreas do conhecimento e da in-clusão digital.
Todos concordam em que a retomadado crescimento depende de aumento nosinvestimentos e que isso terá de ser feito embases diferentes daquelas existentes nosanos 50.A presença ativa do Estado é vistacomo “uma regularidade da história” emquaisquer experiências de países bem-sucedidos. Mas poucos autores concor-dariam, por exemplo, em que o Estadobrasileiro pode ter atuado, na fase recente,como obstáculo importante ao crescimen-to ao drenar recursos do setor privado paraseu próprio consumo. Este debate será re-tomado no segundo volume da obra, Ins-tituições Políticas e Sociedade, que se dedi-ca, justamente, ao papel do Estado e dasinstituições na elaboração e na implemen-tação de políticas de longo prazo relativasàs estratégias de desenvolvimento.
Paulo Roberto de Almeida
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A dura marcha do desenvolvimento nacional
Brasil em Desenvolvimento Volume 1: Economia,Tecnologia e CompetitividadeAna Célia Castro, Antonio Licha,Helder Queiroz Pinto Jr. e João SaboiaCivilização Brasileira, 546 p., R$ 62,90
ESTANTElivros e publicações
A
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A inovação ganha terreno no Brasil
livro Inovações, Padrões Tecno-lógicos e Desempenho das FirmasIndustriais Brasileiras, editadopelo Instituto de Pesquisa Eco-
nômica Aplicada (Ipea), traça um mapacompleto da inovação tecnológica na in-dústria brasileira, com dados de 72 milempresas industriais com mais de dez fun-cionários. Trata-se do maior conjunto deinformações jamais reunido sobre as em-presas industriais brasileiras mapeandosuas estratégias competitivas e seus resul-tados. O trabalho possibilitou a elabo-ração de um diagnóstico preciso que iráapoiar a política industrial do país.
A publicação mostra que inovar e di-ferenciar produtos torna as empresas maisprodutivas e competitivas no mercado do-méstico e internacional.A inovação tecno-lógica tem impacto positivo sobre o de-sempenho exportador do setor privado,aumentando o volume exportado e o va-lor agregado às exportações. Os ganhos dainovação refletem-se também nos salários.Em média, a remuneração mensal dos em-pregados nas firmas que inovam e diferen-ciam produtos é de 1.254,64 reais, muitosuperior ao salário de 512,43 reais que épago em média ao trabalhador no setorindustrial brasileiro.
O estudo aponta que nas firmas de ca-pital nacional os gastos em Pesquisa e De-senvolvimento (P&D) interno como pro-porção do faturamento são 80,8% maioresque os realizados pelas subsidiárias estran-geiras que produzem na indústria brasi-leira. Por outro lado, as empresas brasilei-ras que se internacionalizam por meio deinvestimentos em outros países exportambens de maior valor agregado.
Os resultados deste trabalho são espe-cialmente relevantes porque mostram evi-dências de que a nova competitividade daindústria brasileira estaria sustentada emuma nova visão empresarial, que tem sur-gido no país após a abertura da economia.
Esta nova postura é entendida como res-ponsável por aproximar a indústria bra-sileira dos modernos padrões de compe-tição do mercado internacional, basica-mente guiados pela capacidade de as firmasrealizarem inovação tecnológica e diferen-ciarem produtos.
A pesquisa mostra que ainda há umlongo caminho a seguir. No Brasil, 31%das empresas realizam algum tipo de ino-vação tecnológica enquanto nos países de-senvolvidos esse índice é superior a 50%.O investimento em P&D também é baixo:0,7% do faturamento das empresas, diantede 2,5% da França e 2,6% da Alemanha.Mas o avanço foi grande. A participaçãodas empresas que inovam e diferenciamseus produtos no faturamento total da in-dústria já é de 25,9%. O trabalho foi reali-zado por pesquisadores do Ipea,sob a coor-denação de João Alberto De Negri e MarioSalerno, e contou com a colaboração deespecialistas de universidades de São Pau-lo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e Brasília,num total de 32 colaboradores.
Clarissa Furtado
Sem voluntariado
Assistentes Sociais no Brasil – Elementos para o Estudo do Perfil ProfissionalRosa Prédes (coordenadora), Conselho Federalde Serviço Social, Brasília, 2005, 72 p., R$ 15,00
carreira de assistente social é carre-gada de estereótipos.Para lançar lu-zes sobre essa categoria profissionale tentar valorizá-la, o Conselho Fe-
deral de Serviço Social (CFESS) elaborouuma extensa pesquisa sobre o assunto, a pri-meira realizada em nível nacional, que resul-ta agora no livro com lançamento marcadopara este mês.A edição é fruto de uma parce-ria com a Universidade Federal de Alagoas(Ufal),sob a coordenação da professora RosaPrédes. Os dados foram colhidos em 2004.
A pesquisa revelou que, como se imagi-nava, o serviço social é uma profissão femi-nina: 97% dos assistentes sociais são mu-lheres. E mais: 67,6% são católicas, seguidaspelas protestantes (12,7%), espíritas karde-cistas (9,8%) e pelas que não têm nenhumareligião (7,9%). Das que seguem alguma re-ligião, 76% se declararam praticantes.As se-melhanças com o mito da assistente socialterminam aqui.
As demais características do imagináriopopular não se sustentam: 68% das assis-tentes sociais têm entre 25 e 44 anos deidade – o que revela uma relativa juventudedessas profissionais. E elas têm uma atuaçãosólida: 55,7% estão empregadas pelo regimeestatutário.
Maysa Provedello
O
A
Inovações, Padrões Tecnológicos e Desempenho das Firmas Industriais BrasileirasEditora do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), Brasília, 2005, 728 p., R$ 49,00
ESTANTE 02/06/05 17:34 Page 65
66 Desafios • junho de 2005
Incentivo governamental
Mãe orgulhosa
As japonesas Sony e Toshiba tra-vam uma batalha pública em buscada supremacia tecnológica para for-necer os discos que sucederão o atualDVD. O último lançamento veio daToshiba, que apresentou o HD-DVD,um disco com 45 gigabytes capaz dearmazenar até 12 horas de filme emalta definição. Ele veio para compe-tir com o Blu-Ray,da Sony,que tem de
23 a 54 gigabytes de memória. Abriga entre as duas gigantes não serestringe aos laboratórios. Ela se es-tende à conquista de clientes notá-veis, especialmente os produtores deentretenimento e games. A Sony jáassinou contrato com a Disney, e aToshiba, por sua vez, informa que hádiversos estúdios de Hollywood,entreeles o HBO, interessados em seu HD-
DVD.O lado mais complexo da disputaé que ambas sabem que não adiantanada produzir um disco se ele nãofor aceito em todos os aparelhos.Por-tanto, depois dos louros tecnológi-cos, será preciso um delicado traba-lho de diplomacia para convencer osoutros fabricantes a fazer equipa-mentos compatíveis com os produtosconcorrentes, e vice-e-versa.
A Unicamp está comemorandoa decisão do Banco Nacional doDesenvolvimento Econômico e So-cial (BNDES) de autorizar um in-vestimento de 7,1 milhões de reaisna Ci&T, empresa constituída hádez anos por ex-alunos do curso deComputação da universidade.A ope-ração faz parte do Programa parao Desenvolvimento da Indústria Na-cional de Software e Serviços Cor-relatos (Prosoft-Empresa), com fi-nanciamento direto de 3 milhõesde reais, subscrição de mais 3 mi-lhões em ações preferenciais daempresa, pela BNDESPAR, e contra-partida de 1,1 milhão em recursospróprios.O projeto da Ci&T prevê acriação de uma base de exporta-ção de software e a abertura de192 empregos diretos. Empresanacional, com sede em Campinas,no interior de São Paulo, a Ci&T éespecializada em integrações desoluções de software voltadas paraplataformas distribuídas, com foconos setores financeiro, telecomu-nicações, manufatura, petróleo eenergia. Entre seus principaisclientes estão nomes de peso co-mo BankBoston, BM&F,Vale do RioDoce, Hewlett-Packard, 3M, Nortele Petrobras. Ela possui escritóriosem São Paulo, no Rio de Janeiro eem Nova York, além de manter umlaboratório de inovação em softwa-re dentro da Unicamp.
CIRCUITOciência&inovação
Memória em disco
Super-DVD
Gordon Moore,um dos fundado-res da Intel,previu,em meados da dé-cada de 70,que a capacidade de ar-mazenamento de um chip de compu-tador dobraria a cada 18 meses. Osengenheiros deram à profecia o no-me de Lei de Moore, e até maio pas-sado ela vinha sendo cumprida,quan-do a Matrix Semicondutor, empresanorte-americana,anunciou que levou12 meses para dobrar a capacidadede suas memórias.Ela criou uma me-mória tridimensional de um gigabyte,para computador,com apenas 31 mi-límetros quadrados, a mais densa já
produzida.A Matrix divulgou em notaoficial que pretende continuar dupli-cando a capacidade a cada ano gra-ças à tecnologia chamada HybridScaling,que permite a construção decircuitos integrados 3D combinandodiferentes geometrias no interior dascamadas de um mesmo circuito. Es-sa técnica,aliada a outras,gera umamaximização do uso do silício de até25%,em relação ao modelo tradicio-nal.A empresa informou que a novatecnologia será incorporada a todosos seus produtos, mesmo os de me-nor capacidade, até o final de 2005.
Memória no computador
Pequena notável
Divulgação
Já está disponível gratuitamente na redeo programa Java Pathfinder (algo comoexplorador de rotas Java), criado pela agência espacial americana, a Nasa.Trata-se de um softwareelaborado para detectarerros em programasconstruídos na linguagem Java.
http://javapathfinder.sourceforge.net
Circuito 02/06/05 17:35 Page 66
Desaf ios • junho de 2005 67
Indicadores
Número para todos os gostos
A área que mais emprega pes-quisadores no estado de São Paulo éa de ciências da saúde,que respondepor 23,3% dos postos de trabalho.Em segundo lugar,estão as engenha-rias e ciências da computação, com16,6% de participação, seguidaspelas ciências humanas,que abrigam13,4% das vagas, sem considerarlingüística, letras e artes. Já nos car-gos de direção, quem mais empregamestres e doutores, no Brasil, é a in-
dústria de transformação, seguidapela administração pública e pelocomércio. As instituições de ensinoaparecem somente em quinto lugarna lista das áreas que mais con-tratam mestres e doutores para diri-gentes.Essas e muitas – mas muitasmesmo – outras informações podemser encontradas nas 438 páginas dovolume 2 de Indicadores de Ciência,Tecnologia e Inovação no Estado deSão Paulo, lançado pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de SãoPaulo (Fapesp).Todo o conteúdo daobra está disponível no endereçowww.fapesp.br, seção Indicadores.Láse pode saber, por exemplo, que aPetrobras encabeça a relação dasempresas e organizações que maisdepositaram pedidos de patentes noInstituto Nacional de PropriedadeIntelectual (Inpi) no período de 1990a 2001.Veja os dez primeiros colo-cados na tabela ao lado.
O mais novo robô japonês pa-rece ter saído dos desenhos anima-dos para as ruas de Tóquio.Trata-sedo Land Walker (andarilho, em in-glês), construído pela SakakibaraKikai, fabricante de pequenos robôsde brinquedo para apresentação emfeiras e eventos.A parafernália pesauma tonelada,mede 3,40 metros dealtura e tem uma cabine de coman-do que abriga o condutor. Apesardas nítidas dificuldades que apre-senta para se locomover, algunsacreditam que ele possa vir a serútil não só para animar festas infan-tis como também para a realizaçãode trabalhos pesados, substituindotratores e pás mecânicas.
Divulgação
Tecnologia com olhar social
O Brasil acaba de ganhar maisuma publicação voltada para a tec-nologia e a inovação, mas desta vezo tom não é dado pelos bites, pelostermos em inglês e siglas cada vezmais ininteligíveis.Tampouco pelasmais recentes descobertas da ciên-cia ou os lançamentos à disposiçãodo consumidor.A revista ARede trataexclusivamente da aplicação da tec-nologia em programas e ações deinclusão social.Telecentros, rádiose TVs comunitárias, modelos tec-
nológicos de baixo custo, políticaspúblicas, conteúdos educacionais einternet são as principais áreas deinteresse da publicação.A revista éelaborada pela Momento Editorial,uma empresa nova com sede emSão Paulo, criada para produzir in-formação especializada nos seg-mentos de tecnologia da informa-ção e comunicação. O conteúdo in-tegral está disponível no endereçowww.arede.inf.br e tem reproduçãoautorizada para fins não-comerciais.
Cientistas da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ) desco-briram que uma substância presentena planta sassafrás, comum no ter-ritório brasileiro, tem o poder de dila-tar as artérias sem apresentar osefeitos colaterais que normalmenteacompanham os medicamentos con-tra pressão alta. O composto foi sin-tetizado a partir do safrol, elementoda planta, e a bactéria ativa recebeuo nome de LASSBio-785,em homena-gem ao Laboratório de Avaliação eSíntese de Substâncias Bioativas,on-
de estão sendo desenvolvidas as pes-quisas. Os testes feitos em camun-dongos-cobaias têm apresentado re-sultados animadores, especialmenteporque tudo indica que será possívelfazer com que o elemento aja em al-guma parte específica do organismosem afetar o paciente como um todo.Para transformar a LASSBio-785 emmedicamento serão necessários pe-lo menos mais três anos de estudo ea aplicação de aproximadamente 15milhões de reais, o mais difícil deconseguir.Mas os pesquisadores es-
tão confiantes em que surgirá alguminvestidor interessado.“Esse valor épequeno se comparado aos 850 mi-lhões de dólares que as grandes in-dústrias farmacêuticas dizem gastarcom o desenvolvimento de um novoproduto”, diz o professor CarlosAlberto Manssour Fraga,coordenadordo trabalho. Os hipertensos brasilei-ros agradeceriam o investimento, jáque a maioria dos princípios ativosdos medicamentos que eles conso-mem é de origem estrangeira, compreço bem salgado.
Saúde
Remédio brasileiro para hipertensão
Pessoa Patentes jurídica requeridas
1. Petrobras 222
2. Unicamp 143
3. Arno S/A 123
4. CSN 119
5. CVRD 111
6. Usiminas 101
7. Multibrás S/A 91
8. Embraco 83
9. Produtos Eletr. Corona 65
10. Electrolux do Brasil 61
Robótica
Será que é de verdade?
Divulgação
Reuters
Circuito 02/06/05 17:36 Page 67
INDICADORES
p o r A n d r é a
W o l f f e n b ü t t e l
68 Desafios • junho de 2005
Cultura
No mês de maio, o governo enfrentou a insa-tisfação do ministro da Cultura e sua equipe, quereclamaram de cortes no orçamento e reinvidica-ram aumento de remuneração. Uma análise rá-pida dos números do ministério nos últimos exer-cícios mostra que, apesar de os valores orçadosterem crescido levemente, os valores realizadosvêm caindo ano a ano.Quando se olha para a ver-ba destinada a investimentos, a situação se agra-va. O grau de execução em 2003 chegou na casa
dos 22%. Mas enquanto o pessoal do Ministérioda Cultura sofre com o cofre trancado, os artistasencontram outra porta aberta: a da Lei Rouanet.Desde 2000, a captação de recursos por meio darenúncia fiscal via Lei Rouanet supera todo oorçamento do ministério, inclusive o destinado apagamento de pessoal. Alguns criticam esse mo-delo afirmando que a escolha dos beneficiadosacabou ficando nas mão do mercado e não dequem concebe as políticas culturais do país.
É o nome, pomposo, que se dá ao relacionamento entre os acionistas e os executivos de uma empresa.A necessidade de regulamentar esse relacionamento surgiu quando as companhias passaram a vender suas ações no mercado, e os novosacionistas, apesar de donos, não conseguiam controlar as decisões dos gestores. Para garantir que osinteresses dos acionistas sejamrespeitados acima dos interesses dos executivos, surgiram as normas deboa governança corporativa. No Brasil,essas regras foram elaboradas, em1999 e se baseiam, como em todo o resto do mundo, em quatro princípiosbásicos: tratamento igual a acionistasminoritários e majoritários, transparêncianas relações com o investidor, adoçãode normas internacionais nos registroscontábeis e, obviamente, respeito àsleis. A vantagem para a empresa queadota a boa governança corporativa é a valorização de suas ações.Em dezembro do ano passado,as ações das companhias do NovoMercado da Bolsa de Valores de SãoPaulo, que só aceita empresas com boa governança, valiam 50% mais do que as do pregão tradicional.Veja abaixo a relação das companhias que aderiram ao Novo Mercado.
O que é?
Governaça
corporativa
De onde vem o dinheiro?
Captação da Lei Rouanet X despesas
do Ministério da Cultura (em milhões de reais)
Totais orçados e executados para
o Ministério da Cultura (em milhões de reais)
Distribuição dos recursos
da Lei Rouanet (em 2001)
Lei Rouanet Ministério da CulturaFonte: Ministério da Cultura
Lei Rouanet Ministério da Cultura* Valor executado ainda não disponível/ Fonte: Ministério do Planejamento;Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
Fonte: Ministério do Planejamento; Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
Fonte: Ministério da Cultura
450.000
400.000
350.000
300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
50.000
0
500.000
450.000
400.000
350.000
300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
50.000
0
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
80
70
60
50
40
30
20
10
0
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
2000 2001 2002 2003
2000 2001 2002 2003 2004*
2000 2001 2002 2003
286.
976
271.
079
366.
779
318
.38
0
34
3.0
88
277.
273
427
.527
274
.769
12%
12%
14%21%
23%
7%11%
Artes plásticasArtes cênicasMúsicaPatrimônio cultural
Artes integradasAudiovisualHumanidade
286.
625
271.
079
339.
189
318
.38
0
391
.277
277.
273 3
88
.570
274
.769
464
.456
94,58%
62,01%
69,13%
30,69%
22,61%
93,87%
70,86% 70,71%
Grau de execução do orçamento total
(em %)
2000 2001 2002 2003
2000 2001 2002 2003
Valores orçados e executados
para gastos em investimentos
pelo Ministério da Cultura
Grau de execução do orçamento
para investimentos (em %)
Previsto no orçamento ExecutadoFonte: Ministério do Planejamento; Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)Fonte: site da Bolsa de Valores de São Paulo Fonte: Ministério do Planejamento; Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
65.6
98
40.
742 64
.679
44
.714
98.2
06
30.
138
84
.793
19.1
68
1. CCR Rodovias
2. Sabesp
3. CPFL Enrgia
4. Dasa
5. Grendene
6. Localiza
7. Natura
8. Porto Seguro
9. Renar
10. Submarino
indicadores11.qxd 02/06/05 17:36 Page 68
Perf il das empresas
Desafios • junho de 2005 69
Produção Consumo
Venezuela Brasil Argentina
Bil
hões
de
barr
is
80706050403020100
Reservas provadas
de petróleo (2003)
Participação de cada
país nas reservas
Petróleo
Los tres hermanosDurante a Cúpula América do Sul-Países Ára-
bes, os presidentes do Brasil, da Argentina e daVenezuela anunciaram um acordo de associaçãoentre as empresas petroleiras de cada país.A par-ceria, que tem o nome provisório de Petrosul, reú-ne os três maiores produtores de petróleo do sub-continente, com diferenças abissais entre os
números individuais. Enquanto a Venezuela cons-ta entre os dez maiores produtores e exportadoresde petróleo do mundo, o Brasil acaba de superara dependência externa e a Argentina, apesar deter tido sobra de petróleo nos últimos anos, segu-ramente começará a consumir mais com o aque-cimento da economia.
78
10,63,2
Venezuela Brasil Argentina
Mil
bar
ris/
dia
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
Produção e consumo nos
países do Petrosul (2003)
2.987
526
1.5521.817
793
371
Venezuela Brasil Argentina
Mil
bar
ris/
dia
4.000
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
2003
Evolução da produção de petróleo
Brasil Argentina Venezuela
120
100
80
60
40
20
0
Crescimento das reservas
de petróleo (1993-2004)
97%
42%
20%
Venezuela Argentina Brasil
140
120
100
80
60
40
20
0
Crescimento da produção de petróleo
(1993-2004)
8%14%
125%
85%
12%
3%
Brasil
Argentina
Venezuela
56%
Venezuela
29%
Brasil
15%
Argentina
Participação
na produção
em 2003
(em mil barris por dia)
19%
Venezuela
67%
Brasil
14%
Argentina
Participação
no consumo
em 2003
(em mil barris por dia)
Fontes: Balanço Energético Nacional, Ministério de Minas e Energia; BP Statistical Review of Energy
Fontes: Balanço Energético Nacional, Ministério de Minas e Energia; BP Statistical Review of Energy
Reservas
Produção e consumo
Fontes: Balanço Energético Nacional, Ministério de Minas e Energia; BP Statistical Review of Energy
Fontes: sites das empresas
BRASIL - Petrobras
Receita Operacional (2004) 8.839,4 US$ milhões
Lucro (2004) 6.069,6 US$ milhões
Produção média (2004) 1.492,6 mil barris/dia
Presença internacional Angola, Argentina, Bolívia,Colômbia, Equador, EUA,Peru e Venezuela
VENEZUELA - PDVSA
Receita Operacional (2002) 42.580,0 US$ milhões
Lucro (2002) 2.590,0 US$ milhões
Produção média (2003) 3.250,0 mil barris/dia
Presença internacional Alemanha, Bélgica, Curaçao, EUA, Inglaterra e Suécia
ARGENTINA - Enersa
Empresa criada pelo governo em outubro de 2004.Ainda não apresentou balanços
2.752
3.510
2.987
689
696
890 193
1000
1.552
Brasil, Argentina e Venezuela
possuem 7,99% das reservas provadas de petróleo do mundo
Os países do Oriente Médio
possuem 63,30% das reservas provadas de petróleo do mundo
Brasil, Argentina e Venezuela
respondem por 6,94%da produção mundial de petróleo
Todos os demais países da
América Latina e Caribe somados
respondem por 2,5%da produção mundial de petróleo
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Li com muita satisfação a ma-téria “A união faz a força”assinadapor Claudia Costa. Sou conselhei-ro da Cremendes, cooperativa dotipo luzzatti (aberta) mais antigado Brasil, fundada em 1929, e co-mo entusiasta do tema anexo a es-ta um artigo publicado nos anaisdo Encontro Cooperativista Inter-nacional, realizado em São Leo-poldo/ RS em 2004, no qual sãodescritas a trajetória e os anseiosdessa casa de crédito e espero sir-va para demonstrar a perenidadedessas iniciativas no Brasil.
Saudações cooperativistas,
Márcio R. P. NamiMendes - RJ
Li, na Revista Desafios doDesenvolvimento de maio/05,a excelente matéria intitulada“Educação, escola e aprendiza-gem”, que foca um tema de mi-nha permanente preocupaçãocomo educador.
É exatamente nas três interfacesque compõem o título que mora arazão última do fracasso da edu-cação como sistema e política so-cial no Brasil.
Envio-lhe o livreto anexo, con-tendo conferência que pronuncieino Tribunal da Alçada Criminalde São Paulo, abordando a mes-
ma problemática da reportagemde sua autoria. Cumprimentos àredação.Atenciosamente,
Paulo Nathanel Pereira de Souza
Presidente do Conselho de
Administração do Centro de
Integração Empresa-Escola (Ciee)
São Paulo - SP
O governo (não só o federal,mas também as demais instân-cias) deve adotar o software livre.A redução de custos não é o úni-co argumento: talvez o principalseja o código aberto, permitindoque o comportamento do soft-ware seja auditado, garantindo afundamental transparência quedeve haver em programas de usogovernamental. Porem, a polêmi-ca do software proprietário versussoftware livre não deve enveredarpor caminhos de “funadamenta-lismo tecnológico”, pois isso atra-palha a questão.
Carlos SeabraDiretor de Tecnologia do IPSO -
Instituto de Pesquisas e Projetos
Sociais e Tecnológicos
Sao Paulo - SP
Gostei muito da entrevista como reitor do ITA, Michal Garten-kraut, na edição de maio, espe-cialmente quando ele mostra quedeve ser enfatizado o ensino deportuguês e matemática na edu-cação. Sobretudo porque as notasobtidas pelos alunos no Enemvêm caindo nessas disciplinas.Sem desmerecer a importânciadas outras disciplinas, numa so-ciedade moderna a matemática éfundamental.
Altemar CasadãoManaus - AM
CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r
ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 801 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF
Repr
oduç
ão
70 Desafios • junho de 2005
Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:
www.revistadesafios.org.br
Na edição nº 10 da revistaDesafios do Desenvolvi-mento,o artigo “ A produtivi-dade no Brasil”, escrito porRegis Bonelli, pesquisador as-sociado da diretoria de estudosmacroeconômicos do Insti-tuto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), foi indevida-mente editado e teve seu sen-tido alterado.
As modificações que pre-judicaram o conteúdo do ar-tigo são as seguintes:
• No primeiro parágrafo,onde está escrito “Se for ba-seado exclusivamente no au-mento da quantidade de fa-tores utilizados na produção,será limitado, pois a utilizaçãocrescente reduz a quantidadede fatores e, portanto, o rendi-mento obtido”, deve-se ler“Um processo de crescimen-to baseado exclusivamente noaumento contínuo da quanti-dade de fatores utilizados naprodução, sem ganhos deprodutividade, será limitado alongo prazo, pois o rendimen-to obtido a cada novo aumen-to na quantidade dos fatores édecrescente devido ao seumaior uso.”(Uma referência àlei dos rendimentos decres-centes, ou, mais precisamente,dos rendimentos marginaisdecrescentes).
• No terceiro parágrafo,onde está escrito “No Brasil, adécada de 90 foi um períodode recuperação”, deve-se ler“No Brasil, a década de 1990foi um período de recupera-ção dos ganhos de produtivi-dade.”
• No texto em destaque aolado do artigo, a frase que de-veria constar seria “A estrutu-ra do emprego mudou princi-palmente em favor dos setoresde produtividade baixa – econtra os de produtividade al-ta. Todo o ganho de produ-tividade na década de 90 foidevido ao efeito de aumentoda produtividade dos setores.Por trás desse fenômeno en-contra-se também a crescenteinformalização das atividadeseconômicas, que cumpre re-verter: setores com produtivi-dade mais baixa são precisa-mente aqueles onde se con-centra o trabalho informal”.
Erramos
O texto original do artigo, sem nenhuma alteração, está disponível no site
da Desafios,www.desafios.org.br, na seção de artigos da edição de maio
de 2005. Pedimos desculpas aos leitores e ao autor.
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