Capacitação em mediação. Unidade 1

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Conflitos. Formas de solução de conflitos. Mediação.

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1- Introdução

Sob enfoque sociológico, o Direito é compreendido como um fato social, assim como a linguagem e a religião. Como fato social, tem uma finalidade a atender. A finalidade atendida pelo Direito é a prevenção e repressão dos conflitos sociais, ou seja, a pacificação social.

O homem é um ser gregário por natureza, mas essa agregação, essa co-existência é também marcada pela conflituosidade, igualmente natural à condição humana. É nessa perspectiva interrelacional que a Sociologia destaca a importância do Direito, tratando-o como um mecanismo de controle social, a exemplo do que ocorre com a família, a escola, os usos e costumes, e outros.

A diferença entre o Direito e esses outros mecanismos estaria no maior grau de formalidade e coercibilidade, formalização e coerção atribuídas e concentradas na figura do Estado, detentor do monopólio da Jurisdição. Esse monopólio seria, assim, uma conquista histórica, do poder de organização social e de garantia do Estado Democrático de Direito.

O fato é que esse Estado, no qual se inclui o Judiciário, vive uma grave crise de eficiência e legitimidade. Crise que é impulsionada por fatores variados, dos quais são exemplos a carência estrutural, o alto formalismo e, inegavelmente, o exessivo número de demandas. A consequência é a queixa justificada da sociedade, sobretudo em relação ao alto custo e morosidade da prestação jurisdicional.

Nesse contexto, inevitável que o Judiciário passasse a rever o seu papel e o seu modo de atuação na sociedade. E é então, nesse contexto, que se abriu espaço para a discussão de soluções alternativas, mais céleres, informais e aptas ao atendimento dos anseios dessa sociedade “instantânea”, na qual o tempo é valor imprescindível, sagrado.

É com esse pano de fundo que se fortalece a discussão sobre os meios alternativos de resolução de conflitos, entre eles a mediação, objeto deste curso. Porém, antes de iniciarmos as reflexões sobre a mediação, um dos remédios apresentados para a crise de eficiência do Estado na solução dos conflitos, como referido, necessário entender melhor o seu objeto, o paciente que ela visa cuidar, o conflito.

2- O conflito e suas dimensões.

Compreende-se por conflito o processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses e objetivos percebidos como mutuamente incompatíveis, passível de progredir para uma disputa.

Ocorrendo essa disputa e sendo ela submetida ao Judiciário, esse conflito não é apresentado em sua inteireza, mas de modo parcial, representado pelas meras questões jurídicas tuteladas. Em outras palavras, a lide processual, resultante do cotejo entre petição e inicial e defesa, muitas vezes não retrata os efetivos interesses dos envolvidos, pois omitem as eventuais lides sociológicas e psicológicas.

Não se considera que os processos traduzem problemas de pessoas reais, de carne e osso, com suas mágoas, incompreensões, virtudes e defeitos e que o conflito pode estar muito além daquilo que se encontra estampado nos autos.

O estudo do processo sob a perspectiva psicológica, comunicacional e sociológica evidencia o quanto é cruel a premissa pela qual “o que não está nos autos não está no mundo”

Se imaginarmos um iceberg (metáfora correntemente utilizada para tratar essa questão) a lide jurídica seria a sua parte visível, seu topo, enquanto a lide sociológica (os verdadeiros móveis, razões e interesses), a parte inferior, submersa do iceberg. Essa parte invisível que dá sustentação ao iceberg só detectável via investigação mais aprofundada e menos formal, por métodos não disponíveis no modelo tradicional de jurisdição.

Esses métodos diferenciados são encontrados nos modelos “alternativos” de solução de conflitos, que têm, por isso, maior aptidão para considerar e integrar esses fatores pessoais (relacionamento anterior das partes, seus valores, personalidades, necessidades, emoções e interesses). Esses fatores, em regra tidos por secundários, não raro são o núcleo ou própria razão de ser do conflito. Por consequência, quando não contemplados no procedimento de solução de disputas, é bem provável que se tenha um processo solucionado, mas não o conflito.

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Uma segunda análise, conexa a essa e geralmente negligenciada, é a forma como estamos habituados a ver o conflito: sob uma ótica negativa, como algo indesejável e destrutivo.

Em contraposição, apresenta-se a abordagem transformativa do conflito, a qual reconhece o conflito como uma dinâmica normal e contínua dos relacionamentos humanos e uma oportunidade de aprimoramento dessas relações, é o que se denomina Moderna Teoria do Confito.

Essa concepção, tem por pressuposto a possibilidade de visão conflito como uma oportunidade de mudança e progresso e consequentemente a possibilidade da condução da sua resolução de um modo produtivo. Estudos no campo de resolução de disputas indicam que ao perceber o conflito como um fenômeno negativo, essa percepção se traduz como um contexto de ameaça. Isso desencadeia um recurso psicológico chamado mecanismo de luta ou fuga, caracterizado pela liberação de adrenalina e diversas reações de natureza fisiológica (taquicardia, ruborização etc.), emocional (irritação) e comportamental (elevação de voz, hostilidade).

Nessa circunstância, tende-se a uma análise de culpabilidade recíproca e se estabelece uma relação de competitividade. Lado outro, a abordagem do conflito como fenômeno natural, positivo ou ao menos potencialmente positivo para os integrantes, por soluções integrativas e de possibilidade de ganhos mútuos, desarma esse mecanismo de luta ou fuga e cria condições para o estabelecimento de relação cooperativa de solução.

O estabelecimento de uma relação competitiva ou cooperativa e consequente desenvolvimento de processos destrutivos ou construtivos de resolução de disputas, respectivamente, pode, em boa parte, ser influenciado pelos métodos eleitos pelos envolvidos e pela postura do condutor do processo de resolução, como ocorre na mediação e conciliação, sobre as quais discorreremos à frente.

3- Autocomposição e heterocomposição

Na autocomposição, outra forma de solução direta, o conflito é resolvido pelas partes, sem a intervenção de outros agentes no processo de pacificação da controvérsia. A autocomposição pode ser resultado da renúncia (despojamento unilateral da vontade de uma parte); da aceitação (acolhimento da pretensão de uma parte pela outra), e da transação (concessões recíprocas). As duas primeiras são denominadas autocomposição unilateral e a última, autocomposição bilateral.

Ao lado do sistema autocompositivo de solução dos conflitos, está a heterocomposição, verificada quando o conflito é solucionado através da intervenção de um agente externo à relação conflituosa original. É que, ao invés de isoladamente ajustarem a solução de sua controvérsia, as partes (ou até mesmo uma delas unilateralmente, como ocorre no recurso à jurisdição) submetem à apreciação de um terceiro o conflito, em busca de solução a ser por ele firmada (decisão substitutiva), ou, pelo menos, por ele instigada, favorecida ou formalizada.

Considerados os sujeitos envolvidos e a sistemática operacional do processo utilizado, tem-se as seguintes modalidades heterocompositivas: jurisdição, arbitragem e conciliação. A classificação não é consensual. Parte da doutrina enquadra a conciliação dentre os meios autocompositivos. Porém, em razão do critério eleito (sujeitos envolvidos) entende-se mais adequada a divisão ora adotada. Afinal, na autocomposição apenas os sujeitos originalmente em confronto é que se relacionam na busca da extinção do conflito. Na heterocomposição, todavia, a intervenção é realizada por um agente exterior aos sujeitos originais na dinâmica de solução do conflito, transferindo em maior ou menor grau para esse agente exterior a direção dessa própria dinâmica.

4- Principais meios alternativos de solução de conflitos.

A expressão meios alternativos de resolução de conflitos advém da homônima inglesa “alternative dispute resolution” (ADR), cunhada por Frank Sander, professor da Harvard Law School (1976) e compreende variedade de métodos de resolução de disputas de interesses, distintos e substitutivos do meio jurisdicional.

- Negociação: sistema de autocomposição direta ou bipolar (sem atuação de um terceiro).

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- Arbitragem: meio de resolução de disputas pelo qual os interessados confiam a um terceiro imparcial (uma pessoa ou colegiado) a decisão da controvérsia. Apesar de se desenvolver na esfera privada é a figura que mais se aproxima do modelo jurisdicional, pois é meio heterocompositivo e adjudicatório, resulta em decisão vinculativa.

- Conciliação: processo autocompositivo ou fase de um processo heterocompositivo (caso da conciliação judicial) no qual, em regra, há restrição de tempo e se aplicam algumas técnicas autocompositivas. Diferencia-se, sobretudo, pela atuação ativa e persuasiva do terceiro gestor do procedimento, o qual formula propostas de resolução e que também detém autoridade decisória (natural ou delegada, judicial ou extrajudicial) caso a autocomposição seja infrutífera.

-Mediação: negociação assistida por um terceiro, sem restrição de tempo, cujo procedimento pode envolver a totalidade das técnicas autocompositivas, por meio das quais o mediador atua como um facilitador, criando condições para a construção da solução pelas próprias partes (mediação facilitadora)