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capa Sozinhos e mal pagos FUNCIONALISMO PÚBLICO 21 Cobrança já responde por 15% da receita dos bancos TARIFAS BANCÁRIAS A luta contra a violência do assédio moral DIREITOS DO SERVIDOR “É preciso colocar o trabalho como elemento central da agenda do desenvolvimento” ENTREVISTA/Marcio Pochmann

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capa

Sozinhose mal pagos

FUNCIONALISMOPÚBLICO

21

Cobrança já responde por 15% da receitados bancos

TARIFAS BANCÁRIAS

A luta contraa violência do assédio moral

DIREITOS DO SERVIDOR

“É preciso colocar otrabalho como elementocentral da agendado desenvolvimento”

ENTREVISTA/Marcio Pochmann

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setembro 2007 �

Título para a Carta do Conselho

ca

rta

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co

nselh

o

A revista que chega às suas mãos é demonstração

dos esforços do SINAL para contribuir para o debate

acerca da construção de uma sociedade mais justa,

a partir de um modelo de Estado voltado para o

desenvolvimento, e do papel dos seus servidores

nesse contexto.

Em entrevista à Por Sinal, o economista Marcio

Pochmann, presidente do IPEA, diz que o Estado é

fundamental e que há necessidade de criar “uma nova

maioria política na qual haja convergência em torno

do crescimento econômico” para a redução do fosso

social. Pochmann acrescenta que, segundo pesquisa

da CEPAL, “em 2005, 12% dos servidores públicos

brasileiros estavam abaixo da linha de pobreza. Em

1990, eles chegavam a 20%”.

Esse dado aponta para a inexistência de uma

política de recursos humanos que propicie condições

adequadas à discussão e solução dos problemas que,

embora aflijam todos os servidores, não têm merecido

adequadas respostas dos gestores públicos, como

consta na reportagem “Sozinhos e mal pagos”.

Na relação do servidor com seus superiores, não é

raro depararmos com a figura do assédio moral, que pro-

voca queda na qualidade de vida da vítima e redução no

desempenho, podendo, em casos mais graves, redundar

em afastamento para tratamento médico-psicológico.

Para coibir essa prática nefasta, é útil seguir as dicas

apresentadas na reportagem “A luta contra a violência

do assédio moral”, constante da pág. 18.

Também merece atenção do leitor a matéria sobre

a cobrança das tarifas bancárias, que já cobrem a

folha de pagamento da maioria dos bancos de varejo,

respondendo, em média, por 15% da receita total das

Instituições Financeiras. As iniciativas do Ministério

Público e do Congresso Nacional são conseqüência de

um afrouxamento das normas que permitiu à indústria

bancária inovar nas cobranças. A reação da sociedade

civil se torna natural nessas situações.

Já para os servidores do Banco Central, que ainda

não conseguiram fechar a Campanha Salarial de 2005,

ficam as lições de greve e, segundo o presidente David

Falcão, um convite para a “avaliação das estratégias até

então empregadas nos movimentos reivindicatórios.

Algumas questões terão que ser enfrentadas nos

futuros movimentos, com mais ênfase, de forma a

minimizar os crescentes custos das greves”.

Foi esse, aliás, o aprendizado de Flávio Ramos, o

“Prata da Casa” desta edição. Diante das ameaças da

ditadura, Ramos superou, juntamente com a categoria,

vários obstáculos para a construção do Sindicato dos

Servidores do Banco Central, hoje SINAL.

A Por Sinal aguarda sua colaboração para o apro-

fundamento dos debates propostos! Envie suas críticas

e sugestões ao e-mail [email protected].

Boa leitura!

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Por Sinal

Revista bimestral do Sindicato Nacional dos Funcionários

do Banco Central do Brasil

Conselho Editorial

Alexandre Wehby, Aparecido Francisco de Sales, David Falcão,

Gustavo Diefenthaeler, João Marcus Monteiro,

Luis Carlos Paes de Castro, Orlando Bordallo Junior,

Paulo de Tarso Galarça Calovi e Sérgio da Luz Belsito

Secretária: Sandra de Sousa Leal

SRTVS Quadra 701 - Conjunto L Loja 60 - Térreo

Ed. Assis Chateaubriant – Cep 70.340-906 - Brasília - DF

Telefone: (61) 3322-8208

[email protected]

www.sinal.org.br

Redação

Coordenação geral e edição: Flavia Cavalcanti

(Letra Viva Comunicação)

Reportagem: Rosane de Souza e Idalina Castro

Fotos: Divulgação IPEA (entrevista Marcio Pochmann)

Arte: Maraca Design

llustrações: Claudio Duarte

Fotolito: Madina

Impressão: Ultra Set

Tiragem: 12.000

Permitida a reprodução das matérias, desde que citada a fonte.

O Consellho Editorial não se responsabiliza pelas opiniões expressas nos

artigos assinados.

EXPEDIENTE Ano 5 número 21 Setembro 2007

Belo Horizonte

Mauro Cattabriga de Barros

Curitiba

Ivonil Guimarães Dias de Carvalho

Fortaleza

Ricardo Antonio Meireles Arruda

Porto Alegre

Alexandre Wehby

Recife

Jaqueline Moreira de Souza

de Medeiros

Salvador

Juarez Bourbon Vilaça

Diretoria Executiva

Presidente: David Falcão

(Recife)

Diretor-secretário: Julio César Barros Madeira

(Rio de Janeiro)

Diretora-financeira: Ivonil Guimarães Dias de Carvalho

(Curitiba)

Diretor de Assuntos Jurídicos: Luiz Carlos Alves de Freitas

(Curitiba)

Diretor de Comunicações: Aparecido Francisco de Sales

(São Paulo)

Diretor de Relações Externas: Mário Getúlio Vargas Etelvino

(Belo Horizonte)

Diretor de Estudos Técnicos: Alexandre Wehby

(Porto Alegre)

Diretor de Assuntos Previdenciários: Sérgio da Luz Belsito

(Rio de Janeiro)

Diretor Extraordinário de Relações Intersindicais:

Paulo de Tarso Galarça Calovi (Brasília)

Conselho Nacional

Rio de Janeiro

Jarbas Athayde Guimarães Filho

João Marcus Monteiro

Julio Cesar Barros Madeira

Sérgio da Luz Belsito

Brasília

Paulo de Tarso Galarça Calovi

Auriel Eleutério

Max Meira

São Paulo

Aparecido Francisco de Sales

Daro Marcos Piffer

Valter Borges de Araújo Neto

Belém

José Flávio Silva Corrêa

SINDICATO NACIONAL DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO CENTRAL (SINAL)

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setembro 2007 �

sU

rIo

Página 14

dIreItos do serVIdor

A luta contra a violência do

assédio moral

Página 24

deFesa do consUMIdor

Cobrança de tarifas já

responde por 15% da receita

dos bancos

Página 6

Sozinhos e mal pagos

FUncIonalIsMo PÚBlIco

Página 20

Prata da casa

Na vanguarda do movimento

Página 30

“É preciso colocar o trabalho como elemento central da agenda do desenvolvimento”

entreVIsta Marcio PochMann

Página 12

artIgo MarcoS BorGES DE rESEnDE

PEC 12/2006: ameaça de calote

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apreciado, o Projeto de Emenda à

Constituição de número 129, dos

deputados Maurício Rands (PT-PE)

e Vicentinho (PT-SP), que assegura

a negociação coletiva dos servidores

públicos. No projeto, é expressa a

necessidade de se estabelecer um

novo modelo de relações de trabalho

e de revisões salariais, para melhorar

a qualidade dos serviços oferecidos à

população brasileira.

O Ministério do Planejamento de-

cidiu, em julho, constituir formalmente

um Grupo de Trabalho para elaborar

proposta de regulamentação da ne-

gociação coletiva. Isso é necessário

para adequar a legislação brasileira à

convenção internacional da OIT, após

sua ratificação pelo Senado. O GT, no

entanto, terá outra tarefa: regulamen-

tar, como moeda de troca, o exercício

do direito de greve, o que, para alguns

parlamentares, como o deputado fe-

deral pelo PSOL Ivan Valente, objetiva

fragilizar o movimento grevista dos

servidores. Valente está convicto de

que o governo resolveu jogar duro com

os funcionários.

ROSANE DE SOUzA

Mais de 35 greves no Brasil, só

no mês de agosto, que paralisaram

cerca de 150 mil servidores públi-

cos, acenderam o alerta vermelho

no governo federal que, finalmente,

decidiu encaminhar ao Senado, ainda

em setembro, proposta de ratificação

da Convenção 151, da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), que

recomenda expressamente a adoção

do mecanismo de negociação coletiva

dos funcionários públicos.

Desde 2003, o governo vem prote-

lando essa decisão, com o argumento

de que a ratificação aumentará os

vencimentos do funcionalismo e, em

conseqüência, as despesas públicas.

Por isso, desde aquele ano, tramita

na Câmara dos Deputados, sem ser

FU

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na

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o Sozinhos... e mal pagos

Com medo de novas greves, governo agora tem pressa em regulamentar negoCiação Coletiva dos servidores

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setembro 2007 7

Sozinhos... e mal pagos

Os indícios dessa decisão, na opi-

nião do parlamentar, estão na forma

com que negociou a volta ao trabalho

depois das greves de agosto. “Dessa

vez, não houve negociação dos dias

parados. O governo decidiu cortar o

ponto e fazer descontos nos salários.

Pelo menos, essa tem sido a posição

do Ministério do Planejamento e do

próprio presidente Lula.” Os funcio-

nários do Banco Central sentiram

o efeito dessa decisão: o governo

descontou os sete dias parados pela

greve nos meses de março e abril. “O

governo reverteu a decisão de des-

contar os dias de greve dos servidores

do Ibama, da Cultura e do pessoal ad-

ministrativo das universidades repre-

sentados pela Fasubra, remetendo a

discussão para a mesa de negociação.

No BC, o desconto foi mantido, o que

terá conseqüências. Essa duplicidade

de tratamento mostra que o governo

não tem critérios para a questão ou,

o que é pior, discrimina categorias,

como é o caso dos servidores do

BC”, diz David Falcão, presidente do

Sinal Nacional.

Queda-de-braço

Agora, o governo federal demons-

tra pressa em estabelecer as regras da

negociação coletiva e aprovar uma lei

de greve específica para os servidores.

Vladimir Nepomuceno, diretor do De-

partamento de Relações do Trabalho

do Ministério do Planejamento, diz que

o prazo para regulamentar a Conven-

ção 151, da OIT, é de um ano, após

sua ratificação pelo Senado Federal.

“Mas não vamos esperar um ano.

Queremos enviar um projeto de lei

regulamentando tanto a negociação

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��

coletiva quanto o exercício do direito

de greve, ainda em outubro, logo após

a elaboração da proposta de legislação

pelo Grupo de Trabalho.”

Mas o próprio GT já sofreu dissi-

dências, antes mesmo de começar o

trabalho. De acordo com o presidente do

Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais

da Receita Federal (Unafisco), Pedro

Delarue, algumas entidades exigiram

do governo federal a retirada do PL 01

– que limita em 1,5% mais o IPCA o

total dos gastos com pessoal – e, diante

da negativa, várias abandonaram o GT,

antes mesmo de o ministro Paulo Ber-

nardo acenar com a ampliação do teto

para 2%. Segundo Delarue, o governo

também estaria disposto a negociar uma

nova fórmula para estabelecer esse teto,

que poderia combinar crescimento do

PIB com o aumento vegetativo da folha

de pagamento. O diretor de Defesa

Profissional da mesma entidade, Rafael

Pillar, enumerou algumas que aban-

donaram as fileiras da negociação: a

Associação Nacional das Instituições de

Ensino Superior (Andes), a Associação

dos Servidores do IBGE (ASSIBGE) e o

Sindicato Nacional dos Servidores Fede-

rais da Educação Básica (Sinasefe).

Embora reconheça que há con-

tradição em sentar para negociar um

claro conflito de interesses com uma

espada pesando na cabeça – o PL 01

e as limitações do direito de greve –,

Pillar confia, no entanto, que as novas

regras de negociação coletiva sejam

aprovadas antes e que, pelo menos, as

entidades saiam da Mesa de Negociação

com duas outras vitórias: a aprovação

de projeto de lei liberando servidores

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) afirma que existe uma enxurrada de pro-

jetos que tratam da estruturação do Estado brasileiro. De concreto mesmo, porém,

o que houve foi a tentativa de incorporar os trabalhadores terceirizados ao serviço

público – com a aprovação da PEC 54 – e aos projetos de regulamentação do exercício

de greve e da Fundação Estatal, através da qual novamente se procura uma brecha

para a contratação de funcionários públicos sem concurso e regidos pela CLT, e não

mais pelo Regime Jurídico Único (RJU). “Isso é um contra-senso. O que se espera

é uma proposta de modernização do Estado e o avanço nas diretrizes de um Plano

de Carreira, para reduzir a anarquia institucionalizada”, diz a deputada.

A parlamentar acredita que o governo só vai ser célere na busca da aprovação

do projeto de organização da Fundação Estatal, defendida pelos ministros do Pla-

nejamento e da Saúde, Paulo Bernardo e José Gomes Temporão, respectivamente,

no qual enxerga “o mesmo DNA” das Organizações Sociais defendidas, no passado,

pelo ex-ministro Bresser Pereira. “A única diferença é o controle público e a pos-

sibilidade de migrar, levando as vantagens”, afirma. O ministro do Planejamento,

Paulo Bernardo, defende o projeto, que tem como meta, segundo ele, permitir a

contratação de funcionários por salários de mercado em moldes semelhantes aos

Fundação Estatal: proposta po lêmica

“O Estado brasileiro precisa ser profissional. Precisa manter uma

burocracia qualificada e um corpo de funcionários de alto nível

e com uma enorme auto-estima. Não há Estado que sobreviva à

troca de 25 mil cargos, cada vez que muda o governo.”

César BENjamiN, economista e editor da Contraponto

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setembro 2007 �

públicos do trabalho durante o mandato

sindical e a criação do Sistema Nacional

de Negociação Permanente. “Optamos

por tentar melhorar por dentro. Quem

está de fora não vai saber as maldades

que vêm por aí. Nossa estratégia é fazer

com que as novas bases de negociação

coletiva saiam antes e tentar influenciar

positivamente a Lei de Greve.”

É proibido proibir

Das centrais sindicais, apenas a

CUT tem representantes no GT do

Ministério do Planejamento. O depu-

tado Vicentinho, vinculado à Central,

assinala que todo o seu esforço está

concentrado, hoje, em agilizar a apro-

vação da PEC 129, que garante a ne-

gociação coletiva. “Ela já foi aprovada

em todas as comissões”, enfatiza.

Não é a opinião do deputado federal

(PDT-SP) e presidente da Força Sindical,

Paulo Pereira da Silva, que manifestou

preocupação com os rumos da nego-

ciação. “A impressão que temos é de

que o governo não quer dar nada e,

ainda por cima, quer impedir a luta e

a greve.” De acordo com Paulinho, no

primeiro mandato de Lula, as centrais

sindicais se uniram para negociar a regu-

lamentação do direito de greve, mas não

houve acordo. “A primeira conversa foi

a de proibir as greves. Nós retrucamos:

Proibir, não. Nem a ditadura conseguiu

isso”, afirmou. Agora, de acordo com o

deputado, o governo voltou a chamar as

centrais sindicais para discutir, mas tudo

ficou na base da “conversa fiada”.

Paulinho justifica a sua desconfian-

ça com os rumos de qualquer negocia-

ção sobre uma nova lei de greve para o

funcionalismo público com um governo

que chama os servidores de “crimino-

sos e baderneiros”. “Nós concordamos

que a greve dos médicos do Nordeste,

por exemplo, foi um exagero, mas tam-

bém constatamos que eles ganham

pouco e são muito maltratados.”

Estado raquítico

Diversos especialistas concordam

que o acirramento dos ânimos entre

servidores públicos e governo federal

começou quando o Estado brasileiro

passou a ser literalmente desmontado,

no início do governo Collor. Ao tomar

posse na presidência do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),

o economista gaúcho Márcio Poch-

mann criticou, de saída, a falta de

investimentos para equipar a máquina

pública. “Temos um Estado raquítico”,

sentenciou. Segundo ele, os funcioná-

rios públicos representam 8% dos tra-

balhadores brasileiros. “Em 1980, eram

12%. Nos países desenvolvidos, varia

de 18%, nos Estados Unidos, a 40%,

nas nações escandinavas.” Márcio tam-

bém lembrou que falta gente até para

gerenciar o Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC): “Este é um país em

construção. Precisamos de gente para

lidar com o desenvolvimento. Trata-se,

aqui, de uma reforma do Estado.” Para

o novo presidente do Ipea, faltam quan-

tidade e qualidade no funcionalismo

público brasileiro.

Fundação Estatal: proposta po lêmicaque ocorrem na Caixa Econômica Federal e no BNDES. Nesses dois bancos, os

funcionários são contratados por concurso, mas regidos pela CLT. “Dessa forma, po-

dem ser demitidos, caso não correspondam ao trabalho”, argumenta. Diz ainda que

a Fundação, que deverá ser criada por lei ordinária, será contratada por ministérios

para prestação de serviços. Cada ministério fará suas contratações independentes.

Para os contratados, serão definidos parâmetros de desempenho, que terão de

ser alcançados. Com isso, a Fundação receberá mais recursos.

Alice Portugal alerta para o perigoso precedente e explica que esses fun-

cionários não serão admitidos por concursos, mas por seleção pública, o que é

muito diferente. “Eles não vão ter carreira, nem perspectiva de crescimento.” A

deputada lamenta também que só agora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha

se manifestado para suspender a vigência do artigo 39, da Constituição Federal,

em sua redação dada pela Emenda Constitucional 19/1998, através da qual se

eliminou a exigência do RJU e planos de carreira para servidores da administra-

ção pública federal, das autarquias e das fundações públicas. “Por conta disso,

grande parte dos hospitais do interior do país ficou entregue à própria sorte, e

foi um desastre”, declara.

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1010

César Benjamin, economista e editor

da Contraponto, vai um pouco mais além.

“O Estado brasileiro precisa ser profissio-

nal. É preciso manter uma burocracia alta-

mente qualificada e um corpo de funcio-

nários de alto nível e com uma enorme

auto-estima.” Segundo Benjamin, não

há Estado que sobreviva, por exemplo, à

troca de 20mil a 25 mil cargos, cada vez

que muda o governo.

O professor de Economia da Uni-

versidade de São Paulo (USP) Ladislau

Dowbor garante que o próprio Fundo

Monetário Internacional (FMI) aconselha

aos países em desenvolvimento que

mantenham os gastos com o funcio-

nalismo em 25% do Produto Interno

Bruto (PIB). Já nos países desenvolvidos,

as despesas devem dobrar. “Na Suécia,

os gastos atingem 66% do PIB.” No

Brasil as despesas chegam a 36% e

37% do PIB, mas segundo o professor,

mesmo sendo maiores do que as su-

geridas pelo FMI, ainda são pequenas,

em se tratando de um país com uma

população imensa e cujo perfil mudou

radicalmente nas últimas décadas.

“Na década de 1950, dois terços da

população brasileira era rural. Hoje, é

o contrário.” Portanto, o Estado tem de

estar mais perto, para garantir segurança,

educação, saneamento básico e saúde

e, mais do que os serviços, o controle

da população sobre eles.”

O professor alerta, ainda, que as

mudanças na economia alteraram

também a composição intersetorial

das atividades, o que reforça a tese da

necessidade do crescimento do Esta-

do. “Tradicionalmente, achamos que

atividade econômica é basicamente

industrial. Hoje, saúde é o principal se-

tor econômico nos EUA, representando

15% do PIB. A grande expansão de em-

pregos na indústria de entretenimento

e na área de segurança pública mostra

que o Estado precisa ser moderno,

descentralizado e transparente.”

O conselho do FMI, porém, parece

não sensibilizar os velhos defensores

do Estado Mínimo brasileiro, que insis-

tem em criticar qualquer proposta do

governo que acene com um aumento

dos gastos públicos, especialmente dos

gastos com pessoal. É o que aconteceu

agora, com o anúncio da proposta

orçamentária da União para 2008, que

prevê a contratação, por concurso, de até

56.348 novos funcionários nos três po-

deres e no Ministério Público. A reação

foi imediata, com enxurradas de críticas

“ao inchaço da máquina pública”. Desta

vez, do total autorizado para os três po-

deres, pouco mais da metade são cargos

novos. O restante é para a reposição de

servidores aposentados e demitidos e

troca de terceirizados por concursados,

conforme determinação do Tribunal de

Contas da União (TCU).

“O próprio Fmi aconselha aos países em desenvolvimento que

mantenham os gastos com o funcionalismo em 25% do PiB. já

nos países desenvolvidos, as despesas devem dobrar.”

LadisLau dOwBOr, professor de Economia da usP

O tamanhO dO EstadO

Percentual do emprego público em relação à força de trabalho empregada

*Censo de 2000. Fonte: Márcio Pochmann

EUa 18%

Espanha e Portugal 20%

Europa (média) 25%

Escandinávia 40%

Brasil 8,5%

França 27%

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setembro 2007 11

A cada ano, as diversas categorias de servidores públicos

federais se vêm na contingência de recorrer ao recurso extre-

mo das greves para se fazerem ouvidas pelo poder público

em suas reivindicações. Isso reflete, em parte, a ausência

de uma política salarial do governo para o servidor.

Nos últimos sete anos, essas greves têm se caracterizado

pelo crescimento da adesão das bases e pelo aumento da

duração das paralisações, resultando em uma verdadeira

guerra de desgastes para todas as partes envolvidas no litígio:

servidores, governo e usuários dos serviços interrompidos.

As reivindicações principais se resumem na busca de

planos de carreira que reflitam os anseios de valorização

profissional, na luta por reajustes que reponham o poder de

compra dos salários, no realinhamento de vencimentos que

estabeleçam a isonomia com carreiras similares e, por mais

incrível que pareça, pelo cumprimento de compromissos

assumidos pelo governo com os seus servidores.

Nas duas últimas campanhas salariais no BC, vivencia-

mos todos essas situações. A sociedade, os servidores e o

serviço público poderiam ser poupados desse sacrifício se

houvesse, por parte do governo, um mínimo de racionali-

dade na condução das negociações com os trabalhadores

do setor público. Levar mais a sério as negociações, cum-

prir compromissos assumidos e ampliar o diálogo com os

sindicatos evitaria muitas greves.

Infelizmente, a experiência tem mostrado que só a

força da greve faz o governo negociar com objetividade.

Entretanto, alguns parâmetros ajudariam, em muito, a

reduzir as tensões trabalhistas no setor público. Entre eles,

enumeramos:

■ A adoção de uma clara política voltada à valorização pro-

fissional das carreiras de servidores públicos;

■ O estabelecimento de um padrão objetivo de equiva-

lência entre carreiras, de forma a permitir o tratamento

isonômico entre categorias de órgãos distintos, conside-

Sinal: lições da greverando os níveis de exigência de cada cargo, remuneração,

condições e responsabilidades na execução das atividades

próprias do órgão;

■ A previsibilidade nas políticas de alocação de recursos

para a área de pessoal, considerando a renovação e repo-

sição de quadros e a necessidade de reforços de atividades

específicas decorrentes da ação do estado;

■ O restabelecimento da confiança no cumprimento de

acordos firmados com os entes de representação dos

servidores.

De outro lado, da parte dos sindicatos, cabe uma reava-

liação das estratégias até então empregadas nos movimentos

reivindicatórios. Algumas questões terão que ser enfrentadas

nos futuros movimentos, com mais ênfase, de forma a mini-

mizar os crescentes custos das greves, entre eles:

l Buscar uma participação mais engajada da direção do ór-

gão, cabendo-lhe fazer a “construção por dentro” da solução

de potenciais conflitos de natureza reivindicatória;

l Desenvolver argumentos com bases técnicas mais só-

lidas;

l Agregar, quando inevitável, os recursos às paralisações,

elementos de “inteligência” e de seletividade;

l No caso do BC, em qualquer tempo, “resolver” o crônico

problema da multiplicidade sindical, dentro de parâmetros

que assegurem a legitimidade e a proporcionalidade de

representação dos respectivos entes.

Algumas dessas idéias estão sendo discutidas dentro

do Sinal e demandam uma maior participação da categoria

como um todo, visto que passam pela revisão da estrutura

e do papel do Sindicato. Você também pode contribuir

com essa discussão através do nosso blog no endereço

http://blog.sinal.org.br/ ou pelo e-mail [email protected].

David Falcão

Presidente do Sinal Nacional

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mArcoS LuíS borgeS de reSende*

ar

tIg

o

PEC 12/2006

Ameaça de calote no cumprimento das decisões judiciais

O problema do não-pagamento de precatórios judiciais por

parte da maioria dos estados, e também de muitos municí-

pios, pode criar uma situação de desobediência generalizada

às decisões do Poder Judiciário, com grave prejuízo à ordem

jurídica e aos direitos do cidadão.

Precatórios são requisições de pagamento enviadas pelos

presidentes dos Tribunais toda vez que a Fazenda Pública, in-

cluindo a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios,

bem como suas autarquias e fundações públicas, é condenada,

em decisão definitiva, pelo Poder Judiciário, a pagar algum valor

a quem de direito.

Como os bens públicos são impenhoráveis, para mora-

lizar os pagamentos devidos pelo erário em decorrência de

decisões definitivas da Justiça, foi criada, na Constituição de

1934, a modalidade de execução mediante precatório, quando

o presidente do Tribunal solicita ao administrador público que

faça incluir no orçamento do ano seguinte a previsão da verba

destinada ao cumprimento do julgado.

Segundo a regra, que se encontra presente na atual Cons-

tituição, no artigo 100, os pagamentos devidos pela Fazenda

Pública em decorrência de decisões judiciais serão pagos na

estrita ordem cronológica de apresentação, observando-se que

todos os precatórios apresentados entre 2 de julho de um ano e

1º de julho do ano seguinte deverão ser incluídos no orçamento

do ano subseqüente. Assim, enquanto o particular tem que pagar

de imediato suas dívidas, sob pena de penhora de seus bens, o

ente público dispõe de um prazo que varia entre 18 e 30 meses

para satisfazer os débitos reconhecidos pela Justiça, após trânsito

em julgado dos processos de conhecimento e de execução.

Ocorre, entretanto, que, desde o início do Plano Real e, em

alguns casos, desde antes, estados e municípios têm deixado

de dar cumprimento às decisões judiciais, pelo não pagamento

dos precatórios, sem que nada seja feito.

O Supremo Tribunal Federal, que dá a última palavra sobre a

interpretação do texto constitucional, decidiu que o juiz da exe-

cução somente pode expedir a ordem de seqüestro do dinheiro

que se encontra nas contas dos entes públicos devedores na

hipótese de quebra da ordem cronológica de apresentação. Isto

criou uma situação em que estados e municípios, apesar de in-

cluírem a previsão no orçamento, como determina a Constituição,

destinam pouquíssimos recursos para a satisfação destes créditos,

fazendo com que a fila de pagamentos ande muito lentamente. O

Distrito Federal, em 2007, está pagando os precatórios que foram

expedidos em 1994, com 13 anos de atraso, portanto. São Paulo

ainda está pagando precatórios expedidos em 1998. Há estados,

como Espírito Santo e Goiás, que têm atraso superior a 20 anos

no pagamento dos precatórios.

Tal situação é desmoralizante para o Poder Judiciário, sendo que

o juiz da execução, hoje, nada pode fazer diante desses lamentáveis

atrasos, porque se encontra completamente desarmado para fazer

valer a decisão judicial contra o ente público. As outras medidas

coercitivas, além do seqüestro das verbas públicas – que, como

dito, o Supremo somente autoriza se houver inversão da ordem de

apresentação –, seriam a intervenção federal e o processo contra

o governante por crime de responsabilidade. Relativamente aos

pedidos de intervenção federal previstos no artigo 34, da Consti-

tuição, revelam-se em tentativas inócuas, porque a Suprema Corte

simplesmente indefere o pedido. Quanto ao crime de responsabili-

dade, a lei prevê que os governadores são julgados, nesses casos,

pelas Assembléias Legislativas, nas quais os mesmos dispõem de

ampla maioria costurada através de acordos políticos.

Assim, passados tantos anos com enorme atraso no cum-

primento das decisões judiciais mediante o não-pagamento

dos precatórios, a dívida acumulada dos estados e municípios

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cresceu como uma bola de neve, ultrapassando hoje a casa

dos R$ 60 bilhões.

Para tentar resolver o problema, o então ministro presidente

do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, encaminhou texto

que foi subscrito pelo presidente do Senado, Renan Calheiros,

transformado na PEC 12/2006, que se encontra em tramitação

no Senado Federal.

A proposta apresentada, longe de resolver o problema do não-

pagamento dos precatórios, inclusive de servidores, aposentados e

pensionistas, contém embutida a tentativa de calote aos credores

por parte do Poder Público. E, o que é pior, a União, as fundações

e as autarquias federais, como é o caso do Banco Central do Brasil,

que se encontram com o pagamento dos seus precatórios em

dia, estão sendo incluídas no sistema proposto, podendo tornar-se

inadimplentes e se sujeitarem ao mesmo regime.

A PEC 12/2006 propõe o fim da ordem preferencial dos

créditos alimentícios, os que decorrem de salários, vencimen-

tos, proventos e pensões, como também a extinção da ordem

cronológica de apresentação dos precatórios, criada em 1934

para moralização dos pagamentos devidos pelo Erário. Em

substituição, prevê a instituição dos leilões de deságio entre

os credores, com o objetivo de estabelecer uma espécie de

competição entre estes, a fim de que ocorra a diminuição da

dívida. A proposta prevê que os entes públicos destinariam

determinados recursos para o pagamento dos precatórios,

sendo que 70% dos mesmos seriam disponibilizados para os

leilões periódicos, através dos quais receberiam os credores

que dessem maiores descontos. Quanto aos 30% dos recur-

sos, seriam destinados a uma outra fila, não estabelecida por

ordem cronológica, mas por ordem de valor. Nesse caso, os

precatórios de maior valor nunca seriam pagos.

Entendemos que a PEC, tal como apresentada, além de

inconstitucional, por ferir cláusulas pétreas do texto da Consti-

tuição, é imoral. Enquanto o particular que não paga o imposto

de seu veículo pode tê-lo apreendido na primeira esquina, o

Estado, quando deve ao cidadão, além de ter um prazo bas-

tante elástico, não cumpre o que decidido pela Justiça e, agora,

propõe-se que o credor tenha que se submeter a leilões de

deságio para poder receber parte de seu crédito.(*) Advogado, mestre em Direito, presidente da Comissão de Precató-

rios da OAB-DF e integrante da Comissão de Precatórios da OAB Federal

Centenas de milhares de servidores, aposentados e pen-

sionistas aguardam indefinidamente pelo recebimento de

seus direitos já reconhecidos definitivamente pela Justiça, e

muitos morrem sem receber. Veja-se o caso das velhinhas do

Rio Grande do Sul, que tricotavam enquanto aguardavam o

pagamento dos precatórios. Com mais de 200 metros de tricô

pronto, elas morreram no desastre de avião em Congonhas,

quando iam para São Paulo participar de um ato em defesa do

cumprimento das decisões judiciais. São mártires do descaso

do Estado para com o cidadão.

A Ordem dos Advogados do Brasil tem tentado interferir na

tramitação da PEC 12/2006 junto ao relator, senador Valdir Raupp,

apresentando proposta que consiste em substituir os leilões pela

conciliação judicial, preservando a fila dos créditos comuns e dos

alimentícios, bem como a preferência destes em relação aos

primeiros. Também se propõe a possibilidade de os estados que

devem à União poderem deduzir dos juros da dívida parte dos

valores que pagarem para a quitação de precatórios.

É preciso que o presidente da República e os integrantes

do Congresso Nacional percebam que escrever na Constitui-

ção brasileira que os credores do Poder Público, após decisão

definitiva da Justiça reconhecendo e quantificando o crédito,

tenham de se submeter a leilões de deságio para receber o

que lhes é devido, pode prejudicar significativamente a imagem

do país junto aos organismos internacionais.

No momento em que o Brasil luta para conquistar a posição

de investment grade junto às entidades que avaliam a segurança

de investimentos para investidores internacionais, seria de todo

temerário aprovar a PEC 12/2006, tal como foi proposta. A

União Federal, que se encontra com seus pagamentos judiciais

absolutamente em dia, seria a grande prejudicada, diante do

prejuízo à imagem externa do Brasil, pela adoção de uma política

que somente interessa a estados e municípios inadimplentes.

Espera-se que o bom senso prevaleça e que a ordem jurídica

seja restabelecida com a adoção de medidas que não importem

em calote aos créditos reconhecidos pelo Poder Judiciário.

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Aparentemente novo, o tema é tão

antigo quanto o trabalho, embora so-

mente nos últimos anos tenha come-

çado a ser discutido como um grande

causador de danos à saúde física e

mental das pessoas. Estamos falando

do assédio moral, um vilão invisível

para a sociedade, que se agiganta nas

relações de trabalho de maneira cruel

e desumana, podendo levar muitos

trabalhadores, do setor privado e do

serviço público, à degradação moral e

perda da dignidade.

Mas, af inal, o que é assédio

moral? O termo não se encontra em

dicionários, mas pode ser entendido

através de características e situações,

tais como: desdenho de chefe a

funcionário; imposição de tarefas

excessivas; omissão de informações

importantes para o desenvolvimen-

to do trabalho; chacotas públicas;

humilhações. O assédio moral se

identifica como o uso de valores

culturais, sexuais, ou ações que fragi-

lizem o trabalhador, para humilhá-lo

ou atingir sua dignidade.

Segundo dados da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), as

mulheres são as maiores vítimas e

respondem por 70% dos casos. A

maioria dos assediados moralmente

tem entre 45 e 55 anos de idade. A

pesquisa informa também que 8%

dos trabalhadores sofrem esse tipo

de violência do trabalho, sendo que

o mais praticado é o de chefe para

subordinado (verticalizado). Mas existe

o assédio entre pares, motivado por

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O primeiro caso de assédio mo-

ral registrado no Brasil na Justiça do

Trabalho foi o de Júlio César Ausani.

Tendo já sido vítima desse ato, o advo-

gado falou da gravidade do problema,

ao explicar que “os sinais exteriores do

assédio moral nem sequer chegam

próximos aos danos que ficam mar-

cados na alma da pessoa assediada”.

Ausani explicou que, normalmente, o

assediado é visto por alguém como

uma ameaça. “Quando o chefe não é

um líder, mas alguém imposto, mes-

mo sendo o chefe, quando alguém se

destaca por trabalho e idéias, passa a

ser uma sombra para ele”, disse, refor-

çando o tipo mais comum de assédio

moral: o de superiores hierárquicos

para subordinados.

Na esfera pública federal, a prática

vem atingindo dimensões assustado-

ras. Números da Secretaria de Recur-

sos Humanos de Seguridade Social

do Minis tér io

do Planejamen-

to dão conta da

g rav idade do

problema para

a sociedade e o Estado, embora os

especialistas alertem que o maior

perdedor é, sem dúvida, o trabalha-

dor. Uma perda não justificada, pois

a qualidade de vida no trabalho é

garantida pela própria Constituição

Federal, em seu artigo 200, segundo

ressaltou Júlio César. Ele citou ainda o

artigo 196, que garante a saúde como

um direito de todos.

De acordo com Luiz Rober to

Pires Domingues, um levantamen-

to realizado pela Coordenação de

A luta contra a violência do assédio moralgoverno estuda regulamentação para Coibir abusos nas relações de trabalho dentro da administração federal

problemas de questão de competiti-

vidade (horizontal) e, nos casos mais

raros, de baixo para cima, de funcio-

nário para chefe.

Sinal estimula debate

Preocupado com o crescimento

dessa prática entre os servidores

públicos, o Sindicato Nacional dos

Funcionários do Banco Central (Sinal)

promoveu, no dia 13 de agosto, em

Brasília, o seminário “Assédio Moral

– Aspectos Jurídicos, Aspecto Emo-

cional e Regulamentação no Serviço

Público”, para o qual convidou a médi-

ca e doutora em Psicologia Social pela

PUC-SP Margarida Barreto, primeira

pessoa a estudar cientificamente o

fenômeno no Brasil, o advogado Júlio

César Ausani e o ex-coordenador de

Seguridade Social e Benefícios do

Servidor Público, Luiz Roberto Pires

Domingues (o seminário está à dis-

posição do público na página do Sinal,

no endereço http://www.sinal.org.

br/destaques/pcs-tv.asp).

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Seguridade Social e Benefícios do

Servidor Público, em 2004, aponta

que 33% dos servidores públicos

federais relataram casos de assédio

moral, principalmente por desquali-

ficação profissional. “É aquela velha

história, muda-se o gestor, muda-se a

faxineira”, exemplificou. “Cultura ain-

da inerente às relações de trabalho,

quando se fala do serviço público de

qualquer nível.”

O setor privado sofreu uma grande

reestruturação na esfera das em-

presas, da década de 1970 para cá.

Sendo que esse comportamento de

políticas competitivas entre pares e

sobrecargas de trabalho, por causa das

reduções no quadro de funcionários,

propiciou o agravamento do assédio

moral. São as chamadas gestões da

crueldade, desenvolvidas por muitas

organizações que adotam políticas de

competitividade e mantêm quadros

reduzidos de funcionários que, qua-

se sempre, precisam desempenhar

múltiplas funções.

Luiz Rober to entende que o

Estado brasileiro, ao contrário, ainda

tem a mesma estrutura mecanicista

da década de 1940: “Essas estruturas

engessadas têm de ser consideradas

como situação preponderante nas

relações de assédios presentes. Re-

força-se essa situação nas relações de

poder que ali estão.”

O custo é alto

Do universo de 33% que declara-

ram sofrer assédio moral, de acordo

com Luiz Roberto, 12% dos afasta-

mentos do serviço público federal são

Uma lei para punir os agressores

Apesar de alguns tribunais já terem julgado casos de violência no

trabalho em alguns estados, inclusive no Distrito Federal, o assédio moral

ainda não tem pena punitiva, por falta de legislação específica.

Para Luiz Roberto Pires, a construção da regulamentação do serviço

público é muito frágil, não tem conceituação de assédio moral e de vio-

lência no trabalho. “Essa falta de conceituação permite interpretações e

abusos de ambas as partes. Cerca de 70% das denúncias de assédio moral

que chegam à Coordenação, ao serem investigadas, se revertem contra

o denunciante”, explica.

Isso só se resolverá, segundo ele, com uma política de valorização do

servidor público: “O governo federal reconheceu a questão do assédio

moral e da violência no trabalho como um problema de administração

pública, em 2006, ao publicar o Decreto 5.961, em que o Estado dá ga-

rantias ao servidor na sua saúde, inclusive física e mental.”

Esse problema, conjugado com o interesse em modernizar toda a

legislação de seguridade social do servidor, foi incluído numa proposição

de regulamentação da matéria, que ficou à disposição dos servidores

públicos, para consulta, de maio de 2005 a dezembro do ano passado.

A minuta final está pronta e dispõe sobre a violência contra o servidor

público, incluindo o assédio moral e a discriminação.

Mas a proposição, que contém sugestões das entidades sindicais e dos

servidores, está sendo analisada juridicamente. As intervenções, segundo

o coordenador, deixaram visível a falta de nivelamento conceitual. Por isso,

o Ministério do Planejamento pretende realizar um seminário, ainda neste

semestre, com a participação das entidades sindicais e os dirigentes da

área de Recursos Humanos, para que seja construída uma proposta final

de regulamentação da matéria, que será enviada à Casa Civil até o início

de 2008.

“O Estado brasileiro tem de atuar no princípio da legalidade. O primei-

ro passo é a regulamentação da matéria e o segundo, instrumentalizar

o Estado”, diz Luiz Roberto Pires. Mas o ex-coordenador entende que o

primeiro passo já foi dado. “Na regulamentação da Portaria 1.675, o secre-

tário de Recursos Humanos criou a comunicação de acidente em serviço

e reconheceu o assédio moral como equivalente a um agravo passional.

A gente só precisa finalizar”, argumentou.

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os novos companheiros”, explicou a

psicóloga, acrescentando que a por-

ta de saída para o problema desse

servidor pode ser o suicídio. Quando

não chega a esse extremo, ele adquire

chagas profundas na alma a ponto de

deixá-lo dependente de calmantes

para o resto da vida.

O trabalhador vem perdendo, cada

vez mais, sua força política, segundo

Margarida Barreto. “São poucos os tra-

balhadores organizados em sindicatos,

lutando, resistindo, formando, agindo.

Até porque, hoje, muitas empresas

ainda discriminam dirigentes sindi-

cais e passam listas para identificar

quem participa de sindicatos.” Para

por transtornos mentais. O consumo

de álcool e de drogas é alarmante: se

separado por gênero, 16% dos casos

são de homens e 12% de mulheres.

Os homens consomem basicamente

álcool e as mulheres, drogas de todos

os tipos. “Essa situação conduz a um

elevado índice de aposentadorias por

invalidez, ou seja, 28% do total de

aposentadorias no serviço público

federal”, informou.

“Que transtorno mental é esse?

Onde isso está inserido?”, questionou

o ex-coordenador. Segundo ele, havia

uma lógica por trás da permissão, da

manutenção e perenização desse

processo de afastamento do servidor

público, em função da insuficiência

das relações de trabalho. “O assédio

moral, a violência do trabalho, era o

instrumento forte de manutenção

dessa política”, assegurou.

E quem perde com tudo isso? Para

Luiz Roberto, todos nós perdemos.

O Estado perde cerca de R$ 520

milhões, anualmente, com gastos

adicionais na folha de pessoal. Esses

recursos seriam suficientes para mais

do que dobrar o auxílio-alimentação

dos servidores e financiar o benefício

de auxílio-saúde para todo o serviço

público federal. “Isso representa um

terço de todo o custeio das universida-

des públicas do país”, ponderou.

Jornada de humilhações

Margarida Barreto, responsável

por trazer o tema à baila, com a di-

vulgação da pesquisa de sua tese de

mestrado “Uma jornada de humilha-

ções”, disse que o assédio moral nas

empresas públicas tem característica

diferente das empresas privadas. “A

empresa privada é ágil. Ela demite

o assediado. A situação de assédio

dura em média um ano. Na empresa

pública, o processo é mais longo. Há

estabilidade, e a entrada do servidor,

muitas vezes, é por braço amigo.

Essa situação perdura de dois a seis

anos”, frisou.

A humilhação pode se prolongar

até mesmo quando o servidor é

transferido de um setor para outro.

“Em muitos casos, ele chega com o

estigma de péssimo trabalhador e en-

crenqueiro e problemático. Na maioria

das vezes, o processo continua com

As maiores vítimas A pesquisa “Assédio Moral no Trabalho: Impactos sobre a Saúde dos

Bancários e sua Relação com Gênero e Raça”, coordenada pelo Sindicato

dos Bancários de Pernambuco e apresentada em julho do ano passado,

aponta que cerca de 40% dos bancários do país são vítimas de assédio

moral no trabalho. Para o estudo, foram ouvidos 2.609 profissionais de

28 diferentes bancos, sendo 48,14% públicos e 51,86% privados. Os

resultados são claros: é a categoria que mais sofre esse tipo de violência

do trabalho.

A pesquisa se debruçou exatamente sobre as características dos agres-

sores, os tipos de situações a que eram submetidos, atitudes tomadas pela

vítima e os sintomas de distúrbios emocionais gerados nela.

Vinte supostas situações agressivas foram colocadas para os entrevista-

dores, tais como: “chefe falar mal de você em público”, 5,48% ocorrências;

“proibir seus colegas de falar ou almoçar com você”, 2,53%; “forçar você a

pedir demissão”, 3,41%; e “insinuar e fazer correr boato de que você está

com problema mental ou familiar”, 3,41%. Este último item teve maior

incidência entre as mulheres. Já para os homens, prevaleceu o item do

superior hierárquico que evita dar ocupações ao funcionário.

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ela, foram justamente as mudanças

que aconteceram no mundo do tra-

balho que acentuaram essa relação

assimétrica. A psicóloga caracteriza

ainda as marcas do assédio, como a

ausência de diálogo, a imposição e o

mando. “É uma política de crueldade

contra um trabalhador que, refém de

uma violência silenciosa, reproduz

essa violência sofrida na família e na

sociedade”, advertiu.

Questão de gênero

As mulheres estão mais expostas

ao assédio moral que os homens. Mas

não estão sozinhas. “Quando falamos

do assédio moral, não podemos es-

quecer o assédio sexual. Atualmente,

12,4% dos assédios morais começam

com o sexual. No entanto, desse total,

2,4% são de homens que assediam

homens”, esclareceu Margarida Bar-

reto. “Todo assédio moral é discri-

minatório, com atos de humilhação,

intencionalidade e direcionalidade. São

constantes e repetitivos.”

Apesar desse quadro, a psicóloga

explicou que é possível prevenir o

assédio moral. Até porque as em-

presas precisam pensar que fugir do

problema e manter o silêncio sobre o

assunto tem um custo, que pode ser

alto. Segundo Margarida, 90% das

empresas optam pela fuga do pro-

blema, ou por simplesmente demitir

o assediado.

“A empresa perde na imagem que

tanto preza quando prega o discurso

de responsabilidade social para fora,

sendo que para dentro o discurso

é outro”, disse. A psicóloga citou o

exemplo do Banco do Brasil, que teve

um prejuízo, recentemente, por causa

do assédio moral de uma funcionária

da Ouvidoria do BB Responde, que

passou a humilhar uma colega. O Juiz

que julgou a ação entendeu que houve

assédio moral e multou o banco. “Às

vezes, a gente se assusta porque os

juízes entendem que houve fuga e

que há necessidade de ação pedagó-

gica, e essa ação passa na parte mais

sensível do corpo humano, o bolso”,

enfatizou.

Margarida Barreto lembrou ainda

que a empresa tem o dever de garantir

os direitos do trabalhador, como me-

didas de higiene, saúde e segurança.

“Não se trata apenas de necessida-

des, mas também de direitos, como

bem-estar, vida digna, meio ambiente

saudável e boas condições de traba-

lho. Isso tudo para fazer jus ao que a

Organização Internacional do Trabalho

preconiza sempre: direito a um am-

biente de trabalho decente.”

Como se defender

1. Procurar obter provas da situação: anotar as humilhações sofridas, nomes das testemunhas, conteúdo das conversas, datas;

2. Compartilhar o problema com os colegas, principalmente as testemunhas e os que sofreram situações parecidas;

3. Evitar conversas sem testemunhas com o agressor;

4. Exigir explicações do agressor por escrito e mandar cópia da mensagem ao RH, além da eventual resposta do agressor;

5. Pedir auxílio nas ouvidorias, nos sindicatos da categoria, no Ministério Público ou na Justiça do Trabalho;

6. Buscar apoio com os familiares e amigos.

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INFORME ESPECIAL

Financiamentos imobiliários da Centrus: assinada a primeira escritura pública

A primeira escritura pública de imóvel

lavrada com base na recente reestruturação

da carteira de financiamentos imobiliários

da Centrus foi assinada no mês passado en-

tre o diretor-presidente Helio Brasileiro, e o

funcionário do Banco Central Antonio Souza

Assunção Filho. Relativa a uma casa em Ta-

guatinga, a formalização desse instrumento

é emblemática por dar início ao processo de

renegociação que se espera ter maciça adesão

dos mutuários.

“Estou satisfeito porque, mesmo com o

pagamento das parcelas em dia, o crescimento

do saldo devedor estava consumindo o valor

de mercado do imóvel. Agora, a casa está se

valorizando, mas o saldo devedor está contido,

e quando terminarem as prestações não terei

mais qualquer resíduo a ser quitado”, come-

morou Antonio Souza, de 52 anos, juntamente

com sua mulher, Marilene Assunção, artista

plástica. Antonio está no BC desde 1977.

Com a reforma de seu contrato de financia-

mento, o casal obteve um desconto de 44% no

saldo devedor, refinanciado em 109 parcelas. A

correção do valor total passou a ser feita pelo

Índice de Preços ao Consumidor Ampliado

(IPCA), com juros anuais de 7%. O novo

contrato tem a chamada “cláusula de ouro”:

no pagamento da última prestação não restará

qualquer resíduo do financiamento.

Helio Brasileiro também comemorou o

sucesso do programa de reestruturação da

carteira de financiamentos imobiliários da

Centrus. “Não é um programa de benefícios,

mas de recuperação de créditos, positivo para

a Centrus e vantajoso para os mutuários, que

estavam cada vez mais apreensivos com o

crescimento da dívida, muitas vezes acima da

capacidade de pagamento”, ressaltou.

O diretor de Benefícios, Antonio Francisco

Bernardes de Assis, que também assinou a

escritura do imóvel de Antonio Souza, deu a

medida do êxito da reestruturação da carteira

de financiamentos imobiliários: “Só nas duas

primeiras semanas, 13% dos mutuários já

aderiram ao novo programa.”

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Pr

ata

da

ca

sa

Na vanguarda do movimento

Flávio Ramos trabalhou de 1967

a 1996 nas áreas de Meio Circulante

e Operações Bancárias e, depois, no

Departamento Jurídico do BC – atual

Procuradoria –, tendo assumido a

chefia do Departamento, em Brasília.

E já entrou para os quadros do BC,

com outros concursados de 1966, lu-

tando para que esses funcionários ti-

vessem um quadro de carreira própria

e diferente das já existentes no Banco

do Brasil e na Superintendência da

Moeda e do Crédito (Sumoc). Teve

Quem conhece hoje o bem-humorado e excelente con-

tador de histórias Flávio Ramos, funcionário aposen-

tado do Banco Central que ainda exerce a profissão de

advogado, nem imagina que ele esteve na vanguarda de

três grandes movimentos que sacudiram o Brasil ainda

na ditadura, sendo lembrado sempre por todos os que

guardam a memória de lutas deste país: as duas longas

greves dos servidores do BC e a criação de um sindi-

cato proibido, que hoje é o Sinal. Flávio Ramos esquece

datas e até mesmo os cargos que ocupou no sindicato,

mas guarda nítidos na lembrança os fatos e os diálogos

travados nos momentos mais memoráveis da luta das

instituições públicas e das estatais por um Brasil para

os brasileiros. Nesta entrevista, ele compartilha alguns

desses bons momentos.

de aprender, junto com os demais

companheiros de trabalho, a travar

uma verdadeira batalha de resistên-

cia, já que o Brasil se encontrava na

vigência de um dos mais cruéis atos

discricionários da ditadura – o AI-5,

que deu plenos poderes aos militares,

de 1968 a 1978.

Como estavam proibidos de se

sindicalizar na época, os servidores

do BC se entrincheiraram na As-

sociação dos Servidores do Banco

Central (Asbac). Alguns anos depois,

o movimento de construção de uma

entidade própria culminou com a fun-

dação da Associação dos Funcionários

do Banco Central, embrião do Sinal.

“Alguma coisa tinha de ser feita”, lem-

bra Flávio. E tinha de ser por nós, pois

a diretoria, tal como agora, não tinha

compromisso com o funcionalismo”.

Segundo ele, o movimento nascente

era basicamente em defesa do BC e

seus servidores, cujas demandas não

obtinham nenhuma resposta. Por isso,

em uma reunião com alguns colegas

que exerciam chefias de departamen-

tos no Banco, a nascente liderança

da instituição teve de esclarecer que

a então chamada Associação dos

Funcionários do Banco Central (AFBC)

não havia sido criada apenas para

cuidar do Banco em nível institucional,

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como eles pensavam: “Nós tivemos

de colocar tudo em pratos limpos. Em

dado momento, perguntamos a eles:

vocês pensam que vão tomar conta do

movimento? Não vão, não.”

Bom-dia, coronel

No momento em que muitos

questionam a eficácia das greves de

servidores, duas delas, no passado,

mostram a correção das táticas do

movimento, uma vez que, até então,

o BC ainda não tinha criado meca-

nismos para amenizar seus efeitos.

Na paralisação de 14 dias, em 1987,

por exemplo, ao fim do décimo, os

bancos já estavam limitando saques

dos correntistas porque a paralisação

do Meio Circulante havia deixado o

mercado desabastecido. E também

foi travada a mesa de operações do

Open. Flávio Ramos lembra de uma

outra bem-sucedida greve, cuja única

reivindicação era a saída do então

presidente do BC Elmo Camões, que

exerceu o mandato de março de 1988

a junho de 1989. Em três dias, Elmo

Camões estava fora do banco – saiu no

rastro de suspeitas de favorecimento

do BC à corretora administrada pelo

filho, conhecido como Elminho.

Outra lembrança menos aprazível é

a da greve dos 19 dias, que provocou

a conseqüente demissão de 19 servi-

dores, anunciada pelo Jornal Nacional.

“Lembro que o Cid Moreira não con-

seguia esconder a satisfação em dar a

notícia.” A memória, no entanto, torna

tudo mais agradável, depois do filtro do

tempo. Flávio relembra, por exemplo,

as relações cordiais estabelecidas com

a tropa de choque da Polícia Militar,

enviada para reprimir o movimento,

sob o comando de um coronel. “Estava

sendo realizada, na porta do Banco,

uma assembléia, com a presença

maciça do funcionalismo, quando a

tropa chegou. O clima, é claro, ficou

tenso. Conversei rapidamente com a

Mônica Botafogo e o Paulo Roberto

de Castro, dois baluartes das nossas

lutas, peguei o microfone e disse: ‘Nós

desejamos dar um bom-dia ao coronel

e à sua tropa, porque sabemos que

os policiais militares estão aqui para

garantir o nosso inalienável direito

de greve. Peço a todos uma salva de

palmas para a nossa gloriosa PM’. Os

colegas atenderam e bateram palmas

com vontade. O clima desanuviou-se.

Ativo dirigente

sindical, Flávio

Ramos discursa

na porta do

Banco Central,

no Rio, em

dois momentos

importantes

da luta dos

servidores do BC

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Pr

ata

da

ca

sa

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nuaçã

o

ERRATA Na coluna “Prata da Casa”, publicada na Por Sinal 20, a entrevista com a direto-

ra- financeira do Sinal Nacional, Ivonil Guimarães Dias de Carvalho, contém algumas incorreções: 1. O nome do neto de Ivonil é Gabriel; Thiago é o filho.2. Em relação à declaração de Inácio Kato, o que ele disse foi: ”Eu vou para qualquer lugar (setor), desde que não saia de Curitiba.”3. A reportagem não deixou clara a relação de Ivonil com o BC: “Sempre fui apaixonada pelo meu trabalho no Banco e pela própria Instituição”.

No meio da noite, oferecemos lan-

ches para os policiais e, no final, já

havia uma confraternização entre

os PMs e os colegas do piquete

da madrugada, como se fossem

todos amigos de infância”.

Fórum das estatais

Os funcionários do BC tiveram

também um importante papel na

vanguarda do movimento que

ficou conhecido como o Fórum

das Estatais, criado no Rio de

Janeiro e também em diversos

outros estados, reunindo impor-

tantes sindicatos, como o dos

bancários, ferroviários, portuários,

telefônicos, petroleiros e associa-

ções dos funcionários de vários

órgãos públicos (IRB, Fiocruz,

Embratel, entre outros), em mea-

dos da década de 1980. Naquela

ocasião, os servidores públicos

deflagraram uma greve de âmbito

nacional. Flávio Ramos integrou o

seu Comando-Geral, juntamente

com três representantes da CUT

e três da CGT. Instalado em Brasí-

lia, para levar ao governo a pauta

de reivindicações, o Comando

reuniu-se com alguns ministros,

entre eles o então ministro do

Trabalho, Almir Pazzianoto, que

utilizou os seus conhecimentos

jurídicos (advogado trabalhista

de renome que era e ex-ministro

do TST), na tentativa de dissuadir

as lideranças da continuação do

movimento, que prosseguia com

relativo sucesso.

Nessa reunião, Pazzianoto, que

já tinha sido advogado de diversos

sindicatos, alertou os integrantes

do Comando-Geral da greve sobre

alguns aspectos da legalidade de

certas reivindicações – e que não

era um assunto exatamente do

direito trabalhista –, sem imaginar

que entre eles havia alguém que

também conhecia os meandros

jurídicos. Não esperava que esse

alguém retrucasse: “Isto pode

ter outra interpretação, ministro.”

Surpreso, Pazzianoto questionou:

“Sem ter formação jurídica, não se

pode discutir matéria de direito.”

A resposta que veio em seguida

amenizou o tom das negociações e

tornou as bases da discussão mais

igualitárias: “Até há pouco tempo,

eu chefiava o Departamento Jurídi-

co do Banco Central” – respondeu

Flávio Ramos, com o seu peculiar

bom humor. Mas o assunto morreu

ali, naquele momento.

Flávio Ramos e Paulo Roberto Castro (já falecido), companheiros de

longa data no movimento sindical do Rio

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setembro 2007 2�

ABRAPP

O Brasil acelera sua economia e já distribui melhor os frutos desse crescimento, mas que não se julgue apenas por tais fatos todo o potencial das sementes que foram plantadas nos últimos anos para germinar no futuro. Muito foi feito e os melhores resultados ainda estão por vir. Basta ver o quanto foi renovado e fortalecido nesta década o sistema de fundos de pensão, cujas reservas capitalizadas, adequadamente investidas, são capazes de produzir mais prosperidade e impacto social do que quaisquer outros ativos.

Se os fundos de pensão conseguirem continuar cres-cendo a uma taxa de 10% ao ano, e tudo indica que o farão, é extremamente provável que daqui a 15 anos eles estarão administrando reservas da ordem de R$ 1,8 bilhão, ou seja, o equivalente a 50% do PIB brasileiro. Hoje, são R$ 495 bilhões, algo em torno de 17% do PIB, e ninguém deve se espantar que tal salto seja possível, porque o governo percebeu a capacidade que os fundos têm de multiplicar resultados e criou condições favoráveis para o seu fomento, começando pela base legal e normativa.

Só falta agora mais um passo para que se confirmem as melhores expectativas. É a criação, no corpo do Estado brasileiro, de um órgão de supervisão e fiscalização voltado para os fundos de pensão, algo reconhecido não apenas pelas entidades representativas da Previdência Complementar, mas também por todas as instituições que são a voz do mercado, como a Anbid, Andima, Apimec, Bovespa e BM&F. O novo organismo teria, sobre a atual Secretaria de Previdência Com-plementar, a vantagem de, operando com orçamento próprio, poder contar com maiores recursos humanos e materiais, além de usufruir de maior independência. E tudo isso sem acrescer em nada os gastos públicos, pelo contrário, uma vez que caberia aos próprios fundos fornecer os meios para tal, através do pagamento de uma taxa. Os EUA e muitos países europeus, justo onde os pension funds mais se desenvolveram, já adotam essa prática com os melhores resultados, mesmo porque interessa em primeiro lugar aos próprios fundos serem fiscalizados por fiscais altamente qualificados e que dispõem das melhores condições para exercer o seu trabalho.

Competente e aberta ao diálogo, a equipe da atual Se-cretaria de Previdência Complementar, comandada pelo secretário Leonardo André Paixão, merece boa parte dos créditos por toda a enorme obra realizada nos últimos

INFORME ESPECIAL

Novo organismo para fiscalizar os fundosanos, mas seguramente trabalha nos limites de suas forças e corre o risco de perder contribuições importantes daqui para a frente, se nada for feito. Mesmo porque espera-se que nos próximos anos o sistema de fundos de pensão dobre de tamanho no Brasil, passando a incluir diretamente 6 milhões de brasileiros e indiretamente mais de 15 milhões.

O sistema de fundos de pensão demanda a criação de um órgão de Estado que atenda às necessidades ditadas por sua dimensão atual e futura e que respeite as suas es-pecificidades e evolução. Num momento em que a própria SPC, com os poucos recursos de que dispõe, trabalha para implementar um moderno modelo de supervisão baseada em riscos (foco redobrado nos planos que efetivamente requerem tais atenções), não cabem retrocessos.

Exemplo de retrocesso seria a reunião de fundos de pensão e entidades abertas em um único órgão de super-visão e fiscalização. Ficou totalmente patente nesses 30 anos tratarem-se de sistemas inteiramente diversos. En-quanto os primeiros, sem fins lucrativos, estão fortemente associados à idéia da complementação dos benefícios da Previdência Social estatal e básica, com esta assegurando ao trabalhador renda que o favorece em sua dignidade, cidadania e na condição de consumidor, a vertente aberta opera com propósitos marcantemente negociais, tendo desenvolvido um caráter muito mais financeiro.

Refletindo essa realidade, desde o início essas duas ver-tentes da Previdência Complementar estão abrigadas em ministérios diferentes. Os fundos de pensão reportam-se ao Ministério da Previdência, enquanto os planos vendidos por bancos e seguradoras aninham-se no Ministério da Fazenda. A própria Constituição reconhece essa distância, ao colocar as entidades fechadas na Ordem Social e as abertas, na Ordem Econômica.

O projeto do Executivo criando esse órgão de Estado exclusivo para os fundos de pensão está pronto para ser remetido ao Congresso Nacional. E esse envio, de um lado, não pode tardar, porque seria provavelmente alto o preço a pagar em termos de oportunidades perdidas, e, por outro lado, não seria lógico que tardasse, porque demorar mais significaria a negação de todo o trajeto que o governo Lula corajosamente trilhou até agora, o do fortalecimento de um sistema que interessa a todos os brasileiros ver crescer.

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2�

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deputados da Comissão de defesa do Consumidor se mobilizam Contra aumentos abusivos e Criam grupo de trabalho para rever a atual regulamentação e melhorar a fisCalização

Cobrança de tarifas já responde por 15% da receita dos bancos

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setembro 2007 2�

IDALINA CASTRO

O consumidor bancário que se cui-

de. Os bancos, que nos últimos anos

criaram e tabelaram livremente os

serviços e produtos ofertados, nunca

lucraram tanto com a cobrança dessas

tarifas. Só para se ter uma idéia, hoje,

as dez maiores instituições financeiras

que operam no mercado brasileiro

cobrem integralmente as suas folhas

de funcionários apenas com a receita

obtida com a arrecadação de mais

de 80 tarifas – saques, emissão de

cheques, rompimentos de contratos

com quitação antecipada de débitos,

abertura de créditos, entre outras.

A informação foi extraída de estudo

produzido pela Comissão de Defesa

do Consumidor da Câmara dos Depu-

tados, que criou um grupo de trabalho

para discutir o assunto. Até o fim do

mês de setembro, o grupo – formado

por parlamentares, representantes do

Ministério Público Federal, dos Minis-

térios da Fazenda e do Planejamento

e do Banco Central – deve apresen-

tar algumas propostas ao governo,

visando reduzir as taxas e simplificar

as informações prestadas aos clientes

bancários, em conformidade com o

Código de Defesa do Consumidor.

Negócio rentável

Segundo a Associação Nacional

dos Executivos de Finanças (Anefac),

em 2007, a receita com a cobrança

das tarifas chegou a 15% do total da

receita do sistema financeiro, supe-

rando, em muito, os 9% de 2002. O

deputado Ivan Valente (PSOL-SP), um

dos autores do estudo, confirma os

dados: “Na última década, houve um

aumento de 300% na lucratividade

dos bancos só com o recolhimento de

tarifas bancárias, contra uma inflação

de 98% do período.” Ele chama a

atenção para o fato de que, no mesmo

período, o número de clientes bancá-

rios mais que dobrou – de 35 milhões

de correntistas existentes há dez anos,

hoje são 75 milhões. “O curioso é que

quando aumenta o número de clientes,

as cobranças de tarifas tendem a baixar,

mas no Brasil foi o contrário.”

O deputado Chico Lopes (PCdoB-

CE), também integrante da Comissão de

Defesa do Consumidor e do grupo de

trabalho, entende que essa lucratividade

toda teve início no governo de Fernando

Henrique Cardoso, “com o PSDB dando

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liberdade descontrolada às instituições

financeiras”. Ele destaca que foi preciso

o segmento mais organizado da socie-

dade colocar esse assunto na pauta

das discussões, para que militantes

do Código de Defesa do Consumidor

avançassem com o debate. “O Bradesco

cobre sua folha de pagamento só com

taxa de arrecadação em cima de tarifas

cobradas do consumidor, e ainda sobra.

No entanto, é também o banco que dá

o menor percentual de aumento aos

funcionários entre as instituições finan-

ceiras privadas”, alfineta.

Uma das tarifas mais questionadas

pelo consumidor é a de antecipação

de pagamento de um empréstimo

ou financiamento. Para o banco, há

quebra de acordo, e ele cobra por isso

quando o usuário antecipa o pagamen-

to de créditos financiados. A instituição

pode até conceder desconto dos juros

na prestação ao antecipar o pagamen-

to, mas cobra pela taxa incidente, que,

em muitos casos, acaba consumindo

todo o desconto obtido.

Chico Lopes cita como exemplo de

tarifa irregular a cobrança de taxa sobre

a abertura de crédito para financiar

carro, lembrando que quem financia

automóvel no Brasil é a classe média.

“Para que pagar mais por essa taxa? Por

que submeter o ônus dessa transação

entre empresas e banqueiros ao consu-

midor que já é correntista?”, indaga. Para

ele, o argumento de livre concorrência

levantado pelo Conselho Monetário não

resolve o problema. “Não é a competi-

ção que fomenta a disputa? Quantos

bancos existem hoje no sistema finan-

ceiro e quantos tinham no passado? O

nhados aos membros do CMN e um,

à Diretoria de Fiscalização do Banco

Central, no dia 2 de julho.

A recomendação é para que o Con-

selho Monetário anule e edite as Reso-

luções 2.303 e 2.747 – que regulamen-

tam a cobrança de serviços e produtos

ofertados aos consumidores correntistas

e, hoje, são de inteira responsabilidade

das instituições financeiras –, observan-

do o Código de Defesa do Consumidor.

O objetivo é coibir o abuso que vem

ocorrendo por parte das instituições ban-

cárias, que criam e tabelam os serviços

como melhor desejam.

Para o procurador da República

Lauro Cardoso, a gravidade do proble-

ma não está no fato de a instituição

criar um novo produto ou serviço e

vendê-lo aos seus clientes. “O que

próprio Banco do Brasil, que é o banco

oficial desde 1808, cobra tarifas como

os privados”, pondera. “Eu espero que

a Comissão tenha uma compreensão

republicana de respeito aos usuários de

serviços bancários.”

MP entra em ação

Por conta desses desmandos, que

engordam a olho nu os cofres dos

bancos, o Ministério Público Federal

em Brasília instaurou Inquérito Público

Civil, nº 1.16.000.001444/2007-21,

para apurar a cobrança indevida de

tarifas bancárias pelas instituições

financeiras que operam no país, bem

como a ação e omissão do Conselho

Monetário Nacional, relacionadas a

essa prática. Dois ofícios de igual teor,

com recomendações, foram encami-

A galinha dos ovos de ouroprinCipais tarifas banCárias Cobradas ilegalmente, segundo o ministério públiCo de brasília

l Taxa de abertura de créditos;

l Substituição de garantia (taxas cobradas para compensar gastos

cartoriais e de registro no Detran quando do furto de veículos);

l Taxa por excesso de limite no cheque especial;

l Tarifa sobre saques ou depósitos;

l Tarifa sobre cheque de baixo ou alto valor;

l Tarifa sobre liquidação antecipada de empréstimo;

l Taxa de comissão de permanência concomitantemente com a co-

brança de multa e juros de mora (o STF entende que só deve haver

cobrança da comissão de permanência se não for cumulativa com juros

remuneratórios, moratórios, correção monetária e multa contratual).

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setembro 2007 27

aflige a sociedade é a instituição de

‘novos’ serviços e produtos (que de

serviços e produtos nada têm) e o

aumento desmedido das taxas já

instituídas, sem falar na cobrança de

várias tarifas duplamente, que visam,

unicamente, aumentar os lucros.” Essa

também é a opinião da outra represen-

tante do Ministério Público no grupo,

a procuradora Valquíria Quixadá, que

defende a revisão das normas que

estão em desacordo com o Código de

Defesa do Consumidor e a melhoria da

fiscalização dos tributos cobrados.

O Conselho Monetário e o BC

tinham 30 dias corridos da data do

recebimento do ofício para responder,

prorrogados por mais 30. “Vamos dar

uma resposta nos próximos dias, na

qual ficará claro que o Banco Central

age de várias formas, seja no sentido

de atender o consumidor bancário

preventivamente, fazendo inspeções

nas instituições financeiras, seja de

forma corretiva também”, garantiu

Sidnei Corrêa Marques, consultor da

Diretoria de Fiscalização do BC.

O consultor afirma que o BC tem

a Central de Atendimento ao Público

(CAP), que dá encaminhamento a

100% das demandas do cidadão, no

que diz respeito ao descumprimento

de normas. O Banco encaminha às

instituições as demandas pertinentes

e acompanha o atendimento feito por

elas. “A gente analisa toda a estrutura

de atendimento ao consumidor, a

questão de cumprimento de normas

e os meios disponibilizados ao cidadão

para o acesso à instituição financeira.”

E completa: “Em breve, passaremos a

fiscalizar também as ouvidorias.”

O Ministério Público também

solicitou à Diretoria de Fiscalização

do BC informações para o inquérito

cívil público, instaurado para apurar

cobranças indevidas, tais como o pro-

cedimento de fiscalização por parte da

autarquia junto aos bancos; relatórios

de inspeção dos últimos dois anos so-

bre a cobrança dessas tarifas; e dados

consolidados sobre o montante dos

ganhos das 20 maiores instituições

bancárias em operação hoje no país.

Sidnei Marques garante que “o Banco

Central vai disponibilizar as informações

de que dispõe internamente”, e adianta

que já pediu às instituições financeiras

que forneçam os dados solicitados dire-

tamente ao Ministério Público, segundo

padrão estipulado pelo próprio MP.

De olho nos bancos

A ação do MPF-DF se deu alguns

dias depois da audiência pública que

celebrou a criação do grupo de trabalho

dentro da Comissão de Defesa do Con-

sumidor da Câmara dos Deputados, no

dia 21 de junho, em que foram convo-

cados para depor o ministro da Fazen-

da, Guido Mantega, e o presidente do

BC, Henrique Meirelles. Na ocasião, o

presidente do BC foi enfático ao afirmar

que “a regulação promovida pelo Banco

Central tem como objetivo promover a

concorrência entre as instituições finan-

ceiras”. Para Meirelles, não é função do

BC tabelar as tarifas, e sim estabelecer

critérios para a cobrança.

Esses critérios, segundo o diretor do

Departamento de Normas do Banco

Central (Denor), Amaro Gomes, estão

contidos na atual regulamentação, a

Resolução 2.303/96, que foi posterior-

mente complementada pela 2.747. “Ela

tem como principal foco estabelecer

determinados serviços para os quais

não pode ser cobrada tarifa em hipóte-

se nenhuma, que são os mais utilizados

pelos consumidores bancários, como,

por exemplo, o fornecimento de talão

de cheques e de cartão magnético

para saque”, explica. Gomes lembra

que a essa regulamentação somam-

se outras duas, associadas ao direito

“O que aflige a sociedade é a instituição de

‘novos’ serviços e produtos (que de serviços

e produtos nada têm) e o aumento

desmedido das taxas já instituídas.”

LaurO CardOsO, procurador da república-dF

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do consumidor, como as Resoluções

2.878 e 2.892. “Ambas estabelecem,

essencialmente, que qualquer cobrança

de serviços pelas instituições financei-

ras deve ser adequadamente explicada

aos consumidores e iniciada somente

depois de 30 dias da sua fixação.”

Otimista, o ministro da Fazenda ava-

lia que a Comissão de Defesa do Con-

sumidor caminha para chegar a uma

conclusão sobre o assunto. Segundo

informação de sua assessoria, a Secre-

taria de Acompanhamento Econômico

(Seae), que também dá apoio técnico

ao grupo, está acompanhando de per-

to a evolução da cobrança das tarifas

bancárias “para averiguar a existência de

abusos por parte dos bancos”.

Em meio a discussões sobre o que

fazer para coibir esses abusos, o grupo

já fechou questão em relação a um

ponto: a necessidade de simplificar e

divulgar de forma mais clara as infor-

A precarização do atendimento no BCFazendo um contraponto ao pensamento oficial, os

servidores que trabalham nas CAPs, segundo o conse-

lheiro regional do Sinal em Fortaleza, Luís Carlos Paes

de Castro, afirmam que a Central de Atendimento ao

Público do Banco Central era uma área de excelência

até setembro de 2005. Respostas e ações tempestivas

aos inúmeros pedidos de informação, denúncias e

reclamações dos usuários do sistema financeiro eram

uma característica do trabalho realizado. O que podia

ser comprovado pelo grande número de agradecimentos

por parte dos demandantes.

Em setembro daquele ano, entretanto, uma re-

estruturação unilateral, que reduziu sobremaneira o

quadro de atendentes e centralizou o atendimento

telefônico em Brasília, fulminou qualquer possibilidade

de manutenção daquele serviço no nível em que ele

era prestado. Até hoje, apesar das inúmeras mini-

reestruturações para corrigir os problemas oriundos

do desmonte de 2005, não se conseguiu recuperar

o nível de atendimento prestado até aquela data. Na

realidade, houve uma deterioração do serviço, que

necessita ser reorganizado com transparência e parti-

cipação daqueles que se dedicaram, e ainda hoje se

dedicam, à tarefa de bem atender o público.

mações sobre serviços e produtos para

o correntista. “Nós do BC estamos tra-

balhando, juntamente com o grupo, no

estabelecimento de uma nomenclatura

única de tarifas. A idéia é, portanto, que

todas as instituições utilizem a mesma

nomenclatura para as tarifas cobradas”,

adiantou o diretor do Denor.

Não resta dúvida que esse é um

ponto importante, mas ainda há muita

discussão pela frente no grupo de

trabalho. Os deputados têm pressa e

esperam do governo, e particularmente

do BC, uma posição mais firme e me-

nos omissa. Afinal de contas, o assunto

só ganhou esse espaço e está na pauta

de discussões, por iniciativa da Comis-

são de Defesa do Consumidor.

“Nós do BC estamos trabalhando, juntamente

com o grupo, no estabelecimento de uma

nomenclatura única de tarifas.”

amarO GOmEs, diretor do departamento de Normas do Banco Central (denor)

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setembro 2007 2�

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N “É preciso colocar o trabalho como elemento central da agenda do desenvolvimento”

Um dos maiores especialistas em mercado de trabalho no Brasil, o professor do

Instituto de Economia da Unicamp Marcio Pochmann assumiu a presidência

do (Ipea) há duas semanas, com alguns desafios pela frente. Um deles, colocar a

discussão sobre o emprego em lugar de destaque na agenda do desenvolvimento

proposta pelos gestores públicos. Ele lembra que com o baixo dinamismo da

economia – nos últimos 26 anos cresceu apenas 2,5% ao ano – o Brasil acabou

optando por gerar empregos de baixa qualidade, esquecendo da mão-de-obra

qualificada. Resultado: anualmente, cerca de 100 mil jovens, sobretudo aqueles de

maior escolaridade, abandonam o Brasil atrás de melhores oportunidades.

“O PAC precisa avançar nessa questão. Criar metas de am-

pliação do emprego, relacionar investimentos

públicos e privados à geração de vagas de

qualidade. Precisamos combinar um

PAC na área econômica com um

PAC na área social”, defende com

entusiasmo o novo presidente

do Ipea. Confira, nas páginas

seguintes, o que ele conversou

com a Por Sinal sobre sua

missão à frente do Instituto.

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setembro 2007 �1

■ Ao se integrar à nova estrutura criada para pensar o

futuro do país (Secretaria de Planejamento de Longo

Prazo), o Ipea ganhou um papel de destaque. De que

forma a instituição pode contribuir para o fortalecimen-

to de nossa nação?

Em primeiro lugar, exercendo a função para a qual foi

criado. O Ipea é uma instituição de pesquisa aplicada.

Portanto, em vez de pesquisa acadêmica, deve ofere-

cer aos gestores públicos informações que mostram a

evolução da sociedade brasileira, especialmente neste

momento em que vivemos profundas transformações

no capitalismo internacional. Avaliar o caminho que o

Brasil escolheu, e em que medida essa escolha o apro-

xima ou distancia do que potencialmente poder ser, é

função do Ipea. O instituto tem o papel de pensar o

país e oferecer àqueles que tomam decisões condições

melhores para tomá-las.

Se eles tomam decisões erradas ou corretas, não é

problema nosso. Lamentavelmente, o Brasil encontra-se

atualmente comprometido ou contaminado pela lógica

do curto prazo, que é a lógica do próprio mercado finan-

ceiro. Essa lógica terminou se difundindo na sociedade

como um todo. Nós estamos tentando retomar no país

o planejamento de médio e longo prazos. Já estamos há

25 anos numa trajetória de baixo dinamismo da economia

nacional, e hoje colhemos as conseqüências das opções

que foram tomadas. O papel do Ipea é exatamente este:

alertar para a evolução desse quadro e oferecer proposi-

ções que permitam uma convergência em torno de um

novo projeto de desenvolvimento da nação.

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�2

■ Fala-se que a alta taxa de juros reais – é a segunda

maior do mundo – é o grande entrave ao crescimento

da economia brasileira. A queda da taxa básica, embora

ainda alta, vem estimulando o crédito e acelerando

a economia (as estimativas são de que o PIB deva

crescer �% ou mais em 2007). Há, porém, os que

já temem que os muitos gargalos da infra-estrutura

do país – aeroportos, portos, estradas, energia – e

a baixa taxa de investimento possam pressionar a

inflação ou refrear o crescimento. Afinal, o Brasil está

pronto para um ciclo de desenvolvimento econômico

sustentável?

A mudança é resultado de uma caminhada que vem

sendo feita. Muitas vezes, não é uma caminhada consis-

tente e muito articulada. Hoje, temos condições melhores

para fazer as mudanças, mas há enormes dificuldades. Em

primeiro lugar, dificuldade política de se ter uma maioria

que convirja para o desenvolvimento. O desenvolvimento

e a transformação resultam de uma convergência política,

que, se não houver, dificilmente isso ocorrerá, porque a

sociedade é formada de interesses divergentes, com po-

deres e pontos de vista individuais. Portanto, a primeira

questão da transformação consiste na criação de uma

nova maioria política na qual haja convergência em torno

do crescimento econômico.

A outra é a reestruturação do papel do Estado para o

exercício do desenvolvimento. Essa transformação não será

feita pelo setor privado, cabe ao Estado coordená-la. Ela é

possível, é necessária, é urgente. Mas pressupõe algumas

premissas: primeiro, uma convergência política; segundo,

um Estado contemporâneo capaz de efetivá-la; terceiro, a

capacidade de coordenar isso.

É necessária uma gestão estabelecendo novo pa-

drão de política pública que seja integrado, que olhe a

realidade na sua totalidade e não de forma parcial. O

Estado que nós temos está frágil para fazer isso, porque

a experiência neoliberal destruiu sua capacidade de inter-

venção adequada. Perdemos 2,5 milhões de funcionários

públicos e 500 mil empregos foram destruídos por conta

da privatização. Transferiram-se 5% do PIB produzido

no setor produtivo estatal para o setor privado. E essa

transferência foi feita com vistas ao setor privado assumir

“é necessária uma gestão

estabelecendo novo padrão

de política pública que seja

integrado, que olhe a realidade

na sua totalidade e não de forma

parcial. O Estado que nós temos

está frágil para fazer isso, porque

a experiência neoliberal destruiu

sua capacidade de intervenção

adequada. Perdemos 2,5 milhões

de funcionários públicos e 500

mil empregos foram destruídos

por conta da privatização. “

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setembro 2007 ��

os investimentos anteriormente do Estado.

No passado, grande parte da população brasileira bem

qualificada trabalhava para o Estado. Mas houve uma dete-

rioração; as carreiras foram desmanteladas.

■ O PAC estabeleceu uma trava para o aumento dos

gastos com pessoal, que ficaria limitado à variação da

inflação (pelo IPCA), mais 1,�% ao ano, nos próximos

dez anos. Se nós imaginarmos que a população vai

crescer 1�% nesse período, a medida vai congelar o

Estado brasileiro. Como pensar no crescimento do país

com o Estado inteiramente desaparelhado?

A despesa de pessoal como um todo já vem cres-

cendo em torno de 1% ao ano. Sobraria, então, apenas

0,5% para a incorporação de novos funcionários e para

a elevação salarial. Se nós estamos pensando no de-

senvolvimento da nação, é fundamental que haja um

Estado com capacidade de coordenar e pôr em prática

as próprias metas estabelecidas pelo PAC. A eficiência

do programa dependerá de uma boa capacidade de

gestão. E por conta disso, frente ao enxugamento que o

Estado sofreu nessas duas décadas, há dúvidas se esse

limite será cumprido, caso se mantenha o compromisso

de pôr em pratica a totalidade das metas estabelecidas

pelo próprio PAC.

O Estado vem sendo recomposto, é cer to que

muito lentamente, mas volta a ter uma agenda voltada

ao desenvolvimento. É preciso ampliar o seu papel no

desenvolvimento do país e, para isso, é preciso recon-

figurá-lo. Nesse sentido, é importante colocar de novo

a questão do desenvolvimento na agenda e superar os

obstáculos que impedem a sua ação. O PAC recoloca

o Estado como responsável e indutor do crescimento

econômico, e não tenho dúvida de que se, de fato, nós

conseguirmos nesses quatro anos cumprir a sua totali-

dade, teremos, do ponto de vista da infra-estrutura, um

país melhor do que temos hoje, já que os investimentos

em infra-estrutura foram praticamente marginalizados

em quase duas décadas.

O lançamento do PAC suscitou novos apoios favoráveis

à sua implementação, de empresários e dos movimentos

sociais. O programa precisa avançar na questão do em-

prego. Criar metas de ampliação do emprego, relacionar

investimentos públicos e privados à geração de vagas

de qualidade. Nós precisamos combinar um PAC na área

econômica com um PAC na área social. O governo poderia

fazer também um cronograma de obras, seja do ponto de

vista da construção de hospitais, de escolas e em outras

áreas que são substanciais, para combinar o crescimento

econômico com a justiça social.

■ Critica-se muito o BC pela gestão macroeconômica,

sobretudo a fixação da taxa Selic, baseada na sistemá-

tica de metas de inflação. As críticas são justas? Qual a

alternativa às metas de inflação?

Não há uma só alternativa. Há muitas opções, que

podem ser elaboradas a partir de uma perspectiva do de-

senvolvimento, de criação de novos empregos e de maior

“O PaC recoloca o Estado como responsável e

indutor do crescimento econômico, e não tenho dúvida de

que se, de fato, nós conseguirmos nesses quatro anos

cumprir a sua totalidade, teremos, do ponto de vista da

infra-estrutura, um país melhor do que temos hoje,

já que os investimentos em infra-estrutura foram praticamente

marginalizados em quase duas décadas.”

preocupação com a questão

social. O próprio presidente

Lula é quem tem de avaliar

se as metas estão sendo atin-

gidas, e fazer isso de modo a

não comprometer outras áreas.

No Brasil, não temos uma con-

vergência política em torno do

crescimento econômico. Ela se

dá basicamente em torno do

combate à inflação. O Banco

Central, sobretudo, reflete mais

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��

essa convergência de interesses no combate à inflação,

tendo o crescimento como uma variável limitada.

Se o crescimento é a principal referência para o gover-

no, algumas ponderações têm de ser feitas, especialmente

no que diz respeito às metas de inflação e, sobretudo, à

questão cambial. Juros e câmbio são chaves para moldar

o crescimento mais vigoroso, que se pretende pelo menos

duas vezes maior do que o que nós verificamos nos últimos

25 anos, de apenas 2,5% ao ano.

■ O senhor sempre defendeu a idéia de que o de-

semprego no Brasil deveria ser tratado como um

caso de calamidade pública e, para isso, propunha

a criação de uma meta de emprego, que seria incor-

porada às atuais metas de inflação e de superávit

primário. Essa proposta continua atual? O que fazer

para enfrentar o desemprego, especialmente dos

mais de � milhões de jovens que ingressam por ano

no mercado?

Do ponto de vista da Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (Pnad), houve um aumento do emprego no

Brasil. Mas, evidentemente, é preciso melhorar o desem-

penho do mercado de trabalho, tendo como prioridade

acelerar as metas de desenvolvimento e colocar o trabalho

como elemento central da agenda. São 26 anos de cresci-

mento da economia nacional em torno de 2,5% e 2,6%

ao ano. E como o Brasil tem, a cada ano, o ingresso de 2,5

milhões de pessoas no mercado de trabalho, é impossível

absorver a totalidade desses jovens quando a economia

– praticamente 90% –, são de até 1,5 salário mínimo.

Isso também diz respeito à forma com que o Brasil

vem se inserindo na economia mundial. O país está se

especializando na produção e exportação de bens de

baixo valor agregado e de pouco conteúdo tecnológico.

É muito minério de ferro, suco de laranja, soja. Nada

contra produzir e exportar esses produtos, muito pelo

contrário, mas o Brasil é um país continental, com uma

população urbana que tem e precisa, na verdade, enri-

quecer as cadeias produtivas e valorizar outras formas de

produção, o que possibilitaria gerar empregos de maior

qualidade e, sobretudo, constituir uma classe média de

grande dinamismo.

Nós temos, pelo contrário, um fato bastante lamentável,

que é a exportação de mão-de-obra qualificada. A cada

ano, entre 140 mil a 160 mil jovens, sobretudo aqueles de

maior escolaridade, terminam abandonando o Brasil e indo

buscar fora o que aqui não encontram. A perspectiva de

voltar a crescer abre uma oportunidade de repensarmos o

país no que diz respeito ao enfrentamento da polaridade

que estamos vivendo entre ricos e pobres.

■ Em recentes declarações, o senhor criticou o raquitis-

mo do Estado brasileiro e disse que o país precisava de

mais servidores. Contudo, é voz corrente na mídia que

o governo gasta muito, e mal, especialmente em gastos

correntes. Qual é a sua opinião sobre isso?

É natural que se tenha esse tipo de visão numa socie-

dade dividida em classes sociais. Para os mais aquinhoa-

“se o crescimento é a principal referência para o governo,

algumas mudanças têm de ser feitas, especialmente no que

diz respeito às metas de inflação e, sobretudo, à questão

cambial. juros e câmbio são chaves para moldar o

crescimento mais vigoroso, que se pretende pelo menos

duas vezes maior do que o que nós verificamos nos últimos

25 anos, de apenas 2,5% ao ano.”

cresce tão pouco.

Com o baixo dinamismo da

economia, ou você gera em-

prego, mas de baixa qualidade,

ou gera poucos empregos

de maior qualidade. A opção

do Brasil até agora foi a de

geração de emprego de baixa

qualidade. Nessa trajetória, era

praticamente impossível gerar

empregos de classe média.

Os empregos, em sua maioria

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setembro 2007 ��

dos, a classe média e os ricos, o Estado é visto como um

grande gastador e esbanjador de recursos. Se eu fosse

rico, também acharia isso, até porque não precisaria do

Estado para nada; poderia, por exemplo, pagar escolas,

médicos e hospitais particulares, e cobraria até a redução

dos impostos. É natural que uma parte da sociedade

vocalize essa visão. Mas é preciso lembrar que a maioria

da população brasileira é pobre. E é para essa maioria

que precisamos recuperar o Estado. É bastante natural

que numa sociedade de classes haja visões distintas.

Mas se houvesse no Brasil uma classe dominante menos

alheia e mais magnânima, talvez ela pensasse de uma

forma diferente.

Se tivéssemos, por exemplo, um grande programa

de inclusão social, e olhando apenas pelo prisma da

educação, chegaríamos à conclusão de que não temos

escolas suficientes para absorver a totalidade dos jovens.

Somente um em cada três jovens na faixa etária de 15

a 17 anos tem acesso ao ensino médio brasileiro. A in-

clusão de 5 milhões de jovens na faixa etária de 15 a 17

anos exigiria a construção de 500 mil salas de aula. Nós

precisaríamos de investimentos em infra-estrutura do

ponto de vista educacional. A mesma coisa em relação

à saúde, porque faltam leitos hospitalares. Nós temos

uma questão muito séria na própria cultura: quase dois

terços das cidades brasileiras não possuem bibliotecas

públicas. Os investimentos públicos e privados são chaves

para reconstituir a sociedade brasileira, porque a estrati-

ficação social que observamos hoje não se resolve sem

um planejamento de médio e longo prazos.

■ Qual o melhor instrumento de redução da desigual-

dade social no Brasil?

Não há o melhor instrumento. É necessário um conjunto

de reformas combinadas com o crescimento econômico. É

preciso resolver questões já superadas pelo desenvolvimen-

to do capitalismo no século XX e pela social-democracia. Três

das reformas necessárias são: a reforma agrária, para ampliar

o acesso à terra; a tributária, para que os ricos paguem mais

impostos que os pobres; e a social, com a criação de fundos

públicos para aplicação nas áreas sociais, como educação,

saúde, saneamento, habitação.

“se tivéssemos, por exemplo, um

grande programa de inclusão social,

e olhando apenas pelo prisma da

educação, chegaríamos à conclusão

de que não temos escolas suficientes

para absorver a totalidade dos

jovens. somente um em cada três

jovens na faixa etária de 15 a 17

anos tem acesso ao ensino médio

brasileiro. a inclusão de 5 milhões

de jovens na faixa etária de 15 a 17

anos exigiria a construção de 500

mil salas de aula.”

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��

ret

ra

nca Por um Sinal voltado

à sociedade

O papel principal de um sindicato é a defesa dos inte-

resses da categoria, certo? O Sinal não tem qualquer dúvida

a respeito. Mas será que a atuação sindical esgota-se nas

questões corporativas? Será que a sociedade que nos paga o

salário não merece alguma retribuição adicional? Não seria do

nosso interesse efetivo uma aproximação com o cidadão, um

reconhecimento da importância do nosso trabalho, até como

facilitador no trato das questões corporativas?

O Sinal entende que sim e aprovou na última reunião am-

pliada do CN a proposta de trabalho da Diretoria de Estudos

Técnicos (DET). Além da tradicional função de assessoramento

do processo de negociação salarial, caberá à DET produzir

estudos, escrever artigos e coordenar campanhas de interesse

público, com os objetivos de melhorar o nível de cidadania

da população; obter a legitimação e o reconhecimento social

do trabalho da categoria; melhorar a imagem do Sinal e da

categoria perante a sociedade; e aumentar a inserção social e

o espaço do Sinal na mídia.

O método básico de trabalho prevê a formação de grupos

de estudo compostos por colegas, não necessariamente diri-

gentes sindicais, para construir um documento técnico sólido

– uma Nota Técnica (NT) – que permita ao sindicato posicionar-

se a respeito de alguns assuntos específicos, corporativos e de

interesse público. Inicialmente escolhemos eixos temáticos que

já acumularam debate interno, sobretudo nas ANDs do Sinal,

e podem ajudar a cumprir o objetivo de aproximar o sindicato

da sociedade. Os eixos são os seguintes:

Finalizada a Nota Técnica, ela será avaliada pelo CN e

submetida democraticamente à categoria. Assim ficará claro o

limite do mandato do Sinal para posicionar-se sobre os temas

escolhidos.

A estruturação da DET terá início em outubro e a etapa

inicial deverá estar finalizada em abril de 2008. O processo será

amplamente divulgado e permitirá a participação de todos.

Conheça a proposta completa no Portal Sinal, opine e dê

sua contribuição.

Cn aprova proposta de estruturação da diretoria de estudos téCniCos (det)

Eixos temáticos escolhidosQuestões corporativas

■ Estudos salariais.

■ Desmonte e esvaziamento do BC e do

Estado.

Questões de interesse público

■ Defesa do consumidor de serviços finan-

ceiros.

■ Autonomia do BC/Garantia do poder de

compra da Moeda.

■ Prevenção e combate à lavagem de dinheiro/

Ilícitos e crimes contra o sistema financeiro

nacional e a economia popular

■ Questões econômicas

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setembro 2007 �7

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de outubro de 2007Renaissance HotelSão Paulo

18

O Federal Reserve injetou uma forte dose deconfiança na economia americana com ocorte de meio ponto percentual na taxa básicade juros. Deixou claro que fará o que puderpara manter a liquidez do mercado e paraproteger a economia de uma recessão.

Resta saber se o Fed será capaz de contornara crise do mercado de crédito e evitar umadesaceleração americana mais grave.Qualquer previsão de desempenho daeconomia brasileira e da sua empresadepende agora ainda mais dos EUA.

Participe deste Seminário InterNews queabordará os cenários mais prováveis daeconomia americana e os seus impactos noBrasil. Venha debater com renomadoseconomistas os novos riscos que asperspectivas econômicas apresentam para asua empresa.O novo cenário internacionalimpedirá novos cortes na taxa básica de jurosbrasileira?

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DEFESA DO CONSUMIDOR

Atendimento ao público não melhorou com call center do BC

Em sintonia com aPolítica Monetária

DEMAB

“O PAC não é um planode desenvolvimento”

ENTREVISTA/SÉRGIO MIRANDA

Sozinhos e mal pagos

FUNCIONALISMO PÚBLICO

Cobrança já responde por 15% da receita dos bancos

TARIFAS BANCÁRIAS

A luta contra a violência do assédio moral

DIREITOS DO SERVIDOR

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Cobrança já responde por 15% da receita dos bancos

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“É preciso colocar o trabalho como elemento central da agenda do desenvolvimento”

ENTREVISTA/Marcio Pochmann