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Setembro de 2005 • Ano 2 • nº 14 www.desafios.org.br do desenvolvimento O futuro da educação É tempo de discutir o Fundeb e a garantia de ensino público de qualidade para todos os brasileiros desafios Setembro de 2005 • Ano 2 • nº 14 desafios R$ 8,90 MEDALHA DE OURO Como o Brasil conseguiu criar as melhores seleções de voleibol do mundo em todas as categorias ENTREVISTA Joseph Stiglitz, prêmio Nobel, sugere agenda de ações para mudar a geopolítica atual CONTAS PÚBLICAS Pesquisadores do Ipea propõem ajuste das contas públicas para desenvolvimento de longo prazo Getty Images capa desafios 14-1 31/08/05 16:12 Page 1

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do desenvolvimento

O futuro da educação

É tempo dediscutir o Fundebe a garantia deensino públicode qualidade paratodos os brasileiros

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05

• Ano 2

• nº 14

desafios

R$ 8,90

MEDALHA DE OUROComo o Brasil conseguiu criar as melhores seleções de voleiboldo mundo em todas as categorias

ENTREVISTAJoseph Stiglitz, prêmio Nobel,sugere agenda de açõespara mudar a geopolítica atual

CONTAS PÚBLICASPesquisadores do Ipea propõemajuste das contas públicaspara desenvolvimento de longo prazo

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Desaf ios • setembro de 2005 3

Carlos LopesAvanços dos países em desenvolvimento

Luciana AciolyO iuane e a inserção externa da China

Júnia Cristina P. R. da ConceiçãoO papel do Estado na certificação de produtos agrícolas

Marcelo Piancastelli de SiqueiraGastar melhor é essencial para o sucesso da política fiscal

Fábio GiambiagiEm defesa de um superávit primário de 5% do PIB

Antônio Rangel BandeiraSim ao desarmamento

Alberto FragaNão ao desarmamento

Paulo TafnerO olhar do Ipea sobre o estado da nação

desafiosdo desenvolvimento

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Entrevista Joseph StiglitzPaíses em desenvolvimento podem alterar o desenho da geopolítica atual

Educação Por uma nova escolaDefinição de novo fundo garantidor do ensino gera polêmica

Economia Em busca do ajustePesquisadores do Ipea propõem roteiro para o equilíbrio fiscal de longo prazo

Justiça A rota do dinheiro sujoA difícil tarefa de controlar e punir a movimentação de recursos financeiros ilegais

Sociedade Balanço dos resultadosBrasil cria sete metas sociais para serem cumpridas até 2015

Medicina Cura à distânciaTelessaúde avança e leva atendimento médico a comunidades distantes

Melhores Práticas Forjada a ouroPlanejamento e profissionalismo criaram a melhor seleção de voleibol do mundo

Brasil Para organizar o debateNovo livro do Ipea busca mostrar o país para todos os brasileiros

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Sumário

Artigos

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Seções

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4 Desafios • setembro de 2005

desafiosdo desenvolvimento

A educação é um dos pilares do desenvolvimento. Parece um clichê,

mas às vezes esse princípio fundamental se perde em meio a tantas

prioridades existentes num país como o Brasil. Mas é sempre bom

lembrar que estamos em um momento estratégico, pois é a hora de

discussão, no Congresso Nacional, de um novo fundo garantidor de

recursos para o ensino público de crianças, jovens e adultos que não

sabem ler e escrever – o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação

(Fundeb). Se por um lado conseguimos avançar bastante nos últimos

anos colocando mais e mais crianças nas escolas do governo, por outro

apresentamos indicadores bastante ruins quanto à qualidade do ensino

prestado nesses estabelecimentos. E tem mais, a discussão sobre a

inclusão de crianças na fase pré-escolar – isto é, até os 6 anos de idade –

no rol do público beneficiado pelos recursos federais também está na

pauta do dia.A reportagem de capa de Desafios procura esmiuçar os

principais tópicos do intenso debate que envolve o Fundeb.

O equilíbrio fiscal de longo prazo, simbolizado pela discussão acerca

do déficit nominal zero, que ocupa espaços relevantes dos jornais e nas

telinhas desde junho, também é tema desta edição. Economistas do

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) explicam e opinam

sobre a necessidade de ajustes nas contas nacionais. O tema é polêmico e

não poderá ser decidido num lance federal sem prévio debate nacional.

É nesse contexto, da troca de idéias, que esperamos colaborar com o

material aqui apresentado. Entre as opiniões ouvidas a respeito de

austeridade fiscal está a do economista, Joseph Stiglitz, prêmio Nobel,

que esteve no Brasil em agosto e concedeu entrevista exclusiva a Desafios.

Também preparamos outras opções de leitura, como a matéria sobre

o sucesso da Confederação Brasileira de Vôlei, que, cumprindo à risca

um planejamento de trabalho, aliou treinamento e gestão, e conseguiu

colocar todas as nossas seis seleções – infanto-juvenil, juvenil e adulta –

masculinas e femininas nos principais pódios mundiais. Os primeiros

passos da telessaúde no país, como andam as medidas nacionais de

combate à lavagem de dinheiro e o novo relatório de acompanhamento

dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio também fazem parte do

conjunto de reportagens desta edição.Aproveite.

Maysa Provedello, Editora-Chefe

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.org.br

Carta ao leitorwww.desafios.org.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)PRESIDENTE Glauco Arbix

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)REPRESENTANTE NO BRASIL Carlos Lopes

DIRETOR-GERAL Luiz Henrique Proença Soares

RedaçãoEDITORA-CHEFE Maysa Provedello

EDITORES Andréa Wolffenbüttel e Ottoni Fernandes Jr.

EDITORAS ASSISTENTES Lia Vasconcelos e Marina Nery

COLABORADORES Clarissa Furtado, Eliana G. Simonetti (redação), Doryan Dornelles,Ricardo B. Labastier (fotografia), Orlando (ilustração), Ivana Gomes (revisão)

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE Renata Buono

EDITORA ADJUNTA DE ARTE Luciana Sugino

ARTE Rafaela Ranzani

FOTO DA CAPA Fred Siqueira/SambaPhoto

PublicidadeDIRETORA Bia Toledo • [email protected]

BAHIA E SERGIPE Canal C ComunicaçãoTel. ( 71) 358-7010, (71) 9988-4211• e-mail: [email protected]ÍRITO SANTO • Mac Marketing e Assessoria de ComunicaçãoTelefax (27) 3229-2579 • e-mail: [email protected] GERAIS • Ponto de Vista Comunicação MarketingTel. (31) 3281-7363 • e-mail: [email protected]Á • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (41) 3019-3717 – Fax (41) 3019-3716 • e-mail: [email protected] GRANDE DO SUL • RR Gianoni RepresentaçõesTel. (51) 3388-7712 • e-mail: [email protected] CATARINA • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (48) 348-4121, (48) 9977-9124 • e-mail: [email protected]

Circulação GERENTE Flávia Cangussu • [email protected]

AtendimentoPaula Galícia (coordenadora) • [email protected]

RedaçãoSBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFTel.: (61) 315-5188 Fax: (61) 315-5031

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Distribuição Dinap S.A. Distribuidora Nacional de Publicações

Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaMinistério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoOrganização das Nações Unidas

OS ARTIGOS E REPORTAGENS ASSINADOS NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO IPEA E D OPNUD.É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

JORNALISTA RESPONSÁVEL • Maysa Provedello

Patrocínio Apoio

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GIROp o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

“Viver em favelas não é maissinônimo de pobreza”, essa foi aprincipal constatação de JanicePerlman, professora de Urbanis-mo da Universidade de Colum-bia, nos Estados Unidos. Ela es-tudou as favelas cariocas por doisanos, no final da década de 60, eagora voltou para visitar os mes-mos locais que havia freqüenta-do há mais de 30 anos e encon-trar as mesmas pessoas. Ficousurpresa com o que viu.

De acordo com Perlman, quetambém trabalha para o BancoMundial, as diferenças são enor-mes, a começar pelas própriascasas, que eram de madeira oupapelão e atualmente são de alve-naria. O acesso ao fornecimentode luz e água também é novi-dade. Ela lembra que, no passa-do, a eletricidade era roubada darede urbana, a água recolhida debicas no alto dos morros e o es-goto corria a céu aberto. O que se

encontra dentro das casas nãohavia antigamente: aparelhos detelevisão, ar-condicionado, má-quinas de lavar roupas e outroseletrodomésticos. Perlman repa-rou que muitos possuem carro ecomputador. “Como não dis-põem de dinheiro para compraruma casa fora da favela, acabamgastando em bens de consumo.”

Porém, não há somente boasnotícias. Novos problemas surgi-ram nesse período, entre eles oaumento da violência e do de-semprego.“O analfabetismo pra-ticamente foi erradicado. Muitosjovens concluem o ensino médio,mas não conseguem trabalho.”Aprofessora diz que, apesar de seesforçarem para ser consideradoscomo qualquer habitante da ci-dade, os moradores da favelacontinuam sendo estigmatiza-dos, explorados economicamen-te, manipulados politicamente eexcluídos social e culturalmente.

Urbanismo

Favela, 30 anos depois

Em 2000, a família de Gilva-nete Rodrigues tinha uma rendaper capita de 70 reais mensais, oque a enquadrava entre os bene-ficiados do Programa Bolsa Fa-mília. Durante cinco anos ela re-cebeu o auxílio de 23 reais pormês. Há três meses, a história deGilvanete mudou: ela conseguiuum emprego de faxineira e aaposentadoria do marido au-mentou. Ao refazer as contas,Gilvanete viu que não tinha maisdireito ao benefício. Não tevedúvidas. Foi até a Secretaria doTrabalho e Ação Social de Pom-bal, na Paraíba, onde mora, e de-volveu seu cartão para que ou-tras pessoas mais necessitadasque ela possam receber ajuda.Estar empregada e não precisarmais do Bolsa Família é umavitória para Gilvanete. “Os diasmais felizes da minha vida são osque eu passo aqui no meu tra-balho, no posto de saúde”, con-ta ela.A atitude de Gilvanete nãoé um ato isolado. Só em Pombal,que tem cerca de 32 mil habi-tantes, 211 pessoas já devolve-ram seus cartões e abriram mãodo auxílio. Exemplos assim mos-tram que valores como honesti-dade e solidariedade sobrevi-vem, mesmo quando tudo indi-ca que estão em extinção.

É sabido que inovação é apalavra de ordem do desenvolvi-mento, mas é impossível inovarsem investimentos. As empresasbrasileiras investem, em média,0,6% de seu faturamento totalem pesquisa e desenvolvimento(P&D) por ano, enquanto naAlemanha esse percentual é de2,7% e, na França, de 2,5%. Afalta de linhas de financiamentoadequadas é um dos maiores en-traves para alavancar a inovação,segundo análises do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada(Ipea) no trabalho “Inovações,padrões tecnológicos e desem-penho das firmas industriaisbrasileiras”. Para mudar essecenário, o Ipea propôs à AgênciaBrasileira de DesenvolvimentoIndustrial (ABDI) um programade incentivo à inovação no país.A idéia é criar um fundo reem-bolsável que utilize recursos doFundo de Amparo ao Traba-lhador (FAT) no valor de 1 bi-lhão de reais por ano. Os obje-tivos são aumentar os investi-mentos das empresas em P&Ddos atuais 0,6% para 1,5% de seufaturamento em oito anos e tam-bém, no mesmo prazo, dobrar onúmero de graduados e pós-graduados ocupados com P&Dnas indústrias brasileiras. O fi-nanciamento deverá ter condi-ções de carência, prazo e jurosadequados às atividades inovati-vas.A idéia, portanto, é financiarprojetos de tecnologia com gran-de potencial econômico e co-mercial. Um programa dessa na-tureza e com esse alcance poderáser o carro-chefe da política in-dustrial voltada para a inovaçãotecnológica.

Tecnologia

Uma mãona roda dainovação

Ética

Brava gentebrasileira

Reuters

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Monitor das reformas

Com grande parte da força de trabalho do Congresso voltada para asComissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMI), as reformasficaram em segundo plano, com exceção da reforma política, que pre-cisa ser votada até o final de setembro para vigorar nas eleições de2006.A ordem de apreciação das diversas partes da reforma já foi es-tabelecida. O primeiro item da lista será a fidelidade partidária. Se foraprovada, a composição da Mesa Diretora da Câmara e das comissõespermanentes será calculada pelo número de deputados eleitos em ca-da bancada. A medida visa inibir o troca-troca de partidos. Em segui-

da, será votada a proposta de emenda à Constituição que acaba com aobrigatoriedade da verticalização das coligações partidárias, isto é,os partidos não precisarão mais formar nos estados e municípios asmesmas alianças que são feitas em nível nacional. O terceiro item aser analisado será o projeto de lei que estabelece o financiamentopúblico de campanhas, cria o voto de legenda em listas preordenadasde candidatos, institui as federações partidárias, abranda a cláusulade barreira e muda as regras de pesquisas e de propagandaseleitorais.

O momento do dia em queocorrem mais acidentes nas ro-dovias brasileiras é às 6 da tarde,justamente durante a troca de tur-no dos policiais federais.O pior diada semana em termos de acidentesé o domingo, e o melhor é a terça-feira. Essas são algumas das con-clusões do estudo “Impactos so-ciais e econômicos dos acidentes detrânsito nas rodovias brasileiras”,feito pelo Instituto de Pesquisa Eco-

nômica Aplicada (Ipea).O mês du-rante o qual é registrado o maiornúmero de desastres é dezembro,enão o mês de Carnaval, comomuitos imaginam. Mas os aciden-tes não se concentram somente emdeterminados meses, dias e horas,eles também se repetem nos mes-mos locais.Apenas seis,das mais de70 rodovias federais,responderampor 52% dos desastres no ano pas-sado. A campeã foi a BR-381, co-

nhecida como Fernão Dias, queliga o Espírito Santo a São Paulo,passando por Minas Gerais. Esseresultado era previsível.O segundolugar, porém, surpreendeu os pes-quisadores. Ficou com a BR-450,uma pequena estrada de ligação,que parte de Brasília e tem só 36quilômetros de comprimento. Olevantamento do Ipea já está na se-gunda etapa,cujo objetivo é quan-tificar os custos dos acidentes de

trânsito.Para isso,foi criado o Con-selho de Acompanhamento doProjeto, que conta com represen-tantes do Denatran, Ministério daDefesa, Ministério da Saúde, Mi-nistério dos Transportes, PolíciaRodoviária Federal, Polícia Rodo-viária de São Paulo, AssociaçãoBrasileira de Indústrias Químicas,Associação Brasileira de Transpor-tes Públicos e Sociedade Brasileirade Ortopedia e Traumatologia.

Trânsito

Anatomia dos acidentes

O e-commerce acaba de chegarao coração da selva Amazônica.Ainiciativa foi do Programa Saúde eAlegria, em parceria com o Pro-grama Nacional de Florestas da Se-cretaria de Biodiversidade e Flo-restas do Ministério do Meio Am-biente, que desenvolveu o portalwww.mercadoamazonia.com.br,onde são expostos diversos pro-dutos elaborados pelas popula-ções ribeirinhas, indígenas, cabo-clas e quilombolas.Há a descriçãode cada mercadoria, o preço, oprazo de entrega, a localizaçãogeográfica dos artesãos e um nú-mero de telefone para que o inter-

nauta faça a compra diretamente.Além disso, há um pequeno textoexplicando o valor social e culturalde cada produto. As mercadoriassão classificadas em oito categorias:alimentos, brinquedos, fitoterá-picos, imagens, matérias-primas,moda e acessórios, música e ins-trumentos musicais, e objetos dedecoração. O site traz a direção dearte de Gringo Cardia, designerque assinou cenários de vários su-cessos teatrais, e as imagens do fa-moso fotógrafo de natureza Ara-quém Alcântara.Vale a pena umavisita,mesmo que seja apenas paradesfrutar o visual.

Amazônia

Novas fronteiras do e-commerce Luiz Claudio Marigo

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8 Desafios • setembro de 2005

C a r l o s L o p e sARTIGO

cooperação entre países em desenvolvi-mento não é um fenômeno recente. Em1955,durante a Conferência de Bandung,na Indonésia,países do chamado Terceiro

Mundo,cujos anseios internacionais circulavam àmargem do embate Leste-Oeste em plena GuerraFria,reuniram-se para discutir a descolonização eo neocolonialismo,além de trazer o conceito de de-senvolvimento para o centro do debate.O sucessoatribuído à Conferência de Bandung estava muitomais ligado à sua capacidade de identificar espaçosno sistema internacional,que poderiam ser utiliza-dos pelos países do Sul,do que às suas vitórias con-cretas no curto prazo. Nas três décadas seguintes,o tema desenvolvimento passou a ser incluído nosdebates internacionais e a demanda por alteraçõesna estrutura internacional tornou-se bandeira dospaíses em desenvolvimento.

Tendo como pano de fundo a crescente e pro-funda interdependência entre os países,em junhode 2003 Brasil,Índia e África do Sul uniram-se noGrupo dos 3 (G-3).O grupo totaliza 1,2 bilhão depessoas, inclui a maior democracia do mundo,tem um Produto Nacional Bruto (PNB) de apro-ximadamente 1,1 trilhão de dólares e representacerca de 3% do comércio global.

O G-3 permitiu que os países do Sul tivessemmaior reconhecimento internacional, principal-mente diante dos países do Norte. Recentementeos ministros de Finanças do G-7 convidaram oG-3 e a China para discutir informalmente, pelaprimeira vez, o alinhamento de políticas mon-etárias. Do mesmo modo, outras lideranças doSul participam das cúpulas do G-8 num esforçode “alinhavar”, mesmo que sem grandes preten-sões,uma legitimidade que começava a se corroer.

A importância crescente dos países do Sul vaialém do discurso e atinge também o comércio e osfluxos de investimento internacionais. Em 1990,70% das exportações originavam-se em países de-senvolvidos e somente 25% nos países em desen-volvimento.No ano 2000,uma nova geografia co-mercial começa a se delinear, apontando para umnovo papel dos países em desenvolvimento. Em2002 e 2003, além de representarem três quartosdo aumento do volume das exportações,os países

em desenvolvimento e em transição foram respon-sáveis por 60% do aumento do volume de impor-tações,segundo dados da Conferência das NaçõesUnidas para o Comércio e o Desenvolvimento(Unctad, na sigla em inglês) de 2004.

No que tange a investimentos, a média anualdos fluxos de investimento externo direto (IED)provenientes dos países em desenvolvimento pas-sou de 5,5 bilhões de dólares, entre 1980 e 1989,para 59,6 bilhões de dólares, entre 2000 e 2003. Oaumento dos fluxos de IED Sul-Sul tem sido mo-tivado por fatores similares ao fluxo Norte-Sul: oaumento da competitividade, oportunidades li-mitadas de crescimento nos seus mercados e au-mento das compras de matéria-prima.Adicional-mente, além dos baixos custos de mão-de-obra edas oportunidades de acesso a mercados, o prin-cipal fator para o aumento dos fluxos de IED Sul-Sul aparenta ser a proximidade geográfica e oslaços culturais e étnicos. Isso se deve ao fato deque, muitas vezes, o custo de adquirir informaçãoconfiável sobre mercados externos pode ser alto,sobretudo para empresas pequenas no Sul.O IEDSul-Sul também se beneficia de incentivos fiscais(entre outros) oferecidos pelos países em desen-volvimento, como acontece na China e na Malá-sia. O Banco Mundial estima que o IED Sul-Sulcontinuará a ser significativo nos próximos anos,já que as tendências indicam um aumento dosfluxos nas três grandes regiões em desenvolvi-mento, África, Ásia e América Latina.

Entretanto, apesar de todos esses avanços econquistas,o G-3 ainda tem muitos desafios a en-frentar. É crucial que esses países atuem na dimi-nuição das grandes desigualdades sociais,um ele-mento perverso que impede que os efeitos do bomdesempenho comercial resultem em reais benefí-cios aos mais pobres. Promover a eqüidade exigeum esforço articulado de políticas que incluam,entre outras coisas,melhoria na qualidade da edu-cação, superação das desigualdades raciais e degênero e promoção do acesso à terra, asseguran-do uma integração cidadã.

Carlos Lopes é representante no Brasil do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (Pnud) e da Organização das Nações Unidas (ONU)

Avanços dos países em desenvolvimento

“A importância

crescente dos países

do Sul vai além do

discurso e atinge

também o comércio

e os fluxos de

investimento

internacionais”

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10 Desafios • setembro de 2005

Países em desenvolvimento podem alterar o desenho da geopolítica atual ENTREVISTA

oseph Stiglitz é um superstar da economia. Prêmio Nobel em 2001, é professor na Univer-sidade de Columbia, em Nova York. Mas boa parte de seu tempo é dedicada a falar a respeitodos riscos da globalização econômica, em palestras, conferências e reuniões ao redor do mun-

do em companhia dos mais diversos tipos de celebridade, que ocupam desde os tradicionais meiosacadêmicos até os agitados celeiros artísticos. “Não sou contra esse movimento, mas ele precisa seradministrado”, costuma repetir. No início de agosto, ele esteve no Brasil para participar de um semi-nário do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul, realizado no Rio de Janeiro, e falou comexclusividade a Desafios sobre o atual cenário econômico e sobre a cooperação entre os países emdesenvolvimento no chamado diálogo Sul-Sul.

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Nova agenda de cooperação

Daniel Vargas

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Desaf ios • setembro de 2005 11

de diversos modos, um deles seria um fundo comum para ser usado em caso de emergência

Curiosamente, na mesma cidade de Gary,no estado de Indiana, nos Estados Unidos, on-de nasceu Joseph Stiglitz em 1943, tambémnasceu outro prêmio Nobel de Economia, PaulSamuelson, agraciado em 1970. Segundo opróprio Stiglitz, o fato de Gary ser uma cidadecom população de maioria negra, ter seu pas-sado ligado ao setor de mineração e haversofrido com o processo de desindustrializa-ção exerceu influência direta em suas escolhasfuturas pelas pesquisas ligadas ao impacto docrescimento econômico, da desigualdade edas falhas de mercado.

Stiglitz percorreu um caminho acadêmicodos mais nobres. Concluiu doutorado no Insti-tuto de Tecnologia de Massachusetts e, em1970, tornou-se professor titular na Universi-dade de Yale.Também atuou como professor epesquisador em Oxford e Cambridge, na In-glaterra, e Princeton, Stanford e Columbia,nos Estados Unidos – na última dá aulas atéhoje. Seus estudos econômicos gravitam pordiversos campos, entre eles finanças públicas,crescimento, teorias sobre mercados e efi-ciências das economias capitalistas, distribui-ção de renda e economia da informação.

Além de trabalhar na academia, Stiglitzexerceu várias funções como consultor econô-mico. Entre os anos de 1993 e 1997 ocupouo posto de chefe do conselho de assessoreseconômicos do governo Bill Clinton, na Presi-dência dos Estados Unidos. A partir de 1997,assumiu a cadeira de economista-chefe doBanco Mundial, de onde saiu em 2000, depoisde criticar publicamente as políticas adota-das tanto pelo próprio banco quanto pelo Fun-do Monetário Internacional.Ele discordava dosmodelos neoliberais impostos aos países emdesenvolvimento, que não consideravam prio-ritários os aspectos humanos.

No final do ano, deve lançar mais um li-vro, chamado Administrando a Globalização,no qual apresentará propostas para uma agen-da global mínima pró-desenvolvimento com fo-co na eqüidade e em um novo desenho dageopolítica atual.

Sem medo de polemizar

Desafios – O Consenso de Washington for-

neceu um roteiro liberal para as economias de

países em desenvolvimento, o que incluía privati-

zações e rigor f iscal. O senhor acha que ele ser-

viu para melhorar a vida nesses países?

Stiglitz – O Consenso de Washingtonjá nasceu cheio de erros, e não souapenas eu quem diz isso. Costumodestacar três pontos principais em re-lação a essa questão. O primeiro é aimportância da eqüidade para o de-senvolvimento, completamente igno-rada quando foi elaborado o Con-senso de Washington – ela não é se-quer citada. O segundo é a relevânciado emprego, fundamental para pro-mover a igualdade e para atribuirpoder às pessoas, mas desconsideradono Consenso de Washington. Por fim,também é primordial pensar cada vezmais no papel do Estado. Eu não acre-dito que os governos devam cuidar detudo, mas também rejeito totalmentea idéia de que o Estado não precisa fa-zer nada. É o que costumam chamarde terceira via. Uma das críticas ao con-senso é o fato de ter subestimado o pa-pel do Estado. Hoje, percebemos que oconsenso, que nasceu como uma so-lução, não se mostrou uma condiçãonecessária ou suficiente para o suces-so do desenvolvimento.

Desafios – Seria, então, o caso de o Estado

ser mais atuante na regulação da economia?

Stiglitz – É o caso de termos a regu-lação na medida certa, aquela neces-sária para promover a competição, agovernança corporativa e muitos ou-tros aspectos importantes que favore-çam um ambiente positivo para o de-senvolvimento. Mas é claro que exis-tem áreas que não necessitam de maisregulação, e aí é melhor não tê-la.

Desafios – De que forma os países em desen-

volvimento podem cooperar e criar uma agenda

comum de crescimento?

Stiglitz – É bom lembrar que a antigaagenda de desenvolvimento, praticada

até agora, não é necessariamente favo-rável aos países do hemisfério norte,mas sim aos interesses específicos dealgumas pessoas daquela região. Porexemplo, são apenas alguns cidadãosamericanos que se beneficiam do pro-tecionismo oferecido pelo governo aos25 mil produtores de algodão, e nãotoda a população do país. Isso se re-pete em todo o mundo. A agenda do-minante de comércio não deixa todosos países participarem de forma igua-litária do jogo, traz melhorias apenaspara uma pequena parcela de cida-dãos, tanto do norte quanto do sul. ACooperação Sul-Sul pode reforçar umredesenho dessas relações e uma novageopolítica.

Desafios – Como os países em desenvolvimen-

to podem atuar em conjunto?

Stiglitz – De várias formas. Uma delasdiz respeito ao intercâmbio de infor-mações. Existe um espaço muito ricopara a troca de experiências entre ospaíses desse eixo. Por exemplo, é pre-ciso que sejam conhecidas algumas dasmedidas que a Índia vem tomando nosúltimos anos, com sucesso, para criarempregos. São iniciativas interessan-tes. Também é um país que conseguecriar ações específicas para levar omercado financeiro a servir todas aspartes do país, o que não aconteciaantes.Assim como a Índia, cada naçãotem suas lições a repassar, e todos têmo que aprender. Há um enorme valornesse tipo de troca de informações. Enão se trata apenas de discutir os exem-plos bem-sucedidos, mas também asfalhas, de forma a aprender com oconjunto de lições.

Desafios – Algo como redesenhar a geopolíti-

ca existente hoje?

Stiglitz – Exatamente, essas discus-sões globais devem servir para rede-senhar a geopolítica. No caso do co-mércio e dos direitos de propriedade,por exemplo,os países podem se juntar

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12 Desafios • setembro de 2005

como essa, mas é bom lembrar quepodem não funcionar como plane-jado. É só olhar para a União Européiae verificar o descontentamento com aregra fixada pelo Tratado de Maas-tricht, que impede os países-membrosde apresentar déficit superior a 3%. Amaior parte das pessoas por lá acreditaque é um grande erro. Para tentar re-solver a questão, buscam redefinir oconceito de déficit. Portanto, eu acre-dito que fixar metas rígidas de déficitnominal em Constituição é um errograve. Eu lutei muito nos Estados Uni-dos contra esse tipo de pensamento,contra um limite constitucional. A iro-nia é que os principais proponentes daidéia de um limite eram os republica-nos, que hoje em dia são os grandesresponsáveis pela situação deficitáriado país. Existem outras saídas maisinteligentes para resolver o problemaorçamentário.

Desafios – O senhor acredita ser necessário e

possível que os países em desenvolvimento fa-

çam controle de ingresso e saída de capitais nos

dias de hoje e no futuro?

Stiglitz – Existem casos em que essetipo de mecanismo funcionou muitobem, como no Chile, que controlou ofluxo, e na Malásia, que cuidava da saí-da de capitais. Mas nunca devemos es-quecer dois itens muito importantes,mesmo quando não há problemas defluxo de capitais: entradas de capitaisde curto prazo não provocam o cres-cimento econômico rápido. Não dápara construir fábricas com o dinhei-ro que entra num dia e sai no outro. Osegundo ponto é que o fluxo de capi-tal de curto prazo pode contribuirenormemente para a instabilidadeeconômica. Muitos economistas ar-gumentam que só é possível atrair in-vestimentos estrangeiros quando exis-te um mercado de capitais aberto, in-clusive no caso do curto prazo. Mas es-tá errada essa afirmação. A China temcontrole de entrada de capitais e atraimuito mais investimento direto es-trangeiro do que qualquer outro paísem desenvolvimento.

ração entre si, tanto no campo docomércio como no das finanças. Umtipo de iniciativa que pode ser pensa-da nesse sentido é a criação de reser-vas monetárias nas moedas comunsdessas nações, com menos dólares emcaixa. E ainda a criação de uma espéciede pool de reservas, um fundo co-mum, que possa ser sacado em casode emergência.

Desafios – No caso brasileiro, qual a possibili-

dade de sucesso ao se combinar uma política de

déf icit nominal reduzido, a médio prazo, com a

política monetária?

Stiglitz – Parte do problema no Brasil éque a política monetária praticada re-sultou em taxas de juro muito elevadase em alta dívida fiscal. Depois da Se-gunda Guerra Mundial, os EstadosUnidos tinham uma grande dívidatambém, porque tiveram de emprestarmuito dinheiro para autofinancia-mento. Mas o Banco Central optou pormanter as taxas de juro baixas, em par-te para limitar os gastos que seriam fei-tos para pagar o serviço dessa dívida.Esse tipo de pensamento não pareceestar muito em voga hoje em dia. En-tão, o que as taxas de juro causam hojeé um problema orçamentário muitodifícil para o Brasil, pois existe um cus-to altíssimo para pagar o serviço da dí-vida. Há várias saídas para essa situa-ção. Um exemplo seria captar recursosde depósitos diretos, em vez de emitirtítulos. Outra coisa que pode ser feita éforçar a queda, é o governo dizer quevai colocar dinheiro somente nos ban-cos que reduzirem seus spreads.

Desafios – No mês passado, houve um intenso de-

bate no Brasil sobre a proposta de inscrever na Cons-

tituição que a meta do governo deve ser, dentro de al-

gum tempo, zerar seu déficit, sendo capaz inclusive de

pagar os juros da dívida pública. Qual sua avaliação a

respeito desse tipo de medida?

Stiglitz – Eu entendo bem a preocupa-ção que os elevados déficits causamquando duram muito tempo, princi-palmente porque geram problemas pa-ra as gerações futuras, e que economis-tas e governantes busquem soluções

e dizer: “É dessa maneira que pen-samos que a comunidade global deveseguir”. Com novos debates, será pos-sível ir mudando o formato do mode-lo de globalização. Os países tambémpodem criar formas efetivas de coope-

“A troca de informações

entre os países em

desenvolvimento

tem enorme valor, e não

se trata apenas de discutir

os exemplos bem-sucedidos,

mas também as falhas,

de forma a aprender

com o conjunto de lições”

d

Daniel Vargas

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14 Desafios • setembro de 2005

L u c i a n a A c i o l yARTIGO

pequena valorização da moeda chine-sa, o iuane, em 2% em relação ao dólarnorte-americano, ocorrida em julhoúltimo, levou muitos analistas a con-

siderar que essa mudança foi mais um ato sim-bólico em resposta às pressões americanas, e queas autoridades chinesas permanecem interes-sadas em manter o iuane desvalorizado. Anali-sando o papel que o iuane vem exercendo nopadrão de inserção internacional da China, par-ticularmente nos fluxos de investimentos diretosexternos, é possível entender a cautela chinesa.

A partir de meados dos anos 80, quando osEstados Unidos decidiram reverter a grande valo-rização do dólar, os japoneses, que haviam obti-do elevados superávits comerciais com aquelepaís, viram sua moeda valorizar-se, afetando suasexportações e causando muitos prejuízos a seusbancos e corretoras. Esse período de valorizaçãodo iene ante o dólar deu início ao movimento dedeslocamento da indústria japonesa para os paí-ses da região.Nessa mesma época,a China já con-tava com uma moeda desvalorizada, completa-va sua primeira década de crescimento acelera-do e implementava com êxito seus programas dereforma econômica, combinando uma estraté-gia exportadora agressiva com uma política deatração de investimentos diretos externos para asZonas Econômicas Especiais (Zees).

De 1985 a 1995,período em que a moeda japo-nesa permaneceu fortemente valorizada em re-lação ao dólar norte-americano, a China, assimcomo outros países asiáticos, beneficiou-se dosinvestimentos diretos japoneses, de Hong Konge de Cingapura e também do comércio regionalassociado a esses investimentos. O Japão foi ogrande fornecedor de bens de capital para a Chi-na e para os dez países da Associação dos Paísesdo Sudeste Asiático (Asean, da sigla em inglês) epara a Coréia, com os Estados Unidos transfor-mando-se nos maiores importadores líquidos daprodução manufatureira regional. Em 1995, coma desvalorização do iene frente ao dólar, diminuí-ram os investimentos diretos japoneses vincula-dos às exportações asiáticas para terceiros mer-cados, particularmente para os Estados Unidos,

com impacto negativo na dinâmica regional.Como esses países tinham regimes cambiais

vinculados ao dólar, a valorização da moeda nor-te-americana levou à valorização real das princi-pais moedas asiáticas. Um ano antes o iuane ha-via sido desvalorizado e o governo chinês deci-diu que manteria a taxa fixa nominal de câmbiodo iuane/dólar.A partir de então, a China passoua deslocar os produtores do Asean, a receber ele-vados montantes de investimentos diretos ame-ricanos e a constituir-se num grande mercadoasiático; a estabilidade do iuane passou a contra-por-se à instabilidade do iene ante o dólar e apolítica de sustentação de sua taxa nominal decâmbio a partir de 1997 ajudou na superação dacrise asiática, evitando a corrida cambial, alémde afirmar a estabilidade da moeda-chave para ocomércio regional.

A estratégia de desenvolvimento da Chinatem sido baseada, de um lado, na expansão deseu mercado doméstico e no crédito interno. Aindústria doméstica tem papel relevante nocrescimento global da economia. A exportaçãode produtos industrializados garante a geraçãode divisas, o que mantém o ritmo da moderni-zação. Nesse sentido, a política de abertura dopaís, mediante a atração de investimentos dire-tos estrangeiros, resultou num padrão de in-serção internacional bastante diferenciado emrelação à maioria dos países em desenvolvimen-to. A estabilidade cambial obtida com a forma-ção de reservas em dólar foi pedra angular des-sa estratégia, além de reafirmar a liderança daChina na Ásia.

Talvez por isso o porta-voz do Banco Centralda China, quando perguntado se o governo chi-nês continuaria a valorizar o iuane, tenha res-pondido que o gradualismo é um dos princípiosmais importantes da reforma nos mecanismosde estabelecimento da taxa de câmbio na China.Ele também afirmou que impactos negativos deuma grande valorização sobre a economia, es-pecialmente sobre bancos e exportadores, nãoatenderiam aos interesses fundamentais do país.

Luciana Acioly é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

O iuane e a inserção externa da China

“A estabilidade

cambial obtida com a

formação de reservas

em dólar foi

pedra angular da

estratégia de atração de

investimentos, além de

reafirmar a liderança

da China na Ásia”

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Desconhecimento da real idade e disputa de recursosentre estados e municípios podem prejudicar o debatesobre a qualidade do ensino, e a decisão do Congressoacerca da criação de um novo fundo de f inanciamentopara a rede pública

EDUCAÇÃO

escolaPor uma nova

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Desaf ios • setembro de 2005 17

tema em vigor.Tem qualidades e falhas.De-manda o envolvimento de todos para quesejam feitos ajustes antes da votação.

Hoje o giz,o salário dos professores,pra-ticamente tudo o que diz respeito ao ensinofundamental é financiado pelo Fundef.Tra-ta-se de um fundo que, além de transferirrecursos para escolas públicas estaduais emunicipais, equilibrando a situação emregiões mais pobres e mais ricas, redefiniuo papel da União,dos estados e dos municí-pios na oferta do ensino obrigatório e gra-

ma questão deveria estar atraindoa atenção de todos, pois diz res-peito principalmente às crianças,aos jovens e ao futuro do país. É a

que envolve o atendimento mais abran-gente e de melhor qualidade na rede públi-ca de ensino. Hoje os indicadores brasi-leiros são piores do que os da Argentina,osdo Uruguai e os do Chile, para ficar só naAmérica do Sul.“O Brasil é um país rico,mas está muito atrasado. Nossas escolastêm quadro-negro e carteiras, mas estão searrastando. É essencial que a sociedade semobilize para que haja avanços rápidos noque diz respeito à qualidade de ensino”,dizCláudio Moura e Castro, um dos maioresespecialistas em economia e educação dopaís, que foi consultor do Banco Mundial,do Banco Interamericano de Desenvol-vimento e da Organização Internacional doTrabalho. Ele lançou em agosto o livroCrônicas de uma Educação Vacilante.“Considerando nossa renda per capita,de-veríamos ter um ensino muito mais quali-ficado”, diz.

O Brasil atravessa um período críticonessa área especialmente porque a fonte derecursos que vem sendo utilizada para amanutenção do ensino público fundamen-tal vence em 2006. É o Fundo de Manuten-ção de Desenvolvimento do Ensino Funda-mental e de Valorização do Magistério(Fundef),criado com o objetivo de univer-salizar o acesso ao ensino fundamental em1996,com validade de dez anos.O governofederal enviou ao Congresso a proposta decriação de um novo fundo, o Fundo deManutenção e Desenvolvimento da Educa-ção Básica e de Valorização dos Profissionaisde Educação (Fundeb),para substituir o sis-

Retrato de disparidade

Taxa de atendimento de crianças e jovens em escolas públicasbrasileiras por faixa etária (em % da população total do grupo)

Fonte: Inep

9,4

61

96

83

15

Até 3 anos

de 4 a 6 anos

de 7 a 14anos

de 15 a 17anos

de 18 a 24anos

tuito.Entretanto,ao privilegiar o acesso uni-versal ao ensino fundamental,deixou de la-do a concepção de educação básica contidana Lei de Diretrizes e Bases da Educação(LDB) – que compreende a educação infan-til, fundamental e média como um únicobloco – e,dessa forma,foi central para a am-pliação da demanda pelo ensino médio semque houvesse previsão de como atendê-la.Fez crescer o número de jovens que pas-saram para o nível médio e não estava pre-parado para atender a todos.

Segundo o ministro da Educação Fer-nando Haddad,“ao tratar exclusivamentedo ensino fundamental, o Fundef acabouprejudicando o próprio ensino fundamen-tal.A criança que não foi preparada na pré-escola não consegue enfrentar o currículoescolar. Além disso, fica desestimuladaquando chega à oitava série sem a oportu-nidade de continuar os estudos no ensinomédio. Portanto, entra no ensino funda-mental despreparada e sai desestimulada.OFundeb busca corrigir esse problema ao fi-nanciar todos os níveis da educação básica”(veja ao lado gráfico com a taxa de atendimen-

to do ensino público por faixa etária).Há outras críticas ao Fundef.“Criou-se

uma ilha de prosperidade na educação fun-damental e as outras áreas ficaram abando-nadas.A capacidade de estados investiremno ensino médio ficou estrangulada”, dizRicardo Paes de Barros, pesquisador doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea). De acordo com Naércio MenezesFilho,professor da Faculdade de Economiae Administração da Universidade de SãoPaulo (FEA-USP) e da faculdade do Ins-tituto Brasileiro de Mercado de Capitais(Ibmec),“a transferência de recursos teveimpacto positivo apenas no sistema munici-pal da região Nordeste, onde a infra-estru-tura era mais deficiente.Além disso, comonão se definiu que a progressão salarial dosprofessores depende de sua produtividadee dedicação, os melhores profissionais ten-dem a migrar para as escolas privadas”.

Disparidades A proposta de criação doFundeb é uma oportunidade de cobrir la-cunas deixadas pelo Fundef (veja quadro

comparativo entre os dois fundos na pág.

18). Em seus ensaios para a elaboração do

U

Malásia

México

Argentina

Paraguai

Chile

BRASIL

Índia

Uruguai

Gastos públicoscom educação

Comparação do Brasil com algunspaíses em desenvolvimento(em % do PIB)

Fonte: OCDE – Education at a Glance 2004

7,2

5,1

4,8

4,5

4,3

4,1

4,0

3,2

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18 Desafios • setembro de 2005

A d istr ibuição da verba para a educação públ ica é fe ita de acordo com o número de

no interior de cada estado e seus municí-pios”, diz Jorge Abrahão, pesquisador doIpea que se dedica à questão.“Permanecesem solução o problema redistributivo re-gional. O diferencial entre São Paulo eMaranhão, por exemplo, é muito forte econtinuará assim.” Isso porque a dis-tribuição é feita de acordo com o númerode crianças matriculadas por escola, semconsiderar necessidades específicas acumu-ladas ao longo dos tempos em cada região.

texto da Proposta de Emenda Constitu-cional (PEC), o Ministério de Educação(MEC) pretendia que isso ocorresse, masnas negociações,que levaram cerca de doisanos, muita coisa mudou. Na forma comofoi enviada ao Congresso, a PEC 415/05não contempla muitas necessidades. “OFundeb não é muito original em compara-ção ao Fundef quanto ao tipo de recursoque entra ou não no fundo.Representa ape-nas um rearranjo das finanças educacionais

10 anos (até 2006)

ensino fundamental

31 milhões de alunos

Subvinculação: 15% decontribuição de estados e municípios: FPE; FPM; ICMS;IPIexp e desoneração deExportações (LC 87/96)

Complementação do governo federal (não existe parâmetrona CF que assegure o montantede recursos)

Nº de alunos do ensino fundamental regular e especial,de acordo com dados do CensoEscolar do ano anterior.

Fixado anualmente com diferenciação de séries (quatroiniciais e finais), rural/urbanoe educação especial

Mínimo de 60% pararemuneração dos profissionaisdo magistério. O restante paraMDE do ensino fundamental

14 anos (a partir da promulgação até 31 de dezembro de 2019)

Pré-escola, ensino fundamental e médio (excluiu creches)

47,2 milhões de alunos (a partir do quarto ano de vigência)

Complementação do governo federal (não existe parâmetro na proposta que assegure o montante de recursos). GF se comprometeua aplicar de R$ 1,9 bilhões no primeiro ano até R$ 4,3 bilhõesno quarto ano. Limita em 30% o valor dos recursos da vinculação federal para a complementação federal.

Nº de alunos da pré-escolar, fundamental e médio, de acordo com dadosdo Censo Escolar do ano anterior. Escala de inclusão: (i) alunos do ensinofundamental regular e especial, 100% a partir do 1º ano; e (ii) alunos daeducação pré-escolar, ensino médio e EJA: 25% no 1º ano; 50% no 2ºano; 75% no 3º ano e 100% a partir do 4º ano.

Fixado anualmente com diferenciações previstas para: pré-escola; ensinofundamental de acordo com as séries Iniciais e finais, urbanas e rurais;ensino médio rural e urbano; ensino médio profissionalizante; EJA;educação especial; educação indígena e de quilombolas

Mínimo de 60% para remuneração dos profissionais do magistério. Orestante para MDE de pré-escola, ensino fundamental e médio. Não diznada a respeito da remuneração dos demais profissionais da educação.

Subvinculação: 16,25% no 1oano; 17,50% no 2o ano; 18,75%no 3o ano; 20% a partir do 4oano sobre: FPE; FPM; ICMS; IPIexpe desoneração de Exportações(LC 87/96)

Subvinculação: 5% no 1o ano;10% no 2o ano; 15% no 3oano; 20% a partir do 4o anosobre: ITCMD; IPVA; IT: eIR(municipal e estadual)

Duração

Abrangência(etapas e modalidades)

Beneficiários

Fontes de recursos

Critérios de distribuiçãodos recursos – de acordocom número de alunos

Critérios de redistribuição– de acordo com o valormínimo nacional poraluno/ano

Critério para utilizaçãodos recursos

Parâmetros Fundef Fundeb

Parâmetros relevantes do atual Fundef e da proposta de Fundeb

Fonte: PEC do Fundeb Elaboração Disoc/Ipea, adaptada do site www.mec.gov.br

A disparidade entre os estados é gritante.Epode ser verificada também entre municí-pios de um mesmo estado.

Para ficar no exemplo citado por Abra-hão, o Maranhão ostenta a terceira maiortaxa de analfabetismo da região Nordeste,cuja média nesse quesito é o dobro da na-cional. Tem a pior taxa de escolaridade e omais baixo percentual de pessoas que che-gam ao ensino superior.Além disso,possuialtíssimo déficit educacional de gerações

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Desaf ios • setembro de 2005 19

passadas. São Paulo, por sua vez, tem índi-ces semelhantes aos da França.A Secretariade Educação custeia cursos de mestradopara professores da rede pública e pre-tende que até o final deste ano todas assuas escolas tenham laboratório de infor-mática (atualmente, a taxa é de 65%).

Segundo Beatriz Scavazza,coordenado-ra da Rede do Saber, um projeto de for-mação continuada que envolve 300 mil tra-balhadores em escolas estaduais paulistas,“usando a tecnologia diminuímos nossoscustos em 70%, obtivemos melhores resul-tados e estamos mudando a atitude das pes-soas”.Mas também há problemas.A Secre-taria de Educação de São Paulo despejoucerca de 200 projetos sobre sua rede de 5,7mil escolas – de meio ambiente, coleta delixo, e por aí vai.“Os diretores e os profes-sores estão sucumbindo frente a tantas tare-fas. A questão das prioridades está muitoconfusa”, diz Maria das Mercês FerreiraSampaio,professora de Educação: História,Política, Sociedade, do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Cató-lica de São Paulo (PUC-SP),que leciona pa-ra professores estaduais e orienta uma tesesobre os novos projetos da rede paulista.

Prioridade O MEC, por meio do InstitutoNacional de Estudos e Pesquisas Educa-cionais Anísio Teixeira (Inep),realizou umapesquisa sobre a relação entre a família e aescola e constatou que os segmentos maispobres da população contam com escolassimples,pequenas,desprovidas de infra-es-trutura e que oferecem exclusivamente o en-sino formal, ao passo que classes de rendamais elevada desfrutam de infra-estruturae boa qualidade de ensino.“Uma política deeducação não é como uma plantação demilho, que se colhe em quatro meses. Cor-remos o risco de sucatear o ensino funda-mental aumentando a abrangência do en-sino público obrigatório. O governo deve-ria priorizar a consolidação do que já foi al-cançado”,diz Rose Neubauer,professora daFaculdade de Educação da Universidade deSão Paulo (USP),que foi secretária de Edu-cação paulista.“Não temos sequer um estu-

do que mostre com clareza a situação emque nos encontramos.”Neubauer consideraarriscada a expansão da obrigatoriedadepara o ensino médio e infantil e o financia-mento do Estado às escolas desses níveis.

Num estudo de campo em escolas gaú-chas, Marta Sisson, professora de Admi-nistração da Educação e coordenadora doProjeto Integrado de Gestão da Escola Bá-sica da PUC do Rio Grande do Sul (PUC-RS),descobriu que,em regiões mais pobres,a maior parte dos recursos destinados àeducação é aplicada em transporte e emmerenda, em detrimento da qualidade deensino. Criou-se, assim, um modelo de es-cola com função de assistência social; pro-

blemas sociais, como é o caso da gravidezna adolescência,têm de ser enfrentados porprofissionais despreparados; e, embora es-tejam equipadas com computadores, as es-colas não estão se modernizando no ritmonecessário. Essa é a média. Há exceções eelas são construídas pela criatividade e peloempreendedorismo de alguns indivíduos.“A importância das pessoas para a qua-lidade do ensino é enorme”, afirma Sisson.

Quem põe a mão na massa sabe que ospesquisadores estão corretos.“Vivemos 500anos sem uma política consistente para aárea da educação. Temos muitos Brasisdentro do Brasil.Os profissionais não estãopreparados para lidar com tamanha com-

c r i anças mat r i cu l adas por esco l a , sem cons i derar necess i dades de cada reg i ão

Alunos da Escola Que Vale, no Pará, que recebe o apoio da Fundação Vale do Rio Doce, uma das muitas ONGs

que contribuem para melhorar o ensino no país

Divulgação

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É e v i den te a necess i dade de ma i s recur sos para a educação e os va l o res a i nda

que compara o investimento do Brasil em edu-

cação com o de outros países na pág. 17).

Em agosto, Robert Evan Verhine, espe-cialista em economia da educação e pes-quisador do Centro de Estudos Interdis-ciplinares para o Setor Público da Univer-sidade Federal da Bahia (UFBA), apresen-tou ao MEC o relatório de uma investigaçãofeita em oito estados para determinar o cus-to por aluno em escolas públicas de quali-dade, definidas com base em indicadorescomo infra-estrutura,relação entre númerode estudantes e professores e qualificação docorpo docente. Chegou a um valor muitosuperior ao estabelecido pelo Fundef:na mé-dia, o gasto necessário para garantir edu-cação de qualidade é 2 mil reais por alunoao ano – atualmente, essa quantia varia de800 reais (em regiões mais pobres) a 1,6 milreais (em estados como São Paulo), o queresulta num investimento médio de cerca de

cas.“O grande receio é que o governo fe-deral vá paulatinamente se desincumbindode aplicar recursos no Fundeb.Sem a com-plementação da União em nível suficiente,as desigualdades regionais tenderiam amanter-se ou a aumentar”, adverte Abra-hão. E mais: “Na atual proposta, faz-semenção a valores de aluno/ano,mas não aocritério definidor desses valores – questãoextremamente relevante, uma vez que apolítica de financiamento deve buscar ga-rantir um mínimo de investimento porcriança, baseado em padrões de qualidadeadequados”.Segundo ele,“o ministério nãoavançou na pesquisa dos custos e da quali-dade da rede pública, o que é temerário, jáque é evidente a necessidade de maior apor-te de recursos para a educação e os valoresde investimento per capita ainda não foramdefinidos pelo governo – que levará emconta as possibilidades fiscais” (veja gráfico

plexidade, estão acuados com a violência,sem condições físicas e psíquicas de pre-parar aulas dinâmicas que atraiam os alu-nos e melhorem seu aproveitamento. Esta-mos começando a construir os próximos500 anos da história da educação e esta-mos angustiados”, diz Eunice Carvalho,que atua na rede estadual paulista desde1981,é formada em Letras e Pedagogia,temmestrado em Educação e Informática,é su-pervisora de ensino e leciona.

Instabilidade Outro problema apontadopor Abrahão do Ipea:“A proposta de emen-da constitucional incluiu apenas a definiçãoda complementação do governo federalpara até o quarto ano do fundo.Além dis-so, não o fez em termos de participaçãopercentual, mas de valores nominais”. Issosignifica que o valor pode ser corroído pelainflação ou reduzido por políticas casuísti-

Escola pública de qualidade resulta de boa administração, pessoal capacitado e material farto. A desigualdade dificulta sua disseminação no país

Instituto Sangari

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Desaf ios • setembro de 2005 21

1.000 reais no país como um todo.Com a inclusão no Fundeb das escolas

infantis e de ensino médio, cujo custo émais elevado, o problema da qualidadetende a agravar-se.“O Brasil tem de investirmuito mais em educação e isso não vemacontecendo”, constata Verhine.A questãoé que, embora a educação seja prioridade,o Brasil não pode gastar mais do que tem.“A distribuição dos recursos existentes deforma homogênea é positiva, mas os de-bates não podem ser desvinculados doOrçamento. É preciso cuidado com a idéiade que o dinheiro é a solução para todos osproblemas”,diz Reynaldo Fernandes,dire-tor-geral da Escola de AdministraçãoFazendária (Esaf), órgão do Ministério daFazenda.Fernandes é autor de outro ensaiosobre o custo da educação no Brasil (veja

tabela dos custos abaixo),denominado “Sis-tema Brasileiro de Financiamento à Edu-cação Básica: principais características, li-mitações e alternativas”.

Atraso O caso é sério e merece atenção.Segundo dados do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), 61 milhõesde brasileiros têm idade inferior a 18 anose 45% deles vivem em famílias com rendade até meio salário mínimo. O contingentede jovens brasileiros é maior do que a po-pulação total da Argentina. Todos os anoso país gera 70 mil jovens de 15 anos inca-pazes de ler ou escrever um simples recado– o que representa entre 40% e 50% donúmero de analfabetos gerados anual-mente na América Latina,segundo estima-

tivas de Paes de Barros, do Ipea. Por tudoisso, o país tem uma das sociedades maisdesiguais do planeta.“O Brasil está tremen-damente atrasado em termos de educação.A geração nascida no Brasil em 1975 foi aprimeira a alcançar uma escolaridade mé-dia de oito anos de estudo. No Chile essamarca foi obtida pelos que nasceram em1945. Os chilenos nascidos em 1975 têm,

em média,11 anos de escolaridade – o que,no ritmo atual,somente os brasileiros nasci-dos em 2006 terão”, diz Paes de Barros. “E40% da desigualdade de remuneração en-tre os trabalhadores deve-se à escolaridade.”

A superação desse problema requer edu-cação para todos,com qualidade.“O avançoda educação em termos quantitativos nãose sustenta frente à situação de iniqüidade ede disparidade na sociedade brasileira”,dizSilvio Kaloustian, oficial de projetos doFundo das Nações Unidas para a Criança(Unicef, na sigla em inglês).“A sociedadebrasileira apresenta todas as condições paraalcançar, no médio prazo, resultados rele-vantes para a garantia de uma escola públi-ca de qualidade para todos os meninos e asmeninas, o que é essencial para o cumpri-mento das Metas do Milênio estabelecidaspela Organização das Nações Unidas (ONU)até 2015.” O escritório do Unicef em Per-nambuco associou-se à prefeitura de Cabode Santo Agostinho e ao Centro de Cidada-nia Umbu-Ganzá para a implantação deum projeto denominado Ampliando Hori-zontes,que proporciona atendimento a cri-anças e adolescentes egressos das ruas e dotrabalho infantil, e a seus familiares.

No município de Cabo de Santo Agos-tinho,onde surgiu,o Ampliando Horizon-tes envolve 4,9 mil estudantes que perma-necem na escola durante todo o dia. Paraque o atendimento tivesse resultado,houvea necessidade de formação de educadores ede profissionais que trabalhassem com as2,5 mil famílias dessa turma, cuja rendavaria de 25 a 183 reais mensais,e cuja esco-

não foram def i n i dos pe lo governo, que l evará em conta as poss ib i l i dades f i sca i s

Obs.: Os valores de gasto aluno/ano estimados são de 1996 (ano de divulgação da POF). Para trazer esses valores para reais de 2003 foi utilizado o INPC, dados mensais fornecidos pelo IPEADATA. Note que não foi possível identificar qualquer diferença estatisticamente significante entre os gastos com creche e pré-escola e por essa razão ambas as etapas têm o mesmo fator relativo.

Fonte:“Sistema Brasileiro de Financiamento à Educação Básica: principais características, limitações e alternativas”, de autoria de Reynaldo Fernandes, diretor-geral da Esaf e professor licenciado do Departamento de Economia da Fearp/USP; AmauryPatrick Gremaud, diretor-geral-adjunto da Esaf e professor licenciado do Departamento de Economia da Fearp/USP; e Gabriel Ulyssea, técnico da Esaf e mestre pelo Departamento de Economia da PUC/RJ, de julho de 2004.

Creche Pré-escolar de 1a a 4a série de 5a a 8a série Ensino médio

958,07 958,07 1.201,82 1.518,22 1.894,46Nível de

ensino

Gastoaluno/ano

(R$ de 2003)

Estimativa do custo da educação

Um cenáriode dificuldades

Ensaio mostra que 2.455 cidadesbrasileiras terão resultadof inanceiro negativo com o Fundeb.Veja onde elas estão localizados

Fonte: Confederação Nacional de Municípios (CNM)

AC 11 PB 95

AL 46 PE 87

AM 35 PI 87

AP 5 PR 177

BA 174 RJ 30

CE 69 RN 74

ES 36 RO 24

GO 109 RR 8

MA 110 RS 221

MG 387 SC 132

MS 41 SE 35

MT 67 SP 266

PA 65 TO 64

UF nº municípios UF nº municípios

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“Nos próximos dez anos a questão do ensi-no básico será resolvida no país. Mais pela mul-tiplicação dos agentes que trabalham na área doque pela ação do governo”, diz Ricardo Young,presidente do Conselho Deliberativo do InstitutoEthos e participante do Conselho de Desenvolvi-mento Econômico e Social. Os problemas do en-sino público são inúmeros e têm sido minoradoscom a colaboração dos setores organizados dasociedade. Existem 34,4 milhões de crianças ma-triculadas no ensino fundamental, mas, segundodados apurados pelo Instituto Ayrton Senna (IAS),apenas 3,4% delas concluem a 8ª série em oitoanos, aos 14 anos de idade. Um curso que deve-ria ser cumprido em oito anos leva, em média,10,8 anos para ser encerrado. Considerando ataxa de reprovação de 11,8% e os 8,1% de aban-dono detectados no Censo Educacional de 2003,os cofres públicos têm um gasto anual de 6 bi-lhões de reais com a ineficiência do sistema.

O IAS tem dois projetos dedicados a diminuiressas distorções e os seus custos. Um é o SeLiga, que combate o analfabetismo no ensinofundamental, e o outro é o Acelera Brasil, para re-duzir a defasagem provocada pela repetência.

Eles foram adotados como políticas públicas nosestados de Goiás,Pernambuco,Tocantins,Paraíbae Sergipe. O Acelera atendeu, desde 1997, maisde 300 mil crianças em 363 municípios. É umaproposta pedagógica de trabalho personalizado.Na média, os aprovados avançam 1,7 série emum ano. Registra a aprovação de 99,3% ao cus-to de 13,34 reais por aluno ao mês. O Se Ligafoi criado em 2001com base na constatação deque entre 10% e 35% dos alunos da 1ª à 4ª sérienão sabem ler nem escrever. Já atendeu mais de243 mil estudantes em 519 municípios.Tem umíndice de aprovação de 95,5%, ao custo de 8,34reais por aluno ao mês. O estado de Goiás eco-nomizou 143,6 milhões de reais entre 1999 e2003. E suas crianças obtiveram quatro pontos amais nas provas de Matemática do Saeb. O resul-tado pode ser observado também na reação dosprofessores.“Antes eu fazia minha parte,mas nãopuxava os alunos a participar. Minha turma saiufazendo uns textozinhos direitinhos”, diz Ana Cris-tina de Farias Soares Lira, professora do Aceleraem Carpina, Pernambuco.

Muitas das ações desenvolvidas por gover-nos e ONGs recebem apoio do Banco Mundial, doBanco Interamericano de Desenvolvimento, daUnesco e do Unicef. Os exemplos são inúmeros,geralmente pouco conhecidos. Alguns são osseguintes. O programa de formação de professo-res do Centro de Estudos e Pesquisas em Educa-ção, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) alcan-çou 1.037 municípios de 17 estados e envolveu3.402 educadores entre 1999 e o final de 2004.Fez tamanho sucesso que se desdobrou em Nú-cleos Regionais de Formação.“Também prepara-mos gestores educacionais e agentes comunitá-rios, produzimos materiais de apoio e partici-pamos de fóruns de definição de políticas públi-cas na área de educação e proteção social”, dizZoraide Faustinoni da Silva, pesquisadora daequipe de Currículo e Escola da organização. AFundação Belgo, criada em 1988 pela Siderúr-gica Belgo Mineira, em parceria com as secre-tarias de ensino municipais, envolve a comu-nidade – o educador, o funcionário, o aluno e sua

família, em seu Programa Ensino de Qualidadepara melhorar a gestão e a qualidade da apren-dizagem.A Santista Têxtil mantém desde 2001 oprograma Ação pela Vida, que atende cerca de 10mil crianças em seis escolas de ensino funda-mental e médio em Sergipe, Pernambuco e SãoPaulo.Atua na recuperação de instalações.

Em outra seara, o projeto Literatura, do Ins-tituto Robert Bosh, promove brincadeiras e apre-sentações de histórias em sala de aula que esti-mulam a imaginação e a criatividade das crian-ças da Escola Municipal América da Costa Sabóiade Curitiba, no Paraná, em fase de pré-alfabetiza-ção.“Temos uma longa tradição na formação depessoas e, em parceria com as escolas públicas,incrementamos suas atividades”, diz CarlosAbdalla, diretor administrativo do instituto, cujo in-vestimento social e cultural em 2005 é de 4 mi-lhões de reais. A Fundação Bunge tem o projetoLeitores do Amanhã, de contadores de histórias. Ea universidade paulistana Uninove distribui livrose promove encontros com os autores, com direitoa autógrafos, em seu projeto Sementeira.“Paranossos alunos a experiência é ótima, um capitalintangível”, diz Paula Góes, que coordena os pro-jetos sociais da Uninove.

O Instituto Sangari do Brasil, com sede emSão Paulo, é o braço de uma fundação com maisde 40 anos de trabalho em 13 países. Promove aqualidade da educação científica.Há sete anos no

A sociedade civil e a educaçãoInstituições e as organizações não-governamentais também contribuem para o avanço da qualidade nas escolas públicas brasileiras

Ana Cristina Lira e seus alunos do projeto Acelera em

Aula do projeto ‘Acelera’ em Goiás

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Educação de qualidade tem ref lexo em diversas áreas da vida

maior do que a média nacional.Daí se con-clui que educação de qualidade faz bem àspessoas e também movimenta a economia.Segundo Maria do Pilar Lacerda Almeidae Silva, secretária municipal de Educaçãode Belo Horizonte e presidente da UniãoNacional dos Dirigentes Municipais deEducação (Undime), antes da universali-zação do ensino fundamental, apenas setede dez crianças entravam na escola,e só trêsseguiam seus estudos.“O acesso explicitouconflitos. Como a escola pública é para to-dos, inclui aqueles tachados de ‘desor-deiros’,‘sem condições’, ‘sem família estru-turada’, e não só os que têm ‘mérito’,‘inte-resse’e ‘disciplina’.As dificuldades de apren-dizagem sempre existiram. Ficam maisclaras quando todos devem permanecer naescola, e isso é um avanço”, diz.

Hoje, 96% das crianças brasileiras emidade escolar estão matriculadas em esco-las públicas do nível fundamental. Nos úl-timos dez anos, a ampliação do sistema foienorme e,como era de esperar,a qualidadedo ensino e o aproveitamento dos alunosnão evoluíram no mesmo ritmo.A expec-tativa é que, passado o impacto do aumen-to do volume de crianças no sistema públi-co de ensino,haja melhora no desempenhode todos. Há indicadores nesse sentido.Atualmente, de acordo com os dados doMEC,mais de 60% dos professores do cur-so básico em todo o país têm formação su-perior. Os resultados relativos a 2003 doPrograma Internacional de Avaliação deAlunos (Pisa), realizado pela Organizaçãopara a Cooperação e o DesenvolvimentoEconômico (OCDE),revelaram que,entre41 países, o Brasil apresentou o maior ín-dice de crescimento no desempenho dosalunos nas provas de Matemática e man-teve a média em Leitura e Ciências. Masainda ocupa uma das últimas posições noranking internacional e é pequena a pro-porção dos que apresentam as competên-cias adequadas às séries que freqüentam.

O Sistema Nacional de Avaliação daEducação Básica (Saeb),teste aplicado a ca-da dois anos pelo MEC, informa que, coma universalização do ensino,os resultados se

laridade,quando muito,chega à 4.ª série doensino fundamental – mais da metade dosfamiliares dos estudantes jamais sentaramnum banco de escola.Hoje as crianças pas-sam o dia todo na escola, têm atendimentopersonalizado, o nível de freqüência au-mentou e elas mostram maior facilidade nacompreensão de textos e no relacionamen-to familiar.“Agora eu estudo e não precisoficar na rua carregando frete.Aprendo umpouco de tudo, até espanhol. Sou inteli-gente e quero ter um futuro melhor”, dizWillames França da Silva, de 13 anos, quefreqüenta a turma da 4.ª série.

Atualmente, o Centro de CidadaniaUmbu-Ganzá e o Unicef, articulados coma Secretaria de Desenvolvimento Social eCidadania do governo do estado e com aAssociação Municipalista de Pernambuco,desenvolvem um projeto semelhante, oEducação de Qualidade: com Respeito àDiversidade,que abrange 15 municípios daZona da Mata, onde está sendo implanta-da a educação integral.“Aprendi uma novamaneira de caminhar,de ver o ser humano,respeitá-lo em suas diferenças, e passei aacreditar que podemos construir uma so-ciedade mais justa”, diz Erineide Dantas,coordenadora pedagógica do projeto domunicípio do Cabo.

Inclusão Educação de qualidade tem refle-xos nas áreas mais diversas da vida do serhumano. Integra o indivíduo ao meio so-cial, melhora sua auto-estima, permite suaparticipação no processo político de formamais consciente e lhe dá maior autonomia.Outro estudo feito pelo Ipea, no âmbito dacultura, apresentado na mesa-redonda “Aeconomia da cultura no Brasil – os desafiosde uma análise integrada”, demonstra queuma experiência feita em Minas Geraismelhorou vários de seus indicadores em re-lação à média nacional. O estado se ante-cipou na reforma e na descentralização doensino, em 1990. Hoje Belo Horizonte éuma das capitais onde mais se gasta comcinema, aluguel de fitas de videocassete ecompra de livros não didáticos: o dispên-dio familiar per capita com cultura é 14%

Brasil, mantém, entre outros, o programaCiência e Tecnologia com Criatividade parao Ensino Fundamental, voltado para os sis-temas públicos de ensino. A Futurekids doBrasil atua em parceria com as prefeiturasde Avaré, Guaratinguetá e Lorena, no inte-rior paulista.Leva laboratórios de informáti-ca a 49 escolas e oferece acesso às novastecnologias a crianças que estudam longedos centros urbanos. Monitores orientam osprofessores a utilizar os recursos disponí-veis. E o parque Hopi Hari recebeu 1,7 milprofessores desde o início de 2001,em umaparceria firmada com a Secretaria Estadualde Educação paulista.“Muitos professorestrazem seus alunos sem estar preparadospara aproveitar o que os brinquedos podemoferecer”, diz Márcio Miranda, coordenadorpedagógico do projeto educativo. Ele orien-ta os mestres a dar aulas de física na mon-tanha-russa, por exemplo. E as instalaçõesda estação de Belo Horizonte da Estrada deFerro Vitória a Minas (EFVM) transformaram-se também em espaços de mobilização ede aprendizado. Compõem o projeto Edu-cação nos Trilhos, uma iniciativa da Fun-dação Vale do Rio Doce,da Fundação Rober-to Marinho e do Canal Futura.A Fundação Va-le do Rio doce também mantém o projeto Es-cola Que Vale, no Pará.

Pernambuco: “Textozinhos direitinhos”

Fotos Fábio Corrêa/IAS

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nologia de Santa Catarina. “O projeto temmuitas falhas. Deixa ao desabrigo a edu-cação de crianças de zero a 3 anos de idadee a formação de técnicos de nível médio.Mas, com uma boa administração, pode-mos produzir bons resultados,mesmo compouco dinheiro”,diz.Em Santa Catarina,oensino público é universal e de qualidadeem praticamente todas as escolas. Como?Com o corte de desperdícios. Um caso: osprofessores que atendiam o balcão da se-cretaria em 1.333 escolas foram dispensa-dos da função e substituídos por secretáriosaprovados em concurso. A economia foiaplicada em áreas carentes de recursos, co-mo o Morro do Maciço,região de favela noentorno da capital, Florianópolis. Resulta-do: a nota de Santa Catarina no Índice deDesenvolvimento da Educação Básica daONU, em matéria de desempenho, saltoude 7,5, em 1998, para 8,4, em 2004.

A Undime argumenta que muitos mu-nicípios perderão com o Fundeb (veja tabela

na pág. 21). Outras organizações, como oFórum Paulista de Educação Infantil, aAção Educativa e a Fundação Orsa, fazemquestão da inclusão das crianças de zero a 3anos no âmbito do novo fundo. Elas orga-nizaram uma campanha que pleiteia não

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Ho j e a penas 1 1 ,7% dos b ebês c om i d ade e n t r e ze r o e 3 a nos c onseg uem uma

atinge a ponta mais miserável da populaçãoe incide sobre uma fase fundamental no de-senvolvimento das pessoas”, diz MariaMachado Malta Campos, pesquisadora daFundação Carlos Chagas e professora daPUC-SP. Entre zero e 3 anos, forma-se nãoapenas a personalidade,mas também a áreacognitiva. Um quadro de desnutrição e defalta de estímulos adequados nesse perío-do tem reflexos por toda a vida.

Interesses O projeto de criação do Fundebnão chega a resolver todos os problemas,mas poderá ser um passo na direção certa.Tudo dependerá dos ajustes resultantes dosdebates travados no Congresso, entre par-lamentares,governadores,prefeitos e outrosinteressados na questão, que demandarãomuita negociação. Alguns exemplos dosinteresses que estão em jogo. O ConselhoNacional de Secretários de Educação(Consed) defende a necessidade de umgrande aporte de recursos do governo fede-ral, com prioridade para o ensino médio(que é de responsabilidade dos governosestaduais).Há experiências,entretanto,queconfrontam a linha defendida pelo conse-lho.É o caso de Antônio Diomário de Quei-roz, secretário da Educação, Ciência e Tec-

mantiveram estáveis – no entanto, asamostras relativas ao último teste são muitodiferentes das anteriores,o que torna difícila comparação dos dados.“A aprendizagemestá aquém do desejável. Não se podetomar como padrão de comparação umaescola que atendia a uma parcela mínimada população”, diz Zoraide Faustinoni daSilva,pesquisadora da equipe de Currículoe Escola do Centro de Estudos e Pesquisasem Educação,Cultura e Ação Comunitária(Cenpec), organização não-governamen-tal com sede em São Paulo que desenvolveações voltadas para a melhoria da quali-dade da educação pública.

Os desafios são enormes.A jornada es-colar média da educação básica, de quatrohoras por dia, é baixa se comparada à deoutros países. Existe descontinuidade nagestão do projeto pedagógico. Adminis-tradores e professores carecem de preparopara lidar com as transformações acele-radas dos tempos modernos. E desigual-dades de todos os tipos pioram o quadro.Para dar uma idéia, o investimento públi-co anual por aluno matriculado no ensinofundamental é de 1.000 reais. Em creches,o investimento é,em média,de 168 reais aoano.“Essa é uma política muito cruel, que

As imagens mostram (da esq. para a dir.) um aluno de escola municipal de Belo Horizonte, crianças na hora do recreio e da merenda em escolas estaduais catarinenses

Divulgação Fundação Belgo Ascom SC/O. Nocetti

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apenas a inclusão das creches na PEC. De-fende a criação de uma política de financia-mento que garanta aos bebês cuidados comsaúde,alimentação,período integral,equipeinterdisciplinar e espaços adequados aoaprendizado.“As crianças, as mães e os paistêm direito a creche e a pré-escola”,diz JoséFernando Silva, presidente do ConselhoNacional dos Direitos da Criança e doAdolescente (Conanda),órgão ligado à Sub-secretaria de Direitos Humanos da Presi-dência da República.“Esse direito favorece aentrada da mulher no mercado de trabalhoe o combate à pobreza. A manutenção decontas superavitárias não pode ocupar o pri-meiro plano nas preocupações de governo.”

Atualmente, apenas 11,7% dos bebêscom idade entre zero e 3 anos conseguemuma vaga em creches públicas.A educaçãoinfantil é responsabilidade dos municípios,muitos dos quais nem sequer têm arreca-dação significativa.Segundo Fernando Sil-va, 45 cidades pernambucanas geram me-nos de 2% de seu orçamento.“Esperar queos prefeitos sejam capazes de cuidar daeducação nessas condições é trombar coma realidade”,diz.“É necessário um pacto fe-derativo, uma co-responsabilidade no fi-nanciamento à educação infantil.”Segundo

e oferece aulas de italiano, inglês e francês,além de outras atividades culturais. Nascreches,o número de crianças saltou de 350para 10 mil. E as mães que não conseguemvaga recebem 50 reais por mês para ficarcom seus filhos – desde que freqüentem se-manalmente um centro que lhes forneceorientação sobre saúde e técnicas para a es-timulação dos bebês.“Aplicamos em edu-cação os 25% do orçamento determinadospor lei, quando historicamente só se inves-tia 16%. Nossa experiência mostra que osistema público de ensino pode ser de altís-sima qualidade”,diz a secretária municipalde Educação,Eneide Moreira de Lima,quetambém é vice-prefeita.

Abrahão, do Ipea, resume essa ópera daseguinte forma:“Trata-se de uma questãonacional prioritária e complexa. Envolveum sistema grande e heterogêneo,recursosfinanceiros, humanos e estratégicos. Issoalém de interesses políticos. O Brasil pre-cisa educar crianças, jovens e adultos. Háurgência, mas o debate tende a se prolon-gar”. O fato, entretanto, é que, se não hou-ver acordo em torno da PEC, é essencialque o Fundef seja prorrogado.Sob pena deo sistema público educacional brasileiromergulhar no caos.

vaga em creches púb l i cas . A educação i n fant i l é responsab i l i dade dos mun ic íp i os

um estudo feito pela Undime, a exclusãodas creches do Fundeb beneficia direta-mente os estados,que não terão a obrigaçãode repassar 400 milhões ao ano para que osmunicípios mantenham suas creches.

O debate em torno desse tema pode im-pedir a aprovação do Fundeb e prejudicaroutros setores.“Talvez fosse mais sensatodeixar esse problema para um momentoposterior, quando a questão da universa-lização do ensino básico – que pela propos-ta do Fundeb fica restrito às crianças de 3anos até a conclusão do curso médio – es-tiver solucionada”,pondera Paes de Barros,do Ipea. “É uma área sensível, em que agarantia de qualidade é imprescindível.Não há recursos, no momento, para ofere-cer um serviço universalizado de bom ní-vel”,completa.E aqui também há casos in-dicativos de que a boa administração e acriatividade podem contornar problemasque parecem insolúveis.

Na prefeitura de Guarulhos, na GrandeSão Paulo, segunda maior cidade do esta-do, onde nascem 22 mil crianças por ano,em pouco mais de quatro anos a secretariamunicipal aumentou o número de alunosna rede fundamental de 24 mil para 75 mil.Hà 800 crianças tocando violino, 60 corais d

e uma cena de aula na cidade de Tatuí, no interior paulista: todas buscam melhorar a qualidade do ensino e da administração

Ascom SC/O. Nocetti Divulgação

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J ú n i a C r i s t i n a P . R . d a C o n c e i ç ã oARTIGO

tualmente, expressões como atributosde qualidade dos produtos associadosà segurança do alimento, boas práticasagrícolas e biotecnologia são temas

presentes no setor agroindustrial e têm reflexosimediatos no desenho de políticas públicas dire-cionadas para os setores agrícola e agroindustrial.Fica cada vez mais evidente que as ações de polí-tica agrícola direcionadas apenas para o aumen-to da produção, embora importantes, não pare-cem ser suficientes em um mercado globalizadoe competitivo. Ganham crescente importância aspolíticas governamentais voltadas para o aumen-to da competitividade do agronegócio brasileiro,para agregar valor ou garantir a qualidade doproduto. Além disso, as transformações ocorri-das internamente sinalizam a importância des-ses atributos, inclusive para a comercializaçãodoméstica dos produtos.

Investimentos serão necessários para imple-mentar padrões de qualidade mais rígidos na pro-dução de alimentos.Além disso, a certificação daqualidade e a rastreabilidade são dois instrumen-tos essenciais para atender às exigências dos mer-cados interno e internacional. No primeiro caso,é muito importante agregar valor ao produto parapermitir sua diferenciação. No caso das expor-tações, a melhoria de qualidade ajudará a venceras barreiras técnicas,especialmente sanitárias.Emambos os casos, a discussão sobre a obrigato-riedade ou não da certificação é procedente.

O tema é complexo, especialmente quando setrata de definir qual o grau adequado de inter-venção governamental no processo de certifi-cação. A teoria tem demonstrado que a certifi-cação obrigatória é mais eficiente em mercadosonde há assimetria de informação, mas é poucoeficiente para resolver questões ambientais ououtras externalidades associadas à produção ouconsumo. Do ponto de vista do papel do setorpúblico, a pergunta central a ser respondida é sea política de certificação e rastreabilidade, paracontrole da qualidade dos produtos e processos

produtivos, deve ser mandatória ou de estímuloà adesão voluntária.A experiência internacionalsugere que há espaço para ambas as estratégias,cabendo estudar cada caso específico. Em outraspalavras, qual deve ser o grau de intervençãopública: estimular o processo de certificação ouobrigar o seu uso?

As evidências empíricas e teóricas sugeremque o setor público tem papel central no desen-volvimento de processos de rastreabilidade e cer-tificação. A complexidade inerente ao processode certificação de diferentes produtos, os distin-tos padrões internacionais de exigências indicamque se faz necessário um agente que organize asinformações de forma sistemática e harmônica,evitando esforços dobrados. Ademais, a impor-tância da fiscalização sanitária cresce quantomais o Brasil participa do comércio internacio-nal. Os riscos associados a sanções aumentamconforme o país vai assumindo maior importân-cia nos diferentes mercados. É preciso avançar naconsolidação do quadro institucional de modoque permita ao país defender seus interesses nasrelações com outras nações.

O sucesso das exportações de carne bovina,graças à melhoria da qualidade do produto, servepara comprovar a importância da certificação erastreabilidade. Existem nessa cadeia produtivaexemplos de adesão voluntária a processos decertificação, bem como políticas públicas man-datórias de controle sanitário e de rastreabilidadedo produto exportado.

Júnia Cristina P.R. da Conceição é pesquisadora do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada e escreveu este artigo em conjunto com Alexandre Lahóz

Mendonça de Barros

O papel do Estado na certificação de produtos agrícolas

“Ganham crescente

importância as políticas

governamentais

voltadas para o

aumento da

competitividade do

agronegócio brasileiro,

seja agregando valor,

seja garantindo a

qualidade do produto”

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ECONOMIA

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osé era muito desorganizadocom suas finanças pessoais. Nãofazia as contas e gastava mais doque ganhava. Como tantos ou-

tros brasileiros, enforcou-se com os ban-cos, pagando juros altos para rolar o saldodevedor. Na metade dos anos 90, pressio-nado pelos credores, vendeu alguns benspara pagar parte da dívida. Mas só a par-tir de 1999 conseguiu cortar despesas eaumentar sua receita. Foi quando come-çou a pagar parte dos juros da dívida, quejá representava quase 60% de tudo o queganhava anualmente. José sabe que poderánegociar com as instituições financeiras epagar juros menores, desde que consigadiminuir o saldo devedor. José tem a carado Brasil. Foi o que aconteceu recente-mente com o governo brasileiro. Desde1999 passou a arrecadar mais do que gas-ta – sem contar o pagamento dos juros dadívida interna – e vem conquistando su-

perávits primários substanciais: 5,2% doProduto Interno Bruto (PIB) nos 12 mesesaté julho, quando a meta orçamentáriapara 2005 é de 4,25% do PIB. Mas a dívi-da pública brasileira ainda representava51,3% do PIB no final de julho (veja gráfi-

co na pág. 31) e no ano passado o governogastou a bagatela de 80,6 bilhões de reaispara pagar apenas 63% dos juros e orestante foi rolado.

Apesar desse endividamento e da crisepolítica provocada por denúncias de cor-rupção que abala a solidez política do go-verno federal, a economia vai muito bem,empurrada pelos crescentes saldos na ba-lança comercial brasileira e navegando nu-ma conjuntura internacional de crescimen-to econômico quase inédito nos últimosanos. É o momento, afirma Fábio Giam-

biagi, economista do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), de sinalizarao mercado que é possível aplicar umapolítica fiscal ainda mais consistente, quepoderá induzir um processo de queda dataxa de juro real. Giambiagi escreveu umtexto, em conjunto com Paulo Levy eMarcelo Piancastelli, ambos também doIpea, em que sugere que o governo anun-cie que buscará atingir o superávit primá-rio de 5% do PIB nos próximos dois anos.Eles julgam ser possível alcançar esses re-sultados “sem a necessidade de apertosadicionais”, pois basta conservar o resul-tado fiscal dos últimos meses.

Especialistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada propõem um roteiro para o Brasil

a t ing i r o equ i l í br io f i sca l e induz i r a queda da ta xa de

juro, o que poderá promover o cresc imento econômico

sustentado, baseado na manutenção do superáv it atual

por, pelo menos, d o i s a nos

Em busca do ajuste

J

P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d e S ã o P a u l o

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30 Desafios • setembro de 2005

A dívida pública da Irlanda era de 112% do PIB em 1987 e hoje é de 40% graças a uma

processo penoso, que exigirá tambémmuita persistência do governo, mas lem-bra que outros países que adotaram essaestratégia de aperto fiscal colheram óti-mos resultados.

Foi o caso da República da Irlanda, queera um dos países mais pobres da EuropaOcidental e hoje esbanja saúde econômicae tem atraído grandes volumes de investi-mento direto estrangeiro.Em 1987,a Irlan-da apresentava indicadores econômicos tí-picos de um país com fortes desequilíbrios:a dívida pública representava 112% do PIBe atualmente está em posição melhor doque o Brasil, com 40% do PIB. Foi precisoum forte esforço fiscal, com contenção dosgastos. Em 2004, o país registrou superávitfiscal total de 1,3% do PIB, enquanto noperíodo 1991-1995 exibia déficit anual mé-dio de 2,3%. Há quem argumente que issosó foi possível porque é um pequeno país,com população de apenas 4 milhões dehabitantes e que a perspectiva de ingressarna União Européia funcionou como pode-roso incentivo. Mas o fato é que eles con-seguiram um ajuste fiscal e o PIB per capi-ta anual cresceu, em média, 6% entre 1999e 2003. Houve continuidade no esforço efoi uma tarefa de mais de uma década.

Foi justamente para tentar garantir umprocesso contínuo de melhoria das contaspúblicas brasileiras que o deputado fede-ral Antonio Delfim Netto (PP-SP) colo-cou novamente em discussão, no final dejunho, uma proposta radical, quando acrise de governabilidade se acentuava: fa-zer uma emenda na Constituição e inscre-ver nas disposições transitórias a meta deatingir déficit nominal zero em quatro oucinco anos, de forma a blindar a economiacontra as incertezas políticas no atual go-verno e no próximo. Dessa forma, tanto oatual quanto o futuro governo federal se-riam obrigados a praticar uma rigorosapolítica fiscal. Exigiria congelar os gastospúblicos em termos reais e fazer mudan-ças na estrutura do Orçamento. A Cons-tituição da República obriga o governofederal a aplicar em educação 18% da re-ceita líquida e que os gastos em saúde

No texto “A trajetória para atingir o dé-ficit nominal zero”, publicado em agosto,eles defendem que tal decisão provocaráredução da relação da dívida pública como PIB, abrindo espaço para a queda dos ju-ros de longo prazo. De quebra,“nas atuaiscircunstâncias, operaria como uma po-derosa âncora contra a ameaça de conta-minação da economia pela crise política”.Se o mercado confiar na determinação dogoverno em melhorar o resultado da po-lítica fiscal, argumentam os autores, abre-se a possibilidade de queda na taxa de ju-ro, o que serviria para estimular o cresci-mento econômico, sem o risco de repiquesda inflação.

Outra vantagem do aperto fiscal seriapavimentar o caminho para o governoatingir em 2008 o déficit nominal zero,quando seria possível pagar todas as des-pesas públicas com a arrecadação tribu-tária, inclusive os juros da dívida pública.O trabalho do Ipea desenha um cenário(leia tabela ao lado) de economia em alta einflação descendente no qual seria possí-vel chegar a 2008 pagando 4,8% do PIBem juros da dívida interna, quase a metadedos 9,3% do PIB que foram consumidosem 2003. Assim, a dívida pública cairiapara 45% do PIB, comparada com 57,2%do PIB no final de 2003. É claro que nãobasta vontade para realizar esse objetivo,especialmente às vésperas de um anoeleitoral, quando os governos têm fortepropensão para abrir as torneiras. Alémdisso, será preciso envolver os estados emunicípios no esforço fiscal, pois em2004, quando foi atingido o superávit pri-mário de 4,6% do PIB, a parte do governofederal nesse resultado foi de 3% do PIB(veja gráfico na pág. 34).

Caminho Mas a continuidade no esforçofiscal pode render frutos no futuro, pavi-mentando o caminho para que a econo-mia cresça em bases sustentáveis e induzao setor privado, nacional e estrangeiro, ainvestir no aumento da produção e na in-fra-estrutura. O trabalho do Ipea reco-nhece que perseguir esse objetivo é um

2006 2007 2008

Inf lação anual-IPCA (%) 5,0 4,5 4,0

Crescimento anual do PIB (%) 3,5 4,0 4,0

Taxa real Selic ano* (%) 11,0 9,0 8,0

Superávit primário (% PIB) 5,0 5,0 5,0

Juros da dívida (% do PIB) 7,1 5,8 4,8

Déficit nominal (% do PIB) 2,1 0,8 -0,1

Dívida pública (% do PIB) 50,7 48,2 45,0

Cenário para chegar a 2008 com déficit nominal nulo

*Deflacionada pelo IPCAFonte: Ipea

Ano (dezembro) União Est. Mun. Total

1990 17,4 8,2 4,0 29,6

1991 13,4 7,2 3,8 24,4

1992 14,2 7,0 3,7 24,9

1993 14,6 6,7 4,0 25,3

1994 16,6 7,0 4,3 27,9

1995 14,6 8,7 5,2 28,5

1996 15,0 8,4 5,2 28,6

1997 15,1 8,2 5,3 28,6

1998 15,2 8,3 5,9 29,4

1999 16,5 8,4 6,2 31,1

2000 16,2 9,3 6,1 31,6

2001 16,9 9,9 6,7 33,5

2002 18,1 10,5 6,3 34,9

2003 17,7 9,7 6,6 34,0

2004 - - - 35,9

Sociedade paga mais impostos

Distribuição da carga tributária por esfera de governo (em % PIB)

Fonte: Ricardo Varsano/IBGE/Ipea

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Desaf ios • setembro de 2005 31

cresçam anualmente com a variação doPIB per capita. Para contornar essas obri-gatoriedades, seria preciso autorizar o go-verno federal a aumentar as verbas orça-mentárias que pode destinar para finsdiferentes do previsto – o que se chamaDesvinculação das Receitas da União(DRU) – de 20% para 40% do Orçamen-to. Deputados do próprio Partido dosTrabalhadores (PT) criticaram a intençãode aumentar a DRU, pois implicaria re-duzir as despesas em áreas como saúde e

educação, hoje protegidas por dispositivosconstitucionais.

Na avaliação de Márcio Pochmann,economista e professor da UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp), a pro-posta de Delfim Netto imporia um corteainda maior nos gastos sociais da União.Ele lembra que entre 1995 e 2004 os im-postos destinados a cobrir gastos sociaisfederais cresceram 40%, mas a despesanessa área só aumentou 24%. O restantetem sido utilizado para obter superávits

rigorosa política f iscal que ajudou a atrair investimentos e a economia cresce 6% ao ano

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005*

38,635,1

31,2 30,4 30,8 33,2 34,341,7

49,4 49,452,6 55,5 57,2

51,7 51,3

Dívida líquida do setor público (federal, estadual, muncipal, Banco Central, estatais) / *junhoFonte: Banco Central

Trajetória recente é de quedaDívida pública (em % PIB)

Patrícia Santos/Folha Imagem

Deputado Delfim Netto propôs buscar déficit fiscal zero para blindar a economia

fiscais. Do lado das entidades empresa-riais houve um apoio quase unânime àproposta do deputado. Armando Mon-teiro Neto, presidente da ConfederaçãoNacional da Indústria (CNI), aplaudiu oprojeto, desde que fosse aplicado por tem-po limitado, até que a dívida pública che-gasse a 30% do PIB. Ele comparou a pro-posta de buscar o déficit nominal zero aoTratado de Maastricht, assinado pelos paí-ses da União Européia em 1992, que im-punha o teto de 3% para o déficit público(leia a entrevista de Joseph Stiglitz na pág.10).

Custo O assunto foi debatido com empre-sários, ministros e com o próprio presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva, mas nãodecolou por falta de adesão política.Alémdisso, a idéia foi duramente criticada poreconomistas que a viam como contra-ditória com a política monetária voltadapara controlar a inflação: se o Banco Cen-tral resolvesse aumentar a taxa de juro pa-ra segurar uma alta do custo de vida, pro-vocaria aumento das despesas com o pa-gamento do serviço da dívida e restaria aogoverno federal cortar ainda mais seusgastos para garantir o equilíbrio fiscal.Além disso, a proposta de Delfim Nettocriaria um engessamento da política fis-cal, impedindo que os gastos públicoscrescessem em momentos de recessãoeconômica, para aquecer a economia.

Principal agrupamento oposicionista,

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PIB, quando a meta orçamentária para2005 é chegar a 4,25% do PIB. Giambiagipergunta:“Que fazer com o excedente de0,7% do PIB?”

Uma hipótese seria reduzir a carga tri-butária, mas isso já foi feito, especialmenteem setores como o de bens de capital, de-terminantes do crescimento futuro da eco-nomia. Segundo o trabalho do Ipea,“a re-dução da carga fiscal deveria ocorrer nocontexto da discussão da reforma tribu-tária, que requer um melhor desenho parao sistema tributário e revisão da estruturade repartição das receitas fiscais no âmbitofederativo, recolocando-as a serviço docrescimento econômico”.

Outra hipótese para usar o excedenteseria aumentar os investimentos, masGiambiagi pondera que o governo federalnão tem conseguido sequer cumprir asmetas nos setores de infra-estrutura, cujovalor não entra na conta das despesas, nahora de calcular o superávit primário,conforme foi acertado com o Fundo Mo-netário Internacional (FMI). Até julho,foram realizados investimentos previstosno Plano Piloto de Investimento, que nãoafetam o superávit primário, de 1,4 bilhãode reais, e a dotação para 2005 é de 3,2 bi-lhões de reais.Além disso, a falta de regu-lamentação limita investimentos em se-tores como o de saneamento.

Cargos Para manter o superávit fiscal em5% do PIB e liberar recursos para investi-mentos sociais e em infra-estrutura, dizPiancastelli do Ipea, é preciso melhorar aeficiência, a qualidade e o controle dosgastos públicos (leia artigo na pág. 36). Esseponto tem sido cobrado por diversas en-tidades empresariais, que criticam a mágestão de recursos e o excesso de cargos deconfiança no governo federal,com nomea-ções por critérios políticos e não técnicos.Levy, do Ipea, lembra também que é pre-ciso concentrar forças e capacidade de ar-ticulação para fazer passar no Congressoa unificação das máquinas de arrecadaçãoda Receita Federal e da Previdência Social.Isso ajudaria a conter a evasão de tributos

32 Desafios • setembro de 2005

O investimento do governo federal caiu de 1,39% do PIB em 1993 para 0,62% em 2004,

o Partido da Social Democracia Brasileira(PSDB) liderou a gritaria contra a propos-ta, alegando que ela engessaria a políticafiscal e tiraria a liberdade de o governo ex-pandir seus gastos para contrabalançaruma recessão econômica. Não faltouquem lembrasse que os países da UniãoEuropéia, atados nas amarras de Maas-tricht, crescem em marcha lenta, enquan-to os Estados Unidos colocou a locomoti-va da economia em alta velocidade ao re-duzir a taxa de juro e aumentar os gastospúblicos.

Ciclo Havia também o temor de que a ten-tação do populismo atiçasse a solução dereduzir de maneira artificial a taxa de ju-ro para garantir o déficit nominal zero, jo-gando por terra todo o esforço fiscal quevem sendo praticado desde o governo deFernando Henrique Cardoso e abrindoespaço para novo ciclo de alta da inflação.O governo Lula não acatou a proposta, atéporque não teria força para fazer que pas-sasse no Congresso, pois emendas consti-tucionais têm de ser aprovadas por 60%dos parlamentares.

Agora, o Ipea volta a colocar na mesade discussão uma alternativa para chegarao efetivo equilíbrio fiscal, mas sem qual-quer mudança constitucional e com es-paço para que o governo faça correções derumo. Em primeiro lugar, precisa haveruma decisão política, argumenta Giam-biagi (leia artigo na pág. 37), com o gover-no assumindo o compromisso de buscarum superávit primário no mesmo nívelque vem sendo alcançado neste ano, poisas receitas do governo federal têm supera-do a previsão.“Não se trata de cortar des-pesas, mas manter seu nível real pelospróximos anos. Nossa estimativa é que areceita do governo alcance 24,4% do PIBem 2005, quando o previsto no Orçamen-to da União é 23,7%.”De fato, de janeiro ajulho, a receita total do Tesouro da Uniãoatingiu 20,4% do PIB, superando o resul-tado do mesmo período de 2004 em0,72% do PIB. Atualmente, o superávitprimário é um pouco superior a 5% do

Taxa de juros real(acumulada nos 12 meses anteriores)

Período Taxa (%)

Janeiro 2003 3,87

Fevereiro 2003 3,51

Março 2003 3,51

Abril 2003 3,61

Maio 2003 4,28

Junho 2003 5,65

Julho 2003 6,91

Agosto 2003 7,37

Setembro 2003 8,19

Outubro 2003 10,17

Novembro 2003 12,30

Dezembro 2003 13,60

Janeiro 2004 14,19

Fevereiro 2004 14,31

Março 2004 14,64

Abril 2004 14,24

Maio 2004 12,99

Junho 2004 11,41

Julho 2004 9,96

Agosto 2004 9,50

Setembro 2004 9,20

Outubro 2004 8,48

Novembro 2004 8,02

Dezembro 2004 8,05

Janeiro 2005 8,28

Fevereiro 2005 8,37

Março 2005 8,19

Abril 2005 8,19

Maio 2005 8,90

Junho 2005 10,05

Julho 2005 11,05

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

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Desaf ios • setembro de 2005 33

primário de 5% do PIB nos próximosanos para chegar ao déficit nominal zero,pois vai transmitir uma mensagem desolidez fiscal para o mercado.” Para 2005,ele acha difícil que o governo, mesmo quehaja uma decisão política, consiga chegarao superávit de 4,25% do PIB, pois nãoserá fácil realizar as despesas necessáriasaté o fim do ano.

Risco O grande desafio, alerta Coutinho,será selecionar prioridades, pois um erropoderá afetar um setor vital da economia,que é o de geração de energia elétrica, cu-jas perspectivas não são das melhores.A principal dificuldade que afeta o setor elé-trico brasileiro atualmente, diz, é que nãohá garantia de oferta e preço do gás im-

portado da Bolívia, o que pode paralisaros investimentos em usinas termelétricas,vitais no caso de seca prolongada. O risco,adverte Coutinho, é deixar faltar eletrici-dade, um insumo vital para assegurar ocrescimento econômico e que tambémpode ter graves conseqüências na imagemdo governo junto à população. Segundo oeconomista, o apagão de 2001 derrubou apopularidade do governo FHC e pode tercontribuído para a derrota de José Serranas eleições presidenciais de 2002. O tra-balho do Ipea reconhece que os investi-mentos públicos foram reduzidos paraajudar no ajuste fiscal do lado do gasto, oque já parece “afetar o próprio crescimen-to econômico pelo impacto de sua re-dução sobre a disponibilidade de infra-es-

no contexto de um forte ajuste que permitiu superávits f iscais a partir de 1999

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

Recuo do investimento públicoGoverno federal (em % do PIB)

1980 0,74

1987 1,54

1990 1,06

1991 1,20

1992 1,00

1993 1,39

1994 1,10

1995 0,73

1996 0,74

1997 0,87

1998 0,91

1999 0,71

2000 0,92

2001 1,22

2002 0,75

2003 0,41

2004 0,62

e permitiria reduzir as alíquotas de impos-to, diminuindo a carga tributária, que é amais alta da história recente (leia tabela na

pág. 30).Seria uma forma de reduzir o déficit do

sistema previdenciário federal, que já re-presenta 2,9% do PIB. O trabalho do Ipearecomenda que o processo de unificaçãodos sistemas de arrecadação seja “comple-mentado por mudança nas regras de aces-so aos benefícios previdenciários”.

Operar a sintonia fina dos gastos públi-cos é uma tarefa gigantesca, pois um errona alocação de prioridades pode ter resul-tados onerosos para toda a economia e so-ciedade, lembra o economista LucianoCoutinho, da LCA Consultores. “Achopossível e desejável sustentar um superávit

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo adverte que ajuste fiscal não garante de queda da taxa de juro

Doryan Dornelles/Fotonauta

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C o n g r e s s o d e v e r á r e s i s t i r à p r o p o s t a d e a u m e n t o d o s u p e r á v i t f i s c a l

trutura”. De fato, em 2004 os investimen-tos do governo federal representaram ape-nas 0,62% do PIB, enquanto em 1993foram de 1,39% (veja gráfico na pág 33).No entanto, a lógica da proposta do Ipeasupõe que, em contrapartida, será possí-vel provocar o aumento do investimentodo setor privado, desde que os empre-sários acreditem que a estratégia de ajustefiscal seja capaz de derrubar os juros reais.A ampliação do investimento privadopoderia aquecer a economia até que oEstado retomasse o ciclo de investimento.

Se o mercado financeiro passar a apos-tar numa queda das taxas de juro adminis-tradas pelo Banco Central, também serápossível ampliar a colocação de títulospúblicos federais com taxas prefixadas,que em julho representavam apenas22,4% do total. Como esses títulos ven-cem em prazos determinados, com valoracordado em seu lançamento, ficaria maisfácil a administração da dívida públicafederal. Paulo Nogueira Batista Jr., econo-mista e professor da Fundação GetulioVargas de São Paulo, pondera que umamanifestação de boas intenções por partedo Ministério da Fazenda, de que vai exe-cutar uma rígida política fiscal, pode nãoser suficiente para que o mercado aceitecomprar títulos federais por uma taxamenor, devido à falta de credibilidadepolítica do governo. Além disso, ele dizque o superávit primário de 4,25% do PIBjá é um excelente resultado e aumentar oaperto fiscal reduziria a margem de ma-nobra da política econômica.

Queda Recentemente, o Banco Central au-mentou a taxa de juros para conter a in-flação (leia tabela na pág. 32), mas o eco-nomista Luiz Gonzaga Belluzzo adverteque não está garantida uma trajetória dequeda dos juros, por melhor que seja oprocesso de ajuste fiscal, pois o Brasil évulnerável às mudanças na economia dospaíses desenvolvidos.“Vivemos hoje umasituação de extraordinária liquidez nomercado internacional, mas esse mercadoé muito volátil e o Tesouro dos Estados

os próprios ministros quanto à necessi-dade de apertar o torniquete fiscal.

Crise A dificuldade de usar o aperto fiscalem momentos de crise política ficou bemevidente na história recente da Argentina,como lembra o economista Batista Jr. Opresidente argentino Fernando De la Rúatomou posse no final de 1999,prometendoequilibrar as contas públicas.Em agosto de2000, estoura uma crise política, com de-núncias de que o governo havia subornadosenadores para aprovar a reforma traba-lhista.A instabilidade política durou mesese, no final de março de 2001, De la Rúanomeou Domingos Cavallo como super-ministro da Economia e conseguiu aprovarno Senado, em 30 de julho, uma lei voltadapara garantir déficit fiscal zero, com apoiodo FMI e do setor financeiro.O movimen-to social reagiu e os piquetes de desempre-gados paralisaram ruas e estradas. De laRúa pediu demissão em 30 de dezembro.OBrasil de hoje não é a Argentina de ontem,mas vale lembrar a experiência.

Unidos pode resolver subir a taxa de seustítulos a qualquer momento.”Assim, se ogoverno quiser continuar atraindo capi-tais externos, terá de subir a taxa de jurointerna, com reflexos na redução do su-perávit fiscal, diz.

Independentemente dos possíveis efei-tos externos, não será tarefa fácil imple-mentar uma política de aperto fiscal naatual conjuntura política.No final de agos-to, o Congresso aprovou a Lei das Diretri-zes Orçamentárias (LDO), que estabelecea moldura para a montagem do Orçamen-to da União de 2006. A meta de superávitprimário para o próximo ano foi fixadaem 4,25% do PIB.Além disso, ganha forçadentro do próprio PT a ala contrária à li-nha econômica do ministro Antonio Pa-locci. No Congresso, a bancada ruralista,que representa os produtores agrícolas, jáse alinhou contra o aumento no rigor fis-cal num momento em que o setor reivin-dica renegociação de suas dívidas com osbancos por causa da quebra da safra agrí-cola. Também não existe consenso entre

A distribuição dos resultados fiscais

(dezembro/2004, em % do PIB)

Estados e municípiosGoverno federal Empresas estatais Total

3,0

-4,5

-1,5

1,0

-2,9

-1,9

0,6

4,6

-7,3

-2,7

-0,2 -0,8

Superávit primário Juros nominais Déf icit nominal

Fonte: Bacen. Elaboração: Ipea/Dimac

d

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36 Desafios • setembro de 2005

M a r c e l o P i a n c a s t e l l i d e S i q u e i r aARTIGO

política fiscal tem ocupado lugar centralnas discussões sobre a política econô-mica nos países desenvolvidos e nos paí-ses em desenvolvimento. No Brasil não

tem sido diferente.Em meio a intenso debate,o paíspratica,desde 1999,uma política fiscal saudável quevem obtendo sucessivos êxitos com resultados pri-mários positivos e significativos.Acontece que o pa-pel da política fiscal,na atualidade,não se restringeàs funções de alocação de recursos, redistribuiçãode renda e âncora da estabilidade econômica. Elaassume, na maioria dos países, importante papelnas reformas estruturais necessárias para a obten-ção do crescimento econômico a longo prazo,parao aumento da poupança doméstica, para adequaro nível de endividamento interno e para atender aosreclames da sociedade em relação às crises latentesnos sistemas educacional,de saúde e previdenciário.

Assim,a política fiscal deve ser,necessariamen-te, vista como um instrumento de política econô-mica que administra não apenas a receita, mastambém a despesa.A receita tem sido positiva,emque pese distorções de nosso sistema tributário.Além disso,para um país em desenvolvimento,co-mo o Brasil,manter uma carga tributária acima de35% do Produto Interno Bruto é um sério entraveao crescimento econômico.A grande deficiênciada política fiscal atual ocorre no lado das despesas.É necessário aumentar a eficiência no uso dos re-cursos públicos,e isso está diretamente relaciona-do com a qualidade do gasto público. Daí surgemas grandes distorções, os grandes desperdícios derecursos, e emergem inúmeras considerações so-bre eqüidade econômica que requerem melhorconcepção para os programas de gastos públicos.

Essa é, portanto, a área em que a política fiscalno Brasil não apresentou ainda resultados convin-centes. Faltam esforços consistentes e duradourospara que o gasto público no Brasil alcance um pa-drão de qualidade aceitável. Nas duas últimas dé-cadas,todos os ministros da Fazenda,ao defrontar-se com dificuldades fiscais,foram unânimes ao de-clarar que é necessário reestruturar o padrão do

gasto público.Eles estão certos! Quaisquer que se-jam os resultados de eventual reforma tributária ouprevidenciária,existirá sempre o risco de seus efei-tos serem minados pela ausência de novos,consis-tentes e duradouros métodos para melhorar e con-trolar a qualidade do gasto público.

A despeito do considerável progresso em ter-mos de disciplina fiscal, permanece no país a vul-nerabilidade em relação à qualidade do gasto pú-blico.Isso faz com que a responsabilidade fiscal es-teja ainda longe de ser atingida. Na verdade, existeo consenso de que é necessário melhorar muito aqualidade do gasto público para atender melhoraos objetivos econômicos e sociais implícitos nu-ma política orçamentária.

Vejamos alguns exemplos. Liberações de vul-tosos recursos na forma de “contribuições” ou“auxílios” não sofrem qualquer controle no localde destino. Um breve exame da execução do Or-çamento da União revela que bilhões de reais sãogastos sem que haja qualquer tipo de fiscalizaçãoou controle.Nos últimos anos,o Projeto Alvoradaliberou grandes volumes de recursos sem qualquercontrole da eficiência e qualidade dos gastos: foram3,3 bilhões de reais em 2001, 4,2 bilhões em 2002e 4,8 bilhões em 2003. Liberações na forma de“auxílios”seguem trajetória semelhante.

Os esforços da Controladoria-Geral da União(CGU) são louváveis e têm revelado casos assusta-dores de má utilização de recursos públicos,espe-cialmente nos repasses aos municípios.Mas são fei-tas apenas 50 auditorias por mês,enquanto a Uniãofaz cerca de 28 mil liberações por ano. Melhorar opadrão da política fiscal não significa apenas au-mentar a arrecadação e,em seguida,anunciar vul-tosas liberações de recursos para esse ou aquelefim. Se o aumento do bem-estar da população foro objetivo final,é possível fazer muito mais com osrecursos disponíveis se cuidarmos da qualidade eeficiência dos gastos!

Marcelo Piancastelli de Siqueira é diretor de Finanças Públicas e Estudos

Regionais e Urbanos (Dirur) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

“Nas duas últimas

décadas, todos os

ministros da Fazenda,

ao defrontar-se com

dificuldades fiscais,

foram unânimes

ao declarar que

é necessário

reestruturar o padrão

do gasto público.

Eles estão certos!”

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Gastar melhor é essencial para o sucesso da política fiscal

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F á b i o G i a m b i a g iARTIGO

governo tem plenas condições de elevara meta de superávit primário para umvalor próximo de 5% do PIB. Para isso,basta conservar o resultado fiscal dos úl-

timos 12 meses,sem necessidade de realizar aper-tos adicionais,embora com a preocupação de nãoaumentar os gastos no restante do ano. Os exce-lentes resultados fiscais observados na primeirametade de 2005 fizeram que o superávit primárioem 12 meses aumentasse para 5,1% do ProdutoInterno Bruto (PIB), comparado com os 4,6% doPIB obtidos em 2004. Se um resultado similar aesse for conservado até o final do ano e for feitoum anúncio comunicando que ele passará a ser oparâmetro para o resultado fiscal a ser perseguidoem 2006,será dado um passo fundamental para aretomada do processo de redução da taxa de juroa partir do terceiro trimestre do ano.

Há quatro fortes razões que sustentam a ado-ção de uma estratégia baseada na elevação da me-ta de superávit primário em relação à atualmentevigente, de 4,25% do PIB. A primeira é a contri-buição que a medida daria ao relaxamento gra-dual da política monetária, permitindo juros reaismenores em 2006. Como dez em cada dez ana-listas trabalham com a hipótese de um câmbiomais depreciado em 2006, comparado com 2005,então é de bom tom evitar que a política fiscalvenha a ser muito expansionista, como, por defi-nição, ocorrerá se o resultado primário cair rapi-damente em relação ao que foi observado até ago-ra. Nesse sentido, um controle fiscal nos moldessugeridos contribuiria para facilitar a tarefa de re-duzir os juros, sem pressionar a inflação.

A segunda razão é que um primário da ordemde 5% do PIB permitiria que, mesmo num cená-rio adverso, a relação dívida pública/PIB man-tivesse a trajetória declinante observada desde2004, o que pode não acontecer se o resultado fis-cal diminuir para a meta oficial (0,75% do PIB amenos faz uma diferença importante).

O terceiro fator pelo qual seria conveniente ado-tar um primário mais próximo possível de 5% do

PIB é que,com premissas realistas de redução gra-dual da taxa de juro nos próximos anos, ele pode-ria permitir ao país atingir o famoso “déficit zero”já em 2008, ou seja, no segundo ano do próximogoverno,sem termos de esperar até o final da déca-da. Se chegarmos a essa situação, o passivo do go-verno praticamente deixará de crescer – a não serpelos “esqueletos”remanescentes – e a relação dívi-da/PIB cairá rapidamente,pela ação combinada docrescimento da economia com alguma inflação.

Finalmente,“last but not least”,na presente con-juntura política não existe melhor forma de con-tribuir para “blindar” a economia – que, não hádúvida, é o que tem impedido que a crise assumacontornos dramáticos – do que reforçar a políticafiscal.É mais difícil um país desandar quando o su-perávit primário é de 5% do PIB do que quando éde 4%,pelo fato de que é mais difícil especular con-tra quando os fundamentos são tão sólidos.

O Brasil precisa fazer com as contas fiscais omesmo que fez com as contas externas, ou seja,resolver o problema de vez. Os oito anos do go-verno Fernando Henrique Cardoso (FHC) trou-xeram avanços importantes para o país, como arealização de diversas reformas; a institucionali-zação do regime de metas de inflação; e o esforçode estabilização da economia. No lado negativodo balanço, porém, FHC deixou duas pesadasheranças, na forma de duas dívidas muito ele-vadas: a externa e a fiscal. A primeira delas temcaído de forma expressiva nos últimos anos, masno caso da dívida pública não se pode afirmarque o problema tenha sido resolvido. Precisamosavançar nessa direção, e a procura de um equi-líbrio fiscal estrito – baseada no reforço do su-perávit primário – é a melhor estratégia para is-so. Especialmente, quando se leva em conta queos custos políticos seriam muito modestos, umavez que a economia já operou nos últimos 12meses concluídos em junho com um superávitprimário próximo ao novo alvo aqui proposto.

Fábio Giambiagi é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Em defesa de um superávit primário de 5% do PIB

“É mais difícil um

país desandar quando

o superávit primário

é de 5% do PIB do

que quando é de 4%,

pelo fato de que é

mais difícil especular

contra quando os

fundamentos

são tão sólidos”

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s brasileiros que acompanham acrise política deflagrada pelasdenúncias de corrupção se acos-tumaram a ouvir palavras como

caixa dois, pagamento por fora e depósitosilegais no exterior.Tudo está ligado a um cir-cuito marginal, onde giram bilhões de dó-lares de dinheiro que tem origem em ativi-dades ilícitas que vão da corrupção ao tráfi-co de drogas, passando pela prostituição epelo terrorismo.Mas esse dinheiro tem de virà tona em algum momento,ficar “limpo”.Eaí são necessárias as empresas destinadas alegalizá-lo. Pode ser uma companhia deônibus,que não precisa provar a origem desua receita. Ou então aquele restaurantenum bairro nobre que vive às moscas e mes-mo assim permanece aberto ano após ano.Provavelmente,a função do estabelecimen-to não é exatamente vender comida, mas“lavar” recursos oriundos de alguma ativi-dade escusa para torná-lo legal.O dinheirosujo é depositado na conta da empresa co-mo se fosse pagamento feito pelos clientes evolta para o autor do crime como fruto deum trabalho legítimo.Esse tipo de lavande-

ria de dinheiro é um dos modelos mais sim-ples e primários. Mesmo assim, apesar detoda a vizinhança perceber que existe algoerrado, muitas vezes o esquema não édesmontado, já que apenas a Receita Fede-ral ou as autarquias estaduais equivalentestêm acesso aos dados de arrecadação do es-tabelecimento e geralmente não têm condi-ções de fiscalizar se as informações finan-ceiras prestadas são reais ou fictícias.

O que dizer,então,de mecanismos bemmais sofisticados de lavagem de dinheiro,que envolvem a remessa de recursos paracontas bancárias em países estrangeiros, ouso de “laranjas”e de elaboradas transaçõesfinanceiras? Recuperar esses valores nãotem sido tarefa fácil em nenhum local domundo.Por meio de transações eletrônicas,o dinheiro viaja rápido.A existência de paí-ses em que não se cobra imposto sobre astransações bancárias, os famosos paraísosfiscais,facilita a vida de quem quer disfarçara origem dos recursos. É praticamente im-possível medir o volume de dinheiro prove-niente de transações ilegais, mas imagina-se que transitem pelo mundo de 500 bilhões

A rota do dinheiro

P o r C l a r i s s a F u r t a d o , d e B r a s í l i a

sujoPaís apr imora os mecan ismos e a leg is lação para contro lar e pun ir a mov imentação

de recursos f inanceiros obtidos de forma i legal, mas ainda existe desarticulação entre

os diversos órgãos envolv idos na tarefa

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jos e caracterizam-se por não compartilharinformações com outras nações, além deauxiliar no processo de abertura de empre-sas e de contas e proteger com unhas e den-tes o sigilo bancário de seus correntistas.

De alguns anos para cá, no entanto, acomunidade internacional começou a sepreocupar mais com o tema. Desde 1988as convenções da Organização das NaçõesUnidas (ONU) tratam do assunto e pedemaos países que melhorem os mecanismosde combate à circulação de dinheiro ilegalpor meio da criação de leis que criminali-zem a prática e de regulamentações ade-quadas à fiscalização das atividades finan-ceiras. A orientação é para que os bancossigam as políticas de “conheça seu cliente”e “conheça seu empregado”, o que signifi-ca que devem procurar verificar se a ori-gem do dinheiro informada pelos donosdas contas correntes é verdadeira e, casoidentifiquem operações suspeitas, infor-mem aos órgãos responsáveis. E devem,também, estar atentos para impedir quefuncionários sejam coniventes com práti-cas favoráveis ao crime.

lhões esperando por ela no banco”, diz.Pode ser esse o caso da advogada cariocaJorgina de Freitas, presa por ter desviado180 milhões de dólares da PrevidênciaSocial em 1991 e 1992.Ela deve ser solta embreve,com uma boa fortuna para gastar.Ostrâmites burocráticos normais para o blo-queio das contas da advogada no exteriordemoraram tanto que ela teve tempo de so-bra para movimentar seus recursos e sacaro equivalente a dois terços de tudo o quetinha levantado irregularmente, valor hojeguardado em local desconhecido.

Tecnologia Nas últimas décadas, a lavagemde dinheiro no mundo se beneficiou dodesenvolvimento tecnológico, que permitetransações eletrônicas em tempo real, etambém da tendência geral de desregula-mentar as operações financeiras, o queabre as portas para o fluxo de dinheiro en-tre os países – tanto os recursos legais quan-to os ilegais. Ao mesmo tempo, tambémproliferaram os paraísos fiscais. Estima-seque existam pelo menos 40 países no mun-do que facilitam a entrada de recursos su-

a 1 trilhão de dólares, de 2% a 5% do totaldo Produto Interno Bruto mundial.No Bra-sil, somente as operações criminosas jáidentificadas pela Polícia Federal, de 1997até hoje, somam 78 bilhões de dólares.

Impedir o dinheiro sujo de circular éimportante por, pelo menos, duas razões.A primeira é tirar dos criminosos os recur-sos com os quais eles continuam a girarsuas atividades.A segunda é que a lavagemde dinheiro mancha a reputação dos ban-cos e instituições financeiras e, se não forcontrolada, pode acabar com a confiançapública na integridade desses organismos.Antenor Madruga, diretor do Departa-mento de Recuperação de Ativos e Coope-ração Jurídica Internacional (Dric),do Mi-nistério da Justiça,avalia que asfixiar finan-ceiramente a organização criminosa é ummeio mais eficiente de impedir a continui-dade das atividades do que simplesmenteprender os líderes das quadrilhas,já que elespodem ser substituídos.“É preciso bloquearos lucros do crime para que a ação nãocompense e para que a pessoa não saia dacadeia, cinco anos depois, com alguns mi-

A movimentação de dinheiro sujo no Brasi l foi de 78 bi lhões de dólares apenas com as

As contas de não-residentes no país, conhecidas como CC5, tive-ram dias de fama no Brasil, acusadas de favorecer a lavagem de di-nheiro. No caso do escândalo do Banestado, investigado por ComissãoParlamentar de Inquérito (CPI) concluída no final de 2004, as contaspodem ter favorecido a remessa de pelo menos 30 bilhões de dólaresaos Estados Unidos e a paraísos fiscais. A CPI investigou se 412 milpessoas e empresas que aparecem na relação do Banco Central comooperadoras dessas contas declararam a origem do dinheiro em seuImposto de Renda e verificou também a propriedade de algumas em-presas offshore que operaram com as CC5.

Apesar do nome famoso, as contas CC5 têm, oficialmente, outra de-nominação:Transferência Internacional de Reais (TIRs). Elas tiveram o nome de CC5 por muitos anos, como referência à Carta-Circularnúmero 5, do Banco Central, que foi revogada em 1996. Esse tipo deoperação permite a um brasileiro depositar reais na conta de uma pes-soa ou empresa não-residente no país.Também é possível que o bra-sileiro remeta dinheiro a uma conta de sua titularidade no exterior.

Nesse caso, o banco estrangeiro recebe um depósito em reais, numaconta que é obrigado a manter no Brasil, faz o câmbio e remete o va-lor em moeda estrangeira à conta do brasileiro no exterior. O meca-nismo das TIRs serve também para as empresas pagarem compromis-sos no exterior e para a remessa antecipada de dividendos. Por meiodas CC5 também chegam dólares de governos estrangeiros e organis-mos internacionais.

Em março deste ano, como uma provável conseqüência do escân-dalo do Banestado, o Banco Central reviu uma série de normas paratransações cambiais e restringiu o uso das CC5.Até então, só ficavamregistrados no BC os depósitos nas contas CC5 que ultrapassassem olimite de 10 mil reais. A partir de agora, o brasileiro que quiser man-dar dinheiro para fora do país não poderá mais usar essas contas e de-verá fazer operações cambiais normais, que devem ser comunicadasao BC independentemente do valor. Ao lançar as medidas, o diretor deAssuntos Internacionais do BC, Alexandre Schwartsman, admitiu que,com isso, ficará um “pouco mais difícil”a lavagem do dinheiro.

Fim do trânsito fácil

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“A pressão internacional contra a lava-gem de dinheiro aumenta cada vez mais. Opaís que assina um tratado se comprome-tendo a combater a lavagem, mas não cola-bora com o fornecimento de informaçõessobre contas bancárias, por exemplo, podesofrer uma série de sanções. Já temos nor-mas claras sobre isso,porém agora é precisoque as nações estejam adequadas a elas deforma mais eficaz”,diz Reiner Pungs,coor-denador de redução da oferta de drogas edo combate ao crime organizado do Escri-tório das Nações Unidas contra Drogas eCrimes (UNODC, na sigla em inglês). Eleinforma que já existem 12 tratados e con-venções da ONU relativos à criação de me-canismos de troca de informações entre asnações para investigação do dinheiro ilegal.

O ataque às torres do World Trade Cen-ter em Nova York, em 2001, fez crescer apreocupação com a corrida do dinheiro su-jo, pois ficou claro que o financiamento do

terrorismo é feito com mecanismos de lava-gem.“Hoje em dia, a possibilidade de lavardinheiro em países mais sérios é cada vezmenor.Existem controles e mecanismos deresponsabilização bem mais fortes.Mesmoos paraísos fiscais são obrigados a obedecerquando os judiciários locais os obrigam aabrir a origem, o destino e a titularidade derecursos”, comenta o advogado DomingosRefinetti, do escritório paulista Machado,Meyer,Sendacz e Opice Advogados.Conti-nua sendo uma dificuldade,porém,chegarao ponto de se exigir o cumprimento da lei,ou seja,rastrear o dinheiro e descobrir ondeele está para,em seguida,reaver os valores eresponsabilizar os criminosos.

Etapas “O problema é que durante todo oseu percurso, o dinheiro ilícito passa poruma série de agentes que, de certa forma,lavam as mãos e deixam de cumprir as re-gras.Por exemplo,há anos que os bancos na

Suíça são obrigados a informar ao governoa existência de operações ilegais, mas acerteza de que não ia chegar ninguém láprocurando os recursos os levava a nãocumprir essa obrigação.Agora, com o au-mento de ações contra a lavagem, isso estámudando aos poucos”, afirma Refinetti.

A lavagem de dinheiro envolve basica-mente três etapas. A primeira é colocar odinheiro em circulação no sistema econô-mico. Para isso, o criminoso pode deposi-tar os recursos nos paraísos ficais ou com-prar bens.Para dificultar a identificação daorigem,são aplicadas técnicas sofisticadas,cada vez mais dinâmicas, como dividir omontante em depósitos de pequenas quan-tidades, que não despertam a atenção dasautoridades, ou utilizar estabelecimentoscomerciais que usualmente trabalham comdinheiro em espécie, como bares, restau-rantes, farmácias e empresas de transportecoletivo. Na Colômbia, os irmãos trafican-tes Miguel e Gilberto Rodríguez Orejuelacriaram uma rede de 463 farmácias – aDrogas La Rebaja – para lavar o dinheiroproveniente da venda de drogas. A etapaseguinte é a ocultação do dinheiro,cujo ob-jetivo é dificultar o rastreamento contábildos recursos. Os criminosos buscam que-brar a cadeia de evidências da origem dodinheiro e, para isso, movimentam os va-lores por várias contas,geralmente em maisde um país. A última etapa é o retorno dodinheiro ao criminoso por meio do inves-timento em atividades formais.

Caçada O caso do Banco Noroeste servepara mostrar como é difícil parar a máquinade lavar dinheiro.A instituição foi vendidaem 1997 ao banco Santander e,no momen-to da assinatura final dos documentos daaquisição,uma auditoria interna descobriuque o Noroeste estava com um rombo emsuas contas de 242 milhões de dólares. Osrecursos haviam sido desviados por trêsfuncionários do banco.Desse total,190 mi-lhões de dólares tinham sido remetidos pe-los fraudadores para agências da instituiçãonas Ilhas Cayman,conhecido paraíso fiscallocalizado no Caribe.O escritório de advo-

operações criminosas já identif icadas pelo Departamento de Polícia Federal desde 1997Ilu

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Na Colômbia, os traf icantes Miguel e Gilberto Rodríguez Orejuela criaram uma rede de 463

lares – voltou para os donos e 80 milhões es-tão congelados nas contas dos fraudadores,prestes a ser devolvidos.Até hoje, oito anosdepois,o escritório ainda trabalha no caso.

Burocracia Em situações semelhantes,nor-malmente os caçadores dos recursos en-viam “cartas rogatórias” aos sistemas Judi-ciários dos outros países – instrumentos quepedem aos juízes locais a quebra do sigilobancário e o bloqueio dos recursos combase nas acusações apresentadas nos inqué-ritos. O problema é que o cumprimento decartas rogatórias costuma ser um processolongo e difícil, que esbarra na burocracia ena lentidão da Justiça de cada país.No Bra-sil,apenas o Supremo Tribunal Federal (STF)pode autorizar o envio dessas cartas, queservem,também,para solicitar informaçõessobre vários outros tipos de registro, comocasamentos e graduações no exterior. As-

cacia contratado pelos acionistas do No-roeste para rastrear o montante descobriuque,das Ilhas Cayman,o dinheiro foi trans-ferido para empresas de fachada constituí-das nos Estados Unidos. Das contas dessasempresas, foi deslocado novamente paraNigéria,Suíça,Inglaterra e Hong Kong.Paradesvendar o esquema,o escritório brasileiroprecisou contratar uma rede internacionalde advogados, investigadores e auditores.“Partimos da conta norte-americana e fo-mos de conta em conta bloqueando o di-nheiro que achávamos ou os bens que ha-viam sido adquiridos com ele. Para isso,abrimos medidas judiciais em dez locais.Durante esse trabalho, acabamos tambémlocalizando os fraudadores, que estavamforagidos em Nova York e foram presos”,conta o advogado Refinetti,responsável pe-lo caso. Não foi barato nem simples, masboa parte do dinheiro – 35 milhões de dó-

sim,o número de pedidos de cartas é enor-me e os 11 ministros do Supremo não con-seguem liberar todos eles com rapidez.

No Peru,por exemplo,em um dos maio-res casos de desvio de dinheiro público domundo,foi necessário emitir 150 cartas ro-gatórias e,segundo a responsável pelo caso,a advogada Astrid Leigh,os retornos dessasiniciativas foram mínimos.Foi preciso usaroutros instrumentos, como uma lei perua-na que autoriza o perdão dos envolvidosnos atos criminosos desde que forneçam in-formações sobre o destino do dinheiro.Entre fevereiro de 2001 e dezembro de 2003,quando Leigh atuou como promotora as-sistente especial encarregada desse caso, oPeru recuperou boa parte do que o ex-pre-sidente Alberto Fujimori e seu assessor Vla-dimir Montesinos desviaram ao criar umenorme esquema de corrupção que captu-rou todo o Estado peruano. O governo doPeru já tomou posse de 168 milhões de dó-lares que estavam na Suíça, nas Ilhas Cay-man e nos Estados Unidos e identificoumais 42 milhões em contas suíças e mexi-canas, que ainda estão passando pelos trâ-mites legais para retornar ao país.Estima-seque o ex-presidente ainda tenha 300 mi-lhões de dólares escondidos em algum lu-gar.Atualmente,Fujimori está no Japão,quenão aceita os pedidos de extradição feitospelo Peru porque ele também tem naciona-lidade japonesa.“A criminalidade mundialé cada vez mais eficiente e os Estados sofrempara recuperar os valores por causa de ritos

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demorados que devem ser seguidos. Omundo precisa repensar instrumentos co-mo o sigilo bancário,o asilo político,as car-tas rogatórias e as extradições. É possívelrever esses mecanismos sem desrespeitar osdireitos individuais”, afirmou José UgazSanchez,oficial sênior de integridade insti-tucional do Departamento de IntegridadeInstitucional do Banco Mundial, durante oIV Fórum Global de Combate à Cor-rupção, realizado em junho, em Brasília.

No Brasil,uma das principais estratégias,desde o início do atual governo, tem sido aassinatura de acordos de assistência jurídi-ca mútua com outras nações. Quando essetipo de acerto é feito, um procurador dopaís por onde os recursos parecem ter pas-sado é indicado para acompanhar todas asinvestigações.O Dric,do Ministério da Jus-tiça, já fechou 17 acordos desse tipo e pre-tende chegar a acertos com 50 países até ofinal de 2006.“Esse é um dos caminhos,mastambém não descartamos a atuação direta,com a contratação de advogados locais paraentrar com ações ou para ajudar os Estadosestrangeiros”, lembra Madruga.

Obstáculos Mesmo quando há ação deadvogados no local onde está o dinheiro, acooperação internacional esbarra, muitasvezes, nas legislações de cada país. Emboraa orientação da comunidade internacionalseja que todas as nações criem normas con-tra a lavagem de dinheiro,muitas ainda nãoo fizeram ou então divergem quanto aos cri-mes antecedentes à lavagem.Assim, juízesde alguns países não atendem aos pedidossob a alegação de que o ato não é considera-do criminoso localmente.

Para Madruga,do Ministério da Justiça,ainda há muitos obstáculos para melhoraro combate ao crime de lavagem, mas é ex-tremamente relevante o fato de que,pela pri-meira vez,o Brasil tem uma estratégia orga-nizada sobre o tema,assinada por represen-tantes de todos os órgãos envolvidos nocombate: Polícia Federal, Ministério Pú-blico (MP), Ministério da Justiça, BancoCentral, Comissão de Valores Mobiliários(CVM) e outros. Em dezembro de 2003,

esses órgãos realizaram uma reunião emPirenópolis, em Goiás, que traçou a Estra-tégia Nacional para Combate à Lavagem deDinheiro (Encla), voltada para aumentar aarticulação entre os diversos setores envolvi-dos por meio de várias medidas, entre elasa unificação das bases de dados do país.

“O principal instrumento para deter ocrime de lavagem é o uso de informações,mas no Brasil cadastros como o de pessoasfísicas e jurídicas ou de passaporte não sãounificados.Já fizemos um recenseamento eidentificamos 84 bases de dados que deve-riam ser unificadas.Para criar esse cadastroúnico,é preciso vencer a resistência políticados órgãos que coordenam cada uma dasbases,obstáculos tecnológicos e obstáculosjurídicos. Hoje, a chave do sigilo dos dadosbancários ou dos dados da Receita Federalestá nas mãos do juiz,mas ele precisa enviarum ofício a cada um desses órgãos e recebeuma série de declarações desorganizadas,que devem ser cruzadas por quem está in-vestigando o crime”, conta Madruga.

Apesar da tentativa de esforço coorde-nado, ainda há pouco diálogo entre órgãoscomo a Polícia Federal,o Ministério Públicoe o Conselho de Controle de AtividadesFinanceiras (Coaf), segundo avalia SílvioMarques,procurador do Ministério Públicoestadual de São Paulo.“Falta colaboração eexiste muita burocracia”, diz. O Coaf foicriado em 1998,pela Lei de Lavagem de Di-nheiro, e tem a função de coordenar a inte-ligência financeira do país, identificandooperações suspeitas e informando os fatosàs autoridades.Todas as operações acima de10 mil reais que fugirem do padrão normaldevem ser comunicadas ao Coaf pelos ban-cos e também por outros agentes econômi-cos,como bolsas de mercadorias,adminis-tradoras de cartões de créditos,imobiliáriase factorings.Além disso,os bancos são obri-gados a passar,diariamente,relatórios de to-das as operações acima de 100 mil reais.Háquem questione se o Coaf está bem estru-turado para cumprir esse papel,já que o ór-gão recebe diariamente uma enorme quan-tidade de informações e tem poucos fun-cionários para analisá-las.“O papel do Coaf

é estritamente de vigilância, ele não tem afunção de processar ou punir ninguém.Dentro desse papel,ele já havia identificadoas operações suspeitas da empresa deMarcos Valério, por exemplo, e comunica-do ao Ministério Público”, diz Madruga.

Avanço Já em relação à legislação, o Brasilainda precisa melhorar.A lei brasileira é de1998,mas durante muito tempo ficou prati-camente sem aplicação.Ainda não existeminformações consolidadas,mas até 2003 sóhavia ocorrido uma condenação por lava-gem de dinheiro. A norma brasileira estásendo revista. No momento, está na CasaCivil, pronto para seguir para o CongressoNacional, um novo projeto de lei de com-bate ao crime.A norma atual é consideradauma legislação de segunda geração nomundo.As primeiras leis foram as que pre-viram como crime antecedente à lavagemapenas o tráfico de drogas. Em seguida, aslegislações passaram a incluir outros crimesantecedentes, como a corrupção e o terro-rismo. As normas de terceira geração nãolistam os crimes anteriores, ou seja, a lava-gem de dinheiro é um crime por si só,inde-pendentemente de qual tenha sido o ato ilí-cito que deu origem aos recursos.A sone-gação fiscal e o uso de caixa dois em cam-panhas eleitorais, por exemplo, ainda nãoentram no rol de crimes antecedentes noBrasil,mas a expectativa é que,no novo pro-jeto, passem a figurar na lista.

É possível dizer que o Brasil avançou nocombate à lavagem nos últimos anos aocriar novas normas e novas estruturas, co-mo o Dric e o Coaf.Apesar disso, ainda hámuito a ser feito. Para Madruga, um esque-ma de lavagem como o que está aparecen-do hoje nas denúncias contra o Partido dosTrabalhadores mais cedo ou mais tarde se-ria identificado.“Eles confiaram em umaimpunidade que hoje em dia está cada vezmais rara”, diz. Seja na prevenção, seja namelhoria dos sistemas existentes e na maiorarticulação entre os órgãos, o Brasil aindatem muito trabalho a ser feito se quiser aca-bar com casos como o de Jorgina de Freitasou o do Banco Noroeste.

farmácias – a Drogas La Rebaja – para lavar o dinheiro proveniente da venda de drogas

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A n t ô n i o R a n g e l B a n d e i r aARTIGO

Campanha de Entrega Voluntária deArmas e o próximo referendo popularsobre a proibição do comércio de ar-mamento e munição nem sempre são

compreendidos. Então, por que convencer os ho-mens de bem a desarmar-se?

Por escassez de estatísticas,estamos mais aten-tos às mortes provocadas em assaltos, por estra-nhos, pelo “perigo que vem da rua”. Mas os estu-dos feitos em outros países revelam que as “mortesdentro de casa”ou cometidas por conhecidos sãomuito mais numerosas. No Brasil, não temos ain-da estatísticas sobre quem mata, mas nos EstadosUnidos, segundo o Departamento Federal de In-vestigação (FBI, na sigla em inglês), apenas 8,9%das mulheres e 15,5% dos homens assassinadospor arma de fogo não conheciam os assassinos.Em resumo,quem tem arma em casa está dormin-do com o inimigo.A arma comprada para prote-ger a família pode converter conflitos banais entreparentes ou vizinhos, brigas de trânsito ou no bare discussões de futebol em tragédias irreversíveis.Reduzir esses “crimes fúteis”foi o objetivo da proi-bição do comércio de arma e o desarmamento ci-vil em países como a Grã-Bretanha e o Japão. Eproduziram resultados.Além disso, vale lembrarque o porte de arma não garante segurança no ca-so de um assalto, pois o criminoso tem o efeitosurpresa a seu favor.

As primeiras análises, baseadas principal-mente no banco de dados do Sistema Único deSaúde (Datasus), do Ministério da Saúde, reve-lam que o quadro brasileiro é muito grave, pois éo país em que mais se morre e em que mais semata com armas de fogo, com 39.284 mortos em2003. Acabei de lançar o livro Armas de Fogo:Proteção ou Risco?, com os resultados dessas no-vas pesquisas. Para democratizar a informação,o livro tem preço de revista e é vendido tambémem banca de jornal. Revela, por exemplo, que cer-ca de 40% das mulheres brasileiras mortas porarma de fogo foram assassinadas por seu parceiroíntimo; três pessoas, em média, são internadasdiariamente em razão de ferimentos por arma,sendo as crianças as principais vítimas, por causade acidentes dentro de casa; o Rio Grande do Sul

é o estado com o maior número de armamentolegalizado e também com a maior taxa de suicí-dios por arma de fogo.

A produção de estatísticas é lenta no Brasil,mas já sabemos que as internações por ferimen-tos causados po arma de fogo caíram 10,5% noestado do Rio e 7% no estado de São Paulo apósa aprovação do Estatuto do Desarmamento. Em-bora o alvo da Campanha de Desarmamento se-ja convencer o cidadão de bem a desarmar-se, elaacaba tendo efeitos colaterais no combate ao cri-me violento: o preço das armas no mercado clan-destino disparou, pela crescente dificuldade deobtê-las; criminosos procurados só foram pre-sos porque foram detidos com arma, a exemplodo que ocorreu em Nova York.

Resta a pergunta: quem vai desarmar os cri-minosos? Esse é um trabalho paralelo, que temde ser feito pela polícia. Quase todos os artigosdo Estatuto do Desarmamento visam fornecermeios e obrigações à polícia para que comece,pela primeira vez, a desarmar os delinqüentes.Amarcação da munição vendida às polícias e àsForças Armadas permitirá que esses produtos se-jam rastreados e se descubram os responsáveispor desvios nas fábricas, nos quartéis ou nas de-legacias.A marcação das armas ajudará a desven-dar os canais que abastecem o crime organizado.A criação de um banco de dados nacional deposse de armas contribuirá para que a polícia,além de prender bandidos isolados, possa des-baratar as organizações criminosas. Temos depressionar as autoridades para que acelerem aaplicação da nova lei. A população já entregou400 mil armas.Vamos cobrar que a polícia cum-pra agora o seu papel e desarme os criminosos.Votando “sim” no referendo, construiremos umBrasil sem armas e menos violento.

Antônio Rangel Bandeira é sociólogo da organização não-governa-

mental Viva Rio

Sim ao desarmamento

“A arma comprada

para proteger

a família pode

converter conflitos

banais entre parentes

ou vizinhos, brigas

de trânsito ou no bar

e discussões de

futebol em tragédias

irreversíveis”

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Desaf ios • setembro de 2005 45

A l b e r t o F r a g aARTIGO

cada 13 minutos, uma pessoa é assassi-nada no país. Em algumas cidades, co-mo Rio de Janeiro, São Paulo e Recife,o crime organizado suprimiu comple-

tamente qualquer esperança de vida para jovensde 15 a 24 anos.No ano 2000,houve cerca de 40 milhomicídios no Brasil. Estamos comprometendoas novas gerações, o futuro de nosso país.

Qual a solução para esse grave problema? Pa-ra o governo brasileiro, especialmente para o mi-nistro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, é o de-sarmamento do cidadão honesto, a proibição docomércio legal de armas de fogo e munições emtodo o território nacional. O ministro é o maiordefensor do desarmamento da população. Por is-so, Thomaz Bastos não tem dúvida em torrar 600milhões de reais com uma consulta popular parasaber se o povo quer ou não manter o comérciolegal de armas no Brasil. Detalhe: há meses não sevende legalmente uma garrucha sequer à popu-lação civil.

Ao mesmo tempo, o governo do Partido dosTrabalhadores anuncia o corte de 58% dos recur-sos do Fundo Nacional de Segurança Pública,queagora terá apenas 169 milhões de reais para se-rem distribuídos aos estados para o combate aonarcotráfico e ao crime organizado. O corte dessaverba motivou uma reunião de 23 secretários es-taduais de Segurança Pública, em Brasília, no dia13 de abril. Os secretários apresentaram docu-mento solicitando que seja respeitado o mínimode 1,2 bilhão de reais destinado ao setor, previs-to para a área em 2005.

É impressionante que todos os especialistas emsegurança pública não acreditem no Estatuto doDesarmamento e muito menos na proibição docomércio legal de armas de fogo como instrumen-tos eficazes no combate à criminalidade. Apenaso senhor Márcio Thomaz Bastos,algumas organi-zações não-governamentais (ONGs) financiadaspor governos estrangeiros, como o Viva Rio, e osdiretores das Organizações Globo acreditam nodesarmamento do cidadão honesto como pana-céia para o flagelo da criminalidade no Brasil.

É um acinte para o cidadão que paga impos-to, trabalha e não conta com a segurança que de-

veria ser provida pelo Estado saber que todos es-ses indivíduos têm guarda-costas fortemente ar-mados. Eles, sim, têm dinheiro para garantir a se-gurança privada. E o trabalhador? E a classe mé-dia? E os estudantes? E os pequenos fazendeiros,os motoristas de caminhão, os auditores fiscais,entre outros?

O cidadão chamado Rubem César, diretor doViva Rio, quer desarmar o povo, mas anda noRio de Janeiro com cinco seguranças armados demetralhadora e carro blindado.A Rede Globo deTelevisão, que também quer desarmar o povo,encaminhou seus leões-de-chácara para fazerum curso em São Paulo, no qual um segurançada família Marinho deu 600 tiros. Qual é o poli-cial brasileiro que dá 600 tiros? Nenhum, porquenão há dinheiro para comprar munição.

Não defendo que o cidadão compre uma armae,numa briga de trânsito,atire nas pessoas.Defen-do a posse de arma para que o cidadão possa de-fender sua propriedade,sua família e a própria vi-da. Sou contra o referendo porque o próprio Es-tatuto do Desarmamento garante a posse, o portee o comércio legal de armas, ao contrário do quevem sendo publicado na imprensa.

Sou contra fazer uma pergunta genérica aocidadão. Ele tem de saber que votará sobre suadefesa, a de sua família e a de seu patrimônio. Alegítima defesa está contemplada no Código deProcesso Penal como excludente de criminali-dade: se o cidadão praticar crime em legítimadefesa, ele é absolvido. Deputados que defen-dem a moralidade e a ética querem retirar a ex-pressão legítima defesa da pergunta que constaráno referendo popular. Por isso, criamos, no últi-mo dia 12, o Comitê Suprapartidário pelo Di-reito à Legítima Defesa. Queremos lutar pelo di-reito constitucional de nos defendermos dosbandidos, com nossas armas se preciso for, e deum governo criminoso, culpado pelo crime delesa-pátria por torrar tanto dinheiro com tãopouco resultado.

Alberto Fraga é deputado federal (PFL-DF), presidente da Frente Parlamentar

pelo Direito à Legítima Defesa, da Frente Parlamentar em Defesa da Segurança

Pública e do Comitê Suprapartidário Pró-Legítima Defesa no Distrito Federal

Não ao desarmamento

“É impressionante que

todos os especialistas

em segurança pública

não acreditem

no Estatuto do

Desarmamento e

muito menos na

proibição do comércio

legal de armas de fogo

como instrumentos

eficazes no combate

à criminalidade”

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SOCIEDADE

Balanço dos

resultadosP o r M a y s a P r o v e d e l l o , d e B r a s í l i a

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s representantes dos países-mem-bros da Organização das NaçõesUnidas (ONU) têm uma tarefaimportante a cumprir no mês de

setembro,a reafirmação dos compromissosassumidos em 2000, após a realização daCúpula do Milênio, em Nova York, com oobjetivo de reduzir a pobreza mundial pelametade até o ano de 2015.Durante a elabo-ração das Metas do Milênio, ficou combi-nado que em 2005 seria realizado um en-contro, a Cúpula do Milênio +5, para ava-liar o andamento das iniciativas voltadaspara o cumprimento das promessas,resumi-das nos oito Objetivos de Desenvolvimentodo Milênio (ODM),composto de 18 metasa serem atingidas.Os dados levantados nosúltimos anos sobre a economia global mos-tram que a pobreza, dependendo da formade análise, até caiu em algumas regiões doglobo, como no caso da China.

Mas o que preocupa é que a queda aindaé muito pequena e pontual e, pior, a desi-gualdade social entre pobres e ricos crescede forma alarmante e disseminada.“A desi-gualdade é um problema mais grave do quea pobreza, e a situação chegou a tal pontoque já não é ‘privilégio’ dos países pobres,pois aumenta nos Estados Unidos, no Ca-nadá e nos países nórdicos”, afirmou emagosto, ao jornal Folha de S.Paulo, o brasi-leiro Roberto Guimarães, organizador doRelatório da Situação Social Mundial da

O Bras i l cr ia ma is

sete metas para serem

cumpr idas até 2015, a lém

de 50 novos ind icadores

de acompanhamento dos

Objet i vos do Mi lên io.

As nov idades estão no

re latór io a ser entregue

na Cúpu la do Mi lên io +5,

que acontece em meados

de setembro em Nova York

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ONU. Segundo ele, o pensamento de quebasta crescer para resolver as questões rela-tivas à pobreza já está ultrapassado e a Chinaé uma evidência disso, pois foi o país commaior crescimento econômico na década de90 e ainda apresenta índices bastante fortesde desigualdade. Lá, os 10% mais ricos ga-nham 18 vezes mais do que os 40% mais po-bres. No Brasil, essa diferença é de 32 vezes.

Relatório Durante as discussões da Cúpulado Milênio +5, além de buscar caminhospara os próximos passos a serem dados nocombate à pobreza e à desigualdade, ospaíses tornarão público o que já fizeram equanto falta para o cumprimento de cadaum dos ODM. O Brasil leva para a reuniãoseu segundo relatório de acompanhamen-to sobre o tema. O documento foi elabora-do pelo Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea) em conjunto com 17 mi-nistérios. O trabalho foi supervisionadopela Casa Civil e apresenta uma radiografiacompleta de como está o país em relação acada um dos oito Objetivos do Milênio.Mesmo sem ser uma exigência da ONU,ostécnicos envolvidos no trabalho optarampor um levantamento com cortes raciais,re-gionais e por gênero, sempre que os dadosdisponíveis permitiam. Os ODM falamapenas em médias nacionais e não explici-tam esse tipo de detalhamento, mas ospesquisadores procuraram descobrir se asáreas avaliadas apresentam ou não proble-mas com tais características,de forma a pos-sibilitar um diagnóstico mais detalhado.

Anna Peliano, diretora de AssuntosSociais do Ipea, explica que os envolvidosno trabalho de monitorar e executar os ob-jetivos no Brasil optaram por criar e adap-tar novas metas a serem atingidas pelo país,com graus mais complexos do que os pro-postos pela ONU, porque em algumasáreas, como educação, por exemplo, as de-mandas feitas já foram praticamente atingi-das. Foram incorporadas à proposta dasNações Unidas sete novas metas.“Além dis-so,após várias reuniões de avaliação com osespecialistas temáticos no âmbito dos mi-nistérios e no Ipea, decidimos incluir um

48 Desafios • setembro de 2005

A China foi o país que conquistou o maior crescimento econômico na década de 90, mas ainda

Incentivar, divulgar e criar um banco dedados com as melhores práticas de prefeitu-ras, organizações públicas e privadas, univer-sidades e indivíduos que contribuam para ocumprimento dos Objetivos de Desenvolvi-mento do Milênio (ODM). Essa é a proposta doPrêmio ODM Brasil 2005, que pretende esti-mular a mobilização da sociedade civil emtorno das metas socioeconômicas que os paí-ses-membros da Organização das NaçõesUnidas se comprometeram a atingir até 2015– que englobam as áreas de renda, educação,saúde, meio ambiente, gênero e parcerias pa-ra o desenvolvimento.

Os concorrentes têm até o dia 7 de outu-bro para inscrever-se em duas categorias:Governos Municipais e Organizações (que in-clui associações da sociedade civil, estatais,fundações públicas ou privadas, universi-dades e empresas) – ou serem indicados paraa categoria Destaques, na qual disputam pes-soas ou entidades escolhidas pelo MovimentoNacional pela Cidadania e Solidariedade.

A categoria Governos Municipais visadestacar políticas públicas de prefeituras queajudem a garantir e defender os direitos docidadão.A categoria Organizações deve apon-tar experiências que contribuam para a pro-moção da cidadania. Já a categoria Destaquesprocura homenagear uma pessoa ou entidadereconhecidamente comprometida com os Obje-tivos do Milênio. Cada um desses prêmios serádisputado por 16 finalistas.

A entrega dos prêmios será no dia 15 dedezembro, no Palácio do Planalto, em Brasília.As iniciativas vencedoras serão divulgadaspor meio de publicação em jornais e revistas,vídeos transmitidos pela televisão e semináriopara a disseminação das práticas.A iniciativaé do governo federal, do Programa das Na-ções Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) ede um conjunto de organizações do setor pri-vado e da sociedade civil reunidas no Movi-mento Nacional pela Cidadania e Solidarie-dade. As inscrições podem ser feitas no en-dereço eletrônico www.odmbrasil.org.br.

Reforço à iniciativa da sociedade

Brasil já cumpriu as metas da ONU relativas à educação e pretende estabelecer novos objetivos

Fernando Moraes/Folha Imagem

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Desaf ios • setembro de 2005 49

apresenta desigualdade, pois os 10% mais ricos ganham 18 vezes mais do que os 40% mais pobres

Compromissos para 2015

Objetivos

Erradicar a extrema pobreza e a fome

Universalizar a educação primária

Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres

Reduzir a mortalidade na infância

Melhorar a saúde materna

Combater o HIV/Aids,a malária e outras doenças

Garantir a sustentabilidade ambiental

Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento

Metas da ONU para o mundo

• Reduzir pela metade a proporção da população com renda inferior a 1 dólar PPC* por dia

• Reduzir, pela metade, a proporção da população que sofre de fome

• Garantir que, até 2015, as crianças de todos os países, de ambos os sexos, terminem um ciclo completo de ensino

• Eliminar as disparidades entre os sexos no ensino fundamental e médio, se possível até 2005, e em todos os níveis de ensino,o mais tardar até 2015

• Reduzir em dois terços a moprtalidade de crianças menores de cinco anos de idade

• Reduzir em três quartos a taxa de mortalidade materna

• Até 2015, ter reduzido a propagação do HIV/Aids e começar a inverter a tendência atual

• Até 2015, ter reduzido a incidência da malária e outras doenças importantes e inverter a tendência atual

• Integrar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas e programas nacionais e reverter a perda de recursos ambientais

• Reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso permanente e sustentável à água potável e esgotamento sanitário

• Até 2020, ter alcançado uma melhora significativa na vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de assentamentos precários

• Avançar no desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro aberto, baseado em regras, previsível e não discriminatório

• Atender às necessidades dos países menos desenvolvidos, incluindo umregime isento de direitos e não sujeito a cotas para exportações dos paísesmenos desenvolvidos; um programa reforçado de redução da dívida dos países pobres muito endividados e anulação da dívida bilateral oficial;e uma ajuda pública para o desenvolvimento mais generosa aos países empenhados na luta contra a pobreza.

• Atender às necessidades especiais dos países sem acesso ao mar e dos pequenos estados insulares em desenvolvimento

• Tratar globalmente o problema da dívida dos países em desenvolvimento,mediante medidas nacionais e internacionais de modo a tornar a sua dívida sustentável

• Em cooperação com os países em desenvolvimento, formular e executar estratégias que permitam que os jovens obtenham um trabalho digno e produtivo

• Em cooperação com as empresas farmacêuticas, proporcionar o acesso a medicamentos essenciais e preços acessíveis, nos países em vias de desenvolvimento

• Em cooperação com o setor privado, tornar acessíveis os benefícios das novas tecnologia, em especial das tecnologias de informação e comunicações

Metas do Brasil

• Reduzir a um quarto a população com renda inferior a 1 dólar PPC* por dia

• Erradicar a fome entre 1990 e 2015

• Garantir que todas as crianças, de todas as regiões do país, independentemente de cor/raça e sexo, concluam o ensino fundamental

• A mesma

• A mesma

• Promover, na rede do Sistema Único de Saúde(SUS), cobertura universal, por ações de saúde sexual e reprodutiva até 2015

• Até 2015, ter detido o crescimento da mortalidadepor câncer de mama e de cólo de útero

• Até 2015, reduzir a incidência de malária e tuberculose

• Até 2010, eliminar a hanseníase

• A mesma

• A mesma

• A mesma

• A mesma

• A mesma

• A mesma

• A mesma

• A mesma

• A mesma

• A mesma

*Dólar PPC - Dólar Paridade Poder de Compra

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50 Desafios • setembro de 2005

S aneamen to é um dos obs tácu l o s que o Bras i l e n f r en ta pa ra cumpr i r as me tas

o número de pessoas em situação de po-breza (vivendo com menos de 1 dólar aodia).A segunda é cortar, no mesmo perío-do também pela metade o contingente po-pulacional em situação de fome. Os dadosestatísticos nacionais indicam que tais alvosserão alcançados. Assim, a determinaçãopolítica do governo federal em relação a es-sas duas metas é ampliar o alcance dopúblico beneficiado. Para a diminuição dapobreza, o Brasil se compromete a reduzira um quarto a população com renda infe-rior a 1 dólar ao dia. No caso da fome, apromessa é erradicá-la até 2015.• Educação A meta da ONU de que ascrianças cumpram pelo menos um ciclo deensino (os quatro primeiros anos) não seaplica ao Brasil,uma vez que a legislação lo-cal prevê a obrigatoriedade do ensino paratodas as crianças até a oitava série.Assim, ameta para 2015 foi alterada para garantirque todas as crianças, de todas as regiões,sem exclusão de cor,raça ou gênero,tenhama chance de concluir o ensino fundamental.• Saúde materna São duas as novas metascriadas pelo Brasil nesse campo. Uma é auniversalização do atendimento prestadopelo Sistema Único de Saúde (SUS) dasações de saúde sexual e reprodutiva.A ou-tra diz respeito à reversão da tendência decrescimento da mortalidade de mulherespor câncer de mama e de colo uterino,compolíticas públicas voltadas para a prevenção.• HIV/Aids, malária e outras doençasA ONU propôs em 2000 que os países con-tivessem a incidência da malária e de outrasdoenças até 2015. O governo brasileiroavançou e propôs reduzir a incidência atéaquele ano e incluiu oficialmente a tubercu-lose na lista dos males a serem diminuídos.Outra meta foi estipulada, essa até 2010:eliminar a hanseníase.

conjunto de 50 novos indicadores de acom-panhamento, além dos 47 propostos pelasNações Unidas”, conta Luiz Fernando deLara Resende,coordenador do relatório.Es-ses indicadores permitem maior transpa-rência para que qualquer cidadão possa sa-ber com mais rigor se o país está no rumo cer-to ou não para cumprir os objetivos e as me-tas.E,principalmente,para que a as pessoaspossam cobrar do governo federal, sempreque necessário, uma atuação mais eficaz.

A idéia, até 2015, é ampliar o diálogocom a sociedade civil por meio dos conse-lhos representativos espalhados nacional-mente, de forma a atingir um consenso so-bre novas metas a serem incorporadas noscompromissos brasileiros.“Muito do que jácriamos é um reflexo das preocupações ob-servadas nos debates promovidos pela so-ciedade ao longo dos últimos meses”, afir-ma Peliano. Um exemplo disso é o vínculo,buscado no documento,entre os ODM e osdireitos humanos.Há um capítulo especialdemonstrando que eles estão diretamenteligados à pauta dos Objetivos do Milênio.

Esforço Os dados apresentados no relatórioindicam que o país deverá atingir,mantidasas tendências atuais de condução das políti-cas econômicas e sociais,os objetivos relati-vos a pobreza,fome,educação e redução dasdiferenças entre os sexos na educação.“Mastemos desafios fortes pela frente, como nocaso do meio ambiente,que exige muito tra-balho”, lembra Peliano.“Os esforços neces-sários para cumprir todos os objetivos já es-tão desenhados, mas é preciso lembrar quenão basta o programa estar definido, poisdepende de uma boa execução. E isso nãose relaciona apenas à esfera federal,mas tam-bém aos estados e municípios, que devemassumir seus papéis nesse conjunto de tare-fas”,completa.Carlos Mussi,economista daComissão Econômica para a América La-tina e o Caribe (Cepal),acredita que o Brasilencontrará dificuldades para cumprir ameta que engloba o tópico de saneamentoporque depende da definição do marco re-gulatório do setor e da explicitação das res-ponsabilidades de cada ente federativo,além

de exigir vasta e cara rede de infra-estrutu-ra, que demorará para ser construída.

As estatísticas da Cepal referentes ao an-damento dos ODM na América Latina re-velam características comuns a esse blocode países, segundo Mussi. Uma delas é queo caráter de desigualdade social, tão pecu-liar ao Brasil, também é fator marcante nosoutros países. “A Argentina é o exemplomais recente.Ela tinha os menores níveis dedesigualdade,mas agora já está com a mes-ma tendência brasileira”,informa.Além dis-so, os desafios relativos às diferenças entreos sexos são similares: violência domésticae discriminação no mercado de trabalho.Oquadro da saúde também é parecido, a in-fra-estrutura é razoável, mas os problemasmaiores são de acesso aos serviços e aosmedicamentos. Outro problema enfrenta-do na região é,na opinião de Mussi,o da fa-velização.“Na América Latina, eu diria queessa é uma das metas que não devem ser al-cançadas”, declara.

Entre as propostas adicionais aos ODMfeitas pelo governo brasileiro estão:• Pobreza e fome O primeiro dos oitoobjetivos prevê a diminuição da pobreza eda fome no mundo. Para isso, foram es-tabelecidas duas metas mínimas. A pri-meira delas é reduzir pela metade,até 2015,

Para conhecer o Relatório Nacional de

Acompanhamento dos Objetivos do Milênio,

acesse o endereço eletrônico do Ipea

www.ipea.gov.br

Saiba Mais:

Ricardo B. Labastier/Versor

Anna Peliano, diretora de Assuntos Sociais do Ipea

d

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52 Desafios • setembro de 2005

Avança no Brasi l a te lessaúde, que

busca garant ir atendimento médico e

tre inamento em comunidades d istantes,

especia lmente na reg ião Amazônica

MEDICINA

Cura à distânciaP o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

tecnologia e o uso da internet podem permitir o aten-dimento médico em comunidades distantes, por e-xemplo, na Amazônia, onde o deslocamento de pes-soas para tratamentos de saúde de uma cidade para

outra não é tarefa trivial. Da comunidade de Boca do Acre, noAmazonas, até Manaus, no mesmo estado, são exatos 1.038quilômetros, o que significa uma viagem de, no mínimo, 12 diasde barco se o tempo ajudar e não houver imprevistos. A distân-cia é agravada pela concentração desigual de médicos no ter-ritório brasileiro. Dos 300 mil profissionais em atividade registra-dos no Conselho Federal de Medicina (CFM), estima-se que75% atuem nas regiões Sul e Sudeste – 49% somente nas cidadesde Rio de Janeiro e São Paulo.

No Amazonas, existem apenas 2,4 mil médicos, sendo que 2,1mil estão na capital, enquanto os outros 300 têm de cumprir a gi-gantesca missão de prestar assistência ao resto do estado. Outrodado preocupante é que dos 5.646 municípios brasileiros, 1,5 milsimplesmente não têm médicos. Para atenuar essas distorções emelhorar a vida de quem mora longe de centros urbanos, as tec-nologias aplicadas à medicina – a telemedicina e a telessaúde – são

cruciais,porque permitiriam que a prática médica chegasse aondehoje não está presente. Nesse cenário, a internet desempenha pa-pel fundamental. Recentes no Brasil, as práticas de telessaúde co-meçam a ser disseminadas de forma tímida, porém constante.

As comunidades isoladas seriam as beneficiárias mais imedia-tas e diretas, porém a ampla oferta de serviços em saúde usandotecnologias de telecomunicação e informação também seriamuito bem-vinda para quem mora nas grandes cidades, mas es-tá impossibilitado de locomover-se. Seria a concretização do al-mejado homecare, expressão em inglês que designa o tratamen-to feito em casa.“A proximidade com os familiares comprovada-mente favorece a recuperação dos pacientes”, afirma SandraOyafuso Kina, coordenadora do Centro de Informação e Co-municação do Hospital Albert Einstein.

Origem De maneira geral, a telemedicina teve início durante a cor-rida espacial na década de 60, quando as funções vitais dos astro-nautas eram monitoradas na Terra.Hoje,ela é praticada em hospi-tais e instituições de saúde com diversos objetivos: obter diferentesreferências, trocar informações, conseguir uma segunda opiniãomédica, e na assistência a pacientes crônicos, idosos e gestantes,além da telecirurgia. Outra possibilidade é a educação a distância,para atualizar profissionais que atuam em regiões afastadas. Elatambém pode ajudar a reduzir a sobrecarga nos hospitais.“Temosum problema de fluxo de pacientes que muitas vezes vão para hos-pitais de alta complexidade sem necessidade.A telemedicina podeatenuar esse problema auxiliando os médicos de saúde da famíliano diagnóstico.Assim, as filas nos hospitais podem diminuir por-que o médico saberá encaminhar melhor seu paciente”, acreditaMagdala de Araújo Novaes,coordenadora do Núcleo de Telessaúde(Nutes) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O Nutes, que existe desde 2003, tem uma rede abrangendoquatro municípios pernambucanos – Recife, Cabo de SantoAgostinho, Igarassu e Camaragibe. Cada unidade conta comequipamento para a realização de videoconferências. Já foramcapacitados 1,2 mil profissionais e, até dezembro de 2004, foramfeitas 54 videoconferências.“Também desenvolvemos aqui umsoftware que permite a troca de informações sobre um caso es-pecífico em que o diagnóstico e o tratamento são constantementedebatidos entre os profissionais da rede”, conta Novaes.

Para utilizar os sistemas são necessários equipamentos e pro-gramas específicos.A infra-estrutura tecnológica varia de acordocom a complexidade do procedimento que se deseja realizar.É pos-sível utilizar desde sistemas de telefonia convencional até redes digi-tais de alta velocidade para transmissão de imagens e videoconfe-rências.Quando digitalizadas,as informações médicas podem serprocessadas de várias maneiras.Os dados quantitativos,por exem-plo, podem transformar-se em bancos de dados. Para as imagens,o uso de filtros digitais realça detalhes que normalmente passa-riam despercebidos e também permite manipular a imagem com

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Joe Felzman/Getty Images

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rotação e aproximação.Além disso, pode-se acrescentar texto ouindicar uma região de interesse com setas.

Multidisciplinar Apesar de mais conhecido, o termo telemedi-cina está gradativamente sendo substituído pelo conceito maisabrangente de telessaúde, que prevê grupos multidisciplinaresatuando em conjunto. É essa a idéia por trás do projeto encam-pado pelo CFM, pela Faculdade de Medicina da Universidadede São Paulo (USP), pela Universidade do Estado do Ama-zonas, pela Universidade Federal do Amazonas e pelo Sistemade Proteção da Amazônia (Sipam), que congrega informaçõesgeográficas e climáticas sobre a floresta Amazônica. Locali-zados em comunidades, fronteiras e bases do Exército, da Ae-ronáutica, do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Na-cional do Índio (Funai), os 650 pontos de presença do Sipamestão equipados com telefone, fax e computadores com aces-so à internet. Aproximadamente 100 deles já possuem conexãode alta velocidade, o que permite o envio e o recebimento devídeos e imagens. Toda tecnologia funciona via satélite.A metaé usar a infra-estrutura existente para evitar viagens longas depacientes e melhorar as condições dos profissionais que tra-balham nesses locais.

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Tecnologia de ponta no Xingu

Em 2,8 milhões de hectares no norte doMato Grosso estão espalhados cerca de de 4,9mil índios de 14 etnias em 62 aldeias. O acessoao Parque Indígena do Xingu é feito meio de pe-quenos aviões ou por terra, em sofridas e longasviagens.Tentando driblar essas dificuldades, oProjeto Xingu, ao completar 40 anos, pretendelançar mão da tecnologia para melhorar o atendi-mento de saúde prestado a essas populações.

A tecnologia deve servir para prestar me-lhores serviços básicos, o que inclui vacinação,pré-natal, monitoramento do desenvolvimentodas crianças e controle de doenças como tu-berculose, malária e outras sexualmente trans-missíveis, como o HPV, vírus que pode causarcâncer de útero. Hoje, para fazer exames rela-tivamente simples, como ultra-som e colposco-pia (exame que investiga a etiologia de lesõessuspeitas de colo uterino), a mulher indígenaprecisa se locomover até Barra dos Garças, no

Mato Grosso, única cidade da região que dispõede equipamento adequado ao exame.“Além doalto custo, existe a demora da viagem, em mé-dia dois dias, que muitas vezes é decisiva parao prognóstico”,explica Douglas Rodrigues,coor-denador do Projeto Xingu.

A idéia é que uma webcam permita que umginecologista acompanhe, de São Paulo, a cole-ta do material ginecológico e as colposcopiasfeitas no Xingu.Os exames serão, então, fotogra-fados e enviados pela internet a especialistas doProjeto Alfa, centro de tecnologia médica ligadoà Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),para que possam diagnosticar o problema.Numaprimeira fase, a tecnologia será usada na rea-lização de exames ginecológicos, já que algunscasos recentes de infecção por HPV entre asmulheres índias evoluíram para câncer de colo deútero.A segunda etapa deve contemplar o diag-nóstico de problemas dermatológicos.

Ainda não há perspectiva de quando o sis-tema entrará em pleno funcionamento.Rodriguesconta que o problema maior no parque é a faltade energia porque os geradores disponíveis de-pendem de combustível que vem de longe e pre-cisam de constante manutenção. Uma boa opçãoseriam os painéis solares.

“Estamos no momento resolvendo essasquestões tecnológicas. Já adquirimos duas ante-nas de conexão via satélite, mas sabemos queelas não serão suficientes porque os arquivosque precisamos transmitir são muito pesados.Dequalquer maneira,vamos começar a fazer experi-mentos e projetos-piloto com o que temos”, con-ta Rodrigues.Para ele,a iniciativa facilitará muitoa vida dos 47 profissionais que integram o Pro-jeto Xingu.“A implantação da telessaúde será umgrande avanço. Ela pode reduzir as iniqüidadesna oferta de serviços de saúde para as popula-ções isoladas”, acredita.

Chao Lung Weng, coordenador de telemedicina da USP, participa de teleconferência

A te lemed ic ina nasceu na década de 60 para que méd icos mon i torassem, a par t i r

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Até agora, 22 unidades já receberam os equipamentos neces-sários para trabalhar com emergências médicas. Com eles, os mé-dicos poderão obter material didático para apoiar seus diagnós-ticos e consultar especialistas em Manaus.“Já gravei três horas deaula sobre ética médica para contribuir com o projeto”, contaRoberto d’Ávila, coordenador da Câmara Técnica de Informáti-ca em Saúde e Telemedicina do CFM.“As instituições devem co-laborar, usar as redes e a infra-estrutura que já existem em vez decriar novas”, alerta Chao Lung Weng, coordenador da disciplinade Telemedicina da USP. O projeto, de acordo com Edgar Fagun-des Filho, diretor técnico e operacional do Sipam, ainda está noinício, mas já mostra grande potencial.“Uma aula de Anatomiadada na USP foi transmitida e assistida simultaneamente em SãoPaulo, Manaus e Parintins e funcionou muito bem. Estamos emfase de experimentação e treinamento dos paramédicos, em suamaioria sargentos do Exército. Dentro de 30 dias, os 22 pontosequipados devem funcionar plenamente”, diz.

Internato A expectativa é que o projeto atenda, em sua primeirafase, cerca de 200 médicos e depois seja expandido para os esta-dos do Acre,Amapá, Rondônia e Roraima. Também faz parte dainiciativa o internato rural, que obriga todos os alunos de Medi-cina das três universidades envolvidas a passar dois ou três mesesprestando assistência às comunidades amazônicas. A aposta é

que, com os pontos do Sipam devidamente equipados, os estu-dantes possam trabalhar de forma mais eficiente.

“O Brasil não está tão atrás quando comparado a outros paí-ses.Temos,por exemplo,um instrumento que poucos países têm:o Homem Virtual, que funciona como um reforço didático”, afir-ma Wen.Com recursos de computação gráfica,um CD-ROM ba-tizado de Homem Virtual, de distribuição gratuita, mostra exata-mente como as doenças agem no organismo e permite visualizartodos os órgãos e o funcionamento do corpo humano.Com o ob-jetivo de diminuir a ocorrência de hanseníase – o Brasil é o segun-do país do mundo com maior número de casos dessa doença –,foi firmado um acordo entre a Faculdade de Medicina da USP e aOrganização Panamericana de Saúde (Opas).O objetivo é desen-volver um projeto de capacitação de médicos, profissionais desaúde e agentes comunitários do estado de São Paulo para o con-trole da hanseníase tendo como ferramenta o Homem Virtual.

O programa deve ser usado em larga escala para disseminar oaprendizado das formas de transmissão da doença e a identifi-cação de manchas suspeitas. Por meio da telemedicina, é possívelinterligar centros de referência na pesquisa e no tratamento dahanseníase, hospitais, postos de saúde, universidades, escolas, go-vernos e órgãos de apoio.A estratégia prevê até a participação deprofissionais da área de beleza, como esteticistas, manicures, mas-sagistas e cabeleireiros. Com treinamento adequado,Wen acredi-

médica; profissional de saúde presta atendimento em regiões remotas da floresta Amazônica (à direita)

Alberto AraújoAlexandre Schneider/Folha Imagem

d a Te r ra , o s a s t r o nau t a s e h o j e é u s ada p a ra d i a gnós t i c o e t e l e c o n fe r ê n c i a s

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ta que eles poderão detectar manchas suspeitas em seus clientes eencaminhá-los aos serviços de saúde credenciados.

A tecnologia também é peça fundamental em um projeto deoncologia pediátrica que começou a sair do papel em 2002 como apoio financeiro da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep)e funciona numa parceria da Escola Paulista de Medicina daUniversidade Federal de São Paulo (Unifesp) com o Laboratóriode Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP. Todosos médicos, de qualquer parte do país, podem acessar o portalda oncopediatria gratuitamente, que já congrega 4 mil pacientes,200 médicos e 38 hospitais espalhados por 12 estados brasileiros.“A idéia é descentralizar o hospital como única fonte de infor-mação. E numa segunda fase, pretendemos incluir os casos deoncologia adulta”, afirma Marcelo Zuffo, coordenador dos meiosinterativos do LSI. Hoje, além de oferecer educação a distância,os exames e os sintomas de todos pacientes cadastrados no por-tal são registrados e o programa desenvolvido especialmente parao projeto é capaz de fornecer um diagnóstico e os detalhes dotratamento. O sistema também gera uma agenda que informa aomédico quais acompanhamentos e avaliações devem ser feitos.A idéia é proporcionar atendimento homogeneizado às criançasportadoras de câncer, segundo protocolos avançados com osmelhores índices de cura.

Recursos A meta é que, dentro de algum tempo, todos os casos decâncer infantil estejam na base de dados.Assim,será possível elabo-rar indicadores nacionais confiáveis da doença.“A má distribuiçãode serviços médicos de qualidade somada à heterogeneidade dosprotocolos dos procedimentos médicos, leva à utilização de con-dutas que nem sempre são as mais eficazes. A telessaúde é uma

opção para melhorar o acesso aos serviços médicos e a dissemi-nação do conhecimento dos centros de referência”, aposta Zuffo.

A ampliação desses projetos e a criação de novos sofrem,entre-tanto, com um denominador comum: a escassez de recursos.“Ogoverno não investe muito em telemedicina,o que é uma pena.Nãohá outra maneira de alavancar a saúde no país a não ser por meioda tecnologia. O benefício, por exemplo, de usar o dinheiro doFundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust)seria gigantesco, mas o dinheiro está parado”, lamenta GyörgyBöhm, chefe da disciplina de telemedicina da USP e presidente doConselho Brasileiro de Telemedicina e Telessaúde. Mensalmente édestinado ao Fust 1% do faturamento das operadoras de telecomu-nicações.A administração federal já arrecadou cerca de 4 bilhõesde reais desde sua criação, em 2000, mas desde o governo passadoos recursos vêm sendo bloqueados no Orçamento da União porcausa de interpretações conflitantes em relação à lei que criou o fun-do – e para a realização do superávit primário.

“O próximo desafio é colocar a telessaúde nas residências. Oideal é que as pessoas, da mesma forma que acessam seu bancosem sair de casa, também possam receber à assistência médicasem precisar deslocar-se”, afirma Zuffo. Entretanto, para que osresultados de fato apareçam, a telessaúde tem de deixar de ser umexperimento laboratorial de simples aplicação da tecnologia paratransformar-se numa ferramenta incorporada ao processo desaúde. Portanto, é fundamental um modelo que seja prático, au-to-sustentado e disponível para o maior número de pessoas pos-sível. Por ter uma extensa rede de telecomunicações, o Brasil podebeneficiar-se muito com a telessaúde.A distância entre o tempode diagnóstico e o tratamento diminui, o que aumenta a eficiên-cia dos serviços médicos, justificando o investimento em equipa-mentos. Afinal, o objetivo é que a universalização dos recursostecnológicos melhore a coleta de informações referentes à saúdede um paciente, seu processamento, sua análise e distribuição. Éimportante, porém, propor soluções reais para que falsas expec-tativas não sejam geradas, pois se trata de uma mudança a serrealizada no longo prazo e deve contar com o apoio maciço dosatores envolvidos no processo.

Marcelo Zuffo, do Laboratório de Sistemas Integráveis da USP

Edua

rdo

Simõ

es

Esta é a quinta reportagem de uma série de seis sobre temas queserão discutidos na 3.ª Conferência Nacional de Ciência, Tecno-logia e Inovação (CNCTI), que será realizada em novembro, emBrasília. Informações sobre a conferência estão disponíveis naInternet no endereço www.desafios.org.br/conferencia

Apoio

Q ua t r o m i l p ac i e n te s j á e s t ão c adas t rados no po r t a l d e oncoped i a t r i a d a USP

d

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MELHORES PRÁTICAS

Forjada aJogadores comemoram

a conquista da

segunda medalha

olímpica de ouro do

vôlei masculino

brasileiro, nos Jogos

de Atenas, em 2004

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uem passar por Jaconé, uma dasdiversas praias do município deSaquarema, no Rio de Janeiro, econseguir desviar os olhos do azul

profundo e cristalino do mar,pode ser pre-miado ao ver,no outro lado da rua,um ani-mado grupo praticando vôlei. Se prestaratenção, vai perceber que quem está sacan-do é Giba,considerado o melhor jogador devôlei do mundo nas Olimpíadas de Atenas.Quem está recebendo é Escadinha, umarevelação.E quem está ao comando é,nadamais,nada menos,que Bernardinho.Sob osol onipresente do litoral carioca, os cam-peões olímpicos treinam tranqüilamente.Para deleite dos fãs, eles estão isolados ape-nas por uma cerca de arame que circundaos 108 mil metros quadrados do Centro deDesenvolvimento de Voleibol de Saquare-ma,orgulho da Confederação Brasileira deVoleibol (CBV),e que faz com que Bernar-dinho encha o peito e diga:“Temos a me-lhor infra-estrutura do mundo, nenhumaseleção de vôlei dispõe de um centro detreinamento exclusivo como esse”.O inves-timento de 5 milhões de reais na cons-trução do centro parece natural para umaseleção que traz no peito duas medalhasolímpicas de ouro, uma de prata, a con-quista da Copa do Mundo do Japão, em2003, e cinco títulos de campeã da LigaMundial.Mas é claro que as coisas não erambem assim quando, em 1975, uma turmacomposta de ex-jogadores de vôlei assu-miu o comando da CBV e começou a so-nhar com o ouro olímpico.

Q

a ouroP o r A n d r é a W o l f f e n b ü t t e l , d e S a q u a r e m a , R J

Fotos Washington Alves/COB/Divulgação

Com planejamento,

trabalho e muito

prof issionalismo, o Brasil

construiu a melhor seleção

de voleibol do mundo.

Conheça os caminhos,

os segredos e os heróis

dessa façanha

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60 Desafios • setembro de 2005

Os at letas da Seleção Brasi le ira de Vôle i contam com a melhor infra-estrutura. Não

posta à altura. O empenho dos EstadosUnidos em formar uma boa equipe acabouinfluenciando os países sob sua esfera eadaptando o vôlei a práticas mais próxi-mas do mercado e mais distantes da pro-teção única do Estado.

Enquanto isso, no Brasil, a nova direto-ria da CBV batalhava para conseguir se-diar, em 1977, o primeiro campeonato

Ambição O líder do grupo era Carlos Ar-thur Nuzman, que, graças ao trabalho de-senvolvido à frente da CBV, galgou o pos-to de presidente do Comitê OlímpicoBrasileiro (COB). Ele é bem objetivo aoenumerar os elementos necessários para aconstrução de uma seleção campeã, além,obviamente, do talento dos atletas: plane-jamento, gerenciamento, profissionalismoe estrutura adequada.Atualmente, o prin-cipal responsável pelas seis seleções devôlei, a infanto-juvenil, a juvenil e a adulta,tanto masculina como feminina, é PauloMárcio Nunes da Costa, superintendenteda CBV. Ele, um veterano que trabalha há31 anos para a instituição, reforça a decla-ração de Nuzman.“Não tem segredo ne-nhum, basta ter uma idéia clara do que sequer alcançar e não se desviar jamais dasmetas estabelecidas.” O caminho aponta-do por ambos, bem simples por sinal,servepara qualquer empreendimento, mas elesesqueceram de incluir dois elementos,sorte e habilidade, sem os quais não se ga-nha nenhuma partida. As condições quepermitiriam ao Brasil galgar o pódio es-tavam tomando forma muito longe daqui,o que foi uma sorte. E coube à equipe dedirigentes brasileiros ter a habilidade paraaproveitar o momento certo.

O vôlei só passou a ser considerado umesporte olímpico em 1964 (leia quadro na

pág. 61), e imediatamente a antiga UniãoSoviética mostrou sua superioridade con-quistando o ouro duas vezes seguidas.“Estabeleceu-se,então, uma divisão no ter-reno político-esportivo. Os Estados Uni-dos detinham a supremacia no basquete ea União Soviética no vôlei. Assim, por al-gum tempo, o vôlei foi uma especialidadedos países comunistas”, explica o profes-sor Marcos Campomar,estudioso de mar-keting esportivo da Faculdade de Econo-mia e Administração da Universidade deSão Paulo (USP).Mas o equilíbrio foi rom-pido nos Jogos de Munique, em 1972,quando a União Soviética sagrou-se cam-peã no vôlei e no basquete. O feito provo-cou uma imediata reação norte-ameri-cana, que se preparou para dar uma res-

mundial de vôlei juvenil. Contando com oapoio exclusivo do governo, eles se preocu-param em preparar instalações adequadasà competição e, acima de tudo, equipes àaltura do vôlei mundial. Montaram duasconcentrações, uma para a seleção mas-culina, no Rio de Janeiro, e outra para afeminina, em Belo Horizonte.“Nós provi-denciamos duas casas, onde instalamos agarotada. Eles moraram lá durante dezmeses. Treinavam, estudavam em escolaspróximas e eram cuidados por monitores”,lembra Nunes da Costa, superintendenteda CBV. Um período tão longo de concen-tração era algo absolutamente inédito.Parater uma noção,os atletas da seleção que,noano anterior, havia participado das Olim-píadas de Montreal treinaram juntos du-rante somente 30 dias. O mundial juvenilfoi considerado uma vitória em todos ossentidos. Primeiro porque o país alojou 34equipes que jogaram simultaneamente emquatro estados, Rio de Janeiro, Minas Ge-rais, São Paulo e Distrito Federal. E depoisporque o Brasil terminou em quarto lugarna categoria feminina e em terceiro lugarna masculina. Entre os jogadores quesacaram, bloquearam e levantaram as bo-las dessa conquista havia nomes especiais:Renan,Amauri e Montanaro.

Promessa O talento apresentado pelos atle-tas brasileiros prometia um brilhante fu-turo, comprovado em 1980, nos Jogos deMoscou, quando a seleção masculina ob-teve seu melhor resultado olímpico até en-tão, conquistando o quinto lugar e, em1982,sagrando-se vice-campeã mundial.Anova mentalidade implantada no vôleicomeçava a dar seus primeiros frutos, e is-so coincidiu com mudanças determinantesno universo esportivo. Uma alteração naCarta Olímpica, feita em 1981, eliminou acláusula que restringia a participação exclu-sivamente a atletas amadores. E uma novaorientação do Comitê Olímpico Interna-cional permitiu que as seleções fossem pa-trocinadas por empresas. Com as novida-des,as Olimpíadas de Los Angeles,de 1984,entraram para a história como os jogos da

Posição País Pontos

1 Brasil 245,00

2 Itália 190,00

3 Sérvia e Montenegro 155,00

4 Rússia 136,00

5 Estados Unidos 132,50

6 França 99,00

7 Argentina 83,00

8 Polônia 82,50

9 Grécia 75,00

10 Venezuela 39,50

Ranking da Federação

Internacional de VoleibolAtualizado em 10 de julho de 2005

Fonte: FIVB

Fotonotícias

Giovane Gávio deixou as quadras e assumiu a área

de marketing esportivo da Unisul

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ex iste, em lugar nenhum, um centro de tre inamento exc lus i vo para essa modal idade

Foi com esse nome estranho e afrancesado que o criador do vôleidecidiu batizar seu invento. Era 1895, e Willian George Morgan, o novoprofessor de Educação Física da Associação Cristão de Moços (YMCA, dasigla em inglês) de Holyoke, em Massachusetts, estava em busca de umesporte que pudesse ser praticado por todos os seus alunos, mesmo osmais velhos. Era amigo de James Naismith, também professor de EducaçãoFísica, que quatro anos antes havia idealizado o basquete. Mas Morganachava essa modalidade muito violenta e decidiu criar um esporte commenos contato físico. Inspirado no tênis, ele adotou a divisão da quadrapor uma rede e estabeleceu que os praticantes deveriam passar a bola deum lado para o outro. Porém decidiu dispensar a raquete, cara demaispara seus alunos, e aumentar o número de participantes. O toque final foidado pela idéia de elevar a rede.Alguns modelos de bolas foram testadossem sucesso. Primeiro a bola de basquete, mas era muito pesada. Depoisfoi a vez da câmara da bola de basquete, mas apresentava o defeito con-trário: era leve demais. Morgan, então, encomendou a uma empresa o de-senvolvimento de uma bola adequada ao novo esporte e recebeu um pro-duto rigorosamente igual ao que é usado até hoje. No ano seguinte, du-rante uma conferência que reuniu todos os professores da YMCA, Morgan

teve a oportunidade de apresentar sua criação, que foi bastante aprecia-da, apenas com uma restrição. Um dos professores presentes observou ovoleio da bola sobre a rede e sugeriu que o nome mintonette fosse subs-tituído por volley. Assim a nova modalidade esportiva ganhou seu nomedefinitivo. Durante o evento, Morgan distribuiu cópias dos regulamentosdo vôlei e, em pouco tempo, o jogo se espalhou por todo o país, levado pe-los professores às diversas unidades da YMCA. Em 1913, o novo esportejá havia atravessado fronteiras e oceanos e era conhecido nos cinco con-tinentes, sendo divulgado, sobretudo, pelos militares norte-americanos.

Não se sabe exatamente quando o vôlei chegou às terras brasileiras,mas a primeira competição oficial foi realizada em 1915, no Recife, jus-tamente pela Associação Cristã de Moços. Em 1951, o Brasil sediou o 1.ºCampeonato Sul-Americano, antes mesmo da fundação da ConfederaçãoBrasileira de Voleibol, que só aconteceu três anos depois. Em 1954, quan-do o vôlei passou à categoria de esporte olímpico, a seleção brasileira fi-cou em sétimo lugar nos jogos de Tóquio. Desde então, assim como acon-tece no futebol, o vôlei brasileiro esteve presente em todas as Olimpíadase atualmente trabalha para conquistar a terceira medalha de ouro em2010, nos jogos de Pequim.

Que tal uma partida de mintonette ?

Silvio Ávila/CBV

Presidente Lula recebe dirigentes da SBM e dois jovens talentos na matemática

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Atletas treinam

para o próximo

campeonato

sul-americano,

que acontecerá

em Lages,

Santa Catarina

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iniciativa privada.Eles foram realizados semverba do governo norte-americano e pro-duziram lucro pela primeira vez na história.Na cerimônia de encerramento, os organi-zadores registraram sobra de caixa de 225milhões de dólares.A seleção brasileira,co-mandada por Bernard,Xandó,Montanaroe Renan, foi a segunda melhor do mundo,perdendo apenas para os donos da casa.Osjogadores trouxeram para casa a medalhade prata, e os dirigentes a idéia clara da es-tratégia a ser adotada para alcançar o pri-meiro lugar no pódio mundial.

Patrocínio Boa parte dos lucros geradospelas Olimpíadas de Los Angeles veio davenda dos direitos de transmissão para atelevisão, mostrando que tinha um papelfundamental a desempenhar no mundodos esportes.No Brasil,o jornalista Lucianodo Valle já havia percebido esse potencial.Trabalhava para transformar a Rede Ban-deirantes de Televisão no Canal do Esporte,e para isso precisava de produtos parapreencher a programação e atrair a audiên-cia.“O Luciano teve uma participação im-portantíssima na popularização do vôlei noBrasil”, conta o professor Campomar. Oprojeto de montar um canal de televisãovoltado preferencialmente para o esportefoi o que se pode chamar de “uma mão naroda” para a trajetória da seleção de vôlei.De olho na fama e simpatia conquistadaspelos jogadores conhecidos como “geraçãoprata”, a emissora abriu generosos espaçospara a transmissão das competições e si-multaneamente chamou a atenção de po-tenciais patrocinadores. Entre eles umaempresa que teria seu nome estreitamenteligado à conquista do ouro olímpico, oBanco do Brasil.

No final da década de 80, pesquisasfeitas pelo departamento de marketing dainstituição mostraram que a idade médiados correntistas era bastante alta e que aimagem do banco era de um estabeleci-mento antiquado, onde os clientes com-pareciam apenas para pegar a aposentado-ria.A diretoria da empresa decidiu que eranecessário fazer algo para reverter esse

quadro que comprometia seriamente o fu-turo da instituição. Para descobrir que ru-mo tomar, foi feito um levantamento du-rante o Rock in Rio de 1990, no qual seconstatou que os jovens se identificavammaciçamente com atividades culturais eesportivas. O vôlei estava despontando naocasião, era jovem e vencedor. O Banco doBrasil decidiu associar sua marca ao vôleie assinou o primeiro contrato de patro-cínio com a CBV em 1991. O momentonão poderia ser mais oportuno, pois noano seguinte, nos Jogos Olímpicos de Bar-celona, pela primeira vez na história o Bra-sil conquistaria uma medalha de ouro emum esporte coletivo.“O resultado é que,cinco anos depois do início da ação com ovôlei, a idade média dos nossos correntis-tas havia caído dez anos”, relata CarlosAlberto Araújo Netto, gerente de marke-ting do banco.

“Nossa parceria com o banco é uma dasmais bem-sucedidas no esporte”, avaliaBernardinho, um veterano do vôlei queconhece a realidade dentro e fora das qua-dras. Os contratos de patrocínio têm vali-dade de quatro anos, o que permite à CBVfazer planos de longo prazo. Trinta e trêsmilhões de reais por ano, cerca de 25% detoda a verba de marketing do Banco doBrasil, são destinados às ações esportivas,que, a partir de 2000, passaram a abrangertambém o tênis e a vela. Essa estabilidadeajuda a atrair o apoio de outras empresas,que confiam nos bons resultados que virão(veja quadro na pág. 64). Especialmenteporque os recursos servem para bancarnão só as seleções adultas, como tambémas juvenis e infanto-juvenis, o que garantea renovação das equipes e a continuidadedas vitórias. Atualmente, o Brasil é o úni-co país que consta entre os três primeiroscolocados nos rankings da FederaçãoInternacional de Voleibol em todas as ca-tegorias.Apesar do Banco do Brasil avisarque não faz nenhuma caridade e que o re-torno dos investimentos em patrocínio es-portivo está em constante reavaliação, na-da indica que a instituição pretenda abrirmão da imagem que conquistou por meio

A transmissão dos jogos pe la te lev isão é fundamenta lSilvio Ávila/CBV

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A profissionalização do vôlei no Brasilfoi acompanhada da chegada dos patroci-nadores, que acabaram impondo seusnomes aos times. Foi assim que surgiramequipes famosas, como a da Pirelli e a daAtlântica Boa Vista. Mas, quando a empre-sa se afasta,o time fica órfão,tanto de iden-tidade como de recursos. O caso da Pirellifoi exemplar.Tetracampeã brasileira durantea década de 80, a equipe simplesmente sedesmanchou depois que perdeu o apoio damultinacional italiana.“É natural que sejaassim. O patrocínio tem um ciclo e, depoisde alcançar seus objetivos, ele vai embora”,adverte Bernardinho,que,além de treinar aseleção masculina,é técnico da equipe femi-nina do Rexona, outro time que carrega onome do patrocinador. Ele acredita queuma solução possível para o impasse seria aadoção do modelo vigente na Itália,onde ostimes são “apadrinhados” pelas prefeiturasdas cidades e têm profunda identificaçãocom os moradores locais.A própria muni-cipalidade se encarrega de conseguir os re-cursos necessários para manter as equipescom as empresas interessadas em reforçarsuas marcas nas diferentes regiões.

Êxodo A Itália, aliás, acabou por se tornarum destino comum dos melhores joga-dores de vôlei do Brasil. Devido à frágil es-trutura dos times locais, eles acabam se-duzidos pelas propostas vindas do exte-rior. Dos 17 atletas que compõem a seleçãoatual, nove atuam naquele país.“Lá o cam-peonato é mais organizado e a gente temmais estabilidade. Eu mesmo acabo de re-novar contrato por mais três temporadas”,relata Giba, um dos maiores destaquesmundiais do vôlei. Mesmo países que nãotêm tanta tradição no esporte conseguemlevar atletas brasileiros.André Nascimento,outro campeão olímpico, deixou o Brasilpara jogar no Panathinaikos, da Grécia. Elereconhece que a qualidade do treinamen-to dos gregos deixa a desejar em relação aospadrões brasileiros, mas não resistiu à pos-sibilidade de ganhar o salário em euros.Agora está de malas prontas e também vaipara a Itália. Bernardinho afirma que não

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O Brasil é o único país a constar entre os três primeiros colocados de todos os rankings

os jogos são transmitidos algumas emisso-ras fazem restrição à divulgação dos nos-sos patrocinadores.Isso, claro, traz grandesdificuldades”, reclama Giovane. Ele reco-nhece que vive uma situação diferenciada,porque a Unisul está expandindo seus in-vestimentos no esporte graças aos exce-lentes retornos.Atualmente, 20% dos estu-dantes da universidade vieram de outrosestados e quase todos conheceram a Unisulpor meio do vôlei. Além disso, umapesquisa constatou que cada real aplicadoem marketing esportivo rende o equiva-lente a 20 reais em espaço na mídia.Mesmo assim, Giovane lamenta que nemtodas as empresas dão ao esporte o valorque ele merece como meio de divulgaçãoe afirmação de marcas.

da famosa torcida amarela. Uma das cláu-sulas do contrato estabelece que o bancotem direito a 20% das arquibancadas detodos os jogos da seleção,justamente aque-la parte que fica bem em frente às câmerasde televisão.

Sucesso Foi assim que, com um pouco desorte e muita habilidade, a fórmula ideali-zada na década de 70 pelos dirigentes daCBV deu mais do que certo. Há dez anosos brasileiros sobem em praticamente to-dos os pódios das competições que parti-cipam e ocupam o primeiro lugar no rank-ing mundial de seleções masculinas, coma posição ainda mais consolidada após aterceira conquista consecutiva da LigaMundial, em julho passado (veja quadro na

pág. 60). Os atletas tornaram-se ídolos na-cionais, com direito a patrocinadorespróprios, e têm à disposição a melhor in-fra-estrutura do mundo. O centro de trei-namento em Saquarema tem condições deabrigar em seus alojamentos as seis se-leções simultaneamente com tudo sob me-dida. As camas têm mais de 2 metros decomprimento, os aparelhos de musculaçãotambém são adaptados à estatura dos jo-gadores e nada foi construído sem a préviaaprovação da equipe técnica. Ficaram paratrás os tempos em que eles se hospedavamem hotéis e treinavam de favor em algumclube.Agora são tratados como estrelas deprimeira grandeza.

Porém, a realidade da seleção não se es-tende a todo o universo do vôlei, os timesainda convivem com problemas graves.“Os atletas enfrentam insegurança em re-lação ao futuro porque não sabem se ospatrocinadores vão renovar o compromis-so ao final do contrato”, afirma GiovaneGávio, um dos jogadores mais queridos dovôlei brasileiro. Ele deixou as quadras natemporada passada e assumiu a direção daUniversidade do Esporte, um projeto daUniversidade do Sul de Santa Catarina(Unisul), que desde 1999 mantém umaequipe de vôlei.“Outro problema é que ocampeonato nacional, a Superliga, não éveiculado na TV aberta, e mesmo quando

Empresas que apóiam

a Confederação

Brasileira de Voleibol

BANCO DO BRASIL Patrocinador oficial das seleções desde 1991

OLYMPIKUS Fornecedor oficial de material esportivo desde 1997

PLAYPISO Piso oficial das quadras em competições nacionais

PENALTY Bola oficial do vôlei de quadra e de praia

RAINHA Patrocinadora da Superliganas temporadas 2004/2005 e 2005/2006

GERFLOR Piso oficial das quadras nas competições da FederaçãoInternacional de Voleibol

SPORTV Transmissão dos jogos daSupercopa e Grand Prix de Clubesaté 2005 e da Superliga até 2007

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da Federação Internacional de Voleibol, no infanto-juveni l , no juveni l e no adulto

vê problema nenhum no êxodo dos jo-gadores, porque defende o que é melhorpara os esportistas. Mas é impossível evi-tar o temor de que o vôlei passe pelo mes-mo processo do futebol, no qual todos oscraques,mal despontam,já são levados portimes estrangeiros.“Isso não tem jeito. Éum problema nacional.Enquanto a econo-mia brasileira não chegar ao mesmo nívelda dos países mais ricos, estamos conde-nados a fornecer nossos maiores talentos”,garante o técnico da seleção.

Modelo Mas, se os fatores negativos, comoa fuga de jogadores, se repetem em dife-rentes esportes, será que os aspectos posi-tivos, como a receita vitoriosa, podem serreplicados em outras modalidades? Nuz-man, um dos idealizadores do modelo dovôlei,acredita que sim.“Basicamente,a tra-jetória do voleibol possui ingredientes co-muns ao sucesso de um trabalho em qual-quer esporte.” E recomenda:“Um dos se-gredos dos nossos acertos foi ter seguido àrisca o planejamento traçado a partir de1975, buscando sempre a renovação dasequipes,o investimento na formação e des-coberta de novos talentos e a busca denovos caminhos para atrair patrocina-dores”. Nuzman fala do alto de sua expe-riência, de quem comandou o vôlei brasi-leiro por 21 anos e viu a CBV ser escolhi-da por três anos consecutivos, de 1997 a1999, a melhor federação nacional domundo. O prêmio é concedido pela Fede-ração Internacional de Voleibol por causados resultados obtidos pelas seleções na-cionais, pela qualidade na organização deeventos e pela administração do esporte demaneira geral. A homenagem foi muitobem recebida, mas é claro que a cobiça detodos está voltada para outros tipos deconquista.Aquelas que fazem vibrar a tor-cida, aquelas em que se ouve o Hino Na-cional, em que os atletas se cobrem com aBandeira do Brasil, beijam as medalhas,sobem ao pódio e fazem com que todostenhamos a convicção, pelo menos por al-gum tempo, de que vivemos no melhorpaís do mundo.

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dCentro de treinamento exclusivo da seleção de vôlei em Saquarema (ao alto); torcida uniformizada do

Banco do Brasil (no centro); e Bernardinho, ao comando da equipe campeã olímpica

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I n s t i t u t o d e P e s q u i s a E c o n ô m i c a A p l i c a d a l a n ç a r a d i o g r a f i a BRASIL

rasil: o Estado de uma Nação rea-firma a missão tradicional doInstituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea): pensar o Brasil.E

vai além. É a primeira vez que a instituiçãocomunica a um público mais amplo umaanálise panorâmica dos problemas na-cionais. Com o selo de qualidade do corpotécnico do Ipea,mas também com a partici-pação de grandes nomes da pesquisa na-cional de outras instituições,a publicação éum esforço multidisciplinar.Profundo,mas

acessível. Cerca de 60 pesquisadores traba-lharam de forma harmônica e integrada,ainda que com visões plurais, para colocardiversos temas brasileiros no centro do de-bate: afinal, como anda a nação?

“O objetivo do livro é organizar a discus-são sobre os principais temas do desenvolvi-mento humano no Brasil”, afirma um doscoordenadores da obra, o economista doIpea Paulo Tafner, que se dedicou ao proje-to em tempo integral nos últimos seis me-ses.Fernando Rezende,economista,ex-pre-

Para organizar o

B

sidente do Ipea, que foi convidado para li-derar a preparação do livro, aponta umagrande dificuldade do projeto:“Procuramosassegurar que o texto não fosse uma cole-tânea de capítulos independentes,o que ge-ralmente ocorre em obras dessa natureza”.O resultado? “Os capítulos se interligam co-mo partes de um todo”, diz o pesquisadorassociado Regis Bonelli, que contabiliza 40anos de Ipea.Ex-diretor do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE) e or-ganizador do capítulo “Estabilidade e Cres-cimento”,Bonelli fala com a experiência deter participado de um dos primeiros traba-lhos de peso do Instituto,os Diagnósticos daEconomia Brasileira, de 1964, que serviramde base para a elaboração de várias políticase até de planos do governo. Era um tempoem que não existiam as técnicas quantitati-vas e os métodos de pesquisa de hoje.

Rigor Apesar da evolução da metodologiade pesquisa, uma das normas da coorde-nação do livro foi a proibição do abuso defórmulas matemáticas. Além disso, as ta-belas e os gráficos são todos desenvolvidosde forma a propiciar leitura e compreensãorápida para atender a todos os tipos deleitores,especializados ou não.Mas a procu-ra de uma linguagem leve não significa fal-ta de rigor analítico. Um exemplo é o capí-tulo “Inovação e Competitividade”, prepa-

debate

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P o r M a r i n a N e r y , d e B r a s í l i a

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rado em conjunto por pesquisadores doIpea e por Eduardo Viotti,economista,con-sultor legislativo do Senado para PolíticaCientífica e Tecnológica e professor domestrado de Política e Gestão de Ciência eTecnologia do Centro de DesenvolvimentoSustentável da Universidade de Brasília.

No capítulo,os pesquisadores fizeram ocruzamento da Pesquisa de Inovação Tec-nológica (Pintec), do IBGE, com a 3.ª Ro-dada de Pesquisas de Inovação da Comu-nidade Européia.“Pela primeira vez, ma-peamos o esforço de inovação brasileiro ecomo o país se posiciona em relação à in-dústria de outros países.Antes,eram utiliza-dos indicadores genéricos indiretos,especí-ficos para um setor ou outro”, esclareceViotti.Com a ajuda dos estatísticos do Ipea,o IBGE produziu por encomenda uma ta-bulação de dados especial,compatível comas da Europa.A matriz foi composta de in-formações sigilosas de bancos de dados dogoverno sobre o setor privado,com a garan-tia de que informações individualizadas decada empresa não fossem divulgadas, masfosse feita tão-somente uma grande sínteseanalítica do setor.

Os oito capítulos do livro fornecem nãoapenas uma visão abrangente e múltipla dosprincipais problemas nacionais, mas tam-bém cobrem os aspectos fundamentais darealidade econômica, social, política e cul-

tural do país.A produção de um conjuntomínimo de denominadores comuns deconceitos, problemas e diagnósticos tem oefeito salutar de nortear e tornar o debatemais produtivo,requisito central para a for-mulação de possíveis soluções. É uma pu-blicação que retrata,para cada um dos temasem destaque, a situação corrente e os pro-gressos realizados,e que apresenta perspec-tivas e desafios para a sociedade brasileira.

Versões “Quando surgiu a idéia de fazer olivro, a primeira questão levantada pelostécnicos do Ipea foi: como é que nós vamosproduzir esse documento novo?”, relataBonelli.Afinal,ao optar por uma publicaçãoque se dirigisse à sociedade brasileira comoum todo,o grande desafio era chegar a umalinguagem que atendesse não só aos cida-dãos comuns,mas também aos estudiosos,centros de pesquisa, organizações da so-ciedade civil, legisladores,gestores de políti-cas públicas e formadores de opinião.Ape-sar de voltado prioritariamente para o pú-blico brasileiro, o livro pretende alcançartambém vôos internacionais.Por isso,serãopublicadas,em aproximadamente dois me-ses,versões em inglês,espanhol e francês.Olivro também terá continuidade com umaversão simplificada e adaptada para o públi-co infanto-juvenil e um vídeo institucional,que estão em fase de preparação.

As atividades do projeto de elaboraçãodo livro começaram em julho do ano pas-sado. Bertha Becker, geógrafa e professoraemérita da Universidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ), condutora do capítulo“Amazônia: Desenvolvimento e Soberania”,que discute alternativas para exploraçãosustentável da riqueza da região, aprovou anova experiência.“Ao ler os capítulos dosdemais pesquisadores, passamos por umótimo processo,porque é enriquecedor po-der debater e ouvir os colegas”,avalia.“Tivea ajuda de mais de uma dúzia de pessoas,principalmente do pesquisador Paulo Levy,que praticamente co-redigiu o capítulo co-migo e produzimos um trabalho de grupo,de forma consensual”, comenta Bonelli. Ocientista político Wanderley Guilherme dosSantos, coordenador do capítulo “Cidada-nia e Participação”, contou com a colabo-ração de pesquisadores da Universidade deSão Paulo (USP),do Instituto Universitáriode Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e daUniversidade Federal do Rio de Janeiro(Uerj), entre outras instituições.

Foram oito meses de pesquisa e outrostrês de trabalho editorial e gráfico. Brasil: oEstado de uma Nação pode ser adquirido nalivraria do Ipea pelos telefones (61) 3315-5336 e (21) 3804-8118,pelo endereço eletrô-nico [email protected] ou acessado gra-tuitamente pelo site www.ipea.gov.br.

c o m p l e t a d o c e n á r i o s o c i a l e e c o n ô m i c o d o p a í s

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didas tomadas surtirão efeitos. Esse de-safio motivou o Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea) a elaborar otexto Brasil: o Estado de uma Nação.O pro-jeto visa inaugurar a prática de analisar e ex-por a um público,para além do estritamentetécnico, em linguagem simples e direta,com amplos recursos visuais e gráficos quefacilitem a leitura e o entendimento. Paraque os leitores compreendam os problemase os desafios que enfrenta o Brasil, de mo-do a estimular a reflexão acerca das mu-danças necessárias para que o futuro en-contre uma nação economicamente maisforte e menos desigual.

Os temas centrais da edição 2005, aprimeira de uma série anual, são o desen-volvimento e a inclusão social, hoje e nofuturo, com especial destaque para a aná-lise de nossa juventude. O livro está estru-turado em oito capítulos e busca retratar,com razoável grau de detalhes, como a na-ção brasileira tem construído sua história,manifestada em múltiplas dimensões: naforma como produzimos e nos desen-volvemos materialmente, em nossa ca-pacidade de inovar e competir com o restodo mundo, na maneira como dividimosentre nós o que somos capazes de pro-duzir, como ocupamos o território e pre-servamos nossos recursos naturais, comonos organizamos e participamos da vidasocial e política, e como pensamos o fu-turo, expresso em nossa juventude.

No capítulo “Estabilidade e Cresci-mento”, destaca-se a importância da per-sistência na condução da estabilidade mo-netária, com a finalidade de criar basessólidas para a instauração de um ciclo deprogresso sustentável. Mas não afasta anecessidade de dar continuidade ao pro-cesso de mudanças institucionais porque,apesar dos avanços, a economia brasileiraainda está vulnerável a crises domésticasque podem comprometer o equilíbrio fis-

projeto Brasil: o Estado de umaNação, cujo primeiro produto élivro de mesmo nome e que fazuma radiografia do Brasil em vá-

rias dimensões, foi concebido com o obje-tivo de retratar, analisar e discutir os pro-blemas associados ao desenvolvimentobrasileiro. O estímulo à realização do pro-jeto veio do reconhecimento de que hácarência de informação técnica compre-ensível pelo grande público. Por isso mes-mo, a publicação, que foi lançada em 30 deagosto último, é dirigida à sociedade bra-sileira: estudiosos, centros de pesquisa emgeral, organizações da sociedade civil, le-gisladores,responsáveis diretos pela formu-lação de políticas públicas capazes de mo-dificar a realidade do país, formadores deopinião e também ao cidadão comum,queprecisa conhecer o contexto que o cercapara exercer adequadamente seus direitose cumprir conscientemente seus deveres.

O projeto estrutura-se em cinco di-mensões centrais de análise: crescimentoeconômico/ renda per capita; complexi-dade produtiva; eqüidade de oportu-nidades; maturidade institucional; e efi-ciência pública. Essas cinco dimensõesconstituem peças-chave na engrenagemdo desenvolvimento humano de um paíse encontram-se interligadas,reforçando-semutuamente ou, ao contrário, contrapon-do-se, muitas vezes. Cada país, de acordocom suas peculiaridades, características e,sobretudo, escolhas, produz uma particu-lar combinação no grau de desenvolvi-mento dessas dimensões.

Isso significa que cada nação tem grausde liberdade e pode fazer escolhas. Osagentes envolvidos e a sociedade em geralterão mais chance de escolher melhor, en-tre as opções disponíveis, se estiverem beminformados. Além disso, quanto mais es-clarecida estiver a sociedade, maior será oapoio à decisão e mais rapidamente as me-

P a u l o T a f n e rARTIGO

O olhar do Ipea sobre o estado

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“Os temas centrais da

edição 2005 de Brasil:

o Estado de uma

Nação, a primeira de

uma série anual, são o

desenvolvimento e a

inclusão social, hoje e no

futuro, com especial

destaque para a análise

de nossa juventude”

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cal, a geração de poupança e os investi-mentos necessários para o crescimento.Além de crises internacionais que podemafetar o fluxo de recursos externos para opaís. O grande desafio é remodelar as ins-tituições de modo a facilitar a atividadeeconômica e desatar o nó fiscal que man-tém o ajuste das contas públicas prisio-neiro de uma carga tributária elevada, do-minada por impostos de má qualidade,que afetam a eficiência do setor produtivoe impõem um ônus maior sobre a popu-lação de menor poder aquisitivo.

A longo prazo, a redução dessa vulne-rabilidade vai requerer um esforço na-cional de geração de conhecimento e in-corporação das inovações dele decor-rentes ao processo produtivo, para au-mentar a capacidade da economia bra-sileira de competir em setores modernosda arena global. Esse é o tema do capítulo“Inovação e Competitividade”, que mos-tra quão distantes as empresas brasileirasse encontram em matéria de inovação tec-nológica no contexto internacional.

Conforme analisado no capítulo “OEstado e a Federação”, dentre as medidasnecessárias para afrouxar o nó fiscal é pre-ciso também rediscutir o modelo de fede-ralismo fiscal e os direitos e as garantiasinstituídos pela Constituição de 1988. Masnão se pode ignorar o fato de que os bene-fícios sociais previstos na Carta Magna,juntamente com a estabilidade da moeda,foram importantes instrumentos no com-bate à pobreza, permitindo que uma par-cela da população brasileira ultrapassassea linha da pobreza na última década, con-forme mostram os números reunidos nocapítulo “Pobreza e Exclusão Social”.

No entanto, esse cenário não se susten-ta se o crescimento da economia e a gera-ção de empregos continuarem sofrendo aslimitações decorrentes dos altos impostosexigidos pelo aumento dos gastos públicos

e da grande distância que separa o saláriorecebido pelo trabalhador do custo que essetrabalhador representa para a empresa.

A ênfase na competitividade, que estána base de uma estratégia moderna decrescimento econômico, aumenta as exi-gências com respeito à qualidade do tra-balhador. Mas o preparo do trabalhadorbrasileiro, principalmente dos jovens, re-quer uma política educacional que enfa-tize a qualidade do ensino e o aumento daescolaridade média, assim como a amplia-ção do acesso da população de média ebaixa rendas a bens e serviços essenciaisao usufruto pleno de sua cidadania, comoo transporte e o saneamento.

O acesso à educação, principalmenteà de boa qualidade, e aos direitos de cida-dania padeceu nos últimos anos de umaprogressiva incapacidade do Estado desustentar as políticas pertinentes, apesardos avanços registrados em relação à uni-versalização do ingresso no ensino bási-co e à melhoria de alguns indicadores decobertura de serviços urbanos. Por essarazão, a despeito da vitalidade da demo-cracia brasileira – retratada no capítulo“Cidadania e Participação” –, o acesso abens constitucionais assegurados a todosos cidadãos brasileiros permanece muitoaquém do desejável.

O enfraquecimento da capacidade doEstado de conduzir políticas importantespara o desenvolvimento nacional se revelacom bastante nitidez na dimensão territo-rial, que é objeto de atenção do capítulo“Território e Nação”. Mostra como as im-portantes mudanças que ocorreram nageografia socioeconômica nacional apro-fundaram a distância entre a multifaceta-da realidade regional; e, ao mesmo tempo,indica a necessidade de reflexão sobre aclássica divisão do território brasileiro emcinco macrorregiões.

A face mais dramática de um padrão

desordenado de ocupação do territóriobrasileiro é exibida pela Amazônia.O capí-tulo “Amazônia: Desenvolvimento e Sobe-rania” enfatiza duas questões que não fre-qüentam o debate sobre os problemas re-gionais: na Amazônia convivem os pro-blemas antigos de preservação da florestacom novas questões da agenda interna-cional, em especial os novos mercados quese formam em torno dos bens da natureza.

Como destaque especial, o volume queinaugura essa nova série do Ipea lança umolhar atento à questão da juventude. O ca-pítulo “Juventude no Brasil” revela que opaís vive um significativo processo de tran-sição demográfica, cuja marca principal éo pico histórico no número de jovens. Essaonda demográfica ocorre em condiçõesdesfavoráveis, pois a juventude exibe pa-drões de vida insatisfatórios e uma partenão desprezível dela se encontra abaixo dalinha de pobreza. Mas essa não é a pior fa-ce: a reduzida escolarização média da ju-ventude e os elevados níveis de desigual-dade educacional entre jovens implicamque tenham menores oportunidades deacesso ao mercado de trabalho.Além dis-so, e talvez o mais grave e preocupante tra-ço de nossa sociedade, o sistema educa-cional não cumpre minimamente seu papelmaior, que é equalizar as oportunidades.

Discutir e construir é a proposta deBrasil: o Estado de uma Nação. Não há fór-mulas prontas e acabadas.O leitor tambémé estimulado a tirar as próprias conclusõese a participar de um debate que procura ul-trapassar os limites estreitos dos especialis-tas,para incluir um numeroso contingentede cidadãos. Todos os interessados nosgrandes desafios do Brasil são, portanto,convidados a contribuir.

Paulo Tafner é economista, pesquisador do Instituto de Pes-

quisa Econômica Aplicada e escreveu este artigo em conjunto com

Fernando Rezende, consultor e ex-presidente do Ipea

da nação

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ompreendendo que a particulari-dade é reveladora da totalidade,As Meninas da Esquina, livro dajornalista Eliane Trindade, lança-

do recentemente pela Record, reúne os diá-rios de seis adolescentes de 14 a 20 anos en-volvidas com a prática de exploração se-xual comercial. Partindo da singularidadede cada uma das narrativas, o livro mostraque o processo de vitimização familiar e so-cial vivido por essas meninas acaba con-tribuindo para envolvê-las no mundo daexploração sexual, do roubo e do tráfico.

Por meio da análise das particularidadesdas histórias de vida escritas ou gravadas naforma de diários pelas adolescentes, é pos-sível tecer um fio articulador que une osfragmentos das experiências contadas, for-mando um só tecido que contém detalhescomuns.São originárias de famílias pobres,de relações parentais precarizadas, cujo co-tidiano inscreve episódios de violênciadoméstica,de abandono,de brigas e tensõesconstantes,de fome,de doença e de total de-satenção da rede pública de proteção social.

O que se observa nos diários é que natrajetória para a prostituição, guardadas asespecificidades das histórias corajosamen-te expostas no livro, encontram-se evidên-cias de que as condições de pobreza e dedesigualdade social suscitam sentimentosdolorosos de humilhação e de desamparo.Por isso é compreensível que as adolescen-tes identifiquem, muitas vezes, seu explora-dor/abusador como um “amigo”,“prove-

dor” e “protetor”. É um doloroso contratoem que sua aceitação é, ao mesmo tempo,uma denúncia da própria vulnerabilidade.

“Seu Pedro tem uns 70 anos (...) Ele já éamigo meu e me dá mais grana pelo progra-ma. Dessa vez, ele me deu R$ 150,00 (...)Com o dinheiro, comprei ainda um video-game pros meus filhos por R$ 70,00 (...) Naverdade comprei pra mim.” (Vitória, 15 deoutubro de 2003.) Em outro episódio,Vi-tória relata o que fez com os 70 reais queconseguiu após ter passado uma noite comum caminhoneiro:“Comprei cigarro,cartãode telefone, maconha e leite em pó para omeu filho, que estava acabando (...)”.

Fica claro, pelos detalhes das históriascontadas, que a pobreza não é a determi-nante do envolvimento das meninas com aexploração sexual comercial, mas sua pre-sença age como um elemento impulsio-nador. De acordo com os especialistas daárea, a exploração sexual infanto-juvenil éum fenômeno social complexo que não es-tá ligado somente à pobreza e à miséria,mas envolve as relações culturais, o imagi-nário, as normas e o processo civilizatóriode um povo. No Brasil, um estudo recentedo governo federal identificou que a explo-ração sexual de crianças e adolescentes éuma prática presente em 937 municípios.Desses,298 (31,8%) estão no Nordeste; 241(25,7%) no Sudeste;162 (17,3%) no Sul;127(13,6%) no Centro-Oeste; e 109 (11,6%) naregião Norte. Outro estudo denominado“Pesquisa nacional sobre tráfico de mu-

lheres, crianças e adolescentes”, realizadoem 2002 pela ONG Cecria, com apoio daOrganização dos Estados Americanos(OEA), revelou que existem no Brasil 241rotas de tráfico para fins sexuais, sendo 131internacionais, 78 interestaduais e 32 inter-municipais, apontando ainda que há umaconexão dessa prática com o crime orga-nizado e as redes internacionais.

No último capítulo do livro, a autoradeixa pistas para pensar sobre uma inter-venção preventiva em relação às ações deabuso e exploração sexual ao destacar to-dos os ingredientes que se misturam nocaminho que leva à exploração: herança deexclusão e abandono; miséria; apelo aoconsumo dos objetos que são valorizadossocialmente; e fatores culturais. Diante des-se quadro, a autora faz emergir a importân-cia das políticas públicas de educação, saú-de e profissionalização, como forma de re-verter a trajetória do caminho escolhidopelas meninas da esquina.

O livro As Meninas da Esquina, estru-turado inteligentemente na forma de diá-rios, expõe de forma categórica que a ex-ploração sexual infanto-juvenil é funda-mentalmente uma questão multifacetáriaque envolve aspectos sociais, políticos, eco-nômicos, culturais e ideológicos. Nos im-pele a lutar para que essa questão faça par-te, com prioridade, da agenda pública.

Enid Rocha

70 Desafios • setembro de 2005

Retrato sem retoques

As Meninas da Esquina Diários de seis adolescentes que vivem do lado selvagem da vida Eliane TrindadeEditora Record, 2005, 420 p., R$ 44,90

ESTANTElivros e publicações

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A diplomacia vista da academia

A raiz da pobreza

s cursos de relações internacio-nais têm apresentado, no Brasil,um crescimento exponencial,empurrados pela globalização, o

que lhes dá certo charme intelectual, masembalados,também,pelo movimento anti-globalizador, o que garante espaço na mí-dia.A febre provocou o surgimento de bonslivros, entre os quais se destaca Polícia Ex-terna Brasileira, do coordenador de pós-graduação em Relações Internacionais daPontifícia Universidade Católica (PUC) deSão Paulo, Henrique Altemani. Trata-se deum pequeno grande livro,pois que em me-nos de 300 páginas, consegue a proeza deresumir mais de um século de política ex-terna republicana. Trata-se de obra essen-cialmente didática. Depois de um capítulointrodutório sobre o conceito de política ex-terna,os sete capítulos sucessivos abordamas diversas etapas históricas de desenvolvi-mento da política externa brasileira.

O autor exibe pleno domínio dos temase problemas da diplomacia brasileira emcada época, mas o excesso de transcriçõesde outros estudiosos pode deixar a im-pressão de alguma hesitação em expor ospróprios argumentos ou em fazer julga-mentos sobre os aspectos positivos ou ne-gativos das grandes escolhas estratégicasfeitas em momentos cruciais das nossasrelações exteriores. A discussão sobre oselementos de mudança ou as característi-cas de permanência da política externabrasileira, por exemplo, ocorre duas vezesno decorrer do livro, no contexto da rede-mocratização dos anos 80 – que não alte-rou substancialmente os fundamentos dapolítica externa – e na recente fase de libe-ralização econômica da era Collor-Fer-nando Henrique Cardoso, quando ocorrecerto afastamento do perfil terceiro-mun-dista da nossa diplomacia e aumenta a ên-fase na integração sub-regional.Ainda as-sim, Altemani considera que os traçosprincipais da política externa brasileiraforam mantidos, mesmo se com matizesdiferenciados em relação aos primeirosexercícios de “política externa indepen-

dente” (dos governos Quadros-Goulart).Embora alguns autores citados por Al-

temani indiquem a subserviência do go-verno Collor aos ditames dos Estados Uni-dos, ele apresenta o consenso em váriosoutros estudiosos de que “o país necessi-tava efetivar determinados ajustes no seuprocesso de inserção, tendo em vista tan-to as mudanças estruturais (em termos dealterações no sistema internacional) quan-to as conjunturais”. Na fase mais recente,alguns acadêmicos citados pelo autor pre-ferem condenar a política externa dosanos FHC como “alinhada” ou constituí-da mais de retórica do que de substância,num suposto contraste com a ofensiva re-gional e terceiro-mundista do governo quelhe sucedeu, que seria “desenvolvimen-tista”em lugar de “subserviente”.Altemaniconfirma, contudo, que as grandes linhasda diplomacia brasileira têm sido preser-vadas em sua substância, com inevitáveisadaptações de estilo, e representam “ex-pectativas e estratégias em desenvolvi-mento nos governos anteriores”.

Paulo Roberto de Almeida

uem são os pobres no Brasil? Quepolíticas públicas podem afastá-los desse perfil de pobreza e de-sigualdade? O livro Reduzindo aPobreza e a Desigualdade no Brasil,

do economista Carlos Herrán, especialistaem educação e pobreza do Banco Interame-ricano de Desenvolvimento (BID), procuraresponder a essas questões. Um dos diferen-ciais do livro é o foco nas famílias.Ao contrá-rio de outras pesquisas que explicam a desi-gualdade com ênfase nas diferenças regionais,Herrán mostra que apenas um quarto da po-breza ocorre devido a aspectos relacionadosà região, enquanto três quartos se devem àsdiferenças nas famílias (como emprego,edu-cação e capacidade produtiva diferente).

Ao focar as famílias,Herrán não nega quefatores como raça influem no perfil da po-breza.Porém,não são necessariamente a cau-sa. O que o estudo de Herrán enfatiza é quetrês quartos das diferenças em pobreza entreraças explicam-se por diferenças em edu-cação.A probabilidade de ser pobre é de 50%entre famílias cujo chefe tem quatro ou menosanos de escolaridade, o que contrasta forte-mente com 25% de probabilidade de pobrezase o chefe da família concluiu a oitava série, esó 1,6% de probabilidade de ser pobre se ochefe da família concluiu o ensino médio.

Marina Nery

Política Externa Brasileira Henrique Altemani de OliveiraEditora Saraiva, 2005, 292 p., R$ 46,00

Reduzindo a Pobreza e a Desigualdade no BrasilCarlos Herrán, Editora Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID), 104 p., preço a definir,mais informações: (61) 3317-4200

O

Q

ESTANTE14 31/08/05 11:31 Page 71

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72 Desafios • setembro de 2005

Empresas

A chave dasobrevivência

Saúde

Laços de sangue

A Universidade Estadual de Campinas(Unicamp) vai criar um banco de da-dos nacional de doadores de sangue,classificados de acordo com o DNAde cada um deles.Para isso,o Centrode Hematologia e Hemoterapia daUniversidade passará a utilizar umanova tecnologia de mapeamento ge-nético,chamada microarray,que per-mite ampliar os dados dos doadores.Além da conhecida classificação dotipo sangüíneo de acordo com oscritérios ABO e Rh, a microarray ad-mite mais outras 27 categorias, combase na análise de 50 genes sangüí-neos numa única reação enzimática.A expectativa dos pesquisadores dohemocentro é melhorar a segurança

das transfusões de sangue,aumentara prevenção de doenças hemolíticasem recém-nascidos causadas porincompatibilidade sangüínea dospais e conseguir criar um cadastrode portadores de sangues raros.“Asinformações serão disponibilizadasna internet para que os médicos pos-sam consultar de acordo com as ne-cessidades transfusionais de seuspacientes”, conta Lilian Maria deCastilho, bióloga e coordenadora dotrabalho. O banco de dados com asinformações de doadores de todos osestados do país deve ficar pronto emcinco anos. O projeto tem o apoio daFundação de Amparo à Pesquisa doEstado de São Paulo (Fapesp).

Quem trabalha com software sabeque não existe o programa perfeito.Todos os sistemas, desde os maissimples até os mais complexos, po-dem apresentar problemas diante decondições inesperadas. Para que setenha uma noção, mensalmente sãodescobertos cerca de 300 erros emsistemas operacionais e aplicativos.Os fabricantes de software dão a es-sas falhas o pomposo nome de “vul-

nerabilidade”.Quando o infeliz usuá-rio se depara com uma vulnerabili-dade, o programa simplesmente nãofaz o que deve fazer e as conseqüên-cias são imprevisíveis. Para ajudaros que se encontram nessa situação,o Instituto Nacional de Padronizaçãoe Tecnologia (Nist), órgão do gover-no norte-americano,acaba de liberaro acesso à Base de Dados Nacionalde Vulnerabilidades (NVD), um ma-

nual de primeiros socorros contendoinformações sobre cada falha e co-mo corrigi-la. Já estão catalogadasna NVD mais de 12 mil vulnerabilida-des.Além dos dados sobre seguran-ça de sistemas de todas as esferasdo governo, a base de dados tam-bém contém links para os sites decorreção dos próprios fornecedo-res de software. O endereço da NVDé http://nvd.nist.gov/nvd.cfm.

Sobreviver no mercado brasileironão é tarefa fácil, mas um estudodo Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea) provou que quemtem mais chance nessa disputasão as empresas com alto nível decapacitação tecnológica. Em suapesquisa “Empresas de base tec-nológica: identificação, sobrevi-vência e morte”,Alexandre MessaSilva elaborou uma série de análi-ses com modelos estatísticos ba-seados nos dados da Relação Anualde Informações Sociais (Rais) de1994 a 2001. Concluiu que as ta-xas de sobrevivência das empre-sas de base tecnológica (EBTs)são maiores do que as das firmasem geral. E mais: as EBTs apresen-tam crescimento bem mais acen-tuado que as demais empresas.Uma das chaves da sobrevivênciadessas firmas, mencionada no es-tudo, é a figura do empreendedor.Afinal, as firmas que sobreviverãoserão aquelas que contaram comempreendedores mais capazes eque dispunham de melhores infor-mações acerca do mercado e doproduto no momento de nascimen-to da empresa. E os fundadores deempresas de base tecnológica qua-se sempre possuem um nível edu-cacional significativamente supe-rior ao dos fundadores de outrostipos de firma.

CIRCUITOciência&inovação

Energia

Uma alternativaao no-break

A gigante japonesa NEC anunciouo desenvolvimento de uma novabateria de alta potência, recarre-gável, que deverá ser usada paramanter microcomputadores fun-cionando em casos de queda deenergia. O novo produto, construí-do com radicais orgânicos, medeapenas 5 por 5 centímetros e temespessura de 4 milímetros. Qua-tro unidades são suficientes paragerar os 140 watts necessáriospara manter um PC doméstico fun-cionando o tempo suficiente paraque o usuário salve os dados emuso.As baterias de radicais orgâ-nicos são uma classe diferencia-da de baterias recarregáveis, cu-ja tecnologia pertence à NEC, eque utilizam reações eletroquími-cas de compostos de radicais or-gânicos. Elas são menos agressi-vas ao meio ambiente porque nãopossuem metais pesados ou tóxi-cos. Também são mais segurasdo que as convencionais porquenão são inflamáveis nem poten-cialmente explosivas. A NEC ain-da não informou quando come-çará a vender as novas bateriasnem a que preço elas serão co-mercializadas.

Software

Pronto-socorro para falhas de sistema

Fotos Divulgação

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Desaf ios • setembro de 2005 73

Paleontologia

Que bicho é esse?

Duas boas notícias para as empresasde tecnologia.A primeira vem do Co-mitê da Área de Tecnologia da Infor-mação (Cati),que liberou os recursosprovenientes dos incentivos da Lei deInformática para incubadoras de em-presas de tecnologia da informação.Até então, essa verba só podia serusada por centros de ensino e pes-quisa.Atualmente, o volume anual deincentivos chega a 1,1 bilhão dereais.A outra boa novidade parte daFinanciadora de Estudos e Projetos

(Finep), que lançou o Programa JuroZero, voltado para o financiamentode pequenas empresas inovadorasque não têm como fornecer garan-tias reais. O programa disporá deverba de cerca de 100 milhões dereais e cada empresa poderá rece-ber o equivalente a um terço do fatu-ramento de 2004,com limite de 900mil reais.Na primeira etapa,só serãobeneficiadas companhias com sedeem Pernambuco, Bahia, Minas Ge-rais, Grande Florianópolis e Paraná.

Financiamento

Novos recursos para a tecnologia

Reza o ditado popular que Deus nãodá asas a cobras,mas um arqueólogoisraelense constatou que patas elas játiveram.As primeiras descobertas deGeorge Haas, da Hebrew University,foram feitas na década de 80, masele levou mais de 20 anos para com-provar que o fóssil era de uma co-bra,e não de um lagarto,como supôsinicialmente.O exemplar foi batizadode Haasiophis terrasanctus,em refe-rência ao terreno onde foi encontra-do, no norte de Jerusalém. Calcula-se que ele tenha vivido há 95 mi-lhões de anos. As novidades foramapresentadas durante o 2.º Congres-

so Latino-Americano de Paleontolo-gia de Vertebrados, ocorrido no mêspassado no Rio de Janeiro, e provo-caram grandes debates sobre a ori-gem desses animais.Alguns cientis-tas defendem que eles teriam vindodo mar e outros acreditam que se-riam da família dos lagartos.Em bus-ca de uma resposta a essa questão,o paleontólogo Michael Caldwell, daUniversidade de Alberta, no Canadá,está trabalhando em pesquisas nomar Adriático e na Patagônia, na Ar-gentina.“As rochas dessas regiõesproduzem bons fósseis de cobrascom pernas”, informa Caldwell.

Engenheiros da Universidade Wis-consin-Madison,nos Estados Unidos,criaram um microscópio capaz devisualizar cada átomo individual-mente nos materiais utilizados parafabricação de chips. Pela primeiravez, a indústria vai mapear, um porum,os átomos que compõem um cir-cuito e precisar suas característi-cas.Atualmente,esse levantamento éfeito por tentativa e erro, simples-mente descartando os materiais quenão respondem devidamente, semque se saiba o motivo.“Antes, quan-do os semicondutores tinham dimen-sões de 1.000 a 2.000 nanômetros,um desvio de 20 a 30 nanômetrosresultava em um erro de apenas2%”, explica Keith Thompson, umdos cientistas do projeto. “Agora,com características de dimensõesentre 30 e 40 nanômetros, mesmo10 nanômetros de desvio represen-tam um erro de 25% a 30%.”O no-vo aparelho será comercializado pe-la Imago Scientific Instruments,umaemergente do setor de tecnologia.

Nanotecnologia

Olhar atômico

Montadoras britânicas descobriram,ao contrário do que supunham, queos clientes não estão satisfeitoscom o silêncio dos motores dos car-ros.Eles sentem falta do “ronco”aoacelerar as máquinas,e as fábricasjá encomendaram à Universidadede Warwick o desenvolvimento deruídos que possam ser acopladosaos veículos. Em um simulador dedesempenho voluntários ouvem sonsde diversos modelos e escolhem osque mais agradam. Em princípio, oruído seria colocado apenas dentrodos carros,mas já há a sugestão deque ele possa ser ouvido do lado defora para alertar os pedestres quetambém não estão acostumados aautomóveis tão silenciosos.Talvez,num futuro próximo,o “ronco do mo-tor”seja um acessório a mais.Afi-nal, seria um luxo ter um carro commotor 1.0 que,ao ser ligado, fizesseo barulho de uma Ferrari.

Indústria automobilística

Cadê o ronco do motor?

A universidade

é extremamente

conservadora.

Não formamos

pesquisadores

com a visão de

tecnologia e

não protegemos

o nosso

conhecimento.”

José Arana Varela, pró-reitor

de pesquisa da Universidade Estadual

Paulista (Unesp), durante Conferência

do Sudeste de Ciência, Tecnologia e

Inovação, realizada nos dias 3 e 4

de agosto, em Belo Horizonte.

de alunos se inscreveram

para a 1ª Olimpíada Brasileira

de Matemática de Escolas

Públicas. Isso corresponde

a quase um quarto de todos

os estudantes do ensino básico

10,5milhões

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O tamanho do mundo

Produção

INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

74 Desafios • agosto de 2005

O Banco Mundial divulgou, no mês passado,a classificação dos países, de acordo com o ta-manho de suas economias em 2004. O Brasilocupa o 14º posto, duas posições acima de suacolocação anterior, mas alguns degraus abaixoda 10ª posição, que já ocupou anteriormente. A

lista das 20 maiores economias mostra uma for-tíssima concentração da produção, já que essespaíses respondem por mais de 83% do PIB mun-dial. Em termos de PIB per capita, o desempenhobrasileiro deixa muito a desejar. Está na 92ª posi-ção, entre Rússia e Romênia.

A palavra inglesa swap significa “troca”.Portanto, um contrato de swap é um contrato de troca. No mercado financeiro, essa mudança se refere àtroca do índice de reajuste. Por exemplo,se uma empresa tem uma dívida cujo valor é corrigido pela inflação, ela pode,por meio de um contrato de swap, fazer com que o montante a ser pago seja atualizado pela cotação do dólar. Qual éa vantagem? Talvez essa empresa tenhafechado alguma venda para o exterior e saiba que terá dólares em caixa,portanto, é mais tranqüilo ter como base de cálculo a cotação do dólar.Também pode acontecer o oposto,com alguma empresa que trabalhe exclusivamente no mercado interno e que tenha algum contrato reajustado em dólar. Ela pode preferir usar outro indexador, como a taxa de juro. O contrato de swap pode ser firmado entreduas empresas interessadas em trocarseus respectivos “riscos”ou pode serintermediado por uma instituição financeira, o que é mais comum.Normalmente os contratos de swap são feitos em busca de maior segurançapara pagamento dos passivos ou embusca de ganhos financeiros, já que atroca de indexadores pode alterar muitoos valores. Se há uma desvalorização da moeda, se ocorre queda na taxa de juros, ou alta da inflação, tudo issoafeta o valor a ser pago ou recebido,beneficiando um dos signatários doswap e prejudicando o outro.

O que é?

Swap

Paísespobres

Paísesricos

Países emdesenvolvimento

As 20 maiores economias do mundoPIB calculado em dólares

Variação Ranking Pos. 2003 Pos. 2004 Economia PIB 2004 (US$ milhões) Part. no PIB mundial (%)

1 1 Estados Unidos 11.667.515 28,54

2 2 Japão 4.623.398 11,31

3 3 Alemanha 2.714.418 6,64

4 4 Reino Unido 2.140.898 5,24

5 5 França 2.002.582 4,90

6 6 Itália 1.672.302 4,09

7 7 China 1.649.329 4,03

9 8 Espanha 991.442 2,42

8 9 Canadá 979.764 2,40

13 10 Índia 691.876 1,69

12 11 Coréia do Sul 679.674 1,66

10 12 México 676.497 1,65

14 13 Austrália 631.256 1,54

16 14 Brasil 604.855 1,48

17 15 Federação Russa 582.395 1,42

15 16 Holanda 577.260 1,41

18 17 Suíça 359.465 0,88

19 18 Bélgica 349.830 0,86

20 19 Suécia 346.404 0,85

22 20 Turquia 301.950 0,74

Total 20 maiores 34.243.110 83,75

Resto do mundo 6.642.866 16,25

Total mundo 40.885.976 100,00

PIB per capita calculado em dólares

Posição País US$

1 Luxemburgo 56.230

2 Noruega 52.030

3 Suíça 48.230

4 Estados Unidos 41.400

5 Dinamarca 40.650

6 Islândia 38.620

7 Japão 37.180

8 Suécia 35.770

9 Irlanda 34.280

10 Reino Unido 33.940

11 Finlândia 32.970

12 Áustria 32.300

13 Holanda 31.700

14 Bélgica 31.030

15 Alemanha 30.120

16 França 30.090

17 Canadá 28.390

18 Austrália 26.900

19 Hong Kong, China 26.810

20 Itália 26.120

Média 20 maiores 35.729

92 Brasil 3.090

Média mundo 6.280

PIB per capita calculado em poder de compra*

Posição País US$ PPP*

1 Luxemburgo 61.220

2 Estados Unidos 39.710

3 Noruega 38.550

4 Suíça 35.370

5 Irlanda 33.170

6 Islândia 32.360

7 Áustria 31.790

8 Dinamarca 31.550

9 Hong Kong, China 31.510

10 Reino Unido 31.460

11 Bélgica 31.360

12 Holanda 31.220

13 Canadá 30.660

14 Japão 30.040

15 Suécia 29.770

16 Finlândia 29.560

17 França 29.320

18 Austrália 29.200

19 Alemanha 27.950

20 Itália 27.860

Média 20 maiores 33.182

83 Brasil 8.020

Média mundo 8.760

PPP = Power Purchase Parity é um critério de conversão de moedas que usa o poder de compra e não a cotação de mercado. Por exemplo, se nos Estados Unidos umacaneta esferográfica custa um dólar e no Brasil ela custa 1,5 real. O poder de compra desse 1,5 real equivale a 1 dólar, independente do valor de câmbio da moeda.

REPARE: a participação dos países pobres e emdesenvolvimento aumenta quando é calculadacom base na paridade do poder de compra damoeda (PPP). Isso ocorre porque os países ri-cos têm moedas fortes em relação ao dólar, en-quanto os outros precisam de muitas unidadesde seu dinheiro para compor 1 dólar.

O PIB per capita de Luxemburgo,

primeiro do mundo, é 625 vezes

maior do que o PIB per capita de

Burundi, último colocado

Cálculo em dólares (2004)

Cálculo em dólaresPPP* (2004)

Distribuição do PIB mundial

55%

10%

35%80%

3%17%

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60

55

50

45

40

35

30

25

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

% P

IB

Dívida líquida total do setor público

38,8

33,4

30,1

50,4

49,6 50,9

52,0

57,354,9

Desaf ios • agosto de 2005 75

Quanto custa, gasta e deve a máquina governamental

Contas públicas

A reportagem da página 28 mostra como a políti-ca fiscal tem papel determinante na condução do de-senvolvimento do país. Os gráficos abaixo apresentamum resumo dos principais elementos que compõemas contas do governo, ou seja, a arrecadação, os gas-tos, a dívida e seus reajustes.Todas as variáveis são

contabilizadas em termos de percentual do ProdutoInterno Bruto (PIB), o que permite uma comparaçãodireta dos gráficos. É interessante observar como aslinhas têm formas semelhantes. A arrecadação au-mentou muito durante a última década, assim como adívida e os gastos.

62,9%

0,4%

36,7%

31,9%

23,7%8,2%

7,1%

6,1%

6,0%

2,9% 1,6% 0,1% 12,4%19

18

17

16

15

14

13

12

11

10

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

0 5 10 15 20 25

% P

IB

Arrecadação administrada pela Secretaria da Receita*

Ajuste patrimonial da dívida fiscal (estoque)

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005( jun)

% PIB

0

1,9

0,1

1,1

8,0

7,9

11,8

19,4

16,3

13,9

13,0

*Até o ano passado, a arrecadação administrada pela Secretaria da Receita Federal (SRF) não incluía as contribuições previdenciáriasFonte: Secretaria da Receita Federal

Fonte: Banco Central

REPARE: no Brasil, o conceito de dívida líquida do setor público considera os ativos e passivos do Banco Central

REPARE: os ajustes patrimoniais são aqueles quealteram o valor da dívida independente da varia-ção do valor principal.No gráfico abaixo é possí-vel distinguir algumas origens desses ajustes.As privatizações contribuem para reduzir a dívi-da. Os ajustes sobre as dívidas externa e inter-na são provocados basicamente pela variação dataxa de câmbio, e os demais ajustes dizem res-peito, em sua maioria, aos “esqueletos”que sãoassumidos pelo governo e aumentam a dívida.

Fonte: IBGE

REPARE:o consumo do governo representa apenas o que o governo comprou em bens eserviços. Não inclui as transferências, tais como pagamento de pensões e programassociais, como o Bolsa Família.

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional

REPARE: os gastos do governo central incluem também as transferências, por isso, apenas o gasto primário dogoverno central já é superior ao consumo do governo em todas as esferas.

12,3

16,1

18,1 18,2

21

19

17

15

13

11

9

7

5

1950

1970

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

% P

IB

Consumo do governo em todas as esferas

9,1

18,8

11,4

19,3

17,0

19,6 20,1 23

22

21

20

19

18

17

16

15

14

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

% P

IB

Gasto primário do governo central

16,5

17,717,3

18,2

19,5 19,6 19,6

20,921,6

20,5

21,7

Composição da dívida líquida do governo (2004)

Composição da arrecadação SRF(2004)

Imposto de RendaCofinsCPMFIPICSLL

PIS/PasepImposto de ImportaçãoIOFITROutras receitas

Governo FederalEstados e MunicípiosEstatais

-10 -5 0 5 10 15 20 25

Composição dos ajustes patrimoniais da dívida fiscal

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005( jun)

PrivatizaçãoAjuste sobre dívida externaAjuste sobre dívida internaDemais ajustes patrimoniais

Fonte: Banco Central

% PIB

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A edição de agosto de 2005 trazuma entrevista com o empresárioPaulo Cunha na qual ele defendeque a solução para o Brasil seria“observar os aspectos bons e fun-cionais das outras economias queestão crescendo. Lá eles estrutura-ram o binômio mágico, que pro-duziu o milagre econômico ale-mão do pós-guerra, que foi utili-zado no Japão na década de 60 eagora está produzindo esse mila-gre na Ásia: câmbio alto e juro bai-xo. Exatamente o oposto do que agente tem praticado aqui no Brasil,que é câmbio baixo e juro alto”. Seefetivamente encontrarmos a solu-ção, ela implica em ir além do queestão fazendo lá fora. Se instru-mentos hábeis houver, tais instru-mentos apenas podem advir da re-flexão e do pensamento.Proponhoestender essa amplitude do olhar nadireção do coração do desenvolvi-mento japonês, o sistema de pro-dução deles, exatamente porque asbases conceituais desse sistema sãoinovadoras e são a fonte da rupturaentre esse sistema de produção e osistema clássico.Esse filão está longede ter sido convenientemente ex-plorado. O fator mais importanteque pode contribuir para a solu-ção dos problemas a que o enge-nheiro Paulo Cunha aborda, den-tre todos os surgidos no século XX,

é o sistema de produção japonês ea estrutura conceitual que o su-porta como abstração – teoria,modelo e sistema. Mais importan-te ainda do que os parâmetros ma-croeconômicos por ele privilegia-dos, que de certa forma são decor-rências ou pelo menos somenteencontram equilíbrio em configu-ração adequada com um sistemade produção poderoso. Esse sis-tema de produção japonês estáfundamentado em uma estruturaconceitual totalmente nova em re-lação à que suporta o sistema clás-sico de produção. Essa alteraçãode estruturas conceituais tem raí-zes na filosofia, isto é, nos modosde ver as coisas relacionadas coma obtenção de produtos "coisas ouobjetos" usando como instrumen-tos as organizações, e que essa mu-dança radical no pensamento estádisponível desde os primeiros anosdo século XIX como resultado deuma re-acomodação do pensa-mento ocorrida entre 1775 e 1825.Essa bagagem cultural representouuma tentativa de salto para foradas bases da cultura ocidental, ocartesianismo, pela eliminação daoposição sujeito-objeto, coisa queé possível ser verificada, do pontode vista da semiótica – pragmáti-ca, sintaxe e semântica - nos con-ceitos e modelos que essa altera-ção no pensamento permite cons-truir, inclusive no Modelo Des-critivo da Produção do Kanban.Exatamente por essa característi-ca de abstração feita em bases no-vas em relação ao cartesianismo,es-sas conquistas no pensamento per-maneceram ignoradas por todo omanagement ocidental até meadosdos anos 80,até que alguém,TaiichiOhno, imerso em uma cultura di-ferente da nossa,tivesse tido a liber-dade intelectual de utilizá-las emseu sistema de produção. Essas al-terações transcendem em muito astécnicas da produção atingindo as

ciências humanas como um todo,envolvendo na Análise da Produ-ção,uma delas,as ciências da Vida-(Biologia),do Trabalho(Economia)e da Liguagem(Filologia) confe-rindo aos modelos organizacionaisuma estrutura inteiramente nova.Essa alteração de estrutura con-ceitual tem sido rigorosamente ig-norada e os principais conceitostêm sido rigorosamente mantidosinalterados a despeito do reconhe-cimento de alterações com essa pro-fundidade (basta consultar com-pêndios de TGA, de estratégia or-ganizacional, ou de management,para verificar isso).

Samuel Rocha de MelloEngenheiro Naval

São Paulo - SP

A reportagem “Educação, esco-la e apredizagem”da revista Desa-fios de maio de 2005 traz, no seuquadro de sucesso, a experiênciada Escola Plural.Em primeiro lugar,o objetivo da prefeitura ao criaruma escola desse tipo foi econo-mizar dinheiro, pois é muito boauma instituição em que o aluno já

sabe, no primeiro dia de aula, quepassou de ano, basta freqüentar asaulas. Como uma escola que nãoexige nada pode ensinar algumacoisa? Na prática, em torno de20% dos alunos da 8º série saemdo ensino fundamental semi-anal-fabetos.As reuniões pedagógicas,mencionadas pela professora nareportagem, não existem, porquea escola que fizer esse tipo de reu-nião (às sextas com dispensa dealunos) estará sujeita a corte deponto dos professores. Por último,a formação do professor deve serautônoma, o que implica em quecada professor busque seus pró-prios caminhos,em vez de a prefei-tura ou as escolas buscarem consul-torias que não funcionam.Gostariaainda de dizer que o material didá-tico adotado não tem qualidade enão é o mais adequado.

Guto VarellaBelo Horizonte – MG

A reportagem mencionada des-taca os diversos problemas do sis-tema educacional, inclusive a ur-gente necessidade de melhorar aqualidade do ensino.

CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 801 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF

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ão

76 Desafios • setembro de 2005

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.revistadesafios.org.br

Erramos

• O empresário Paulo Cunha é dono de 8% das ações do Grupo Ultra, e

não de 0,8%, como foi publicado em entrevista com ele, veiculada na

edição passada de Desafios, de agosto de 2005.

• A foto publicada na página 40 da edição nº 12 de Desafios, de julho de

2005, mostra uma reunião do Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (Cade) ocorrida em julho de 2004, e não em dezembro de

2004, como informa a legenda.

• O nome da presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica

(Cade) é Elizabeth Farina,e não Elisabeth Farina,como foi incorretamente

grafado na reportagem “Incentivo à competição”, veiculada na página 38.

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